GO 2013 A TEORIA SOCIAL DA SOCIEDADE MODERNA Textos

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FACULDADE UNISABER
IBES – INSTITUTO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E SAÚDE
CURSO DE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
OFICINAS DE TEORIA SOCIAL II
JUSSARA –GO
2013
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A TEORIA SOCIAL DA SOCIEDADE MODERNA
Textos adaptados
Segundo Octavio Ianne, a Sociologia nasce e desenvolve-se com o Mundo Moderno.
Reflete as suas principais épocas e transformações. Em certos casos, parece apenas a sua
crônica, mas em outros desvenda alguns dos seus dilemas fundamentais. Volta-se
principalmente sobre o presente, procurando reminiscências do passado, anunciando ilusões
do futuro. Os impasses e as perspectivas desse Mundo tanto percorrem a Sociologia como ela
percorre o mundo. Se nos debruçamos sobre os temas clássicos da Sociologia, bem como
sobre as suas contribuições teóricas, logo nos deparamos com as mais diversas expressões
desse Mundo. Sob diversos aspectos, ela nasce e desenvolve-se com ele. Mais do que isso, o
Mundo Moderno depende da Sociologia para ser explicado, para compreender-se. Talvez se
possa dizer que sem ela esse Mundo seria mais confuso, incógnito.
A Sociologia não nasce no nada. Surge em um dado momento da história do Mundo
Moderno. Mais precisamente, em meados do século XIX, quando ele está em franco
desenvolvimento, realizando-se. Essa é uma época em que já se revelam mais abertamente as
forças sociais, as configurações de vida, as originalidades e os impasses da sociedade civil,
urbano-industrial, burguesa ou capitalista. Os personagens mais característicos estão
ganhando seus perfis e movimentos: grupos, classes, movimentos sociais e partidos políticos;
burgueses, operários, camponeses, intelectuais, artistas e políticos; mercado, mercadoria,
capital, tecnologia, força de trabalho, lucro, acumulação de capital e mais-valia; sociedade,
estado e nação; divisão internacional do trabalho e colonialismo; revolução e contrarevolução.
Um dos seus principais símbolos, o capital, parece estabelecer os limites e as sombras
que demarcam as relações e as distâncias entre o presente e o passado, a superstição e a
ilustração, o trabalho e a preguiça, a nação e a província, a tradição e a modernidade. Em suas
conotações sociais, políticas e culturais, além das econômicas, o capital parece exercer uma
espécie de missão civilizatória, em cada país e continente, no mundo.
É claro que se podem reconhecer antecedentes ou prenúncios da Sociologia em ideias,
filosofias e correntes de pensamento de outras épocas. São comuns as referências a
Montesquieu, Vico e Rousseau, entre outros. Mas cabe lembrar que esses e outros precursores
foram “inventados” pelos fundadores da Sociologia. Os quadros intelectuais e a problemática
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social desta, quando estabelecidos, tornam possível descobrir, localizar, criar ou recriar
precursores. E isto é tanto mais fácil quando se constata que os antecessores realmente
estavam buscando compreender as manifestações iniciais, menos desenvolvidas, mas já
assinaladas, do Mundo Moderno.
É possível dizer que a Sociologia é uma espécie de fruto muito peculiar desse Mundo.
No que ela tem de original e criativa, bem como de insólita e estranha, em todas as suas
principais características, como forma de pensamento, é um singular produto e ingrediente
desse mundo. Se lembra o passado e ressoa o futuro. Um tempo que contém os muitos
andamentos dos indivíduos, grupos e classes, movimentos sociais e partidos políticos,
diversidades e desigualdades, contradições e rupturas, revoluções e contrarrevoluções.
Assim se revela a historicidade da sociedade moderna, do Mundo Moderno. Apenas
um momento da história, e não o apogeu e coroamento de todas as outras idades. Em seu
interior germinam as forças e as relações que abalam o presente, resgatam fragmentos do
passado, podem construir o futuro. A história da sociedade burguesa é uma história de lutas
sociais. Mas o segredo mais recôndito dessas lutas está em que elas produzirão a sociedade
futura, livre das desigualdades escondidas nas diversidades entre indivíduos, grupos, classes,
regiões. Nesse então, o homem estará livre da propriedade privada capitalista, entendida como
fato jurídico-político, como realidade social e como princípio organizatório universal da vida
material e espiritual. Nesse então, os sentidos físicos e espirituais do homem estarão livres
para expressar-se, revelar-se. Assim começa a apagar-se o componente de barbárie que
acompanha a Modernidade. Livres da tirania desse princípio, que os organiza, ordena e
subordina, os sentidos físicos e espirituais poderão descobrir e inventar formas, cores, sons,
movimentos, imagens, figuras, ideias e outras dimensões escondidas na máquina do Mundo.
Assim, desse modo, plantado no vasto mural do Mundo Moderno, Marx pode ser visto como
um profeta iluminado.
A INFLUÊNCIA DO PENSAMENTO MODERNO NO SERVIÇO SOCIAL: O
REFERENCIAL TEÓRICO E O TRABALHO PROFISSIONAL
1.1 Modernidade e Serviço Social: Reconstrução Histórica e o Movimento de
Reconceituação do Serviço Social
Considerar uma relação entre a Modernidade e o Serviço Social, pressupõe tecer sobre
a relação intrínseca do Serviço Social com a questão social e o modo como tal profissão se
constitui, particularmente, no Brasil. A relação da questão social com a profissão, já muito
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discutida e teorizada, se torna relevante uma vez que “[...] é a questão social que dá
concretude ao Serviço Social.” (Mota, 2010, p.45).
O Serviço Social, no Brasil, surge no início do século XX, na urgência de atender,
institucionalmente, as refrações da questão social, que vão se intensificando pelo processo de
industrialização do país (que se dá de modo tardio ao comparar com os outros processos
ocorridos no globo) e exigem resposta e respaldo por parte do Estado que acaba por ter que
amenizar os impactos na vida de grande parcela da população. É também quando se inicia as
primeiras formulações das políticas sociais que servem como instrumento para este
profissional a fim de manter a ordem, atendendo algumas necessidades dessa população.
A profissionalização do Serviço Social pressupõe a expansão de produção e de
relações sociais capitalistas, impulsionadas pela industrialização e urbanização, que trazem,
no seu verso, a questão social. (Iamamoto, 2008, p. 171, grifo do autor).
Falar no Serviço Social é necessariamente se remeter aos limites da sociedade
capitalista, sociedade que se caracteriza pela exploração do homem pelo próprio homem, no
atendimento às necessidades de expansão do capital. Ainda que esta profissão esteja inserida
neste marco, possui condições de se contrapor a esta lógica, mesmo que não supere totalmente
seu caráter contraditório.
Como dito, a profissão tem seu início nas primeiras décadas do século XX, com a
primeira escola de Serviço Social em 1936 na cidade de São Paulo, onde os primeiros
assistentes sociais foram formados para atender as mazelas da sociedade, para o
enfrentamento da pobreza, com o intuito de manutenção da ordem por meio das políticas
sociais.
Intimamente ligada a ações da Igreja Católica, com características de caridade e de
filantropia, a profissão se desenvolve e amadurece com o desafio de superação deste caráter
de ajuda e caminha no sentindo de repensar a razão de existência de si no âmbito da sociedade
capitalista, pensar quais as possibilidades de intervenção e com qual intencionalidade se dá
suas ações.
Iamamoto (2009) ressalta a reorganização do bloco católico, criando as bases para o
surgimento dessa profissão, sob forte influência do modelo europeu (autoritário, doutrinário),
entretanto esse fenômeno não pode ser relacionado apenas ao caráter transnacional da Igreja
Católica.
Conforme afirma Iamamoto (2009), o Serviço Social nasce e se desenvolve como
profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o
desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana em um contexto em que se afirma
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a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas da chamada
“questão social”, a qual se torna a base de justificação desse tipo de profissional
especializado.
Ao seu lugar Paulo Netto (2009) esclarece ser somente na intercorrência do conjunto
de processos econômicos, sócio-políticos e teórico-culturais da ordem ditada pelos
monopólios que se instaura o espaço histórico-social que possibilita a emergência do Serviço
Social como profissão.
A profissionalização do Serviço Social não se relaciona decisivamente à “evolução da
ajuda”, à “racionalização da filantropia” nem à “organização da caridade”; vincula-se à
dinâmica da ordem monopólica. (Paulo Netto, 2009, p. 73, grifo do autor).
No estudo da história brasileira, no tempo histórico do início da profissão, a Era
Vargas tem importância destacada. Iamamoto (2009) ensina que a violência que caracterizava
o Estado Novo, a tentativa de superação da luta de classes através da repressão e tortura não
podem esconder a outra face de sua postura, que se traduz na influência de sua política de
massas.
Nas décadas de 1940 e 1950, o Serviço Social passa por um intensivo processo de
institucionalização impulsionado também pelo processo de desenvolvimentismo colocado
pela conjuntura nacional.
Na década de 1950, abrem-se campo para o Serviço Social, com o surgimento das
grandes indústrias, acrescido das grandes instituições assistenciais, que requerem maior
sistematização técnica e teórica de suas funções.
Prosseguindo-se no processo histórico, Paulo Netto (2007), afirma que até o final da
década de sessenta, e entrando pelos anos setenta inclusive, no discurso e na ação
governamental há um claro componente de validação e reforço do que se caracteriza como
Serviço Social “tradicional”, prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada dos
profissionais, parametrada por uma ética liberal-burguesa e cuja teleologia consiste na
correção – desde um ponto de vista claramente funcionalista – de resultados psicossociais
considerados negativos ou indesejáveis, sobre o substrato de uma concepção (aberta ou
velada) idealista e/ou mecanicista da dinâmica social, sempre pressuposta a ordenação
capitalista da vida como um dado factual ineliminável.
No início da década de 1960, sob o governo populista de João Goulart, o “Jango”,
houve políticas desenvolvimentistas propondo as reformas de base em um contexto tenso de
crise do populismo e a efervescência de movimentos sociais e sindicatos, que culminou no
golpe militar de 1964. IAMAMOTO (2009) aduz que neste rápido governo o Serviço Social
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tem uma maior participação na formulação das políticas e planejamento, tendo o status da
profissão redefinido nas equipes interdisciplinares.
A partir do final da década de 1960, fortemente na década de 1970 e 1980, o Serviço
Social vive um processo que legitima a capacidade desta profissão apreender a realidade e de
repensar sempre qual o objetivo da sua intervenção profissional.
Conforme Paulo Netto (2007) esse período denominou-se como Movimento de
Reconceituação constituído por diferentes perspectivas. O início é marcado pela perspectiva
modernizadora quando há a formulação do Documento de Araxá em 1967, com o objetivo de
oferecer uma profunda revisão dos marcos teóricos metodológicos e técnico-instrumentais do
Serviço Social.
Ainda nessa mesma perspectiva, com um caráter de cristalização, tem-se o Documento
de Teresópolis em 1970. Tais documentos tiveram suas proposições correspondendo a uma
sincronização do projeto profissional e realidade. (Paulo Netto, 2007, p. 193).
Em 1978 tem-se também o Documento de Sumaré e Documento Alto da Boa Vista de
1984, porém suas contribuições tiveram “[...] um tônus de anacronismo que as torna pouco
sensibilizadoras para a polêmica mais rica e calorosa”. (Paulo Netto, 2007, p. 197).
As perspectivas começam a efetivamente mudar em 1979, com o III CBAS –
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, em São Paulo, que ficou conhecido como o
“Congresso da Virada”, quando a categoria profissional assume uma nova postura de
contraposição à lógica capitalista vigente na sociedade. Esse Congresso, com absoluta certeza
ficou conhecido como marco de luta e resistência desta categoria e o início do processo de
formulação de novas diretrizes, enfim, um novo rumo para o Serviço Social.
Assim o Serviço Social se ocupa pelo fortalecimento dos movimentos sociais e na
representação da classe trabalhadora. [...] é somente quando a crise da autocracia burguesa se
evidencia, com a reinserção da classe operária na cena política brasileira desatando uma nova
dinâmica na resistência democrática, que a perspectiva da intenção de ruptura pode
transcender a fronteira das discussões em pequenos círculos acadêmicos e polarizar atenções
de segmentos profissionais ponderáveis. (Paulo Netto, 2007, p. 248).
A opção por um novo referencial teórico é vislumbrada no direcionamento social e
político que o Serviço Social opta.
Há, portanto, neste momento uma significativa
aproximação à teoria social marxiana, ainda que tenha não tenha sido feita por um acesso
direto aos escritos de Karl Marx, entendendo os limites do momento em que o Serviço Social
vivia (com forte influência althusseriana) foi um importante passo para o processo de
amadurecimento da dimensão teórica e prática da profissão.
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Para Paulo Netto (2007) essa aproximação denominou-se um ‘marxismo sem
Marx’, Sem perder de vista a importância teórica e ideológica desta incorporação,
realizada em condições nada favoráveis (recorde-se, mais uma vez, o quadro da sociedade e
da universidade brasileiras da época), o fato é que na inspiração marxista de que se socorrem
os formuladores belo-horizontinos se encontram os nós problemáticos que rebatem
comprometedoramente na sua contribuição renovadora. (Paulo Netto, 2007, p. 287, grifo do
autor).
O entendimento do movimento da sociedade capitalista e a vinculação com um projeto
societário que tensione para a transformação do modo de (re)produção da sociedade surge a
partir da apropriação deste referencial que oferece elementos que auxiliam no desvelamento
da complexidade do real.
Entretanto, é preciso tecer algumas considerações sobre a apropriação desse
referencial, uma vez que não se optou por este não apenas por não haver outras referências
filosóficas e metodológicas. No bojo do século XX, com significativo desenvolvimento das
ciências, no âmbito do conhecimento surgem importantes teorias que se tornam referência
para os estudos no âmbito das ciências humanas e sociais, especialmente.
Far-se-á um rápido panorama do pensamento na Modernidade e o impacto que
provoca no Serviço Social.
O importante de se entender tais teorias se justifica no fato de quando o Serviço Social
surge nas primeiras décadas do século XX, surge com a obrigação do cuidado daqueles que
estão à mercê da pobreza e à margem da sociedade, com os desempregados, com os
‘desajustados’ da ordem societária que se organiza a partir da satisfação das necessidades do
capital.
Nos anos 30, reconhecidas as tensões de classe que acompanham o processo de
consolidação do mercado capitalista de trabalho, tenta-se institucionalizar um tipo de ação
social que, no âmbito das relações Estado/sociedade, tenha como alvo a situação social do
operariado urbano e do exército industrial de reserva, no sentido de atenuar as sequelas
materiais e morais derivadas do trabalho assalariado. (Iamamoto, 1997, p.114)
Dessa forma, a primeira influência que o Serviço Social recebe é dessas teorias, uma
perspectiva positivista e funcionalista que impulsionava apenas a correspondência, por parte
do Estado, de organização da ordem. Não se está ignorando a contribuição dos profissionais
que compuseram o início da profissão, por considerar o que a profissão é hoje como parte de
um processo que não foi finalizado, o Serviço Social é o que é hoje por ter todo esse processo
histórico que propiciou o amadurecimento teórico e metodológico da ação profissional.
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Iamamoto (1997, p.114) coloca que o Serviço Social compõe um plano mais amplo de
estratégia com o intuito de adequação do operariado ao ritmo do trabalho fortalecendo “[...]
portanto, as bases de legitimidade para o exercício do poder de classe: a dominação políticoideológica, assim como a apropriação econômica”.
É aí então que a teoria social inspirada em Marx encontra no Serviço Social um espaço
para instrumentalizar o profissional na sua intervenção profissional, na possibilidade de ao se
ter contato com a realidade, compreendê-la em sua complexidade e movimento e inferir uma
ação que tensione na transformação da realidade, ainda que a tarefa de transformar não seja
exclusiva a uma profissão apenas.
Ainda nas proposições do pensamento moderno, por fim, mas não menos importante,
encontra-se Karl Marx (1818-1883), que pelo entendimento do materialismo histórico
dialético, compreende a realidade como um processo histórico, com sua historicidade, em
constante movimento e, portanto, mudanças. Seu método pressupõe a consideração da relação
do sujeito com o objeto, pela razão dialética se ocupa pela reconstrução do objeto no
pensamento, inquirindo pela apreensão do modo de ser do objeto. Diferentemente das outras
proposições, parte da premissa de que mais do interpretar o mundo, a questão é transformá-lo.
(Marx; Engels, 2007, p. 120).
Quando o Serviço Social se aproxima da teoria social marxiana, ainda que de maneira
enviesada, potencializa substantivamente o seu direcionamento social e político, qualifica
suas ações e proposições, apreende que para se conhecer a realidade são necessárias
sucessivas aproximações do seu movimento em busca da sua essência, vincula seu projeto
profissional a um projeto societário que luta pela transformação e superação da sociedade de
classes, organizada a partir do modo de produção capitalista.
A razão dialética, com Marx, corresponde a uma racionalidade que é objetiva que e
pela reconstrução da processualidade a partir de um sistema categorial, por um conjunto de
categorias ontológicas. (Paulo Netto, 1994, p. 27).
[...] o mundo é pensado enquanto movimento dinamizado
contraditoriamente, o ser tem sua efetividade no processo de colisões
que é o seu modo específico de ser; e a consciência que reconstrói
esse movimento (um automovimento) procede, ela mesma, por
aproximações. (Paulo Netto, 1994, p. 28, grifo do autor).
Na teoria marxiana, é reconhecida a dimensão do ser social, que se realiza na atividade
do seu trabalho, que proporciona também, além da objetivação do seu pensamento, a relação
com o outro e a relação com a natureza. A ontologia de Marx é diretamente a ontologia do ser
social. (Paulo Netto, 1994) A determinação central da ontologia marxiana como
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especificamente referida ao ser social está na sua categoria fundante, a categoria de práxis,
cuja pertinência é exclusiva aos indivíduos pertencentes ao gênero humano. (Paulo Netto,
1994, p. 34, grifo do autor).
O trabalho na teoria social tem uma importância central uma vez que possibilita a
objetivação da prática social. A centralidade do trabalho em Marx permite que se dimensione
a dimensão de ser social e coletivo que tem o homem enquanto ser social e prático.
O fundamento da prática social é, pois, o trabalho social; atividade criadora, produtiva
por excelência, condição da existência do homem e das formas de sociedade, mediatizando o
intercambio entre o homem e a natureza, através do qual o homem realiza seus próprios fins.
(Iamamoto, 1997, p. 116, grifo do autor).
A qualificação da ação do homem enquanto prática social, como práxis é o que
caracteriza a razão dialética. Isso marca a originalidade da obra marxiana que impulsiona na
apreensão da realidade e da urgência da superação da contradição entre capital e trabalho.A
teoria social de Marx se ocupou em olhar o modo de produção e reprodução na sociedade
capitalista, desvelar a trama do capital. Constata que a realidade se apresenta em um primeiro
instante no modo aparente e que é preciso ir para além do que é imediatamente dado para que
se aproxime da essência, que nunca será possível de ser captada totalmente, mas que é por
sucessivas aproximações busca-se captar o movimento do real. É preciso enfatizar que esse
movimento de negação do aparente para que se perceba a essência não ignora de modo algum
o aparente, pois entendido pelo movimento dialético, o aparente contém parte da essência do
fenômeno.
A tríade categorial colocada pelo método marxiano é representada pela mediação que
se define como uma categoria que nos permite conhecer a realidade, através de um exercício
do pensamento, e agir sobre ela, uma vez que parte da própria realidade. É preciso enfatizar a
sobreposição da realidade concreta sob o pensamento, que é a particularidade presente em
Marx que o difere do idealismo de Hegel.
A ontologia social marxiana, fundada na práxis e centrada no trabalho, apreende a
constituição do ser social como a constituição de complexos de complexos: a realidade social
é uma totalidade concreta composta por totalidades concretas de menos complexidade.
(Paulo Netto, 1994, p. 37, grifo do autor).
A mediação é construída do universal para o singular, tendo na particularidade o seu
campo. A realidade é entendida a partir de sua totalidade concreta, relevando sempre o
processo histórico, a historicidade e como os fenômenos se relacionam.
“Assim, a totalidade concreta (como suas componentes) é dinamizada através de
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mediações – uma totalidade imediata é uma totalidade amorfa, inestruturada.” (Paulo
Netto, 1994, p. 38, grifo do autor).
O método marxiano possibilita o conhecimento do modo de se existir da sociedade, o
movimento dos fenômenos, potencializa a intervenção nessa realidade e aponta para uma
nova forma de organização da sociedade. Ainda, qualifica a prática social enquanto práxis,
como unidade indissociável entre teoria e prática e por mais que possibilite o conhecimento
da realidade, esclarece qual o limite de intervenção na complexidade do real. Esclarece ainda
que, apesar de se ter uma compreensão da realidade, a atuação nela é circunscrita pelas
condições objetivas que se põem a ação profissional.
Tal teoria também qualifica a ação do assistente social inserida na divisão do trabalho
que é alterada a partir do desenvolvimento das forças produtivas. É trabalho, pois é
constituinte de valor e tem como mercadoria a própria força de trabalho, portanto, trabalho
assalariado.
O Serviço Social e o embate entre modernidade e pós-modernidade
A partir do final do século XX, há significativas transformações ocorridas no mundo,
sobretudo, nas relações de trabalho. É a partir dos anos 1970 que se compreende as
transformações societárias das décadas seguintes.
O modo de produção capitalista passa por uma profunda alteração na substituição do
padrão de acumulação, impulsionando a reestruturação produtiva e fundamentando um ideário
neoliberal. Após décadas de crescimento e desenvolvimento do capitalismo de monopólios, o
sistema se encontra em crise e o modo de produção taylorista-fordista (produção rígida) se
esgota, dando abertura para um novo modo de acumulação, conhecido como acumulação
flexível.
Isso não quer dizer que a o capitalismo de monopólios foi extinto, apenas foi alterado
o modo de produção, que busca a garantia de altas taxas de lucro e expansão do capital.
Desse modo, a mecanização invade bruscamente o mundo do trabalho, exigindo, cada
vez mais, menos trabalho vivo. (Paulo Netto; Braz, 2009, p. 216).
Tais transformações surgem com o pensamento denominado pós-moderno, que busca
a apreensão dos fenômenos através de uma redução da racionalidade e abrindo para os
diversos racionalismos, [...] a retórica pós-moderna não é uma intencional mistificação
elaborada por moedeiros falsos da academia e publicitada pela mídia a serviço do grande
capital.
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Antes, ela é um sintoma das transformações em curso na sociedade tardo-burguesa
[...]. (Paulo Netto, 1996, p. 98).
Sem dúvidas isso invade o Serviço Social, uma vez que altera a sociedade, espaço de
objetivação da questão social, espaço da intervenção profissional, e ainda mais, há uma
alteração nas relações de trabalho no embate do capital o que traz novas características para a
questão social. Esse quadro compõe o modo de produção capitalista contemporâneo2, e
importa entender o Serviço Social que passa pelo processo de Reconceituação nesse chão
histórico e que lida com as refrações das transformações societárias também ocorridas no
mesmo período.
Quando o Serviço Social define um novo direcionamento social e político para a
profissão, entendendo sua intervenção e limite diante da realidade, ele assume uma posição
totalmente contrária à ordem burguesa, à lógica da mercadoria e busca contribuir. É
necessário enfatizar que a contemporaneidade é profundamente marcada pelas alterações
ocorridas na primeira década do século XXI, transformações que são extremamente
significativas, entretanto, não para as considerações que são feitas aqui limitar-se-á nos anos
1980, 1990 e inicio do século XXI.
Para processos de emancipação, vislumbrando a superação da sociedade regida pela
lógica do capital.
2.1. Intervenção: Conformação X Transformação
A prática profissional não tem o poder miraculoso de revelar-se a si própria.
Adquire seu sentido, descobre suas alternativas na história da sociedade da qual é
parte. (IAMAMOTO)
A capacidade de o Serviço Social compreender o seu limite de intervenção e
transformação da realidade vem da apropriação de um referencial teórico-crítico, que desvela
o modo de ser da sociedade e considera o processo histórico e a historicidade, capacita e
instrumentaliza no sentido de tensionar para a transformação das relações de (re)produção.
Não é de modo algum utilizada uma perspectiva crítica, inspirada na teoria social de
Marx, como manual possível de ser aplicado ou comparado. A dimensão de totalidade é
indispensável para identificar o movimento constante da realidade e delimitar a intervenção
do profissional.
A partir do entendimento da dimensão da práxis social e a centralidade do trabalho é
possível compreender que na sociedade burguesa as ações se desenvolvem para satisfação de
expansão e permanência do capital.
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A dimensão de ser social, do sujeito coletivo, esclarece que a tarefa de transformação
da sociedade não se dá de modo algum por uma profissão isolada, mas esta pode contribuir
com espaços para objetivação de potencialidades, com processos de conscientização e no
fortalecimento de ações e movimentos de resistência contra a ofensiva do capital.
A capacidade de compreensão do significado da profissão possibilita que o assistente
social perceba seus limites de intervenção, aponta a funcionalidade do trabalho profissional e
elucida as possibilidades de ação. Paulo Netto (1989, p. 99) diz estar “[...] convencido de que
o recurso à tradição marxista pode nos clarificar criticamente o sentido, a funcionalidade e as
limitações do nosso exercício profissional.”
O assistente social pode, e deve, ao trabalhar para superação de toda exploração agir
com resistência a favor dos trabalhadores, daqueles ditos ‘excluídos’, na constante busca da
afirmação de direitos qualificada pela emancipação política, forcejando para o acesso pleno
aos direitos civis, sociais e políticos. Contribuindo ainda para o processo de formação de
consciência sendo fundamentada no horizonte da emancipação humana.
Não procurando entrar na polêmica da hegemonia do PEP, entretanto é preciso
enfatizar que dizer que o Projeto é hegemônico, não quer dizer que o entendimento é
homogêneo. Quanto à apropriação da teoria social de Marx pela categoria profissional Paulo
Netto ressalta que “Animame porque é um signo inconteste da pertinência contemporânea da
interlocução entre o serviço social e a tradição marxista, porque atesta que ela possuiu um
significado concreto para nós, porque assegura que a sua inserção no debate profissional não é
algo artificioso ou aleatório. [...] me preocupa, porque pode induzir à falsa ideia de uma
hegemonia da tradição marxista no cenário profissional – e não creio que este seja o quadro
real.”(PAULO NETTO, 1989, p.100).
A apropriação da teoria marxiana proporciona um entendimento para a emancipação
política e evidencia o seu limite, cujo objetivo não é que o homem seja totalmente livre, mas
seja completa e verdadeiramente cidadão.
O limite da emancipação política aparece logo no fato de que o Estado pode libertar-se
de uma barreira sem que o homem esteja realmente livre dela, [no fato de] que o Estado pode
ser um Estado livre sem que o homem seja um homem livre. (Marx, 2009, p. 48, grifo do
autor).
Ela se torna necessária para se pensar em processos maiores direcionados à
emancipação humana. A emancipação política é, sem dúvida, um grande progresso; ela não é,
decerto, a última forma de emancipação humana, em geral, mas é a última forma de
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emancipação política no interior da ordem mundial até aqui. (Marx, 2007, p.52, grifo do
autor).
Iamamoto (1997, p. 121) destaca que, [...] entender a prática profissional supõe inserila no jogo das relações das classes sociais e de seus mecanismos de poder econômico, politico
e cultural, preservando, no entanto, as particularidades a profissão enquanto atividade inscrita
na divisão social e técnica do trabalho.
A inserção do Serviço Social na sociedade, como já dito, tem uma determinada
funcionalidade e limite, mas há a afirmação do compromisso com a transformação e ainda que
a complexidade da realidade se coloque no movimento do cotidiano, imediato, e as ações
devam ser realizadas para o atendimento de emergências e urgências, não se deve de modo
algum ser circunscrita por um conformismo, mas deve se fortalecer sempre no sentido de
transformar a sociedade em que se está inserida, pois como disse Iamamoto (1997, p. 120), o
Serviço Social ganha “[...] sentido, descobre suas alternativas na história da sociedade da qual
é parte.”
Política, sociedade de classes e alienação
Resumindo: a concepção “negativa” da política em Marx tem como um de seus
fundamentos a teoria da alienação. De fato, este identificou a existência de um conjunto de
práticas, instituições, crenças e processos mediante os quais a dominação de classe coagulavase, reproduzia-se e aprofundava-se. Descoberta fundamental que por si só assegura a Marx um
lugar privilegiado na história da filosofia política. O corolário de sua indagação conduziu
nosso autor à conclusão de que a política e o estado, longe de serem o que Hegel dizia, eram
ao contrário, estratégicas instâncias da alienação que contribuíam para encobrir a exploração
do trabalho assalariado e, desse modo, para preservar uma sociedade radicalmente injusta. A
análise marxiana despojou o estado e a vida política de todos os ornamentos sagrados ou
sublimes que os enobreciam ante os olhos de seus contemporâneos e os mostrou em sua
nudez de classe. É por isso que a luta política não é para Marx um conflito que se esgota nas
ambições pessoais ou motiva-se nos mais elevados princípios doutrinários, mas sim tem uma
raiz profunda que se alonga, através de uma cadeia mais ou menos extensa de mediações, não
só da sociedade de classes. Desaparecida esta, a política passa a ser outra coisa e
necessariamente adquire uma conotação diferente.
O que significaria, então, o “fim da política” em Marx? Para responder a esta questão
é preciso sublinhar que sua visão da futura sociedade sem classes não é (como ainda hoje
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asseguram seus detratores) algo cinza, uniforme e indiferenciado. Esta é a paisagem que
pintam os adversários de Marx, ou os filósofos que celebram a eternidade do capitalismo. Aos
olhos do marxista, a sociedade sem classes revela-se, ao contrário, como uma vistosa aquarela
na qual as identidades e as diferenças étnicas, culturais, lingüísticas, religiosas, de gênero, de
opção sexual, estéticas, etc., serão potencializadas uma vez que tenham desaparecido as
restrições que impedem seu florescimento: a sociedade de classes e a exploração classista.
Trata-se, portanto, é de potencializar estas diferenças cuidando para que estas não se
convertam em renovadas fontes de desigualdades e/ou de opressão social. Em outras palavras,
há uma diferença estratégica que não se deve potencializar, nem favorecer: a diferença de
classe. Todas as demais são bem-vindas. O “progressismo burguês”, diferentemente,
desenvolve uma falácia, por ser indiscriminado e abstrato, argumento a favor das diferenças
que alenta a crescente polarização classista de nossas sociedades. Em outras palavras: deve
haver limites ao florescimento das diferenças. Há uma espécie de diferença que é socialmente
daninha e deve ser eliminada: a diferença classista.
Trata-se, em síntese, de aquilatar as contribuições que as colocações epistemológicas
marxistas estão em condições de efetuar para o desenvolvimento da filosofia política. A
perspectiva totalizadora do marxismo e sua exigência de transpassar as estéreis fronteiras
disciplinares em prol de um saber unitário e integrado, que articule em um só corpo teórico a
visão das distintas ciências sociais, encerram a promessa de uma compreensão mais acabada
da problemática política da cena contemporânea. Neste sentido, um aporte decisivo de Marx à
filosofia política encontra-se em sua reivindicação da utopia.
A conseqüência desta imprescindível recuperação da utopia é dupla: por um lado,
coloca os filósofos políticos frente à necessidade não somente de serem críticos implacáveis
de todo o existente, mas também de propor novos horizontes para os quais a humanidade
possa avançar. Por outro lado, deixa à mostra a raiz profundamente conservadora de todos
aqueles que renunciam a falar da boa sociedade. Sem este horizonte utópico a filosofia
política converte-se em um saber inofensivo e irrelevante, em uma lastimosa justificação da
ordem social existente.
Como conclusão, então, devemos rechaçar a pergunta acerca da existência de uma
teoria “política” marxista, sublinhando sua incompatibilidade com as premissas da concepção
epistemológica do marxismo. Essa pergunta pode ser formulada em relação à teorização
weberiana, ou da escola da “eleição racional”, ou neoinstitucionalista, porque é congruente
com seus pressupostos epistemológicos. Isto é, a pergunta de Bobbio é não condizente errônea
no caso do marxismo, mas é válida para as outras tradições de pensamento. Aceita-la no caso
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do marxismo significaria nada menos que admitir um reducionismo pelo qual a política se
explicaria mediante um conjunto de “variáveis políticas” tal e como se vê na ciência política
conservadora. De todos os pontos de vista isto constitui uma opção completamente
inaceitável.
Contrariamente ao que sustentam tanto os “vulgomarxistas” como seus não menos
vulgares críticos de hoje, o que distingue o marxismo de outras correntes teóricas nas ciências
sociais –recordar Lúkacs– não é a primazia dos fatores econômicos, nem os políticos, e sim o
ponto de vista da totalidade. Se alguma originalidade a tradição marxista pode reclamar, com
justos títulos, é sua pretensão de construir uma teoria integrada do social na qual a política
seja concebida como a resultante de um conjunto dialético –estruturado, hierarquizado e em
permanente transformação– de fatores casuais, somente alguns dos quais são de natureza
política enquanto que muitos outros são de caráter econômico, social, ideológico e cultural.
O que há no marxismo, na realidade, é algo epistemologicamente muito diferente: uma
“teoria marxista” –isto é, totalizante e integradora– da política, que integra em seu seio uma
diversidade de fatores explicativos que transcendem as fronteiras da política e que combina
uma ampla variedade de elementos procedentes de todas as esferas analiticamente
distinguíveis da vida social. Assim como desde o marxismo não há, nem pode haver, uma
teoria “econômica” do capitalismo ou uma teoria “sociológica” da sociedade burguesa,
tampouco há, nem pode haver, uma teoria “política” da política. O que há é uma teoria que
coloca uma reflexão integral sobre a totalidade dos aspectos que constituem a vida social,
superadora da fragmentação característica do cosmo visão burguesa. Que a dita teoria não
tenha alcançado os níveis de sofisticação que se encontra em O Capital, ou que não possua
um grau de desenvolvimento análogo ao que encontramos na obra de Marx em relação com o
funcionamento da economia capitalista, não significa que não exista uma teoria marxista
sobre a política. Existe, e sua situação atual mal poderia ser julgada como rudimentar. É
indubitável que um esforço muito sério deverá ser feito a fim de contar com uma teorização
mais adequada e satisfatória sobre os distintos aspectos que fazem a vida política e a ordem
estatal nas sociedades capitalistas. Mas este reconhecimento não poderia jamais arrematar na
lisa e plana negação das premissas e das perspectivas analíticas que sobre a vida política das
sociedades capitalistas se foram acumulando ao longo do último século e meio a partir das
pioneiras pesquisas de Marx sobre o tema.
O marxismo não está na moda. É um fato. Com a emergência
da revolução comunicacional na ordem tecnológica e simbólica, o
giro lingüístico no discurso filosófico e a globalização no terreno
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econômico já não tem sentido seguir questionando ao capital e às
novas modalidades que este adquire no mundo de hoje. Parafraseando
a Sartre, o capitalismo é hoje o horizonte insuperável de nossa época.
Marx ficará, sim, na história das idéias. Mas o fará, em suma,
como aquele que soube visualizar o fator econômico da vida social.
No cemitério das teorias clássicas, seu cadáver permanecerá então
encerrado dentro do sarcófago do economicismo. Por não ter teorizado
sobre a política, o poder e a dominação suas reflexões estão envelhecidas
e resultam aos olhos contemporâneos absolutamente circunscritas
ou obsoletas.
Gramsci, o italiano, sim, completou a Marx. Ele viu a dimensão
do consenso, a necessidade do diálogo, o desafio da governabilidade e
a importância do Parlamento. Essa foi sua grande contribuição: não
graças a seu marxismo, mas apesar dele.
Os lugares comuns acima, consolidados pouco a pouco em
nossas Universidades no período posterior às sangrentas ditaduras
dos anos 70, constituem os principais eixos do relato legitimador que
justifica os atuais - e, por certo, perpétuos - enterradores do marxismo.
Neste trabalho tentaremos submeter à discussão estas noções básicas
compartilhadas pela maioria dos paradigmas em voga em nossa
comunidade acadêmica.
Constatemos, antes de mais nada, um fato irrecusável. A
interpretação economicista da teoria marxista, habitual na vulgata
“ortodoxa”, isto é, stalinista, de antanho, entrou efetivamente em uma
crise terminal. Neste preciso ponto, o relato dominante anteriormente
reproduzido tem um grau mínimo de objetividade. Contudo, as razões
desta crise não obedecem apenas a um problema de maior ou menor
aproximação e fidelidade - seja acadêmica ou política - à exegese
bibliográfica sobre os clássicos do marxismo.
Sucede que hoje em dia, enquanto amplia cada vez mais sua
capacidade de reprodução ideológica, o capitalismo não satisfaz
economicamente as necessidades mínimas de reprodução material da
população mundial. Não obstante, continua existindo, mesmo
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condenando milhões à morte, goza no momento de boa saúde. Uma
saúde relativa é certo, que convive com suas crises periódicas. Estas,
porém, não conduzem automaticamente à sua queda, como
postulavam até pouco tempo atrás as vertentes mais catastrofistas do
marxismo. Se o regime capitalista pode sobreviver e reproduzir-se
deste modo durante tanto tempo e com custos semelhantes é porque
além da exploração econômica (centrada fundamentalmente na
extração de plusvalor, coração do modo de produção capitalista), no
exercício do poder existiu outro “plus” que evidentemente passou
despercebido para os mais apressados leitores de Marx. Esta é hoje transcorrida já uma década da queda do muro de Berlim - a principal
razão da crise terminal do economicismo.
Submetendo então à discussão o celebrado “enterro” acadêmico,
pretendemos, neste trabalho, tratar de repensar o complexo tecido de
tensões que possibilitaram tal plus (conformado pelas redes da
dominação e os fios da hegemonia). Para isso, nos centraremos no
pensador e militante revolucionário que dedicou no século XX maior
atenção a estes problemas: Antonio Gramsci. Mas, previamente,
tentaremos elucidar determinadas questões que ainda seguem
pendentes em torno a Marx, cuja obra Gramsci adotou como
ferramenta de trabalho durante quase toda sua reflexão política.
A dominação política em Marx
Marx estudou, ao mesmo tempo, tanto o processo da exploração, quanto da
dominação. Sua teoria foi, contudo, castrada, reduzida unicamente a um deles. Bastava mudar
a propriedade jurídica das empresas para criar uma nova sociedade. A debilidade de
semelhante concepção salta hoje à vista. Como se constrói o social? Eis aqui o dilema. Antes
de tentar resolvê-lo voltemos sobre nossos passos.
Como foi possível cair em tal economicismo defendido, pela “ortodoxia” stalinista e
festivamente enterrado pela Academia?
Em seu célebre prefácio à Contribuição à crítica da economia política (1859) Marx
analisava as descobertas às quais tinha chegado durante quinze anos de investigação após
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estudar e criticar a Filosofia do direito de Hegel no biênio 1843-1844, de adotar a identidade
comunista e de ter tomado contato com o movimento operário de seu tempo. Ali, no prefácio
de 1859, tentava expor, em breve síntese, as bases gerais de sua concepção da história.
Gramsci se esforçou por ler este pequeno texto programático como “a fonte autêntica
mais importante para uma reconstrução da filosofia da práxis”, atendendo ao mesmo tempo a
três instâncias: (1) o passo central que este escrito outorgava à esfera ideológico-política
– a da hegemonia –, (2) a identificação da ciência como uma forma ideológica da
consciência social, e, finalmente, (3) a formulação de que a principal força produtiva é, na
realidade, a classe operária – o sujeito da revolução –, constatação da qual se deduzia que a
dialética “forças produtivas-relações de produção” não era “objetiva” de forma absoluta, mas
que, pelo contrario, sintetizava a contradição sujeito objeto.
Contudo, apesar da tentativa esquecida de Gramsci, este documento programático de
Marx foi lido invariavelmente na tradição marxista “oficial” como a reafirmação cortante do
“objetivismo” social (garantia da “cientificidade”, por antonomásia).
A história marcharia então por si só, como uma locomotiva com piloto automático
cujo software estaria conformado pela contradição – colocada totalmente à margem da práxis
como algo similar à astúcia da razão hegeliana – entre as todo-poderosas forças produtivas
(divorciadas da classe operária, associadas à tecnologia e aos instrumentos técnicos de
trabalho) e às relações de produção (transformadas em relação homem-coisa e não homemhomem).
A esta última veio somar-se a utilização por parte de Marx de sua conhecida metáfora
de raiz arquitetônica - que por sua imagem de fácil compreensão - se empregou
posteriormente em todo tipo de divulgação pedagógica – os manuais stalinistas – de seu
pensamento.
A utilização de metáforas nas explicações teóricas não é algo distintivo deste pequeno
texto, pois além de ser um recurso compartilhado pelas diversas ciências constitui, neste caso
particular, uma característica própria do estilo literário e da pena de Marx. Ela vem desde sua
juventude, como assinalam seus biógrafos, um de seus professores, Wettenbach, lhe
reprovava no estilo “uma busca exagerada de expressões insólitas e pitorescas”.
O problema, não é atribuível em si mesmo ao próprio Marx, mas a seus divulgadores
formados no DIAMAT , consiste em que depois de tantos anos de repetição, a metáfora se
cristalizou no discurso pedagógico. Formou-se o curioso hábito de pensá-la como uma
imagem real. Este processo de coagulação, cansaço e preguiça mental encerra implicitamente
um acúmulo de dificuldades.
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