o homem que corresponde a deus

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O HOMEM QUE CORRESPONDE A DEUS
Observações sobre o homem à imagem de Deus como figura
fundamental da Antropologia teológica
E. Jüngel, Tübingen
"Nova Antropologia" pode pretender ser uma doutrina teo16gica do
homem apenas num sentido bem restrito. Com efeito, conquanto a
Antropologia procure responder à pergunta a respeito do que é o homem, a
Antropologia teológica se refere a textos bastante antigos, sem os quais é
incapaz de formular um conceito teologicamente válido sobre o homem.
Afirmações teológicas sobre o homem são, em todo caso, também
testemunhos de fé, que, como tais, oferecem uma visão que o homem tem de
si mesmo, falando de uma forma original sobre os textos da Bíblia. Uma nova
Antropologia, portanto, somente se justifica para a teologia cristã, enquanto
cada sentença teológica deve ser, a cada momento, uma nova tentativa de
formular a compreensão cristã de Deus e do homem, fixada na Bíblia, adaptada
ao tempo em questão e compreensível para ele. Nessa adequação ao tempo é
que se deve manifestar então a conformidade objetiva do discurso cristão
sobre o homem.
Se, nesse sentido, a Antropologia teológica não passa de uma nova
doutrina muito limitada sobre o homem, com referência ao seu objeto, porém,
ela é uma Antropologia nova num sentido radical. Com efeito, a
autocompreensão humana que a fé cristã apresenta e que qualquer
Antropologia teológica deve fazer valer, aplica-se de uma maneira toda
especial ao homem novo. É por isso mesmo que a fé cristã se comporta
criticamente fr,ente a toda realidade da existência humana, pois compreende o
homem de maneira escatológica e abre para todo homem a possibilidade de se
compreender a si mesmo escatologicamente.
Escatológico, em primeiro lugar, quer dizer novo, de um modo que
não pode ser efetuado pelo próprio homem. Na autocompreensão escatológica
do homem, trata-se, portanto, de um novo ser do homem, que não lhe advém
de si mesmo. É um modo de ser que lhe' advém de Deus, afirma a fé cristã. E
porque o novo ser do homem lhe advém de Deus, esse se subtrai ao destino
daquilo que advém ao homem por parte dele mesmo. O que advém ao novo
ser do homem por parte do homem mesmo não pode ser novo sem
envelhecer. O novo ser que provém de Deus para o homem escapa à
necessidade de precisar envelhecer.
Em segundo lugar, escatologicamente significa novo de um modo que
torna velho o que é velho, deixando-o passar-se. "Assim, se alguém está em
Cristo, é uma nova criatura; passou o que era velho, e eis que é novo. E tudo
isso vem de Deus ... " (2 Cor 5, 17 e ss.). É um homem novo, na sua distinção e
relação com o homem real, que era crente e, sob um aspecto de totalidade
incomensurável, ainda o é, que interessa à Antropologia teológica. Por isso, ela
é menos uma nova doutrina do homem que a doutrina ser do homem: o
homem à imagem de Deus. Nisto, recorrer-se-á apenas aos aspectos bíblicos
que são Importantes: para a fundamentação da Antropologia teológIca, sem
querermos esgotar a riqueza da Antropologia bíblica.
FUNDAMENTAÇÃO FORMAL DA ANTROPOLOGIA EVANGÉLICA.
O que se diz do homem escatologicamente novo e correspondente a
Deus transcende aquilo que o homem, pela análise de sua existência, consegue
trazer para dentro da experiência sobre si mesmo. Depende de uma palavra
secundum dicentem Deum, de uma palavra a ser medida por Deus que fala, a
qual é chamada pela teologia palavra de Deus. O que se diz do homem
correspondente a Deus implica, além disso, hermeneuticamente no seu modo
particular de ser, já uma decisão material sobre a essência do homem, o qual
constitui, segundo isso, antes de qualquer discurso um ser destinado a ouvir. O
homem, por aquilo que tem a dizer e consegue dizer a si mesmo, é
ontologicamente destinado a ouvir uma palavra que o constitui na sua
essência. Ele precisa tornar-se ôntica e existencialmente "um ouvinte da
palavra" (RAHNER). Logo, o discurso teológico do homem escatologicamente
novo sobrepuja necessariamente a auto-experiência do homem, enquanto
exige que ele, apesar de sua auto-experiência, faça mais uma experiência. Caso
contrário, não seria um discurso teológico.
Esse discurso, todavia, requer uma verificação no horizonte de uma
análise da existência do homem. Precisamente, porque a palavra de Deus
constitui a essência humana como um ser que ouve e, principalmente, um ser
que fala, de modo que "Deus" é o preconceito com que a Antropologia
teológica trabalha, cada sentença da Antropologia teológica precisa ter
validade geral e, enquanto possível, também ser compreensível por todos. É
mister contar, portanto, com a possibilidade de que sentenças válidas para
todos somente se to:nem compreensíveis para todos mediante uma
intervenção particular (por ouvIr-se a palavra de Deus). O caráter ontológico
dos enunciados teológicos só pode ser apreendido pelo mediador ôntico, que é
a palavra de Deus, e o homem não pode ser identificado como criatura de um
Deus criador, a não ser firmado na fé em Deus, o reconciliador que o justifica
como sua criatura. Esta afirmação deve, então, em todo caso, formular o ser de
todos os homens, e ser aceitável de modo geral - portanto, também quando o
preconceito da crença em "Deus" fosse concebido como lugar vazio. A unidade
original da mais alta concreção, de um lado, e da mais alta universalidade, de
outro, que a teologia cristã reclama para Deus, e somente para ele, obriga a
Antropologia teológica a enunciados cuja generalidade deve ser substituída,
mesmo quando Deus é, por assim dizer, preso como Ens concretissimum (Ser
concretíssimo). Só o conceito de Deus é capaz dessa "despretensiosidade
teórica", que permite formular de um modo antropologicamente
compreensível, até para o ateu, as sentenças antropológIcas só formuláveIs a
partIr de suas pressuposições. É preciso, pois, que se possa reformular
qualquer sentença da Antropologia teológica de maneira a se tornar inteligível
e óbvIa, sem que se cite Deus. Então, acontece, entretanto, - e deve-se chamar
a atenção sobre isso - que cada enunciado desses se transforma de uma
sentença do Evangelho em uma proposição legal, de uma agradável sentença
unívoca, em uma proposição em si ambivalente. O proveito, que a fé se alegra
de haver conseguido com Deus, não se deixa reformular como tal. Fica preso
no horizonte da lei. O discurso do homem escatologicamente novo,
correspondente a Deus, deve, pois, - por causa de Deus - ter um caráter
ontológico. De outra maneira, não seria um discurso antropológico.
Todos os enunciados da Antropologia teológica têm, portanto, a bem
complicada peculiaridade hermenêutica de falar do homem como situado
aprioristicamente em um lugar fora dele mesmo, muito embora esse "fora
dele" só seja reconhecível posteriormente, devendo ser reconhecido sob as
condições da aposterioridade, sempre, porém, dentro do espaço da existência
humana, como um lugar que determina o homem. Essa complicada
peculiaridade hermenêutica das sentenças da Antropologia teológica, porém,
corresponde exatamente à peculiaridade ontológica do ser humano, ao qual se
referem. Pertence às concepções antropologicamente incontestáveis da
teologia que o homem - tanto no mal como no bem! - está subtraído a si
mesmo. O homem todo, como tal, só é experimentável, quando sua totalidade
já se acha transcendida. Isso quer dizer que o homem não se torna o homem
todo a partir de dentro, por ele próprio, mas apenas a partir de fora de si. A
verdade do totus homo, do homem inteiro, pertence a estrutura do nos extra
nos esse, do ser fora de nós mesmos. Se o homem se quiser experimentar
como totus homo, urge experimentar-se mais do que a si mesmo.
A Antropologia teológica fala dessa incontestável necessidade como
de uma necessidade da lei ou da estrutura, ademais, só com base na
possibilidade .dada pelo Evangelho. Se existe uma Antropologia teológica e se
há algo parecido com uma definição teológica do homem, é simplesmente
porque o homem pode experimentar mais do que a si próprio, e, portanto,
experimentar-se como homem todo. A teologia evangélica, como tal, chama
definição do homem a justificação deste por Deus. "Paulus... breviter hominis
definitionem colligit, dicens Hominem iustificari fide" (Paulo apresenta uma
breve definição do homem ao dizer que o homem é justificado pela fé LUTERO, Disputatio de homine, ed. de Weimar, 39/1, pág. 176, 1536). O
discurso do homem escatologicamente novo e correspondente a Deus implica
no acontecimento da justificação do homem por Deus, realizada, finalmente,
só pela fé, enquanto é somente a fé que permite que isto aconteça de modo
real e definitivo e, por isso, capaz de ser defendido.
Na peculiaridade hermenêutica dos enunciados da Antropologia
teológica já se acha presente formalmente o que esta tem a dizer
materialmente. Recomenda-se, por isso, já se antecipar, pelo lado formal, a
objeção principal ao conteúdo objetivo da Antropologia teológica, ou seja,
antecipar a impossibilidade de uma definição do ser do homem.
O homem se deixa definir? Os conhecimentos da Antropologia mais
recente falam contra isso. Quando muito, desde LESSING (A Religião), o
homem aparece como uma síntese de acaso e necessidade.
"O homem? Donde provém ele?
Mau demais para um Deus; bom demais para o mais-ou-menos."
É bastante significativo que essa sentença não diga de onde o homem
é, e sim, de onde não é:. o homem não é criado por Deus, nem simplesmente
caído do céu. Com efeito, se Deus, logo, o Ens absolute necessarium (o ser
absolutamente necessário, como foi descrito pela metafísica), fosse seu
criador, o homem deveria ter saído melhor. Doutra parte, o acaso do
simplesmente-ser-produzido e do simplesmente-nascer - um momento repleto
de prazer e uma hora repleta de dor - não é a última palavra a dizer acerca do
homem. Senão vejamos:
"Um homem como você não permanece plantado
Ali onde o acaso do nascimento
O atirou; ou, se permanece,
Será por conhecimento, razões e escolha do melhor."
(LESSING, Nathan der Weise, 111, 5).
O simples acaso, portanto, entra tão pouco em consideração na
origem da essência do homem, quanto a pura necessidade. Se simples mais-oumenos fosse a origem do homem, a questão da sua essência seria supérflua;
ele seria desprovido de essência e indigno de qualquer questão. Como, porém,
é "bom demais para o mais-ou-menos", o homem deve perguntar-se sobre si
mesmo. Se, ao contrário, a mera necessidade de um Deus fosse o "de onde" do
ser humano, não se faria mister perguntar sempre de novo pelo homem, ele
seria translúcido a si mesmo em sua origem. Como, porém, é "mau demais para
um Deus", o homem continua problemático. Nenhuma resposta desobriga-o de
perguntar sempre de novo e sempre mais extensamente sobre si mesmo.
Tendo-se em vista o homem, é mais humano sempre procurar a verdade, do
que possuí-Ia. Definitivo, pois, só aparece o sinal de interrogação, que LESSING
colocou depois da palavra "homem": "O homem?"
As ciências antropológicas mais recentes parecem confirmar esse fato.
Não é por simples acaso que elas se apresentam no plural. Em sua mais ou
menos disparatada pluralidade indicam que uma definição do homem todo
parece ter-s,e tornado impossível (HARTMANN). Estudos de anatomia, medidas
cranianas, tipificações biológicas, estudos sobre as raças, hereditariedade ou
comportamento, ciências humanas psicológicas ou sociológicas, etc. - tudo isso
são outras tantas tentativas de ciências particulares do homem, para aprender
algo sobre si mesmo. Elas· se desenvolveram com êxito, e hoje se procura, por
vezes, integrá-las numa Antropologia filosófica. O aumento do conhecimento
especial a respeito do homem é, sem dúvida, enorme. A pergunta sobre o
próprio homem, porém, continua sem resposta - a menos que se pretenda
fazer com que os múltiplos conhecimentos positivos digam mais do que são
capazes de dizer. Para citar alguns exemplos, sabemos que a ontogênese de
cada indivíduo é a recapitulação, em breves e rápidos traços, da filogênese
(HAECKEL); que o homem, do ponto de vista corporal, inferior a todos os
animais, é, por assim dizer, um ser inacabado, fisiologicamente, um parto
prematuro; que sua espécie, quanto a seu conceito, pode desenvolver-se ainda
mais (crescimento sempre maior, antecipação da puberdade sem que se
encurte a idade madura); que o homem é um caldo d·e cultura para bactérias;
que, diferentemente dos animais, o homem é aberto para o mundo (SCHELER)
e excêntrico (PLESSNER); mas sabemos também que "matar, assar e comer os
semelhantes da espécie... não é coisa própria dos macacos, mas do homem"
(WEINERT, apud HARTMANN; 1957). O que não sabemos é o que seja o próprio
homem. Na verdade, "tão pouco se pode duvidar de sua evolução de formas
pré-humanas de vida. .. quanto de suas possibilidades abertas para o futuro", e,
contudo, ele é para a Antropologia científica "um ser cuja origem e cujo destino
permanecem igualmente obscuros" (PLESSNER, 1957). Poder-se-á "determinar
conclusivamente... esse ser"? - pergunta PLESSNER, com razão.
Caso não nos queiramos dar por satisfeitos com esta questão, resta a
possibilidade (hoje em dia não raro posta em prática) de fazer da necessidade
uma virtude e tomar, por assim dizer, a interminável questão do homem sobre
o homem ao pé da letra. Concebe-s·e, então, o próprio homem como uma
questão forçosamente transcendente a qualquer resposta, isto é, como a
questionabilidade radical. Nesse caso, as duas linhas irônicas de LESSINO, acima
citadas, teriam formulado não só a dificuldade metódica de toda Antropologia,
mas também a questionabilidade radical como o objetivo específico de
qualquer Antropologia.
É interessante que a recente tese da indefinibilidade do homem (que
com sua "definição" é compreendida como a questionabilidade radical) atribui
ao homem a incomensurabilidade que a tradição metafísica tinha reservado
para Deus. Deus definiri nequit (Deus não pode ser definido) - dizia a metafísica,
que, entretanto, sabia bem definir o homem. A recente despedida da
metafísica - que perdura até hoje, ou que, talvez, tenha começado justamente
agora - caracteriza-se primordialmente por pretender ver em "Deus" uma
projeção do homem no infinito, ou seja, não querer considerá-la mais como o
ser indefinível. E, na medida em que o homem acaba com o mistério metafísico - de Deus, ele próprio se torna um enigma. Em lugar da
indefinibilidade de Deus, temos a indefinibilidade do homem. Homo definiri
nequit (o homem não pode ser definido), diz em sua linguagem a era mais
moderna.
A minuciosa pesquisa antropológica fez do "totus homo" um ser
desconhecido. De Deus, dizia outrora TOMÁS DE AQUINO (Summa theologica),
não podemos saber o que ele é, quando muito, o que não é. Do homem total,
assim parece que devemos dizer hoje, não podemos saber o que ele é, mas,
apenas, o que ele não é.
Mas então agora, ao se substituir a impossibilidade de uma
determinação conclusiva do homem pela sua determinação como
questionabilidade radical, faz-se dessa necessidade uma virtude problemática.
Isto, em verdade, é elegante, enquanto a categoria da questionabilidade leva
em consideração, por um lado, o fato de que propriamente só sabemos do
homem total o que ele não é, e, enquanto, por outro lado, só se pode oferecer,
com a abertura (em princípio) da questão (abertura implica da na categoria da
questionabilidade radical) alguma coisa como uma definição do totus homo. No
mesmo instante em que se afirma a indefinibilidade do homem já está
supressa. Contudo, a elegância dessa solução não faz justiça à essência do
homem.
Que o homem simplesmente possa fazer perguntas e, mesmo, deva
questionar sobre si mesmo, constitui um fato característico do homem
também para a Antropologia bíblica. Mas, no horizonte da Antropologia
teológica, a pergunta não é uma coisa primeira, nem última. Na realidade, à
pergunta pelo homem precede, no Salmo 8, o fato de Deus pensar no homem:
"Que é o homem, para dele te lembrares, o filho do homem, para dele te
compadeceres"? (v.5; quanto a essa típica estrutura bíblica da questão sobre o
homem, cir., ao lado do SI 85, o SI 144, 3, 16; Jó 7,17; Rom 9,13). E para o·
tempo da alegria escatológica, promete a seus discípulos o Cristo do Evangelho
de João: "Naquele dia, não me perguntareis mais nada" (J o 16, 23).
Antropologicamente, concluir-se-á que a pergunta é um fenômeno de
seqüência, e a questionabilidade, um mito.
Mais antigo que a pergunta é o ser. Para poder perguntar o homem
deve ouvir e ter ouvido. Perguntas surgem de respostas. Mais antigo que a
pergunta - e também novamente posterior - é, por exemplo, a canção, o canto,
a narração. Mais antigo que a pergunta é o aviso (Cfr. Gên, 2, 16 e 17; 3, 9 e 10)
e anterior a ela, o acordo. Com razão, FUCHS (1970) enxergou no acordo a
essência da linguagem. A pergunta somente é gerada pela perturbação da
narrativa, pela interrupção da ação, pelo falso tom, pelo inquietante e
surpreendente admirar-se (thaumátsein, PLATÃO, Teeteto, 155 d;
ARISTÓTELES, Metafísica, 982 b). Então, naturalmente, é preciso perguntar,
para recuperar o que foi perturbado e, dado o caso, ultrapassá-lo.
Se a concepção da Antropologia mais recente pode sintetizar-se na
teoria de que o homem é uma pergunta cuja resposta não conhecemos (ainda
não conhecemos - como diz aquela Antropologia "teológica" da qual se
distingue fundamentalmente ° esboço de uma Antropologia teológica aqui
delineado, porque e enquanto, é Antropologia apenas por causa de sua função
teológica), deve-se lhe opor a tese de uma Antropologia teológica que explica
escatologicamente o novo homem, tese, segundo a qual, o homem é uma
resposta a uma pergunta que ainda não conhecemos suficientemente. A
Antropologia teológica teria de ser a elaboração e reelaboração da pergunta
cuja resposta é o homem.
Se o homem é uma resposta para a qual seja preciso encontrar uma
pergunta, não se poderá, entretanto, contestar, em princípio, a definibilidade
do mesmo. Se, no entanto, se deseja afirmar a definibilidade do homem, deverse-á então encontrar sempre a objeção de que com isso s,e nega a
fundamental abertura do homem para o mundo, o que parece constituir um
resultado garantido da recente Antropologia. Com efeito, a fundamental
abertura para o mundo como conseqüência da questionabilidade radical,
parece exigir justamente a indefinibilidade do homem.
A isto se deve- opor teologicamente que, pela encarnação de Deus, o
homem se define como o ser aberto para Deus. Com isso, o homem também já
está definido como aberto para o mundo. Efetivamente - isto é uma crítica que
se deve fazer à tradição teológica -, a universalidade do Criador há de fazer do
homem aberto para Deus um ser que se abre para o mundo e um mundo que
também se abre. O homem escatologicamente novo, no qual se instala o que
para a Teologia merece chamar-se ser humano, é aquele homem em cuja
existência histórica o próprio Deus se definiu e - no ato de sua autodefinição também definiu o homem: Jesus. Para a compreensão cristã de Deus e do
homem é preciso que não se julgue nem a partir de uma preconcebida
compreensão do homem por Deus, nem de uma preconcebida compreensão
de Deus, - como de sua indefinibilidade, por exemplo - pelo homem, mas,
antes, julgue-se por um único acontecimento sobre Deus e sobre o homem.
Como se evidenciou na sua ressurreição dentre os mortos, esse acontecimento
se identifica, para a fé cristã, com a vida e a morte do homem Jesus. Em
inseparável unidade, mas igualmente em inconfundível diferença, ou seja, no
acontecimento da identificação de Deus com essa vida humana, fundando
escatologicamente a diferença entre Deus e o homem, ele é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem. Identificação não significa de modo algum indistinção.
Antes, o ato de identificar-se pode salientar fortemente a diferença entre
aquele que se identifica e aquele com quem se identifica. O conceito cristão da
identidade de Deus com o homem Jesus deve ser compreendido nesse sentido,
isto é, no sentido de uma ontologia da historicidade do ser. Afirme-se, pois,
que o homem é definido como homem pelo fato de Deus ser definido nele
como Deus. Tal é o sentido lógico da doutrina cristã da imagem e semelhança
do homem com Deus, onde, naturalmente, importa, antes de tudo, que para a
fé cristã, é na pessoa de Jesus Cristo que se decide o que merece ser chamado
Deus ou homem. De fato, a categoria de imago Dei (imagem de Deus) é
idêntica ao nome histórico de Jesus Cristo. A pessoa designada por esse nome é
o homem cor· respondente a Deus.
Mas a pessoa de Jesus Cristo significa, então, uma decisão sobre o ser
humano de todos os homens. Nele se processou a decisão sobre o futuro, e,
portanto, também sobre toda a história do gênero humano; nele também se
decidiu ontologicamente sobre a essência do homem.
Com base na realidade desse homem correspondente a Deus, vale
para todos os homens a afirmação de que sua humanidade consiste em
corresponder a Deus. Esse único homem, portanto, é essencial para todos os
homens. Mas, se agora a fé cristã relaciona todos os homens com esse único
homem, não só ontológica, mas também existencialmente, fá-lo porque,
diferentemente desse homem Jesus, todos os demais homens não
correspondem bem, de fato, a Deus. Foi preciso um novo homem, para que o
homem chegasse a seu , destino. Mas esse homem novo não é o homem
correspondente a Deus só para si. Antes, no seu ser decidiu a respeito de todos
os homens, na medida em que esse único homem correspondente a Deus traz
a esta correspondência os homens que a ela não correspondem.
A esse acontecimento, de serem os homens levados à
correspondência com Deus através do ser de Jesus Cristo, PAULO denomina
justificação. LUTERO (Disputatio de homine) viu nessa justificação, com toda
propriedade, a definição propriamente dita do homem. A justificação do
homem por Deus pode ser considerada como definição do homem, porque
subtrai o ser do homem ao domínio do agIr humano, sem contestar que o
conceito do homem inclua ação. Formulado de outra forma: no acontecimento
da justificação, a natureza humana, ameaçada por si mesma, é afirmada por
Deus, contra a perversão de fato e que sempre ocorre de novo, como nãonatureza. Assim sendo, a justificação é um acontecimento de relevância
ontológica.
A palavra "justificação" diz, em sua mais formal acepção, que é
sobretudo graças ao direito divino que o homem se torna homem: a
justificação de Deus, que se apropria do ser de Jesus Cristo, constitui o ser
humano do homem. Logo, justificação é um conceito relativo. Deus é justo
enquanto, faz o homem justo. Assim, o homem correspondente a Deus se
define como um ser relativo, e isso em dois sentidos, ou seja, passiva e
ativamente. A possibilidade de o homem se referir a si mesmo articula-se na
relação de Deus para com ele. Portanto, ontologicamente anterior à relação do
homem para consigo mesmo, é a relação de um outro para com ele. O homem
não poderia referir-se de modo algum a si pr6prio, se já não existisse sempre
pela relação de um outro para com ele. Ontologicamente, o homem é o ser que
não se estrutura de forma alguma em si mesmo. Não pode chegar a si mesmo,
sem que antes já esteja em outro.
Onticamente, em todo caso, o homem quer fundar-se em si mesmo.
Está dominado pela vontade sobre si mesmo. Isso se evidencia num
predomínio antropológico da vontade em relação à faculdade auditiva. A
vontade, que não pode ouvir, é a vontade de autofundação. A ela corresponde
a redução de todas as relações do homem consigo mesmo, como um
inconcussum fundamentum veritatis (fundamento inabalável da verdade).
Identidade como autoidentificação é o postulado antropológico do homem
dominado pela vontade de si próprio.
A fé cristã concebe como pecado essa tendência ôntica do homem a
fundar-se em si próprio. Identidade como auto-identificação é para a fé o sinal
característico de um homem que está se perdendo a si próprio. Com efeito, de
acordo com a concepção da fé, o homem nunca se encontra em si próprio. Por
isso, não vem a si mesmo por si, mas só por outro que não ele. "Quem quiser
salvar a sua vida, perdê-la-á. E o que perder sua vida... salvá-la-á" (Mc 8, 35).
A justificação do pecador será, portanto, o acontecimento que leva o
homem definitivamente a uma relação com um oposto. O decisivo nisso tudo é
que esse oposto se relacione em si mesmo com o homem, como um oposto
que se lhe opõe livremente. O homem só pode transcender realmente sua
auto=relação, quando se refere a um oposto que já não é também imanente a
esta relação. Semelhante oposto é um que se opõe livremente, o que cria
relações sobretudo por sua própria relação. Falando paradoxalmente, para o
homem é necessário tal oposto que não lhe é necessário. Nesse sentido, Deus
lhe é mais do que necessário. Pois, o nome concreto para o oposto, que se
opõe livremente, é Deus.
A conseqüência antropológica que daí resulta pode resumir-se na
seguinte frase: pertence constitutivamente ao ser homem do eu humano
receber-se a si mesmo pelo encontro com um outro. Frente à costumeira
determinação, antes moral, do ser humano como um ser para os outros - "o
verdadeiro homem existe para os outros" -, é teologicamente mais antigo
afirmar a referência do homem a um oposto que se opõe livremente. A
humanidade do eu humano consiste em que eu deixe um outro ser existir para
mim. Nisto se pensa, quando se apresenta a justificação por Deus como
definição do homem. Ela determina o homem, não por um deficit - em si
inconteste -, mas por um acontecimento que lhe é favorável, embora não a
partir dele mesmo. É porque o ser de um outro lhe traz proveito, que o homem
se torna um ente humano. Nesse sentido, a teologia chama o homem um ser
histórico. Ela já tem história, antes de fazer História. Com essas
obserrvaç6es,entretanto, já passamos para a discussão da fundamentação
material da Antropologia teológica.
Fundamentação material da Antropologia Evangélica
1. O homem correspondente a Deus chama-se na Bíblia imagem de
Deus (Imago Dei). Uma fundamentação- material da Antropologia teológica
deverá pesquisar os textos bíblicos a respeito da compreensão da semelhança
do homem com Deus. Quanto a isso, limitamo-nos a uma exegese
conseqüente, resultante das decisivas manifestações bíblicas sobre o assunto.
De acordo com a compreensão, acima exposta, da Antropologia teológica, há
de levar-se em conta primeiramente o texto do Antigo Testamento, com seus
enunciados sobre imago Dei, para expor-se à instância crítica da
fundamentação da semelhança com Deus do Novo Testamento e da cristologia.
Conforme ficou dito, é hermeneuticamente do mesmo modo claro, que cada
determinação do homem aí contida torna mais preciso o conceito de Deus.
A citação clássica da doutrina sobre a semelhança com Deus está em
Gên 1 26 e SS., no chamado escrito sacerdotal, completado por Gên 5, 1 e 3,
bem como 9, 6. Acrescentem-se a isso frases dos livros sapienciais, Sab. 2, 23 e
Ecl 17, 3. Temos no Antigo Testamento, no SI 8, 6 um importante comentário
do primeiro texto do Gênesis. Eis o que se acha em Gên 1,26 e ss.: "Disse por
fim Deus: Façamos homens à nossa imagem e semelhança. Dominem sobre os
peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre o gado, sobre todos os animais
terrestres e todos os répteis que rastejam sobre a terra. Assim Deus criou o
homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou."
A exposição deve partir da constatação de que já a simples existência
do homem precisa ser compreendida como tendo sido criada à imagem de
Deus. Logo, sob a expressão "semelhança com Deus" – seja ela interpretada
como for - não devemos entender nenhuma qualidade, dignidade ou distinção
que se adicionasse ainda ao homem já criado. O "Dasein” do homem, sua
existência, é sua semelhança com Deus. A mais alta dignidade do homem é
esta: existir.
O “Dasein" do homem ·correspondente a Deus é, porém, a existência
de homem e homem. O texto não deixa dúvidas quanto à dualidade do ser
humano, isto é, à passagem do singular para o plural no objeto: Deus criou o
homem ao criar os homens, homem e mulher. Com isso, não se pensa na
capacidade humana de procriação, que foi transferida para o versículo 28,
numa bênção especial, e que, portanto, se distingue da semelhança com Deus
(ZIMMERLI, 19$7, pág. 77). O homem ainda não acaba de produzir a sua
multiplicidade, mas já se encontra sempre na comunidade de outros homens.
A semelhança do homem com Deus implica, pois, em sua estrutura
social. O homem entra na existencia como ser social, e nisso corresponde ao
Deus Criador. Para o conceito de Deus, torna-se então, decisivo que Deus, a
quem o homem corresponde, não seja um ser isolado. Muito ao contrário, ele
é imaginado em si mesmo como comunitário, é essencialmente um ser
participante. Na relação do homem com Deus resulta também, a partir da
semelhança divina do homem criado como ser social, que sempre se pense em
Deus como sendo também já o Deus do outro. Como o meu Deus e ao mesmo
tempo o teu Deus, e define-se, por isso, como Deus pro te (Deus para ti).
Mas se a imago Dei consiste primeiramente nesse fato elementar de
que o homem existe enquanto é eu de um tu, então algo como o solipsismo
deve ser tido como uma teoria blasfema. “Si quis dlxerit hominem esse
solitarium, anathema sit" (Se alguém disser que o homem é solitário, seja
anátema. BARTH, 1970, pág. 384). O homem não pode relacionar-se consigo
mesmo, sem com isso já se relacionar com outro homem. E não menos
importante: O homem não pode relacionar-se consigo mesmo, sem que um
outro homem já se relacione com ele. O ''cerúleo isolamento" de NIETZSCHE, o
seu "antes-de-tudo, não me troquem!", é estranho à doutrina do homem que
entra na existência. como imagem e semelhança de Deus. A Antropologia
teológica não reconhece como humana essa preocupação: "antes de tudo, não
me troquem!". Tal cuidado é antes por demais desumano, um contra-senso
ontológico, e, portanto, contrário à criação. Fica excluído pelo destino humano
da semelhança com Deus.
Por sobre essa mais elementar determinação, passamos agora a
perguntar o que mais transparece na afirmação da imagem e semelhança do
homem com Deus.
2. KÕHLER fez valer, na minha opinião, um decisivo ponto de vista para
a compreensão do homem como imago Dei, conforme Gên 1, 26 e ss.,
indicando o caminho para toda e qualquer Antropologia, ao apontar a
semelhança com Deus no fato de que somente os homens "têm uma posição
ereta" (1966, pág. 135). A semelhança do homem com Deus mostrar-se-ia,
conforme isso, além do fato mais elementar da sua existência, sempre
existindo como homem de outro homem semelhante, também materialmente,
numa maneira específica de corporalidade, numa forma corporal. Não se fica
impedido de aceitar, com o mais exterior, o que é mais interior no homem, a
sua essência. "O que uma coisa é, é-o ... toda em sua exterioridade; sua
exterioridade é sua totalidade, é sua unidade refletida em si. Sua aparência.
não é só a reflexão no outro, mas também em si, e sua exterioridade é
manifestação daquilo que ela é em si" (HEGEL, Wissenschaft der Logik). O
homem é semelhante a Deus na posição ereta do ·corpo. E essa semelhança
corporal do homem com Deus é a expressão do ser humano do homem. O
homem é um ser ereto. Os escritores da antiga Igreja conservam-se, portanto,
fiéis à idéia bíblica do homem, ao indicarem, seguindo uma etimologia de
PLATÃO (Crátilo, 399 c), como sinal característico do homem um "olhar para
cima" e o "andar ereto" (LACTÂNCIO, Da Ira de Deus, 7, 4 e ss.).
Esse escopo da afirmação da imago Dei, tal como se encontra no Gên
1, 26, é lembrado de maneira notável por PAULO, em Rom 1, 23, no contexto
de considerações paulinas sobre a imagem de Deus e na queixa sobre o falso
serviço de Deus: em vez de honrarem a Deus como Deus e dar-lhe graças (vers.
21), os pretensos sábios substituíram a glória do Deus imperecível por um
simulacro, que eles fizeram segundo a imagem - não de Deus, mas - de simples
homens corruptíveis, de aves, quadrúpedes e répteis. Nessa queixa paulina, o
decisivo é que o homem, não se representando mais à imagem de Deus, entra
logo na mesma série que os animais. Na medida em que o homem não se
pensa mais em conformidade com a imagem de Deus, dando assim honra a
Deus ("honra a Deus" é em PAULO o termo técnico da sua idéia de imagem de
Deus), mas em vez disso imagina a si e a Deus conforme a sua própria imagem,
esta imagem do homem perecível passa a formar, eo ipso, uma série com as
aves, os quadrúpedes e os répteis (como até hoje ainda se pode estudar nos
museus: de modo mais impressionante nas formas que, por representarem um
ser meio homem meio animal, manifestam a passagem das espécies numa
série única!). Assim, o homem aparece agora na mesma série com os animais,
dos quais, entretanto, ele justamente se distingue por seu andar ereto. Isso é
grotesco. Não se deve, pois, desprezar a nota de Rom 1, 23. O culto errado
prestado a Deus é uma paródia do ser humano do homem. O homem,
caracterizado como um ser ereto, devido à sua posição ereta, e entendido
nessa característica como imagem de Deus, realiza, com a honra de Deus, o seu
status humano. Quando perde a sua relação com Deus, perde também seu ser
ereto. Na mais simples acepção da palavra, ele decai.
Graças à paródia do ponto principal da queixa paulina, fica confirmado
que na atitude ereta do homem, em que vemos uma expressão da imagem de
Deus, não devemos distinguir apenas um fenômeno exterior e sem
importância. A forma exterior do homem é a forma de sua essência. Isso se
torna claro sempre que o homem, por seu comportamento, põe em questão a
forma de sua essência. Citando mais uma vez o Antigo Testamento,
reproduziremos esta frase do Pregador, referente de um modo especial aos
homens: Deus fez o homem reto, mas ele procura muitos caminhos tortuosos
(Ecl 7, 29).
O corpo ereto é, em sua exterioridade, a forma essencial do homem.
Isso se torna perfeitamente claro no texto fundamental do Antigo Testamento,
sobre a doutrina da imago Dei, se se considera a diferença, que acabamos de
citar, entre o homem e o animal: "Façamos homens à nossa imagem,
semelhantes a nós; e dominem eles ... ". À atitude ereta corresponde o andar
erguido. Enquanto ser ereto, move-se o homem, aliás, como só Deus. Nesse
movimento de ser ereto, exprime-se o destino dominador do homem.
"Semelhança com Deus é vocação para o domínio da vida" (ZIMMERLI, 1943,
pág. 20). Na idéia bíblica, dominar é a função daquele que é senhor. Quem
domina, é senhor. O homem - um senhor; isto significa imago Dei.
Se os homens, porém, são imagem de Deus enquanto senhores, então,
por sua vez, Deus é considerado como senhor. Diversamente do homem, Deus,
segundo a compreensão bíblica, é senhor dos homens. O homem é um senhor como Deus é seu senhor. O fato de o homem ter em Deus o seu senhor, não
exclui, portanto, antes inclui, que o homem mesmo seja um senhor. O homem,
contudo, não é senhor dos homens. Não é o Senhor Deus. Ele corresponde,
antes, a esse Senhor, enquanto é destinado como homem com o homem, ao
domínio em comum sobre o mundo. Os homens não são destinados a se
curvarem diante de um homem, e sim, a permanecerem erguidos um em face
do outro e, assim, se moverem unidos para frente. Pelo destino do domínio
comum sobre o mundo, na marcha em comum para a frente do ser humano
ereto, ele descobre o mundo como espaço, no qual ser-lhe-á dado e ordenado
o tempo para progredir. O homem, como senhor, é um ente inteiramente
destinado ao progresso, e orientado para progredir.
Não é por acaso que o homem julga particularmente coitados e dignos
de lástima os semelhantes que não podem andar em pé ou ao menos se
manter de pé. Falta-lhes a liberdade para o futuro. Sem dúvida, eram objetos
de especial zombaria na Antiguidade, particularmente porque, pela sua mera
existência, comentavam como uma perturbadora glosa marginal a natureza de
senhor que compete ao homem, e isso novamente levava a imaginar que tais
pessoas - justamente porque lhes parecia faltar exteriormente a função de
domínio - eram particularmente sedentas de mando, o que, aliás, não era mera
imaginação. O fato de hoje não ser mais natural o desprezo pelos que não
conseguem andar eretos, o que não ocorria antigamente, deve-se a que Jesus
Cristo, anunciado pela fé como senhor, foi crucificado.
3. A concepção de que a semelhança com Deus implica no fato de o
homem ereto ser senhor tem, por certo, a sua mais aguda expressão na
explicação neotestamentária de Jesus crucificado e ressuscitado dos mortos
como senhor. "Jesus é Senhor", diz o testamento fundamental da fé cristã (l
Cor 12, 3; Rom 10, 9; 14, 11; Flp 2, 11). O predicado "Senhor", bem entendido,
visa o Cristo crucificado, que, como tal não põe em evidência o poder da morte,
mas a sua superação. Nele se patenteia que o homem correspondente a Deus
não é limitado pela morte, mas sim por Deus. Por isso, a morte não tem mais
domínio sobre ele (Rom 6, 9). Antes, o crucificado e ressuscitado domina sobre
os mortos e sobre os vivos (Rom 14, 9). Assim, ele é o homem correspondente
a Deus (2 Cor 4, 4).
A interpretação do andar ereto do homem que exprime sua essência
de senhor, pela ressurreição de Cristo dentre os mortos, levou a figura humana
a uma dimensão escatológica. O que antes se exprimia espacialmente, tornase, a partir do Novo Testamento, evidente em sua estrutura temporal. Se Jesus
Cristo, que ressurgiu dos mortos, é o homem novo e, portanto, correspondente
a Deus, então, o ser humano é com isso entendido como ilimitadamente
referente ao futuro. Decisivo nisso tudo é que não se entenda o ressuscitado
como um homem que tem sua vida anterior atrás de si como um passado
concluído. Justamente o ressuscitado (e não inversamente) será anunciado
como crucificado. Portanto, é dado futuro exatamente ao passado. A ilimitada
referência do homem ao futuro inclui seu passado. O homem correspondente a
Deus é o homem com toda a sua história.
Que o homem Jesus estava entre todos os homens, que estava no
meio da humanidade, é o que acertadamente KARL BARTH (1970, págs. 191,
158) afirmou como sendo "o fato humano central": "A determinação
ontológica do homem baseia-se no fato de que no meio de todos os demais
homens se acha um que é o homem Jesus." De acordo com a auto
compreensão do, Novo Testamento, ter-se-á que deduzir daí, que todo
homem, se é orientado para seu ser humano, deve ser orientado no sentido de
que ele é um semelhante de Jesus Cristo. A semelhança do homem com Deus
recebe daí a sua mais concreta determinação. Corresponde, pois, à realidade,
que o enunciado fundamental do Antigo Testamento sobre o homem como
imago Dei se torna mais preciso e, decerto modo, também modificado, no
Novo Testamento, pelo que se diz de Jesus Cristo.
4. Temos isso bem precisado - seguimos PAULO - no fato de que,
inicialmente, apenas um único homem é chamado de imagem de Deus. Em 2
Cor 4, 4, lê:se a respeito de Cristo "que é a imagem de Deus" (tradição
antepaulina). "Na face de Cristo", efetivamente, aparece a glória (honra) de
Deus. Enquanto só a esse Jesus Cristo cabe a glória de Deus, ele é imagem de
Deus, corresponde de modo todo especial a Deus, o Senhor. Por isso, então, é
também novamente ele que entra em questão quando se fala do protótipo do
ser humano. Na realidade - e somente aqui alcançamos a culminância paulina
desse, texto -, todos os homens devem receber em sua existência uma
participação naquilo que é Jesus Cristo. Não se trata somente da "glória de
Deus na face de Cristo", mas sim do "fulgor do conhecimento que se realiza em
nosso coração" (vers. 6) e que nos torna participantes dessa glória na face de
Cristo. Isso se dá oralmente, pelo discurso. Assim como Jesus Cristo é imagem
de Deus enquanto possui a glória de Deus, assim ele dá aos homens (os
crentes), pelo anúncio, uma participação na glória de Deus, ao introduzi-los em
sua semelhança com Deus pelo evento da palavra da Cruz. A imago Dei,
portanto, que é Jesus Cristo, 'é aqui considerada como um evento da palavra
no homem.
Considerando a nossa "participação" em sua semelhança com Deus.
surpreende-nos ver que PAULO, nesse contexto, se denomina, expressamente,
servo. Convém notar, porém, que aquilo que o preocupa aí é a "participação"
dos coríntios na semelhança de Cristo com Deus. Por isso, o apóstolo escreve
que é servo dos coríntios "por amor a Cristo", o qual, por sua vez, é senhor,
enquanto imagem de Deus. Quem participa de sua semelhança com Deus,
participa, portanto, de seu ser senhor. Mas, para chegar a tanto, o apóstolo
deve ser servo, embora ele mesmo, exatamente por ter esse senhor, seja um
homem livre (l Cor 9, 1). Existe, pois, uma dialética especificamente cristã de
senhor e servo, a qual, entretanto, se fundamenta no ser do próprio Jesus
Cristo.
Manifestamente, não há nenhuma participação na semelhança .com
Deus do Cristo crucificado, sem que o homem seja considerado como senhor e
como servo. Aí, sem dúvida, aparece mais uma vez com precisão a teoria da
imago Dei do Antigo Testamento. Contudo, só devemos contar com
semelhante dialética, do ser senhor e escravo, para o homem que participa da
imago Dei de Jesus Cristo, porque essa própria dialética já determina a história
de Jesus Cristo. Descobrir-se-á precisamente nessa história que essa dialética
não constitui um paradoxo ou até uma contradição, mas que o ser senhor e ser
servo do mesmo homem concordam do modo mais exato.
5. A Bíblia chama de pecado a destruição dessa unidade. :É a
expressão de falência do homem, tanto em relação a Deus como em relação a
si mesmo, isto é, na sua semelhança com Deus.
Já vimos em Rom 1, 21-24 que o homem se compreende conforme a
sua própria imagem (e por isso mesmo conforme a dos animais), e, assim,
"desregula" a glória do Deus imperecível. Os versículos 24 e seguintes
interpretam-no assim: quando o homem' não honrou mais a Deus como seu
senhor, destruiu em si mesmo sua semelhança com Deus, ou seja, sua natureza
de senhor em seu mundo. :É nesse sentido que fala em Rom 3, 23: "Todos
pecaram e estão sem glória de Deus." Abusando de sua propriedade de ser
senhor, o homem perdeu sua semelhança com Deus.
Isso deve explicar-se dizendo que a determinação antropológica
fundamental - "o homem é um senhor, como Deus é seu Senhor" - falha, se o
homem quer ser senhor sem honrar em Deus o seu Senhor. O ponto
culminante de ser o homem senhor consiste precisamente nisso, em deixar que
Deus seja seu Senhor. Formulada negativamente, essa determinação positiva
significa que um homem que se arvora ,em senhor dos homens quer ocupar o
lugar de Deus. Inversamente, um homem se conserva como senhor enquanto
serve em liberdade a seu semelhante de uma forma tal, que, tanto aquele que
serve, como aquele que é servido, tenham só um Deus,' o seu Senhor.
Pode-se mostrar isso mais uma vez por meio da postura ereta que
exprime a semelhança do homem com Deus... Ela inclui a possibilidade de
inclinar-se. O homem pode inclinar-se porque é um senhor. Portanto, não é
questão de inclinar-se diante de alguém - nenhum senhor faz isso. Mas trata-se
de inclinar-se para alguém. Só quem anda ereto pode inclinar-se
profundamente. Essa capacidade é parte constitutiva do homem ereto. Por ser
um senhor, o homem pode servir. Com isso não deixa de ser um senhor; pelo
c0ntrário, é assim que confirma ainda mais a sua natureza de senhor.
Inversamente, projeta-se a possibilidade oposta (que só com reserva
se pode chamar assim), de deixar-se o homem tentar, devido à sua postura
ereta, a ultrapassar seu ser homem, tendendo, assim, "para cima", onde, com
bom fundamento, não está ("ainda não está", como pensa). Quem, nesse
sentido, tende "para cima", quem, nesse sentido, quer ultrapassar-se, por
princípio, esse não se inclina para outros homens. É o homem senhoril. Quer
ser senhor entre os homens, sem servir. Mas querer ser senhor entre os
homens, sem servir, equivale a' querer ser senhor sobre os homens. É o que
quer o homem senhoril. Deseja ser senhor sem limites. Ele é sem relações. E
justamente por isso o homem incorre na perda de sua semelhança com Deus,
que formulamos nesta frase: o homem é um senhor - assim como Deus é seu
senhor. Na medida em que o homem deixa de estabelecer limites para si, e
afirmar as fronteiras oriundas de ,sua estrutura societária ontológica, ele nega,
por isso mesmo, sua propriedade de ser senhor (JÜNGEL, 1971, pág. 199 e ss.).
Quem quer ser senhor sem limites, não consegue sequer ser senhor de si
mesmo. Como senhor de seu semelhante, o homem senhoril coloca-se no
papel de Deus: homo homini deus (o homem é deus para o homem). Isso,
porém, significa sempre; homo homini lupus (o. homem é lobo para o homem).
Em oposição a isso, Jesus é chamado (Flp 2, 6 e ss.) senhor, porque não
achou vantagem em ser igual a Deus, antes renunciou a si mesmo e se
humilhou. Para manifestar à humanidade o que significa ser um senhor,
apareceu nele o senhor do homem como homem à maneira de servo,
obediente até a morte, para nela ser glorificado, elevado e revelado como
senhor por seu Pai. A ressurreição de Jesus dentre os mortos não é outra coisa
senão essa glorificação por Deus Pai, que faz na sua morte, e precisamente
nisso, a instauração escatológica do homem como imagem de Deus. No Cristo
crucificado e ressuscitado, o homem, enquanto ser ereto, é justificado. Não foi
criado para jazer na sepultura e tornar-se um passado esquecido. O limite da
morte apresenta-se na morte e ressurreição de Jesus Cristo, como um limite,
que é relativamente adiável, pelo homem, embora fundamentalmente
inevitável, mas que, "do outro lado", no Deus que nos limita na morte, se
manifesta, sem dúvida, como um acontecimento integrador e salvador de toda
a história de nosso ser humano, um evento que transfere o passado do homem
para um eterno futuro.
Por isso, os homens que participam em Cristo da sua semelhança com
Deus são orientados para a' glorificação que se complementa na sua morte,
para a magnificência que se mostra' na sua humilhação. O hino da carta aos
filipenses é citado por PAULO justamente porque os cristãos são considerados
enquanto se atêm àquilo "que se acha em Jesus Cristo", enquanto, "em
humildade, cada qual considera o outro superior a si mesmo, procurando cada
um não o interesse próprio, mas, antes, o do outro" (Flp 2, 3b-4). Essas
deduções encontram um paralelo em Rom 12, 16, onde PAULO pede a todos os
fiéis de Roma, que não se deixem, "levar pelo gosto das grandezas, mas se
acomodem as coisas modestas (ou a sociedade com os humildes)". E não há aí
um segundo sentido, mas ainda o mesmo, sob o ponto de vista de Deus, como
se lê em Rom 15, 5 e 80S.: "O Deus da paciência e da consolação vos conceda
mutuamente sentimentos de harmonia, a exemplo de Jesus Cristo, para que,
unânimes, e a uma s6 voz, glorifiqueis a Deus, como Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo". Glorificar a Deus conjuntamente como Pai de Nosso Senhor Jesus
Cristo, e, em mútua liberdade, considerar o outro superior a si mesmo: eis, na
convivência inseparável, a consumação da semelhança com Deus.
6. Essa idéia cristológica do homem correspondente a Deus modifica
novamente ao mesmo tempo, a tradicional concepção de Deus. Se Jesus é
reconhecido como Senhor, então a fé vê em Deus aquele que ressuscitou Jesus
dentre os mortos. Portanto, só se poderá compreender a elevação de Jesus do
abismo da morte, admitindo que Deus se abaixa a si mesmo até aí, para ajustar
contas com essa morte e, assim, se mostrar como "Deus e Pai de Nosso Senhor
Jesus Cristo".
Só tiramos a conseqüência do que ficou dito, se formularmos a
seguinte tese: o traço da eminência de Deus é uma tendência irreprimível para
a profundidade. Nessa tese já está incluído o homem, exatamente sob o
aspecto de sua semelhança com Deus. Com efeito, o traço essencial da
eminência divina é um impulso irreprimível para baixo, é uma tendência
irreprimível em direção ao homem. Podemos também dizer: A irreprimível
tendência para baixo é o traço humano da soberania divina.
Convém esclarecer aqui que esse impulso humano da soberania divina
não foi motivado somente pelo pecado do homem, mas também pelo próprio
amor de Deus, e, portanto, também não por uma coação imposta a Deus,
senão pela liberdade de sua graça. Mas de fato é um traço divino a tendência
de Deus para o pecador, em que Deus dirige seu livre amor, de fato, não
apenas para o homem, senão para o homem miserável, porque sem relações e
pecador, não só para a profundidade conveniente ao homem, mas também
para 'a profundidade indecorosa da miséria do seu pecado, não só para a
comunidade da vida humana, mas para a comunidade da morte que
interrompe a comunidade da vida - isto e, por certo, consequencia do pecado.
Do pecado, porém, podemos dizer que ele aumentou, para que a graça de Deus
aumentasse ainda mais (Rom 5, 20). Isso significa que ,o amor de Deus é mais
antigo que o pecado do homem, e que aquela tendêncla para baixo não é
originalmente motivada só pelo pecado. Ontologicamente, não vem primeiro a
deficiência do ser humano, mas o transbordamento inicial do amor divino.
Praticamente, o 'traço fundamental da eminência divina, como
tendência para a profundidade do ser humano, é uma tendência para o abismo
de sua deficiência, para ajudá-lo a subir à altura que lhe fica bem e que o
espera "em Cristo" (2 Cor 5, 17). Na realidade, a coincidência da direção divina
para o homem e da orientação divina para o pecador, na pessoa de Jesus
Cristo, autoriza-nos a reconhecer, entretanto, perfeitamente, alem da
tendência essencial da alteza divina à baixeza do ser pecador do homem, a
essência humana do homem como alvo daquele movimento. Com efeito,
naquele movimento da justiça divina, trata-se da justificação do ateu como da
imagem humana da semelhança com Deus. E, neste sentido. a relação de Deus
para com o pecador, a qual se efetua no ser de Jesus Cristo, tem uma
relevância não somente sotereológica, mas também antropológica. O homem
redimido é o que foi originalmente pensado por Deus. Na doação de seu Filho,
Deus amou não só os crentes reunidos com igreja; mas neles, o mundo, se bem
que só a fé faça valer o amor e o abaixamento de Deus. "Hominem justificari
fide" (o homem é justificado pela fé), é, portanto, não apenas a definição
teológica do cristão, mas mesmo a do homem. Pois, a palavra justificadora, só
perceptível pela fé, do abaixamento de Deus, vale para todos os homens, como
palavra do abaixamento de Deus e elevação do homem através do ser de Jesus
Cristo.
Portanto, o homem é suscetível à tendência de Deus para abaixar-se.
O homem é um ente suscetível ao abaixamento de Deus e, como tal, à
correspondência da excelsitude de Deus, que se manifesta nesse abaixar-se
(Rom 6, 5; 8, 29; 1 Cor 15, 49). Essa capacidade de correspondência faz parte.:
num sentido fundamental, da semelhança do homem com Deus. O homem e
um ser constituído e organizado pela palavra. Ouvindo é que o homem é
homem. Só por poder ouvir, consegue falar, pensar, agir, e nisso tudo, ser
humano. Ouvindo, adapta-se à relação de Deus para com ele, para assim
corresponder a seu Deus.
7. A Antropologia teológica tem em comum com a Antropologia
filosófica em todo caso, que também ela considera a linguagem como
constitutivo da essência do homem. Concorda-se em que o homem se socializa
pela linguagem, e, só então, se torna propriamente homem. Entretanto, a
Antropologia teológica, baseada na definição do homem como um ente
justificado pela palavra de Deus, alude a uma situação problemática na
essência do homem quanto à linguagem. Dois traços fundamentais
determinam o homem como ser lingüístico. O homem tanto é um ser a quem
se fala, como um ser que fala (BUBER, 1962; ERNER, 1963; BRUNNER, 1965;
BARTH, 1970). Ele é as duas coisas ao mesmo tempo. A Antropologia teológica
distinguirá, porém, ontologicamente, essa simultaneidade de traços
fundamentais na essência lingüística do homem. Antropologicamente, deve
ficar claro que, desses dois traços fundamentais, um não é somente a condição
da possibilidade do outro, mas, antes de tudo, a própria possibilidade de,
apesar do outro traço fundamental, com suas conseqüências não necessárias
mas, de fato, ameaçadoras ficar sendo um homem humano ou,
respectivamente, novo.
Um dos traços fundamentais do ente dotado de razão, é o do
enunciado representado na sentença apofântica. (Ao considerarmos agora,
esse traço fundamental por si só, vamos incorrer numa certa unilateralidade e
desfiguração.) No caráter de enunciado da linguagem encontra-se algo da
essência da numeração, uma tendência à reelaboração do mundo por meio de
uma cópia da realidade em sinais, de maneira que a 1inguagem seria uma soma
de sinais para uma soma correspondente de coisas sinalizadas. O homem,
como ser dotado de linguagem, seria então diferente de todo outro ser, como
o ser designante, como o ser que dá os, nomes às coisas ou, em todo caso, as
chama pelo nome. Essa função da linguagem socializa o homem, enquanto,
tendo em vista a designação (os nomes) das coisas, é preciso concordar; seja
que sempre já se tenha concordado, seja que se deva concordar de novo, seja
que se julgue a concordância lingüística ontologicamente anterior à linguagem
humana. Portanto, nesse traço fundamental da linguagem, que caracteriza o
homem como ser que se exprime pela fala, temos o jogo alternado de
informação e elaboração. A quantidade de informação a ser lingüisticamente
elaborada pelo homem obriga-o não só à distinção numérica, mas também à
decisão condicionalmente eletiva. O mundo não pode ser compreendido senão
por distinção numérica e por decisão condicionalmente e1etiva. Quem diz A,
não deve dizer apenas B, mas sim quem diz A, deve dizer também Não-A. De
outro modo não se pode definir; de outro modo não se pode reduzir o mundo a
um conceito. Sem isso, não se pode, tampouco, dominar o mundo. Portanto, a
função "copiadora" ou, respectivamente, designadora, da língua, não deixa
inalterado o mundo "copiado" e a coisa designada. Ao serem transpostas para
o conceito, faz-se um trato com as coisas. Se compreendo alguma coisa, posso
fazer algo com ela, da mesma forma que, se não compreendo nada, posso dizer
com razão: nada posso fazer com isso. Na linguagem, ocorre um uso do mundo
que cria as condições para empregá-lo de modo diferente do anterior. O
próprio homem, enquanto ele mesmo também e sempre mundo, não fica
excetuado. No trato com o mundo, ele pode modificar o trato para consigo
mesmo e, de certo modo, ele modifica com isso a si próprio. Logo,
transformação do mundo e autotransformação são, lingüisticamente, de todo
condicionadas. Condicionam-se pelo ser falante, o homem enunciante, que
pensa dentro da correlação de informação e elaboração. Nesse sentido, a
linguagem possibilita o pensamento. E o pensamento e a elaboração da
distinção enumeradora das coisas e da decisão condicionalmente se1etlva
entre o sim e o não, em todo caso, coisa parecida com uma ordem. A
linguagem encomenda. O pensamento manda. A linguagem sempre manifesta,
ao menos condicionalmente, o que o pensamento decide. Mas, na medida em
que, por sua vez, o pensamento que decide e ordena se manifesta
lingüisticamente - numa nova concordância a respeito do trato com o mundo e
consigo mesmo -, pode-se, ou antes, deve-se designar esse traço fundamental
como linguagem da dominação. A coincidência da linguagem e do pensamento
no definir e conceber é um ato de domínio por excelencla, o que, desde os
antigos, só a filosofia moderna talvez, tenha observado de novo. Nesse ponto,
aliás, não faz diferença essencial entre ver-se representado o domínio sobre o
mundo como domínio da apreensão, na metáfora moderna do produtor que se
quer apossar do mundo ou como domínio da "teoria", na metáfora da visão
que perscruta todo o mundo. Querer ver o ser como tal, no seu todo, não é
menos uma tendência de domínio do que querer apossar-se do mundo. A
consequencia é sempre a mesma: a ação humana. Pois, domínio, como tal, é
atividade. Pouco importa que queira mudar ou conservar (de resto, também
pode conservar apenas pela mudança). Domínio estabelece atividade. Essas
atividades, porém, e aqui está uma diferença com toda as possíveis atividades
dos animais - são dirigidas lingüisticamente. A linguagem dá, por assim dizer, o
anteprojeto das atividades, e, antes de tudo, da obra. Isso vale também para a hoje particularmente apreciada - atividade experimentadora, que, sem o
intervalo do aberto, que a linguagem recomendante deixa ao pensamento que
manda de modo algum seria possível. Na medida, porém, em que a linguagem
fornece ao homem os anteprojetos para suas racionais e irracionais atividades
(ímpetos!), mas sobretudo os anteprojetos para a obra humana,
posteriormente distinguível de sua atividade, ela é, em sua estrutura
apofântica, a origem do homem enquanto homo faber. Como ser de linguagem
enunciante o homem é o dono de suas obras, o "mestre de obras" (HEGEL). E
em suas obras bem sucedidas, o homem, que se socializa pela linguagem,
ergueu-se um monumento através dessa sua socialização lingüística. (No
fundo, toda obra bem sucedida é um monumento desses, pouco Importando se
permanece ou perece.)
Reduzimos a estrutura fundamental do homem, como um ser que fala
no sentido de um ser vivo enunciante, à dimensão do domínio que se realiza
pelo pensamento, e sem o qual não existiriam obras humanas modificadoras
do mundo. Esse traço fundamental do ser que fala - o domínio - não deve ser o
oposto da liberdade humana. Pelo contrário! Para a Antropologia teológica, o
traço fundamental do domínio, que é característico do homem que fala,
apresenta-se justamente como conseqüência daquela liberdade que faz o
homem ser homem. Se a linguagem elabora o mundo de tal forma que dê
recomendações ao pensamento pela distinção numeradora (e entende-se a sua
correspondente ligação) e pela decisão condicionalmente eletiva, sendo que,
por sua vez, (j pensamento tenha de reelaborar essas recomendações,
transformando-as em ordens, as quais regem o mundo, semelhantes atos de
domínio - julgados em princípio - são demonstrações da liberdade do homem,
que merece ser chamado um senhor. Não devemos opor aqui "linguagem do
domínio" e "linguagem da liberdade". Com efeito, faz parte constitutiva da
liberdade do homem, pelo anteprojeto lingüístico, levar o pensamento a dar
ordens e, assim, criar obras.
8. Entretanto, há aqui dois perigos que antropologicamente hão de ser
levados em conta, de modo expresso, perigos, de fato, sempre reais para o
homem vivente que enuncia e, por isso, reelabora o mundo por suas obras.
Faz parte da facticidade da existência "ter cada coisa dois lados", ou
seja, que, com a possibilidade do justo, também a do injusto já tenha sido
dada, que "andar ereto" não exclui, a priori, "pau torto".
Pertence, porém, à fé em Deus que o homem s,e torne sensível aos
conflitos, tensões e perigos que toda boa doação traz consigo. Mas é algo bem
estranho ao mundo não se notar que os perigos propriamente ditos deste
mundo são, por via de regra, conseqüência do positivo, da riqueza do nosso
ser. O mesmo se diga da fé e da piedade. Na verdade, é maldição do ato mau
produz!r continuamente o mal. Mas, que a. boa ação também se pode tornar
maldição em suas conseqüências, que na riqueza da fé se pode, por exemplo,
perecer e, com isso, arruinar os outros; que, por causa da liberdade, a gente se
possa tornar um tirano, isso são conflitos cujo desconhecimento sena
testemunho de, pelo menos, uma ingenuidade teológica sem par. O diabo é
"uma parte daquela força que sempre quer o mal e sempre faz o bem"
(GOETHE, Fausto, I). O homem, ao contrário, é antes a origem daquela força
que quer o bem, mas que com o bem cria o mal.
Eis por que, justamente quando se trata da boa essência do homem,
do homem criado por Deus como "muito bom", têm que ser agudamente
encaradas as sempre concriadas possíveis ameaças e perigos do ser humano. A
fé justificadora faz-nos para isso especialmente sensíveis.
Uma das ameaças e um dos perigos do homem como ser lingüístico é
a tendência, que está na estrutura enunciativa da língua, para a elaboração
total do mundo. Então, o próprio mundo, como um todo (conforme a estrutura
já apontada "da distinção numeradora - decisão condicionalmente eletiva ordem -enunciado - ação - obra"), seria exclusivamente uma obra humana, sob
todos os pontos de vista, um mundo artificial. Em grande parte já vivemos um
mundo que se encaminha para isso. Não é difícil diagnosticar nessa tendência
uma forma moderna da gnóstica evasão do mundo, uma forma de desprezo do
mundo que, junto com a naturalidade do mundo, ameaça abandonar também
a humanidade do homem, em benefício de um super-homem, que se
envergonharia de sua corporalidade e que se ergueria sobre o mundo como
sua obra.
O fato de esse super-homem não vingar funda-se no saudável desejo
dado ao homem por um Criador de unir-se, numa união repleta de prazer, com
uma outra pessoa humana.·A esse agradável impedimento acrescenta-se,
porém, constitutivamente, o outro traço fundamental da linguagem, por força
do qual o homem, como objeto da fala, é homem simplesmente. Ao prazer
humano da carne pertence a linguagem do amor, na qual os homens se
percebem como objetos da fala, e com os quais os outros não somente
quer,em falar (logo, não só querer dizer mesmo alguma coisa), mas antes;
muito mais, desejam que o outro ouça e, assim, se perceba a si mesmo como
objeto da linguagem. Na linguagem do amor, o homem permanece fiel à terra.
Com a ameaça, porém, da linguagem-mundo-obra-referência, que se
funda no enunciante ser humano que fala, liga-se um segundo perigo e
ameaça, opostos a ela, e que resultam para o homem operante. O homem que
segue o traço fundamental da linguagem precisa tornar-se ativo. Como
indivíduo, pode subtrair-se ao império da ação. Mas a humanidade socializada
na linguagem não o pode. Precisa produzir, se não quiser perecer. E, por outro
lado, justamente por causa' dessa necessidade de produzir, ele está ameaçado
de perecer. Esta aporia, que principiou no século XIX e hoje se impõe, poderia
ser formulada teologicamente, dizendo-se que o homem não pode mais livrarse do contexto de suas obras (da produção). A realidade das relações com sua
obra mantém-no preso. A obra julga a pessoa. Domina-a.
A Antropologia teológica não pode tornar reversível, simplesmente
por conselhos práticos, essa relação entre pessoa e obra (fazendo uso de uma
formulação luterana). Ela tem que lembrar, contudo, que o homem é o ser a
quem primeiramente Deus se dirigiu (um ser falado por Deus). Como tal é
pessoa. Ser pessoa é possibilidade de ser falado por um oposto, o qual, no
meio da incessante relação entre pessoa e obra, ou pessoa e produção, ainda
se distingue uma vez mais como um Eu-Mesmo. A palavra da justificação, que
constitui de novo o homem, escatologicamente, dá-lhe um oposto que lhe fala,
que lhe dá importância como pessoa, apesar de suas obras, reconhecendo-o e
deixando-o valer por si. Assim como a necessidade de produzir e a
correspondente relação inseparável da pessoa e obra não são próprias do
macaco, mas do homem, também é, igualmente, humana a possibilidade de ser
interpelado por um oposto pessoal, que distingue novamente de suas
produções a pessoa humana obrigada a produzir. Essa possibilidade humana de
ser interpelado por outrem constitui a implicação ontológica da justificação
pela palavra de Deus. A possibilidade humana de ser interpelado por um
oposto que o absolve de suas obras (bem entendido, não suprimindo a
conexão entre cR pessoa e a obra, mas sim, o domínio da obra sobre a pessoa)
constitui o homem livre parceiro de Deus.
Isso significa que o homem, como interpelado, em face à realidade do
que ele, como enunciante, elabora, recebe possibilidades que não se deixam
elaborar, mas, somente, usufruir. Possibilidades que não se deixam elaborar,
que, portanto, não se deixam realizar em obras, são aberturas que se
preenchem a si mesmas. Possibilidades que, em vez de elaborar, só se pode
usufruir, não ficam velhas nem se gastam com o tempo, e são preenchidas,
quando se esvaecem. O que distingue essas possibilidades é que - ao contrário
da realidade, que pretende persistir - elas podem perecer. Possibilidades que
não se pode elaborar (uti), mas só usufruir (frui),perecem sem (como
conseqüência do uti) gastar-se. Existenciais básicos dessas possibilidades são a
alegria e a gratidão. A verdadeira alegria conhece seus limites; ela pode passar.
E gratidão 'Concreta refere-se a isto ou aquilo, mas nunca a tudo.
Portanto, como um ser a quem se pode falar, o homem, como um ser
que fala, é um ser da possibilidade, enquanto, em sua enunciação, como ser
falante, é um ser da realidade. Por isso, para o ser. humano falante a
possibilidade é ontologicamente anterior à realidade (contra a opinião de
ARISTÓTELES).
Gostaria de esclarecer isso num fenômeno decisivo para a
humanidade do homem, a saber, na arte do esquecimento, cujo alto valor se
consegue compreender. O homem enunciante', que tende à ação e cria, se
ergue monumentos comemorativos por meio de suas obras, está empenhado
em não esquecer. Por isso alimenta o computador. O que não foi esquecido,
fica sabido. E saber é poder. A possível conseqüência, por assim dizer, é que o
passado se torne tirano do presente e do futuro. Armazenar saber significa
armazenar passado. Se não tivéssemos computadores, o homem se
sobrecarregaria de passado por amor ao saber. O fato de termos
computadores não é, na verdade, garantia do contrário. O computador não
precisa, mas pode contribuir para que futuramente apenas o passado nos
governe.
O homem a quem se fala, ao contrário, conhece o jogo alternado do
lembrar e esquecer. O homem interpelado a propósito de sua pessoa pode
esquecer suas obras com vistas a sua pessoa. Pode, assim, deixá-las para trás,
e, desse modo, tornar-se livre para o futuro. Também com vistas ao saber,
pode-se dizer que só a arte de esquecer forma realmente o espírito humano de
tal maneira que ele possa compreender o mundo. Quem não esquece nada, é
um homem sem formação. Compreenderá pouco. Daí não se há de concluir
que, quem esquece tudo, só por isso já seja um homem formado e
compreensível. Mas uma coisa é evidente: que um homem que não pode
esquecer, também não se pode alegrar. Interpelar alguém sobre si mesmo
pode ser, de fato, bem desagradável Mas, interpelar um homem em nome de
Deus sobre si mesmo significa absolvê-lo de seu passado, adjudicando-lhe
novas possibilidades e, portanto, também nova força de esquecimento. Isso é
humano. Pois, enquanto pessoas humanas se falam assim uma à outra,
correspondem ao Deus que os justificou como seres humanos e com isso os
tirou do nada, que nós nos realizamos a nós mesmos. O homem é devedor de si
a esta palavra criadora, isto é, que lhe proporciona novas possibilidades. Do
agradecimento, em que se exprime o ser humano agradecido a Deus, faz parte
também, entre homens, a distinção entre o que é digno de recordação e aquilo
que, não levianamente, mas com consolo, pode ser entregue ao esquecimento.
De Deus se diz que não guardará nenhuma lembrança dos pecados (ler 31, 34);
do homem, igualmente, se diz que deve esquecer a culpa que lhe foi perdoada.
Semelhante esquecimento, por certo, não se pode ordenar. Deve-se poder
efetuá-lo. O homem pode fazê-lo, se um novo futuro lhe for adjudicado,
tornando-se, assim, possível reelaborar o passado e o presente. Poder
esquecer é a maior possibilidade criadora do homem como ser que fala. Nela o
homem elabora o amor experimentado em liberdade própria.
9. Sintetizo. A verdadeira essência do homem é sua correspondência
(possibilitada. por uma palavra que lhe fala) ao movimento pelo qual Deus, em
Jesus Cristo, desceu até o homem. Esse movimento divino para baixo, para o
homem, impede a este a subida à divindade. Assim como Deus se manifestou
como Senhor no abaixamento, assim também é só na participação desse
abaixamento que a imagem de Deus chegará à "glória dos filhos de Deus" (Rom
8, 21).
Nesse sentido, a finalidade de toda e qualquer Antropologia teológica,
cuja fundamentação tentamos estabelecer aqui, deve ser apontada como a
contestação da divindade do homem. Com efeito, é da essência do homem que
ele possa querer divinizar-se; mas até mesmo qualquer tendência à divinização
deve ser combatida pela Antropologia teológica. A necessidade da' negação da
divindade do homem decorre da tendência (não desconhecida nem para os
incréus) da existência humana a fundamentar-se a si própria e a caricaturar-se
justamente assim. - "Non potest homo naturaliter velle deum esse deum, immo
vellet se esse deum et deum non esse deum" (O homem pode, portanto,
naturalmente, não querer que Deus seja deus, antes quereria ser ele mesmo
Deus e que Deus não fosse Deus. LUTERO contra G. BIEL, na "Disputatio contra
scholasticam theologiam", ed. de Bonn, vaI. V, pág. 321, e na ed. de Weimar, 1,
pág. 225).
Que a contestação da divindade do homem é possível, depreende-se
do fato de Deus se ter tornado homem no ser de Jesus Cristo. Deixar que em
Jesus Cristo Deus se torne homem, e, justamente por isso, não deixar que o
homem se torne Deus - eis a tarefa antropológica indicada ao pensamento pela
fé cristã. Uma contestação da divindade do homem com base na humanidade
de Deus seria a mais 'exata exegese da humanidade do homem.
Cur deus homo? Por que Deus se tornou homem? A resposta
antropológica a esta pergunta é, na sua forma negativa, a contestação da
apenas aparente antítese entre as duas sentenças "homo homini deus" e
"homo homini lupus". A resposta positiva, porém, não poderia ser, tampouco,
"homo homini Christus" (o homem é Cristo para o homem) (com uma
invocação não muito acertada de LUTERO, essa frase· aparece, na atual
teologia, citada de bom grado como princípio antropológico: "Von der Freiheit
eines Christenmennschen", ed. de Bonn, vaI. 11, pág. 25, e na ed. de Weimar,
7, pág. 35). O homem correspondente a Deus é antes aquele que fica entre os
homens, por eles e para eles, aquele que, humano entre eles se torna mais
homem: homo homini homo - o homem um homem para o homem.
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