Enucleação Transpalpebral em Ema (Rhea americana

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Caso Clínico
Enucleação Transpalpebral em Ema (Rhea americana): Relato
de Caso
Transpalpebral Enucleation of a Rhea
(Rhea americana): Case Report
Silvio Henrique de FREITAS1
Haley Silva de CARVALHO2
Marco Aurélio Molina PIRES3
Myrcéa Valéria MARTINS4
Andreia Rizzieri YAMANAKA5
Lázaro Manoel de CAMARGO6
FREITAS, S.H. de; CARVALHO, H.S. de; PIRES, M.A.M.; MARTINS, M.V.; YAMANAKA, A.R.; CAMARGO, L.M. de. Enucleação
transpalpebral em ema (Rhea americana): relato de caso. MEDVEP – Rev Científ Med Vet Pequenos Anim Anim Estim, Curitiba, v.1,
n.3, p.220-223, jul./set. 2003.
É descrito um caso de enucleação transpalpebral em uma ema (Rhea americana) macho adulto, com histórico
de traumatismo ocular ocasionado por disputa de território entre dois machos. Os sinais clínicos notados
no olho direito foram edema das bordas palpebrais superior e inferior com secreção purulenta e córnea
apresentando opacidade total, com tecido cicatricial proeminente de coloração âmbar. Optou-se pela enucleação transpalpebral. A técnica utilizada teve êxito, pois notou-se cicatrização total da ferida, na qual não
há secreções.
PALAVRAS-CHAVE: Ema; Enucleação ocular/veterinária; Traumatismos oculares/veterinária.
1
Professor do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária/Faculdade de Medicina Veterinária/
Universidade de Cuiabá – UNIC; Rua Itália, s/n, Jardim Europa – CEP 78065-420, Cuiabá, MT;
e-mail: [email protected].
2
Professor do Departamento de Anestesiologia Veterinário – UNIC; e-mail: [email protected]
3
Professor do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária – UNIC;
e-mail: [email protected]
4
Médica Veterinária Autônoma; e-mail: [email protected].
5
Médica Veterinária – UNIC; e-mail: [email protected].
6
Professor do Departamento de Clínica Médica e Semiologia – UNIC; e-mail: [email protected].
INTRODUÇÃO
MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais
e Animais de Estimação, Curitiba, v.1, n.3, p.219-222, 2003
Enucleação Transpalpebral em Ema (Rhea americana): Relato de Caso
O globo ocular das aves, semelhante ao dos
mamíferos, é protegido pela cavidade orbital, pálpebras superior e inferior e membrana nictitante. Por ser
muito grande e preencher completa­mente o espaço
orbitário, ele possui movimento restrito dentro da
órbita, que é compensado pela grande mobilidade da
cabeça e do pescoço (McLELLAND, 1986).
Os olhos das aves adultas são extremamente
grandes, estando na proporção de 1:1 com o cérebro,
o que não é notado, pois apenas a córnea é visível
externamente. Eles se localizam lateralmente e são separados por um fino septo interorbitário (McLELLAND,
1986).
Os tecidos moles contidos na órbita estão envolvidos pela periórbita, que é uma estrutura constituída
por tecido conjuntivo denso, situada junto à parede
óssea da órbita.
Os nervos e vasos sangüíneos que suprem o
globo ocular chegam através de numerosos forames
presentes na órbita (McLELLAND, 1986; SLATTER &
WOLF, 1998).
As aves possuem apenas seis músculos extraoculares, que são responsáveis pelo movimento do
globo ocular, sendo eles: os oblíquos ventral e dorsal,
os retos lateral e medial, dorsal e ventral. O músculo
retrátil do bulbo, presente nos olhos dos mamíferos,
não está presente nos das aves (McLELLAND, 1986).
Traumatismos, neoplasias, proces­sos inflamatórios e infecciosos ou extensão de processos patológicos de estruturas vizinhas podem levar à afecção
do globo ocular, que normal­mente não pode ser tratado de forma conservadora, com antibióticos, antiin­
flamatórios esteróides ou não-esteróides nem através
de pequenos procedimentos cirúrgicos. O insucesso
ou mesmo a contra-indicação dos procedimentos
anteriormente citados torna o tratamento de algumas
afecções do globo ocular mais complexo, sendo, em
algumas situações, necessário realizar procedimentos
mais agressivos, como evisceração do conteúdo intraocular ou mesmo a enucleação (GILGLER et al., 1995A;
GILGLER et al., 1995B; RAMSEY et al., 1996; WOLF, 1996;
GLAZE, 1998; KROHNE, 2000; WILLS, 2000; MAISONNEUVE, 2001; HAMOR, 2002).
O trabalho teve como objetivo relatar a enucleação transpalpebral em uma ema (Rhea americana) com
histórico de traumatismo na córnea por disputa de
território entre dois machos, em que o procedimento
cirúrgico aplicado foi eficaz.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi atendida no Hospital Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Cuiabá
uma ema (Rhea americana) macho, com um ano e
meio, com histórico de traumatismo no olho direito
devido à disputa de território com outro macho, que
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resultou em lesão da córnea. A ave foi pré-medicada
com uma associação de 1mg/kg de butorfanol com
15mg/kg de quetamina e 0,5mg/kg de midazolan, na
mesma seringa, injetada na musculatura peitoral. Ao
exame oftalmo­lógico, as bordas palpebrais apresentavam-se edemaciadas e com secreção purulenta,
e a córnea com opacidade total e uma cicatriz proeminente de coloração âmbar (Figura 1). Optou-se
pela enucleação transpalpebral, sendo em seguida
induzida anestesia geral com máscara, utilizando isoflurano e oxigênio a 100%. A manutenção da anestesia
foi realizada com os mesmos gases, usando sonda
endotraqueal. Posicionou-se a ave em decúbito lateral
esquerdo e, em seguida, removeram-se as penas da
região periorbital e realizou-se anti-sepsia com PVPI
tópico e álcool a 70%. As bordas das pálpebras superior
e inferior foram suturadas com nylon 2.0, utilizando
padrão de sutura contínua, e foram realizadas duas
incisões paralelamente às margens palpebrais (3 a
4mm), medial e lateralmente, até estas se cruzarem,
circundando a fissura palpe­bral suturada. Em seguida,
foi realizada dissecção cuidadosa entre o saco conjuntival e a margem orbital até a esclera, e o globo ocular
foi tracionado com pinças Allis até expor os músculos
extra-orbitários, que foram seccionados com tesoura
curva de Methezembaum. Após esse procedimento, o
globo ocular foi rotacionado e o nervo óptico ligado
com nylon 2.0, seguindo-se a secção deste também
com tesoura curva. A pálpebra superior teve seu tecido
subcutâneo dissecado e, em seguida, foi aproximada
com a inferior com padrão de sutura separada simples,
utilizando nylon 2.0 (Figura 2).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após avaliação clínica e exame oftalmológico da
ema, preferiu-se a enucleação transpalpebral ao tratamento conservador da córnea com flap transconjuntival ou membrana biológica, preconizado por Severin
(1991), Moore (1996) e Andrade & Laus (1998), pois o
animal havia perdido completamente a visão.
O uso de isoflurano é de fundamen­tal importância para os procedimentos cirúrgicos em aves, pois
permite indução e recuperação mais curtas, minimizando o estresse pré-operatório, a hipoglicemia e a
hipotermia pós-operatória. Além disso, a estabilidade
cardíaca é uma vantagem a ser considerada em aves
traumatizadas, já que o alto nível de estresse aumenta
o risco de arritmias cardíacas (GUIMÃES & MORAIS,
2000).
As aves, ao contrário dos mamí­feros, possuem
apenas seis músculos extra-oculares (oblíquo ventral
e dorsal, retos lateral e medial, dorsal e ventral), não
possuindo o músculo retrátil da órbita, pois não há
espaço entre a órbita e o globo ocular (McLELLAND,
MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais
e Animais de Estimação, Curitiba, v.1, n.3, p.219-222, 2003
Enucleação Transpalpebral em Ema (Rhea americana): Relato de Caso
FIGURA 1: Olho direito de ema (Rhea americana). Notar
opacidade e tecido cicatricial proeminente da córnea de
coloração âmbar (seta).
A
B
1986).
A córnea dos mamíferos e das aves é protegida
pelas pálpebras superior, inferior e membrana nictitante, que convergem e se unem, porém nota-se que
a pálpebra inferior é bem maior e mais móvel que a
superior (McLELLAND, 1986). Isso foi notado no caso
em estudo, pois foi necessário promover a dissecção
do tecido subcutâneo da pálpebra superior após a
incisão da borda da pálpebra, para realizar a sutura
das margens palpebrais.
O controle da hemorragia, após secção dos
músculos extra-orbitários e ligação do nervo óptico
e dos vasos adjacentes, foi eficiente, pois não houve
drenagem de líquidos pela linha da incisão nem aumento no sítio cirúrgico, fato esse também notado por
(WOLF, 1996; BARNETT et. al., 1990).
O padrão de sutura contínua simples aplicado
nas bordas palpebrais, no presente caso, foi eficiente,
pois impediu que o conteúdo presente no saco conjuntival entrasse em contato com o sítio operatório
(WOLF, 1996).
No pós-operatório, o animal foi medicado com
antibiótico, para evitar infecção, e antiinflamatório
e analgé­sicos, para diminuir a inflação e a dor local,
protocolo também utilizado por Hamor (2002).
A prótese intra-ocular não foi utilizada neste
caso, pois foi realizada uma enucleação, sendo nesses
casos contra-indicado o uso da prótese intra-ocular
(HAMOR et al., 1993; RAHAL, 2000).
A ferida cirúrgica da enucleação cicatrizou em
tempo hábil, não ocorrendo deiscência de pontos nem
fístula na linha de sutura, que são normalmente observados em procedimentos cirúrgicos e desenvolvem
infecção local decorrente de corpos estranhos contaminados, reação ao material de sutura e persistência
de tecido secretório (WOLF, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
C
Considerando os resultados obtidos e por se tratar
de uma ave de cativeiro, mesmo tendo perdido a visão
do lado direito e ficado mais vulnerável aos ataques de
aves do grupo, concluiu-se que a enucleação transpalpebral foi eficiente, pois notou-se completa cicatrização
da ferida cirúrgica aos 8 meses de pós-operatório e total
integração do animal com o grupo (Figura 3).
AGRADECIMENTO
FIGURA 2: Olho direito de ema. Notar incisões às margens
palpebrais, circundando a fissura palpebral suturada e presa com
pinças de Allis, os músculos extra-orbitários seccionados e a
esclera (A). Órbita ocular após exteriorização do globo ocular (B).
Notar fechamento das bordas palpebrais superior e inferior com
fio de nylon (C).
Ao Hospital Veterinário da Universidade de Cuiabá – UNIC e Guarany Agroindustrial.
FREITAS, S.H. de; CARVALHO, H.S. de; PIRES, M.A.M.; MARTINS,
M.V.; YAMANAKA, A.R.; CAMARGO, L.M. de. Transpalpebral enucleation
of a rhea (Rhea americana): case report. MEDVEP – Rev Científ Med
Vet Pequenos Anim Anim Estim, Curitiba, v.1, n.3, p.220-223, jul./set.
2003.
MedveP - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais
e Animais de Estimação, Curitiba, v.1, n.3, p.219-222, 2003
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Enucleação Transpalpebral em Ema (Rhea americana): Relato de Caso
FIGURA 3: Ema após
8 meses de pósoperatório. Notar a
região orbitária direita
cicatrizada.
A clinical case of transpalpebral enucleation in an adult
male rhea (Rhea Americana) is described.The rhea had
a history of ocular traumatism resulting of a fight for
territory with another male.The clinical signs observed
in the right eye were edema of superior and inferior
eyelid borders with purulent secretions. The cornea
presented total opaqueness with a protuberant cicatricial tissue of amber color. The chosen procedure
was the transpalpebral enucleation. The technique
was successful for there was total cicatrization of the
wound, from which no secretions were present.
KEYWORDS: Rhea; Eye enucleation/veterinary; Eye injuries/
veterinary.
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Recebido para publicação em: 26/03/03
Enviado para análise em: 08/04/03
Aceito para publicação em: 05/05/03
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