Tendências teóricas, epistemológicas e metodológicas para

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Tendências teóricas, epistemológicas e metodológicas para a
formação profissional do assistente social no Brasil
Profª. Drª Jussara Maria Rosa Mendes1
Presidente da ABEPSS
Desvendar a profissão é também elucidar a herança cultural a partir da qual se
constrói o discurso profissional sobre o seu fazer. O Serviço Social (SS), surgindo como
parte da divisão do trabalho entre as ciências, afirma-se como uma profissão na sociedade,
dotada de uma dimensão teórico-metodológica e técnico-operativa, a qual não se dissocia
de implicações de ordem ética e política. Assim, o Serviço Social vem respaldando seu
exercício, as sistematizações e os saberes que constrói em parcela do acervo intelectual e
cultural herdado fundamentalmente do pensamento social na modernidade. Isto não exclui
as contribuições de pesquisas realizadas no universo do Serviço Social ao acervo de
conhecimentos relativos aos processos sociais. Na década de 1980, afirma-se a maioridade
acadêmica dos assistentes sociais, impulsionada pela pós-graduação, pelo crescimento do
mercado editorial e por uma fértil produção acadêmica que ultrapassa os muros
profissionais, permitindo uma interlocução teórica, no mesmo patamar, com áreas conexas
de maior tradição na pesquisa social (Iamamoto, 2003).
O Serviço Social brasileiro redimensionou-se e renovou-se. Segundo a produção
acumulada das últimas décadas, houve uma grande qualificação no âmbito da academia,
traçou-se um forte embate com o conservadorismo no que se refere à interpretação teóricometodológica do SS, buscando adequar criticamente a profissão às exigências do seu
tempo.
No que se refere à dimensão da ética, pode-se afirmar que houve um avanço radical.
Através do nosso código de Ética constituiu-se democraticamente as suas normatizações,
estabelecendo direitos e deveres dos Assistes Sociais segundo princípios e valores
humanistas, guias para o exercício cotidiano.
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Professora adjunta da Faculdade e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul/Brasil – Presidente da Associação Brasileira de Ensino e
Pesquisa em Serviço Social/ ABEPSS
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Destaca-se:
•
O reconhecimento da liberdade como valor ético central, que requer o
reconhecimento da autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos
sociais e de seus direitos;
•
A defesa intransigente dos direitos humanos contra todo tipo de arbítrio e
autoritarismo;
•
A defesa, aprofundamento e consolidação da cidadania e da democracia, da
socialização da participação política e da riqueza produzida;
•
O posicionamento a favor da eqüidade e da justiça social, que implica a
universalidade no acesso a bens e serviços e a gestão democrática;
•
O empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, e a garantia do
pluralismo;
•
O compromisso com a qualidade dos serviços prestados na articulação com outros
profissionais e trabalhadores.
A efetivação destes princípios nos remete à luta pela construção de uma nova ordem
societária. Os princípios éticos impregnam o exercício cotidiano e indicam um modo de
operar o exercício profissional, diferente do já desenvolvido até então. Citaria ainda outros
pilares da profissão: a lei de regulamentação da profissão, que representa a defesa da
profissão na sociedade e guia para a formação acadêmico-profissional, e as diretrizes
curriculares para a área do SS propostas pela ABEPSS e aprovadas pelo Conselho Nacional
de Educação.
O nosso código de ética, alavancado pelo amadurecimento teórico e político da
categoria, encontra-se coroado na afirmação de um posicionamento profissional assentado
na democracia, equidade e cidadania.
Ao SS impõe-se o desafio de fortalecer sua identidade profissional, seu ethos, como
parte deste processo, no tensionamento das relações entre a esfera da produção e o campo
do Estado, espaço em que se situa o seu trabalho. Sem dúvida, são questões que traduzem
novas exigências e requisições ao trabalho do assistente social, ao mesmo tempo em que
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sinalizam novos espaços ocupacionais e de trabalho, que reeditam dilemas éticos presentes
nas tensões historicamente enraizadas na inscrição da profissão nas estratégias de respostas
a questão social (Iamamoto, 2003).
Portanto, decifrar a profissão do Serviço Social supõe elucidar os processos sociais
que geram a sua necessidade social, o significado de suas ações no campo das relações de
poder econômico e político - das relações entre as classes e destas com o Estado - assim
como seu envolvimento no debate teórico e cultural de seu tempo (Iamamoto, 2003).
Portanto, é necessário estar ciente de que esta tarefa exige termos clareza dos pressupostos,
princípios e diretrizes que definem o projeto profissional do Assistente Social (AS) no
Brasil.
Além disso, o cenário atual é de muitas transformações e inquietações quanto aos
rumos do ensino, da reforma universitária ora em curso, o que nos leva a considerar
extremamente necessário ampliar e sedimentar o debate sobre a temática da formação
profissional. O sistema educacional não é poupado pela lógica mercantil disseminada em
todo tecido social (Cardoso, 2001), considerando-se sua importância na reprodução social.
As atuais exigências derivadas destes processos de globalização trazem profundas alterações
nos aspectos econômicos, culturais e sociais, com repercussões nas inter-relações globais e
locais no mundo de trabalho e nos processos de inclusão e exclusão presentes na
contemporaneidade.
Por outro lado, as reformas do Estado vêm alterando significativamente as
condições de trabalho, nas esferas pública e privada, com a extinção de postos de trabalho e
serviços, demissões, contenção de salários, corrida à aposentadoria, aumento assustador dos
índices de desemprego e de alta precarização das condições de trabalho.
Os espaços ocupacionais, por sua vez, sofrem significativas mutações nos trazendo
imensos desafios. Ampliam-se as exigências de estratégias políticas, clareza teórica e
metodológica apoiadas em criterioso trabalho de pesquisa sobre as novas expressões da
questão social, sobre as condições e relações de trabalho do AS, qualificação profissional,
exercício e ações cotidianas. Atentos a tais exigências, os Assistentes Sociais sedimentam
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sua identidade profissional na contemporaneidade e, como diz Yasbeck (2003), tecendo-a
no tempo miúdo do trabalho cotidiano.
O conjunto destas questões condiciona e exigem do Serviço Social novas respostas
profissionais, que nos remetem a refletir sobre as possibilidades de inserção profissional do
Assistente Social considerando as demandas emergentes, as novas competências requeridas
para este trabalho profissional face à ação cada vez mais ofensiva do capital. Ressalte-se
ainda que a necessidade de reconstrução do projeto de formação profissional define-se no
Brasil em um contexto sócio-político de implementação continuada, de mais uma década, de
uma política governamental orientada e prescrita por organismos internacionais incidindo de
forma contundente nos espaços de formação profissional. Apesar desse contexto, podemos
afirmar que o SS brasileiro construiu uma proposta de revisão curricular que nos permite
discutir sua implementação, está sustentado em um projeto coletivo e, como pode ser
analisado, não se encontra mais no campo das tendências, mas sim na sustentação de um
perfil profissional que busca ser coerente com o tempo presente.
O papel da ABEPSS - Breve retrospectiva
Neste contexto, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social –
ABEPSS -, entidade nacional representativa das Instituições de Ensino Superior no âmbito
do Serviço Social, atenta às necessidades da área, e contrapondo-se a esta lógica neoliberal,
promoveu um amplo debate e avaliação dos impasses e tensões que compunham os desafios
para a formação profissional dos Assistentes Sociais na perspectiva da qualidade e da
eficiência das respostas profissionais às demandas contemporâneas. Este diagnóstico
culminou com a realização de uma assembléia durante a XXIX Convenção Nacional da
ABESS, em Recife, no ano de 1995. Neste momento foi aprovada a proposta básica para o
projeto de formação profissional contendo novo desenho curricular embasado em diretrizes,
pressupostos, metas e núcleos de fundamentação claramente delineados.
A concepção que informa as diretrizes é inspirada em uma tradição cultural que, ao
privilegiar a história, reconhece não serem as categorias teóricas com as quais se procede a
análise fruto de uma formulação autônoma e aleatória do processo de pensar. Ao contrário,
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aquelas categorias teóricas são entendidas como expressões, na esfera da razão, ”de modos
de ser, determinações da existência” (Marx, 1974:127), dadas na realidade efetiva.
Esta Proposta de Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social, apresentavase como produto de um amplo e sistemático debate realizado pelas Unidades de Ensino já a
partir de 1994, quando a XXVIII Convenção Nacional da Associação Brasileira de Ensino
de Serviço Social - ABESS, ocorrida em Londrina - PR, em outubro de 1993, deliberou
sobre os encaminhamentos da revisão do Currículo Mínimo vigente desde 1982 (Parecer
Conselho Federal de Educação nº 412, de 04.08.1982 e Resolução n.º 06 de 23/09/82)
Com a compreensão de que uma revisão curricular exigia uma profunda avaliação
do processo de formação profissional face às exigências da contemporaneidade, a então
ABESS (que posteriormente veio a constituir-se em ABEPSS) promoveu e coordenou com
o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social - CEDEPSS,
órgão acadêmico que na época articulava a Pós-Graduação em Serviço Social, um intenso
trabalho de mobilização das Unidades de Ensino de Serviço Social no país. Este processo de
mobilização contou com o apoio decisivo da
Entidade Nacional representativa dos
profissionais de Serviço Social, através do CEFESS - Conselho Federal de Serviço Social,
bem como, dos estudantes, através da ENESSO - Executiva Nacional dos Estudantes de
Serviço Social.
Entre 1994 e 1996 foram realizadas aproximadamente 200 (duzentas) oficinas locais
nas 67 Unidades Acadêmicas filiadas a ABESS, 25 (vinte e cinco) oficinas regionais e duas
nacionais.
Em 1996, a continuidade deste trabalho coletivo, deu-se através da realização de
novas oficinas, e com a participação da assessoria de um grupo de consultores que culminou
com a elaboração de um segundo documento intitulado: “Proposta Básica para o Projeto
de Formação Profissional: Novos Subsídios para o Debate”.
Na etapa final do processo de revisão curricular as proposições do conjunto das
Unidades de Ensino foram sistematizadas, resultando em seis documentos regionais a partir
dos quais a Diretoria da ABESS, a representação da ENESSO e do CFESS, o Grupo de
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Consultores de Serviço Social e a Consultoria Pedagógica elaboraram a “Proposta Nacional
de Currículo Mínimo para o Curso de Serviço Social”. Proposta esta apreciada e aprovada
em Assembléia Geral da ABESS durante a II Oficina Nacional de Formação Profissional,
realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1996.
Em 20 de dezembro de 1996 foi promulgada a nova lei das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional ( LDB) -Lei 9394, tornando oportuno o processo de normatização e
definição de Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social no espírito da nova Lei. Tais
Diretrizes tornam-se fundamentais para o estabelecimento de um patamar comum,
assegurando, ao mesmo tempo, a flexibilidade, descentralização e pluralidade no ensino em
Serviço Social, de modo a
acompanhar as profundas transformações da ciência e da
tecnologia na contemporaneidade. Através das Diretrizes Gerais passam a ser contempladas
as novas demandas de qualificação profissional frente às alterações nas expressões da
questão social, à reforma do Estado e às mudanças no âmbito da produção, considerando as
novas demandas de qualificação do profissional pela alteração do espaço ocupacional do
assistente social, pelo que se exige que o ensino superior estabeleça padrões de qualidade
adequados.
Neste processo, ao mesmo tempo em que se procede a (re) construção das origens
históricas e do desenvolvimento da profissão, resgata-se a história da expansão e
desenvolvimento do capitalismo, com destaque para a fase monopolista, projetos
societários, papéis do Estado e da sociedade civil, o movimento das classes e também os
paradigmas teóricos em seus fundamentos epistemológicos.
A proposta, portanto, de acordo com as Diretrizes, foi a de resgatar as construções
teórico-metodológicas a partir de uma compreensão do processo de “constituição e
desenvolvimento da sociedade burguesa, apreendida em seus elementos de continuidade e
ruptura” (...). “A configuração da sociedade burguesa, nesta perspectiva, é tratada em suas
especificidades quanto à divisão social do trabalho, à propriedade privada, à divisão de
classes e do saber, em suas relações de exploração e dominação, em suas formas de
alienação e resistência. Implica em reconhecer as dimensões culturais, ético-políticas e
ideológicas dos processos sociais em seu movimento contraditório e elementos de
superação” (ABEPSS, 1997).
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Conforme descreve o documento das diretrizes curriculares “O pressuposto central
das diretrizes é a permanente construção de conteúdos (teóricos, éticos, políticos, culturais)
para a intervenção profissional nos processos sociais que são apreendidos de forma
dinâmica, flexível, assegurando elevados padrões de qualidade na formação do assistente
social” (ABEPSS, 1997). Isto nos remete a um conjunto de conhecimentos indissociáveis,
traduzidos nas diretrizes curriculares como núcleos de fundamentação: fundamentos
teórico-metodológicos da vida social; fundamentos da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira e fundamentos do trabalho profissional.
A concepção dos fundamentos teórico-metodológicos do Serviço Social que informa
a revisão curricular parte da premissa de que “decifrar a profissão exige apreendê-la sob um
duplo ângulo (...). Em primeiro lugar (...) analisar como o SS se formou e se desenvolveu
no marco das forças societárias, como uma especialização do trabalho na sociedade”. Em
segundo lugar, pensar a profissão “como fruto dos sujeitos que a constroem e a vivenciam.
Sujeitos que acumulam saberes, efetuam sistematizações da sua ‘prática’ e contribuem na
criação de uma cultura profissional, historicamente construída”. Assim, “analisar a
profissão supõe abordar, simultaneamente, os modos de atuar e de pensar que foram por
seus agentes incorporados, atribuindo visibilidade às bases teóricas assumidas pelo SS na
leitura da sociedade e na construção de respostas à questão social” (ABEPSS, 1997).
A abordagem desta lógica, que não separa história, teoria e método, é própria da
matriz critico-dialética, que possibilita a reconstrução de distintas realidades e do fazer
profissional em diferentes espaços sócio-ocupacionais a partir das mediações que vamos
fazendo. Afirmamos aqui a compreensão do método dialético, não apenas como uma
ferramenta de conhecimento e desvendamento da realidade ou como pano de fundo, mas
como pressuposto teórico-ideológico. Gostaria de destacar ainda, a importância de não
entender as teorias apenas como um quadro explicativo, mas como um conjunto de
conhecimentos vinculados a “projetos determinados de sociedade, a visões de homem e de
mundo, frente às quais o profissional assume uma posição” (Guerra, 2000).
É esse método que nos permite conhecer a sinuosidade do real, de um real que só é
desvendado a partir de um sistema de mediações que se renovam de forma dinâmica nos
permitindo incorporar o novo, não de forma espontânea, mas a partir de uma reflexão
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critica constante. É este também o caminho que nos permite compreender como a profissão
vai se auto-representando e se construindo na realidade e como se faz reconhecer
socialmente. É o resgate dessa conjunção - rigor teórico-metodológico e acompanhamento
da dinâmica societária - que permitirá atribuir um novo estatuto à dimensão interventiva da
profissão. Conforme tão bem expressou Maria Carmelita Yazbeck (2001) esta perspectiva
nos permite compreender a profissão polarizada pelos interesses das classes sociais,
resgatando as determinações econômicas, históricas, políticas e culturais que atravessam o
exercício profissional e como o Assistente Social constrói a sua intervenção, lhe atribui
significado, lhe confere finalidades e uma direção social.
As observações de Iamamoto (1998, p.179) são fundamentais ao indicar que “a
questão teórico–metodológica diz respeito ao modo de ler, de interpretar, de explicar essa
sociedade e os fenômenos particulares que a constituem. Isso não se concretiza a partir de
uma” opção político-moral, mas supõe uma formação que exige competência teórica”.
Quanto mais ampla for essa leitura da realidade, melhor teremos condições tanto de
responder às demandas imediatas quanto nos antecipar em relação às demandas futuras e
atuais. Evidentemente que essa competência teórica não ocorre apenas nas disciplinas de
Fundamentos mas se articula e se explicita em toda a grade curricular. Ou seja, este é o
mesmo olhar que deve estar balizando os conteúdos das políticas sociais, da administração,
do planejamento, da pesquisa, do ensino da prática e assim por diante.
Esta perspectiva nos possibilita superar o tratamento classificatório das produções e
conteúdos, uma vez que remete a uma abordagem dos mesmos a partir da apreensão da
constituição, do desenvolvimento e da transformação da sociedade burguesa, “das
manifestações e do enfrentamento da questão social, eixo fundante da profissão e
articulador dos conteúdos da formação profissional” (ABEPSS, 1997).
Quais são, portanto, os pressupostos centrais que podem ser apontados como
exigência no ensino desses eixos?
1 – a compreensão da história da sociedade de classes que tem a questão social
como expressão de suas contradições e como a profissão se insere neste contexto, indicando
a particularidade da história da sociedade de classes em cada tempo histórico e também na
sua localização geográfica. A compreensão que as classes sociais tem sua história
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demarcada pelo solo histórico onde se desenvolve, dado as singularidades locais, que
também determinam a forma como a profissão se inscreve nessa realidade e como os
profissionais vão significando a profissão. É aí que reside a riqueza do método, de
reconstruir cada realidade com suas múltiplas determinações, especificidades e
particularidades;
2 – a recuperação das matrizes do pensamento social e de como a profissão é
perpassada por elas na construção de seus modos de ser e pensar ao longo de seu processo
histórico;
3 – a adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da totalidade
social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade, ou seja, a
apropriação de uma concepção teórico–metodológica que não cinde história, teoria e
método
O núcleo dos fundamentos da formação sócio-histórica remete ao conhecimento da
configuração econômica, social, política e cultural da sociedade brasileira, na sua
configuração dependente, urbano-industrial, nas diversidades regionais e locais. Constituise da apreensão dos movimentos, impactos econômicos, políticos e sociais peculiares a
sociedade brasileira, desigualdades sociais, diferenciações de classe, gênero, étnico-raciais,
exclusão social, entre outros. Significa afirmar que os conteúdos indicados implicam em
uma “constante e atenta análise conjuntural da sociedade brasileira, sua inserção
internacional, tendo em vista o acompanhamento dos processos sociais em curso, geradores
das múltiplas manifestações da questão social” (ABEPSS, 1997).
Assim são indicados
a) a análise da constituição, trajetória e ação das classes sociais, em seus conflitos,
diferenças, alianças, considerando-se as dimensões econômicas, políticas e
culturais;
b) conhecimento em profundidade, do movimento das ações das classes subalternas,
reconstruindo sua composição e posição no processo produtivo; condições de vida
e trabalho; formas de manifestação social, cultural, ética e política; formas de lutas
e de organização; aspirações e práticas de resistência, contestação e subalternização
que explicitem seu modo de viver e pensar.
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O conteúdo do núcleo de fundamentos do trabalho profissional considera o Serviço
social como “uma especialização do trabalho e sua prática como concretização de um
processo de trabalho que tem como objeto as múltiplas expressões da questão social”
(ABEPSS, 1997, pg.66). Esta compreensão requer a apreensão do conjunto de
características que demarcam a institucionalização e desenvolvimento da profissão, suas
determinações sócio-históricas de inserção na sociedade brasileira e que orientam o fazer
profissional e a herança cultural que embasa as explicações sobre relações sociais, suas
práticas, sistematizações e saberes.
O solo histórico da sociedade é à base do SS, pois daí emanam as requisições
profissionais, os condicionantes do seu trabalho e as possíveis respostas a serem formuladas
pelo
profissional.
Conjunção
essencial
acompanhamento da dinâmica societária,
entre
o
rigor
teórico-metodológico
e
seus vínculos de classe e seu processo de
trabalho.Neste sentido as competências teórico-metodológicas, técnico-operativas e éticopolíticas são requisitos fundamentais.
Os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos são indispensáveis neste
processo de compreensão das formas de pensar do Assistente Social, pois estas formas de
pensar os implicam na instrumentalidade da profissão (Guerra, 2000).
Nesta mesma
orientação, a postura investigativa permanente é exigência fundamental, devendo perpassar
todo processo da formação profissional. A pesquisa é um dos elementos imprescindíveis
neste processo, para a concretização da direção social que o projeto de formação
profissional do Assistente Social brasileiro quer alcançar. Este conteúdo está vinculado á
realidade social e às mediações que perpassam o exercício profissional, que exigem postura
investigativa e vínculo com os modos de agir e pensar dos profissionais.
E quais são os conteúdos que essa abordagem sugere? A formação profissional
remete a necessidade de conteúdos que expressem:
- a emergência e desenvolvimento da profissão no âmbito da expansão monopolista no
cenário mundial, suas expressões na Europa, Estados Unidos e paises periféricos; o
desenvolvimento e institucionalização do SS na realidade brasileira e latino-americana
situado no contexto sócio-histórico, econômico, político e cultural; produções e
construções dos profissionais nesse contexto. Resgatam-se aqui os conteúdos que
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compõe a ementa de matérias e respectivas disciplinas: como Acumulação Capitalista e
Desigualdades Sociais, Fundamentos Sócio-Históricos do Brasil, Ciência Política; entre
outras.
- situar o SS na divisão sócio-técnica do trabalho, ou seja, como especialização do trabalho
coletivo evidenciando o que é o trabalho profissional combinado com outros trabalhos,
situando o “exercício profissional no âmbito das relações entre Estado e sociedade civil,
no marco de uma sociedade de classes” (Iamamoto, 1998, p. 113) e como contribui,
como profissão, na produção e reprodução da vida social; ou seja, como profissão que
“produz serviços que atendem a necessidades sociais” (idem) de indivíduos, grupos e
classes sociais o que não se reduz a uma abordagem da dimensão econômica da
realidade, mas também das formas de ser e pensar presentes na vida social. Assim,
“compreender as particularidades do Serviço Social como especialização do trabalho
coletivo requer a apreensão do conjunto de características que demarcam a
institucionalização e desenvolvimento da profissão. Isto é, tanto as determinações
sócio-históricas de sua inserção na sociedade brasileira que perfilam o fazer
profissional, quanto a herança cultural que vem respaldando as explicações efetivadas
pelo Serviço Social sobre as relações sociais, sobre suas práticas, suas sistematizações e
seus saberes” (Iamamoto, 1998). Recuperam-se aqui conteúdos ministrados em
matérias e disciplinas como Sociologia, Filosofia, Processo de Trabalho; entre outros.
- recuperação das matrizes do conhecimento, ou seja, do acervo cultural produzido no
campo das ciências sociais e da teoria social critica e de que forma estas perpassam as
construções teórico-metodológicas do Serviço Social. Este conteúdo remete a discussão
das grandes matrizes do conhecimento, positivismo e suas derivações do funcionalismo
e estrutural-funcionalismo, neopositivismo, fenomenologia e teoria social critica. Tais
conteúdos não se constituem em unidades estanques, mas retomados no contexto do
desenvolvimento da sociedade burguesa e das construções teórico–metodológicas do
SS. É importante superar a perspectiva mecanicista de enquadramento das ações
profissionais de que certos paradigmas são mais adequados ao trabalho com indivíduos
e grupos e outros apenas para analises macroscópicas. Importa compreender que são
perspectivas diferentes de explicar a ordem burguesa bem como de construção das
ações profissionais. Recuperam-se aqui os conteúdos que são ministrados em matérias
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como: Sociologia, Filosofia, Economia Política, Acumulação Capitalista, etc que
trazem em suas ementas o aprofundamento desses conteúdos;
- identificar as formas de pensar/agir dos profissionais nos diferentes momentos históricos,
o reconhecimento de demandas e as respostas elaboradas em cada conjuntura no
enfrentamento da questão social, levando em conta, os contextos históricos
diferenciados e as condições em que ocorre a ação profissional. Esse conteúdo remete à
recuperação das representações profissionais em diferentes períodos temporais e suas
angulações: década de 30 e a influência da Igreja Católica, o período Pós-Guerra e o
desenvolvimentismo, o populismo, a ditadura militar, as lutas pela democracia, as
mudanças societárias da contemporaneidade e o redirecionamento da profissão.
Recuperam-se as produções do SS, demarcados nas diferentes matrizes teóricas que as
fundamentam no quadro das transformações societárias e de que forma incidem, na
prática profissional, no espaço ocupacional e nas competências profissionais. Ou seja,
as diferentes perspectivas teórico-metodológicas mediatizam as práticas do AS e suas
respostas às requisições demandas pelas classes sociais. Conforme indica Abreu (2002,
p.31), “tais requisições materializam-se sob formas de atribuições mobilizadoras do
desenvolvimento
de
competências
profissionais
–
respostas
técnico-politico-
pedagógicas” às diferentes expressões da questão social. A apreensão teóricometodológica e político-ideológica da profissão remete à construção de respostas em
diferentes direções. Resgatam-se aqui as principais produções da profissão, situado-as
no contexto social, econômico, político e cultural e, sobretudo, no arco das grandes
matrizes teóricas do conhecimento.
A distribuição didática destes conteúdos em diferentes matérias na grade curricular
tem sido objeto de dificuldades e de muitos equívocos já apontados em oficinas anteriores e
que certamente ainda se apresentam como fator de preocupação, para muitos de nós. Dentre
estas dificuldades é importante apontar:
1 – a organização dos conteúdos com divisões puramente temporais ou etapistas remetendo
às velhas abordagens do caso, grupo e comunidade.; os conteúdos muitas vezes
contemplam a recuperação do SS sob a perspectiva de uma história linear descolada da
história da sociedade de classes e da questão social como expressão de sua contradição,
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predominando momentos históricos do passado em detrimento do presente; ou seja, “a
discussão cronológica se sobrepõe à reflexão histórica” (Cardoso e Abreu, 2000, p.206);
2 – a organização de conteúdos centrados nas grandes matrizes do conhecimento:
positivismo,
fenomenologia
e
dialética
priorizando-se uma abordagem teórico-
epistemológica;
3 – conteúdos com ênfase na história e nas dimensões técnico-operativas do exercício
profissional em que o quadro teórico é compreendido como algo a parte dos procedimentos
interventivos, acentuando-se o divórcio entre teoria e prática.
Isso não significa que os conteúdos sejam articulados na grade curricular mediante
periodizações tendo-se, no entanto, a preocupação em superar os vieses historicistas ou
epistemologitas. Quero marcar que é de fundamental importância re(construir) nossa
História em seus diferentes momentos, analisando as produções teóricas do Serviço Social
mediante um marco de mediações que permite situá-las em termos de matrizes teóricas que
as fundamentam e como estas subsidiam as respostas profissionais às demandas colocadas
naquele momento, o projeto profissional e societário defendido, as expressões do
capitalismo, etc. o que remete ao conhecimento da constituição do Estado brasileiro, seu
caráter, papel, trajetória e as configurações que ele assume nos diferentes momentos
conjunturais, seus vínculos com as classes e setores sociais em confronto. Trata-se,
portanto, de apreender as relações entre Estado e Sociedade, desvelando os mecanismos
econômicos, políticos e institucionais criados, em especial as políticas sociais, tanto no
nível de seus objetivos e metas gerais, quanto no nível das problemáticas setoriais a que se
referem (ABEPSS, 1997) e nesse contexto as produções do Serviço Social.
Ou seja, como recuperar, neste movimento, desde o Serviço Social tradicional, a
perspectiva desenvolvimentista, a perspectiva modernizadora, a aproximação com
referenciais críticos tanto de Marx como de toda a tradição marxista. A esses movimentos
evolutivos, entrecruzam-se “as concepções teóricas e as proposições profissionais” (Paulo
Netto, 1986,p.162).
Trata-se de resgatar estes movimentos evolutivos levando-se sempre em conta o
movimento macroscópico da sociedade. Ou seja, as formulações teórico-metodológicas e
seus avanços não podem ser pensados sem as mediações histórico-sociais, as tensões
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presentes em cada período, a inserção sócio-ocupacional da categoria inclusive no espaço
acadêmico. Mas também como o modo de pensar positivista e conservador presente em
momentos passados reaparece na contemporaneidade. Como o pensamento funcionalista de
Durkheim reaparece atualmente como fundamento da solidariedade mecânica presente na
vida política contemporânea, nos movimentos sociais e nas organizações da sociedade civil,
na relevância dada à participação social, que se esgota no próprio ato ritualista de
participar, no enquadramento da sociedade civil, nas abordagens comunitaristas e nas
diferentes expressões do individualismo. Conforme escreve Iamamoto (1992, p.173) “é
importante detectar os fundamentos e a critica dos modos de pensar a profissão
historicamente incorporada e que se encontram estreitamente imbricados à herança
intelectual e cultural do pensamento social na modernidade, especialmente na sua vertente
conservadora e positivista”.
A ABEPSS reafirma seu empenho por contribuir no sentido de que a formação e a
pesquisa em Serviço Social cada vez mais substancie e respalde a plataforma emancipatória
da profissão, na resistência as mais diversas formas de exclusão, opressão e violências que
no tempo presente se adensam e atualizam como demanda privilegiada ao ensino de
qualidade e à pesquisa no Serviço Social.
O desafio para os Assistentes Sociais é o de uma tomada de posição ética e política
que se insurja contra os processos de alienação vinculados à lógica contemporânea,
impulsionando-nos a dimensionar nosso processo de trabalho na busca de romper com a
dependência, subordinação, despolitização, construção de apatias que se institucionalizam e
se expressam em nosso cotidiano de trabalho.
O Desafio maior com o qual nos defrontamos é o de avançarmos na consolidação e
implementação do projeto profissional, inscrevendo seus princípios em nosso cotidiano de
trabalho. Apesar do contexto adverso, como nos diz Iamamoto, este mesmo contexto
impulsiona e mantém viva as forças sociais portadoras da esperança e da capacidade de
lutas na arena social e profissional.
Bibliografia
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ABESS/CEDEPSS. “Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social (Com base no
currículo mínimo aprovado em Assembléia Geral Extraordinária de oito de novembro de
1996)” In Cadernos ABESS nº7. Formação Profissional: Trajetória e Desafios. Ed.
Especial. São Paulo, Cortez, 1997.
________________ “Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional”. In: Serviço
Social e Sociedade no. 50. O Serviço Social no século XXI. São Paulo, Ed. Cortez, ano
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