Lógica modal e Intensionalidade aplicado ao Português do Brasil Christian Danniel Paz-Trillo 06/12/2004 Resumo A lógica modal é uma extensão da lógica de primeira ordem muito usada na análise semântica, pois permite expressar advérbios modais expressando possibilidade e necessidade, e representar a implicação em linguagem natural que não é possível representar usando a implicação da lógica clássica. A lógica modal também permite representar o tempo, através de uma extensão, chamada de lógica temporal. Por outro lado, a intensão de um conjunto é o conjunto de propriedades necessárias e suficientes que um elemento deve cumprir para formar parte desse conjunto, enquanto a extensão do mesmo é a listagem dos elementos que pertencem ao conjunto. Na semântica, muitas vezes só é necessário conhecer a extensão dos conjuntos (de indivíduos ou propriedades por exemplo) para entender o significado das sentenças. Mas nem sempre isso é verdade quando se lida com linguagem natural, e um tratamento da intensão das componentes das sentenças é feita para obter corretamente o significado das sentenças. Nesse artigo se apresenta a lógica modal, sua aplicabilidade em alguns problemas de semântica, e o tratamento da intensão de algumas palavras para representar os significados corretos dela. Esse trabalho foi fortemente baseado no libro de Type Logical Semantics[Car98] 1 Introdução É conhecido que o significado de uma sentença em linguagem natural é mais do que um simples valor de verdade, o seu significado muitas vezes depende do contexto no que a sentença ocorre. Os seguintes exemplos: a. Os humanos são os únicos bípedes sem penas.(Verdade possível ou contingente) b. A soma dos ángulos de um triángulo é180◦ . (Verdade necessária) (1.1) A primeira sentença, pode ser verdade ou não dependendo do contexto, pois pode se referir a um conjunto em que só tem humanos e aves, ou ao conjunto de todos os vertebrados, em que existem outros bípedes sem penas. Já a segunda, é obviamente verdadeira. Os exemplos anteriores se referem à interpretação, mas, essas modalidades podem ser indicadas explicitamente nas sentenças também. Por exemplo em: a. Os humanos são necessáriamente bípedes sem penas. b. João deve ter corrido à loja. 1 (1.2) Um grave problema presente quando aplicamos semântica composicional que atribui simples valores de verdade a sentenças, é que quando essas seqüências estão presentes em alguns contextos tais como reporte de crenças, a substituição de sentenças com o mesmo valor de verdade pode cambiar o valor de verdade da sentença maior: a. As pessoas da época de Colombo acreditavam que [a terra é plana]. b. As pessoas da época de Colombo acreditavam que [a terra tem forma de pirámide]. (1.3) Ambas as sentenças embutidas dentro da maior são falsas. Mas das duas sentenças completas, como se sabe, a primeira é verdadeira enquanto a segunda é falsa. Alguns advérbios também mostram intensionalidade. Intensionalidade é uma característica pela qual os conjuntos, que apresentam a mesma extensão 1 , precisam da sua intensão2 para serem distinguidos um do outro. Davidson considerou uma classe de advérbios que são sensíveis à descrição de um evento: a. Ginno subiu as escadas lentamente. b. Ginno carregou o computador pelas escadas rápidamente. (1.4) Ambas sentenças podem estar descrevendo exatamente a mesma ação física, pois o fato de Gino ter subido as escadas lentamente podê ter sido por carregar o computador durante a subida das escadas. Do mesmo modo alguns comparativos nominais apresentam intensionalidade, por exemplo: Terry é um bom {pesquisador/estudante} do Mestrado do Dpto. de Computação. (1.5) Pode ser o caso de que o conjunto de pesquisadores e estudantes do Mestrado seja o mesmo, mas mesmo assim, Terry poderia ser um bom estudante e não ser um bom pesquisador. Assim, as classes que estão sendo comparadas requerem ser conhecidas não só por extensão, mas por intensão. Um contexto que tem sido analisado do mesmo modo que o fenômeno da intensionalidade, é o fenômeno do tempo, pois dependendo do tempo da fala e do tempo referenciado, as sentenças podem tomar diferentes valores de verdade. O enfoque mais usado para solucionar esses aspectos, é a lógica modal e será detalhada na Seção 2. A lógica aplicada junto com o cálculo lambda para solucionar os problemas apresentados aqui será apresentada na Seção 3. 2 Lógica Modal e Semântica de Mundos possíveis Uma lógica modal principalmente, lida com possibilidade e necessidade, e utiliza para isso operadores como o que permite construir fórmulas como φ que representa que φ é necessariamente verdade. Existem diversos sistemas de lógica modal, dos quais estamos mais interessados no Sistema S5, que detalharemos na Seção 2.1. A lógica modal permite também modelar lógicas para tempo, considerando operadores modais como F em que Fφ significa que φ será verdade no futuro. Também é possível modelar predicados de conhecimento e crença como operadores modais, por exemplo Kl φ pode ser interpretado como Luiz sabe φ. Sistemas 1A extensão de um conjunto é a sua definição através da listagem de todos os seus elementos. intensão de um conjunto é a definição dele através de um conjunto de condições que são necessárias e suficientes para um elemento pertencer ao conjunto. 2A 2 representando conhecimento o crença usualmente são multimodais, no sentido em que permitem vários operadores modais, por exemplo Kl para representar o que Luiz sabe, e Km para representar o que Miguel sabe. Finalmente, a lógica modal pode ser representada utilizando o que se conhece como Semântica de Mundos Possíveis, que permite atribuir para cada proposição um valor de verdade. Isto é verdade mesmo para as proposições modais. 2.1 S5, Lógica Modal de necessidade S5 é o sistema de lógica modal mais conhecido, permite representar o conceito de necessidade e possibilidade, e é muito usado nas aplicações de linguagem natural. Apresentaremos aqui a lógica S5 de primeira ordem, i.e., que permite usar expressões quantificativas tais como “para todo x, x é homem implica que x é humano”. Em S5, e em geral nas lógicas modais de primeira ordem, os operadores (necessariamente) e ♦ (possivelmente) podem ser usados junto com os operadores da lógica clássica ¬, ∨, ∧ e →, e os quantificadores de primeira ordem ∀ e ∃ para formar expressões do tipo ∀x(P(x) → ∃yR(x, y) que pode ser lido como para todo x, se P(x) é verdade, então necessariamente é verdade que existe um y tal que R(x, y). A diferencia mais significativa entre lógica de primeira ordem e lógica modal de primeira ordem é a interpretação das proposições. Em lógica modal, as proposições são funções de mundos possíveis em valores de verdade. Assim, a fórmula R(x) pode ser verdadeira ou falsa dependendo do mundo em que ela esteja sendo avaliada. Já as fórmulas que utilizam operadores modais, como R(x)(♦R(x)) são verdadeiras ou falsas independentemente do mundo em que sejam avaliadas, pois elas quantificam universalmente (existencialmente) sobre mundos possíveis, R(x)(♦R(x)) é interpretado como: em todos os mundos possíveis (em pelo menos um dos mundos possíveis) R(x) é verdade. Para formalizar a lógica S5, utilizaremos a semântica proposta por Kripke, conhecida como semântica de mundos possíveis e que permite formalizar qualquer lógica modal. Dada uma lógica de primeira ordem, com Con sendo um conjunto de constantes, Funn um conjunto de funções com n parâmetros, e Reln um conjunto de relações com n parâmetros, a semântica de Kripke associada a essa lógica, é uma tupla M =< Ind, Mundos, A, [[·]] > um que Ind é um conjunto não vazio de indivíduos, Mundos é um conjunto não vazio de mundos possíveis 3 , A ⊆ Mundos × Mundos é uma relação de acessibilidade, e [[·]] é uma função de interpretação tal que: 1. [[c]] ∈ Ind se c ∈ Con 2. [[ f ]] : Indn → Ind se f ∈ Funn 3. [[R]] : (Mundos × Indn ) → Bool se R ∈ Reln Nos sistemas de lógica modal, baseados na semântica de Kripke, os valores de verdade das expressões são relativos ao modelo M, ao mundo corrente w e à atribuição de valores de verdade às proposições θ do mesmo modo em que são interpretadas na lógica de primeira ordem. Para as fórmulas modais: 3 Se assume que o conjunto de indivíduos é o mesmo para todos os mundos possíveis. Mesmo com essa suposição, pode-se representar a existência ou não-existência de indivíduos em determinados mundos através de um predicado E(x) que é verdade em aqueles mundos em que o individuo x existe. 3 [[φ]]θ,w = sim se [[φ ]]θ,w = sim para todo w0 ∈ Mundos tal que wAw0 M M 0 não em caso contrário = sim para algum w0 ∈ Mundos tal que wAw0 [[♦φ]]θ,w = sim se [[φ ]]θ,w M M 0 (2.1) não em caso contrário Assim, podemos perceber que a interpretação das fórmulas modais não dependem da interpretação delas no mundo corrente, isto é, que poderia ser o caso de φ ser falso em um mundo w, enquanto φ é verdadeiro no mesmo mundo w (a relação A precisa ser não transitiva para esse exemplo). Dependendo das propriedades satisfeitas pela relação A, diferentes lógicas modais podem ser formadas. A lógica S5 é formada quando a relação A é Serial(wAw0 para algum w0 ), Reflexiva, Simétrica e Transitiva. 2.2 Implicação estrita e Condicionais Contrafactuais (ou Subjuntivas) A interpretação da implicação na lógica de primeira ordem, conhecida como condicional material, se considera não adequada para representar a lógica de condicionais em sentenças s em linguagem natural pois em uma condicional material basta o antecedente da condicional ser falso para a sentença ser verdadeira. No português no enquanto, duas sentenças cujos antecedentes são falsos, podem trazer interpretações diferentes, como no seguinte exemplo: a. Se os cangurus não tivessem rabo, eles se desmoronariam. b. Se os gatos não tivessem rabo, eles se desmoronariam. (2.2) Em ambas sentenças, os antecedentes são falsos, o que faz a condicional ser verdadeira mas, a primeira sentença é verdadeira segundo nosso conhecimento do mundo, enquanto a segunda não. Além disso, em uma condicional material, se o conseqüente é verdadeiro, a condicional é verdadeira independentemente do antecedente. a. Se não houvesse gatos, os gatos comeriam os ratos. b. Se não houvesse cães, os gatos comeriam os ratos. (2.3) Em ambas sentenças o conseqüente é verdadeiro e portanto ambas as condicionais são verdadeiras considerando condicionais materiais mas, a primeira sentença não faz sentido em linguagem natural, enquanto a segunda faz. Lewis argumentou que devia se ter enfoques diferentes para tratar com condicionais indicativas(em que se assume normalmente o antecedente como verdadeiro) e condicionais subjuntivas(em que o antecedente é assumido como falso). Por exemplo: a. Se o Pedro não pegou o livro, então alguma outra pessoa o pegou. b. Se o Pedro não tivesse pego o livro, então alguma outra pessoa o tivesse pego. (2.4) A primeira sentença é uma condicional indicativa, em que o antecedente é interpretado como verdadeiro, i.e. Pedro não pegou o livro, e a sentença inteira é verdadeira. Já a segunda sentença, indica que o antecedente é falso, i.e. Pedro pegou o livro, e se ele não o tivesse pego, o fato de outra pessoa ter pego o livro, 4 depende de se o livro foi ou não pego, i.e. é possível que a segunda sentença seja verdadeira ou falsa. Um enfoque usado para tratar com condicionais em linguagem natural, consiste em utilizar o operador de necessidade, assim uma sentença do tipo se φ então ψ é traduzida para a fórmula (φ → ψ) e não para φ → ψ, assim a interpretação da condicional é independente do valor de φ no mundo corrente. Assim, mesmo sendo por exemplo φ falso, ou ψ válido no mundo corrente, fazendo φ → ψ verdadeiro, pode existir algum outro mundo w0 em que φ é verdadeiro e ψ falso, fazendo (φ → ψ) falso. Esse enfoque é conhecido como implicação estrita, e é representado por J, definido como: φ J ψ =de f (φ → ψ) (2.5) e indica que em todo mundo em que φ é verdadeiro, ψ é verdadeiro. Mesmo assim, a implicação estrita não captura corretamente as condições de verdade de alguns dos exemplos citados anteriormente, 2.2a por exemplo, a interpretação seria que em todo mundo em que os cangurus tem rabo, eles se desmoronam. Mas, supondo um mundo em que os cangurus caminham e não pulam, mesmo não tendo rabo, nesse mundo não cairiam. Assim, existiria um mundo em que o antecedente é verdadeiro e o conseqüente é falso, fazendo a implicação falsa. A solução proposta por Lewis, consiste em definir a idéia de mundos similares em que a condicional do exemplo é interpretada como “em todos os mundos possíveis em que cangurus não tem rabo, e no qual as propriedades que fazem que se os cangurus não tivessem rabo caíssem, os cangurus caem”. Assim, a relação de acessibilidade dos mundos possíveis, relaciona dos mundos similares em algum aspecto como o definido para o exemplo e permite definir diferentes níveis de necessidade. S5, é a necessidade lógica em que todo mundo é acessível desde qualquer outro mundo. Na necessidade física a relação é definida como uma partição (relação de equivalência), e cada partição pode ser interpretada como um conjunto de mundos em que as mesmas leis se cumprem. A idéia de necessidade respeito a fatos, proposta por Lewis, freqüentemente resulta útil, nessa idéia, todos os mundos acessíveis desde um mundo w respeito a um conjunto de fatos Φ são todos aqueles em que os fatos que conformam Φ são verdadeiros. Na necessidade fatalística, também proposta por Lewis, o único mundo acessível desde um mundo w qualquer é o próprio w. Assim, φ é equivalente a φ no sistema fatalístico. Finalmente, a similaridade total é a que é aplicada à contrafatuais, nela os mundos acessíveis desde um mundo w são aqueles que são similares a w até um certo grau. Mesmo com esse enfoque, alguns problemas aparecem. Tome-se o exemplo: Se a Cris tivesse vindo, a festa teria sido legal; mas se a Cris e o Edu tivessem vindo a festa teria sido chata; mas se o Domingos tivesse vindo também, teria sido legal; mas ... (2.6) Em forma de implicações estritas, e considerando ψ = teria sido legal, e ¬ψ = teria sido chata, o exemplo pode ser representado como: a.φ1 J ψ b.(φ1 ∧ φ2 ) J ¬ψ c.|φ1 ∧ φ2 ∧ φ3 ) J ψ (2.7) O problema que surge aqui, é que se φ J ψ vale para uma relação de acessibilidade, (φ ∧ Φ) J ψ) também vale para a mesma relação. Assim, Lewis definiu a 5 noção de condicionais variavelmente estritas em que podem se estabelecer diferentes relações de acessibilidade para diferentes contrafatuais. 2.3 Lógica Temporal de Primeira Ordem A lógica modal permite modelar uma lógica temporal, em que os mundos possíveis são estados do mundo em diferentes pontos do tempo, e nesse caso temos duas relações de acessibilidade, relacionando os mundos no futuro e no passado respectivamente. Devido a isso, a lógica temporal é multimodal. A lógica temporal utiliza dois operadores modais, F e P, em que Fφ(Pφ representa que φ será verdade em algum ponto no futuro(passado). Os operadores F e P são similares ao operador ♦ que vimos para a lógica S5, no sentido que a verdade do operador depende só de que em um mundo acessível a proposição embutida seja verdadeira. É lógico então pensar na existência de dois operadores, relacionados ao futuro e ao passado respectivamente, W e H, correspondentes ao operador de necessidade da lógica S5. Os modelos de lógica temporal podem ser interpretados de dois modos diferentes, considerando pontos de tempo, chamados de momentos; ou considerando períodos de tempo. Quando são considerados momentos, cada mundo é um instante de tempo e as relações de acessibilidade são inversas uma da outra, representadas como “≺” e “” para futuro e passado e elas devem ser transitivas, anti-simétricas, lineares e sem inicio nem fim para representar o tempo como na linguagem natural. Quando são considerados períodos, para estabelecer corretamente as dependências entre períodos precisa-se incluir além do conceito de precedência temporal, um dos conceitos de sobreposição temporal, ou de inclusão temporal. 2.4 Intensionalização da Lógica de Ordem Alta Na tentativa de intensionalizar a lógica de ordem alta, se introduz o conceito de mundos possíveis como um tipo Mundo, mantendo todas as características da lógica de ordem alta. Um tipo composto também é introduzido, proposição Prop =de f World → Bool, que associa o valor de verdade de uma proposição ao mundo em que está sendo avaliada. Assim, para φ, ψ do tipo Prop, e P do tipo Ind → Prop, os operadores da lógica quedam definidos como: 1. φ ∧P ψ =de f λw.φ(w) ∧ ψ(w) 2. ¬P φ =de f λw.¬φ(w) 3. todoP (P) =de f λw.todo(λx.P(x)(w) 4. algumP (P) =de f ¬P todoP (λx.¬P P(x)) 5. φ =de f λw.todoMundo (φ) 6. ♦φ =de f ¬P ¬P φ 3 Intensionalidade Com base na gramática categórica original, elevamos as atribuições de tipos a categorías básicas substituindo Bool com Prop, assim: 6 a. Tipo(s) = Prop (Sentença) b. Tipo(sn) = Ind (Sintagma nominal) c. Tipo(n) = Ind → Prop (Nome) (3.1) Dado que estamos considerando a suposição feita para a lógica modal de que os indivíduos são os mesmos para todos os mundos possíveis, o tipo de sn é Ind ao invés de World → Ind mas, em um modelo alternativo, chamado de conceitos individuais, essa possibilidade é explorada. A constante mundo_corrente do tipo Mundo é definida como o mundo corrente. Assim, a derivação da sentença Beatriz correu, produz o significado corre(Beatriz) de tipo Prop, e o valor de verdade da sentença no mundo corrente é dada por corre(Beatriz)(mundo_corrente) do tipo Bool. Nessa Seção serão detalhadas diversas estruturas que apresentam intensionalidade no português, assim como as estruturas semânticas propostas para elas. 3.1 Sentenças Complementarias Complementadores são palavras usadas para juntar sentenças a outras sentenças, como que em José sabe que João escreveu4 . Um complementador recebe uma sentença pela direita, e forma uma sentença complementaria assim a sua categoria: que ⇒ λx.x : sc /s (3.2) Esse tipo de construções são muito usadas em verbos de postura proposicional, a serem analisados na seguinte Seção. Outros complementadores são o se, e as palavras de pergunta: o que, como, quando, onde, quem, e outros. Exemplo disso seria: a. b. c. d. 3.2 José sabe se João escreveu. José sabe o que João escreveu. José sabe quando João escreveu. José sabe onde João escreveu. (3.3) Posturas proposicionais A representação de verbos de postura proposicional5 , foram a principal motivação para aplicação da semântica de mundos possíveis a aplicações de semântica em linguagem natural. Os verbos usados, saber e acreditar, recebem as seguintes categorias: a. acredita ⇒ acredita : sns/sc b. sabe ⇒ sabe : sns/sc (3.4) indicando que o verbo recebe um sintagma nominal pela esquerda e uma sentença complementaria pela direita (ver Seção 3.1), e gera uma sentença. Assim, a sentença seguinte é analisada: 4 Em inglês, o complementador equivalente ao que é o that e pode ser omitido, enquanto em português não. 5 Verbos que permitem as pessoas expressarem seus estados mentais acerca de uma proposição. 7 Juliana acredita que Ana correu ⇒ acredita(corre(a))(j) : s (3.5) No exemplo pode-se perceber que existe a possibilidade, dependendo da interpretação do acredita, de interpretar duas sentenças, cujas sentenças embutidas tem os mesmos valores de verdade, como tendo dois valores de verdade diferentes. Algumas características do conhecimento podem ser forçadas: a. sabe(φ)(x)(w) → φ(w) b. sabe(φ)(x) ≡ acredita(φ)(x) ∧ φ (3.6) Em que 3.6a indica que se x sabe φ no mundo w, então φ se cumpre em w. Isso não sempre é certo, já 3.6b indica que o conhecimento é uma crença que vira verdade. Esta gramática captura a ambigüidade dos verbos de postura quando eles tomam quantificadores como sentença complementar. Alguns exemplos disso são apresentados a continuação: a. Juliana acredita que um estudante está gritando. b. Juliana sabe que todos os estudantes são inteligentes. c. Juliana não acredita que todos os estudantes estudaram. (3.7) O primeiro exemplo, tem duas interpretações possíveis. Na primeira, conhecida como interpretação de dicto, Juliana acredita que existe algum estudante que está gritando, mesmo que ela não acredite que seja algum estudante em particular, essa sentença é verdadeira sob essa interpretação. Na segunda interpretação, conhecida como de re, Juliana acredita acerca que um estudante em particular está gritando. As duas análises são mostradas em 3.8. Juliana acredita que um estudante está gritando ⇒ acredita(algum(estudante)(gritar))(j) : s, ou algum(estudante)(λx.acredita(gritar(x))(f)) : s (3.8) Do mesmo modo, no segundo exemplo Juliana pode saber que cada estudante é inteligente, mas não necessariamente conhece o conjunto total de estudantes. O terceiro exemplo, o escopo do quantificador pode estar: restringido, significando que Juliana acredita que para todo estudante ele estudou; entre a negação e o verbo, em que Juliana acredita que não para todo estudante estudou; ou amplo, em que Juliana não acredita que para todo estudante, ele estudou. 3.3 Sujeitos Sentenciais e Infinitivos Existem alguns verbos que podem receber sentenças ou verbos em infinitivo como sujeitos. a. Que Pedro tenha vindo (O fato do Pedro ter vindo) alegrou o André. (3.9) b. Cantar relaxa Thiago. Assim, as entradas léxicas para os verbos alegrar e relaxar são: 8 a. alegra ⇒ alegra : sc s/sn b. relaxa ⇒ relaxa : (nps)s/np (3.10) No inglês, além desses dois tipos de sujeito, pode-se usar o gerúndio, mas no português essa construção não existe. 3.4 Semântica baseada em eventos Existe um problema quando se requer expressar uma associação semântica entre um verbo e o substantivo que representa a ação executada pelo verbo, o verbo queimar e o substantivo queima por exemplo. Assim, no exemplo: a. Toda queima consome oxigênio b. Guilherme queimou madeira c. Oxigênio foi consumido (3.11) Pode-se perceber que quando 3.11a e 3.11b são verdade, 3.11c é verdade também. Mas, sem um modo de indicar que quando há uma queima, a uma execução do verbo queimar é impossível fazer esse relacionamento. Para isso, Davidson propôs uma semântica baseada em eventos, na qual queimar é um predicado, tal que [[ queimar]](e) é verdadeiro se o evento e é um evento de queima. Além disso, as sentenças introduzem propriedades de eventos, assim 3.11b pode ser representado como λequeimar3 (e)(madeirag) em que [[queimar]](e)(x)(y) é verdadeiro se e é um evento em que x queima y. Então, queimar é implicado por queimar3 de modo que o fato de ter uma queima, implica que o verbo queimar foi executado. 3.5 Advérbios modais Os advérbios modais necessariamente e possivelmente são representadas pelas seguintes categorias: a. necessariamente ⇒ λV.λx.V(x) : sns/(sns) b. possivelmente ⇒ λV.λx.♦V(x) : sns/(sns) (3.12) A abstração da variável x, permite que o sujeito da frase atue como um controlador no sentido em que participa da ação do sintagma verbal que vem depois do advérbio. Por exemplo: Julio possivelmente trouxe bolo ⇒ λw1 .algumMundo (λw2 .trazer)(b)(j)(w2 )) : s Romina necessariamente comprou tomate ⇒ λw1 .todoMundo (λw2 .comprar)(t)(r)(w2 )) : s (3.13) Em ambos casos o fato da abstração w1 ser vazia, indica que o valor de verdade da proposição é independente do mundo corrente em que seja avaliado. A ambigüidade introduzida com o uso de quantificadores junto com os advérbios modais, precisa de uma mudança nas categorias apresentadas. Assim: a. necessariamente ⇒ λV.λX.V(X) : As/(As) b. possivelmente ⇒ λV.λX.♦V(X) : As/(As) 9 (3.14) Em que A é uma categoria variável, que pode ser sn, sn ⇑ s, sns, sc , X é uma variável do tipo de A, V é uma variável de tipo Tipo(A) → Prop. Com isso, os advérbios podem receber quantificadores como nas sentenças de exemplo: Todas as pessoas necessariamente ganharam ⇒ λw1 .todoMundo (λw2 .ganhar(todo(pessoa)(w2 )) : s Todas as pessoas necessariamente ganharam ⇒ λw1 .todo(pessoa)λx.todoMundo (λw2 .ganhar(x)(w2 )) : s (3.15) E eles lidam com a ambigüidade causada pela introdução dos quantificadores do mesmo modo que no exemplo 3.7. Alguns outros advérbios modais mais vagos não permitem ter uma noção clara de como podem ser representados na semântica dos mundos possíveis, entre eles temos: provavelmente, certamente, seguramente, normalmente entre outros. 3.6 Verbos de Controle Verbos de controle envolvem complementos de sintagmas verbais não temporais, o predicado controlado cujo sujeito é entendido como sendo um outro complemento do verbo de controles, chamado de controlador. Os verbos de controle são classificados em duas dimensões: • O controlador do verbo pode ser sujeito ou objeto do verbo de controle, e os verbos controlados pelo sujeito podem ser classificados por sua vez em transitivos e bitransitivos dependendo se tiver ou não um objeto além do complemento da frase de verbo controlada. • Se o controlador tem um role semântico como argumento do verbo, o verbo é chamado de verbo de controle equi ou simplesmente verbo de controle, senão é, o verbo é chamado de crescente. Alguns exemplos de uso de verbos de controle(o controlador está marcado), são: a. Fábio persuadiu a Sandra para correr.(Objeto - Equi ) b. Fábio prometeu a Sandra correr. (Sujeito, bitransitivo - Equi) (3.16) A entrada léxica para os verbos de controle equi, é: a. persuadiu ⇒ persuadir : sns/(sns)/sn b. prometeu ⇒ prometer : sns/(sns)/sn (3.17) ambos, um controlado por objeto e o outro por sujeito, tem a mesma categoria associada, recebem um sintagma nominal pela esquerda, e um sintagma nominal e um verbo pela direita e geram uma sentença. Assim as análises das duas sentenças do exemplo 3.16 são: a. Fábio persuadiu a Sandra para correr ⇒ persuadir(s)(correr)( f ) b. Fábio prometeu a Sandra correr ⇒ prometer(s)(correr)( f ) (3.18) Aqui, nenhuma das análises mostra qual a função do controlador. Esse problema pode ser resolvido pela indicação explícita de qual, do sujeito e do objeto, é afetado pelo verbo complementar: 10 a. persuadir =de f λx.λV.λy.persuadir2 (x)(V(y))(y) b. prometer =de f λx.λV.λy.prometer2 (x)(V(x))(y) (3.19) Assim, se sabe se o controlador é o objeto ou o sujeito e o controlador tem um role semântico, o qual é correto pois trata-se de verbos de controle equi. Para mostrar que realmente o sentido das sentenças é o esperado, consideremos as entradas léxicas para as constantes definidas6 : a. persuadiu ⇒ persuadir2 : sns/sc /sn b. prometeu ⇒ prometer2 : sns/sc /sn (3.20) Assim, com a aplicação direta dessas novas entradas léxicas, as seguintes sentenças tem o mesmo significado que as sentenças em 3.18, como esperado. a. Fábio persuadiu a Sandra para ela correr. b. Fábio prometeu a Sandra que ele correria. (3.21) A quantidade de controladores admitidos por verbos crescentes é maior do que a permitida pelos verbos de controle equi, isso porque nesse caso não é obrigatório para o controlador participar da ação do verbo controlador. a. Franco queria que alguém falasse. b. Franco queria pular. c. Que Pedro tenha vindo parece ter alegrado o André. d. Apressar as coisas parece ser uma má idéia. (3.22) As categorias léxicas associadas aos verbos querer e parecer são: a. querer ⇒ λx.λV.λy.querer(x)(V(x))(y) : sns/sc , ou λx.λV.querer(V)(x) : sns/(sn s) b. parecer ⇒ λW.λV.parecer(W)(V)) : Bs/(sns) (3.23) Assim, o verbo querer tem dois formatos comuns, ele pode receber uma frase complementaria, no caso em que o sujeito quer que um outro sujeito(o da frase complementaria) execute alguma ação, como em 3.22a, e o outro em que o sujeito quer executar uma ação, como em 3.22b. Já o verbo parecer, pode receber pela esquerda uma sentença complementar como em 3.22c, um sintagma verbal (sns) como em 3.22d, ou um sintagma nominal(mesmo quantificado). Assim, a categoria variável B pode ser uma de sc , sns, sn ou sn ⇑ s, e W é uma variável do tipo de B. V é do tipo sns, ou seja, um sintagma verbal. Analisando mais a detalhe o exemplo 3.22a, pode-se encontrar duas derivações diferentes, devido a ambigüidade do quantificador: algum(λx.querer(estudar(x))(f)) : s, com quantificador aplicado em escopo maior e, querer(algum(estudar))( f ) : s. 6 Perceber o uso de sc ao invés de s para o português, pois no português o complementador é obrigatório. 11 3.7 Cláusulas de Propósito A preposição para no português atribui freqüentemente a idéia de propósito em algumas sentenças. Por exemplo em Luca praticou para vencer o Carlos, a idéia de que o primeiro verbo foi executado com o propósito de conseguir o segundo. Desse modo, a preposição é associada a uma entrada léxica especial: para ⇒ λP.λR.λx.propósito(R(x))(P(x)) : (sns)sns/(sns) (3.24) para recebe pela esquerda um sintagma verbal e um sintagma nominal (o sintagma verbal da ação feita e o sujeito que atua), e pela direita um sintagma verbal(o propósito propriamente dito). Na análise da frase do exemplo, o propósito da ação envolve ao sujeito(Luca), e isso concorda com a interpretação natural da frase. Luca praticou para vencer o Carlos ⇒ propósito(praticar(l))(vencer(c)(l)) (3.25) 3.8 Verbos intensionais transitivos Existem alguns verbos transitivos que mostram intensão, como procurar, no sentido do sujeito tentar encontrar o objeto, como em Gisele procura uma vaga ou em Gisele procura todos os livros. Um modo de representar a semântica desse verbo, é utilizando o sinônimo dele: seek ⇒ λQ.λz.tentar(Q(λy.encontrar(y)(z)))(z) : sns/(sn ⇑ s) (3.26) Assim, as sentenças Gisele procura uma vaga e Gisele tenta achar uma vaga recebem as mesmas análises semânticas tentar(algum(vaga)(λx.encontrar(x)(g)))(g) ou some(vaga)(λx.tentar(encontrar(x)(g))(g)), pela ambigüidade introduzida pelo quantificador. Isso mostra a possibilidade de utilizar sinônimos para representar alguns significados. 3.9 Conceitos Individuais Para considerar a possibilidade de existência de diferentes indivíduos nos diferentes mundos possíveis, ao invés de considerar o tipo do sintagma nominal como sendo indivíduos, eles podem ser considerados como sendo conceitos individuais. Assim: Tipo(sn) = ConcInd =de f Mundo → Ind. Uma aplicação interessante de conceitos individuais é o uso dos artigos definidos o e a 7 , a categoria léxica associada a eles é: o ⇒ λP.λw.ι(λx.P(x)(w)) : sn/n (3.27) Em que ι é um operador de seleção que pega um elemento de um conjunto se existe algum elemento nele. Assim, pode ser feita a análise de sintagmas nominais definidos como olpisvermelho ⇒ λw.ι(λx.vermelho(lápis)(w)), de modo que ι seleciona o lápis vermelho em cada mundos possíveis. A igualdade de indivíduos, é um conceito que tem que ser tratado de um jeito diferente agora que os indivíduos podem ser diferentes nos diferentes mundos possíveis. A igualdade é representada por é, e é associada com a categoria léxica: é ⇒ λx.λyλw.x(w) = y(w) : sns/sn 7 Equivalentes ao artigo the do inglês 12 (3.28) Com o que o lápis antigo é o lápis vermelho é analisado como: λw.ι(λx.antigo(lápis)(w)) = ι(λx.vermelho(lápis)(w)). Os quantificadores tem sua semântica alterada pela inclusão dos conceitos individuais. O quantificador todo por exemplo, agora pode ser analisado como quantificando sobre todos os indivíduos de um mundo: todo ⇒ λP.λVλw.todo(λx.P(x)(w))(λx.V(x)(w)) : sn ⇑ s/n (3.29) Deve-se perceber que o mundo w foi abstraído fora do quantificador, por tanto ele é fixo para todos os indivíduos. P é o conjunto de indivíduos, e V é uma propriedade opcional que pode restringir o conjunto. Um exemplo de uso do quantificador é: toda segunda-feira chove ⇒ λwtodo(λy.segfeira(y)(w))(λx.chover(x)(w)). 3.10 Categorias léxicas Existem alguns verbos transitivos que podem ter um dos seus objetos implícito. Por exemplo, as sentenças Gino comeu um bolo e Gino comeu, são ambas válidas, e normalmente a segunda é interpretada como verdadeira sempre que exista algo que o Gino comeu. Assim, o verbo comer pode ter uma interpretação intransitiva, que represente o fato da existência de um objeto implícito. comeu ⇒ comer : sns/sn comeu ⇒ λx.algum(λy.comer(y)(x)) : sns (3.30) A construção de causa é uma construção relacionada a anterior. Considere os exemplos: a. A janela abriu-se. b. João abriu a janela. (3.31) No exemplo 3.31b, a frase complementa a informação em 3.31b pois declara o sujeito que causou que a janela se abrisse. abriu ⇒ abrir : sns abriu ⇒ λx.λy.causar(abrir(x))(y) : sns/np (3.32) Além dessas variações nas categorias léxicas que algumas palavras podem ter, existem algumas variações semânticas que podem se apresentar na sentenças, tal que dependendo de uma outra componente da sentença, um significado ou outro tem que ser adotado. Por exemplo considere o sintagma nominal a caneta vermelha, a semântica usada para essa sintagma nominal é ambigüa pelo fato de poder se referir a uma caneta que é vermelha por fora, ou a uma caneta que escreve tinta vermelha. Do mesmo jeito, as sentenças a. O banco ligou hoje. b. O banco cobra juros muito altos. c. O banco fica do lado dos correios. (3.33) Nas três sentenças, O banco tem semântica diferente, em uma, se refere a um representante do banco, o segundo se refere à instituição, enquanto a terceira se refere ao local físico de uma oficina do banco por exemplo. É importante estar 13 ciente da dificuldade de expressar os significados dos léxicos, pois mesmo com um sistema semântico que gere a análise composicional de maneira correta, se o léxico não é corretamente interpretado, a semântica das sentenças não será corretamente entendido. 4 Conclusões A lógica modal é uma extensão da lógica de primeira ordem que permite quantificar sobre mundos possíveis para expressar possibilidade e necessidade, assim como expressões de tempo, e é útil na lingüística computacional para representar esses conceitos. Existem uma ampla variedade de casos a serem analisados, uma grande quantidade de construções lingüísticas que tem um significado diferente pelo contexto do falante. A implicação é uma construção gramatical que não pode ser modelada com a implicação da lógica, devido a sua semântica (falso implica qualquer coisa e qualquer coisa implica uma verdade). O conceito de implicação estrita, que usa operadores modais por definição, permite representar a semântica natural da implicação. As sentenças complementarias permitem a inclusão de sentenças dentro de outras frases, uma diferença que deve-se recalcar entre o inglês e o português é a obrigatoriedade no português do conectivo como marcador de início da sentença complementaria. Além disso, algumas construções, como advérbios (necessariamente e possivelmente), preposições (para), e verbos (acreditar, saber, prometer, persuadir, querer, parecer) tem um comportamento diferente a outros elementos de suas categorias gramaticales e precisam de uma especificação da sua semântica em termos de quantificadores, ou de operadores modais. Referências [B. 01] B. Weatherson. Indicatives and subjunctives. Philosofical Quarterly, 51:200– 216, 2001. [Car98] B. Carpenter. Type-Logical Semantics. MIT Press, 1st edition, 1998. [Wik04] 2004. http://en.wikipedia.org/. 14