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MEIO AMBIENTE
A seca
Lei paulista recém-aprovada diminui
áreas de vegetação
em propriedades
rurais e pode
colocar em risco o
já frágil equilíbrio
do ciclo da água,
agravando a crise
hídrica no Estado
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• Abril 2015 • REVISTA DO IDEC
fabricada
D
e onde vem a água que abastece São Paulo? A resposta
mais fácil é pensar nas represas, como a Cantareira. Mas a história
começa bem antes: até encher as represas, ela percorre um longo caminho.
Entre os mecanismos fundamentais
nesse processo estão as áreas cobertas
com vegetação nativa, que funcionam
como uma “fábrica de água”. “A vegetação e o tipo de cobertura vegetal
determinam o quanto [da água da
chuva] infiltra e o quanto escorre pela
superfície do solo”, explica o engenheiro agrônomo Luís Fernando Guedes
Pinto, gerente do Instituto de Manejo e
Certificação Florestal (Imaflora).
Outra personagem importante
nesse enredo é a mata ciliar, a vegetação que ocupa as margens dos rios.
Ela atua como um filtro, que barra a
poluição e impede que a água barrenta que vem das encostas desmatadas
encontre o curso d’água. Essa barreira
evita o assoreamento do rio (acúmulo
de sedimentos) e mantém a água mais
limpa. Veja na página 24 como funciona o processo.
Apesar do papel fundamental das
matas para o ciclo da água, em janeiro deste ano o Governo do Estado
de São Paulo aprovou a Lei Estadual
no 15684/2015, apelidada de “Código
Florestal Paulista”, que desprotege es-
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sas áreas: ela reduz a extensão de vegetação nativa e de mata ciliar que deve
ser mantida por proprietários rurais e,
além disso, perdoa propriedades que
estavam irregulares de acordo com a
legislação anterior.
A lei paulista é parte do Plano de
Readequação Ambiental do Estado
e regulamenta a aplicação do Novo
Código Florestal Brasileiro, lei federal
aprovada em 2012. A partir do Código,
ficou sob responsabilidade dos estados
regulamentar como ele seria implementado em cada local. “A lei paulista
é praticamente uma cópia da nacional,
e pouco adiciona em proteção”, critica
Guedes Pinto. “As áreas de proteção
permanente (APPs) diminuíram: uma
área que antes tinha de ter 30 metros
de cada lado, agora pode ter 15 metros,
assim como as faixas de recuperação de
nascentes. Também foi reduzida a área
total de uma fazenda que deveria ter
floresta”, exemplifica.
A medida causa preocupação sobretudo porque pode agravar a crise de
falta d’água já instalada em São Paulo.
Ao lado de organizações ambientalistas, o Idec pediu o veto total do projeto de lei, mas o governador Geraldo
Alckimin baniu apenas alguns artigos.
“Os vetos melhoram o PL aprovado
pela Assembleia [Legislativa], mas ainda
assim, a lei contém diversos pontos
controversos”, afirma Renata Amaral,
engenheira ambiental e pesquisadora
do Idec.
Assim como São Paulo, a maioria
dos Estados está alinhando a sua regulamentação aos parâmetros do Código
Florestal Nacional; nenhum adotou
medidas mais rígidas. Em alguns, como
Santa Catarina, a legislação está sendo
ainda mais flexibilizada para não interferir nas atividades econômicas imediatas.
LEI MUDOU PARA PIOR
O novo Código Florestal Brasileiro,
de 2012, mudou para pior vários dispositivos do Código anterior, de 1965.
“A lei anterior estabelecia metragens
para reserva legal e mata ciliar fundamentadas na segurança das populações
e na preservação dos ecossistemas.
Encostas, topo de morro e fundo de
vale eram consideradas áreas de preservação permanente, porque são áreas
de risco se ocupadas. Rios e nascentes
eram preservados com 50 metros de
vegetação nativa no entorno para possibilitar o reabastecimento dos aquíferos e a perenidade das nascentes”,
explica Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da ONG SOS
Mata Atlântica.
A lei paulista seguiu a mesma lógica
de retrocesso. Assim como no Código
Florestal Nacional, uma das perdas do
ponto de vista ambiental foi regularizar
as chamadas “áreas consolidadas”: os
locais em que já havia desmatamento,
pastos, agricultura e atividades humanas receberam anistia – ou seja, foram
regularizadas. Para tanto, a propriedade tem apenas que se adequar a requisitos mínimos, muito mais flexíveis do
que a legislação anterior exigia.
Os ambientalistas criticam que o
código deixou de ser florestal e passou
a funcionar como um código rural. “O
anterior protegia a floresta como reserva legal, enquanto a nova lei passa a
estabelecer usos permissivos, sem levar
em conta a dinâmica da natureza”, diz
Ribeiro. “O foco se tornou a regularização de atividades rurais. Contudo, sem
impor nem sugerir técnicas agrícolas
mais sustentáveis como forma de compensar as perdas”, complementa.
Para minimizar o problema, algumas medidas mais exigentes devem
Um dos
problemas da
lei paulista é a
regularização
de áreas
consolidadas:
proprietários
de locais
onde havia
desmatamento
irregular podem
ser perdoados
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Abril 2015 • 23
MEIO AMBIENTE
passar a ser aplicadas em regiões consideradas
estratégicas, como a bacia do Cantareira e do Alto
Tietê. Nesses locais, as normas de reflorestamento
vão seguir padrões diferenciados, com extensão
de mata nativa maior. “Na Cantareira, as áreas de
proteção permanente terão de 30 a 60 metros. O
DAEE [Departamento de Águas e Energia Elétrica] e
a Sabesp têm termos de compromisso de ajuste e de
recuperação ambiental para cada obra que fazem”,
conta Malu Ribeiro.
Uma vez iniciado o reflorestamento, é possível
colher resultados em três a cinco anos. “[O reflorestamento] segura a encosta, melhora infiltração da
água no lençol freático e mantém o solo úmido, evitando o processo de aridez”, explica a ambientalista.
Mas ela alerta: “Precisamos ficar atentos para que a
Assembleia não derrube os vetos [à atual lei paulista]
e para que os Comitês de Bacia [órgãos colegiados
que atuam na gestão de recursos hídricos] definam
como áreas prioritárias para os reflorestamentos o
Alto Tietê, Piracicaba e Ribeira”.
ALTERNATIVAS
Para evitar “zerar” matas, uma ferramenta existente no Estado de São Paulo é o Cadastro Ambiental
Rural (CRA), que pode ser usado para “forçar” o
proprietário rural a reflorestar o local, delimitando as
áreas de proteção permanente e as de reserva legal a
serem cumpridas em um prazo de 20 anos. Segundo
a coordenadora da SOS Mata Atlântica, no entanto,
houve pouca adesão ao CRA, mesmo com a proposta
de anistiar quem estava irregular.
Ambientalistas apostam que associar os financiamentos rurais ao cadastramento é a melhor maneira
de comprometê-los com as metas mínimas de reflorestamento. Cissa Wey, secretária geral da WWF
Brasil, aposta em ferramentas que restrinjam o acesso
a crédito como medida eficaz para resgatar a função
O ciclo da água e o abastecimento urbano
1
Entenda o caminho percorrido pela água até chegar às torneiras e porque
desproteger a vegetação compromete o equilíbrio desse ciclo
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A chuva se infiltra nas áreas de
mata nativa, forma o lençol
freático, brota em nascentes,
forma rios e chega nas represas
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Cidade
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pública da água. “A água é um bem público que
passa por terras privadas. O agricultor que precisar
pedir dinheiro para o governo deve estar em dia com
a lei”, disse durante o seminário Crise da água em
São Paulo: contexto e responsabilidades, promovido
pelo Sesc-SP e pela Aliança Pela Água, em março, do
qual o Idec participou (saiba mais sobre o evento na
página 30).
Essa noção de que a água é um bem público em
terras particulares foi bem-sucedida em muitos lugares, como em Nova York. A cidade norte-americana
investiu US$ 1 bilhão na recuperação de mananciais,
remunerando o proprietário que cuidasse de suas
nascentes. A economia estimada dessa medida é de
cerca de US$ 7 bilhões, segundo afirmou Samuel
Barreto, especialista em recursos hídricos e gerente
da organização The Nature Conservancy no Brasil,
durante o seminário do mês passado. “Temos um
exemplo similar na cidade de Extrema, Minas
Gerais, em que a recuperação de nascentes por meio
da remuneração de seus proprietários teve ótimos
resultados”, contou.
PROBLEMA DE DÉCADAS
Há muitas leis que deveriam ter preservado matas
ciliares e definido reserva legal no Estado, mas algumas nunca foram sequer regulamentadas. Outras
simplesmente não foram cumpridas pela dificuldade
de fiscalização. “Estaríamos em uma situação mais
cômoda se tivéssemos, a partir de 1997, feito todas as
leis de mananciais serem cumpridas”, diz o ambientalista Fabio Feldmann. Quando secretário do Meio
Ambiente, Feldman propôs uma regulamentação
que impedia a ocupação de áreas estratégicas para o
abastecimento hídrico.
Ele defende uma legislação mais rígida para a
Billings e a Guarapiranga – localizadas em áreas
urbanas e povoadas, de onde é quase impossível
remover a população instalada –, a fim de coletar
todo o esgoto, reduzir a ocupação clandestina e manter a vegetação local. “Uma das lições da crise hídrica
é que temos de conservar melhor esses mananciais.
É preciso estimular atividades que mantenham a
vegetação e garantir que não seja lançada poluição
doméstica e industrial clandestina”, diz.
Precipitação
1 Com as mudanças climáticas, o regime de
chuvas fica mais extremo, com precipitação intensa
em alguns períodos e secas prolongadas em outros
2 Topos de morros e encostas
A mata nativa ajuda a chuva a se infiltrar
lentamente no solo e formar o lençol freático, que
armazena a água
Nascentes
3 São o afloramento natural de água subterrânea
localizada em áreas onde o terreno se fragmenta.
As nascentes dão origem aos cursos d’água, como
ribeirões, rios e riachos
Reserva legal
4 A reserva legal é a área mínima da propriedade
que deve ser mantida com mata nativa. No estado de
São Paulo, corresponde a 20% da propriedade
Mata ciliar
5 Sua função é proteger o rio de assoreamento
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Roberto Bezerra
e manter a água limpa. Junto com a vegetação nativa
ao redor de nascentes, compõe as áreas de preservação permanente (APPs)
Pasto
6 Áreas sem vegetação nativa, como os pastos ou
lavouras, não favorecem a infiltração da água da chuva
e, durante enxurradas, ficam mais suscetíveis à erosão
Assoreamento
7 Encostas desmatadas ficam mais vulneráveis
ao assoreamento. A chuva carrega o sedimento,
sujando a água dos rios e destruindo o solo
Represas
8 As represas são formadas pela contenção
de rios e, quanto melhor a qualidade da água e
mais protegidas as bacias que as alimentam, mais
estável e barato é o fornecimento de água na
região que depende do sistema
Estação de tratamento de água
9 Se o ciclo da água é bem mantido, ela passa
por uma estação de tratamento e é distribuída com
boa qualidade para a população
10 Estação de tratamento de esgoto
O ideal é que 100% do esgoto seja tratado antes
de ser devolvido aos cursos d’água. No entanto, a rede
é incompleta e boa parte das residências despeja
esgoto em cursos d’água, comprometendo a
qualidade do recurso para consumo humano e
tornando seu tratamento mais caro
Captação de água dos rios
11 No Brasil, a maior parte das cidades é abastecida
diretamente de rios, sem ajuda de reservatórios.
Por isso é fundamental manter rios despoluídos e não
interferir no sistema de nascentes que os alimenta
Fontes: Luciana Travassos (especialista em planejamento hídrico) e Renata Amaral (Idec)
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