Texto Ciso 2012 - Sintese Eventos

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e
PRÉ-ALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI
GT14 – Mídia, cultura e sociedade
Humorista ácido ou rei da baixaria?: o humor “politicamente incorreto” e a
liberdade de expressão
Ivon Rodrigues Silva Filho - Mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Bolsista
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
E-mail: [email protected]
Kaio Cesar Damasceno de Albuquerque – Bacharelando em Direito pela
Faculdade de Direito do Recife (FDR), Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE). Estagiário do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
E-mail: [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, o debate sobre os limites impostos à liberdade de
expressão, no humor, vem sendo posto em voga em detrimento de uma
concepção de liberdade ilimitada – com a qual coadunam os atores sociais –
que dá margens às ofensas públicas. Os episódios polêmicos envolvendo as
piadas do comediante Rafinha Bastos servem de exemplo para ilustrar tal
fenômeno.
As análises sociológicas do humor, apesar dos diversos enfoques,
possuem em comum o fato de afirmarem que o humor é um fenômeno
estritamente social, pois o humor é uma categoria de análise e crítica das
estruturas sociais. Além disso, funciona como um elemento na configuração de
crenças, valores e ideias, o que pode funcionar como um obstáculo para o
desenvolvimento da ciência quando se utiliza de piadas de cunho racial, étnico,
homofóbico etc.
Os humoristas reivindicam seu direito de liberdade de expressão para
poderem desenvolver seu trabalho. Entretanto, observa-se que as liberdades
públicas não são incondicionadas e, por isso, devem ser exercidas de maneira
harmônica devendo-se impor limites à abrangência da liberdade de expressão.
Nesse contexto, o presente trabalho busca analisar, à luz da Sociologia
do Humor e da Teoria dos Direitos Fundamentais, o liame que delimita o
âmbito de abrangência desta suposta “liberdade”. Trata-se de uma pesquisa
exploratória, que tem como base o show “A Arte do Insulto” do humorista
Rafinha Bastos.
2. METODOLOGIA
Campo de pesquisa pouco explorado no Brasil, a Sociologia do Humor
guarda, em sua essência, simetrias com o direito vez que, na maioria das
vezes, só se fazem piadas sobre aquilo que é proibido ou moralmente
repreensível.
Dessa maneira, as peculiaridades da matéria nos leva a considerar
como abordagem mais adequada a abordagem multidisciplinar, que se justifica
pelo fato de uma piada, por mais simples que seja, exigir do interlocutor
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conhecimentos de variadas áreas para sua compreensão. Fazem-se piadas
sobre
fatos
históricos,
sobre
a
vigência
de
determinada
lei,
sobre
comportamentos sociais etc.
Segundo Demo (1998, p. 88 - 89):
[...] a abordagem multidisciplinar é como a arte do aprofundamento
com sentido de abrangência, para dar conta, ao mesmo tempo, da
particularidade e da complexidade do real. [...] A interdisciplinaridade
quer horizontalizar a verticalização, para que a visão complexa seja
também profunda, e verticalizar a horizontalização, para que a visão
profunda seja também complexa.
Dessa maneira, a construção do conhecimento se dá através de um
artesanato intelectual. Este busca reduzir os obstáculos que impedem a
compreensão de determinado fenômeno, dando margem à inserção das
distintas formas de apreensão da realidade que o problema possa apresentar
segundo a ótica de diferentes ciências.
Para tal, realizou-se um estudo exploratório, que possibilita uma primeira
aproximação com o fato e/ou fenômeno analisado, e tem por objetivo
“desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, com vistas na
formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para
estudos posteriores” (GIL, 1987).
Trata-se de uma investigação de bases bibliográfico-documentais, que
utiliza a técnica de análise de dados qualitativa, pois trabalha com os símbolos,
significados, motivos, inspirações, crenças e valores que não se reduzem a
operacionalização de variáveis.
A escolha do tema se deu pelas constantes notícias veiculadas na mídia
sobre a possibilidade de impor limites a liberdade de expressão no humor, de
sorte que se faz necessário empreender esforços, na academia, para
responder as indagações propostas pela sociedade.
O material utilizado para análise foi o espetáculo “A arte do insulto”, de
autoria do comediante Rafinha Bastos. Afora isto, foram realizadas pesquisas
na internet para mapear as questões polêmicas que envolvem as discussões
sobre a liberdade de expressão no humor.
O ciclo da pesquisa se desenvolveu da seguinte forma: após o
levantamento bibliográfico foi realizada a coleta de dados e posterior
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catalogação das informações. Por fim, realizou-se a análise dos dados que
deram origem ao presente artigo. Assim, a alma da teoria, o método,
possibilitou fazer uma sutil releitura da produção científica acerca da sociologia
do riso, pondo em destaque a questão da liberdade de expressão e do direito,
dessa forma, pretendeu-se criar um produto provisório capaz de suscitar novas
discussões sobre o tema.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1. A construção social do humor
A Sociologia do Humor, como já anteriormente exposto, é uma área
pouco explorada pelos sociólogos, principalmente no Brasil. Diferentes
correntes de pensamento já se debruçaram sobre o humor e o riso, abordando
aspectos distintos. Entretanto, todas estas teorias concordam em uma coisa: o
humor se constitui como um fenômeno social.
De acordo com Reche (2008), o humor e a Sociologia possuem em
comum a característica de um estranhamento em relação àquilo que temos por
suposto, o que garante certa distância em relação ao seu objeto. O autor ainda
afirma que ambos possuem um potencial corrosivo, pois assim como existem
temas que se considere não poder fazer humor, também existem aqueles
exteriores à perspectiva da sociologia: “Em resumo, há coisas com as quais
não se brinca, nem se pode fazer Sociologia” (RECHE, 2008, p. 130). Ou seja,
há um paralelismo entre o humor e a Sociologia.
O distanciamento característico do humor antecede a um novo
acercamento emocional. O melhor exemplo é o humor “amável”, o qual “[...]
aborda o cômico como uma via oblíqua para apreciar seu objeto” (RECHE,
2008, p. 158).
Por outro lado, existe o contrário dessa perspectiva, qual seja, o enfoque
caricaturesco, o qual destaca e exagera as características “negativas” do
objeto. Esse modelo, assim como se caricaturam as feições das pessoas
ressaltando aquilo que é mais proeminente, pode-se caricaturar situações e
ideias. Essa deformação do objeto acaba por iluminar os aspectos mais
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significativos
de
sua
realidade
(RECHE,
2008).
Nessa
perspectiva,
independentemente da qualidade da caricatura, o importante é a indução a
reconsiderar o caricaturado, pelo menos por um instante e realizar uma
comparação entre o original e a reconstrução cômica. Tal perspectiva pode ser
ilustrada pelo modelo de humor stand-up comedy, o qual será discutido
posteriormente.
E o autor ainda destaca:
Nem o humor nem a sociologia são subversivos por definição
(provavelmente não seja necessário recorrer a Parsons para demonstrar
este último). Em teoria, ambos se caracterizam por uma peculiar
aproximação com a realidade, geralmente contraintuitiva, que busca
estabelecer relações, comparativas ou de outro tipo, que até então não se
tenha observado (RECHE, 2008, p. 162, tradução nossa).
O humor funciona como um elemento de construção da realidade. Mas,
o que seria o humor? Algumas definições podem ser destacadas, como a de
Ross (1998): “O humor é aquilo que faz rir ou sorrir” ou a de Reche (p.124): “O
humor seria, então, o que não é para ser levado a sério e precisamente por
isso tem licença especial para se permitir certas liberdades com a ordem social
e política”.
O que mais importa no humor é a forma de percebê-lo e não o estímulo
ou a própria mensagem do emissor. Autores como Bergson (1911) e
Cazeneuve (1996) consideram que o humor brinca com a regularidade, com o
maquinal, com o previsível. Entretanto, é possível afirmar que o humor também
brinca com o desvio, o que é extravagante, ou seja, aquilo que vai de encontro
à estabilidade do contexto social (RECHE, 2008).
Ainda segundo Reche, o humor surge como um elemento na
configuração de crenças, ideias e valores, ao mesmo tempo em que por elas é
moldado e condicionado, pois o humor é coerente com as circunstâncias de
cada época.
Mihura (1998) afirma que a distância se configura como um dos
principais elementos do humor, pois o humorista se “separa” da realidade
contemplando todos os ângulos de certa distância.
Entretanto, o humor pode servir de obstáculo para o avanço do
conhecimento, pois alguns temas humorísticos acabam por desautorizar a
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ciência como, por exemplo, piadas sobre relações de gênero, raça e etnia,
homossexualidade etc., pois acaba indo de encontro ao que é defendido pela
ciência, o que pode fortalecer argumentos machistas, homofóbicos e
estereótipos.
Isso acontece porque
[...] o humor desempenha, frequentemente, um trabalho de
divulgação, de popularização de novas crenças e conhecimentos. E
mais, tendo em conta que com freqüência o humor se apóia sobre
noções de senso comum, dir-se-ia uma ferramenta idônea para
distinguir novas idéias enlaçando-as com outras já estabelecidas
(RECHE, 2008, p. 169, tradução nossa).
Diante disso, surge uma questão: como se dá a relação entre o humor
“politicamente incorreto” e a liberdade de expressão? Para responder a tal
pergunta, podem-se analisar os casos polêmicos envolvendo o comediante
Rafinha Bastos.
3.2. A arte do insulto: Rafinha Bastos e o humor “politicamente incorreto”
A palavra “homem” não combina com a palavra “fidelidade”, assim
como a palavra “mulher” não combina com a palavra “baliza”.
Eu apoio a Igreja Católica, sexo só para reprodução, por isso que
toda vez que eu faço amor, eu filmo.
(Rafinha Bastos)
Nos últimos anos, o tipo de comédia denominado de stand-up comedy
tem se tornado cada vez mais popular no Brasil. Também chamado de “humor
de cara limpa”, tem como principais características a apresentação do
comediante sozinho, em pé, apenas com o microfone e sem o uso de
personagens, fantasias ou acessórios. Além disso, o artista só utiliza piadas de
sua própria criação.
O stand-up comedy já foi foco de comediantes como José Vasconcelos
e Chico Anysio, mas a partir de 2004, com a criação do Clube da Comédia
Stand-up (SP) e o Clube da Comédia em Pé (RJ), esse tipo de arte ganhou
mais espaço no país.
O gaúcho Rafinha Bastos, 35 anos, comediante, ator, jornalista, funileiro
e campeão mundial de Pogobol (como ele se descreve em seu site oficial) tem
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se destacado nessa categoria de humor. Ficou conhecido em todo Brasil como
um dos apresentadores dos programas Custe o Que Custar (CQC) e A Liga, na
TV Bandeirantes. Em março de 2011, foi considerado pelo jornal The New York
Times o dono do perfil do Twitter com maior influência no mundo.
O comediante possui dois espetáculos solos intitulados A Arte do Insulto
– o qual apenas se encontra em DVD – e o mais recente Péssima Influência,
lançado em 2012. O humorista se destaca por seu “humor ácido”, baseado em
críticas sobre costumes do dia-a-dia e comentários sobre as grandes
personalidades midiáticas. Devido a isso, tornou-se personagem principal de
algumas polêmicas decorrentes de seus comentários “politicamente incorretos”
nos últimos meses.
A primeira grande polêmica foi a acusação de incitação ao crime e
apologia ao estupro, decorrente de uma piada utilizada em seu show de Standup, na qual comentava a questão do estupro: "Toda mulher que eu vejo na rua
reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê?
Deveria dar graças a Deus. O homem que cometeu o ato merecia um abraço, e
não cadeia".
No dia 13 de outubro de 2011, a cantora Wanessa Camargo – que
estava grávida – e seu marido entraram com uma ação judicial de reparação
por danos morais contra Bastos devido a um comentário feito no programa
CQC, no qual ele afirmou: “Comeria ela... e o bebê. Não tô nem aí”. Tal
comentário acarretou no afastamento do artista do programa e posteriormente
sua saída da emissora.
Ainda em 2011, outro comentário polêmico do comediante disse respeito
ao ator Fábio Assunção e a operadora Nextel, pois em outro show afirmou que
a operadora “[...] é usada por traficantes; não é à toa que o garoto-propaganda
é o Fábio Assunção".
Já em 2012, a mais nova polêmica diz respeito a um trecho de seu DVD
A Arte do Insulto, no qual Rafinha foi acusado de fazer comentários ofensivos
aos deficientes mentais. A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
(APAE) entrou com um pedido ao Ministério Público para retirar das lojas os
DVDs, devido a tais comentários, o que foi atendido pela justiça.
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Recentemente, o humorista foi contratado pela emissora RedeTv! para
apresentar a versão brasileira do programa estadunidense de sucesso
Saturday Night Live. Entretanto, a notícia não foi bem recebida por seus novos
companheiros de emissora. A apresentadora Hebe Camargo criticou a
contratação de Bastos, durante uma entrevista ao apresentador Roberto
Justus, da Rede Record: “Trabalho com prazer, sou bem tratada lá, mas não
aceito a contratação daquele moço que falou uma coisa muito deselegante da
Daniela Albuquerque, que é um amor de menina, esposa do presidente da
rede”.
Cabe ressaltar, que até a entrevista concedida à apresentadora Marília
Gabriela, em seu programa De Frente com Gabi, do dia 25 de março de 2012,
o comediante ainda não havia se pronunciado sobre os casos polêmicos,
principalmente em relação à cantora Wanessa Camargo. O ator se justifica: “E
é uma curiosidade porque eu nunca falei. Por que que eu vou me defender, se
eu não fiz nada de errado?”.
Diante de tais polêmicas, o ator foi objeto de uma matéria da revista Veja
São Paulo, do dia 05 de outubro de 2011, a qual apresentava o seguinte título:
Rafinha Bastos, o novo rei da baixaria. Daí surge uma pergunta: até que ponto
a liberdade de expressão pode suscitar a violação dos direitos alheios? O
próximo tópico trará uma discussão sobre tal perspectiva.
3.3. O humor “politicamente incorreto” frente à liberdade de expressão:
tentativa de estabelecer as regras do jogo
Todo homem livre tem o indiscutível direito a expor o que sente ante
ao público: proibi-lo equivaleria a suprimir a liberdade de imprensa;
mas se alguém publica o que é inapropriado, maligno ou ilegal, deve
sofrer as consequências de sua própria temeridade.
(Wiliam Blackstone)
“Circuncisão deveria ser batismo da umbanda, porque o negro tem de
sobra, eu não pô!”; “As mulheres feias deveriam agradecer por serem
estupradas” 1... Com estas frases iniciamos nossa imersão no contexto de
1
Trechos retirados do espetáculo “A arte do insulto”, de autoria do humorista Rafinha Bastos.
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produção social do humor, levando-se em consideração as polêmicas que
surgem em relação ao humor “politicamente incorreto”.
Como se vê, a construção do fenômeno do riso denota, claramente,
tensões sociais. O que se pretende dizer é que o humor se fundamenta nas
desigualdades sociais, nas diferenças.
Para que algo se torne risível se faz necessário demonstrar um desvalor
do ente reificado. Assim, o humor politicamente incorreto utiliza como material
de análise subcategorias sociais, os temas recorrentes são o negro, a mulher,
os homoafetivos, religião etc., criando-se, pois, um mecanismo de reprodução
de estereótipos com alto potencial de proliferação das opiniões expressas em
piadas com cunho sexista, racista, excludente etc. por isso se fala em
“politicamente incorreto”.
O humor politicamente incorreto se fundamenta numa amplíssima
concepção da liberdade de expressão, de maneira que a referida liberdade
acaba por violar direitos fundamentais dos indivíduos, qual seja: a dignidade da
pessoa humana.
Segundo Ledesma (2004), com frequência se tem sustentado que a
liberdade de expressão é uma forma específica da liberdade de pensamento,
um prolongamento da liberdade de consciência e condição indispensável a
outras liberdades fundamentais.
Os adeptos do humor politicamente incorreto se filiam a essa concepção
de liberdades ilimitadas que dá margens às libertinagens, às ofensas públicas,
ao escárnio social de determinadas classes, determinados indivíduos. Contudo,
o problema se materializa na colisão de direitos. Por mais que se advogue uma
concepção de liberdades ilimitadas, quando estas se põem em conflito com
outros direitos fundamentais, e aqui se destaca a dignidade da pessoa
humana, a nosso ver, a liberdade de expressão deve ser relativizada.
Na lição de Epstein (1987), o conceito básico de liberdade surge daquela
tradição de total liberdade de ação, salvo quando ela implica o uso da força, ou
quando vai de encontro a outros indivíduos. Esta noção de liberdade alude
diretamente a relação entre particulares e não contém elemento explícito algum
de governo. Dá a entender que a missão do Estado é a de conter o uso da
força e das libertinagens, do excesso.
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A peculiar formação histórica de nosso País justifica a noção
empreendida acerca da liberdade de expressão de sorte a considerá-la, de
fato, ilimitada. Falar em impor limites à liberdade de expressão, portanto, seria
aludir ao grande Leviatã que objetiva cercear o direito à informação, a livre
manifestação dos pensamentos, ideias... (LIMA et. all, 2012).
Por outro lado, da mesma forma que o humor possui raízes na
sociedade, vê-se que o direito também possui seu nascedouro nas
profundezas da vida social. Viver em sociedade significa sacrificar um mínimo
das suas liberdades para que se possa estabelecer uma convivência
harmônica entre os seres humanos. Logo, verifica-se que o humor
politicamente incorreto perpetra a seara das coisas que não devem ser
mencionadas porque de alguma forma violam a dignidade de determinadas
categorias.
Alguns dirão que se trata de uma hipocrisia, o humor “politicamente
incorreto” apenas representa, de forma explícita, a realidade social. No entanto,
a sociedade se autorregula através de normas de conduta, assim, o que é
moralmente reprovável deve ser banido do sistema. Não se pretende com isto
defender uma intervenção do Estado na esfera de liberdade dos cidadãos,
assemelhando-se, pois, a uma censura. A liberdade de expressão é
indispensável para a manutenção de uma democracia.
O problema reside no excesso, naquilo que está por trás das palavras,
dos gestos. Grande parte do conteúdo apresentado num show de stand up
comedy não reflete o exercício da liberdade de expressão, senão das
libertinagens, o comediante encarna o papel de libertino, violador dos direitos
alheios, opressor. Vige, portanto, a máxima popular: o seu direito começa
quando o meu termina.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Sociologia e o humor sempre caminharam juntos, assim, sendo o
humor um construto social, é correto observar que a matéria prima do riso
sempre foi e continuará sendo a sociedade e as suas contradições.
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Em sua essência, o humor carrega uma estupenda capacidade de
massificação de ideias, ideologias. Tal situação se justifica pelo veículo que
transpõe essa nova forma de olhar para a matéria, o riso.
Não há dúvidas de que o riso é um dos mecanismos mais eficientes para
alavancar o processo de naturalização e exteriorização de arquétipos,
estereótipos, em suma, de novas formas de enxergar a realidade social.
Nesse passo, o humor “politicamente incorreto” representa um
retrocesso histórico das lutas empreendidas no âmago da sociedade mundial
para superar antigas formas de compreensão da realidade, pautadas em juízos
de valor de cunho segregacionista e discriminante.
Os temas que aborda e a forma como eles são trabalhados apenas
coadunam com a noção de que a pretensa “liberdade de expressão” exercida
nos shows de stand up comedy não passa de um exercício arbitrário das
liberdades individuais, violador dos direitos alheios... libertinagem.
Dessa maneira, o humor negro trouxe à baila da discussão a
necessidade de regular as regras do jogo do riso através de mecanismos de
controle social. Além da sociedade que se autorregula através dos juízos de
valor moral/ético, outro instrumento de controle social tem sido utilizado na
tentativa de conter as ofensas públicas vivenciadas em espetáculos de humor,
qual seja: o Direito.
Entre a acidez do humor e o escárnio social de determinadas classes há
uma linha tênue que delimita o âmbito de intervenção do direito fundamental à
liberdade de expressão. A nosso ver, a liberdade de se expressar deve ser
relativizada quando esbarra com outros direitos fundamentais que são tão
importantes quanto a liberdade de expressão, como é o caso da dignidade
humana.
No entanto, o que se tem visto é um total descaso, por parte de
determinados comediantes, em busca do riso a qualquer custo, ao mesmo
tempo em que se pode constatar que as sanções morais não têm sido
suficientes para pressionar os comediantes a podar suas piadas em virtude de
uma convivência harmônica em sociedade, como se extrai das palavras de
Rafinha Bastos:
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Comediante não pode ficar chateado com a chateação dos outros. Eu
não faço humor para que as pessoas me amem mais. Eu faço humor
para as pessoas rirem. E posso te dizer uma coisa? Continuam rindo.
Eu não preciso de mais nada.
Resta-nos, portanto, reafirmar a máxima popularmente difundida: “o seu
direito começa quando o meu termina”. A liberdade de expressão não pode dar
asas às violações aos direitos alheios. Não se quer com isso impedir o
exercício livre à liberdade de expressão, mas atentar que o excesso deverá ser
punido pelos meios que melhor se adequarem a situação, no intento de reparar
o bem lesionado – a imagem subjetiva da pessoa ou dos grupos de pessoas
afetados pelo uso arbitrário das liberdades – como também com o intuito de
educar a sociedade com o fito de promover a convivência harmônica entre
seus entes.
5. REFERÊNCIAS
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BERGSON, H. Le rire: essai sur la signification du comique. Paris: Félix Alcan
Éditeur, 1911.
CASENEUVE, J. Du calembour au mot d’esprit. Paris: Éditions du Rocher,
1996.
DEMO, Pedro. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do
conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1998.
EPSTEIN, Richard. The fundamentals of freedom of speech. Harvard
Journal of Law and Public Policy. Vol. 10. Num. 10. Estados Unidos, 1987.
GIL, Antônio. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo: Atlas,
1987.
LEDESMA, Héctor Faúndez. Los límites de la liberdad de expresíon. México:
Universidad Nacional Autónoma del México, 2004.
LIMA, Bruna; ALBUQUERQUE, Kaio; ALCOFORADO, Marcela. Entre a
liberdade de expressão e os libertinos que se expressam. In: SILVA, Arthur
Stamford da (Org.). O judiciário e o discurso dos direitos humanos. Recife:
Editora Universitária da UFPE, 2012.
MIHURA, M. Mis memorias. Madrid: Temas de Hoy, 1998.
13
RECHE, Alejandro Homero. El humor en la teoría sociológica postmoderna:
una perspectiva desde la sociología del conocimiento. Granada: Editorial de la
Universidad de Granada, 2008.
ROSS, A. The language of humour. Londres: Roultledge, 1998.
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