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HOMENAGEM A EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA.
Carlos Mário Velloso
Ministro do Supremo Tribunal Federal
,
l
Concederam-me, os Procuradores do Distrito Federal, a honra de, nesta
solenidade que se realiza em homenagem ao Ministro Eduardo Andrade Ribeiro
de Oliveira, que denominaram de singela, falar em seu nome e no da comunidade
jurídica brasiliense. Ligado a Eduardo por laços de amizade, amizade que vem
de longe, de nossos pais e avós, e da nossa Minas, é com grande prazer que o
saúdo.
Falar do homem é falar de sua terra e de suas origens.
Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira nasceu em Minas e somos de
uma mesma região, praticamente da-mesma cidade, a região do campo das
vertentes, a cidade de Entre Rios, no coração de Minas, "o Estado mais
•
tipicamente conservador da Uniã.o I:, que, entretanto, "abriga o espfrito mais
livre ", segundo Carlos Drummond de Andrade.
Filho do Desembargador Aprígio Ribeiro de Oliveira Júnior, do Tribunal
de Justiça de Minas, e de D. Maria de Lourdes Andrade Ribeiro de Oliveira,
••
Eduardo herdou do pai o espírito libertário e de justiça, o dom da.síntese: ~ da
mãe, a fortaleza e a ternura, porque de D. Maria de Lourdes pode-sé dizer-que
foi a mulher forte dos Evangelhos, a mulher que é o tesouro do marido.
O Desembargador Aprígio, meu pai, magistrado em Minas, seu amigo,
e homem do seu tempo, dele afirmava ser homem justo, que sabia temperar a
sua justiça com a bondade e que primava pela síntese. Autêntico republicano,
praticava com fé o princípio da igualdade inerente à república. Não aceitava
ele, por exemplo, condecorações. Por volta do ano de 1969, visitei, no Rio de
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Procuradoria-Geral do Distrito Federal
Procuradoria-Gerai do Distrito Federal
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Janeiro, a sede da Associação dos Magistrados Brasileiros. O seu presidente
Justiça do DF, Juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal, Ministro
pediu-me que levasse ao Des. Aprígio a medalha do mérito que lhe conferira a
do antigo Tribunal Federal de Recursos, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral,
Associação, e que o agraciado não pudera, por motivo de saúde, recebê-la. O
Corregedor-Geral da Justiça Eleitoral, Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
Des. Aprígio era homem educado. Não dizia que não queria a medalha. Dava
Eduardo Ribeiro honrou e dignificou todas as togas que a Nação lhe confiou.
uma desculpa e não aparecia na solenidade. Acolhi, com prazer, a incumbência.
Esperávamos por ele no Supremo Tribunal Federal, mas o bom juiz quis viver
Éramos, o Des. Aprígio e eu, colegas de magistério na Faculdade de Direito da
o outro lado, o da advocacia militante, ao lado do seu filho, Marcelo Henriques
PUC-Minas. Pedi, então, às alunas e aos alunos, sobretudo às alunas, que
Ribeiro de Oliveira, talentoso advogado.
preparassem a festa. Procurei o Professor Fernando Andrade Ribeiro de Oliveira,
também colega de magistério, irmão mais velho do Eduardo, e dei-lhe notícia
do que fazíamos. Ele então me disse: "Há um probiema, meu pai não aceita
comendas." Os preparativos para a festa, entretanto, estavam prontos. Vamos
fazer a solenidade, vamos correr o risco, respondi.
No dia aprazado, as alunas e os alunos do Professor Aprígio colocaram
no seu peito o colar do mérito judiciário, que ele não recusou. Esta foi a única
medalha que o Des. Aprígio aquiesceu em receber.
Juiz de verdade, Eduardo Ribeiro sempre teve presente a recomendação
de São Paulo aos Coríntios, a letra mata, o espírito vivifica, a nos lembrar,
registra Alceu de Amoroso Lima, dos "perigos do literalismo, seja no domínio
jurídico, seja no domínio religioso, seja no domínio literário ''.
Homem do seu tempo, estudioso da sociologia jurídica, da filosofia do
direito, ciente do axioma de que o jurista que só sabe o direito nem o direito
sabe, Eduardo Ribeiro praticava exemplarmente - cito novamente Alceu de
Amoroso Lima - a idéia no sentido de que"
quando o juiz deixa de aplicar o
.,
O Ministro Eduardo Ribeiro, repito, saiu ao pai. Sintético, didático, os
rigor literal da lei devido às circunstâncias dos fatos, não está ofendendo a
seus votos não contêm palavra de menos ou de mais. Dá gosto lê-los. Homem
le~ mas cumprindo-a em seu espírito e em sua eqüidade e,portanto, na relação
culto, testado em concursos públicos para cargos do Ministério Público e da
justa entre os meios e os fins. Na aplicação dos princípios aos fatos e na
magistratura, onde obteve sempre os primeiros lugares, professor de Direito,
adequação dos casos às leis, todas essas máximas de Sabedoria é que devem
poderia escrever votos eruditos, recheados de citações. Nunca fez isto. As lições,
manter o equilíbrio de nossos atos entre o bem e o mal Entre o bom juiz e o
Eduardo as reservava
para o local próprio, vale dizer, para os seus alunos da
,
mau juiz ". "Summum jus, summa injuria ", o excesso de direito anula o direito.
UnB. Perspicaz, inteligência arguta, por certo sabia que "as grande idéias',
lembra o filósofo Millôr Fernandes, que nos faz rir falando de coisas sérias,
"sempre venceram pela síntese: 'não marards:", 'aleajacta esr', 'liberdade,
igualdade, fraremidade', 'trabalhadores do mundo, uni-vos:
deveram tanto a tão poucos:
'nunca tantos
'blade is beautij'ul'." Alphonse Karr, em 1840,
escreveu que a sua maior obra filosófico-literária continha-se numa frase: ''plus
ça change plus c 'esr la même chose".
..
São inúmeros os trabalhos jurídicos de doutrina que escreveu. Destaco
o seu "Responsabilidade Civil do Estado", na Rev. Jur. da PGDF, n° 13, muito
citado por advogados e juízes. "Territorialidade da Lei Penal", parecer publicado
na Rev. de Conselho Penitenciário do Distrito Federal, é outro trabalho que
merece ser lido. Nos primórdios do Superior Tribunal de Justiça, Eduardo
escreveu trabalhos que fizeram escola: "Competência Recursal do STJ", na
Revista de Direito Público, n° 93; "Recurso Especial-
Juiz de Direito do Distrito Federal, Desembargador
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do Tribunal de
Procuradoria-Geral
do Distrito Federal
Algumas Questões de
Admissibilidade", na obra coletiva, "Recursos no Superior Tribunal de Justiça",
Procuradoria-Geral
do Distrito Federal
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Saraiva, 1991; "O Acesso à Justiça e Alguns Novos Instrumentos Processuais",
na Revista de Processo, na 71; "Prequestionamento", na Rev. de Processo na
Devo terminar
a homenagem
singela,
tal como a quiseram
os
organizadores desta festa.
97; e "Recurso Especial", em "Temas de Direito em Homenagem ao Ministro
Encerro estas desataviadas palavras buscando inspiração, nas nossas
Humberto Gomes de Barros", editado pela Forense.
montanhas, na nossa gente, os montanheses, na nossa Minas, "paiavra abissai ",
Há muito o que dizer do homem. Constituiu, com Maria Carmen
segundo Carlos Drummond de Andrade, que continua mistério, que "só os
Henriques Ribeiro de Oliveira, ela também juíza, hoje aposentada, filha do
mineiros sabem
Desembargador Amado Henriques, do Tribunal de Minas, já falecido, notável
Minas'. Guimarães Rosa escreveu que "o mineiro desconhece castas. Não
família, Os seus filhos têm-se destacado nas profissões que escolheram. Marcelo
tolera tiranias, sabe deslizar para fora delas. Se precisar briga. Mas como
é advogado de sucesso; Silvia revisora parlamentar; e Márcia é procuradora da
Fazenda Nacional.
ouviu e não entendeu a puonisa, teme as vitórias de Pirro. Não tem audácias
Eduardo Ribeiro de Oliveira é um homem simples. Bom mineiro, não
acredita que coisa alguma se resolva por um gesto ou um ato, mas aprendeu
gosta de 'aparatos. Em discurso que proferi no Instituto dos Advogados de
que as coisas voltam, que a vida dá muitas voltas, que tudo pode tornar a
Minas, lembrei a distinção feita por Afonso Arinos de Melo Franco entre
mineiridade, mineirismo e mineirice. Mineiridade seria a síntese de mineirismo
e mineirice, ou o gênero do qual os outros dois seriam espécies. O mineirismo
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e não dizem" nem a si mesmos o irreveldvei segredo chamado
visíveis. Tem a memória longa ... Só quer o essencial, não as cascas ... Não
voltar.
'J
Enquanto lia esse texto, eu via nele retratado o nosso homenageado.
Eduardo Ribeiro é bem o mineiro descrito por Guimarães Rosa.
é cultural e a mineirice é política. Em alguns mineiros predomina o mineirismo
cultural. Em outros, a mineirice política. Em outros ainda ocorre q,equilíbrio
entre mineirismo cultural e mineirice política. Por exemplo: em João Pinheiro,
em Teófilo Otoni, que chefiou a Revolução Liberal de Minas ge 1842, em
•
Milton Campos, em Virgílio e em Afonso Arinos de Melo Franco,. em.Carlos
Drummond de Andrade, em Paulo Mendes Campos, em Pedro Nava, em Pedro
Nestas palavras, a singela homenagem que lhe prestamos, Eduardo.
Singela sim, mas na certeza de que é correta a sentença de Anatole France, que
lemos na nossa juventude, de que só as coisas simples, singelas, são belas.
Salve, Eduardo Andrade Ribeiro de Oliveira, juiz, jurista, advogado,
homem de bem, amigo de fé. Que Deus o acompanhe na sua nova jornada.
•
Aleixo e em João Franzem de Lima, predominou o mineirismo cultural. Já em
Afonso Pena Júnior, em Afrânio de Melo Franco, em Juscelino Kubitschek,
em Gustavo Capanema, em José Maria de Alckmin, em JoséMonteiro
Assim seja.
Discurso pronunciado na abertura do
"IH Seminário dos Procuradores
do
Distrito Federal- Estudos em Homenagem
ao Ministro Eduardo Ribeiro de Oliveira",
realizado em março de 2002, na Sala Martins
Penna do Teatro Nacional Cláudio Santoro,
Brasília-DF.
de
Castro, em Vivaldi Moreira, o mineirismo cultural e a mineiríce 'política se
equilibram.
Tenho para mim que no nosso homenageado predomina o mineirismo
cultural, embora desconfie eu que ele esconde, como bom míneíro, a sua
mineíríce política.
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