pneumologia A gripe sob diferentes perspectivas Hisbello S. Campos Médico do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, MS. Resumo Summary A gripe é uma importante causa de doença e óbito. Estima-se que, anualmente, cause grave comprometimento em 3-5 milhões de pessoas e 250 a 500 mil mortes. Tanto os custos médicos diretos como os indiretos, que dependem grandemente do absenteísmo e da perda de produtividade no trabalho, são substanciais. A gripe pode ser responsável por 10%-12% de todas as faltas ao trabalho por doenças, e o custo-efetividade da imunização na população trabalhadora geral ainda está em debate. Influenza is an important cause of disease and death. Yearly, it is estimated that the influenza causes severe harm in 3-5 million people and 250 to 500 hundred thousand deaths. Both the indirect and direct medical costs which depends on absenteeism and loss of productivity at work are substantials. The influenza can be responsible for 10%12% of sickness absences and the cost-efectiveness immunization of general employment-population is still in discussion. Introdução 2. Crianças menores têm maior risco de hospitalização, de desenvolver pneumonia e de necessitar de suporte ventilatório. 3. A presença de doença respiratória crônica se relaciona a maior risco de hospitalização em CTI e à necessidade de ventilação mecânica. 4. Doença cardiovascular aumenta o risco de morte, de pneumonia e de ventilação mecânica. 5. O comprometimento imune aumenta o risco de morte. 6. A presença de qualquer doença neuromuscular se correlaciona a maior risco de morte. 7.Diabetes mellitus está associado a maior risco de hospitalização. Determinados grupos populacionais — bebês, idosos, portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, cardiopatas e imunocomprometidos, por exemplo — sofrem impacto maior da gripe. Entre crianças com condições médicas que as coloquem sob maior risco de complicações da gripe, as taxas de hospitalização podem ser 5-22 vezes maiores do que em crianças saudáveis. Entre adultos, as taxas podem ser 2-30 vezes maiores nos grupos de risco. As taxas de hospitalização são mais elevadas nos pneumopatas crônicos com mais de 65 anos e, em segundo lugar, nos cardiopatas. O risco de desenvolver complicações potencialmente letais varia de acordo com diferentes fatores. Meta-análise recente indicou que: 1. Idosos apresentam maior risco de hospitalização e morte. JBM SETEMBRO/OUTUBRO, 2014 VOL. 102 No 5 Unitermos: Gripe; crianças; idosos; absenteísmo. Keywords: Influenza; children; senior citizens; absenteeism. Recentemente, novas cepas virais — H7N9 e H10N8 —, reportadas em 2013 e com potencial pandêmico, vêm sendo acompanhadas com cuidado. Devido a risco au19 A gripe sob diferentes perspectivas mentado de adoecimento e morte, as autoridades sanitárias de todo o mundo devem estar atentas e preparadas frente a uma ameaça de pandemia por influenza. O planejamento para enfrentá-la deve incluir um sistema atuante de vigilância epidemiológica, vacinação e liberação de drogas antivirais, adequação da rede de atendimento de emergência e comunicação pública efetiva e clara. Quadro clínico e diagnóstico diferencial entre gripe e dengue Pontos-chave: > No Brasil, vivemos sob ameaça constante da dengue; > Classicamente, ela se manifesta por febre, dor de cabeça (principalmente na região ocular), dores articulares, prostração, anorexia, vômitos e diarreia; > Como os primeiros sintomas da gripe incluem febre, calafrios e mialgias, pode haver dificuldade no diagnóstico diferencial nos dias iniciais. 20 Os sintomas mais comuns da gripe são: febre e calafrios, tosse, cefaleia, dor de garganta, mialgia, mal-estar e fadiga. Algumas vezes também pode provocar diarreia, vômitos, rouquidão, hiperemia conjuntival, pneumonia e morte, principalmente nos extremos etários. Na maior parte, caracteristicamente, o paciente apresenta febre de início súbito e alta (mais de 38oC), acompanhada de tosse ou dor de garganta e, pelo menos, cefaleia e mialgia ou artralgia. Também costuma apresentar mal-estar e fraqueza. Quando a evolução é benigna, a clínica costuma melhorar em até cinco dias após o início dos sintomas e a recuperação é rápida. Eventualmente, algumas pessoas podem levar semanas para a recuperação total. Em algumas situações pode complicar com pneumonia viral ou bacteriana. O risco de desfechos desfavoráveis é particularmente mais elevado em crianças, idosos, portadores de doenças respiratórias obstrutivas e/ou cardiopatias crônicas e imunocomprometidos. A gripe também é responsável pelo agravamento de comorbidades crônicas (asma, insuficiência cardíaca, diabetes). No Brasil, vivemos sob ameaça constante da dengue. Classicamente, ela se manifesta por febre, dor de cabeça (principalmente na região ocular), dores articulares, prostração, anorexia, vômitos e diarreia. Como os primeiros sintomas da gripe incluem febre, calafrios e mialgias, pode haver dificuldade no diagnóstico diferencial nos dias iniciais. Deve-se estar atento, porque na gripe surgem sintomas respiratórios (tosse, espirros, dor de garganta e coriza), o que não ocorre habitualmente na dengue. A evolução clínica da influenza pode ser determinada por diferentes fatores, desde idade até presença de comorbidades ou comprometimento imune. Pacientes imunocomprometidos têm maior risco de contrair as formas graves de gripe, bem como de desenvolver complicações graves, particularmente pulmonares, difíceis de prevenir com a medicação antiviral existente. Estudo realizado com pacientes infectados pelo H7N9 indicou que o risco de morte aumenta quando há comorbidades em pessoas com idade avançada. Da mesma forma, comprometimento pulmonar grave à admissão, persistência de linfocitopenia e hipoxemia prolongada contribuem para pior prognóstico. Outros fatores, como tabagismo, alterações imunossupressoras e início tardio do antirretroviral, também estão relacionados com resultados fatais. Meta-análise sobre fatores de risco de formas graves e de complicações da infecção pelo H5N1 apontou que as mulheres apresentavam maior risco, enquanto crianças menores estariam mais protegidas contra desfechos desfavoráveis. Outra meta-análise, que avaliava a pandemia por H1N1, durante 2009-11 na Romênia, indicou que gravidez, obesidade e imunocomprometimento estavam significativamente associados a desfecho fatal. Em resumo, a imunossupressão e as comorbidades, principalmente, e os fatores comentados anteriormente são os sinais de alerta ao se tratar pacientes com influenza. O retardo na administração de antirretrovirais é outro fator causal de desfecho indesejado. Impacto econômico Além dos custos financeiros associados ao diagnóstico, tratamento, atenção médica e adequação da rede de saúde (custos diretos), a gripe também traz consequências socioeconômicas relacionadas a gastos com transporte, comprometimento da capacidade laborativa e absenteísmo (custos indiretos). Sob uma perspectiva financeira, o impacto econômico da gripe atinge as empresas ligadas à produção, distribuição e venda de aves e de carne aviária, podendo levá-las à falência. A infecção de aves comerciais gera um choque econômico ligado à alta taxa de mortalidade das aves e à queda na demanda. O mesmo se aplica aos JBM SETEMBRO/OUTUBRO, 2014 VOL. 102 No 5 A gripe sob diferentes perspectivas suínos, quando a infecção pelo vírus influenza os atinge. Além do impacto negativo sobre as taxas de emprego, exportações e renda dos produtores, outro fator responsável por prejuízo financeiro ligado à influenza está relacionado ao turismo. Segundo levantamentos, a gripe corresponde a 10%-12% de todas as faltas ao trabalho por doença. Entre profissionais de saúde, as doenças respiratórias representam uma das principais causas de falta ao trabalho. O impacto da gripe sobre o trabalhador pode ser medido pelo número de faltas e pela perda de produtividade. Estudos norte-americanos indicaram que, em média, um episódio de gripe provoca 2-3 dias de falta ao trabalho e 3,3 dias de restrição de atividades. Os custos indiretos provocados pela doença costumam ser maiores que os diretos. Uma análise dos custos da gripe nos EUA, França e Alemanha demonstrou que os custos indiretos podem ser cinco a 10 vezes maiores que os diretos. Somam-se a estes os custos intangíveis associados ao comprometimento das atividades cotidianas e aos efeitos adversos sobre a qualidade de vida dos doentes e de seus familiares. A representatividade de cada um dos componentes do custo da gripe (custos diretos, indiretos e intangíveis) varia de acordo com a idade e as condições basais de saúde, assim como com o grau de importância de trabalho do paciente. Os custos diretos relacionados à hospitalização e ao tratamento são maiores nos pacientes de alto risco. Os custos indiretos, que correspondem a 80%-90% do custo total, relacionam-se na maior parte ao absenteísmo e à perda de produtividade laborativa. A vacinação contra a gripe é uma das estratégias usadas na redução dos prejuízos financeiros causados pela gripe no local de trabalho. Inegavelmente, a vacinação é uma das medidas mais efetivas para a sua prevenção. Entretanto, estudos controlados em ambientes de trabalho (dois em atividades gerais e três em trabalhadores de saúde) revelaram resultados divergentes quanto à efetividade da vacinação quando se refere ao aspecto financeiro. A análise financeira dos benefícios potenciais da imunização contra a gripe considera diversos fatores, como risco de epidemia, taxa de infecção e efetividade da vacina. JBM SETEMBRO/OUTUBRO, 2014 VOL. 102 No 5 Modelos matemáticos sugerem que o benefício supera o custo da imunização em pessoas com 65 anos ou mais e naquelas situações nas quais o custo da doença é elevado, como nos doentes cardíacos ou pulmonares crônicos. Entretanto, sofrimento e vida não têm preço; medidas que previnam adoecimento e óbito não podem ser analisadas somente pela perspectiva financeira. Mais ainda, a prevenção da gripe em profissionais de saúde, que lidam diretamente com pacientes muitas vezes portadores de morbidades imunodepressoras, amplifica o valor da imunização. A prevenção da influenza é a estratégia mais eficiente para reduzir o custo. Quando vacinas mais adequadas estiverem à disposição, a análise financeira do custo-benefício certamente será favorável à imunização contra o vírus. Alternativas que poderiam ser efetivas na redução do custo incluem identificar medicamentos mais eficazes e melhorar as práticas assistenciais. Outra perspectiva do impacto financeiro da gripe é o custo das ações sanitárias frente à possibilidade de uma pandemia. Conforme comentado anteriormente, serviços de vigilância epidemiológica mantêm monitoração contínua sobre novas cepas virais de influenza que ofereçam risco à população. Sempre que os indicadores apontam para risco elevado de pandemia, as coordenações dos serviços de saúde de diferentes países desencadeiam uma série de ações para enfrentá-la. Elas incluem restrição de viagens, quarentena, sistemas de informação à população, manobras de desinfecção, equipamentos de proteção, vacinas e medicamentos. Esse conjunto representa um custo elevado para cada país. Uma revisão sistemática das avaliações econômicas das estratégias de enfrentamento das pandemias de gripe, publicada recentemente, demonstrou que: 1) a associação de intervenções farmacológicas (medicamentos) e não farmacológicas (vacinas) é mais custo-efetiva que o uso de antivirais ou vacinas isoladamente; 2) intervenções farmacêuticas podem ter relações custo-benefício tanto favoráveis como desfavoráveis; 3) restringir contatos não essenciais, administrar medicamentos profiláticos e interditar escolas estão entre as ações mais custo-efetivas em todos os A vacinação contra a gripe é uma das estratégias usadas na redução dos prejuízos financeiros causados pela gripe no local de trabalho. Inegavelmente, a vacinação é uma das medidas mais efetivas para a sua prevenção. Entretanto, estudos controlados em ambientes de trabalho (dois em atividades gerais e três em trabalhadores de saúde) revelaram resultados divergentes quanto à efetividade da vacinação quando se refere ao aspecto financeiro. 21 A gripe sob diferentes perspectivas países. Entretanto, quarentena para os contatos domiciliares não é custo-efetiva, mesmo em países de média ou baixa renda. Prevenção da gripe Uma perspectiva particular da prevenção da gripe envolve a proteção de grupos com maior risco de complicações graves e potencialmente fatais, como bebês e portadores de doenças respiratórias obstrutivas crônicas ou cardiovasculares. Nesse grupo, três grandes categorias de pessoas são alvos prioritários da vacina contra a gripe: Pontos-chave: > Atualmente, há duas classes de medicamentos efetivos contra o vírus influenza: inibidores do canal iônico M2 (amantadina e rimantadina) e inibidores de neuraminidase (oseltamivir e zanamivir); > Os primeiros são efetivos apenas contra o influenza A e apresentam risco de efeitos colaterais inaceitáveis e de surgimento rápido de resistência; > Os inibidores da neuraminidase interferem na produção de vírions infecciosos tanto do vírus influenza A como B, reduzindo os sintomas. 22 1. Maiores de 64 anos. 2. Pessoas com menos de 64 anos portadoras de uma ou mais das seguintes condições clínicas de risco: • Pneumopatia crônica. • Cardiopatia crônica. • Diabetes. • Disfunção renal. • Hemoglobinopatias. • Câncer. • Infecção pelo HIV. • Tratamento com imunossupressores. • Gravidez além do primeiro trimestre durante época de gripe. • Pessoas com idade entre seis meses e 18 anos tratadas com aspirina por longos períodos. • Bebês com seis a 23 meses. 3. Pessoas que possam transmitir gripe para pacientes de risco. Tratamento da gripe Nas manifestações clínicas da gripe, o paciente deve ser medicado. Nos quadros leves pode-se administrar medicamentos sintomáticos. Analgésicos/antitérmicos e descongestionantes, sempre associados à hidratação, são permitidos. Nos pacientes portadores das condições clínicas de risco descritas anteriormente, e/ou nas formas graves da gripe, deve-se prescrever antivirais. Antibióticos não estão indicados, mas podem ser recomendados nos casos em que as infecções bacterianas sucedem o processo viral. Atualmente, há duas classes de medicamentos efetivos contra o vírus influenza: inibidores do canal iônico M2 (amantadina e rimantadina) e inibidores de neuraminidase (oseltamivir e zanamivir). Os primeiros são efetivos apenas contra o influenza A e apresentam risco de efeitos colaterais inaceitáveis e de surgimento rápido de resistência. Os inibidores da neuraminidase interferem na produção de vírions infecciosos tanto do vírus influenza A como B, reduzindo os sintomas. Devem ser administrados nas primeiras 24 horas de sintomas, para conseguirem abreviar a fase sintomática e restringir o risco de complicações. Também diminuem o risco de desfechos graves em pessoas infectadas durante surtos sazonais em até 90%. O uso profilático reduz a infecção de 55% a 92%. O oseltamivir é administrado na dose de 75mg, duas vezes ao dia, por cinco dias (adultos). É empregado, profilaticamente, na dose de 75mg, uma vez ao dia, por pelo menos 10 dias. O uso pode ser prolongado por seis meses, durante epidemias e pandemias. Os efeitos adversos incluem náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, cefaleia e distúrbios neuropsiquiátricos (delírio e autoagressão física). O zanamivir é mais efetivo que o oseltamivir, mas aplica-se apenas pela via inalatória, na dose de 10mg, duas vezes ao dia, por cinco dias (adultos e crianças maiores de sete anos). Se usado profilaticamente, deve ser administrado na dose de 10mg, uma vez ao dia, por 10 dias. Por ser administrado sob a forma de pó para inalação, pode não ser indicado em pacientes com alterações respiratórias prévias. As pessoas com risco elevado de complicações potencialmente letais da gripe devem ser vacinadas tão logo um surto tenha se iniciado na comunidade. Nessa situação deve-se prescrever, também, medicação antiviral por duas semanas como proteção, até que se desenvolvam os anticorpos induzidos pela vacina. Diversos fatores — custo, adesão, efeitos indesejáveis da medicação — devem ser considerados na indicação da profilaxia com antivirais. Para possibilitar proteção máxima, a medicação deve ser tomada enquanto a gripe estiver em atividade na comunidade. JBM SETEMBRO/OUTUBRO, 2014 VOL. 102 No 5 A gripe sob diferentes perspectivas Referências 1. WORLD HEALTH ORGANIZATION — Fact sheet on influenza. 2009. www.who.int/mediacentre/factsheets/ fs211/en/index.html. 2. MERTZ, D.; KIM, T.H. et al. — Populations at risk. For severe or complicated influenza illness: Systematic review and meta-analysis. BMJ, 347: 5061-76, 2013. 3. WIWANITKIT, V. — H7N9 influenza: The emerging infectious disease. N. Am. J. Med. Sci., 5(7): 395-8, 2013. 4. CHEN, H.; YUAN, H. et al. — Clinical and epidemiological characteristics of a fatal case of avian influenza A H10N8 virus infection: A descriptive study. Lancet, 383(9918): 714-21, 2014. 5. MEMOLI, M.J.; ATHOTA, R. et al. — The natural history of influenza infection in the severely immunocompromised vs nonimmunocompromised hosts. Clin. Infect Dis., 58(2): 214-24, 2014. 6. JI, H.; GU, Q. et al. — Epidemiological and clinical characteristics and risk factors for death of patients with avian influenza A H7N9 virus infection from Jiangsu Province, Eastern China. PLoS One, 9(3): e89581, 2014. 7. LIU, S.; SUN, J. et al. — Epidemiological, clinical and viral characteristics of fatal cases of human avian influenza A (H7N9) virus in Zhejiang Province, China. J. Infect., 67(6): 595-605, 2013. 8. MERTZ, D.; KIM, T.H. et al. — Populations at risk for severe or complicated avian influenza H5N1: A systematic review and meta-analysis. PLoS One, 9(3): e89697, 2014. 9. ZOLOTUSCA, L.; JORGENSEN, P. et al. — Risk factors associated with fatal influenza, Romania, October 2009-May 2011. Influenza Other Respir. Viruses, 8(1): 8-12, 2014. 10. SMITH, A. — A review of the effects of colds and influenza on human performance. J. Soc. Occup. Med., 39: 65-8, 1989. Obs.: As 23 referências restantes que compõem este artigo se encontram na Redação, à disposição dos interessados. Endereço para correspondência: Hisbello S. Campos Rua do Catete, 311/ Sala 708 — Catete 22220-001 Rio de Janeiro-RJ [email protected] www.def.com.br Consulta fácil, dinâmica e atualizada. Um produto da Editora de Publicações Científicas Ltda. JBM SETEMBRO/OUTUBRO, 2014 VOL. 102 No 5 23