n. 12, 2012 JUS GENTIUM E OS BRICS∗ Paulo Borba Casella∗∗ Conferência apresentada na Sessão Solene de Inauguração do 1º Ano Letivo do Curso de Mestrado em Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ∗ ∗ O conteúdo dos artigos é de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es), que cederam a Comissão de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, os respectivos direitos de reprodução e/ou publicação. Não é permitida a utilização desse conteúdo para fins comerciais. 1 Conferência apresentada na Sessão Solene de Inauguração do 1º Ano Letivo do Curso de Mestrado em Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo aos 17 de setembro de 2012. ∗∗ Professor titular de Direito Internacional Público e vice-diretor da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. ∗ ©2011 Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida desde que citada a fonte UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor: João Grandino Rodas Vice-Reitor: Hélio Nogueira da Cruz Pró-Reitor de Pós-Graduação: Vahan Agopyan Faculdade de Direito Diretor: Antonio Magalhães Gomes Filho Vice-Diretor: Paulo Borba Casella Comissão de Pós-Graduação Presidente: Monica Herman Salem Caggiano Vice-Presidente: Estêvão Mallet Ari Possidonio Beltran Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux Francisco Satiro de Souza Júnior Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka Luis Eduardo Schoueri Renato de Mello Jorge Silveira Silmara Juny de Abreu Chinellato Serviço Especializado de Pós-Graduação Chefe Administrativo: Maria de Fátima Silva Cortinal Serviço Técnico de Imprensa Jornalista: Antonio Augusto Machado de Campos Neto Normalização Técnica CPG – Setor CAPES: Marli de Moraes Bibliotecária – CRB-SP4414 Correspondência / Correspondence A correspondência deve ser enviada ao Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP / All correspondence should be sent to Serviço Especializado de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP: Largo de São Francisco, 95 CEP 01005-010 Centro – São Paulo – Brasil Fone/fax: 3107-6234 e-mail: [email protected] FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Direito da USP Cadernos de Pós-Graduação em Direito : estudos e documentos de trabalho / Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 1, 2011-. Mensal ISSN: 2236-4544 Publicação da Comissão de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo 1. Direito 2. Interdisciplinaridade. I. Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP CDU 34 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 Os Cadernos de Pós-Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, constitui uma publicação destinada a divulgar os trabalhos apresentados em eventos promovidos por este Programa de Pós-Graduação. Tem o objetivo de suscitar debates, promover e facilitar a cooperação e disseminação da informação jurídica entre docentes, discentes, profissionais do Direito e áreas afins. Monica Herman Salem Caggiano Presidente da Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 JUS GENTIUM E OS BRICS∗ Paulo Borba Casella∗∗ Conferência apresentada na Sessão Solene de Inauguração do 1º Ano Letivo do Curso de Mestrado em Direito Romano e Sistemas Jurídicos Contemporâneos, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo aos 17 de setembro de 2012. ∗∗ Professor titular de Direito Internacional Público e vice-diretor da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. ∗ Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 SUMÁRIO JUS GENTIUM E OS BRICS. .......................................................................................................................... 5 Paulo Borba Casella CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO: ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO .................................................. 27 Normas para Apresentação Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 5 JUS GENTIUM E OS BRICS Paulo Borba Casella∗ Neste momento ** de profunda reflexão e reavaliação das bases e das premissas ordenadoras do sistema institucional e normativo internacional – que se pode denominar o direito internacional, no contexto pós-moderno – pode ser útil resgatar a percepção e a consciência da universalidade do direito e da comunidade humana, que inspira os juristas romanos, ao tempo da maior expansão geográfica do Império: foi este também o tempo, no qual se formularam concepções do direito como fenômeno universal, e da profunda identidade do gênero humano, como conjunto único, de alcance mundial, muito embora dividido em reinos e povos, como escrevia Fr. SUAREZ, De Legibus (1612). 1 Não somente por razões tributárias, como alegam alguns, nem somente por questões de ordem administrativa interna, como minimizam outros, é marco histórico a ser meditado por todos, o Édito de CARACALLA, em 212 AD, exprime a consciência de serem cidadãos romanos todos os homens livres do Império: certo, restrito formalmente aos ‘homens’ e ‘livres’. 2 Para o momento presente da humanidade, pode ser necessário e oportuno rememorar a lição dos juristas romanos dos séculos II e III. E de pensador como o imperador MARCO AURÉLIO – MARCUS ANNIUS VERUS, depois MARCUS AURELIUS ANTONINUS 3 – talvez um dos mais perfeitos exemplos do sábio, que foi também imperador e imperador que foi sábio, exprimindo o ideal platônico do rei-filósofo, como nos deixou em suas reflexões Τα εις εαυτον. Destes juristas e pensadores romanos se pode extrair a lição de sermos todos os seres humanos a mesma humanidade, e termos todos os indivíduos a mesma condição. Este sentido de universalidade foi muito Professor titular de direito internacional público e vice-diretor da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. também, de profunda alegria a ser manifestada por contar, hoje, aqui, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, dentre todos os colegas e alunos, que nos honram, com a sua participação, neste evento do “mestrado em direito romano e sistemas romanísticos contemporâneos”, com a presença e a ação do professor Pierangelo CATALANO da Universidade de Roma I – La Sapienza, e da professora Tatiana ALEXEEVA, da Universidade de São Petersburgo, na pessoa dos quais cumprimento todos os demais. E deixo registro da satisfação intelectual e pessoal de poder dar continuidade ao instigante debate e troca de ideias que temos desenvolvido, ao longo dos anos, não somente aqui, na USP, como em seminários e debates nas Universidades de Roma, de Salamanca e de São Petersburgo. Bem como, ainda, cumpre deixar consignados os cumprimentos pela iniciativa do então diretor, atualmente magnífico Reitor, professor João Grandino RODAS, da criação deste mestrado inovador, de caráter interdisciplinar e interdepartamental. 1Fr. SUAREZ, De legibus ac Deo legislatore (Lib. II, caput XIX, “Utrum jus gentium distinguatur à naturali tanquam simpliciter positium humanum”, n. 9): “Ratio autem huius partis, & iuris est, quia humanu genus quantuuis in varios populos, & regna divisú, semper habet aliquam unitatem, non solu specificam, sed etiam quase politicam, & moralem, quam indicat naturale preceptú mutui amoris, & misericordiae, quod ad omnes exte[n]ditur, etiam extraneos, & cuiusque rationis. Qua propter licet unaquaeque civitas perfecta, respublica aut regnum sit in se communitas perfecta, & suis membris constans, nihilomin quaelibet illarú est etiam membru aliquo modo huius universi, provt ad genus humanus spectat.” 2Sabe-se quanta importância tiveram as mulheres romanas e as mulheres na vida da história de Roma, tema fascinante, mas que fugiria ao escopo considerar aqui, como também todos sabem quantos diversificados caminhos existiam para que um homem acedesse à condição de livre, mesmo tendo nascido, ou tendo se tornado escravo. Ver tb. P. B. CASELLA, Atualidade da lição de Francisco SUAREZ no De Legibus (1612) (Rev. da Fac. de Direito da USP, 20112012, em prep.). 3MARCO AURÉLIO (121-180 AD), Meditações (do original Τα εις εαυτον , trad. e notas de Jaime BRUNA, São Paulo: Abril Cult., 1973, “Pensadores”, vol. V, pp. 271-329). ∗ **Momento, Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 6 além do tempo e do contexto, nos quais foram formulados. E devem ser úteis, neste nosso tempo e lugar. 4 Frente à inegável existência de normas jurídicas regulando os contatos do povo romano com outros povos, e diante da dificuldade de encontrar nestas os requisitos do direito internacional clássico, adverte CATALANO (1965) 5 a doutrina do século XIX e início do XX recorre ao conceito de direito público externo (äusseres Staatsrecht). Mas esta leitura se fazia de modo distorsivo: a realidade romana antiga era ajustada ao contexto oitocentista de negação do direito internacional, dependente em última análise de concepção hegeliana do estado, e “resultado de um momento das relações jurídicas internacionais, onde desempenhava papel dominante a ideia da ‘soberania’ do estado”: 6 o direito fecial, romano e universal ao mesmo tempo, na sua vitalidade histórica, demonstrada pela própria sobreposição dos conceitos [...], não pode ser enquadrada nas nossas categorias de direito estatutário e de direito internacional. 7 Esta é a premissa ‘jus gentium’ inscrita como a primeira parte da presente exposição: devemos resgatar a dimensão de universalidade deste. E a ver aplicada ao mundo pós-moderno. Some-se a profunda convicção no papel, que tem a desempenhar o direito internacional, no mundo atual. 8 A qual se complementa com a ocorrência dos BRICS como fenômeno novo, e elemento possível de nova ordenação da ordem mundial. O fenômeno BRICS é igualmente fácil de ser minimizado ou mesmo descartado, posto que se afigura, todavia, de maneira incipiente, como algo que sequer ainda tem existência jurídica formal. Mas ao menos, este se põe como fato novo, em cenário internacional de cansaço das fórmulas e de desencanto profundo com os cenários tradicionais de composição da vida internacional. 9 Os BRICS ainda são pouco, mas ao menos são algo de novo no cenário internacional. Não mais se pode pretender reger o mundo somente por óticas de confrontação e de oposição entre blocos e visões de mundo – cada uma das quais imbuída da convicção de ser a melhor, se não a única verdadeira – e se não nega, ao menos minimiza o papel de qualquer outra possível visão de ordenação do mundo: os BRICS podem ser modo novo de olhar e de compreender o mundo. E estes podem tirar lição útil do jus gentium. 4P. B. CASELLA, Il Foedus tra Plebe e Senato ed il problema del Diritto Internazionale. Dalla secessione della Plebe all´autodeterminazione dei popoli, in: Diritto@Storia, Rivista Giuridiche e Tradizione Romana. N.9 - 2010, ISSN 18250300). 5Pierangelo CATALANO, Linee del sistema sovrannazionale romano (Torino: Univ. di Torino-Memorie dell’Istituto Giuridico/G. Giappichelli, serie II, memoria CXIX, 1965, p. 34-35). 6P. CATALANO (op. cit., 1965, p. 35-36, e a seguir, p. 40): “È ora chiaro che parlare, a proposito dello ius fetiale, che si inserisce in un tale sistema giuridico-religioso, di diritto pubblico esterno, ‘äusseres Staatsrecht’ significa alterarne gli aspetti più caratteristici.” / “E nemmeno si può limitare l’ambito di questo ius alle civiltà che conobbero l’istituto dei feziali: cioè alle civiltà italiche”. 7P. CATALANO (op. cit., 1965, p. 47-48): “Ciò che importa è aver cercato di chiarire, almeno parzialmente, l’ideologia romana dei rapporti fra i popoli.” 8P. B. CASELLA, International Law: the post-modern approach to the classics and the new challenges (curso ministrado no Rio de Janeiro, em agosto de 2009, publ. XXXVI Curso de derecho internacional, org. Comité jurídico interamericano da OEA, realizado, Washington: OEA – Secretaria general, 2010, p. 3-46). 9P. B. CASELLA, BRIC – uma perspectiva de cooperação internacional (São Paulo: Atlas, 2011) e tb. na edição francesa, BRIC – à l’heure d’un nouvel ordre juridique international (Paris: Pedone, 2011). Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 7 O sentido de universalidade do gênero humano, que formulam os juristas romanos, e que acompanha o conceito de jus gentium, ao lado dos séculos de sua evolução medieval e moderna, se mantém intocado – com Francisco de VITORIA, Francisco SUAREZ, Alberico GENTILI, Hugo GRÓCIO – ao menos na primeira fase desta (1494-1648), depois se estiola ante o recrudescimento do estado como centro do sistema, 10 que pauta a segunda fase da modernidade (1648-1789) e se mantém como a tônica do direito internacional clássico, de VATTEL até a primeira metade do século XX.11 Hoje, mais do que nunca se afigura necessário pensar e operar sistema institucional e normativo que seja consentâneo com a mais ampla compreensão da humanidade e do fenômeno humano. 12 Desse sentido de universalidade do jus gentium precisam estar imbuídos os BRICS se desejarem alcançar algo de novo, e de verdadeiramente universal na ordenação do mundo. A compreensão da natureza jurídica e do alcance normativo do direito internacional mostra não ser este fenômeno recente, mas a aferição do momento inicial, a determinação da origem do marco normativo, constitui discussão que, herdada de outras eras, volta a se colocar em nosso contexto presente. Deve o direito das gentes (jus gentium) ser entendido como direito de toda a humanidade (jus commune), ou antes como emanação de contexto histórico e geográfico específico (jus europaeum)? Este desempenhou ora um, ora outro de tais papeis, ao longo de sua história. Essa contraposição, entre seu caráter universal ou estritamente europeu, merece ser considerada, por colocar em jogo o seu sentido, conteúdo e desdobramentos, bem como por influenciar a extensão da aceitação e da aplicação do direito internacional, enquanto sistema institucional e normativo. O direito internacional se inscreve na evolução da sociedade. E a compreensão do fenômeno jurídico internacional não pode ser desconectada do tempo histórico e do contexto cultural. Por isso se põe a utilidade de situar, ainda que sucintamente, alguns elementos do direito medieval. Adverte Paolo GROSSI (1995): 13 Eis como devemos nos aproximar do direito medieval: como uma grande experiência jurídica, que nutre no seu seio uma infinidade de ordenamentos, onde o direito – antes de ser norma e comando – é ordem, ordem do social, moto espontâneo, que nasce de baixo, de uma civilização que se autotutela contra a incandescência quotidiana, construindo-se essas autonomias, verdadeiros e próprios nichos protetores, para indivíduos e para grupos. 14 Faz-se todo um movimento de fundação, no qual se empenha o Ocidente, dos séculos V ao XI. Este não se deve a determinado indivíduo, ou príncipe iluminado, mas se faz B. CASELLA, Direito internacional no tempo de SUAREZ a VON MARTENS (São Paulo: Atlas, 2013, no prelo). JOUANNET, Emer de Vattel et l’émergence doctrinale du droit international classique (Paris: Pedone, 1998); Emmanuelle JOUANNET, Le droit international libéral-providence – une histoire du droit international (Bruxelas: Bruylant / Eds. de l’Université de Bruxelles, 2011). 12P. B. CASELLA, Fundamentos do direito internacional pós-moderno (São Paulo: Quartier Latin, 2008). 13Paolo GROSSI, L’ordine giuridico medievale (Roma – Bari: Laterza, 1995). 14P. GROSSI (op. cit., 1995, cap. secondo, ‘premesse ordinative’, p. 17-35, cit. p. 31): “La società si impasta di diritto e sopravvive perchè è essa stessa, prima di tutto, diritto, per il suo articolarsi in ordinamenti giuridici.” 10P. 11Emmanuelle Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 8 como práxis, sobretudo notarial, mas também judiciária, que, de modo silencioso, mas tenaz, libera de condicionamentos demasiadamente estreitos, no sentido de fundar edifício adequado às exigências sociais e econômicas que mudaram, se faz ouvinte atenta de complexa sedimentação consuetudinária, e a traduz em arranjos organizativos da experiência, aqueles que solitamente chamamos institutos jurídicos. 15 GROSSI caracteriza a ordem jurídica medieval como “unidade de experiência, mas também diversidades na unidade” 16 que divide entre “fundação” e “edificação”, como momentos diversos na realização de grande projeto unitário. Ao cabo, a harmonia do inteiro edifício histórico resultará límpida. 17 GROSSI expressivamente chama de “igualitária paisagem pluriordinamental” – ugualitario paesaggio pluriordinamentale – para descrever o sistema jurídico medieval. Neste, contudo, avulta o direito comum, na cena histórico-jurídica da Europa continental. 18 “O direito comum (ius commune) tem penetração capilar mesmo nos mais fechados e hostis ambientes do direito próprio (ius proprium)” – considera o fenômeno na codificação de FREDERICO II: ambíguo legislador do Liber constitutionum, o qual, enquanto impõe o Liber como legislação própria (norma particolare) para o reino da Sicília, assume o direito comum como objeto primário de estudo, nas escolas jurídicas napolitanas, por ele reordenadas, para lá chamando mestres de estrita formação bolonhesa. 19 Dado marcante do contexto medieval, não somente em sua dimensão jurídica, é a incompletude – a falta, o vazio deixado pelo desaparecimento da sólida e admirável estrutura estatal romana, do vazio que se seguiu àquela crise e àquele desabamento, das soluções políticas que, em todo o arco da experiência medieval, se substituem àquele vazio, mas que não puderam nem quiseram preencher aquele vazio. 20 Falando de incompletude do poder político medieval se exprime a afirmada ausência do ‘estado’, na cena política medieval. Usar o termo ‘estado’ no período medieval se presta a equívocos: 21 15P. GROSSI (op. cit., 1995, cap. terzo, ‘La tipicità della nascente esperienza e i suoi strumenti interpretativi’, p. 39-85, cit. p. 39): “In questo momento di fondazione emergono e si consolidano alcuni atteggiamenti generali connessi alla nuova e sempre più precisa mentalità giuridica, che conviene individuare e fissare fin da ora perchè varranno come primi e illuminanti strumenti interpretativi dell’esperienza in formazione: fatti di civiltà giuridica, vissutti come valori duraturi, legati al volto autentico di essa, garanti e testimoni della sua tipicità.” 16P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 40): “unità esperienziale ma anche delle diversità nell’unità.” 17P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 41): “Alla fine, l’armonia dell’intero edificio storico risulterà limpida.” 18P. GROSSI (op. cit., 1995, cap. VIII, ‘Pluralismo giuridico del tardo medioevo: diritto comune e diritti particolari’, p. 223235, cit. p. 235): “Lo ius commune ha pertanto una penetrazione che è capillare anche nei più chiusi e ostili ambienti dello ius proprium”. Ver tb. M. BELLOMO, L’Europa del diritto comune (Roma: Il Cigno, 1993). 19P. GROSSI (op. cit., 1995, loc. cit.): “Il paesaggio pluriordinamentale ugualitario si attenua di fronte a un indubbio protagonismo ingombrante del diritto comune sul palcoscenico storico-giuridico dell’Europa continentale.” 20P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 41): “La tipicità del medioevo giuridico riposa innanzi tutto su questo relativo vuoto, su [...] l’incompiutezza del potere politico medievale.” 21P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 42) fala em “inadeguato e dannoso schema ordinante”. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 9 ‘estado’ não pode deixar de ser o termo conceito, assim como se sedimentou na nossa moderna consciência, nesta carregado de especificidade e de intensidade; ‘estado’ não pode deixar de ser a noção, consolidada no curso da Idade moderna, e que o historiador leva dentro de si, como patrimônio do seu presente, e designa realidade político-jurídica rigorosamente unitária, onde unidade quer dizer, no plano material, efetividade de poder em toda a projeção territorial, garantida por aparato centrípeto de organização e de coação; e no plano psicológico, uma vontade ‘totalitária’, que tende a absorver e a fazer sua qualquer manifestação interssubjetiva, que se realize naquela projeção territorial. Em outras palavras, um macrocosmo unitário, que tende a colocar-se como estrutura global munida de vontade que tudo abrange. 22 Afastar esse conceito de estado, fruto da era moderna, é necessário para “livrar de equívocos o nosso caminho”. Para permitir “uma mais rigorosa precisão da linguagem e dos esquemas interpretativos”: 23 Morre o estado romano. Morre de inanição, depois de longo esgotamento interno, que é material e espiritual, por um vazio de poder eficaz, e de programa desejado. É preciso assinalar que esse vazio não será preenchido, durante todo o tempo da vida histórica da Idade média; e quando, com o século XIV, se manifesta a vocação de poder político realizado – se assim se desejar, na forma do estado – representará o fermento de estruturas políticas, e esse momento será a eclipse da civilização política medieval e a inauguração de nova era.24 A inocorrência do estado, no contexto medieval, não quer dizer a ausência de estruturas políticas: não temos ‘estados’, no moderno sentido do termo, mas temos ‘entes públicos’ (Gemeinwesen), ou em latim, res publica. 25 Que se inscrevem no sistema conhecido como ‘feudalismo’.26 Estas estruturas políticas medievais existem e se apresentam sob as formas as mais variadas: temos as mais diversas formas de regimes – senhorias laicas, senhorias eclesiásticas, cidades livres – temos exemplos de tiranos, munidos de todo o absolutismo de poderes humanamente 22P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 42-3) prossegue considerando “‘Stato’ è un soggetto politico forte, è l’incarnazione storica di un potere politico perfettamente compiuto”. 23Ver Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (item 12.2, ‘conceito jurídico de império’, bem como o cap. XIII, ‘estado como sujeito de direito internacional – a contribuição de MAQUIAVEL e BODIN’, e especificamente o item 13.3, ‘estado soberano e direito internacional’). 24P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 44): “fra le varie organizzazioni politiche che si contenderanno d’ora in poi la guida della società, nessuna si presenterà agli occhi dell’indagatore congiungendo in sé l’effetività del potere e la lucidità d’un programma politico onnicomprensivo.” 25Wilhelm GREWE, Epochen der Völkerrechtsgeschichte (Baden-Baden: Nomos, 1984, primeira parte: Ius gentium: Grundzüge der mittelalterlichen Völkerrechtsordnung, p. 55-162, 3. Kapitel, ‚Die Subjekte der Völkerrechtsgemeinschaft’, p. 83-98, cit. p. 83): “Das Gesicht der mittelalterlichen Völkerrechtsordnung ist bestimmt durch die Struktur der politischen Verbände, die diese Ordnung tragen. Diese Verbände sind, wie schon grundsätzlich festgestellt wurde, keine ‘Staaten’ in moderne Sinne, sie werden hier als ‘Gemeinwesen’ bezeichnet.” 26O próprio termo ‘feudalismo’ não existia na época medieval; este vocábulo somente aparece no século XVII. Como se considerou no Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (item 8.3, ‘caminhos da instauração medieval’). Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 10 imagináveis, ou arranjos oligárquicos e ‘democráticos’ com determinados poderes, mas certamente nunca teremos a presença de organismo totalitário, naturalmente destinado a controlar, regular, absorver qualquer relação intersubjetiva, que se verifique no interior daquele definido objeto territorial. A civilização medieval não sentiu a necessidade de preencher esse vazio, deixado pelo desabamento do edifício estatal romano; não a sentiu, e não a podia sentir. 27 Justamente esse dado de vazio ‘institucional’ e de fluidez da criação normativa são necessários para situar e explicar o contexto medieval. O que também explica o espaço desempenhado pela igreja romana – como estrutura institucional centralizada – sobre o conjunto do Ocidente medieval. 28 A ausência do estado no grande processo de formação da civilização medieval não é artifício verbal; ao menos para quem observe atentamente a esfera do social e do jurídico; essa aparece, assim, como chave interpretativa de grande significado para o historiador do direito, o primeiro precioso instrumento de compreensão, para arrancar do direito medieval o segredo da sua fisionomia, para individuar a pedra angular de todo o seu edifício. 29 [...] Como ‘estado’, também ‘soberania’ é termo-noção que merece esclarecimento preliminar – talvez o mereça ainda mais que o estado, e por motivo elementar – como é sabido, ‘estado’ é termo usado no léxico politológico medieval, com conteúdos semanticamente bastante longínquos da noção moderna, que faz deste sinônimo de res publica. Com ‘soberania’, o risco é maior: porque o seu uso, no léxico politológico medieval tem conteúdo semântico aproximado; nesse caso, a continuidade formal do dado lexical poderia induzir a equívocos grosseiros. E verdadeiramente grosseiros seriam tais enganos, se se pensar que a ‘soberania’, no contexto medieval, designa tão somente, segundo a etimologia: superioridade, noção relativa, que fixa o sujeito, no interior de complexa relação hierárquica. 30 A utilização de outros termos, para designar o que modernamente se chama de ‘estado’ remete a termos tradicionais como: ‘imperium’, ‘regnum’, ‘res publica’ ou ‘civitas’. O que evita a confusão com termos revestidos de conteúdo específico em nossa era. 31 27P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 44). GROSSI (op. cit., 1995, p. 45): “Il medioevo fu così il terreno d’elezione, o per una struttura teorica universale come l’Impero, costruzione ideale e simbolo, più che creatura effettiva, o per una miriade de frantumate entità di gestione politica, e, se qualche coagulazione maggiore vi fu – talune delle quali, come il regno longobardo in Italia e il visigotico in Spagna, considerevole per estensione territoriale e per durata – si tratta pur sempre di regni cui non compete la quafica di ‘stato’.” 29P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 47). 30P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 49). 31A respeito, ver P. B. CASELLA, Empires, hegemony and cooperation (in ΠΡΑΒ ΟΒΙϑΕ ΑCΠ ΠΕΚΤϑΙ ϑΡΗΚC – Aspetti giuridici del BRICS – Legal Aspects of BRICS, coord. Tatiana A. ALEXEEVA e Pierangelo CATALANO, São Petersburgo: Fac. de Direito, Universidade Nacional de Pesquisa, 2011, p. 27-48). 28P. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 11 Dentre dados característicos do contexto medieval não se deve deixar de reportar a utilização da arbitragem, como modo de solução de controvérsias, públicas e privadas. Esse legado, proveniente da Antiguidade grega, teve uso corrente na Idade média. Depois sofrerá retração, que justamente coincide com o período de desenvolvimento das máquinas estatais, na era moderna – com os corolários dos elementos formadores do estado, a soberania, etc. – e somente voltará a ser mais frequente a sua utilização a partir do final do século XIX. Michel De TAUBE (1932) 32 distinguia três categorias legais, conforme a previsão de aplicação, para a solução de controvérsias, por meio de arbitragem, no contexto medieval, entre: (i) direito nacional, público e privado, das partes em litígio, ou seja as suas leis e o seu direito consuetudinário – lex e mos sive usus; (ii) o direito geral, ou direito comum a toda a Europa civilizada – “enquanto esta constituía (como a Grécia antiga) uma comunidade jurídica de povos, pertencentes à mesma civilização”, ou seja o direito romano [...] e, mutatis mutandis, ao lado deste, o direito canônico pan-europeu da igreja católica romana, que também desempenhou igualmente o papel de direito geral, até a época da reforma, que rompeu a unidade religiosa da Europa; e (iii) o direito das gentes, propriamente dito, que não mais se confunde com o jus gentium dos juristas romanos, ou para ser mais exato, que se começa a interpretar no sentido do que hoje se entende por direito internacional (ou interestatal). 33 Assim se vê, como dado característico do sistema jurídico medieval, a multiplicidade de camadas, ou degraus sucessivos, sobre os quais se constrói o conjunto do sistema. Esse conjunto se ordenaria segundo categorias muito precisas. No topo deste, a lex divina – ou lex aeterna, na formulação de santo AGOSTINHO – a lei de ordenação divina do mundo, em sua plena e pura forma. 34 A razão divina é a mais alta lei eterna, que rege o mundo: Tota comunitas universi gubernatur ratione divina – afirma santo TOMÁS DE AQUINO. 35 O homem, como ser racional, tem essa lei “inscrita em seu coração”. O espelho dessa lei eterna se reflete no homem, como lei natural – lex naturalis – e esta, como lei moral natural, mesmo para a mais escurecida das almas, deve ser visível, e como tal percebida. Esse direito natural, decorrente do ius divinum, ao mesmo tempo decorre da ordenação divina da criação, se apresenta à razão humana, situa o homem, independentemente de qualquer disposição normativa positiva, emanada de legislador humano, quanto ao que deve e pode ser feito, ou não. Essas normas decorrem da natureza das coisas, que como tal são reconhecidas pela razão. De TAUBE, Les origines de l’arbitrage international: Antiquité et Moyen Âge (RCADI, 1932, t. 42, p. 1-116). De TAUBE (op. cit., 1932, p. 92). 34A respeito da relação de santo AGOSTINHO com o direito internacional, ver o Direito internacional no tempo antigo (item 8.1, p. 450-458); a respeito do impacto de santo TOMÁS DE AQUINO, ver o Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (item 10.1). 35TOMÁS DE AQUINO, Summa theol. (II, 1, qu. 91, a. 1). 32Michel 33M. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 12 Abaixo destas, finalmente, se põe a lei humana – lex humana – que se exprime aos homens como direito positivo (ius positivum). Assim como o direito natural provém do direito divino, neste se insere, e com ele não pode ter contradição, da mesma forma, a lei humana terá caráter vinculante, “na medida em que decorre do direito natural. E quando não coincida em certo ponto, com o direito natural, não mais é lei, mas constitui perversão desta” – sustentava, ainda, santo TOMÁS DE AQUINO. 36 Essa concepção do direito como sucessão de degraus ou ‘camadas’, remonta à concepção básica do direito natural dos filósofos estóicos, foi, por sua vez, adotada pelos juristas romanos antigos. Destes passou aos doutrinadores cristãos, pelas mãos de santo AGOSTINHO e do pensamento escolástico. E como tais, as mesmas bases estóicas, pagãs e antigas, influenciaram profundamente a concepção do direito medieval: não somente no mundo e no equilíbrio da natureza está a origem do direito natural, mas diretamente em Deus. Com base na filosofia aristotélica, a concepção de santo TOMÁS DE AQUINO leva essa doutrina à sua plena formulação. Em sua expressão mais duradoura sobre o conjunto do direito da Idade média. Aí cabe perquirir: em qual ponto desta escala se inscreve o direito internacional? ISIDORO DE SEVILHA (560-636 AD), 37 seguia a fórmula romana: Ius aut naturale est aut civile aut gentium – seria, assim, o direito natural, civil ou das gentes: Todas as leis são divinas ou humanas. As divinas têm seu fundamento na natureza; as humanas nos costumes dos homens. Precisamente por isso, estas últimas mostram discrepâncias entre si, uma vez que, a cada povo, agradam costumes distintos. O justo (fas) é lei divina; o legal (ius) é lei humana. 38 TOMÁS DE AQUINO situa a relação entre estas categorias jurídicas: pertence, em primeira linha, à essência da lei humana, que esta se distingua do direito natural; e deste ponto, que o direito positivo se divida em direito das gentes (ius gentium) e direito civil (ius civile), correspondendo aos dois modos pelos quais se faz a especificação do direito, a partir do direito natural. 39 O ius gentium é, como tal, direito positivo, que decorre dos princípios do direito natural. Somente as normas de direito positivo, que, por sua essência, decorrem do direito natural, constituem o direito das gentes. Outras normas, quando decorram do direito natural não por meio de conclusão (per modum conclusionis), mas por meio de aproximação (per modum determinationis), ou seja, por meio da aplicação do direito natural às múltiplas formas, que surgem do comércio e da vida prática dos homens, não serão parte do direito internacional. Estas, que decorrem desse modo do direito natural, constituem o direito civil. Este é direito positivo e variável. Enquanto as normas deduzidas por meio de conclusão, como os princípios, que constituem o DE AQUINO, Summa theol. (II, 2, qu. 95, a. 2). respeito da influência de ISIDORO DE SEVILHA sobre o direito internacional ver Direito internacional no tempo antigo (especificamente o item 8.2). 38ISIDORO DE SEVILLA, Etimologias / Etymologiarum (edición bilingue, “texto latino preparado por Wallace M. LINDSAY publicado dentro de la Scriptorum Classicorum Biblioteca Oxoniensis, en el año 1911”, versión española y notas José OROZ Reta y Manuel-A. Marcos CASQUERO, intr. general por Manuel C. DIAZ Y DIAZ, Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, vol. 647, 1ª. ed., 2004, reimpresión, 2009, liber V, ‘De legibus et temporibus’, 2.De legibus divinis et humanis’, pp. 500-501): “Omnes autem leges aut divinae sunt, aut humanae. Divinae natura, humanae moribus constant; ideoque haec discrepant, quoniam aliae alliis gentibus placent. Fas lex divina est, ius lex humana.” 39TOMÁS DE AQUINO, Summa theol. (I, 2, qu. 95, a. 4). 36TOMÁS 37A Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 13 ponto de partida, são sempre vigentes e independem de positivação. Que possam também existir normas de direito internacional, deduzidas por meio de aproximação – para construir meios e modos de aplicação a hipóteses antes não previstas – não parece entrar no esquema conceitual de apresentação deste, tal como formulado por TOMÁS DE AQUINO, mas, essencialmente não lhe muda a natureza. Mesmo no contexto medieval não haveria dúvida quanto à existência e à aplicação de tais normas: esse direito, convencional ou costumeiro, permanece vinculado ao direito natural, e seu caráter vinculante decorre do princípio de direito natural “pacta sunt servanda”. A evolução do direito internacional nas últimas décadas, quando áreas inteiras deste foram criadas – tais como o direito internacional dos direitos humanos, o direito internacional aeronáutico, o direito internacional do espaço exterior, ou o direito internacional do meio ambiente – e isso a partir de outras já existentes, por analogia e com aplicação de princípios gerais, ilustra de modo eloquente o fenômeno. É preciso partir do que existe, para se poder chegar a formular algo novo. Toda a construção do direito na Idade média se faz como consequência da concepção escolástica do direito natural. Este é identificado com o contido no Decálogo e nos Evangelhos, como refere GRACIANO: Ius naturale est, quod in lege et Evangelio continetur – direito natural é o que está contido na lei e no Evangelho. Assim se poderiam, em última análise, reconduzir os princípios de direito internacional aos dez mandamentos. P. GROSSI, em seu ensaio sobre a ordem jurídica medieval (1995)40 considera a “presença jurídica da igreja”, como dado marcante, ao longo de todo o período medieval: a igreja não tem um Corpus [juris civilis] como o justinianeu, para alçar sobre estas as culminâncias de processo de interpretação (interpretatio), nem as excessivamente informes coleções precedentes [ao Decretum Gratiani, de 1140] poderiam ser utilizadas para tal fim. [...] é sobretudo um direito canônico descarnado das redundâncias e dos acúmulos de tecidos teológicos, doravante reduzido a uma norma técnica de uma societas iuridice perfecta, norma autônoma em todas as suas singularidades. 41 GRACIANO, em suma, oferece à igreja pós-gregoriana uma compacta armadura jurídica, com a qual afrontar o século, e dominar o século; oferece, em toda a sua valência, uma grande arma – aquela do direito – para a política teocrática do pontificado romano. 42 A estreita vinculação entre direito e teologia, que permanece ainda nos séculos XVI e XVII, precisa ser compreendida a partir desse ponto de partida sistemático. O que também nos permite situar a metodologia da GROSSI, L’ordine giuridico medievale (Roma/Bari: Laterza, 1995, cap. 7, ‘Presenza giuridica della Chiesa’, p. 204-222). 41P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 205): “Si avvia con GRAZIANO quell’itinerario continuo, senza cesure, che menerà diritto – attraverso il tardo medioevo e l’epoca tridentina e post-tridentina – al primo codice di diritto canonico del 1917: la Chiesa giuridica come societas inequalis, il diritto canonico costruito quale Klerikerrecht, un diritto di preti, in cui una casta superiore – gli ordinati in sacris – è titolare di tutte le potestà e il populus fidelium è destinatario dello zelo pastorale ma particularmente dei poteri pressochè esclusivi dei presbiteri.” 42P. GROSSI (op. cit., 1995, p. 205-206): “La consolidazione grazianea ebbe un successo in tutta Europa. GRAZIANO si impose a tutti come magister, il maestro per eccellenza. Fu successo di prassi ma fu anche la sollecitazione per il nascere e lo svilupparsi di una scuola di interpreti – i decretisti – con apporti spesso di notevole qualità speculativa.” 40Paolo Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 14 formação jurídica, em seus fundamentos. Em vista do crescente absolutismo do direito positivo, que ganha espaço dominante na concepção sistêmica do direito internacional clássico, no século XIX, é preciso reconhecer e nos atualizar, com a percepção do papel da doutrina medieval do direito medieval, com base na escolástica, que de AGOSTINHO e ISIDORO DE SEVILHA, passa por GRACIANO e seus comentadores – tais como RUFINO (+1190), GUILHERME DE AUXERRE (ou em latim, GUILELMUS ALTISSIODORENSIS + ca. 1231), ALEXANDRE de Hale (+1245), são BOAVENTURA (+1274), são ALBERTO MAGNO (+1280) e culmina em santo TOMÁS DE AQUINO – para não esquecer, não ser essa a única linha possível, para a compreensão do direito internacional. Com DUNS SCOT (+1308) e GUILHERME DE OCKHAM (+ 1349), na linha da filosofia nominalista, se desenvolve antítese teológico e filosófica ao tomismo, e também se faz a fundamentação da concepção que levará ao positivismo jurídico de séculos posteriores, em oposição à doutrina de direito natural. 43 A ideia de comunidade sempre suscita a questão da extensão física e dos limites intelectuais desta, advertia, por sua vez, W. GREWE (1984): 44 Múltiplos e diferenciados foram os elementos, sobre os quais se construiu a consciência de comunidade, no contexto do direito internacional medieval. Apesar de alguns juízos céticos, a respeito da importância e do alcance de tal consciência de comunidade (Gemeinschaftsbewusstseins) – que sempre volta à questão dos tratados entre principes cristãos com infiéis – não há, como um todo, dúvida, quanto a esta consciência ter sido forte o bastante para assegurar base sólida para o ordenamento medieval de direito internacional. 45 A ideia básica é que o direito internacional põe limites à discricionariedade dos estados, tanto no plano externo, quanto no plano interno. 46 O que se pode manifestar em graus variados de institucionalização. Nesse sentido, no período dito entre as duas guerras mundiais, ponderava Louis LE FUR (1932) 47 Desde a grande guerra, juristas e publicistas travaram luta vigorosa contra o dogma antigo da soberania absoluta, que era a negação do direito internacional. Essa luta foi coroada de sucesso; hoje, a ideia de um bem comum internacional é aceita em toda parte; a consciência jurídica internacional admite, enfim, um direito comum internacional. 48 se considerou no Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (itens 9.2, sobre GUILHERME DE OCKHAM e 10.1, sobre santo TOMÁS DE AQUINO). 44Wilhelm GREWE, Epochen der Völkerrechtsgeschichte (Baden-Baden: Nomos, 1984). 45W. GREWE (op. cit., 1984, primeira parte: Ius gentium: Grundzüge der mittelalterlichen Völkerrechtsordnung, p. 55-162, cit. p. 82): “Gewölbe der mittelalterlichen Völkerrechtsordnung eine tragfähige Grunlage zu bieten.” 46Hubert THIERRY, L’évolution du droit international – Cours général de droit international public (RCADI, 1990, t. 222, p. 9-186); Wilhelm WENGLER, Public international law: paradoxes of a legal order (RCADI, 1977, t. 158, p. 9-86); P. B. CASELLA, Evolução institucional do direito internacional: à luz do cinquentenário do conceito de direito de HART (1961) (São Paulo: Revista Brasileira de Filosofia, ano 60, n. 236, jan.-jun. 2011, p. 313-329). 47L.-E. Le FUR, Le développement historique du droit international: de l’anarchie internationale à une communauté internationale organisée (RCADI, 1932, t. 41, p. 501-602). 48L.-E. Le FUR (op cit., 1932, p. 595 e a seguir, p. 596): “il s’agit du droit positif actuel, en harmonie avec les tendances très 43Como Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 15 Existe e se aplica, hoje, o assim chamado “direito internacional comum”. Essa ideia de um direito comum internacional está contida no Estatuto da Corte Internacional de Justiça – como estava no de sua predecessora – quando se prevê a aplicação de “costume” e de “princípios gerais do direito”. Estas ideias operam e se consolidam, no atual sistema institucional e normativo internacional, por meio da jurisprudência internacional, e das grandes convenções multilaterais de codificação. A existência e o desenvolvimento desse sistema institucional e normativo representou progresso imenso para o conjunto da humanidade, com consequente limitação à arbitrariedade dos estados. Assim como o fato de a competência exclusiva dos estados – o alegado “domínio reservado”, ou os supostos “assuntos internos” – não mais ser pelos próprios estados determinada, mas pela Organização das Nações Unidas e pela Corte Internacional de Justiça, consolida parâmetro de juridicidade internacional. Mas o direito internacional não surge pronto, nem se manifesta em corrente única, nem tampouco de modo unívoco. São variadas as formas atuais, como foram múltiplos os caminhos antes percorridos, no tempo e no espaço. 49 Com consideráveis mutações conceituais e procedimentais, ao longo desses caminhos. Nesse sentido, R. KOLB (2010) 50 pondera que os estudos de história do direito internacional se tem ocupado essencialmente do direito desenvolvido para reger as relações interestatais europeias: “trata-se do direito internacional público europeu, do jus publicum europaeum, que se estendeu progressivamente ao conjunto do mundo”. 51 Mas é preciso ir além: Está na hora de nos distanciarmos dessa maneira estreita de ver, e de estudar os fenômenos do direito internacional público das culturas extraeuropeias por si mesmos, tentando captá-los, em seus próprios contextos. Uma tal empreitada somente pode ter sucesso se nos limitarmos ao direito da era pré-colonial. Com certeza, existem casos nos quais as instituições e normas de direito extraeuropeu sobreviveram à chegada do direito público da Europa, importado pelos colonizadores. Estes são, contudo, casos excepcionais. Via de regra, o direito internacional da Europa se implantou com celeridade e com facilidade, que não deixam de surpreender o observador contemporâneo. 52 nettes de l’opinion publique universelle. Nous assistons, depuis une dizaine d’années, à un grignotement, lent mais continu, de la souveraineté de l’état au nom du droit objectif, pour le plus grand bien des individus et, au fond, pour celui des états, eux mêmes.” 49Como se considerou no Direito internacional dos espaços (2009). 50Robert KOLB, Esquisse d’un droit international public des anciennes cultures extra européennes (Paris : Pedone, 2010) traduz e atualiza trabalho de Wolfgang PREISER, Frühe völkerrechtliche Ordnungen der aussereuropäischen Welt: ein Beitrag zur Geschichte des Völkerrechts ( « Sitzungsberichte der Wissenschaftlichen Gesellschaft an der Johann Wolfgang Goethe Universität Frankfurt am Main, Societas Scientiarum Francofurtensis », Wiesbaden: Franz Steiner Verlag, 1976); ver tb., de Wolfgang PREISER, Die Völkerrechtsgeschichte, ihre Aufgaben und ihre Methode (Wiesbaden, 1964). 51Observa R. KOLB (2010, p. 23-24). 52R. KOLB (2010, p. 24) prossegue: « Elle fait écho à la facilité de l’acquisition territoriale, opérée par la conquête. Ce droit européen a alors écarté l’ensemble des règles et institutions ‘primitives’ pratiquées dans les contrées colonisées avant l’arrivée de l’homme blanc. Dès lors, si nous voulons saisir les phénomènes de droit international public non influencés par l’Europe, il est nécessaire de remonter passablement loin le fil du temps. Ceci n’est pas sans compliquer la tâche. En effet, des sources primaires font souvent défaut; des monographies scientifiques fiables sont rares; enfin, l’absence d’études juridiques pertinentes force à tirer des conclusions à partir de matériaux essentiellement non juridiques. » Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 16 Qualquer estudo do direito internacional, em perspectiva histórica e comparada, precisa, ademais compor os elementos que encontre, não enquanto fenômenos fragmentários e isolados, mas em que medida estes formam conjunto coerente, uma “ordem jurídica internacional ao mesmo tempo funcional e representativa de determinada cultura”. 53 Para que ocorram tais conjunções, são necessários alguns elementos: - estados independentes uns dos outros (ou agrupamentos políticos ou tribais, suficientemente organizados, e igualmente independentes), que se reconheçam mutuamente como sujeitos de direito; - ocorrência, entre esses estados ou agrupamentos, de contínuo intercâmbio cultural, econômico e/ou político, que pressuponham regulação jurídica, ou, ao menos gerem consequências jurídicas; - que os sujeitos, participantes desses intercâmbios, estejam convencidos de que as normas costumeiras ou convencionais, com base nas quais se fazem tais interações, representem conteúdos juridicamente vinculantes, cujos descumprimentos possam acarretar sanções. O quadro medieval ilustra a situação de complexa e variada sociedade internacional. Esta era composta por duas entidades supranacionais – império e papado – conjugadas com outras entidades políticas – estas equiparáveis ao que viriam a ser no futuro denominados ‘estados’ independentes –, e outras entidades de capacidade internacional limitada – senhores feudais, os mais variados, as ordens monásticas, as ordens de cavalaria, e as combinações de ambas, sob a forma das ordens de monges cavaleiros – tudo isso compondo complexo hierarquizado. A existência de ‘sociedade’ internacional, em sentido estrito, pressupõe a existência de, pelo menos, dois ‘estados’ ou entidades ‘soberanas’ e independentes, como se deu na Idade média ocidental. Por isso, evitando o anacronismo do termo ‘estado’, se pode falar, em relação ao período medieval em ‘entes políticos’, entes comuns – W. GREWE (1984) utiliza ‘Gemeinschaftswesen’ – o que também se pode compreender como entes coletivos, comunitários ou públicos. 54 Por vezes utiliza-se a terminologia ‘entes políticos’ – para tentar designar, da forma mais neutra, o fenômeno equivalente aos ‘estados’, ‘soberanos’, nos tempos medievais. Visto que estes ainda não eram nem podem ser chamados de ‘estados’, nem tampouco ‘soberanos’.55 Mas existem como entidades políticas, e atuam quer nos respectivos âmbitos internos, como nas assim chamadas relações internacionais. PREISER (1964, p. 56-60), R. KOLB (2010, p. 25-30). ONUMA, Yasuaki, A Transcivilizational Perspective on International Law (RCADI, 2009, vol. 342; tb. publ. Haia: Pocketbooks of the Hague Academy of International Law, 2010); ONUMA, Yasuaki (edited by), A normative approach to war: peace, war and justice in Hugo Grotius (Oxford: Clarendon Press, 1993). 54Wilhelm GREWE, Epochen der Völkerrechtsgeschichte (Baden-Baden: Nomos, 1984, primeira parte: Ius gentium: Grundzüge der mittelalterlichen Völkerrechtsordnung, p. 55-162); P. B. CASELLA, Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (São Paulo: Atlas, 2012). 55Por isso a discussão colocada no Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (cap. XIII, o ‘estado como sujeito de direito internacional – a contribuição de MAQUIAVEL e BODIN’). Ver tb. Jean PICQ, Une histoire de l’état en Europe – Pouvoir, justice et droit du Moyen Âge à nos jours (Paris : Presses de Sciences Po, 2009). 53W. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 17 Outros como M. GIULIANO (1973) falam na ‘respublica christiana’.56 Mas o dado central é que a internacionalidade existia e ocorrem manifestações desta, com as especificidades do contexto medieval, ao longo de séculos. João BERNARDO (1995-2002) 57 desenvolve extensa análise da transformação da sociedade medieval (séculos V ao XV) sob a ótica da relação entre o poder e o dinheiro: “do regime pessoal ao estado impessoal no regime senhorial”. 58 Nessa trajetória se constroem os elementos que depois se nos tornam mais familiares: ‘estado’, ‘soberania’. O feudalismo, o império, e o papado – como fenômenos em escala europeia, esboçam os dados de base de ‘internacionalidade’ medieval, e do que viria a ser o sistema internacional da era moderna. Michel de TAUBE (1939) 59 enfatiza a longa duração da influência bizantina sobre o conjunto da Europa medieval, que se estendia não somente sobre o conjunto da Itália, em cidades como o Exarcato de Ravena, posto central da administração bizantina na península itálica, como também em relação a Veneza, Bari, a Itália meridional e a Sicília. Da mesma forma, os reis visigodos da Espanha somente começam a cunhar moeda nacional ao tempo do rei LEOVIGILDO, no ano 586. O mesmo se dá em relação aos reis francos: desde CLÓVIS, o célebre fundador do reino dos francos, que se considera consul e patrício de Roma, e recebe do imperador um manto púpura e o diadema de flores de lis – a κρηνωνια bizantina, 60 símbolo que se tornará o emblema do reino da França, quando este reino bárbaro se faz cristão – até ao menos o neto, TEODEBERTO I (534-547) que mesmo depois de interromper a cunhagem de moedas com a efígie do imperador bizantino, se faz ‘adotar’ pelo imperador JUSTINIANO e se refere a ele como pai em manifestações oficiais. Somente após JUSTINIANO, falecido em 565, cujo império mediterrâneo ainda era suficientemente forte e extenso, para se pretender a universalidade do reinado do imperador bizantino, é que os estados da Europa ocidental, um após o outro, começam a se emancipar da tutela de Bizâncio. Mas, mesmo ao se afastarem do Oriente, que não mais responde ao estado real das coisas no Ocidente, permanece entre estes a ideia mestra do único Império romano, que será retomada, mais adiante. Enquanto isso entre os povos do Oriente, a comunidade de povos organizada em torno do basileus de Constantinopla se estendia por toda a península dos Balcãs, à Crimeia, e posteriormente à Rússia, o Cáucaso, a Armênia, a Ásia menor, a Síria, o Egito e a Palestina. Logo mais adiante, em relação a búlgaros, sérvios, 56Mario GIULIANO, La ‘Respublica Christiana’ medioevale e le pretese origini della società e del diritto internazionale (in Multitudo legum, ius unum: Mélanges en l’honneur de / Essays in honour of / Festschrift für Wilhelm Wengler zu seinem 65. Geburtstag, herausgegeben von Josef TITEL et al., Berlin: Interrecht, 1973, Band I – Allgemeine Rechtslehre und Völkerrecht, p. 155-163). 57João BERNARDO, Poder e dinheiro – do poder pessoal ao estado impessoal no regime senhorial, séculos V-XV (Porto: Afrontamento/Biblioteca das Ciências do Homem: t. I: Sincronia. Estrutura econômica e social do século VI ao século IX, 1995; t. II: Diacronia. Conflitos sociais do século V ao século XIV, 1997; t. III: Sincronia. Família, dinheiro e estado do século XI ao século XIV, 2002). 58João BERNARDO (op. cit., t. III, 2002, p. 21): “No regime senhorial, os problemas da família encontram-se no centro de toda a questão do poder. [...] No seu desenvolvimento, para abarcar a globalidade das populações e dos territórios em novas modalidades de comunitarismo, o bannum teve de dissolver antigos laços de parentesco e de alterar substancialmente as células da família.” 59Michel de TAUBE, L’apport de Byzance au développement du droit international occidental (RCADI, 1939, t. 67, p. 233-340). 60Anthony-Emil N. TACHIAOS, Cirillo e Metodio – le radici cristiane della cultura slava (do original Cyril and Methodius of Thessalonica – the acculturation of the Slavs © 2001, ed. italiana a cura di Marcello GARZANITI, Milão: Jaca Book, 2005); Adda BOZEMAN, Politics & Culture in International History – from the Ancient East to the opening of the Modern Age (© 1960, New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2nd ed., 4th printing, 2010, esp. cap. 9, ‘The Byzantine Realm’, p. 298-356). Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 18 croatas, kazares e georgianos. 61 A percepção da continuidade e do encadeamento histórico são fundamentais para a compreensão da formação e do desenvolvimento de qualquer fenômeno humano, mas sobretudo em relação ao direito internacional. Assim, comentava P. VINOGRADOFF (1909, ed. 2011), 62 sobre a transmissão do direito romano na era medieval europeia, como isso se deu por meio de encadeamento histórico, por vezes fraco, mas este nunca chegou a ser interrompido. 63 Em sentido equivalente, J. van KAN (1938), sobre a “ideia de organização internacional”, 64 o encadeamento de suas grandes fases, ao menos na perspectiva ocidental, viria desde o império romano – pautado pelo universalismo –, passando pelo cristianismo – como princípio moral, e o santo império – no qual se inscreve o supranacionalismo, tudo isso mesmo antes de se alcançar a era moderna. 65 Para J. MOREAU-REIBEL (1950), 66 a formulação do conceito de direito da sociedade humana ocorre na Idade média, entre os canonistas e teólogos, como o direito de circulação (jus communicationis) 67 na medida em que a estrada desempenha papel fundamental na Idade média – la route a joué au Moyen Âge un rôle capital – 68 considerava, respectivamente, o papel desempenhado pelos romanistas em relação ao direito internacional, a seguir o papel dos canonistas no direito internacional, a questão da configuração e da extensão da sociedade internacional, no Concílio de Constança, e aduzia: 61M. de TAUBE (op. cit., 1939, chapitre premier, ‘Byzance et la communauté internationale des peuples chrétiens’, p. 242 ss., cit. p. 244-245): « Byzance jouit toujours d’une grande autorité morale et d’une sorte de suprématie politique en Orient. » 62Paul VINOGRADOFF, Roman Law in Mediaeval Europe (London/New York: Harper & Brothers, 1909; reproduction Charleston, SC: Bibliolife, 2011). 63P. VINOGRADOFF (op. cit., 1909, reprinted 2011, Lecture I, ‘Decay of the Roman Law’, p. 1-31, cit. p. 31): “there was a constant, though thin, stream of legal learning running through the darkest centuries of the Middle Ages, that is from the fifth to the tenth. The existence of organized law schools is not proved, nor can there be any talk of a very active development of individual thought. But transcripts and abstracts from the fragmentary materials bequeathed by antiquity were made and studied in the scriptoria of monasteries or chapters and in the classrooms of leaders of Arts.” 64J. van KAN, Règles générales du droit de la paix – l’idée de l’organisation internationale dans ses grandes phases (RCADI, 1938, t. 66, p. 295-602). 65J. van KAN (op. cit., 1938, caps. I, II e III) até chegar à época moderna (cap. IV) na qual aponta a conjugação entre os remanescentes medievais, aspirações nacionalistas – em autor como Pierre DUBOIS, no século XIV; passando por DUPLESSIS, MORNAY e CAMPANELLA, bem como a falsificação perpetrada sob o nome de HENRIQUE IV, no grande plano, Le grand dessein; tendências morais; soluções utilitárias; e encerrava com o que, segundo ele, constituíam às vésperas da segunda guerra mundial as ‘hesitações atuais’. 66Jean MOREAU-REIBEL, Le droit de société interhumaine et le jus gentium: essai sur les origines et le développement des notions jusqu’à Grotius (RCADI, 1950, t. 77, pp. 481-598, p. 518): « Le droit de société interhumaine est donc d’abord un droit de circulation. » 67J. MOREAU-REIBEL (op. cit., 1950, esp. cap II, ‘Première élaboration du jus humanae societatis – le droit de circulation chez les canonistes’, p. 513-522, cit. p. 517): « Répresentez-vous la situation du Moyen Âge. Eh bien, les routes n’apparaissent nullement comme essentiellement des moyens d’organisation d’un territoire, à l’intérieur duquel la souveraineté s’est jalousement enfermée, elles apparaissent avant tout comme étant déstinées à la circulation humaine. » O que se configurara de modo equivalente na Antiguidade, como se considera no Direito internacional dos espaços (2009, caps. I e II, p. 19-42 e p. 43-92), ao se qualificar os poderes antigos como dromo-cracias, poder que se exercia sobre rotas e caminhos, mais do que sobre espaços estritamente delimitados, por meio de fronteiras, como passa a ser sobretudo do século XVI em diante. 68Descrevem as andanças pelas rotas da Europa no século XIII, enviados em missão evangelizadora, os franciscanos Jourdain de GIANO, Thomas D’ECCLESTON et Salimbene D’ADAM, Sur les routes d’Europe au XIIIe siècle (« Chroniques traduites et commentées par Marie-Thérèse LAUREILHE, Paris: Éd. Franciscaines, 1959, respectivamente p. 13-66, p. 67-143 e p. 145-218): o irmão JOURDAIN DE GIANO foi um dos primeiros franciscanos a ser enviado por são FRANCISCO DE ASSIS para a Alemanha; o irmão THOMAS D’ECCLESTON foi enviado para a Inglaterra, e a Crônica do irmão SALIMBENE D’ADAM relata dois períodos de permanência deste na França. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 19 se VITÓRIA e SUAREZ criaram suas obras, isso se deu graças aos caminhos que lhes foram preparados pelos canonistas. Isso é o que ensina o encaminhamento de noções ligadas ao direito da sociedade humana (jus humanae societatis). 69 Na convergência entre o trabalho de canonistas e teólogos, a culminância do conjunto teria sido alcançada por VITÓRIA e por SUAREZ, que reuniam ambas as qualificações. 70 Ao cabo de séculos de evolução e de encadeamento histórico. Desse grande movimento, operado pelos juristas do século XVI, convém destacar as características comuns: além da confrontação dos diversos direitos nacionais com o direito romano, também o cuidado com o método, ante a preocupação em captar o espírito dos textos tradicionais mediante a aproximação com a filosofia moral e social dos antigos. Mesmo no sentido filológico de depuração exegética dos textos e de busca da interpretação autêntica, o humanismo é espírito novo, que se encontra tanto nos canonistas e teólogos, como entre os leigos. Assim VITÓRIA e DE SOTO fazem penetrar o humanismo em suas lições e em seus pareceres, e Melchior CANO em seus estudos teológicos. Aí se inscreve a assim chamada “escola francesa” com a grande ideia de constituir o direito como disciplina metódica, na linha do que já propugnara CÍCERO – jus in artem redigere: os juristas franceses são governados pela ideia de unidade do direito, que se torna o princípio dominante. Embora isso comece como a preocupação de submeter a diversidade dos costumes regionais ao mesmo padrão do que viria a ser a identidade ‘nacional’, logo esse quadro de reflexão transcende o âmbito interno e se projeta para questões do ‘direito natural e das gentes’. Nessa linha lembre-se a contribuição de François CONNAN (1508-1551), alto funcionário da corte francesa – maître des requêtes – ao tempo de FRANÇOIS I. Em sua única obra, deixada inacabada, Commentariis iuris civilis libri X (1553, completada por François HOTMAN, 1557). 71 Define CONNAN o jus gentium de modo a distingui-lo claramente do direito natural: considera-o como o quasi civile jus da sociedade humana. Esse direito compreende as instituições fundamentais que a razão humana concebeu com o intuito de manter e salvaguardar a vida social. Assim, o direito das gentes é, por excelência, um direito da utilidade social. 72 69J. MOREAU-REIBEL (op. cit., 1950, p. 514): « si VITORIA et SUAREZ ont crée une oeuvre, c’est parce que les voies leur ont été préparées par les canonistes. C’est ce que enseigne le cheminement des notions liées au jus humanae societatis. » 70A respeito, ver, neste tomo, o cap XIV, sobre Francisco de VITÓRIA, bem como o conjunto do tomo seguinte, Direito internacional no tempo de SUAREZ a VON MARTENS (esp. cap. XV, sobre Fr. SUAREZ). 71Patrick ARABEYRE, Jean-Louis HALPÉRIN et Jacques KRYNEN (sous la direction de), Dictionnaire historique des juristes français (XIIe – XXe siècle) (Paris: PUF, 2007, 2a tiragem, 2008, verbete CONNAN, ou CONNANUS François, p. 199-200). No livro primeiro de seus comentários, CONNAN expõe seu método e coloca as bases de seu sistema, no que constitui uma doutrina do direito natural: “Se a origem de todas as leis e costumes está na natureza”, “o princípio supremo ao qual estas se relacionam” essa mesma natureza, nada mais é “que a natureza do homem, que nós chamamos a justa razão” (livro I, cap. I, n. 1). Comum a todos os homens, a justa e natural razão dita a eles o que devem fazer ou não, e os faz pensar que são eles mesmos a fonte do direito. 72J. MOREAU-REIBEL (op. cit., 1950, p. 538-539) aponta a grande influência que exerceu François CONNAN sobre BODIN e HOTMAN. Mesmo quando o criticam, SUAREZ e GRÓCIO não deixam de reconhecer a importância da contribuição de CONNAN. No final do século XVII, DOMAT retomaria a empreitada encetada por este: “L’inspiration de CONNAN combinait ainsi le meilleur de l’humanisme et de la tradition des post-glosateurs.” Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 20 Os grandes juristas do século XVI, ao construírem as suas concepções, teriam marcado o retorno a BARTOLO. Por exemplo, Paul VINOGRADOFF (1909, ed. 2011) sobre a contribuição de BARTOLO: 73 ele adaptou e desenvolveu as concepções romanas sobre a autoridade do povo, como fonte do poder, sobre o papel desempenhado pela coerção na criação de normas (vis coactiva), sobre a delegação de autoridade política e de jurisdição, pelo Imperador e assim por diante. 74 E enfatiza: Seus comentários sobre o assunto se tornaram a base do direito público da Europa central, e é significativo que os professores de direito romano na Alemanha tenham se apropriado de sua doutrina [de BARTOLO] preferindo-a ao ensinamento do próprio Código de JUSTINIANO. Os elementos modernos dos ensinamentos de BARTOLO o tornam mais aceitável para a solução de problemas resultantes do emaranhado estado dos negócios públicos na Alemanha do século XV. É nos seus trajes italianos que o direito romano é recebido pelos alemães, e essa modificação, em grande medida explica a razão da facilidade comparativa de sua adoção. 75 Nesse sentido, se pode acompanhar a conclusão de VINOGRADOFF, a respeito da recepção do direito romano pela civilização medieval, onde apesar de todas as variações de cor e de modo, duas ou três vertentes principais constantemente reaparecem: em primeiro lugar, a recepção do direito romano dependeu, em ampla medida, de causas políticas – esse sistema político subordinava-se à ideia do estado, acima dos indivíduos ou classes, e livre da mescla de interesses públicos e privados, característica do feudalismo – e fadado a ser atrativo para as mentes dos pioneiros da concepção de estado: imperadores ambiciosos, príncipes desejosos de fixar seus territórios (grasping territorial princes), legistas reformadores, e mesmo representantes clericais, em defesa da lei e da ordem; embora a história não se repita, e as condições da Europa no século XIV fossem bastante diversas das vigentes no Império romano, os resultados da vasta experiência de colocar enquadramentos legais para operações negociais tinha sido acumulado nos livros de direito romano, e as classes progressistas VINOGRADOFF, Roman Law in Mediaeval Europe (London & New York: Harper & Brothers, 1909, reprint, 2011, lecture V, ‘Roman Law in Germany’, p. 106-131). 74P. VINOGRADOFF (op. cit., 1909, reprint, 2011, lecture V, ‘Roman Law in Germany’, p. 106-131, cit. p. 124-125) sobre a contribuição de BARTOLO: “he adapted and developed the Roman conceptions on the authority of the people as a source of power, of the part played by coercion in the creation of laws (vis coactiva), of the delegation of political authority and jurisdiction by the Emperor and the like.” 75P. VINOGRADOFF (op. cit., 1909, reprint 2011, p. 125): “It is needless to add that in a state of government and society as that which prevailed in Germany in the fifteenth century, the cross relations between different political units and social groups were constantly producing friction and juridical disputes. And in all such questions, German law arrangements, based primarily on local customs, failed signally. Recourse to Roman Law as ‘Common Law’ was natural and unavoidable.” 73Paul Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 21 do final da Idade média não deixaram de os utilizar; finalmente, de ponto de vista jurisprudencial, o valor científico do direito romano não poderia ser contestado; este se manifestou tão logo se retomou o raciocínio teórico sobre questões jurídicas. E quando a elaboração de direito comum se tornou uma necessidade social, o sistema romano cresceu como uma força, não somente nas escolas, mas também nos tribunais. Em suma, a história do direito romano na Idade média dá testemunho do vigor latente e do poder organizacional das ideias em meio a contextos em mutação. 76 O exemplo mais significativo nesse sentido seria Alberico GENTILI. 77 Na época da intolerância e da perseguição aberta aos dissidentes, da Europa ‘moderna’, Alberico GENTILI e seu pai, como protestantes, em território católico, poderiam ter perecido na prisão, ou na fogueira, como foram condenados e executados, no fogo, os filósofos, seus contemporâneos Giordano BRUNO (1548-1600) 78 e também Lucilio VANINI (158576P. VINOGRADOFF (op. cit., 1909, reprint 2011, p. 130-131). Deste mesmo Paul VINOGRADOFF, ver também seu instigante Common Sense in Law (© 1913, London: Oxford Univ. Press, 2nd. ed., rev. by Dr. H. G. HAMBURY; tb. disponível, Introducción al Derecho, trad. Vicente HERRERO, Mexico: FCE, 1a. ed. em espanhol, 1952, 3ª. ed., 1992, 6ª. reimpr., 1997). 77Ver tb. CASELLA, Fundamentos do direito internacional pós-moderno (2008, item III, ‘direito internacional pósmoderno: entre técnica, espírito e utopia’); H. NÉZARD, Albericus GENTILIS (1532-1608) (in Les fondateurs du droit international: leurs oeuvres, leurs doctrines, “avec une introduction de Antoine PILLET”, Paris: V. Giard & E. Brière, 1904, pp. 37-93, esp cap. iii, ‘sa théorie – sa méthode’, pp. 78-87, cit. pp. 78-80): « Toutes les solutions que GENTILIS apporte aux problèmes agités au XVIe siècle découlent d’une idée qui n’est pas systematisée dans ses oeuvres, mais dont les éléments épars constituent cependant une doctrine établie. [...] Le droit international c’est pas pour notre auteur le droit de la communauté des états, c’est l’oeuvre de la grande république de l’humanité (cfr. De jure belli, livre I, chap. i). L’idée de l’unité du monde domine toutes les doctrines du moyen âge et la constitution d’un état universel était considérée comme le bien absolu en soi et comme une condition essentielle de la paix générale. / Mais on s’en était séparé sur le point de savoir dans quelle autorité se résumait la souveraineté de la République universelle. [...] Tant que l’empire subsista, on concilia les deux pouvoirs. Dieu maître du ciel était represente par le pape, Dieu maître de l aterre avait pour mandataire l’empereur, l’un était le chef spirituel, l’autre le chef temporel: l’église et l’empire étaient une seule et même chose, la communauté des états, mais vue sous ses deux faces. » Após as lutas de religião, a igreja se viu « épuisée, atteinte dans son autorité morale, va se voir dénier son caractère de communauté internationale des états, par OCKHAM, MARSILE DE PADOUE, WYCLIFFE et les écrivains de la Réforme. / Dès lors, la société des états ne trouve plus sa constitution laïque dans l’empire, ou religieuse dans l’église catholique, il faut, pour ne pas laisser tomber les liens qui doivent unir les nations, lui trouver un autre fondement. Les écrivains protestants fondent la communauté des états non plus sur la loi religieuse de la religion catholique, mais l’humanité tout entière, y compris les hérétiques et les infidèles: non unius est Reipublicae sed omnium (De jure belli, I.I). 78O panteísta BRUNO (1548-1600) já tinha antecipado a afirmação de que talvez Deus e a natureza fossem conceitos idênticos. Daí decorreria para a humanidade a necessidade de buscar o conhecimento, seguindo a natureza. A respeito, ver o Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITÓRIA (esp. cap. XIII, ‘estado como sujeito de direito internacional’) e as referências lá apontadas: Giordano BRUNO, Le Procès – Documents (introduction et texte L. FIRPO, trad. et notes de A.-Ph. SEGONDS, Oeuvres complètes de Giordano Bruno, “publiés sous le patronage de l’Istituto Italiano per gli Studi Filosofici – Centro Internazionale di Studi Bruniani”, ed. bilingue, vol. I, Paris: Les Belles Lettres, 2000); Giordano BRUNO, Le Souper des Cendres (texte établi et notes par Giovanni AQUILECCHIA, préface Adi OPHIR, trad. de Yves HERSANT, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. II, Paris: Les Belles Lettres, 1994); Giordano BRUNO Nolano, De la causa, principio et uno (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, notes Giovanni AQUILECCHIA, intr. Michele CILIBERTO, trad. fr. de Luc HERSANT, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. III Paris: Les Belles Lettres, 1996); Giordano BRUNO, De l’infini, de l’univers et des mondes (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, notes Jean SEIDENGART, intr. Miguel Angel GRANADA, trad. de Jean-Pierre CAVAILLÉ, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. IV, Paris: Les Belles Lettres, 1995); Giordano BRUNO, Expulsion de la bête triomphante – Dialogue 1 (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, notes Maria Pia ELLERO, intr. Nuccio ORDINE, trad. de Jean BALSAMO, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. V-tome I, Paris: Les Belles Lettres, 1999); Giordano BRUNO, Expulsion de la bête triomphante – Dialogues 2 et 3 (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, notes Maria Pia ELLERO, intr. Nuccio ORDINE, trad. de Jean BALSAMO, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. V-tome II, Paris: Les Belles Lettres, 1999); Giordano BRUNO, Cabale du cheval pégaséen (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, préface et notes Nicola BADALONI, trad. de Tristan Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 22 1619). 79 GENTILI 80 exprimiria o encadeamento entre continuidade nas diferentes etapas dessa elaboração e inovação, 81 que se faz a partir das fontes medievais: De certo modo, pode-se dizer que nossos jurisconsultos recolheram esse direito de todas as gentes porque, se os romanos, os gregos, os hebreus, os bárbaros e todos os povos conhecidos usaram de um certo direito, há razão para acreditar o mesmo de todos os outros povos. Temos notícia do desconhecido por meio daquilo que é conhecido. 82 [...] O regime do mundo está em poder da congregação da maior parte do mundo. O que é também sumamente verdadeiro em relação ao direito não escrito, porque o costume obriga a todos na cidade, e é dito na cidade universal o costume, mesmo que não sirva a todos e alguns o contradigam. 83 A compreensão dessa dimensão pode ser destacada sobretudo em diálogo de GENTILI com seus grandes compatriotas, BARTOLO e BALDO: sem a lição de BALDO, nem GENTILI nem tantos outros dentre os seus contemporâneos não teriam podido tentar construir. É um dos mais manifestos exemplos de continuidade real das doutrinas. 84 O mesmo sentido de combinação de continuidade histórica e de ruptura conceitual se põe em setor dos mais complexos e refratários a qualquer tentativa de regulação razoável: a guerra. 85 DRAGON, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. VI, Paris: Les Belles Lettres, 1994); Giordano BRUNO, Des fureurs héroïques (texte établi par Giovanni AQUILECCHIA, intr. et notes Miguel Angel GRANADA, trad. de Paul-Henri MICHEL, revue par Yves HERSANT, Oeuvres complètes, ed. cit., vol. VII, Paris: Les Belles Lettres, 1999). 79Depois de ter estudado filosofia, teologia e direito, em Roma e em Pádua, em 1617, VANINI foi para Paris, trabalhar como educador. Um ano depois foi preso, por ter feito conferências públicas, nas quais afirmara a sua convicção ateísta. Condenado, foi executado na fogueira, aos trinta e três anos, depois do requinte de crueldade de lhe arrancarem a língua. VANINI acreditava que Deus no mundo é uno e total; concebeu uma “filosofia natural de caráter panteísta”, na qual Deus manifestava a sua presença infinita e atemporal. Dentre outras, as suas obras: Amphitheatrum aeternae providentiae (1615) e De admirandis naturae, reginae deaque mortalium arcanis (1616). Ver por exemplo Wolfgang HILBER (Hg.), Lexikon der Philosophie (Düsseldorf: Tandem, 2009, p. 400-401). 80Alberico GENTILI, Direito de guerra (do original De jure belli libri tres, 1598, trad. Ciro MIORANZA, intr. Diego PANIZZA, Ijuí: Ed. Unijuí, 2004). 81A respeito de GENTILI, ver o Direito internacional no tempo de SUAREZ a VON MARTENS (esp. cap. XVI). 82GENTILI, Direito de guerra (1598, ed. 2004, I.I.5, p. 57-58). 83GENTILI, Direito de guerra (1598, ed. 2004, I.I.5, p. 58): “A melhor definição do direito das gentes é aquela que ocorre em XENOFONTE (livro 4). Diz que são leis universais não escritas nem dispostas pelos homens, porque nem todos puderam se reunir nem falar a mesma língua, mas sim por Deus”. 84J. MOREAU-REIBEL (op. cit., 1950, p. 541-542). 85Ver por ex. Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (cap. XI, ‘tratadistas da guerra: Balthazar AYALA e Pierino BELLI’); Alexander GILLESPIE, A History of the Laws of War (Oxford/Portland, Oregon: Hart Publ., 2011, em tres volumes: I. ‘The Customs and Laws of War with regards to Combatants and Captives’; II. ‘The Customs and Laws of War with regards to Civilians in Times of Conflict’; e III. ‘The Customs and Laws of War with regards to Arms Control’); Hew STRACHAN and Sibylle SCHEIPERS (ed. by), The changing character of war (Oxford: Univ. Press, Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 23 Dentre os elementos básicos de qualquer sistema internacional, e que exigem tentativas de regulação jurídica, se inscreve a questão da guerra e da determinação das normas para condução dos conflitos armados.86 Ao lado desta, se inscreve a questão da convicção da juridicidade das normas (opinio juris), reguladoras da convivência internacional. 87 Fenômenos como a ‘diplomacia’, ou mais singelamente, o envio e o recebimento de representantes entre entidades políticas integrantes do sistema, e a proteção da integridade física e liberdade de deslocamento destes, 88 bem como a celebração de acordos, ou ‘tratados’, são outras facetas elementares para a caracterização da ocorrência de um sistema internacional. O direito internacional existiu, no Oriente médio e no Egito, a partir de meados do segundo milênio antes de Cristo. As instituições do Oriente médio e do Egito interessaram os historiadores do direito enquanto primícias do direito internacional europeu. 89 Da mesma forma, a contribuição das pólis gregas antigas, e seus ulteriores desdobramentos no contexto helenístico, espalhado para consideráveis extensões da Eurásia, na esteira do Império de ALEXANDRE. 90 E também por suas interações e confrontações com o mundo persa. 91 Estes também são estudados como prenunciadores e formadores do futuro direito internacional europeu. Roma teve e legou direito internacional para as civilizações que a sucederam: como ensina CATALANO (1965) 92 a ideia de direito das gentes surge com o próprio gênero humano – antiquius jus gentium cum ipse genero humano proditum est, registrava o Digesto 93 – citando as lições de BOSSUET (1681, ed. 2006) 94 e de G. VICO (1725, ed. 1990). 95 2011); Keiichiro OKIMOTO, The Distinction and Relationship between Jus ad bellum and Jus in bello (Oxford/Portland, Oregon: Hart Publ., 2011). 86Como se considerou no Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (cap. XI, sobre os tratadistas da guerra). Observa R. KOLB (2010, p. 26): “Des règles relatives aux causes reconnues de guerre, au déclenchement de celle-ci, à sa conduite et à sa fin, sont indispensables dans les rapports interétatiques.” 87P. B. CASELLA, Opinio juris e a questão da materialidade emergente no direito internacional pós-moderno (Rio de Janeiro: Revista de Direito do Estado – RDE, ano 3, n. 10, abr.-jun. 2008, p. 367-386). 88Ver G. E. do NASCIMENTO E SILVA, P. B. CASELLA, Olavo BITTENCOURT NETO, Direito internacional diplomático (São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2012); Marc FUMAROLI, La diplomatie de l’esprit (Paris: Gallimard, 1998); R. P. BARSTON, Modern Diplomacy (Harlow, Essex: Pearson Education Ltd., 1st. publ. 1998, 3ª ed., 2006); Ernest SATOW (1843-1929), Diplomatic practice (edited by Sir Ivor ROBERTS, 6th. ed., 2011). 89Como se considerou no Direito internacional no tempo antigo (2012, esp. cap. III). 90Cf. Direito internacional no tempo antigo (2012, cap. V). Ver tb. Paul VEYNE, L’empire gréco-romain (Paris: Seuil, 2005): “la culture matérielle et morale de Rome est issue d’un processus d’assimilation de cette civilisation héllenique qui, de l’Afghanistan au Maroc, était la culture ‘mondiale’ du temps dans ce coin du globe.” 91Cf. Direito internacional no tempo antigo (2012, esp. cap. IV). 92Nesse sentido, Pierangelo CATALANO, Linee del sistema sovrannazionale romano (Torino: Univ. di Torino-Memorie dell’Istituto Giuridico/G. Giappichelli, serie II, memoria CXIX, 1965, p. 21): “si consideri l’origine storica dei feziali; essi non sono ne esclusivamente latini, bensì, possiamo dire, comuni ai popoli della koinè culturale etrusco-italica: sono testemoniati esistenti presso gli Albani, i Laurenti, gli Equicoli, i Falisci, gli Ardeati, i Sanniti”. Ver tb. Direito internacional no tempo antigo (2012, esp. cap. VI). 93D. 41,1,1 94Jacques-Bénigne BOSSUET, Discours sur l’histoire universelle (originalmente publicado em 1681, « textes établis et annotés » par l’Abbé VELAT et Yvonne CHAMPAILLER, Paris: Gallimard – Pleiade, © 1961, impr. 2006, pp. 657-1027, seguido de notas e variantes, pp. 1471-1524) 95Giambattista VICO, Principi d’una scienza nuova d’intorno alla commune natura delle nazioni (1725, ed. definitiva 1744, in G. VICO, Opere, a cura di A. BATTISTINI, Milano: Mondadori, 1990, 2 vols., t. I, p. 409-971 e t. II, p. 975-1229, livro II, sez. V, cap. VI, ‘De constantia jurisprudentis’, caput XXX): “il Diritto natural delle genti fu dalla divina Provvdenza ordinato tra’ popoli privatamente, il quale, nel conoscersi tra di loro, riconobbero esser loro comune”. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 24 Mas ainda parece haver quem pretenda e diga que Roma não teve direito internacional! O tempora, o mores ! Os fenômenos do direito internacional nas culturas extra-europeias, contudo, somente tem sido isoladamente considerados 96 e isso somente quando ocorra ponto de contato entre referidas tradições e as correntes europeias – tal como se deu, por exemplo, de modo muitas vezes desastroso, no contexto das incursões europeias em territórios ultramarinos e implantação de Impérios coloniais. A Índia antiga suscitou alguns estudos, de qualidade desigual, que consideram as suas instituições de direito internacional. 97 Mas, ainda aí, esses estudos interessam ao mundo europeu, em razão das conexões ancestrais, enraizadas na tradição indo-europeia: a religião desempenhou papel central na Índia antiga, ao estipular normas de conduta. Assim, a origem do direito internacional na antiga Índia hindu se reporta ao Dharma, cujo titular era o rei. A doutrina clássica que governa o estado hindu era mescla do Código de MANU e do Artashastra de KAUTILYA. 98 Tratava-se combinação do Dharma – a norma de bom comportamento (the law of righteousness) – e Arta – o direito da organização econômica e política. 99 Assim se exprime, no direito internacional vigente, a formulação de direito comum internacional. Mas, para este fenômeno ser mais adequadamente compreendido, no presente, é não somente útil, como necessário, reportá-lo ao seu surgimento passado. Como advertia Isaiah BERLIN (1969, ed. 1981): 100 Desconhecer os motivos e o contexto em que tais motivos surgiram, a escala de possibilidades, na medida em que essas possibilidades se desenrolavam perante os atores, a maior parte das quais nunca foram nem poderiam ter sido concretizadas; desconhecer o espectro da imaginação e do conhecimento humanos – de que forma o mundo e mesmo essa imaginação e esse pensamento se deparam a homens sentido, ver W. PREISER (1964), W. PREISER (1976), R. KOLB (2010). W. GREWE, Epochen der Völkerrechtsgeschichte (Baden-Baden: Nomos, 1984), dedica umas poucas páginas (p. 27-30) de sua relevante obra à consideração de ‘Frühe völkerrechtliche Ordnungen der abdendländischen Antike und der aussereuropäischen Welt’. 97K. R. R. SASTRY, Hinduism and International Law (RCADI, 1966, t. 117, p. 503-616); como tb. se considerou no Direito internacional no tempo antigo (2012), item sobre a ‘Índia antiga’, com breve exame da contribuição de KAUTILYA, tal como contida no Artashastra. Ver tb. Ved P. NANDA, International law in Ancient Hindu India (in Religion and International Law, edited by Mark W. JANIS & Carolyn EVANS, © 1999, Leiden/Boston: M. Nijhoff, 2004, p. 51-61, cit. p. 51): “India presents a rich tapestry of governing rules of international law for interstate (inter-sovereign) conduct, interwoven at various periods of its checkered history.” 98Ver o Direito internacional no tempo antigo (2012), tb. para as referências ao Código de MANU e ao Artashastra de KAUTILYA. 99Cit. Ved P. NANDA (cap. cit., 2004, p. 58): “The separation of law and religion had occurred by KAUTILYA’s time; interstate relations in India and further India were based on principles of secularism regardless of religion, race or ethnicity.” 100Isaiah BERLIN, Quatro ensaios sobre a liberdade (do original Four essays on liberty © 1969, trad. Wamberto Hudson FERREIRA, Brasília: Ed. UnB, 1981 / Col. pensamento político, vol. 39, ‘introdução’, pp. 1-41, cit. p. 17). 96Nesse Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 25 cuja visão e valores (ilusões, etc.) podemos captar, em última instância, apenas em função de nossa própria visão e dos nossos próprios valores – seria deixar de escrever história. Cabe, aqui, enfatizar a recorrência desses conceitos. E apontar a relação de cada um com a formação e o desenvolvimento de sistema institucional e normativo internacional. É útil reportar a frequência da utilização, pelos assim chamados fundadores do direito internacional de remissões ao direito romano, como parte de herança comum da tradição ocidental, e como meio de dedução de princípios norteadores, sobre a qual poderia ser deduzido o direito internacional moderno – na medida em que não contava com fontes normativas equivalentes às dos direitos nacionais –, quando da construção deste sistema. Esse fenômeno perdurou durante séculos, até os séculos XVII e XVIII. Mesmo se atualmente as referências a princípios e fórmulas romanísticas possam ser menos frequentes em relação ao tempo em que os fundadores plasmavam o que viria a ser o direito internacional moderno – e não poderiam fazer de outro modo, de maneira mais ou menos objetiva – a própria consciência jurídica internacional o faz, ainda hoje. Isso se vê, por exemplo, quando a Corte Internacional de Justiça fala em ‘princípios consolidados’ ou ‘práticas consagradas do direito internacional’. Tudo isso se dá, especialmente, sobre concepções jurídicas romanísticas, e também a jurisprudência internacional destaca, por vezes, princípios e normas do direito romano, ou por assim dizer, ‘reforça’ o enunciado de normas internacionais gerais, com menção a estes mesmos princípios e normas. Alguns dos conceitos basilares do direito foram herdados e continuam a se remeter ao direito romano. Se isso pode ser questionado em perspectiva universal, ao menos se põe, de modo incontornável, em relação ao direito ocidental. Como herança direta. 101 Este vem a ser o direito do mundo ocidental moderno: 102 Curiosamente, o pensamento do século XVI nos é muito mais familiar do que o de séculos anteriores. Mas este, mais do que a originalidade e a inovação, combina, ao mesmo tempo, a persistência da tradição nominalista, com o retorno – o retorno às fontes bíblicas, por parte da Reforma; o retorno às fontes antigas, gregas e latinas, pelo movimento humanista: “menos novidades do que a história de renascimento de velhas ideias. Mas, estas, transplantadas em novo terreno, fizeram as velhas raízes produzirem frutos inéditos”. Mesmo se ainda pode parecer incipiente o papel desempenhado pelos BRICS no mundo atual, cabe esperar que este se faça norteado segundo critérios de universalidade e de convicção da universalidade da condição humana, além da divisão em povos e reinos. Isso pode ser inovador, em relação ao contexto moderno tardio e clássico do direito internacional, mas justamente resgata a dimensão de humanidade e de sentido, ver, Direito internacional no tempo medieval e moderno até VITORIA (especificamente no topico, ‘caminhos da instauração medieval’), bem como o conjunto do tomo precedente, Direito internacional no tempo antigo. Giambattista VICO, nos seus princípios de uma ciência nova, Principi d’una scienza nuova d’intorno alla commune natura delle nazioni (1725) aponta a passagem do que ele chama de ‘sociedades primitivas’, onde o direito, nos antigos relatos de costumes, que chegaram até nós, se vê envolto em poesia, enquanto o direito ‘racionalista’ somente seria elaborado mais tarde, em Roma. Não por acaso, Ernst H. KANTOROWICZ, em seu estudo, La royauté médiévale sous l’impact d’une conception scientifique du droit (Paris : Philosophie – revue trimestrielle, n. 20, automne 1988, pp. 48-72), coloca o « direito científico, ou seja o direito romano » como a base para a assim chamada renascença do século XII. 102Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne (Paris: PUF, 2003, chap. IV, Les principes du droit romain, pp. 100-106, referido mais adiante, e a seguir, p. 277): “Moins de nouveautés que l’histoire d’une renaissance de vieilles idées. Mais, transplantées sur une terre nouvelle, ces vieilles racines vont y produire des fruits inédits”. 101Nesse Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 26 universalidade, legada pelos juristas romanos, que perpassa a história do direito internacional, na primeira fase da era moderna, e que se vai buscar retomar, no presente contexto pós-moderno. E como pode essa ideia de direito comum (jus commune), compartilhado, se refletir no direito internacional (jus gentium)? E como pode ser conciliado, na medida em que de direito europeu (jus europaeum), como se pautou no período dito clássico, pretenda alçar-se a condição de direito de vocação verdadeiramente universal? A explicitação dessa base conceitual e metodológica é fundamental para a compreensão da ‘natureza’ e do papel que tem a desempenhar o direito internacional. Isso está inscrito na sua própria história. São Paulo, Arcadas, 17 de setembro de 2012 Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 27 CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO Normas para Apresentação Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012 28 CADERNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ESTUDOS E DOCUMENTOS DE TRABALHO Normas para Apresentação A apresentação do artigo para publicação nos Cadernos de Pós-Graduação em Direito deverá obedecer as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) ● Titulo: Centralizado, em caixa alta. Deverá ser elaborado de maneira clara, juntamente com a versão em inglês. Se tratar de trabalho apresentado em evento, indicar o local e data de realização. ● Identificação dos Autores: Indicar o nome completo do(s) autor(res) alinhado a direita. A titulação acadêmica, Instituição a que pertence deverá ser colocado no rodapé. ● Resumo e Abstract: Elemento obrigatório, constituído de uma seqüência de frases concisas e objetivas e não de uma simples enumeração de tópicos, não ultrapassando 250 palavras. Deve ser apresentado em português e em inglês. Para redação dos resumos devem ser observadas as recomendações da ABNT NBR 6028/maio 1990. ● Palavras-chave: Devem ser apresentados logo abaixo do resumo, sendo no máximo 5 (cinco), no idioma do artigo apresentado e em inglês. As palavras-chave devem ser constituídas de palavras representativas do conteúdo do trabalho. (ABNT - NBR 6022/maio 2003). As palavras-chave e key words, enviados pelos autores deverão ser redigidos em linguagem natural, tendo posteriormente sua terminologia adaptada para a linguagem estruturada de um thesaurus, sem, contudo, sofrer alterações no conteúdo dos artigos. ● Texto: a estrutura formal deverá obedecer a uma seqüência: Introdução, Desenvolvimento e Conclusão. ● Referências Bibliográficas - ABNT – NBR 6023/ago. 2000. Todas as obras citadas no texto devem obrigatoriamente figurar nas referências bibliográficas. São considerados elementos essenciais à identificação de um documento: autor, título, local, editora e data de publicação. Indicar a paginação inicial e final, quando se tratar de artigo de periódicos, capítulos de livros ou partes de um documento. Deverão ser apresentadas ao final do texto, em ordem alfabética pelo sobrenome do autor. ● Citações: devem ser indicadas no texto por sistema numérico, obedecendo a ABNT - NBR 10520/ago. 2002. As citações diretas, no texto, de até 3 linhas, devem estar contidas entre aspas duplas. As citações diretas, no texto, com mais de três linhas devem ser destacadas com recuo de 4 cm da margem esquerda, com letra menor que a do texto utilizado e sem aspas. Cadernos de Pós-Graduação em Direito, Comissão de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, n. 12, 2012