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Território, territorialização e violência nos bairros de Guamá e terra firme em Belém-PA.
DOI: 10.17552/2358-7040/bag.v3n5p198-219
Lorena de Lima Sanches SANTANA
TERRITÓRIO, TERRITORIALIZAÇÃO E VIOLÊNCIA NOS BAIRROS DE
GUAMÁ E TERRA FIRME EM BELÉM-PA.
Lorena de Lima Sanches SANTANA1
Resumo
Este artigo tem como intuito tratar o conceito de território, além de buscar entender a
violência presente nos bairros de Guamá e Terra Firme, buscando analisar se os territórios
criados nesses bairros estão ligados ao crescimento nos indicadores de violência das duas
áreas pesquisadas.
Palavras-Chave: Território; Poder; Violência.
TERRITORY, TERRITORIALIZATION AND VIOLENCE IN NEIGHBORHOODS
OF GUAMÁ AND TERRA FIRME IN BELÉM-PA
Abstract
This article purpose is to deal the concept of territory, it also intends to understand the
violence’s area present in Guamá and Terra Firme, neighborhoods it aims analyze whether the
territories created in these neighborhoods are linked to the growth in indicators of violence the
two areas researched.
Key-words: Territory; Power; Violence.
LA ZONE, LA FORMATION DES ZONES DANGEREUSES DANS LES
QUARTIERS GUAMÁ ET TERRA FIRME À BELÉM-PA
Résumé
Cet article est destiné à traiter le concept de zone et de comprendre les domaines où la
violence est présent dans les quartiers Guamá et Terra Firme, en essayant d'analyser si les
zones créés dans ces quartiers sont liées à la croissance des indicateurs de la violence dans ces
deux zones interrogées.
Mots-clés: Territoire; Pouvoir; Violence.
INTRODUÇÃO
Há um crescente aumento da violência nos espaços urbanos. Hoje, a insegurança e o
medo de se tornar vítima de atos violentos é uma realidade nacional, e, para entender tais
questões, é importante perceber o espaço urbano como “simultaneamente fragmentado e
articulado” (CORRÊA, 1995, p. 7), ou seja, entender que dentro da escala de uma cidade, ou
até mesmo de um bairro, coexistem diversos atores sociais que disputam o território afim de
nele imprimirem suas relações de poder.
Na cidade de Belém, podemos perceber o aumento significativo das taxas criminais,
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGEO) da Universidade Federal do Pará (UFPA), e
bolsista CAPES. Email: [email protected]
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entre elas o homicídio que atualmente é uma das grandes preocupações da segurança pública,
não somente do estado do Pará, mas também do Brasil como um todo. Em Belém, os bairros
Guamá e Terra Firme, além de serem áreas historicamente periféricas da cidade, são sempre
citados desde o senso comum até a esfera pública no que tange a violência. Guamá é o bairro
da capital belenense que mais sofreu aumento nos índices de violência, tanto que hoje
desponta como um local onde essa tipologia se destaca de acordo com dados do sistema de
análise da informação criminal da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Pará, (SIACSEGUP-PA) do ano de 2014. De acordo com dados do instituto Sangari (2012), Belém
aparece em segundo lugar no ranking das capitais brasileiras que mais sofreram variação nas
taxas de homicídio no período de 2000 a 2010. Portanto, há a necessidade de compreender
que existem fatores que levam ao aumento vertiginoso dos homicídios.
Neste artigo, em especial, daremos ênfase às questões referentes ao território. Assim
como às dinâmicas territoriais do cotidiano e da violência presentes nos dois bairros
pesquisados Guamá e Terra Firme. Será iniciado, ainda, um debate sobre ordenamento
territorial buscando entender que tipo de estruturação é empregada, e, se isso corrobora ou
não para os altos índices de violência e marginalização social na cidade de Belém, com foco
nesses dois bairros trabalhados. Para iniciar essa discussão, é importante frisar que, o conceito
de território se fez fundamental para identificar as relações e as disputas de poder vivenciadas
nessas áreas.
A metodologia deste artigo consistiu, primeiramente, em um levantamento
bibliográfico sobre o conceito de território e violência; segundo, se obteve o levantamento
documental das áreas pesquisadas através de organismos governamentais e não
governamentais como (SEGUP-PA, SEPOF, Prefeitura de Belém, Jornais etc.). No terceiro
momento, foram realizados trabalhos de campo ( em outubro de 2015 e abril de 2016) com o
intuito de entrevistar grupos focais nos bairros.Para este trabalho serão mantidas em foco as
entrevistas realizadas com líderes comunitários das duas áreas. Em todos esses passos,teve-se
como objetivo, a compreensãodo território e as dinâmicas de violência nos bairros Guamá e
Terra Firme, além de buscar entender como as relações de poder e violência interferem na
dinâmica espacial dos bairros pesquisados.
Ressalta-se, que, este artigo é fruto de algumas inquietações abordadas pela autora em
seu Trabalho de Conclusão de Curso, as quais continuam com a importância de serem
compreendidas ainda na pós-graduação (mestrado) da autora.
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1. LOCALIZAÇÃO DA PESQUISA: OS BAIRROS GUAMÁ E TERRA FIRME
Atualmente, tratar da temática violência no contexto das grandes metrópoles, é algo
fundamental, visto que a violência se mostra de diversas formas e está presente no cotidiano
de grande parte da população dos grandes centros urbanos. Por isso, é inegável pensarmos que
o fator urbanização e, consequentemente, a periferização, tenham influências nas dinâmicas
territoriais das cidades. Dentro do espaço urbano, diversos fatores podem contribuir para o
aumento da violência como: exclusão social, pobreza, favelização que se apresentam
intensamente em áreas periféricas, desvalorizadas e deixadas em segundo plano pelo poder
público,tornando-se, assim, ambientes propícios para a difusão e o estabelecimento da
criminalidade.
O lócus desta pesquisa corresponde aos bairros Guamá e Terra Firme, dois bairros
periféricos da cidade de Belém que há tempos sofrem com uma espécie de precarização
socioespacial e com rotulações negativas. Mas antes, é importante trazer algumas informações
pertinentes acerca da geografia dessas áreas. Os bairros Guamá e Terra Firme se localizam na
porção sul do município de Belém, próximos ao rio Guamá. Ambos fazem parte do Distrito
Administrativo do Guamá (DAGUA), sendo este o oitavo distrito administrativo de Belém,
abrangendo os bairros: Montese (Terra Firme), Condor e parte dos bairros Jurunas, Batista
Campos, Cidade Velha, Cremação, Guamá, Canudos, São Brás, Marco e Curió-Utinga. O
bairro Guamá ainda faz parte do Distrito Administrativo de Belém (DABEL), que abrange os
seguintes bairros: Reduto, Campina, Nazaré e parte dos bairros do Marco, Umarizal, São
Brás, Guamá, Cremação, Batista Campos, Cidade Velha, Jurunas e Canudos.
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Mapa 1: Localização dos bairros Guamá e Terra Firme.
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Fonte: IBGE, 2010.
Segundo o anuário estatístico do município de Belém (2012), a partir do censo
demográfico do IBGE (2010), a população total desses dois bairros é de 156.049 habitantes,
sendo o bairro Guamá o mais populoso com 94.610, já Terra Firme possui 61.439 habitantes.
Em relação à caracterização do território, Guamá possui uma área de 4,17 Km² e Terra Firme
2,43 Km² (IBGE, 2010).
2. CONCEITUAÇÕES DE TERRITÓRIO E PODER
Neste capítulo, em especial, dar-se-á ênfase às questões referentes ao território. Assim
como, às dinâmicas territoriais do cotidiano e da violência presentes nos dois bairros
pesquisados, iniciando, ainda, um debate sobre ordenamento territorial, em que se busca
entender que tipo de ordenamento é empregado e se isso corrobora ou não para os altos
índices de violência e marginalização social na cidade de Belém; tendo como foco, os bairros
trabalhados: Guamá e Terra Firme. Para se iniciar essa discussão, é importante frisar que, o
conceito de território se fez fundamental para a identificação das relações e disputas de poder
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vivenciadas nessas áreas. Então, se faz mister questionar: O que é território? O território
possui – mais que um conceito eminentemente geográfico –,uma escala bastante ampla de
aceitação, desde o senso comum, encarado como “grande extensão de terra”, até a esfera de
estado-nação, sendo bastante privilegiado por este (SOUZA, 2013). Como afirma Saquet
(2007.p.30): “[...] A natureza e o Estado assumem centralidade em sua argumentação e
compreensão do conceito de território”. O território também é conceitualizado pelas ciências
naturais como, a Biologia, onde a concepção de território “[...] Era entendida como área de
proteção de animais” (SAQUET, 2007. p. 30). Portanto, várias áreas do conhecimento
buscam, ao longo dos anos, conceituar o território.
Na Geografia, tal conceito ganha destaque, principalmente com a consolidação da
Geografia crítica, onde se privilegiam as ações socioespaciais, principalmente as relações de
poder, que, posteriormente, serão trabalhadas neste capítulo. Em relação ao território que será
trabalhado nesta pesquisa, coaduna-se com os estudos de Souza (2000; 2013) e Raffestin
(1999), onde o território é eminentemente político. Pois, de acordo com Souza (2013, p. 88):
Mais uma vez: o que “define” o território é, em primeiríssimo lugar, o poder. Ou,
em outras palavras, o que determina o “perfil” do conceito é a dimensão política das
relações sociais, compreendendo essa dimenção no sentido amplo de o político (le
politique, das politische) e não no sentindo de a política (la politique, die politik)
(SOUZA, 2013, p. 88).
Ainda afirma Freund (apud HAESBAERT, 2012, p. 63):
A atividade política se define, em primeiro lugar, pelo fato de se desenrolar no
interior de um território delimitado. [...]As fronteiras [...] podem ser variáveis;
entretanto, sem a existência de um território que particularize o agrupamento, não se
poderia falar em política. [...]Pode-se, pois, definir a política como a atividade que
reivindica, para a autoridade instalada em um território, o direito de domínio, que é a
manifestação concreta e empírica do poderio. [...] Esse poderio e esse domínio,
segundo Max Weber, só se tornam políticos quando a vontade se orienta
significativamente em função de um fim, que só tem sentido pela existência desse
grupamento.
Portanto, as análises políticas e geográficas andam lado a lado. Em se tratando de
território, contudo, não se pode delimitá-lo como sendo unicamente político; fazer isso seria
simplificar o seu aporte teórico, podendo, inclusive, o território ter como pano de fundo as
relações econômicas e culturais. Todavia, por se tratar de um único conceito, deve-se ter a
preocupação em não sobrecarregá-lo. Outro ponto importante de lembrar é, que, mesmo o
território aqui trabalhado tendo uma carga conceitual política muito forte, isso não limita a
análise da pesquisa sob uma visão estadista; pelo contrário, entende-se que o território, assim
como o poder – são amplos e diversos –, não podendo nunca serem reduzidos como
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sinônimos do Estado, fazer isso seria um erro que, de sobremaneira, empobreceria esta
pesquisa.
Com essa importância substancial da política e, mais ainda, do poder para conceituar
território, cabe aqui, trazer alguns autores que contribuem bastante com essa temática onde o
termo poder está diretamente relacionado à “dominação, violência, autoridade e competência”
(MALUSCHKE apud SOUZA, 2013, p. 79). Contudo, essa não é uma visão homogênea
dentro dos estudos relacionados à temática. Autores como Arendt (1983) discordam
veementemente da relação simplista entre poder e violência.
Hannah Arendt, ao contrário de Günter Maluschke, lamentava que o poder fosse tão
frequentemente confundido com violência, força, vigor ou qualquer outra forma de
dominação; buscava ampliar a ideia de poder e libertá-lo da confusão com a violência e da
restrição à dominação (SOUZA, 2000; 2013). Por isso, a autora diferencia poder como um
potencial social, não como uma entidade imutável, que surge quando os homens agem em
coletividade, desaparecendo, assim, quando eles se separam; além de deixar claro, que, poder,
não é qualidade de um indivíduo e só existe enquanto o grupo permanece unido. Portanto, o
poder só existe por intermédio da relação em sociedade e só é realizável enquanto há coesão
social. Muitas vezes, poder, é relacionado erroneamente com a violência, contudo, na visão da
autora eles se opõem. Onde um domina o outro se ausenta (SOUZA apud ARENT, 1983).
Para Arendt (apud, HSIAO, 2003 p. 7) o poder efetiva-se: [...] “Enquanto a palavra e o ato
não se divorciam, quando as palavras não são empregadas para revelar intenções, mas para
revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e
novas realidades”.
Além de abordar teoricamente o poder, a autora também faz grandes contribuições ao
diferenciar ainda força, vigor e autoridade. Então, para ela, a força seria uma espécie de
“energia liberada através de movimentos físicos ou sociais”, é a qualidade natural de um
indivíduo isolado. Já o vigor, de acordo com a autora, é uma propriedade individual, singular,
que pertence ao caráter do indivíduo ou do objeto que o possua, tendo assim uma
independência, diferentemente do poder que é obtido por meio da coletividade. Ainda nas
diferenciações feitas por Hannah Arendt, a autora também trata do conceito de autoridade que
significa “o reconhecimento inquestionável por aqueles a quem se pede que obedeçam; nem a
coerção nem a persuasão são necessárias” (ARENDT apud HSIAO, 2003, p.7).
Michel Foucault traz pontos interessantes em sua perspectiva de poder. Para ele, o
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poder não é adquirido, mas sim, exercido, além das relações de poder não estarem
desvinculadas das relações econômicas e sociais, mas fazerem parte dela. E, o mais
importante, “onde há poder há resistência” (FOUCAULT apud RAFFESTIN, 1999;
HAESBAERT, 2012), além de se diferenciar da visão de acordo social de Arendt, Michel
Foucault ainda distingue três grandes mecanismos de poder: o legal (dominante no período
medieval); o disciplinar (nas sociedades modernas) e o de segurança presente na
contemporaneidade – apesar da divisão, os três estão presentes no período atual
(HAESBAERT, 2014). Sobre isso, Foucault (apud HAESBAERT, 2014, p. 164) comenta: “A
soberania se exerce nos limites de um território, a disciplina se exerce sobre o corpo dos
indivíduos e, enfim, a segurança se exerce sobre um conjunto de uma população”.
Então, diferentemente de Hannah Arendt, Michel Foucault, além de outros pensadores
anarquistas clássicos, criaram uma espécie de demonização do termo poder.No entanto,
Michel Foucault enfatiza o poder opressor, mesmo ao afirmar que o conceito precisa ser
libertado de sua carga negativa. Foucault (1994), ainda entende o poder por trás da disciplina
e eficiência (SOUZA, 2013). Para ele “o próprio corpo é uma relação de poder”
(FOUCAULT, 2011b, p. 27). Sobre o tema, o autor ainda afirma:
Logo, só poderia ser no máximo e, só pretende ser no máximo, um início de teoria,
não do que é o poder, mas do poder, contanto que se admita que o poder não seja,
justamente, uma substância, um fluido, algo que decorreria disto ou daquilo, mas,
simplesmente, na medida em que se admita que o poder é um conjunto de
mecanismos e procedimentos que tem como papel ou função, e tema-se manter –
mesmo que não o consigam – justamente o poder. É um conjunto de procedimentos,
e é assim, e somente assim, que se poderia entender que a análise dos mecanismos
de poder dá início a algo como uma teoria do poder. (FOUCAULT, 2008a, p.4)
Portanto, para o autor, os mecanismos de poder são mais que restritos à participação
do Estado, por exemplo, é parte intrínseca de todas as relações, sejam elas as de produção,
familiares ou sexuais, uma vez que, de acordo com ele “o poder não se funda em si mesmo e
não se dá a partir de si mesmo” (FOUCAULT, 2008a, p. 4).
Após essa breve conceituação de poder, se retomará a temática do território, na qual a
autora se debruçou mais densamente. Este debate será iniciado a partir da visão de Milton
Santos sobre o território, onde o território é formado a partir de dois vieses. O primeiro é
tratado como recurso, prerrogativa dos atores hegemônicos, já a segunda, entende o território
como abrigo para os atores hegemonizados (HAESBAERT, 2014). Nesse sentido, é pensado
que, mesmo a visão miltonsantiana sendo importante nos estudos geográficos, ela aparece
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bastante limitada, haja vista que se acaba deixando o território e, consequentemente, a
territorialização nas mãos dos atores hegemônicos, o que se mostra errôneo na vivência em
sociedade.
Exemplifica-se tal pensamento a partir de um ator social específico: O traficante de
varejo. Nesse sentido, não se consegue enquadrá-lo em nenhuma das situações, já que ele não
é meramente hegemonizado, pois, com o território ele exerce poder, influência e lucro, além
de outras relações sociais e simbólicas naquela dada área de vivência e/ou da venda de drogas.
Assim como, não se compreende este como hegemonizador, o que busca recursos, uma vez
que, apesar de sua influência ser, em muitos casos, como o Rio de Janeiro e em São Paulo,
muito grande, mesmo assim tais atores não estão presentes –pelo menos não na maioria das
vezes–, nas decisões urbanas iniciadas pelo Estado ou por outros agentes hegemônicos dentro
da cidade;além de viver no território, tendo, assim, a visão de abrigo. De acordo com o ponto
de vista da autora, nessa visão miltonsantiana inspirada em Gotman (1973), há, ao mesmo
tempo, a intencionalidade do abrigo e do recurso. Nesse sentido, coaduna-se com as reflexões
de Souza (2000,p.86) que trata o território como:
Um campo de forças, uma teia ou rede de relações sociais que, a par de sua
complexidade interna define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade: a
diferença entre nós (o grupo, os membros da coletividade ou “comunidade”, os
insiders) e os “outros” (os de fora, os estranhos, os outsiders).
Sobre campo de forças e teia de relações, um geógrafo que se destaca é Claude
Raffestin. Para ele, o território é “espaço político por excelência, campo de ação de trunfos”
(RAFFESTIN,1999), mas antes de adentrar às concepções do autor sobre território, é
importante frisar que o autor diferencia espaço de território. Onde o espaço é anterior ao
território, sendo o segundo formado a partir do primeiro, e essa ação só ocorre “quando um
ator territorializa o espaço”. Então, em Raffestin (1999) diferentemente de outros autores,
Souza (2000; 2013) diz que, o espaço é dado como se fosse uma matéria-prima, um suporte,
assim como o tempo, preexistente em qualquer ação, podendo, assim, o espaço vir a ser um
“trunfo”e o território “o campo de ação desses trunfos”. Portanto, para Raffestin (1999, p. 2):
O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e
informação, e que, por consequência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a
“prisão original”, o território é a prisão que os homens controem para si.
Enquanto relação social, uma das características mais marcantes no território, é a sua
historicidade, pois o território é nada mais que “o espaço socialmente produzido e apropriado
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dotado de significado”, entretanto, mesmo levando em consideração tais relações, o autor não
deixa de citar a importância política desse conceito. Na verdade, o autor em questão, prioriza
as dimenções políticas do território através do poder, indo a fundo nessa perspectiva, visto
que, para ele “as noçõesde poder são suficientemente amplas para incluir também a própria
natureza econômica e simbólica do poder” (HAESBAERT, 2012, p.84).
Outro ponto fundamental em Raffestin (1999), nesse enfoque de poder, é que o autor
não restringe às dimensões políticas ao papel do Estado; para isso, ele diferencia o Poder de
poder. O primeiro, ligado às instituições formais e legais, como o Estado, onde é garantida a
sujeição dos cidadãos, e, que, muitas vezes acaba sendo confundida com o próprio Estado.
Normalmente é mais fácil de identificar, uma vez que atua sobre os aparelhos que controlam a
população, dominam seus recursos e agem sobre o território. Já o segundo, se esconde por trás
“do Poder nome próprio”; é o poder que se estabelece dentro das relações, portanto, invisível,
que “mesmo não englobando tudo, vem de todos os lugares” o poder faz parte de todas as
relações, é um processo de troca, de comunicação, podendo os polos dessa relação,
coadunarem ou entrarem em conflito (RAFFESTIN, 1999).
Além de Raffestin, outro autor que quebra com a visão de território, de ser unicamente
ligado ao Estado, é Souza (2000, p. 81), uma vez que, para ele “territórios são construídos e
(desconstruídos) nas mais diversas escalas da mais acanhada (ex. rua) a internacional”. Esse
mesmo autor (2000; 2013), formula o conceito de território em duas etapas. A primeira
aproximação caracteriza o território como sendo, um “espaço definido e delimitado, por, e a
partir de relações de poder”. Como ele mesmo afirma: essa conceituação, apesar de sintética,
já contém todo o conteúdo essencial ao entedimento de território, contudo, ele trás uma
segunda aproximação, sendo o território “relações de poder espacialmente delimitadas e
operando, destarde, sobre um subtrato referencial”. Souza (2013) ainda afirma que, a segunda
aproximação é importante para deixar claro, que, mesmo a materialidade do espaço sendo
fundamental para que o território se forme, este é, antes de mais nada, uma relação social
(SOUZA, 2000; 2013).
Nessa relação entre Poder, Estado e Território, o território acabou sendo, por muito
tempo, e ainda, é, o aparelho sobre o qual o Estado exerce ou busca exercer sua autonomia.
Em princípio, local de ações e planejamentos estatais, desde ações de delimitação de áreas
com a criação de fronteiras, até a tentativa de reordenamento do território. Autores como
Camargo (2009), Haesbaert (2014) e Souza (2012), trazem ferrenhas críticas ao
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desenvolvimento territorial feito pelo Estado, em que, na maioria das vezes, considera muito
mais o capital em forma dos atores hegemônicos nas cidades, do que as populações mais
carentes. Sobre isso Camargo (2009. p.1) comenta:
Abraçamos, assim, uma só verdade, inseridos em um modelo único e global de
política econômica que suplanta os interesses das nações, pois, ao se desenvolverem
laços de integração dos territórios nacionais com grandes organizações
transnacionais, não se escuta o pedido popular, mas, sim, o desejo do capital.
Portanto, ordenação, acaba tomando como significado a busca pelo progresso
(CAMARGO,2009), assim como,progressão, acaba sendo sinônimo de desenvolvimento
econômico (SOUZA,2012). Tornando então o ordenamento feito pelo Estado, como
“ordenamento burguês”. Assim, a produção do espaço urbano exercida pelo Estado:
[...] Tendeu-se a ser reduzida a uma “produção capitalista da cidade”, enfatizando-se
a produção de disparidades socioespaciais à luz da espacialização da produção.
Assim como, da reprodução capitalista e do papel do Estado como planejador e
provedor de infraestrutura em detrimento da construção (inter) subjetiva do espaço
urbano e das micro políticas e micro estratégias “infra políticas” ou “não políticas”
de resistência; em detrimento das identidades, da cultura da bairrofilia (SOUZA,
apud, 2012).
Percebe-se, assim, que com a pouca presença do Estado em determinadas áreas da
cidade – que se diga, intencional –, há o incentivo da criação de territórios de determinados
grupos, como é o caso da territorialização2 da violência urbana ilegal, representado pelos
traficantes de varejo, milícias paraestatais e segurança privada, que disputam o poder entre si
e entre o próprio Estado. Caso não diferente nos bairros do Guamá e Terra Firme, ambos
bairros periféricos da cidade de Belém.
3. TERRITÓRIOS, VIOLÊNCIA URBANA E HOMICÍDIOS NOS BAIRROS
GUAMÁ E TERRA FIRME
A violência urbana está diretamente relacionada com uma urbanização desigual e
segregadora que exclui, econômica e socialmente, a parcela da população da cidade com
menor poder aquisitivo. Em Belém, boa parcela dessa população pobre habita nas áreas
periféricas por diversos motivos, dentre eles,por serem espaços mais baratos para se viver, o
que facilita a vida de quem precisa se locomover para o centro da cidade em busca de
trabalho, estudo, entre outros serviços.
Mais que áreas baratas, as periferias urbanas também são zonas mais propícias para o
2
De acordo com Souza (2013d. p.33):“Assim como não há um único tipo de poder, tampouco há um único tipo
de território”.
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estabelecimento do crime organizado, principalmente o tráfico de drogas. Os motivos para
isso vão, desde a baixa presença do Estado, seja em infraestrutura, ou mesmo a baixa
participação com órgãos públicos importantes como escolas, hospitais, delegacias, entre
outros, favorecendo as peculiaridades como a ilegalidade (CHAGAS, 2013). Uma vez, que,
normalmente, periferias são áreas onde, o principal modelador do espaço urbano, foram as
populações socialmente excluídas (CORRÊA, 1999); muitas das ruas dessas áreas são vielas,
o que dificulta, por exemplo, a entrada de carros da polícia.
Para entender a violência, e, consequentemente, sua territorialidade, é importante
pensar a relação que o espaço urbano tem com a mesma. Nesse sentido, o espaço urbano se
caracteriza como excludente, facilitando a territorialização de espaços, onde, a criminalidade
encontra mecanismos para se estabelecer e, ali, criar suas relações de poder. Uma dessas
causas ocorre quando o poder público se ausenta, criando zonas onde a ilegalidade que acaba
por comandar, não apenas os espaços físicos, onde há venda de drogas ou outras atividades
ilícitas, mas, sim, todo o conjunto social que ali habita; fazendo com que a população se sinta
ameaçada, até o ponto de, muitas vezes, evitar passar por certos locais, ou ainda, estabelece
horários para sair de suas casas, com medo de sofrerem algum tipo de violência, sobretudo, a
violência física. Sobre esse assunto, um dos nossos entrevistados, que é líder comunitário no
bairro Terra Firme, comenta:
O horário que eles costumam agir é das cinco às seis da manhã, de meio-dia até uma
da tarde, né!? E à, noite depois das nove, é o pique onde eles conseguem. Teve uns
que até me disseram o porquê que eles agem nesses intermédios; porque é nesse
intermédio que ‘tão’ fazendo a troca de guarnição. Então, o policial, ‘por exempro’,
ele não tá preocupado em prender a pessoa. Por quê? Porque ele já vai entregar o seu
posto, então ele já vai trocar o seu posto nessa medida em que ele vai fazer essa
troca. Entendeu? Se ele for pra delegacia com essa pessoa registrar queixa, então ele
vai passar do horário dele, aí ele prefere nem abordar ou nem pegar, ele passa logo
direto...Então, quer dizer, é um meio de fuga pra eles mesmos, o qual eles já ‘tão’
sabendo disso. Né!?
É importante pensar que, a violência é um recorte do território, o qual é palco das
variáveis sociais (pobreza, desigualdade etc.), além de estarem vinculados valores culturais,
socioeconômicos e políticos. Assim, a violência pode ser apontada como resultado dessa
relação, além de pensar que o poder modifica o território (CHAGAS, 2013).
Embora a criminalidade esteja diretamente ligada ao sentimento de insegurança da
população, perante a vivência nas cidades, é inegável pensar que ela não se distribui
homogeneamente por todo o território, sobretudo, o homicídio que aparece mais
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enfaticamente nas regiões periféricas da cidade. Em Belém, de acordo com os estudos de
Waiselfisz (2013), houve um incremento significativo no número de homicídios, com uma
taxa de 40,9 homicídios por 100.000 habitantes, ocupando, assim, a 15ª posição no ranking do
número de homicídios, por 100.000 habitantes, dentre as capitais brasileiras no ano de
2011.Número que aumentou drasticamente, se comparado ao ano de 1999, onde Belém
ocupava a 22ª posição com 15,1 homicídios por 100.000 habitantes.
Nesse sentido, além dos diversos ônus vivenciados pela falta de estruturação urbana
nesses locais, a população ainda sofre com a territorialização de agentes sociais, legais e
ilegais, que corroboram para o aumento da violência, o que acaba por inserir a violência no
cotidiano dessas pessoas que passam a conviver cada vez mais com a criminalidade violenta,
ou seja, a população acaba sendo vítima de assaltos, ameaças, por parte da polícia ou até
mesmo de traficantes; além da estigmatização por parte dos que não moram nessas áreas
periféricas.
Portanto, o território como categoria eminentemente geográfica, é fundamental para
entender as dinâmicas territoriais de violência presentes nesses dois bairros. Pois, o território,
tal como o poder, é palco de dominação e conflito de interesses, e, jamais, pode ser diminuído
ao sinônimo de Estado (SILVA, 2009). Sendo ele “um campo de forças, uma teia, ou rede de
relações sociais” (SOUZA, 2000. p.86), onde grande parte dos territórios tende a ser fixos,
mas isso pode variar (most territories tend to be fixed in geographical space, but some can
move)3 (SACK apud SOUZA 2000, p. 88). Nesse sentido, os territórios onde a violência
urbana se faz presente, variam de acordo com o espaço-tempo, onde eles se
inserem,juntamente, às peculiaridades, como a ilegalidade (CHAGAS,2013), ocasionando a
migração do crime, como ocorreu no bairro Terra Firme,entre outros bairros de Belém, como
o Guamá; sobretudo, no que tange aos homicídios, essa é uma das hipóteses para a
diminuição nos percentuais de crimes no bairro Terra Firme durante os anos analizados na
pesquisa.
Portanto, a territorialização da violência urbana se dá por um conjunto de fatores, entre
eles: A disputa de poder entre o Estado – por meio da segurança pública –, e os criminosos
locais: traficantes de varejo, ladrões, usuários etc. Ocorrem acertos de contas, em que,
geralmente, o traficante mata ou manda matar pessoas endividadas com o tráfico, além dos
decorrentes conflitosde disputas para a dominação de determinada área da cidade, assim
3
“Muitos territórios tendem a se fixarem em espaços geográficos, mas alguns podem ser móveis.”
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como, os crimes passionais que, normalmente, não são tratados como “violência urbana”,mas
que detêm um número significativo de vítimas (em se tratando de homicídio).
Portanto, analisar os territórios nos quais a violência se insere, como nos bairros
Guamá e Terra Firme, é muito mais complexo que meramente atribuir o fator “pobreza” como
causa primeira para o estabelecimento da criminalidade. É preciso ir além, no sentido de
compreender as relações sociais e de poder, vivenciadas por todo o conjunto social, seja a
própria população dos bairros, ou as pessoas ligadas direta ou indiretamente ao
estabelecimento de poderes ilegais.
Como se observou no segundo capítulo deste artigo, o território, assim como o poder,
não se restringe ao poder formal do Estado (RAFFESTIN, 1999). Contudo, é importante
mostrar de que forma o Estado atua enquanto agente territorializador, e, que, tem como
intuito, controlar a violência. O primeiro, e, mais fácil de identificar e delimitar, é o território
legal, formado pelo Estado através do Conselho Estadual de Segurança Pública do Estado do
Pará (CONSEP), que, com a resolução n° 185/12, aprova a delimitação circunscricional das
Regiões Integradas de Segurança Pública e Defesa Social (RISP), que vem com o intuito de
aprimorar as políticas públicas de segurança, a fim de integrar o planejamento, coordenação e
controle, fiscalização e execução de atividades operacionais dos órgãos do sistema estadual:
Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Defesa Social(SEGUP-PA,2012).
Como aponta o documento Aditamento ao BG Nº066 de 9 de Abril de 2012, a
segurança pública percebe a necessidade de se obter maior eficácia e efetividade no emprego
dos órgãos do sistema, trabalhando, assim, de maneira integrada com uma relação direta das
polícias, militares e civis, além do corpo de bombeiros e outras entidades do setor de
segurança governamental. Tudo isso na tentativa de garantir a segurança da população, da
capital e do interior do estado do Pará, que contou com uma reorganização do Sistema
Estadual de Segurança Pública e Defesa Social (SIEDS), e uma reestruturação da Secretaria
de Estado e Segurança Pública e Defesa Social (SEGUP) promovendo, assim, as Regiões
Integradas de Segurança Pública (RISPs), (SEGUP-PA,2012).
As Regiões Integradas de Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Pará são
novas formas que o governo do estado criou, em busca de obter maior controle de seu
território; além de uma maior articulação regional em níveis estratégicos, táticos e
operacionais. No total foram criadas quinze RISPs em todo o estado. A primeira é a que
corresponde à capital do estado, Belém, além dos seus distritos e ilhas.
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Na primeira RISP, os órgãos que atuam na Polícia Militar são: 1º, 2º,10º e 20º
batalhões, onde, o último, inclui os bairros Guamá e Terra Firme, e, também, a segunda
companhia independente da polícia militar. Já os órgãos envolvidos na polícia civil, contam
com onze seccionais urbanas, sendo a última localizada no bairro Guamá. Ainda, as unidades
de polícia, Unidade Integrada Pro Paz (UIPP) localizada no bairro da Terra Firme, unidade de
crime contra o patrimônio, unidade de polícia do aeroporto e as unidades policiais em
hospitais, assim como, a unidade do hospital e pronto-socorro Humberto Maradei, do Guamá,
e, por fim, tem-se o grupamento do corpo de bombeiros, contando com o 1º grupamento
bombeiro militar que tem como circunscrição vários bairros, dentre eles, Guamá e Terra
Firme, primeiro grupamento de busca e salvamento, entre outros (SEGUP-PA,2012).
Esse tipo de delimitação feita pelo Estado e, mais precisamente, pela segurança
pública, mais que mera subdivisão em áreas, mostra o quanto o Estado vem buscando novas
medidas de controle, e, isso, é bastante claro quando há um recorte bem delimitado em certas
áreas, como é o caso dos bairros Guamá e Terra Firme, onde foi destinada uma área específica
de controle para cada um.
Nesse sentido, o Estado como grande gestor urbano, busca se territorializar em todas
as áreas da cidade, contudo, dependendo da área, essa territorialização se diferencia – como é
o caso dos bairros em questão –,onde se aumentou a presença policial, mas, que, muita das
vezes, essa presença não acompanhou a melhoria em outros setores importantes para o
desenvolvimento econômico e social, daqueles lugares que, são da mesma forma, fornecidos
pelo Estado.
Outro agente territorial presente nesses locais e que age a partir da ilegalidade, é o
tráfico de drogas, que, nesses dois bairros, tem uma relevância significativa e, que, a partir
dele, como foi relatado em campo, gera uma cadeia muito grande de outras relações violentas.
Pensando a expansão do tráfico de drogas, aliada à territorialização da violência,
sobretudo, em áreas de periferização da grande Belém, Chagas (2014) faz uma analogia sobre
a relação do tráfico de drogas se comportar, no momento em que domina novas áreas, como
uma empresa. Além de trazer cinco pontos importantes para entendermos como ocorre o
espraiamento da violência urbana, analisando o tráfico de drogas. Primeiro: criar seu mercado
consumidor interno com a distribuição, inicialmente, de drogas mais leves, viciando, assim,
os jovens, tendo como consequência, a prática de pequenos crimes por esses. Segundo: os
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jovens viciados, para manter o consumo de drogas, acabam por cometer crimes maiores;
alugam armas, e, com isso, há um fomento nos crimes violentos como o latrocínio.
No terceiro momento, há um aumento na violência, sobretudo, a partir do homicídio
praticado pelo traficante aos devedores. No quarto momento, a microescala de poder se
espraia quando há tentativas de dominação de traficantes para outras áreas de influência, isso
acaba gerando o conflito entre grupos rivais. E, por fim, a entrada do Estado, muitas vezes
apenas com a segurança pública – com intuito de coibir a violência –, acaba gerando ainda
mais mortes, uma vez que o Estado normalmente pensa a segurança pública como mero caso
de polícia, alijando, dessa forma, benefícios como estruturação urbana, educação e saúde
(CHAGAS, 2014, pp.16-17). Sobre a visão dos traficantes de drogas de varejo, Souza (2008,
p. 61) comenta:
[...] Demônios ou benfeitores? Nem uma coisa nem outra: oprimidos que oprimem
outros oprimidos. Embora, via de regra, atuem como comerciantes, dentro de uma
mentalidade capitalista, eles podem, ocasionalmente, tanto demonstrar certa
solidariedade com pessoas da “comunidade” onde atuam (genuína por razões
“políticas”), quanto cometer atos de crueldade contra essas pessoas. Pela
característica do uso indiscriminado da violência de que acaba se revestindo, em
decorrência da ilegalidade, o tráfico de drogas ilícitas corresponde perfeitamente
àquilo, que, na linguagem jornalística dos anos 1980, se atribuía ao Brasil como um
todo: um “capitalismo selvagem”.
Para além dos territórios formados por agentes legais e ilegais, que estão diretamente
ligados à violência,têm-se, também, os territórios dominados pelas milícias que “são e, ao
mesmo tempo, não são o Estado”. Para Souza (2008, p.121):
É, o Estado, na medida em que os indivíduos integram, consiste, muitas vezes, em
policiais e bombeiros da ativa (sem contar ex-policiais e os ex-bombeiros); mas,
evidentemente, por outro lado, não o são, visto, que, os grupos paramilitares são
agências coercitivas informais. Eles existem paralelamente ao Estado, sob a sua
sombra. E, sobretudo, a partir do momento em que começam a “vender segurança”,
existem à margem da lei, sendo antes mais parte do problema que da solução.
Haesbaert aponta que, o crescimento da atuação das milícias, é resultado das
dinâmicas de privatização e de retração dos espaços públicos, onde se alcançam, não apenas o
setor econômico, mas também o Estado, a partir do setor militar, que, como ele afirma, é o
“lócus do exercício da violência legítima”; portanto, as milícias demonstram a perda de poder
do Estado em “termos de controle territorial” (2014, p. 138), que acaba por permitir a
proliferação de territórios da segurança privada, que, como aponta o autor, muitas das vezes
podem, inclusive, se apropriar de espaços públicos. Então, as milícias mesmo sendo muitas
das vezes, como afirmou Souza (2008), compostas por ex-militares, essas não lutam mais
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diretamente com o Estado, mas em função de terceiros, onde estão subordinadas.
Um exemplo bastante notório que mostra a territorialização violenta nesses bairros é a
atuação das milícias ou grupos de extermínio, como a que foi liderada pelo ex-policial das
Rondas Ostensivas Tático Móveis (Rotam), cabo Figueiredo, mais conhecido como “Pet”, que
atuava em um grupo de milícia no bairro Guamá, onde, no dia 4 de novembro de 2014, foi
assassinado, e, como resultado disso, houve uma onda de violência, medo e morte na cidade;
sendo divulgada oficialmente a morte de mais dez pessoas no dia 5 de novembro de 2014 nos
bairros Guamá e Terra Firme (DIÁRIO DO PARÁ,2014). Um pouco do ocorrido aparece
neste trecho da notícia veiculada em um jornal local:
Grupos de milícias atuam plenamente no Estado com a participação de policiais
militares, sendo, que, pelo menos três deles coexistem na Região Metropolitana de
Belém, financiados por empresas, comércio ilegal e tráfico de drogas. Este é o
cenário apresentado pelo relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)
de Milícias no Pará, que foi entregue nesta sexta-feira (30) durante sessão na
Assembleia Legislativa do Pará (Alepa).
Elaborado em 44 dias, o documento apurou a existência dos grupos de extermínio
paraenses após uma chacina ocorrida no dia 4 de novembro de 2014 registrar 11
mortes, incluindo a do cabo PM Figueireido, conhecido como “Pet”, apontado como
líder miliciano no bairro do Guamá.
Segundo os deputados, os grupos utilizam a experiência dos membros para realizar
os extermínios, geralmente motivados por interesses financeiros, como o ‘controle
do tráfico de drogas’ e eliminação de comerciantes ‘agiotas’. (DIÁRIO DO PARÁ,
2014).
Em decorrência desse acontecimento, e da perda de poder que o grupo liderado pelo
ex-policial detinha, deflagrou-se, então, uma onda de violência na cidade, gerando uma
grande sensação de medo, tanto dos moradores dos bairros atingidos, quanto de todos os
outros bairros da cidade. Sobre a relação entre poder e violência, Hannah Arendt (1985) diz
que toda perda de poder é um convite a violência. Além disso, o que se percebe é que, o
aumento deflagrado da violência faz com que a população clame por uma nova ordem mais
repressiva e autoritária, tudo isso na tentativa de se proteger da violência (SOUZA, 2008).
Sobre território e violência Zaluar (1994, p. 11) afirma:
Cada um tem seu território próprio e, como disputam lucrativo comércio, de vez em
quando estoura uma guerra entre eles, provocada pela ambição do domínio do
território alheio. Armar-se é necessidade, pois “ficar desarmado”, eu ouço, significa
entregar a invasão do seu território. Essa linguagem militar não é apenas usada por
bandidos de sua área contra outra.
A partir de tais assertivas, o jogo de poder, dominação e violência em busca do
controle do território nos bairros Guamá e Terra Firme, mais que mero território controlado
por um grupo em específico, o que ocorre nessas áreas é o crescimento da violência, quando a
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população se vê coagida a não sair em determinados horários, ou não passar por determinadas
ruas por estas serem conhecidas pelo maior número de homicídios, ou mesmo, por serem
áreas controladas por algum traficante de drogas. Tudo isso mostra a territorialização da
violência a tal ponto que ela passa a interferir no cotidiano da população que, tenta se
proteger, seja com o pagamento de segurança privada como as rondas – atualmente bastante
comuns em várias áreas residenciais da cidade –, ou mesmo com a construção de vilas ou
portarias com a tentativa de se proteger da violência, mesmo que de maneira precária.
Isso é bem evidenciado no bairro Guamá através dos trabalhos de campo realizados
onde, mesmo a população mais pobre, busca colocar grades em suas casas, pagar as “rondas”
que, nada mais são, que a contratação de segurança privada, entre outras medidas. Souza
(2012) diz que, com o passar dos anos, vem crescendo nas metrópoles brasileiras a
preocupação constante com a insegurança e isso se reflete em uma sociedade amedrontada
que se autoenclausura em condomínios fechados, principalmente as camadas mais abastadas,
mas, também, a população mais pobre, com a criação e reforço de grades e portões e até
guaritas, mesmo que de maneira precária (SOUZA, 2012; HAESBAERT, 2014).
Assim, o que se mostra cada vez mais presente na população é o anseio de se proteger
da violência, vivemos, portanto, em uma “sociedade de risco” (BECK, 1986,p.206, apud
HAESBAERT, 2014, p.156). Sobre isso, Souza (2008. p. 77) comenta:
Não é apenas entre as classes médias e as elites que os “condomínios exclusivos”
fazem sucesso. Fenômenos similares já podem ser observados desde algum tempo
também em bairros populares [...]. Tal caricatura de gated community preocupa e é
sintomática: ao emular o símbolo, por excelência da auto-segregação em meio a um
espaço não auto-segregado, ou até mesmo ele próprio segregado (como nas
periferias), fica mais evidente ainda o quanto, não apenas o sentimento de
insegurança e o medo, mas, também, os hábitos e os valores de risco se disseminam
pelo espaço e pelo tecido social, o que ajuda a fragmentar ainda mais a cidade.
Com o Estado cada vez mais ausente em determinadas áreas da cidade, “há uma
percepção generalizada de deterioração do clima social e dos padrões de sociabilidade”
(SOUZA, 2012,p.236) que vitimiza principalmente a população mais carente, causando a
sensação de ingovernabilidade que, grosso modo, é o “mau funcionamento das instituições
políticas” (MELO, 1995; DINIZ apud SOUZA, 2012. p.223).Ainda estaria associado à
pobreza, má distribuição de renda, especulação imobiliária de espaços públicos etc. O que
ocorre no Brasil, em específico, é que as políticas públicas para se implantarem com êxito,
muitas das vezes se fazem “malandras”, ou seja, além de paliativas, dão margem para a
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instauração da ilegalidade. O que acaba por retroalimentar a violência, desde o crescimento do
tráfico de drogas, armas, o que aumenta em demasia os assaltos ehomicídios.
Nos bairros Guamá e Terra Firme, além das mortes serem eminentemente de
homens jovens, elas ocorrem, na maioria dos casos, pelo uso de arma de fogo, como foi
observado nos anos de 2011, 2012 e 2013 onde, em 2013, teve a ocorrência em 77,19%
dos casos de homicídios no bairro Guamá e 53,84% no bairro Terra Firme, de acordo
com dados do (SIAC-SEGUP-PA,2013b). Nas tabelas a seguir, tais acertivas são melhor
vizualizadas com a presença das variáveis, número total de homicídios, dia da semana da
ocorrência do fato, além da arma empregada.
AISP
Bairro
5ª
Guamá
6ª
Terra6
Firme
Dia da semana
Arma empregada
2ª
3ª
4ª
5ª
6ª
Sab
Dom
5
8
6
10
10
14
11
1
N
1
3
1
3
3
3
3
3
8
8
3
Branca
6
3
2
N° Homicídios
Fogo
Outros
58
0
64
20
2
0
22
Tabela 1: Número de homicídios nos bairros do Guamá e Terra-Firme no ano de 2011.
Fonte: SEGUP/SIAC, 2013.
AISP
Bairro
5ª
Guamá
6ª
Terra6
Firme
2ª
3ª
Dia da semana
4ª
5ª
6ª
8
10
6
0
2
8
)
13
1
6
3
1
Sab
Dom
8
12
3
2
3
4
8
4
Arma empregada
Branca Fogo Outros
N° Homicídios
6
59
0
65
3
7
12
1
0
19
Tabela 2: Número de homicídios nos bairros do Guamá e Terra-Firme no ano de 2012.
Fonte: SEGUP/SIAC, 2013.
AISP
5ª
6ª
Bairro
2ª
3ª
Dia da semana
4ª
5ª
6ª
Sab
Dom
9
3
8
12
10
1
N
1
0
Arma empregada
Branca Fogo Outros
N° Homicídios
57
Guamá
Terra6
Firme
11
1
4
3
3
3
1
3
5
8
2
9
44
4
3
4
7
2
2
13
Tabela 3: Número de homicídios nos bairros do Guamá e Terra-Firme no ano de 2013.
Fonte: SEGUP/SIAC, 2013.
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A partir da análise das tabelas e dos dados obtidos em campo, foi possível perceber
alguns fatos interessantes. Primeiro, a ocorrência muito maior de homicídios aos fins de
semana (sexta, sábado e domingo), a explicação para tal fato seria por conta de uma grande
quantidade de bares abertos e festas noturnas o que acabou, consequentemente, gerando um
maior número de brigas motivadas pelas mais diversas razões, desde os crimes passionais,
envolvendo pessoas que tem algum tipo de vínculo, até o fato de que, nesses dias, é muito
mais comum algum tipo de acertos de contas de grupos ou mesmo traficantes rivais.
Outro ponto salutar é o grande número de homicídios, tendo como meio empregado a
arma de fogo. Se forem comparados os três anos, analisados nesta pesquisa é possível
perceber que 86,5% dos homicídios ocorridos no bairro Guamá teve esse meio empregado, já
no bairro Terra Firme a porcentagem é de 72,2 %, ambas são porcentagens altíssimas,
Waiselfz (2013) aponta para um crescimento significativo do uso da arma de fogo no Brasil,
no período entre 1980 a 2010, onde quase que, exclusivamente, o aumento das mortes
ocasionadas por arma de fogo, foram em decorrência dos homicídios que, nesse período, teve
um crescimento de aproximadamente 502,8%. No mapa da violência de 2013, o estado do
Pará sobe de colocação na taxa que calcula o número de homicídios por arma de fogo, saindo
da 24ª posição com uma média de 8,5 mortes por 100.000 habitantes, para ocupar o 3º lugar
em 2010, quando a média passa para 34,6 para 100.000 habitantes. (WAISELFIZ, 2013).
No que tange ao número de homicídios, as taxas de mortes, no bairro Terra firme
caíram drasticamente, em comparação ao bairro Guamá, se pegarmos os três anos que esta
pesquisa se pautou, nota-se, que, o número de homicídios no bairro Terra Firme é pelo menos
três vezes e meio menor que no bairro Guamá. Com as análises obtidas em campo, por meio
de entrevistas, pensou-se que essa diminuição drástica nos índices, se deve a pelo menos duas
questões. A primeira, e mais oficialmente aceita, é, que, com um maior investimento na
segurança pública na área, coibiram-se as ações criminosas, principalmente, ligadas ao
número de homicídios. A segunda, e que necessita de mais tempo e amadurecimento em
campo para comprovar ou refutar, seria a de que a diminuição das mortes nesse bairro se
deveu à dominação do tráfico de drogas nas mãos de poucos indivíduos, portanto, com o
poder controlado, a violência não ganhou força.
Contudo, talvez surja a seguinte questão: se o bairro Guamá faz fronteira com o bairro
Terra Firme, por que nesse primeiro bairro a violência – pelo menos em números através dos
dados oficiais da segurança pública –, aumentou e não diminuiu? A explicação para tal fato se
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dá, também, por dois fatores. O primeiro seria devido à migração do crime, já, que, com a
intensificação do policiamento no bairro Terra Firme, ficou ainda mais difícil cometer delitos,
então, seria mais “fácil” praticar infrações em outras áreas menos vigiadas, por assim dizer,
pelo Estado. E segundo, pelo fato do bairro Guamá contar, não somente com grupos ligados
ao tráfico, mas, também, possuir milícias, o que acabaria gerando conflitos em torno de quem
teria o poder na área, consequentemente, aumentando a violência nessa escala microlocal.
Além do bairro Guamá contar com o maior número de habitantes por bairro de Belém.
Segundo, o anuário estatístico do município de Belém (2010), a partir de dados do IBGE,
conta com mais de 100.000 habitantes, número que tendeu a crescer nos últimos anos,
contudo, não podemos comprovar, já, que, a prefeitura parou de produzir o anuário.
Importa-se afirmar que, a territorialização da violência nos bairros Guamá e Terra
Firme, não se dá, exclusivamente pelo homicídio e por conta do tráfico de drogas, ela também
ocorre com o aumento significativo de roubos e pequenos furtos, e, são, normalmente esses
tipos de violência que geram mais medo na população, principalmente, se tratando da classe
média, que tende a se autoenclausurar, criando tamanha aversão aos espaços urbanos – vistos
como perigosos e potenciais –, a crimes que Souza (2008), cunha o termo “fobópole”, que, a
grosso, modo significa “cidade do medo”, uma cidade em que a população se vê coagida a
ponto de querer a militarização da questão urbana, ou de sacrificar sua liberdade de ir e vir
por conta do medo de sofrer algum tipo de violência.
Ainda, mais um dado coletado em campo e que se pretende desenvolver
posteriormente, é, que, a causa dos homicídios não se dá apenas pelo tráfico de drogas, mas
também pelo grande número de crimes domésticos e/ou passionais, envolvendo vítima e
agressor com algum vínculo afetivo, desde amizades ou mesmo relacionamentos amorosos, e,
que, por algum motivo, levaram as vítimas a óbito.
Portanto, a cadeia envolvendo a tipologia criminal, homicídio, é mais complexa do
que se pode imaginar, já que ela envolve várias variáveis e condicionantes, e, que, só a análise
de dados não é suficiente para mostrar as nuances dessas relações, até, porque, muitas vezes
os dados estatísticos, apesar de essenciais, só se mostram alguns indicativos da raiz do
problema, que, nesse caso em específico, envolve a tipologia criminal homicídio nos bairros
Guamá e Terra-Firme.
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DOI: 10.17552/2358-7040/bag.v3n5p198-219
Lorena de Lima Sanches SANTANA
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste trabalho, se pôde perceber a importância do estudo da violência urbana
na cidade de Belém, que vem crescendo de maneira alarmante, causando a sensação de medo
na população, além do sentimento de impotência perante o Estado que não consegue atenuar
tais índices. Já, que, ainda hoje, pensa-se, que somente o crescimento do número de policiais
nas ruas será o suficiente para a diminuição da violência, fato esse que, por várias vezes se
mostrou falho. Portanto, é imprescindível que o Estado nas esferas municipais, estaduais e
federais, crie mecanismos articulados que busquem visar maiores investimentos sociais, onde
o termo, desenvolver, não se limite ao econômico, assim como a segurança não seja apenas
um mero caso de polícia.
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