A percepção do handicap em adultos candidatos ao uso de aparelhos auditivos Fabiane Acco Mattia – Fonoaudióloga – Especialização em Audiologia Karlin Fabianne Klagenberg – Fonoaudióloga – Doutorado em Distúrbios da Comunicação RESUMO Objetivo: Verificar o grau de percepção do handicap em adultos com indicação ao uso de aparelho de amplificação sonora (AASI). Material e método: Foram selecionados 39 prontuários de indivíduos candidatos ao uso de AASI e analisados os dados sobre o questionário de auto-avaliação Hearing Handicap Inventory for Adults (HHIA), que foi aplicado no momento da avaliação audiológica. Resultados: 100% dos indivíduos apresentaram algum tipo de percepção do handicap, sendo que 82% apresentaram percepção severa. Não houve relação significativa entre o grau de handicap com o sexo, tipo ou grau de perda auditiva. Conclusão: Este estudo mostrou que as variáveis utilizadas não são suficientes para estimar o grau de handicap, além de ressaltar a importância da pesquisa dos aspectos psicossociais durante o processo de indicação e adaptação dos AASI. INTRODUÇÃO A deficiência auditiva é uma das principais deficiências físicas que acomete o indivíduo em qualquer fase da vida, limitando-o ou impedindo-o de desempenhar seu papel social de forma plena e integrada. 1-3 A audição é apontada como o primeiro dos sentidos a apresentar perdas funcionais detectáveis de maneira objetiva, sendo que, em média, é por volta dos 30 anos que se inicia o processo de envelhecimento auditivo. 3 Os ajustes emocionais e psicológicos frente a uma perda auditiva na vida adulta são altamente variáveis e dependentes das experiências de vida, das expectativas relacionadas à saúde, do modo costumeiro de gerenciar desafios, da habilidade de se adaptar a um dado conjunto de limitações e do grau de sociabilidade do indivíduo. Assim, pessoas com perdas auditivas semelhantes podem experimentar diferentes dificuldades comunicativas, sociais e emocionais em situações de vida diária e ter percepções distintas da sua qualidade de vida. 2 Há duas importantes consequências da deficiência auditiva: a incapacidade auditiva, que se refere a qualquer limitação ou falta de habilidade para desempenhar uma atividade devido aos problemas auditivos vivenciados pelo indivíduo com perda; e o handicap (desvantagem), que diz respeito aos aspectos não-auditivos resultantes da deficiência e da incapacidade auditivas, os quais restringem a participação do individuo nas atividades de vida diária e comprometem suas relações sociais. 5 Com os aspectos não auditivos interferindo cada vez mais na vida das pessoas com perda auditiva, houve a necessidade de incluir essas informações no processo de seleção e adaptação de próteses auditivas, principalmente em indivíduos adultos e idosos. Em 1982, Ventry e Weinstein desenvolveram e padronizaram o questionário Hearing Handicap Inventory for the Elderly (HHIE), constituído por 25 questões que abrangiam dados sobre as dificuldades de comunicação e consequências sociais e emocionais da deficiência auditiva no idoso. 6 O questionário Hearing Handicap Inventory for Adults (HHIA), é uma modificação do questionário HHIE, desenvolvido por Newman, Weinstein, Jacobson e Hug e traduzido para o português por Almeida 4, com a intenção de avaliar indivíduos com idade inferior a 65 anos. Eles se diferenciam em apenas três questões, que na versão para adultos, estão relacionadas ao ambiente de trabalho e lazer. 5, 6 Como em sua maioria, os indivíduos adultos relutam em aceitar a existência da perda auditiva, e buscar recursos para minimizar a desvantagem e a incapacidade geradas pela deficiência auditiva. Então, o objetivo deste trabalho foi verificar o grau de percepção do handicap em adultos com indicação ao uso de aparelho de amplificação sonora (AASI). PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Para a composição da amostra deste estudo foram selecionados 39 indivíduos, 20 do sexo masculino e 19 do sexo feminino, com idade entre 40 e 65 anos com média de idade de 57,02 anos, candidatos ao uso de AASI. Todos os indivíduos atenderam aos critérios de elegibilidade: perda auditiva sensório neural ou mista, de grau moderado a severo, adultos e que não fizeram uso de AASI anteriormente. Posteriormente foi feita a análise retrospectiva dos prontuários na busca de dados sobre o questionário Hearing Handicap Inventory for Adults (HHIA) que foi aplicado no momento da avaliação audiológica. O HHIA foi analisado com base em pontuações que variam de 0 a 100%, sendo que quanto menor a porcentagem, menor a percepção da desvantagem do individuo em relação a sua deficiência. Resultados inferiores a 16% indicam não haver percepção do handicap, de 18 a 42% indicam uma percepção leve a moderada e acima de 42%, indicam percepção severa ou significativa do handicap. 6 A pesquisa foi realizada na Clinica de Fonoaudiologia Champagnat na cidade de Toledo/PR, credenciada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no serviço de Média Complexidade. As informações coletadas tiveram a garantia do sigilo que assegura a privacidade e o anonimato dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa. Aplicaram-se os testes de Fisher e t de Student com a finalidade de verificar significância entre as variáveis: sexo, tipo e grau de perda auditiva com os resultados do questionário HHIA. Fixou-se 0,05 ou 5% o nível de rejeição na hipótese de nulidade. RESULTADOS O resultado da pontuação do HHIA na população pesquisada demonstrou que sete pacientes (18%) apresentaram percepção leve a moderada do handicap e 32 pacientes (82%) apresentaram percepção severa do handicap. Na tabela 1 estão as comparações da pontuação do handicap entre o sexo masculino e feminino. TABELA 1 – ESTATÍSTICAS DESCRITIVAS E TESTE DE DIFERENÇA DE MÉDIAS (TESTE t DE STUDENT) DOS HANDICAPS SEXO N Feminino 19 MÉDIA MÍNINO MÁXIMO DESVIO PADRÃO 65,9 % 19,0 % 91,0 % 18,3 % p 0,4637 Masculino 20 61,3 % 19,0 % 90,0 % 20,7 % Nota: n – número Considerando-se o nível de significância de 0,05 (5%), verifica-se que não existe diferença significativa entre handicap dos sexos feminino e masculino (p>0,05). A relação entre a percepção do handicap e o tipo da perda auditiva está demonstrada na tabela 2. TABELA 2 – COMPARAÇÃO ENTRE PERCEPÇÃO DO HANDICAP E TIPO DA PERDA AUDITIVA PERCEPÇÃO DO HANDICAP TIPO DA PERDA AUDITIVA Leve a Sensório neural Mista 1 1 p moderada 0,6784 Severa ou significativa 10 7 Por meio do teste de Fisher, ao nível de significância de 0,05 (5%), verificase que não existe relação significativa entre a percepção do handicap e o tipo de perda auditiva, pois resultou em p > 0,05. A relação entre a pontuação do handicap e o grau da perda auditiva está demonstrada na tabela 3. TABELA 3 – COMPARAÇÃO ENTRE PERCEPÇÃO DO HANDICAP E GRAU DA PERDA AUDITIVA PERCEPÇÃO DO HANDICAP GRAU DA PERDA AUDITIVA Severa Moderada Leve a moderada - Severa ou significativa 2 p Moderada/severa 1 1 0,5956 10 5 Por meio do teste de Fisher, considerando-se apenas duas categorias do grau de perda auditiva (moderada e moderada/severa), para que possibilitasse a aplicação do mesmo, ao nível de significância de 0,05 (5%), verifica-se que não existe relação significativa entre a percepção do handicap e o grau perda auditiva (moderada e moderada/severa), pois resultou em p > 0,05. DISCUSSÃO Pode-se observar que os indivíduos do sexo feminino (65,9%) apresentaram maior percepção do handicap do que os indivíduos do sexo masculino (61,3%), porém essa diferença não foi estatisticamente significante. Concordante com a pesquisa handicap 8 que avaliou adultos usuários de AASI, e as diferenças de percepção do entre homens e mulheres não foram significativas. Resultados semelhantes também foram observados em outros estudos. 7,2 A relação entre o tipo e grau da perda auditiva e o grau de percepção do handicap, observou-se que não existe relação significativa. Assim, é possível afirmar que diferentes tipos e graus de perda auditiva podem apresentar percepções variadas de handicap. Esses achados são concordantes com os encontrados na literatura. 7,8 Vale ressaltar que todos os pacientes tiveram algum grau de handicap, ou seja, todos apresentaram algum tipo de desvantagem auditiva que os limitam ou impedem de desenvolver normalmente as suas funções, seja no trabalho, em casa ou mesmo em situações de lazer. O handicap auditivo é uma das consequências da perda auditiva que deve ser investigada sempre que existir a queixa auditiva, pois esses dados revelam importantes informações sobre os aspectos comunicativos, social e emocional de cada individuo. Além disso, os questionários de auto-avaliação ajudam os próprios indivíduos com perda auditiva a refletir sobre as suas dificuldades e compreender melhor as suas necessidades. Com relação à seleção e adaptação do AASI, os questionários ajudam o profissional a conhecer os problemas psicossociais e as dificuldades auditivas que podem comprometer a adaptação do AASI. 4,8,9 O estudo 10 mostra que o handicap auditivo melhora após o uso do AASI, onde o desempenho do individuo sem e com AASI mostra o beneficio trazido pela amplificação. CONCLUSÃO A partir da análise dos resultados obtidos no presente estudo, conclui-se: - 100% dos pesquisados apresentaram algum grau de handicap; - As variáveis sexo, tipo e grau da perda auditiva não são suficientes para estimar o grau de handicap auditivo; - A união das informações subjetivas fornecidas pelos questionários de autoavaliação e os dados audiométricos auxiliarão o profissional responsável a alcançar o sucesso na reabilitação. 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Soc. Bras. Fonoaudiol; 2009;14(3):p. 339-45. 6. MATAS, C. G.; IÓRIO, M. C. M. Verificação e validação do processo de seleção e adaptação de próteses auditivas. In: ALMEIDA, K.; IÓRIO, M.C.M. Próteses auditivas. São Paulo: Lovise; 2003,p. 305-34. 7. CORREA, G.F.; RUSSO, I.C.P. Autopercepção do handicap em deficientes auditivos adultos e idosos. Rev. CEFAC. 1999; 1(1):54-63. 8. WIESELBERG, M.B. A auto-avaliação do handicap em idosos portadores de deficiência auditiva: o uso do H.H.I.E. [Dissertação] São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,1997. 9. MESQUITA, C.D.S. Análise da efetividade de um inventário auditivo para idosos [Dissertação]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2001. 10. BUZO, B.C., UBRIG, M.T., NOVAES, B.C., Adaptação de aparelho de amplificação sonora individual: relações entre a auto-percepcão do handicap auditivo e a avaliação da percepção de fala. Disturbios da Comunicação.2004;16(1):17-25.