Vanderleia Gemelli, Edson Belo Clemente de Souza

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CRIMINALIDADE NA FRONTEIRA BRASIL/PARAGUAI: REDES GEOGRÁFICAS
ILEGAIS DE DROGAS ILÍCITAS
Vanderleia Gemelli1
Edson Belo Clemente de Souza2
Eixo temático: POLÍTICAS DO ESTADO NA FRONTEIRA
RESUMO: O presente artigo constitui-se na proposta de pesquisa em desenvolvimento no Programa
de Pós-Graduação em Geografia, em que se propõe analisar a atividade ilícita na fronteira entre Brasil
e Paraguai e a formação de redes geográficas ilegais. Nessa região de fronteira o tráfico de drogas
ilícitas é uma realidade que faz parte do cotidiano e que ultrapassa o limite internacional,
concretizando-se também numa indústria essencialmente transnacional, que forma redes
transfronteiriças. Tais redes geográficas constituem, portanto, uma relevante categoria para geografia
em si e para esta pesquisa em particular. Metodologicamente, utiliza-se de levantamento bibliográfico,
levantamento de dados e informações fornecidos por instituições e/ou órgãos públicos e privados,
levantamento comparativo de políticas públicas na área de segurança, questionários e entrevistas com
diversos agentes da região e trabalhos de campo.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteira Brasil/Paraguai; tráfico; drogas ilícitas; redes geográficas ilegais.
1 INTRODUÇÃO
Este ensaio, enquanto desdobramento de um trabalho maior, intitulado “As drogas
ilícitas na região de fronteira entre Brasil e Paraguai: uma análise das redes geográficas ilegais
do tráfico”, tem por objetivo analisar o fluxo do contrabando de drogas ilícitas na faixa de
fronteira entre o Brasil e o Paraguai, compreendendo que este fluxo se desdobra em redes
1
Mestranda em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus Fco. Beltrão. Bolsista
CAPES. Pesquisadora do GEF – Grupo de Estudos Fronteiriços. [email protected]
2
Professor dos Cursos de Graduação e Pós- Graduação em Geografia pela Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Campus Mal. Cândido Rondon. Coordenador do LABER – Laboratório de Estudos Regionais.
Pesquisador do GEF. [email protected]
ilegais do tráfico de drogas, proibido pela legislação brasileira, evidenciando a criminalidade
na fronteira, entendida aqui como desrespeito às leis morais ou sociais, ou cometer crimes. A
área de estudo abrange os municípios brasileiros e distritos paraguaios fronteiriços, existentes
entre Foz do Iguaçu (Br) e Guaíra (Br), e Salto Del Guairá (Py) e Ciudad Del Este (Py),
componentes também da faixa de fronteira entre ambos os países.
Para a realização da pesquisa, entende-se como drogas ilícitas aquelas que no Brasil é
proibido pela legislação o cultivo, o uso e a venda, conforme disposto na Lei nº 11.343, de 23
de agosto de 2006, por serem capazes de causar dependência ao usuário, destaca-se nessa
pesquisa a maconha3, a cocaína4 e o crack5.
No final do século XX, com o avanço do processo de globalização, a intensificação da
mundialização do capital, os crescentes fluxos proporcionados pelas inovações no campo da
informação, das telecomunicações, dos transportes, etc., fez cogitar-se a ideia de que as
fronteiras em qualquer escala teriam acabado, tratava-se agora de “um mundo sem fronteiras”,
por onde o capital deslocava-se com facilidade. No entanto, com a intensa e crescente
transnacionalização, não houve o desaparecimento das fronteiras, mas sim sua afirmação,
sendo que: “Os avançados estágios de transnacionalização não extinguiram os Estados
territoriais e suas fronteiras, mas coadjuvam novas configurações territoriais próprias e
inerentes ao atual período.” (JUNIOR: 2007, p. 1)
Na atualidade as fronteiras adquirem novos significados, valores, referentes ao seu momento
histórico, e passam a se afirmar cada vez mais, sendo que possuem maior dinamicidade no
território.
Dentro desse contexto a faixa de fronteira brasileira foi criada na Constituição de
1891, que o governo brasileiro a institui por uma faixa de 66 km ao longo do limite fronteiriço
internacional brasileiro. Na Constituição de 1934 manteve-se essa delimitação e a
Constituição de 1937 ampliou a abrangência da Faixa de Fronteira para 150 km a partir do
limite internacional. Esta delimitação permaneceu nas Constituições de 1946 e 1988,
respeitando o recorte municipal. (ANDERSEN: 2008).
A faixa de fronteira representa assim, uma porção do território oficialmente delimitada
3
A maconha de nome científico Cannabis sativa, é uma planta de fácil cultivo, existente em todos os continentes.
Seu uso se dá através do fumo de suas folhas secas. A maconha permite também produzir outras drogas, como o
haxixe e o skunk. Disponível em < www.areaseg.com>, consultado em 22/03/2011.
4
A cocaína é uma substância originária da planta Erythroxylon coca, planta cultivada na Bolívia, Colômbia e no
Peru. É uma droga comercializada na forma de pó, pela transformação das folhas de coca em pasta de cocaína e
depois no pó, sendo que seu consumo se dá principalmente pela inalação. Disponível em
www.psicologia.com.pt, consultado em 22/03/2011.
5
O crack também é uma droga oriunda da coca, porém com processo de preparação que difere da cocaína, de
acordo com www.psicologia.com.pt, consultado em 22/03/2011.
como fronteiriça internacionalmente. Enquanto que há também a zona de fronteira, formada
pela contiguidade das faixas de fronteira de países fronteiriços.
De acordo com estudo realizado por Machado (2005) em parceria com o Ministério da
Integração Nacional (2005), verificou-se que ao longo de todo o limite terrestre internacional
do Brasil, há diversas situações e diferentes tipologias de interações fronteiriças. Dentro desse
contexto, é na fronteia Brasil/Paraguai, que se verifica o maior número de fluxos
transnacionais, e onde há uma dinamicidade fronteiriça maior. É também nessa fronteira que
se localiza uma das maiores ”portas” de entrada de produtos e mercadorias contrabandeadas,
dentre elas destaca-se o tráfico de drogas ilícitas como atividade que mais cresce e gera
dividendos.
De acordo com König (2010) no Brasil “a extensa faixa fronteiriça [...] é vulnerável à
entrada de drogas e armas para o crime organizado nos grandes centros urbanos.” (GAZETA
DO POVO: 2010). Essa prática sustenta e fortalece o tráfico e o consumo no mercado da
droga que hoje é organizado transnacionalmente numa extensa rede ilegal.
Compreende-se, portanto, que essa realidade existente na fronteira Brasil/Paraguai
dota o espaço e o território de redes ilegais, as redes do tráfico 6 de drogas ilícitas, que
proporcionam crescimento ao fluxo da economia da droga, conferindo ao território uma
territorialidade específica e ilegal. Sobressai assim na fronteira a criminalidade pelo tráfico de
ilícitos.
Nesse período global, o advento das redes se intensifica, representando a conexão cada
vez maior entre os diferentes territórios e regiões. De acordo com Santos (1996): “A noção de
rede global se impõe nesta fase da história [...]” (p. 215), conforme demonstra a
transnacionalidade das redes criadas pelo tráfico de drogas.
2 OBJETIVOS
Para compreender essa dinâmica transnacional das redes ilegais, além analisar o fluxo
do contrabando de drogas ilícitas nessa fronteira, outras questões se colocam, como identificar
a origem e o destino da droga; quais agentes estão envolvidos no contrabando; quais as
políticas públicas de segurança existentes na fronteira; onde se localizam os pontos/cidades e
horários de maior movimentação das drogas sobre o Lago de Itaipu, entendendo o lago aqui
como base territorial do tráfico; verificar a relação Brasil/Paraguai referente ao contrabando
6
Entende-se aqui o tráfico como atividade mantida na clandestinidade.
de ilícitos. Todas essas questões nortearão o desenvolvimento da pesquisa.
3 METODOLOGIA
Quanto aos procedimentos metodológicos, estes se constituem em levantamento
bibliográfico, levantamento de dados e informações fornecidos por instituições e/ou órgãos
públicos e privados, sobre a realidade da fronteira, buscar-se-á também informações e notícias
em jornais impressos da região, bem como sites confiáveis, levantamento comparativo de
políticas públicas voltadas à área de segurança e combate ao contrabando de drogas ilícitas
nos dois lados da faixa de fronteira entre Brasil e Paraguai.
Utilizar-se-á do software ArcGis para confecção de mapas e de cartogramas para
melhor representar a cartografia da fronteira. Far-se-á também questionários e entrevistas com
diversos agentes da região em estudo, como policiais, cônsules, prefeitos, sociedade civil,
delegados da política civil e federal, e possivelmente contrabandistas. Neste contexto é
imprescindível a realização do trabalho de campo, que proporcionará maior conhecimento da
realidade da região de fronteira, permitindo a coleta de informações e de fotografias.
4 RESULTADOS PRELIMINARES
Algumas evidências existentes na realidade fronteiriça do Brasil com o Paraguai
permite fazer alguns apontamentos preliminares, que seguem:
O tráfico de drogas é uma atividade que cresce exponencialmente em todo o mundo,
devido aos grandes lucros que re presenta. Segundo o inspetor chefe de policiamento da
Delegacia Civil de Foz do Iguaçu, Marcos Pierre Carvalho, em entrevista ao Jornal “O
Presente” de 21/01/11, o preço pago pelo quilo puro de cocaína é de aproximadamente R$
25,00 mil, pelo quilo do crack pagasse entre R$ 4 mil a R$ 8 mil, enquanto que a maconha é
vendida em torno de R$ 500 a R$ 600.
O mercado da droga possui uma complexidade internacionalmente organizada, com
uma logística e fluxos próprios, o que nos permite analisar as tramas de relações desse
mercado através de uma categoria especial da Geografia, as redes. Essa investigação assim,
tanto nos permite compreender melhor a logística do mercado da droga, como também
permite apreender a dinamicidade dessa região de fronteira.
De antemão percebe-se que algumas condições existentes são favoráveis à prática do
tráfico, destaca-se a grande extensão do Lago de Itaipu que dificulta a fiscalização policial,
deixando por vezes alguns pontos “descobertos”, o que facilita a ação dos contrabandistas. No
entanto, cabe considerar que o mercado da droga constitui-se em atividade altamente rentável,
desenvolvendo-se sob diversas condições, favoráveis ou não.
Uma vez existente, o Lago constitui-se em base para o tráfico, são inúmeros os
chamados “portos clandestinos” existentes ao longo de sua extensão. Essa atividade ilegal
confere ao território, constituído a partir da apropriação do espaço, uma característica e
identidade particular, fazendo com que este seja conhecido pela ilegalidade nele presente. Este
território construído através da relação espaço-tempo apresenta modos de vida, costumes,
identidades, que formam em si territorialidades, as quais caracterizam tal região, dentre elas
destaca-se a territorialidade dos contrabandistas.
Quanto à droga traficada para o Brasil, grande parte, se não toda, é produzida nos
países vizinhos (Paraguai, Peru, Bolívia, Colômbia e Equador). De acordo com policiais federais
que trabalham em operações nessa região de fronteira: “Na fronteira do Paraná com o
Paraguai, os maiores contingentes de apreensões de droga realizada pela Policia Federal, são
de maconha, sendo que na fronteira do Paraguai com o Mato Grosso do Sul, apreende-se mais
cocaína e crack.” Isso se deve pelo fato de que a produção da maconha é maior no Paraguai,
próximo à fronteira com o Paraná, enquanto que a Bolívia, mais próxima ao Mato Grosso do
Sul, é o maior produtor da Coca, que submetida a processos químicos se transforma em
cocaína e crack. Há nesse caso, o emprego da logística, fazendo com que a droga percorra o
menor caminho possível até sua chegada ao mercado consumidor, tendo assim menores
chances de ser apreendida pela polícia.
O cultivo da droga nos países vizinhos vem arregimentando inúmeros trabalhadores
rurais para a atividade. Informações extraoficiais apontam para a existência de muitas
plantações de maconha nas áreas de floresta dos departamentos de Canindeyú, Amambay e
Concepción no Paraguai, todos fronteiriços com o Brasil.
No intuito de combater a expansão da atividade, ações de combate ao cultivo de drogas vêm
sendo empreendidas de comum acordo entre a Secretaria Nacional Antidrogas do Paraguai
(Senad) e a Polícia Federal brasileira.
Através de um bônus que incentive a agricultura alternativa, o papel do Estado (brasileiro e
paraguaio) é retirar os trabalhadores rurais da produção da maconha, mas o tempo vai
demonstrar se foi exitoso ou não este programa.
Dados da Senad-Paraguai mostram que em 2009 o total aproximado em hectares de
plantação de maconha era de 1.552,250 ha em 2010 caiu para 1.013,500 ha. Esses dados
mostram que a parceria entre a Senad-Paraguai e a Polícia Federal do Brasil tem dado
resultados.
A relação, portanto, entre Senad-Paraguai e Polícia Federal do Brasil em geral é de
cooperação, no entanto existem conflitos entre a Polícia Federal do Brasil e outros
departamentos de segurança do Paraguai, como com a Marinha Paraguaia, por exemplo.
Desde 2010 ocorreram vários conflitos entre esses dois órgãos, os mesmos se deram pelo fato
de os agentes paraguaios estarem protegendo e recuperando mercadorias ilícitas de
contrabandistas e traficantes, segundo depoimentos de policiais federais do Brasil tanto de
Guaíra como de Foz do Iguaçu, na fronteira.
Várias reuniões já foram realizadas com representantes das entidades do Paraguai e do
Brasil para solucionar tais impasses, no entanto problemas sempre haverão de existir já que o
contrabando só é considerado crime quando entra no território brasileiro, quando ainda está
em território paraguaio não é considerado crime.
Além dessas ações de combate, outras também são empreendidas como, por exemplo,
as atividades desenvolvidas pela Companhia Independente de Policiamento e Operações de
Fronteira (CIPOFron), mais conhecida por Força Alfa, um órgão pertencente a Polícia Militar
do Paraná criado com o objetivo de combater e reprimir o tráfico de drogas e de armas na
região da tríplice fronteira, Argentina, Brasil e Paraguai, sendo estabelecido nessa região em
2009.
Quanto às apreensões de drogas realizadas pela polícia, principalmente, a Polícia
Federal, duas questões se colocam: primeiro, que embora os trabalhos da polícia sejam
intensos e tenham garantido um grande número de apreensões, bem como o desmantelamento
de muitos portos clandestinos, mesmo assim, a quantidade de droga traficada que chega ao
seu destino final sem ser apreendida ainda é muito grande; e segundo, que grande parte das
apreensões de drogas no Brasil não é qualificada como tráfico internacional, sendo que pela
lei só recebe denominação de tráfico internacional a droga que é apreendida na linha de
fronteira (ex: Lago, ponte), nesse caso as convenções da legislação, mesmo que
indiretamente, “ajudam” os traficantes, uma vez que a pena e a rigorosidade do processo é
muito menor para tráfico nacional em relação ao internacional.
Verifica-se assim, a grande organização existente nas redes do tráfico de drogas, o que
permite que boa parte da produção chegue até o mercado consumidor, bem como a grande
burocracia da lei, que por vezes facilita e fortalece a atividade ilícita.
Outro apontamento a ser destacado, diz respeito aos usuários de droga, sendo que
quanto maior o número destes, mais crescem as atividades de produção e contrabando da
droga, há dessa forma, uma ligação direta entre o aumento dos usuários com o aumento do
contrabando.
O crescimento do tráfico de drogas, por sua vez, gera também outras consequências,
como o aumento da marginalidade, da violência, dos próprios dependentes químicos, e
também eleva os custos sociais do Estado com programas de reabilitação de usuários, de
segurança pública, de contenção do contrabando, dentre outros.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, considera-se que a atividade de contrabando de drogas ilícitas
possui inúmeros desdobramentos e consequências, sendo que a criminalidade configura-se
como umas das realidades da região de fronteira entre Brasil e Paraguai, constituindo e
construindo uma complexa rede ilegal pelo território. É essa realidade que permite
desenvolver estudos sobre a “geografia da droga” e/ou “geografia das redes ilegais”.
Analisar e estudar o mercado da droga exige um amplo campo de reflexão, haja vista
que sua movimentação não é apenas de escala local, mas transpõe outras escalas, a nível
regional, nacional e internacional. Nesse sentido medidas para combater o uso e o
contrabando de drogas necessitam efetivamente de medidas de caráter integrado tanto entre os
Estados Nação como entre os Estados da Federação, já que o mercado das drogas possui uma
extensa rede integrada entre eles.
REFERÊNCIAS
ANDERSEN, Sigrid. Dificuldades da gestão ambiental em áreas de fronteira: investigando a
origem dos conflitos. In: Anais do IV Encontro Nacional da ANPPAS - Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Brasília: 2008.
BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas
Públicas sobre Drogas – Sisnad. Brasília: 2006.
BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria de Programas Regionais; e
MACHADO, Lia O. Proposta de Reestruturação do Programa de Desenvolvimento da
Faixa de Fronteira. Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005.
JUNIOR, Laércio Furquim. Fronteiras terrestres e marítimas do Brasil: um contorno
dinâmico. (dissertação de mestrado). Universidade de São Paulo. Geografia. São Paulo: 2007.
KÖNIG, Mauri. Armamento entra por 17 cidades e 3 portos. Gazeta do Povo, Curitiba, 05 de
dez. de 2010.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. Editora Hucitec:
São Paulo, 1996.
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