PAISAGEM SONORA ECLESIAL: UM ESPAÇO DE POLUIÇÃO

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PAISAGEM SONORA ECLESIAL: UM ESPAÇO DE POLUIÇÃO SONORA?1
Prof. Dr. Theógenes Eugênio Figueiredo 2
Pouco se tem falado sobre paisagem sonora no meio evangélico, muito
menos da paisagem sonora eclesial. Talvez este conceito não seja conhecido, ou, a
ele não se dê a devida importância. Entretanto, todas as pessoas que participam dos
cultos de nossas igrejas encontram-se inseridas na paisagem sonora eclesial, mesmo
que não se sintam confortáveis com a qualidade e a intensidade da massa sonora a
todos impingida.
A expressão paisagem sonora eclesial deve ser entendida como todo o som,
interno e externo, existente no ambiente de culto. A paisagem sonora é impetuosa,
atua diretamente na audição do indivíduo, sem que este possa se defender.
Esta reflexão abordará as seguintes questões: O que é paisagem sonora?;
Conclamação à sustentabilidade (“carta de Niterói”); “Ruído sagrado”, o que é isso?;
A paisagem sonora eclesial versus um imperialismo
sonoro?.
1. O que é paisagem sonora?
A audição e a visão são dois sentidos básicos
do ser humano que tiveram suas posições invertidas
na
escala
de
importância
em
relação
á
aquisição/entrada de dados (imagens auditivas e
sonoras) na percepção humana. “[...] o ouvido cedeu
lugar
ao
importantes
olho,
considerado
fontes
de
uma
informação
das
mais
desde
a
Renascença, com o desenvolvimento da imprensa e
1
Madonna book, de Giorgione
(1478/1510)
Este estudo é baseado no livro A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo
atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora, de R. Murray Schafer,
publicado pela Editora UNESP, São Paulo, em 2001. Optei pela transcrição de muitos trechos do livro, pois o
seu autor foi muito feliz em suas colocações.
2
Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG), Mestre em
Etnomusicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UNIRIO). É Ministro de Música e atua como
professor e assistente de coordenação no Curso de Música da Faculdade Batista do Rio de Janeiro
(FABAT/Seminário do Sul).
2
da pintura em perspectiva. Um dos mais evidentes testemunhos dessa mudança é o
modo pelo qual imaginamos Deus. Não foi senão na Renascença que esse Deus
tornou-se retratável3. Anteriormente ele era concebido como som ou vibração.
Madonna della Seggiola, de
Raffaello Sanzio (Rafael). Alta
Renascença. Óleo sobre
madeira cortada em formato
redondo (tondo). Mostra
Maria abraçando Jesus sob o
olhar devoto do jovem João
Batista. Palácio Pitti, Florença.
A mais famosa pietà é,
seguramente, a Pietà do
Vaticano, esculpida
em mármore por Michelangel
o em 1499. Atualmente esta
obra está localizada no interior
da Basílica de São Pedro,
em Roma.
Antes da era da escrita, na época dos profetas e épicos, o sentido da audição era
mais vital que o da visão. A palavra de Deus, a história das tribos e todas as outras
informações importantes eram ouvidas, e não vistas.”4
Uma das características da audição, que também é seu diferencial, quando
comparada à visão, é a incapacidade de ser desligada à vontade. “Não existem
pálpebras auditivas. Quando dormimos, nossa percepção de sons é a última porta a
se fechar e é também a primeira a se abrir quando acordamos. [...] A única proteção
para os ouvidos é um elaborado mecanismo psicológico que filtra os sons
indesejáveis, para se concentrar no que é desejável. Os olhos apontam para fora; os
ouvidos, para dentro. Eles absorvem informação.”5
O campo de estudo tomado aqui é a paisagem sonora eclesial, porque
paisagem sonora significa ambiente sonoro; qualquer porção do ambiente sonoro
3
Dicionário Aulete Digital: “Artigo de dois gêneros. 1 Que se pode retratar ou representar por meio de
retrato [Antôn.: irretratável.]”
4
SCHAFER. R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual
estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora UNESP,
2001. Página 27.
5
Idem, página 28.
3
que possa ser visto como campo de estudos. Em outras palavras, a paisagem sonora
eclesial é o ambiente sonoro ocorrente num culto dominical noturno numa Igreja
Batista, ou, evangélica.
Os batistas, de modo geral, têm aberto suas consciências para a questão da
sustentabilidade, tanto é, que no ano passado aprovou a “carta de Niterói”, na qual
afirma crenças, faz declarações e conclama o povo a ações. Excertos dessa carta e
alguns comentários fazem parte do próximo tópico.
2. Conclamação à sustentabilidade (“carta de Niterói”)
Durante a 91ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, realizada na
cidade de Niterói, no mês de janeiro do ano de 2011, foi elaborada a Carta de
Niterói. Alguns parágrafos do documento são destacados aqui, aqueles que servem
de fundamentação à presente reflexão.
“Carta de Niterói
Nós, batistas brasileiros, reunidos na cidade de Niterói (RJ), em janeiro de 2011,
CREMOS que:
- o Universo e o ser humano foram criados por Deus para a sua glória; a vida e o
Universo, em todos os sentidos, foram dados ao ser humano como um presente de
Deus;
- o Universo foi dado ao ser humano para a sua morada, sustento e para o
desenvolvimento de sua história de vida;
- o ser humano foi criado como um ser livre, mas, ao mesmo tempo, dependente da
soberania de Deus;
- Deus delegou ao ser humano a gestão sábia, criativa e sustentável de sua vida e da
natureza;
- depois da queda e rebeldia após a criação, o ser humano desvirtuou-se dos
propósitos divinos da criação e passou a gerir sem sabedoria a sua vida e a natureza,
sem se preocupar com a sua sustentabilidade;
[...]
Neste sentido, DECLARAMOS que:
[...]
4
- os dilemas ambientais e ecológicos não afetam apenas o cosmos, mas também a
natureza humana e, neste sentido, o ser humano como um micro-cosmo também
tem prejudicado a sua saúde física, mental-emocional, social e espiritual pelo
inconseqüente e imediatista estilo de vida adotado;
- os cristãos, em geral, têm se preocupado mais com a redenção espiritual do ser
humano, nem sempre considerando o ser humano e a vida em todos os seus
aspectos.
[...]
Por fim, CONCLAMAMOS que:
- os cristãos de toda a Terra busquem compreender que o Evangelho todo é para
todo o ser humano e para o ser humano todo, incluindo a sustentabilidade da vida
humana e da natureza;
- cada ser humano assuma o compromisso de cuidar com sabedoria, criatividade e
sustentabilidade de sua vida, de seus relacionamentos e da natureza;
[...]
- os empreendimentos imobiliários sejam planejados e executados de modo a
preservar o meio ambiente e a transformar o Planeta Terra numa habitação segura
para a vida humana;
- que a educação ambiental e para a vida seja incluída na formação do sujeito
histórico desde a sua infância em nossa Nação.
[...]
Tudo isto para que conquistemos a VIDA PLENA E O MEIO AMBIENTE.
Niterói (RJ), 91ª Assembleia da Convenção Batista Brasileira, 25 de janeiro de 2011
Comissão da Carta de Niterói
Mere Márcia Prado Bello
Norton Riker Lages
Lourenço Stelio Rega (relator)”6
O primeiro ponto a ser destacado é que “Deus delegou ao ser humano a
gestão sábia, criativa e sustentável de sua vida e da natureza”. Em outras palavras, a
6
Disponível no endereço eletrônico http://vidaemeioambiente.wordpress.com/, acessado em 6 Fev 2011.
Destaques em negritos realizados por este autor.
5
vida de cada indivíduo se encontra, até certo ponto, sob o comando de cada um. A
queda do homem diante de Deus trouxe a possibilidade de uma gerência
negligente, insensata e irreflexiva do homem sobre sua própria vida.
O segundo ponto de destaque afirma que “os dilemas ambientais e
ecológicos não afetam apenas o cosmos, mas também a natureza humana e, neste
sentido, o ser humano como um micro-cosmo também tem prejudicado a sua saúde
física, mental-emocional, social e espiritual pelo inconseqüente e imediatista estilo
de vida adotado.”
Devemos incluir a paisagem sonora eclesial nos “dilemas ambientais” que
têm afetado “a sua saúde física, mental-emocional, social e espiritual” do ser
humano, pois o tempo de exposição a uma alta intensidade sonora é um fator de
diminuição/perda da audição. Este assunto será comentado mais adiante.
O terceiro destaque aponta para a urgência da conscientização e para a
imperiosa necessidade do cuidado que se deve ter com a paisagem sonora eclesial,
porque ”os cristãos, em geral, têm se preocupado mais com a redenção espiritual
do ser humano, nem sempre considerando o ser humano e a vida em todos os seus
aspectos.”
O quarto destaque é a afirmação de que “cada ser humano assuma o
compromisso de cuidar com sabedoria, criatividade e sustentabilidade de sua vida,
de seus relacionamentos e da natureza.”
O penúltimo destaque considera que “os empreendimentos imobiliários
sejam planejados e executados de modo a preservar o meio ambiente e a
transformar o Planeta Terra numa habitação segura para a vida humana.” Ao se
falar em empreendimentos imobiliários, devemos incluir os templos das igrejas.
Muitos, e porque não dizer a maioria, não possuem planejamento acústico,
tornado-se verdadeiros espaços de poluição sonora.
O último destaque que faço na “carta de Niterói” é a afirmação de “que a
educação ambiental e para a vida seja incluída na formação do sujeito histórico
desde a sua infância em nossa Nação”. Complementando essa declaração, incluo: a
começar com a educação auditiva.
6
Finaliza a carta de Niterói afirmando que “tudo isto para que conquistemos a
VIDA PLENA E O MEIO AMBIENTE.”
Resumindo, a sustentabilidade inclui o sentido da audição e a paisagem
sonora de uma igreja em culto.
Assumindo que a sustentabilidade exige ações responsáveis no concernente
à paisagem sonora eclesial, tanto dos líderes eclesiásticos quanto dos participantes
dos cultos, e, entendendo o que vem a ser paisagem sonora, pergunta-se: será que
as igrejas vêm produzindo um “ruído sagrado”?
3. “Ruído Sagrado”
O ruído é um dos sons presentes numa paisagem sonora. Os ruídos são
classificáveis, evolutivamente, assim:
a) “Som indesejado. The Oxford English Dictionary contém referências a ruído
como som indesejado datadas de 1225.
b) Som não-musical. O físico do século XIX Hermann Helmholtz empregou a
expressão ruído (noise) para descrever o som composto por vibrações nãoperiódicas (o roçar das folhas) em comparação com o som musical, que consiste em
vibrações periódicas.
c) Qualquer som forte. No uso geral de hoje, ruído se refere com frequência a
sons particularmente fortes. Nesse sentido, uma lei sobre a redução do ruído proíbe
certos sons fortes ou estabelece seus limites permitidos em decibéis7.
d) Distúrbio em qualquer sistema de sinalização. Em eletrônica e engenharia,
ruído refere-se a qualquer perturbação que não faça parte do sinal, como a estática
em um telefone ou o chuvisco na tela da televisão.”8
“Ruído Sagrado” é definido como “qualquer som prodigioso9 (ruído) que seja
livre da proscrição [proibição] social. Originalmente o ‘Ruído sagrado’ refere-se a
7
“O decibel, como meio de estabelecer graus definidos de pressão sonora, só veio a ter um uso difundido a
partir de 1928.” (SCHAFER, R, Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e
pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora
UNESP, 2001. Página 113).
8
SCHAFER. R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual
estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. São Paulo: Editora UNESP,
2001. Página 256.
9
Som fora do comum, sobrenatural.
7
fenômenos naturais, como o trovão, erupções vulcânicas, tempestades etc., pois
acreditava-se que representassem combates divinos ou a ira dos deuses para com o
homem. Por analogia, a expressão pode ser estendida aos ruídos sociais que, pelo
menos durante certos períodos, têm escapado à atenção dos legisladores da
redução de ruído, como os sinos de igreja, o ruído industrial, a música pop
amplificada etc.”10
Um exemplo de “Ruído Sagrado” pode ser aquele que o pesquisador Samuel
Rosen estudou na paisagem sonora de uma tribo do Sudão e descobriu que o nível
sonoro daquele povoado estava abaixo de 40 dB na maior parte dos dias, excetos
pelas pesadas chuvas que caíam cerca de três vezes por semana durante seis meses
do ano, quando se ouvia os estrondos do trovão. Tal baixo nível sonoro podia ser
explicado pela ausência de superfícies altamente reverberantes, como paredes,
forros, chão ou mobiliário pesado. Entretanto, “os sons mais fortes (cerca de 100
decibéis) foram encontrados quando os habitantes do povoado estavam cantando e
dançando, o que ocorria, para a maior parte deles, ‘num período de cerca de dois
meses, durante a celebração da colheita da primavera’ (isto é, um festival
religioso).”11
As igrejas, portanto, produzem dominicalmente o “Ruído Sagrado”, pois
“celebram” a cada semana com sons
amplificados em níveis altíssimos de
decibéis. Não há lei, divina ou
humana, que controle os eventos
acústicos num culto, a não ser o bom
senso daquele que manipula os
aparelhos amplificados.
A comunidade matoscostense comemorou o
retorno das atividades do Sino da Igreja São João
dos Pobres, como será chamado, em referência
ao antigo nome da cidade.
10
11
SCHAFER, 2001:368.
Idem, página 83.
Para muitas igrejas cristãs
(protestantes e católicas), “o divino
era sinalizado pelo sino da Igreja. É
8
um desenvolvimento tardio da mesma necessidade de clamor que antes havia sido
expressa pelo canto e pelo estrondo. O interior da igreja também reverberava com
os mais espetaculares eventos acústicos, pois o homem trouxe para esse lugar não
somente as vozes que se ouviam nos cânticos, mas também a mais ruidosa máquina
que até então ele havia produzido – o órgão. E ele foi planejado para fazer a
divindade ouvir.”12
Os ruídos fortes evocavam o temor e o
respeito nos primeiros tempos, e eles pareciam ser a
expressão do poder divino. “[...] esse poder foi
transferido dos sons naturais (trovão, vulcões,
tempestades) para os dos sinos da igreja e [para os
sons] do órgão de tubo. Chamei esse som [diz
Schafer] de Ruído Sagrado para distingui-lo de outro
tipo de ruído (com letra minúscula) que implica danos
e requer legislação sobre a sua diminuição. Esse ruído
sempre foi, basicamente, a turbulenta voz humana.
Durante a Revolução Industrial, o Ruído Sagrado
passou para o mundo profano. Então os industriais
detinham o poder e tinham permissão para fazer
Ruído por meio das máquinas a vapor e dos jatos de
vapor das fornalhas, do mesmo modo que,
anteriormente, os monges tinham sido livres para
fazer Ruído com o sino da igreja, ou J. S. Bach para
registrar seus prelúdios no órgão.”
Órgão de tubos da PIB
do Rio de Janeiro
Ruído e poder sempre estiveram associados e essa associação nunca foi
desfeita na imaginação humana. O poder “provém de Deus, para o sacerdote, para
o industrial e, mais recentemente, para o radialista e o aviador. O que é importante
perceber é que: ter o Ruído Sagrado não é, simplesmente, fazer o ruído mais forte;
ao contrário, é uma questão de ter autoridade para poder fazê-lo sem censura. [...]
12
Idem, página 83.
9
Onde quer que o Ruído seja imune à intervenção humana, ali se encontrará um
centro de poder”13, um possível “Ruído Sagrado”.
A foto abaixo ilustra o poder, configurado pela grande capacidade de
produzir decibéis. Ao mesmo tempo, essa alta capacidade atua como um império –
domina todo o espaço sonoro –, todos são alcançados e dominados pela massa
sonora.
É esse tipo de imperialismo sonoro que acontece nos cultos evangélicos?
Imperialismo sonoro é o próximo tópico.
4. A paisagem sonora eclesial versus um imperialismo sonoro?
A Igreja utiliza a amplificação sonora durante os seus cultos. Todo som
produzido no “palco” é amplificado e, na maioria das vezes, essa amplificação é
controlada por pessoas não preparadas e não treinadas para exercer essa função.
O imperialismo sonoro praticado pela igreja caracteriza-se pela imposição de
uma intensidade e energia sonora a todos os presentes, e até mesmo ao público
externo ao templo, sem que possam se defender.
A palavra imperialismo foi primeiramente utilizada para se referir à extensão
de um império ou ideologia a partes do mundo remotas da fonte. “A Europa e a
América do Norte, nos últimos séculos, têm arquitetado várias estratégias
destinadas a dominar outros povos e sistemas de valores, e a subjugação pelo Ruído
tem desempenhado um papel considerável nesses esquemas. A expansão teve
lugar, primeiramente, na terra e no mar (trem, tanque, navio de guerra) e, depois,
no ar (aviões, foguetes, rádio). As sondas lunares [e espaciais] são a mais recente
13
Idem, páginas 114 e 115.
10
expressão da mesma confiança heroica que fez do Homem Ocidental um mundo de
poder colonial.”
É possível considerar a existência de perfis acústicos, isto é, atividades
humanas que produzem sons durante a sua execução. Esses perfis são classificados
como mais ou menos imperialistas. Por exemplo, “um homem com um alto-falante
é mais imperialista que outro que não o
possui, porque pode dominar o espaço
acústico. Um homem com uma pá não é
imperialista, mas um homem com uma serra
elétrica
é,
porque
tem
poder
para
interromper e dominar outras atividades
acústicas na vizinhança. (Nesse sentido,
notamos que os homens que trabalham em
ambientes
externos
foram
capazes
de
melhorar notavelmente a sua posição, depois
de tomarem posse de ferramentas que
chamavam a atenção para eles. Ninguém
escuta um coveiro.)”14 Ou, “se os canhões
fossem
silenciosos,
nunca
teriam
sido
utilizados na guerra.”15
O gráfico abaixo informa a potência sonora dos diversos “centros de poder”,
tendo como parâmetro a quantidade de decibéis que produzem:
14
15
Idem, página 115.
Idem, página 115.
11
Tabela 116
Um dos poderes financeiros se encontra nas corridas de fórmula um. Uma
igreja que detenha um canal de televisão/rádio tem mais “poder” de divulgação e,
consequentemente, financeiro do que a outra que não possui esse meio de
comunicação/divulgação.
Em relação aos templos das
igrejas, quais são os seus formatos,
hoje? Na verdade, são verdadeiras
“caixas de sapatos”, nas quais o som se
encontra totalmente preso. Não existe
um
projeto
acústico,
nem
um
tratamento acústico.
Nos
últimos
anos
foram
registradas muitas reclamações policiais e judiciais sobre a intensidade sonora
produzida nos cultos. Um exemplo é o seguinte:
De janeiro a abril [de 2011], a Seman (Secretaria do Meio Ambiente e
Controle Urbano) de Fortaleza, capital do Ceará, autuou
121estabelecimentos que produzem barulho em excesso. Desse total, 56
são igrejas evangélicas, as campeãs absolutas em poluição sonora. Os
bares ficaram em segundo lugar, com 45 reclamações justificadas,
seguidos pelas caixas de som de veículos e pelos restaurantes. A Seman
vai procurar cada uma das igrejas barulhentas para convencê-la a
obedecer a lei e a respeitar o próximo. Mas o fará com muito jeito, para
não ser acusada de intolerância religiosa. A expectativa de Júlio César
16
Idem, página 114.
12
Costa, assessor de fiscalização da secretaria, é de que os pastores
entendam não estar havendo interferência na liberdade da prática dos
cultos. “Estamos apenas querendo que a lei seja cumprida.” Disse que as
igrejas que continuarem barulhentas serão punidas com multas de até R$
4 mil. O que ocorre em Fortaleza se repete não só no Nordeste, mas nas
17
principais cidades brasileiras, com maior ou menor intensidade.
Outro exemplo é:
Crescem denúncias de poluição sonora contra igrejas de Manaus. Só neste
ano, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade recebeu
12,3% reclamações a mais de vizinhos sobre barulho do que no mesmo
período de 2011. Em Manaus, três igrejas foram interditadas pela
Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas),
entre 1º de janeiro e 15 de março deste ano, por poluição sonora. Foram
registradas 59 denúncias populares contra instituições religiosas nos
primeiros 75 dias de 2012. Em 2011, 478 igrejas foram denunciadas à
Semmas por poluição sonora e 36 foram notificadas. O chefe de
fiscalização da Semmas, engenheiro Norberto Magno, afirmou que o
quantitativo de denúncias entre janeiro e março de 2012 corresponde a
12,3% do total registrado no ano passado. Além das três igrejas
interditadas, outras 13 foram notificadas. A Semmas não divulgou o nome
das instituições. Norberto Magno ressalta que a fiscalização da secretaria,
visa, principalmente a orientação dos responsáveis quanto à necessidade
de licenciamento e modulação do som. “Muitas instituições alegam falta
de recursos para implantação dos projetos acústicos”, destaca. A Semmas
está formando um grupo de trabalho para prestar o apoio técnico às
igrejas sobre os procedimentos necessários ao licenciamento. O pastor
Aroldo Telles de Oliveira, da Igreja Evangélica do Avivamento Jesus é o
Caminho, disse que gastou R$ 140 mil para fazer o isolamento acústico da
igreja que dirige, na Avenida Constantino Nery, Centro. Ele chegou a ser
preso em flagrante por poluição sonora, durante um culto matinal em
maio de 2009. “Nós evangélicos sofremos preconceito por parte de alguns
vizinhos que não gostam de Deus”.18
A paisagem sonora eclesial não deve ser imperialista. Em outras palavras, não
se deve impor aos participantes dos cultos, e até aos ouvintes involuntários que se
encontram do lado externo do templo, uma sonoridade agressiva à saúde.
O entendimento de sustentabilidade, que inclui a preservação do ser humano
em sua totalidade, abrange a administração dos níveis de intensidade e da
qualidade de todo o som que se impõe à audição dos participantes dos cultos. De
qualquer maneira, a igreja exerce um imperialismo sonoro que pode chegar à
17
http://padom.com.br/igrejas-evangelicas-sao-campeas-em-poluicao-sonora-em-fortaleza/, acessado em 16
Jun 2012.
18
http://www.radioc.com.br/a/index.php?option=com_content&view=article&id=2529:crescem-denunciasde-poluicao-sonora-contra-igrejas-de-manaus-&catid=3:brasil, acessado em 16 Jun 2012.
13
poluição sonora e à insustentabilidade auditiva do seu público. Esta, com certeza,
traz malefícios à saúde.
4.1. Prejuízos à saúde
O ruído, ou o barulho, já era conhecido como causador de malefício à saúde,
especificamente a surdez, desde o ano de 183119.
Houve evolução no cuidado com a saúde auditiva no decorrer dos anos a
ponto de ser estabelecido “[...] que os sons acima de 85 decibéis, ouvidos
continuamente por longos lapsos de tempo, causam sério dano à audição. [...] A
exposição prolongada a sons acima dessa medida pode causar, a princípio, um
desvio temporário do limiar (TTS)20.
A tabela a seguir informa a quantidade máxima de horas a que deve ser
exposto um indivíduo para que não sofra algum malefício auditivo.
Tabela 221
19
Quando Fosbroke descreveu a surdez que ocorria entre os ferreiros, mas esse estudo permaneceu isolado
até 1890, quando Barr [não J. S. Bach] pesquisou cem caldeireiros e descobriu que nenhum deles tinha
audição normal. [...] O trabalho de martelar e rebitar peças de aço agrupadas produzia um ruído intenso, que
resultava em uma forma de dano auditivo no qual ocorrer surdez para freqüências agudas. O termo [doença
de caldeireiro] boilemakers disease entrou em uso pouco tempo depois, referindo-se a todos os tipos de
perda auditiva industrial, embora sua prevenção só tenha sido seriamente levada em consideração nos países
mais industrializados em 1970.” (SCHAFER, 2001:113). Schafer afirma que encontrou um estudo pioneiro
sobre surdez industrial datado de 1713, de Bernardino Ramazzini, denominado Doenças dos trabalhadores.
(Idem, página 113, nota de rodapé número 10).
20
O TTS [Temporary Threshold Shift] é uma elevação do limiar da audição, de modo que, após se haver
sujeitado a uma experiência realmente ruidosa, todos os sons ouvidos posteriormente parecem ser mais
tênues do que o usual. A audição normal retorna depois de algumas horas ou dias. Exposições posteriores
podem ocasionar lesão coclear permanente, tendo como resultado um desvio permanente do limiar (PTS)
[Permanent Threshold Shift]. Quando ocorre no ouvido interno, essa perda é incurável.
21
Idem, página 259.
14
A ameaça de perda auditiva amplia-se à medida que objetos elétricos e
eletrônicos são disponibilizados para compra e entram em nossa casa e nas igrejas.
“[...] alguns pesquisadores descobriram que a exposição a níveis de ruído
considerados baixos – 70 dBA durante dezesseis horas diariamente – pode ser
suficiente para causar perda auditiva. Esse nível é substancialmente mais baixo do
que o congestionamento de tráfego em uma rua movimentada.”22
Uma pesquisa demonstrou que crianças de escolas públicas apresentaram
um acentuado decréscimo de audição das frequências agudas à medida que
avançam nas séries escolares, “período em que estiveram expostos a bandas de
rock, motocicletas e outros ruídos ‘recreativos’”. Descobriu-se que a ”capacidade
auditiva dos calouros da faculdade que tinham assistido a shows de rock mostravase frequentemente prejudicada, de forma semelhante à de uma pessoa de 65
anos”.23 Por isso, é pertinente a afirmação de que o trovão, a original Vox dei e o
Ruído Sagrado migraram para a banda de rock, passando, primeiramente, para a
catedral e, secundariamente, para a fábrica.
Não é novidade a afirmação de que as bandas musicais no estilo rock and roll
têm presença garantida nos cultos dominicais nas igrejas evangélicas e, muitas
vezes, produzindo poluição sonora, implicando em malefícios auditivos, tanto para
os músicos quanto para os participantes dos cultos.
22
23
Idem, página 260.
Idem, página 260.
15
Outros malefícios
podem ser produzidos
pela poluição sonora. O
som,
por
ser
uma
vibração, afeta o corpo
de várias maneiras. “O
ruído
intenso
pode
causar dores de cabeça,
náuseas,
sexual,
impotência
redução
da
visão, debilitação das
funções cardiovascular,
gastrintestinal
respiratória.
e
Mas
os
ruídos não precisam ser
intensos para afetar o estado físico das pessoas durante o sono. Pesquisadores [...]
descobriram que ‘o nível de 35 decibéis pode ser considerado como o limiar para
que se tenham condições ótimas de sono’ e que ‘quando o ruído está no nível de 50
decibéis ... há intervalos realmente breves de sono profundo ... seguidos, ao
despertar, por uma sensação de fadiga acompanhada por palpitações’.” 24
24
Idem, página 260.
16
A seguir, a tabela 3 mostra os possíveis efeitos negativos do impacto do ruído
sobre o corpo humano.
Tabela 3
Existia uma verdade de que há a perda da audição com o avanço da idade. O
conceito que se tinha era de que “a audição de qualquer pessoa tende a degenerar
um pouco com a idade. Isso acontece muito gradualmente e começa, em primeiro
lugar, com as freqüências agudas, que é a razão pela qual as pessoas mais velhas
muitas vezes se queixam de que ‘todos sussurram hoje em dia’. [...] Sempre se
considerou que a presbicusis25 era o resultado natural do envelhecimento, a
exemplo do cabelo grisalho e das rugas. [...] Um estudo numa tribo de africanos de
Mabaan, no Sudão, mostrou muito pouca perda auditiva causada por presbicusis. Os
africanos com 60 anos de idade tinham audição tão boa ou melhor do que a média
25
Perda gradual da acuidade auditiva em função da idade.
17
dos americanos com idade de 25 anos. Um otologista de Nova York, [...] sob cuja
supervisão o estudo foi feito, atribuiu essa capacidade auditiva superior dos
africanos ao seu ambiente isento de ruídos. Os sons mais fortes ouvidos em Mabaan
eram os das próprias vozes cantando e gritando durante as danças tribais.”26 Essa
pesquisa está colocando em dúvida a “verdade” da progressiva perda auditiva com
o aumento da idade do indivíduo e apontando para a poluição sonora como a
possível causa dessa perda auditiva.
Aos diversos locais foram indicados níveis de intensidade sonora, traduzidos
em decibéis, que são apropriados para produzirem um conforto auditivo. Esses
níveis foram estipulados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT/NBR)
através da NBR/ABNT 10152, conforme a tabela que segue.
Finalizando este tópico, está comprovado cientificamente que a poluição
sonora faz mal à saúde do indivíduo. Será que a igreja, que se encontra tratando da
“sustentabilidade” espiritual, encontra-se provocando malefícios à saúde auditiva
do seu povo?
26
Idem, página 260-261.
18
5. Reflexões finais
A paisagem sonora eclesial deve ser convidativa. A paisagem sonora deve ser
atrair as pessoas por intermédio de sua qualidade técnica.
A paisagem sonora eclesial deve ser significante. A paisagem sonora eclesial
não deve funcionar como um meio de confusão mental ou meio propiciador de
êxtase. Cada som da paisagem sonora eclesial deve ser produzido livre de ruídos, o
que facilitará a sua percepção e interpretação. Havendo a interpretação, a
possibilidade de crescimento do indivíduo, nas diversas dimensões do ser humano,
será factível.
A paisagem sonora eclesial deve ser benéfica à saúde auditiva. Proporcionar
o bem estar auditivo aos participantes do culto deve ser uma busca constante da
liderança eclesiástica, um compromisso com a sustentabilidade humana e com a
diminuição, e porque não dizer, a eliminação da poluição sonora da paisagem
sonora eclesial.
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