Um Estudo Sobre Espaços Vetoriais Simpléticos Fabiano Borges da Silva ∗ Lı́via T. Minami Borges † 28 de novembro de 2015 Resumo O presente artigo estuda de maneira detalhada espaços vetoriais que possuem uma estrutura especial dada por uma forma bilinear simplética. A principal finalidade é descrever em detalhes a relação que existe entre as formas bilineares simpléticas e as matrizes anti-simétricas invertı́veis, fornecendo um material acessı́vel para estudantes de graduação. Palavras Chave: formas bilineares, espaços vetoriais simpléticos, matrizes antisimétricas. Introdução O objetivo deste artigo é divulgar espaços vetoriais simpléticos aos estudantes de Álgebra Linear, afim de despertar o interesse pela área e propiciar um material que poderá ser usado de apoio em estudos avançados de Geometria Simplética. Espaços vetoriais simpléticos fazem parte de um contexto introdutório no estudo da geometria das variedades simpléticas, as quais são caracterizadas pela existência de uma 2-forma fechada e não-degenerada definida no espaço vetorial tangente da variedade. Inicialmente, esta geometria era apenas uma ferramenta de suporte para estudos de campos hamiltonianos em variedades. Porém, atualmente, é uma área de pesquisa com diversas aplicações, como pode ser visto em [1] e [4]. Neste trabalho, procuramos demonstrar em detalhes os teoremas 2 ,8 e 9, que são afirmações encontradas nos capı́tulos iniciais de [1] e [4]. Quanto ao Teorema 2, encontramos, em [2], apenas uma versão para matrizes simétricas e, por este motivo, fizemos sua demonstração. 1 Formas bilineares e matrizes. Nesta seção, veremos que cada forma bilinear está associada a uma matriz e, em particular, cada bilinear anti-simétrica está associada a uma matriz anti-simétrica. Esta relação será importante para compreender a relação entre formas simpléticas e matrizes anti-simétricas invertı́veis. Definição 1 Seja V um espaço vetorial real. Uma forma bilinear sobre V é uma função f : V × V → R que satisfaz: ∗ † Email: [email protected], Departamento de Matemática-UNESP-Bauru/SP Email: [email protected], Departamento de Matemática-IFSP-Birigui/SP 1 1. f (λu1 + u2 , v) = λf (u1 , v) + f (u2 , v), ∀λ ∈ R, ∀u1 , u2 , v ∈ V ; 2. f (u, λv1 + v2 ) = λf (u, v1 ) + f (u, v2 ), ∀λ ∈ R, ∀u, v1 , v2 ∈ V. Ou seja, ela deve ser linear em cada uma das variáveis, quando a outra é deixada fixa. A matriz associada a uma forma bilinear f, com relação à base β = {v1 , ..., vn } de V , é a matriz [f ]β = [aij ], onde aij = f (vi , vj ). Para u, v ∈ V temos que u = a1 v1 + · · · + an vn e v = b1 v1 + · · · + bn vn , com ai , bj ∈ R. E assim, pela bilinearidade da f , temos que f (u, v) = n X n X ai bj f (vi , vj ) = i=1 j=1 n X n X ai f (vi , vj )bj . i=1 j=1 Logo podemos escrever f (u, v) = [u]tβ [f ]β [v]β , onde [v]β denota a matriz coluna formada pelas coordenadas do vetor v com relação à base β e [u]tβ denota a transposta da matriz coluna [u]β . Se dim V = n, o conjunto B(V, R) das formas bilineares sobre V formam um espaço vetorial de dimensão n2 , o qual é isomorfo ao espaço vetorial das matrizes n × n com entradas reais. De fato, se considerarmos a transformação linear T : B(V, R) −→ Mn (R) f 7−→ [f ]β temos que: (i) T é injetora. De fato, se [f ]β = [g]β para f, g ∈ B(V, R), nos vetores da base β, temos que f (vi , vj ) = g(vi , vj ) e, para (u, v) ∈ V × V , segue que f (u, v) = = n X n X i=1 j=1 n X n X ai bj f (vi , vj ) ai bj g(vi , vj ) i=1 j=1 = g(u, v). (ii) T é sobrejetora. De fato, qualquer que seja A ∈ Mn (R), podemos definir fA (u, v) = [u]tβ A[v]β e, desta maneira, temos que fA é bilinear e T (fA ) = [fA ]β = A. Uma forma bilinear f , tal que f (u, v) = −f (v, u), ∀ u, v ∈ V , é chamada de antisimétrica. Uma matriz A é anti-simétrica se At = −A. O próximo resultado mostra que a bijeção mencionada acima associa formas bilineares anti-simétricas às matrizes anti-simétricas. Mais precisamente, que o subespaço vetorial das formas bineares anti-simétricas é isomorfo ao subespaço vetorial das matrizes anti-simétricas. Teorema 2 Seja V um espaço vetorial real de dimensão finita e f : V × V → R uma forma bilinear. As seguintes afirmações são equivalentes: (a) f é anti-simétrica; (b) [f ]β é uma matriz anti-simétrica para alguma base ordenada β de V ; (c) [f ]γ é uma matriz anti-simétrica para toda base ordenada γ de V . 2 Demonstração. (a) ⇒ (b) Seja β uma base de V . Então, para todo u, v ∈ V , temos [u]tβ [f ]β [v]β = f (u, v) = −f (v, u) = −[v]tβ [f ]β [u]β = −([v]tβ [f ]β [u]β )t = [u]tβ (−[f ]tβ )[v]β . Portanto, [f ]tβ = −[f ]β . (b) ⇒ (c) Seja β uma base de V , tal que [f ]β é anti-simétrica. Para cada base γ de V , existe uma matriz M invertı́vel tal que [f ]β = M t [f ]γ M. E assim, ([f ]β )t = (M t [f ]γ M )t = M t [f ]tγ M. Como [f ]tβ = −[f ]β , segue que −[f ]β = M t [f ]tγ M. Portanto, −M t [f ]γ M = M t [f ]tγ M. Logo, −[f ]γ = ([f ]γ )t . (c) ⇒ (a) Seja β uma base de V . Então, para cada u, v ∈ V , temos que f (u, v) = [u]tβ [f ]β [v]β . Como [u]tβ [f ]β [v]β é uma matriz 1 × 1, segue que f (u, v) = ([u]tβ [f ]β [v]β )t = [v]tβ ([f ]β )t [u]β = −[v]tβ [f ]β [u]β = −f (v, u). 2 Em [2, p.227], existe uma versão análoga à proposição acima para formas bilineares simétricas (f (u, v) = f (v, u) ∀u, v ∈ V ) e matrizes simétricas (At = A). Além disso, como toda matriz A pode ser escrita como 1 1 A = (A + At ) + (A − At ), 2 2 temos que os subespaços das matrizes podem ser decompostos em soma direta entre os subespaços das matrizes simétricas e anti-simétricas. A mesma decomposição ocorre com os subespaços vetoriais das fomas bilineares, com relação às formas simétricas e anti-simétricas. 3 2 Espaços vetoriais simpléticos. Nesta seção, daremos uma breve introdução aos espaços vetoriais simpléticos. Definição 3 Sejam V um espaço vetorial real e Ω : V × V → R uma forma bilinear anti-simétrica. Dizemos que Ω é não-degenerada ou simplética se: Ω(u, v) = 0, ∀v ∈ V ⇒ u = 0. Um espaço vetorial simplético (V, Ω) é um espaço vetorial V , com uma forma (ou estrutura) simplética Ω. Para ilustrar a definição acima, daremos agora um exemplo de espaço vetorial simplético com uma forma bilinear definida em R2 × R2 . Exemplo 1 Seja V = R2 e considere a forma bilinear dada por Ω0 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) = u1 v2 − u2 v1 . Mostraremos primeiramente que Ω0 é bilinear. (i) Ω0 (λ(u1 , u2 ) + (w1 , w2 ), (v1 , v2 )) = Ω0 ((λu1 + w1 , λu2 + w2 ), (v1 , v2 )) = (λu1 + w1 )v2 − (λu2 + w2 )v1 = λ(u1 v2 − u2 v1 ) + (w1 v2 − w2 v1 ) = λΩ0 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) + Ω0 ((w1 , w2 ), (v1 , v2 )). (ii) Ω0 ((u1 , u2 ), λ(v1 , v2 ) + (w1 , w2 )) = Ω0 ((u1 , u2 ), (λv1 + w1 , λv2 + w2 )) = u1 (λv2 + w2 ) − u2 (λv1 + w1 ) = λ(u1 v2 − u2 v1 ) + (u1 w2 − u2 w1 ) = λΩ0 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) + Ω0 ((u1 , u2 ), (w1 , w2 )). Agora, vamos verificar que Ω0 é anti-simétrica. Ω0 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) = u1 v2 − u2 v1 = −(v1 u2 − v2 u1 ) = −Ω0 ((v1 , v2 ), (u1 , u2 )). Por fim, Ω0 é simplética pois, se Ω0 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) = 0, ∀(v1 , v2 ) ∈ R2 , então u1 v2 − u2 v1 = 0, para todo v1 , v2 ∈ R e, portanto, u1 = u2 = 0. De forma geral, podemos estender este exemplo tomando V = R2n e Ω0 (u, v) = [u]tα · J0 · [v]α , onde J0 = 0 I −I 0 e I é a matriz identidade n × n. O espaço vetorial R2n , com a estrutura dada pela forma bilinear Ω0 é chamado de espaço vetorial simplético canônico. O conceito de isomorfismo para espaços vetoriais simpléticos é dado pela definição abaixo e será útil na compreensão do Teorema 9. 4 Definição 4 Um simplectomorfismo S entre dois espaços vetoriais simpléticos (V1 , Ω1 ) e (V2 , Ω2 ) é um isomorfismmo linear S : V1 → V2 tal que S ∗ Ω2 = Ω1 , ou seja, Ω2 (S(u), S(v)) = Ω1 (u, v), para todo u, v ∈ V1 . Afim de ilustrar a definição acima, seja Ω0 como no Exemplo 1 e Ω1 dada por Ω1 ((u1 , u2 ), (v1 , v2 )) = 2u2 v1 − 2u1 v2 . Podemos verificar, como foi feito no Exemplo 1, que Ω1 é uma forma simplética 1 e que S(x, y) = (− x, y) é um isomorfismo que torna (R2 , Ω0 ) e (R2 , Ω1 ) espaços 2 simplectomorfos. 3 Formas simpléticas e suas matrizes associadas. Nesta seção, mostraremos que cada forma simplética, uma vez fixada uma base do espaço vetorial, está associada a uma única matriz anti-simétrica e invertı́vel. Para isso, necessitaremos dos seguintes resultados de Álgebra Linear. Proposição 5 Sejam U e V espaços vetoriais reais de mesma dimensão e T : U → V uma transformação linear. São equivalentes: 1. T é um isomorfismo; 2. T é injetora; 3. T é sobrejetora. Proposição 6 Sejam U e V espaços vetoriais reais, α base de U e β base de V . Uma transformação linear T : U → V é um isomorfismo se, e somente se, [T ]αβ for invertı́vel, onde [T ]αβ é a matriz associada à transformação linear T. As duas proposições acima podem ser encontradas, entre outros, em [2] e [3]. Lema 7 Sejam Ω uma forma simplética e Ω] : V → V ∗ a transformação linear dada por Ω] (u)(v) := Ω(u, v). Então, Ω é simplética se, e somente se, Ω] é um isomorfismo. Demonstração. Se Ω é simplética, então o núcleo da transformação linear Ω(u, ·) é {0} e portanto, Ω] é injetora. Pela Proposição 5, temos que Ω] é um isomorfismo. Reciprocamente, se Ω] é um isomorfismo, como dim V = dim V ∗ , segue que Ω] é injetora e o núcleo da transformação linear Ω(u, ·) é {0}. Portanto, Ω é simplética. 2 Quando tomamos a base canônica α = {e1 , e2 , ..., en } de V, podemos representar, conforme visto na Seção 1, uma forma bilinear anti-simétrica Ω por uma matriz anti-simétrica A = [Aij ], onde Aij = Ω(ei , ej ). Nestas condições, temos o seguinte resultado. Teorema 8 Seja Ω uma forma bilinear anti-simétrica. Então, Ω é simplética se, e somente se, A é invertı́vel. 5 Demonstração. Pela Proposição 6 e pelo Lema 7, temos que Ω é simplética se, e somente se, [Ω] ]αβ é invertı́vel, onde α é a base canônica e β é sua base dual. Falta então verificar que a matriz [Ω] ]αβ coincide com a matriz At . Para isto, notemos que Ω] (e1 ) = Ω(e1 , ·) = Ω(e1 , e1 ).e∗1 + ... + Ω(e1 , en ).e∗n , .. . Ω] (en ) = Ω(en , ·) = Ω(en , e1 ).e∗1 + ... + Ω(en , en ).e∗n . E portanto, Ω(e1 , e1 ) · · · .. ] α .. [Ω ]β = . . Ω(e1 , en ) · · · Ω(en , e1 ) .. t =A. . Ω(en , en ) 2 O teorema acima permite, entre outras coisas, obter vários exemplos de formas simpléticas a partir de matrizes anti-simétricas invertı́veis. Exemplo 2 Considere a matriz 0 0 0 0 A= −2 0 1 −1 2 −1 0 1 . 0 0 0 0 Como A é uma matriz invertı́vel e At = −A, segue que a forma bilinear Ω : R4 × R4 → R associada a esta matriz é uma forma simplética. Assim, para u = (a1 , a2 , a3 , a4 ) e v = (b1 , b2 , b3 , b4 ), Ω(u, v) = 4 X 4 X ai Ω(ei , ej )bj . i=1 j=1 Ou seja, na base canônica β temos que: Ω((a1 , a2 , a3 , a4 ), (b1 , b2 , b3 , b4 )) = [u]tβ A[v]β = a1 (2b3 − b4 ) + a2 b4 − 2a3 b1 + a4 (b1 − b2 ). Segue abaixo um resultado que nos fornece uma maneira de construir um espaço vetorial simplético a partir de qualquer espaço vetorial W, de dimensão finita, e seu espaço vetorial dual W ∗ . Além disso, dado qualquer isomorfismo linear T : W → W, constrói-se um simplectomorfismo a partir de T e seu adjunto T ∗ . Teorema 9 Sejam W um espaço vetorial de dimenção n e W ∗ seu dual. Então o espaço vetorial V = W ×W ∗ possui uma estrutura simplética natural Ω : V ×V → R definida por Ω((u, f ), (v, g)) := g(u) − f (v). Além disso, todo isomorfismo T : W → W determina um simplectomorfismo T ⊕ (T −1 )∗ : V → V. 6 Demonstração. Se {e1 , e2 , ..., en } é a base canônica de W, temos que a base canônica de V é dada por α = {(e1 , 0), (e2 , 0), ..., (en , 0), (0, e∗1 ), (0, e∗2 ), ..., (0, e∗n )}. Então, para todo 1 ≤ i, j ≤ n temos que: Ω((ei , 0), (ej , 0)) = 0; Ω((0, e∗i ), (0, e∗j )) = 0; Ω((ei , 0), (0, e∗j )) = δij ; Ω((0, e∗j ), (ei , 0)) = −δij . Desta forma, como na demonstração do Teorema 8, temos que a matriz [Ω]α é dada por: 0 −I [Ω]α = . I 0 Podemos ver que [Ω]α é anti-simétrica e invertı́vel, uma vez que seu determinante é diferente de zero. Portanto, Ω é simplética. E ainda, T ⊕ (T −1 )∗ é um simplectomorfismo pois: (T ⊕ (T −1 )∗ )∗ Ω((u, f ), (v, g)) = Ω((T u, (T −1 )∗ f ), (T v, (T −1 )∗ g)) = (T −1 )∗ g(T u) − (T −1 )∗ f (T v) = g((T −1 )T u) − f ((T −1 )T v) = gu − f v = Ω((u, f ), (v, g)). 2 Este teorema pode ser adaptado para variedades diferenciáveis, sendo W o espaço vetorial tangente. O leitor interessado em mais detalhes pode ver, entre outros, [1] e [4]. 7 Referências [1] Bursztyn, H e Macarini, L. – Introdução à geometria simplética, XIV Escola de Geometria Diferencial. Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Rio de Janeiro, 2006. [2] Coelho, F. U. e Lorenço, M. L.–Um Curso de Álgebra Linear, Editora da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. [3] Lima, E. L.–Algebra Linear, Coleção Matemática Universitária, Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Rio de Janeiro, 2011. [4] Silva, A. C. – Introduction to symplectic and Hamiltonian geometry, Publicações Matemáticas do IMPA. [IMPA Mathematical Publications] Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Rio de Janeiro, 2003. 8