ATO MÉDICO: O REAL SIGNIFICADO PARA A SOCIEDADE

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ATO MÉDICO: O REAL SIGNIFICADO PARA A SOCIEDADE BRASILEIRA
A aprovação pela Câmara dos deputados do substitutivo para o projeto de lei 7703/06, do Senado, conhecido como Ato Médico, ainda
gera polêmica.
A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 21 de outubro de
2009, o projeto de lei 7703/06, do Senado, que regulamenta o
exercício da medicina e aponta procedimentos exclusivos dos
médicos e as que podem ser desempenhadas por outros
profissionais da área de saúde. A proposta, que é conhecida
como Ato Médico, restringe a possibilidade de outros
profissionais, como fisioterapeutas e nutricionistas, de fazer
diagnósticos e de oferecer tratamento. Como o texto foi alterado
pelos deputados, o projeto retornará ao Senado para nova
apreciação. O mesmo tem sofrido resistência inexplicável,
desde 2002, quando foi apresentada a primeira versão do
projeto.
Histórico.
A Medicina é uma profissão conhecida de modo registrado
desde o início dos tempos históricos. Mas, certamente, já existia
muito antes disso na atividade dos xamãs, dos feiticeiros, dos
curandeiros e dos sacerdotes. Uma avaliação histórica mais
recente mostra que até o Renascimento existiam unicamente
duas profissões de saúde: a Medicina e a Farmácia. Pouco
depois, em alguns países, surgiu a Odontologia. No século XIX,
foi reconhecida mundialmente a profissão de Enfermagem. No
século XX, diversas profissões apareceram na área da saúde,
quase todas atuando em atividades que, anteriormente, eram
exclusivamente médicas, tais como a Fisioterapia, a
Fonoaudiologia, a Biomedicina e a profissão dos técnicos de
radiologia, exemplos de profissões que foram retiradas do corpo
da Medicina e se tornaram independentes por força da
legislação. Noutro extremo está a Psicologia, que, a rigor, não é
uma profissão apenas da área dos serviços que prestam
serviços de saúde.
A Medicina no mundo.
Diversos países já elaboraram suas legislações sobre as
competências dos profissionais de saúde, haja vista que muitas
categorias se diferenciaram da Medicina nas últimas décadas e,
no Brasil, já reivindicaram a especificação de suas funções. Em
1978, na cidade de Alma Ata, na URSS, a Organização Mundial
de Saúde (OMS) realizou a Conferência Internacional sobre
Cuidados Primários de Saúde, na qual estabeleceu-se o
conceito de saúde como “estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou
enfermidade”. Em 1986, a Carta de Ottawa para a Promoção da
Saúde, popularmente conhecida como “Saúde para Todos no
Ano de 2000”, acrescentou que, “como o conceito de saúde
como bem-estar transcende a idéia de forma de vida sadia, a
promoção da saúde não concerne, exclusivamente ao setor
sanitário”. Isso abriu a discussão em promoção da saúde sob
uma perspectiva internacional, envolvendo os vários campos do
conhecimento determinados pelos aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais. Realizada na Suécia em 1991, a
Declaração de Sundsvall – Terceira Conferência Internacional
de Promoção da Saúde reforçou as várias dimensões da saúde:
“a criação de ambientes favoráveis e promotores de saúde têm
diferentes dimensões: física, social, espiritual, econômica e
política.” Desta forma, mais uma vez, foi ressaltada a influência
de diversos fatores na promoção, controle e manutenção da
saúde.
O Ato Médico no Brasil.
A Constituição Federal Brasileira, de 1988, estabeleceu o que é
saúde, nos seus artigos nº 196, que legisla: “a saúde é direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação”; bem
como o artigo nº 200, o qual estabelece as competências do
SUS, como a de controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde e participar da produção
de medicamentos; ordenar a formação de recursos humanos na
área de saúde; e participar da formulação da política e da
execução das ações de saneamento básico. As diretrizes e
princípios do Sistema Único de Saúde acabaram sendo
norteadas pelo paradigma internacional da constituição
multifatorial da saúde. O SUS busca, um processo de
humanização na área da saúde, procurando superar o enfoque
biologicista e tecnicista das práticas em saúde e direcionando a
prática em uma atuação que inclua os aspectos sociais que
condicionam e determinam a vida, o adoecimento e a morte das
pessoas.
No Brasil, a atuação do médico como profissional de saúde
carece de revisão, uma vez que o exercício da Medicina no país
não fora alterado desde 1931. Assim, em 2002, foi proposto o
PLS nº 25/2002, primeira versão de uma lei que objetivasse tão
somente regulamentar os atos médicos. Mas a redação ainda
necessitava de ajustes, que foram sucessivamente sugeridos
pelos parlamentares, até que, em 2006, o Projeto de Lei
sofresse emendas e pudesse ser motivo de aprovação pela
Câmara dos Deputados, sob o substitutivo do projeto nº
7.703/06, em outubro de 2009. E agora, apesar de retorno ao
Senado, o projeto não pode mais receber emendas. Todas as
outras 13 profissões da saúde estão com suas atividades
regulamentadas há muito tempo, ao contrário da medicina,
justamente a mais antiga de todas.
O projeto de lei.
O projeto de lei estabelece quais atividades serão privativos de
médicos, quais serão compartilhados com outros profissionais
de saúde e resguarda as competências específicas das
profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista,
profissional de educação física, psicólogo, terapeuta
ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras
profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.
O PL 7703/06 torna privativos dos médicos outros trabalhos,
como a direção e a chefia de serviços médicos; a perícia e a
auditoria médicas e a coordenação e supervisão vinculadas, de
forma imediata e direta, às atividades privativas da carreira; a
indicação de internação e alta médica; atestação médica das
condições de saúde, o ensino de disciplinas especificamente
médicas e a coordenação dos cursos de graduação em
Medicina, dos programas de residência médica e dos cursos de
pós-graduação específicos para médicos. Está de fora da
condição de privativa a direção administrativa de serviços de
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saúde. Ficam resguardadas as competências específicas das
profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista,
profissional de educação física, psicólogo, terapeuta
ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras
profissões correlatas que vierem a ser regulamentadas.
Atividades normalmente feitas por outros profissionais ligados
ao setor da saúde são explicitamente citadas como não
privativas dos médicos, mas devem ser indicadas por eles.
Entre elas podem ser citadas: aplicação de injeções
subcutâneas, intradérmicas, intramusculares ou intravenosas;
punções venosa e arterial periféricas; coleta de material
biológico para análise laboratorial; realização de cateterismo
sem cirurgias; realização de curativo com desbridamento até o
limite do tecido subcutâneo, sem a necessidade de tratamento
cirúrgico. Também está excluído das ações privativas dos
médicos o atendimento à pessoa sob risco de morte iminente.
A Polêmica.
Lideranças de outras profissões da saúde atacam a chamada
Lei do Ato Médico divulgando interpretações equivocadas do
seu conteúdo, mesmo cientes de que o projeto aprovado não
interfere nas prerrogativas de suas atividades. A classe médica
alega buscar a proteção dos pacientes contra a atuação de
profissionais em funções além do que a sua formação e
capacitação permitem. Como forma de resistência à sua
aprovação, as outras profissões de saúde colocam-se contrárias
a tal projeto, contando com a solidariedade de alguns médicos
às causas destes profissionais, ao alegarem que tal projeto fere
a idéia de multidisciplinaridade e interdisciplinaridade
preconizados pelo sistema de saúde brasileiro. Para o deputado
e ex-presidente da Associação Médica Brasileira, Dr. Eleuses
Paiva, relator pela Comissão de Seguridade, “a aprovação do
ato médico, para a profissão, reflete um momento histórico, por
regulamentar uma das mais antigas profissões, cuja prática, no
Brasil, está no nível das melhores medicinas internacionais e
contribui para que profissionais competentes e bem qualificados
prestem uma melhor assistência à saúde no país.” E prossegue:
“Admitir-se um sistema de saúde que prescinda do médico,
somente recorrendo a ele quando o caso se complica, é
reconhecer uma assistência de 1ª classe e outra de 2ª classe.”
Para a análise consciente, deve-se observar que diversos
procedimentos de saúde são bastante delicados e necessitam
de um profissional com compreensão anatomofuncional
completa de um doente. Não que isso seja algo exclusivo do
médico, mas a sua formação o permite diagnosticar as
disfunções e fornecer informações completas e adequadas para
orientar com segurança o tratamento de enfermidades graves,
como neoplasias ou doenças contagiosas, e, no caso de a
conduta não estar em seu rol de atuação, corretamente
encaminhar o paciente ao profissional competente para a
terapia e tratamento do paciente. Sob esse prisma, o projeto de
lei não traz nada de novo senão simplesmente buscar a
regulamentação do que a sociedade já sabe e espera da
atuação dos médicos. Ampliando-se as consequências dessas
legislação, isto não só impedirá que outros profissionais
exerçam atividades de responsabilidade médica, mas também
exigirá dos próprios médicos maior responsabilidade na
execução de suas atividades.
Vale ressaltar que o PL 7703/06 não retira nenhuma
prerrogativa das demais profissões da área da saúde. O texto
do projeto de lei é claro e não deixa margem à dúvida sobre o
respeito às profissões regulamentadas, como expresso nos
parágrafos 6º e 7º do artigo 4º, que legisla sobre as atividades
privativas do médico: “§ 6º O disposto neste artigo não se aplica
ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.
§ 7º São resguardadas as competências específicas das
profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro,
farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista,
profissional de educação física, psicólogo, terapeuta
ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia e outras que
venham a ser regulamentadas”. Também são asseguradas
atividades das outras profissões, como mostra o parágrafo 5º do
mesmo artigo 4º, em que se configuram como não exclusivos de
médicos, podendo ser realizados por outros profissionais, vários
procedimentos, como a aplicação de injeções, passagem de
sondas, curativos, realização de exames, entre outros. Ao
contrário do que alguns opositores à lei vem argumentando o
projeto de lei não desestabiliza o SUS, e ainda cuida de
fortalecer o trabalho em equipe na área da saúde, de acordo
com o seu artigo 3º: “O médico integrante da equipe de saúde
que assiste o indivíduo ou a coletividade atuará em mútua
colaboração com os demais profissionais de saúde que a
compõem”.
Sendo assim, não há fundamento ético e nem legal nas
manifestações dos que afirmam que este projeto de lei em
tramitação no Congresso Nacional altera as relações sociais e
éticas dos profissionais e entre os profissionais de saúde com a
sociedade brasileira, pois ele justamente visa delimitar a
atuação dos profissionais médicos perante a equipe
multidisciplinar da saúde.Se a saúde no Brasil já não
enfrentasse tantos problemas, até poderíamos entender a
mobilização de certos setores contra o Projeto de Lei, que visa
regulamentar o exercício da Medicina. Na conjuntura atual, o
que temos é a impressão de que tais categorias, que inclusive já
tiveram suas profissões regulamentadas, se posicionam contra
no intuito de praticarem indevidamente ou mesmo conquistarem
o direito de exercerem atos médicos, como o de diagnóstico e
indicação de tratamento.
Espera-se, depois de tantas conquistas na área da saúde,
(inclusive o próprio conceito de Saúde proposto pela OMS) que
haja continuidade desta evolução a fim de que saúde seja
entendida e que suas ações sejam praticadas no intuito de
oferecer ao indivíduo o direito de considerar saúde como sendo
não apenas a ausência de doenças, mas o completo-bem estar
biopsicossocial e para tanto deve haver respeito, harmonia e
autonomia das profissões que se interrelacionam, cada um de
acordo com a sua esfera. Nós, profissionais da saúde, cada um
com seus atos profissionais específicos e próprios, devemos, a
bem da sociedade, buscar nos aproximar do que preconiza o
texto da Constituição Federal Brasileira e dela não nos afastar.
Lady Diana Lopes Freire Almeida é acadêmica de Medicina da
Emescam e diretora de Relações Externas da gestão 2011.
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