universidade nova de lisboa faculdade de ciências e tecnologia

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Que concepções e práticas profissionais sobre sucesso/insucesso escolar
possuem os docentes do 1º Ciclo do Ensino Básico
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E
TECNOLOGIA
Ana Cristina Simão G. M. Candeias
Março 2010
Manuel Marques Candeias
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Que concepções e práticas profissionais sobre sucesso/insucesso
escolar possuem os docentes do 1º Ciclo do Ensino Básico.
Projecto de tese apresentado no âmbito do Doutoramento em
Ciências da Educação
Orientadores:
Professora Doutora Mariana Gaio Alves
Professora Doutora Teresa Gonçalves
UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
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ÍNDICE
Introdução ……………………………..……………………………………... 4
1. Definição da problemática …………….……..………………………….…..5
2- Revisão da literatura
2.1. A escola e a educação ……………………………..…………………….…11
2.1.1. Perspectiva histórica ………………………………………………….…12
2.1.2. Educação tradicional ………………………………………………….…14
2.1.3. Educação nova ………………………………………………….……...19
2.2.
(in) sucesso educativo ……………………………………………….…..23
2.2.1. Etimologia ………………………………………………………….……23
2.2.2. O conceito de insucesso escolar …………………………………………24
2.2.3. Principais factores e teorias explicativas do insucesso escolar…………..25
2.2.3.1. Factores individuais e teoria dos “dotes” …………………………….27
2.2.3.2. Factores relativos à família e teoria do “handicap” sociocultural ..…28
2.2.3.3. Factores relativos ao sistema escolar e teoria sócio institucional ……29
2.2.4. Medidas contra o insucesso escolar ………………………………………30
3. Metodologia
Introdução …………………..…………………………………………………..37
3.1. O Campo da investigação …………………………………………………..37
3.2. Estratégias metodológicas ………………………………………………….38
3.3. Instrumentos de recolha de dados ………………………………………….40
3.4. Plano de investigação – Cronograma ………………………………………41
Bibliografia ……………………………………………………………………….43
3
Introdução
Uma das características mais evidentes da sociedade actual é a sua capacidade de
transformação. Capacidade essa, que se tem traduzido na forma acentuada com que as
sociedades se têm desenvolvido e consequentemente evoluído.
Esta evolução que se faz sentir nos mais diversos domínios de intervenção,
nomeadamente no económico, político ou social tem-se concretizado segundo duas
perspectivas, uma a nível global e outra a nível local e tem sido objecto por um lado de
grandes desafios, através da articulação de políticas, normas e directrizes estabelecidas à
escala mundial e que têm abrangido áreas tão importantes como a económica, a
formação científica, as questões de ordem social ou as ligadas às novas tecnologias de
comunicação que têm permitido o acesso à informação ou ao conhecimento, de forma
geral a todos os cidadãos. Por outro lado, tem sido objecto de grandes tensões, dado que
tem vindo acentuar de forma cada vez mais evidente quer ao nível mundial, quer ao
nível local, no interior de cada país, as diferenças entre pobres e ricos, favorecidos e
excluídos. Neste domínio, é de realçar as grandes desigualdades sociais que cada vez
são mais notórias e que embora constituam uma das preocupações das sociedades, pelos
debates que originam bem como pela relevância, em termos de agenda política, que lhes
é atribuída, nas últimas décadas têm-se constituído uma problemática de difícil
resolução. Tendo assim em conta que, este processo de evolução não tem retorno, há
que tentar amenizar e contrariar estas problemáticas que em última instância podem vir
a pôr em causa a integridade humana.
Neste contexto, a educação desempenha um papel fundamental, ajudando a
transformar esta realidade, preparando cada indivíduo para que se possa conhecer
melhor bem como compreender através dos seus conhecimentos o que se passa no
mundo. “A educação manifesta aqui, mais do que nunca, o seu carácter insubstituível,
na formação da capacidade de discernir. Facilita uma compreensão verdadeira dos
acontecimentos, para lá da visão simplificadora ou deformada transmitida, muitas vezes,
pelos meios de comunicação social, e o ideal seria que ajudasse cada um a tornar-se
cidadão deste mundo turbulento e em mudança, que nasce cada dia perante os nossos
olhos”. (Delors, Jacques, 1996, p. 42)
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Podemos assim verificar o papel de elevada relevância que a educação assume
na sociedade, tornando-se necessário e pertinente efectuar uma análise sobre a
instituição escola, no sentido de se procurar compreender como se organiza
nomeadamente, face aos desafios de uma sociedade em constante mudança ou ainda,
perante problemáticas como as resultantes do processo de massificação do acesso ao
ensino, ou perante a grande diversidade cultural que tanto caracteriza a população
escolar dos nossos dias. De acordo com diversos estudos, todos estes fenómenos têm
vindo a produzir grandes disparidades educativas, que se vão traduzir em diversas
problemáticas como as relacionadas com o insucesso e o abandono escolar.
Estas situações, que se manifestam de forma acentuada em Portugal, têm vindo a
agravar-se, já há algumas décadas e trazem consigo problemas complexos, que se
traduzem pela análise de dados como os relacionados com os índices de desemprego ou
de empregos precários de grande parte da população portuguesa bem como pelos baixos
níveis de escolarização que apresenta ou pela fraca competitividade.
Considera-se assim pertinente que se aprofunde mais os diversos aspectos que de
forma directa ou indirecta poderão influenciar o sucesso/insucesso escolar.
Tendo em conta que neste contexto a escola tem novamente um papel muito
importante, no sentido de promover a integração de todos os alunos, é necessário que
cada autor do sistema educativo, nomeadamente professores, alunos, pais e restante
comunidade educativa, desempenhe o seu papel, bem como à escola compete perceber
como se pode organizar para enfrentar todos estes problemas e desafios.
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1. Definição da problemática
Reflectir sobre a instituição escola é sempre algo aliciante. Geradora de concepções,
correntes e mesmo sentimentos antagónicos, a escola ao longo dos tempos tem sido
objecto de reflexões e de críticas de diversas ordens que de acordo com o paradigma de
análise podem vir a influenciar ou mesmo modificar a visão que se tem sobre ela.
Considerada, neste sentido, uma instituição bastante complexa, apresentando
problemáticas complexas, quer de ordem organizacional, social, cultural a reflexão
sobre a escola, tem assim de ter os seus alicerces, em factores considerados
fundamentais, nomeadamente a sociedade e os indivíduos que dela fazem parte.
Neste âmbito e tendo em consideração a prestação de serviços que a escola
oferece, podemos afirmar que esta se tem demonstrado pouco adequada à realidade da
sociedade dos nossos dias, bem como à sua constante evolução. Esta situação tem
resultado, por um lado de políticas educativas demasiado centralizadoras na
administração do sistema de ensino que levaram a uma desintegração das escolas do seu
meio local, bem como a uma fraca visão do que se pretende em termos futuros para as
gerações, no que se refere ao aumento da qualidade dos conhecimentos e das
competências, por outro lado, as escolas têm tido dificuldade em se adaptar à grande
heterogeneidade que caracteriza a população escolar da actualidade, implementando
modelos de gestão pouco participativos, sem autonomia e responsabilização, pouco
adaptados à sua realidade bem como aos interesses das suas populações.
Estas perspectivas tiveram consequências graves nas últimas décadas e que se
manifestaram nos alunos através da desmotivação e do desinteresse pela escola que,
acusam de não os conseguir preparar para o seu ingresso na vida activa nem de
proporcionar verdadeiramente uma igualdade de oportunidades.
Neste contexto e do ponto de vista de diversos autores, a escola por um lado se
proporciona o aumento dos conhecimentos e das competências, por outro também
reproduz as diferenças existentes na sociedade ao nível dos diversos grupos sociais.
Assim, considera-se que o sistema educativo valoriza de forma diferente os alunos
conforme os seus estratos sociais, ou seja, os alunos das classes mais poderosas serão as
classes poderosas do amanhã; os alunos das classes desfavorecidas serão as classes
desfavorecidas do amanhã. Neste âmbito, esta situação terá tendência a perpetuar-se
sendo que a desigualdade de escolarização produz a divisão social do trabalho.
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Neste sentido, as escolas desenvolvem uma acção educativa especificamente
dirigida aos seus alunos, que no contexto da sociedade das últimas décadas, se
caracterizam pela sua grande diversidade quer ao nível cultural, socioeconómico,
linguístico, da cor da pele, entre outras. Como instituição de grande complexidade, a
escola tem vindo ao longo dos tempos a enfrentar diversas ameaças, originando algumas
questões fulcrais relacionadas com o papel que desempenha, com a sua estrutura e
formas de organização. Esta perspectiva de análise refere assim que, reproduzindo a
escola os valores, princípios e os comportamentos das classes dominantes existentes na
sociedade, ela é geradora da desigualdade. Esta situação é observável através dos vários
elementos do sistema educativo, nomeadamente o currículo, as práticas educativas, a
organização escolar bem como as decisões tomadas ao nível das políticas educativas
que se desenvolvem dando resposta às exigências das classes dominantes. Segundo
Hernandez (1989) a cultura que está em minoria conforma-se à da maioria, adoptando
através de um processo de assimilação os comportamentos, valores, crenças e estilos de
vida da cultura dominante.
A partir dos anos 80, surge uma nova perspectiva de análise da evolução escolar.
Assistindo-se a uma tentativa de inovação pedagógica, centrando-se a pedagogia na
instituição escolar, esta perspectiva introduz uma nova concepção de escola que se
centra sobretudo no sujeito e nas relações de interacção que vai estabelecendo no
contexto de acção em que se encontra inserido no sistema e que o torna elemento activo
no percurso educativo.
Crozier e Friedberg (1977), que se destacam nesta perspectiva de análise,
afirmam que a racionalidade do actor é sempre condicionada, uma vez que age numa
determinada estrutura e está sujeito a determinadas condições. No entanto, não é
somente o sistema que determina completamente a acção dos sujeitos, estes também
podem provocar mudanças na estrutura desse sistema.
De acordo com esta análise, Lima (1991, p.148) afirma que mesmo num sistema
educativo de características tão centralizadoras e tão estruturado através da produção
legislativa, tal não significa que as escolas cumpram de forma uniforme todas as regras
estabelecidas. “O actor é o elemento central – aquele que, mesmo nas situações mais
extremas, conserva sempre o mínimo de liberdade que utilizará para bater o sistema”.
Esta perspectiva vem assim valorizar a escola como uma organização
implicando assim a concepção de novos modelos de organização curricular bem como
também uma aposta na autonomia. A escola como organização pretende agora
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transformar-se num local onde se exprime o debate educativo e se realiza a acção
educativa, contribuindo desta forma para a promoção do sucesso educativo.
Sarmento (1998, p.19) considera que as instituições escolares devem assim, ser
consideradas como sistemas concretos de acção onde os diversos elementos se interrelacionam entre si. “ A complexidade dos estabelecimentos escolares têm na regulação
aquilo que lhes permite continuar a desenvolver-se enquanto contextos onde
interactuam diferentes intencionalidades e onde se constituem e desenvolvem diferentes
lógicas de acção”.
A escola como organização promove as inter-relações entre os diferentes
elementos que nela funcionam, organiza-se no sentido de criar currículos e práticas
pedagógicas que se adaptam às diferenças dos alunos no sentido de combater os
problemas relacionados com o insucesso educativo e contribuir para uma efectiva a
igualdade de oportunidades. Neste âmbito, tende a encarar a diversidade, não como um
problema, mas como um factor de dinamismo realçando o respeito pela diferença, no
sentido da valorização das culturas e do alargamento do sucesso educativo.
Tendo assim em conta estas duas perspectivas de análise da evolução escolar das
últimas décadas, podemos afirmar, de acordo com diversos autores (Beaudelot e
Estabelet, 1971; Mollo, 1986, cit. Por Gilly, 1989) que a escola desde sempre tem sido
objecto de uma contradição profunda, ou seja, relativamente ao campo ideológico,
fomenta o direito à educação para todos como forma de suprimir as desigualdades
sociais, no que diz respeito ao seu funcionamento, este traduz-se muitas vezes, num
sistema de desigualdades ligadas às diferenças sociais que de acordo com as
modificações da estrutura vão tomando diversas formas, mas não deixarão de existir.
Neste sentido, o contacto diário com as escolas, os docentes bem como famílias
e outros elementos da comunidade educativa, onde é premente a preocupação
manifestada com questões ligadas às problemáticas do insucesso escolar e das
desigualdades educativas e sociais, está na origem do nosso interesse por este tema.
Simultaneamente temos consciência da grande preocupação da sociedade actual com a
necessidade de sucesso dos indivíduos nas diversas áreas, nomeadamente académica,
familiar, profissional. Sendo que a preocupação com o sucesso académico se apresenta
como algo que a todos preocupa, dado que o futuro do país e dos cidadãos depende, de
forma geral, do sucesso escolar. No campo escolar, embora nos últimos anos se tenham
feito alguns esforços, no sentido de dar uma resposta eficiente a estas questões,
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continuamos a assistir a estudos e discussões sobre as causas e as soluções para os
problemas do insucesso escolar. Tendo neste âmbito consciência que os docentes
desempenham ao nível de toda acção educativa um papel fundamental, uma vez que o
êxito ou o fracasso dos alunos decorre na maior parte das vezes da forma como se
implementam e desenvolvem as medidas e estratégias, quer em contexto de sala de aula
quer na escola em geral, esta situação fez-nos sentir a necessidade de através desses
estudos aprofundar esta temática, o que nos levou a colocar a seguinte pergunta de
partida:
Que concepções e práticas profissionais sobre sucesso/insucesso escolar possuem os
docentes do 1º Ciclo do Ensino Básico?
Com este nosso trabalho, pretendemos assim, compreender quais as concepções e
práticas dos docentes sobre sucesso/insucesso escolar.
Neste âmbito, efectuaremos uma análise dos conceitos sucesso e insucesso
escolar, nomeadamente pela relação antagónica que lhe está associada. Procuraremos
assim compreender estes dois conceitos a partir das diferentes interpretações de que têm
sido alvo ao longo dos tempos, nomeadamente através dos principais factores e teorias
explicativas que emergiram a partir das diferentes visões de que têm sido objecto, bem
como pela forma como as escolas se organizaram para planificar a sua acção educativa.
Iremos também tentar compreender, a partir da análise da participação na vida
da escola, no que se refere às práticas profissionais, como é que os docentes se
organizam e que dinâmicas encontraram para combater a problemática do insucesso
escolar. Entendendo-se como práticas profissionais dos docentes um processo articulado
entre a acção didáctica que remete directamente para o processo ensino - aprendizagem
e as diversas acções que resultam da dinâmica da vida interna da escola. Neste sentido,
entre outros aspectos procuraremos investigar, as medidas mais programadas e
utilizadas, os projectos em que se envolvem, as metodologias de trabalho encontradas.
É ainda nossa intenção perceber como é que os docentes aplicam os normativos
legais e as orientações recebidas, nomeadamente do Ministério da Educação, no que diz
respeito à promoção do sucesso educativo.
Nesta perspectiva, com este estudo pretende-se atingir os seguintes objectivos:
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OBJECTIVOS DO ESTUDO
Identificar as concepções dos docentes sobre sucesso/insucesso escolar;
Perceber como os docentes organizam e planificam a sua acção educativa em
contexto de sala de aula para combater o insucesso escolar;
Perceber como os docentes organizam e planificam a sua acção educativa em
contexto de escola para combater o insucesso educativo;
Compreender como os docentes aplicam os normativos legais e as orientações
recebidas, nomeadamente do Ministério da Educação;
Iremos agora iniciar a fundamentação teórica do trabalho, desenvolvendo os
contributos dos pensamentos pedagógicos, ideias e concepções gerais em educação
ao longo dos tempos, nomeadamente no último século, para o sucesso/insucesso
escolar. Analisaremos ainda o conceito de sucesso/insucesso escolar.
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2. Revisão da literatura
2.1.
A escola e a educação
A sociedade actual é considerada bastante complexa. Dominada pelo fenómeno da
globalização, que se traduz pela expansão ilimitada da informação, competitividade,
grandes disparidades de ordem social ou económica, entre outros factores, a sociedade é
constituída por inúmeras organizações, que enfrentam permanentemente grandes
tensões, exigências e também grandes desafios.
Neste âmbito, e de modo a que possa ultrapassar a extraordinária diversidade de
situações com que se confronta, a sociedade, através das suas organizações terá de
encontrar novas formas de actuação, baseadas em modelos de conhecimento,
motivações e interesses que lhe permita promover o desenvolvimento bem como a
coesão social, cultural ou económica.
O conceito de educação, na entrada deste novo século, surge como um alicerce
fundamental no desenvolvimento de um processo permanente de enriquecimento dos
conhecimentos, procurando neste sentido dar respostas aos desafios de uma sociedade
em constante transformação.
Nesta perspectiva, a escola, como organização, desempenha um papel
preponderante na formação dos indivíduos bem como na sociedade em geral,
procurando criar condições para o desenvolvimento harmonioso do Homem, no sentido
de tentar combater as diversas formas de exclusão social tão visíveis nas sociedades
modernas. É assim evidente a relação de interdependência que existe entre a escola e a
sociedade, pois foi esta que a criou e provavelmente é dela que depende para se renovar.
Neste aspecto, “a educação enfrenta enormes desafios, e depara-se com uma
contradição quase impossível de resolver: por um lado, é acusada de estar na origem de
muitas exclusões sociais e de agravar o desmantelamento do tecido social, mas por
outro, é a ela que se faz apelo, quando se pretende restabelecer algumas das
semelhanças essenciais à vida colectiva…” (Delors, Jacques, 1996,p.45).
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Podemos assim constatar que, a escola desde a sua origem, tem sofrido
influências do meio em que está inserida. Sendo utilizada pela sociedade como fonte
transmissora de modelos culturais, a escola tem sido objecto de críticas ao longo das
sucessivas gerações, desencadeando visões e perspectivas diferentes face ao modo como
se organiza e ao papel que desempenha na sociedade. Neste sentido, perante uma
massificação do ensino que se desenvolveu de forma acelerada nas últimas décadas e
partindo do princípio que todos os indivíduos têm acesso à educação, assiste-se ao
desenvolvimento de perspectivas diferentes. Assim, numa visão mais positiva, à escola
é atribuído “… um papel importante para a mobilidade social (proporcionando o acesso
de todos os indivíduos aos novos conhecimentos, informações e competências,
independentemente da classe social ou do grupo cultural, possibilita-se o crescimento de
toda a sociedade no sentido da sua modernização e dos ideais democráticos) ” (Roazzi,
A., & Almeida, L.S., 1988, p.55). As posições mais extremas, relativamente à escola,
consideram-na “… como um instrumento de manutenção e até de agravamento das
diferenças sociais. (…) A escola é então concebida como instituição ideológica do
Estado que, no interesse das classes dominantes, visa a transmissão de uma ideologia,
um conjunto de valores e de normas propostas como absolutas e imutáveis, e que
asseguram a submissão e o respeito da ordem constituída” (Roazzi, A., & Almeida,
L.S., 1988, p.55).
Nesta perspectiva será assim importante, para a compreensão da escola actual,
uma análise dos acontecimentos do passado, quer em Portugal, quer no Mundo, sendo
fundamental conhecer a relação que existe entre a educação e os acontecimentos sócio –
políticos de cada época.
2.1.1.
Perspectiva histórica
Ao analisarmos a Lei de Bases do Sistema Educativo português verificamos que nos
princípios gerais (Artigo 2º) é consignado que:
“1- Todos os portugueses têm direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição
da República.
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2- É da especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino,
garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e
sucesso escolares. (…)”
Tendo em conta estes princípios, torna-se necessário proceder a uma perspectiva
histórica da educação, uma vez que esta análise vai permitir-nos melhor compreender
“… a evolução, os processos de mudança, as etapas, as acelerações, os afrouxamentos, e
permite-nos fazer um balanço mais claro e sobretudo mais inteligível da situação da
educação actual” (Amado, 2007, p.9).
Analisar a história da educação, pressupõe uma reflexão sobre diversos ramos
que se completam entre si, nomeadamente no que se refere à história do pensamento
pedagógico, às ideias em educação e concepções gerais. Pressupõe também reflectir
sobre os métodos e as técnicas pedagógicas ou efectuar uma análise sobre a história das
instituições pedagógicas.
Neste sentido, será assim oportuno reflectirmos acerca da evolução das ideias
sobre educação, mais concretamente ao longo do último século, a fim de podermos
analisar quais os seus contributos para o sucesso ou insucesso educativo, uma vez que
conhecer os acontecimentos do passado nos vai permitir melhor compreender e explicar
o presente.
Nos finais do século XIX, princípios do século XX surgiu um movimento de
pedagogos que ficou conhecido por “Escola Nova” e que se veio a opor frontalmente à
Escola que apelidaram por Tradicional que se caracterizava essencialmente, por um
conjunto de processos educativos introduzidos na escola a partir do século XVII.
Este movimento da Escola Nova que veio a influenciar tudo o que aconteceu a
nível do ensino no século XX, veio estabelecer de forma explícita, um confronto entre
dois modelos pedagógicos e que apesar das tentativas de superação ainda é visível nos
dias de hoje, no nosso sistema de ensino.
Este conflito surge assim pelas posições antagónicas entre os dois modelos face
à forma como olham o aluno perante o seu processo de aprendizagem. Para a Educação
Tradicional, o aluno é comparado a um objecto a formar por uma acção exterior a
exercer sobre ele, para a Escola Nova o aluno tem consigo os meios necessários para ser
sujeito da sua formação. Este movimento vem assim tentar dar resposta a uma educação
que respeitasse mais as crianças, “… contra o adestramento, a dependência indiscutível
da criança e como adolescente ante regras e valores impostos pela sociedade adulta à
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geração que desponta, a transmissão passiva do saber e das ideias apresentadas como
eternas, proclamam-se os direitos da criança, o apelo à liberdade e à sua espontaneidade,
a confiança na sua natureza (…)” (Mialaret, Gaston, 1971,p.206).
No entanto, de acordo com L. Not (1989) hoje em dia, os docentes ainda não
orientam a sua acção educativa adoptando um modelo exclusivamente ou o outro,
mantendo-se indecisos perante os dois modelos pedagógicos e perspectivando a sua
actuação recorrendo aos contributos de ambos.
2.1.2.
Educação tradicional
Como já referimos, a Escola Tradicional caracteriza-se essencialmente por um conjunto
de processos educativos, nela introduzidos a partir do século XVII.
“O século XVII sacode a Europa com um forte movimento intelectual. Supera-se
definitivamente a ciência dos antigos; na Terra descobrem-se novos países; no céu,
novas estrelas; nas ciências novas leis. Por isto já não se pode manter o velho tipo de
educação predominantemente filológico e humanista. Onde a vida fala, não se pode
impor a autoridade da letra” (Francisco Larroyo, citado por Amado, 2007, p. 128).
Neste século, no campo da educação destaca-se entre outras a figura de
Coménio, que retomando os grandes modelos da antiguidade, lançou as bases para a
escola, tal como a vemos nos nossos dias. Europeu, para quem o espírito não tinha
fronteiras, olhava a escola como alicerce do desenvolvimento do indivíduo.
Reconhecido, na actualidade como inventor da ciência pedagógica, a educação era para
Coménio, a melhor via para levar o homem à razão, à verdade, para o fazer sair do
obscurantismo e do ódio, que no seu tempo se instalou na Europa. Para Coménio, cada
ser humano deveria alimentar a responsabilidade e o dever de dar ao seu semelhante a
melhor educação. Na perspectiva deste pedagogo a formação é permanente. A escola da
vida e a educação no sentido estrito não devem ser separadas, nem as actividades
manuais e intelectuais.
Esta concepção vai determinar o sentido da orientação que Coménio pretende dar aos
conteúdos dos seus ensinamentos. Coménio preocupou-se também de modo muito
especial com questões metodológicas, considerando a didáctica como a arte de ensinar,
escreveu a “Didáctica Magna” tendo como objectivo “uma reforma radical do
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conhecimento humano e da educação”. Com a Didáctica Magna, Coménio pretende
criar “… um método universal de ensinar todos. E de ensinar com tal certeza que seja
impossível não conseguir bons resultados. E de ensinar rapidamente, ou seja, sem
nenhum enfado e sem nenhum aborrecimento para os alunos e para os professores (…).
E de ensinar solidamente, não superficialmente e apenas com palavras, mas
encaminhando os alunos para uma verdadeira instrução…” (Amado, 2007, p. 129).
Neste âmbito, torna-se importante fazer com que nas escolas se passe a ensinar
tudo a todos, tentando que “… se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e
os objectivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se
fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de
espectadores mas também de actores” (Amado, 2007, p. 136).
Para Coménio a organização da escola deve permitir que, toda a juventude seja
formada, em todas aquelas coisas que podem tornar o homem sábio. Essa formação,
enquanto preparação para a vida, deve terminar na idade adulta. A Formação deve
fazer-se de forma tranquila, espontânea e assente em bases sólidas. (cfr.Amado, 2007, p.
140).
As ideias de Coménio e outros pedagogos de referência como Kant, mais
recentemente Durkheim, Alain e Château estão presentes na Escola Tradicional.
A Escola Tradicional caracteriza-se essencialmente pela adopção de uma ideia muito
simples que assenta no processo de transmissão dos conhecimentos. O aluno
desempenha assim um papel pouco activo, no acesso ao conhecimento. Ao mestre cabe
a função de expor e transmitir o que sabe tornando-se o aluno no receptáculo dos
saberes e no executor das tarefas que lhe são solicitadas a desempenhar. De acordo com
L. Not, 1991, p.14, o processo de transmissão dos conhecimentos tem por base dois
pressupostos: “…o primeiro é o de que se pode a partir do exterior, exercer sobre
alguém uma modelação da sua inteligência ou do seu saber”; o segundo “… que tem
como possível a transmissão do saber daquele que sabe para aquele que o ignora”.
Para que o saber se vá interiorizando, recorre-se à imitação e memorização, bem
como aos exames, aos programas, através de uma dinâmica de sanção / recompensa
material ou moral, no sentido de impulsionar o aluno a aprender. A esta interiorização
do saber nem sempre corresponde um processo de compreensão. Neste sentido, a Escola
Tradicional tem como grande preocupação a transmissão dos conhecimentos, é
essencialmente didáctica, receptiva, atribuindo ao aluno um papel passivo. Os
programas estruturam-se por séries de disciplinas autónomas, que se vão alargando
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progressivamente. O professor detém a exclusividade das iniciativas, transmitindo os
seus conhecimentos através de uma acção formadora e modeladora do aluno, que é
considerado um objecto. O aluno é visto como “ tábua rasa que o professor tem de
cavacar e aplainar; o livro em branco cujas páginas de ouro encherá de memórias e
definições abstractas; o botão de rosa que há-de abrir com o talento das suas mãos; a
cera maleável em que há-de modelar o homem à sua imagem e semelhança; a cabeça
que tem de formar e implantar nos ombros infantis” (Lobo, 1986, p.240).
O século XVIII vai ficar conhecido pelo século pedagógico. “A educação ocupa
o primeiro plano nas preocupações dos reis, pensadores e políticos”. (Amado, 2007, p.
147). Este período da história, também denominado por Iluminismo, bastante rico em
descobertas científicas e pelo aparecimento de movimentos de ideias, fez nascer uma
nova concepção do Homem.
Paul Hazard, em 1935, no prefácio de La crise de la conscience européenne,
escreveu: “A hierarquia, a disciplina, a ordem que a autoridade se encarrega de
assegurar, os dogmas que regulam a vida com firmeza, eis o que amam os homens do
século XVII. As normas, a autoridade, os dogmas, eis o que detestam os homens do
século XVIII, seus sucessores imediatos. Os primeiros são cristãos e os outros
anticristãos; os primeiros crêem no direito divino e os outros crêem no direito natural.
Os primeiros aceitam sem problema viver numa sociedade dividida em classes
desiguais, os outros estão sempre a sonhar com a igualdade” (Gomes, Joaquim Ferreira,
1995, p.66).
Esta abordagem de Paul Hazard, não pode aplicar-se a todas as expressões do
iluminismo, pois houve vários iluminismos, conforme as condições culturais de cada
país. No entanto, o que caracterizou este movimento filosófico foi o de colocar em
primeiro lugar a utilidade e a felicidade individual, criticando as hierarquias sociais e
religiosas em nome de um humanismo alicerçado no valor do indivíduo. Este século, foi
assim, preponderante na génese da pedagogia moderna, pela forma como valorizou a
educação, no sentido de defender a sua universalização, tendo neste sentido a Revolução
Francesa desempenhado um papel fundamental no sentido em que, tendo por base os
seus princípios, lançou os alicerces para que no futuro um mínimo de educação fosse
considerado um direito de todos.
Neste século, destaca-se a figura de Rousseau, a partir do qual nasceu toda a
renovação pedagógica que surge nos séculos XIX e XX, tendo por base uma ruptura
com as perspectivas tradicionais que vigoravam em termos de educação até à altura. De
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acordo com Roger Cousinet, “O valor da dialéctica de Rousseau reside principalmente
no facto de ter obrigado os contemporâneos, e tantos outros pedagogos até aos nossos
dias, a observar a infância. Até ele, toda a gente descurara a infância, mesmo aqueles
que tinham instituído reformas educacionais (…). Estava sempre em causa criar o
homem a partir da criança, prepará-lo para o estado adulto e nada mais ver nela do que o
futuro homem (…). Situa-se neste mesmo ponto, mais uma vez, a revolução
pedagógica, que confere uma originalidade indiscutível à posição de Rousseau: ter
descoberto, ter afirmado que a infância era um estado indispensável, um estado com
valor próprio, com finalidade própria e predestinado sem dúvida, a longo prazo, a ser
seguido pelo estado adulto, mas com uma utilidade diversa de o preparar ou preparandoo apenas na medida em que o antecede”. (Amado, 2007, p.149). Assim no século XVIII,
observam-se os seguintes movimentos no que se refere à educação:
“- Desenvolvimento da educação estatal, da educação do Estado, com maior
participação das autoridades oficiais no ensino;
- Começo da educação nacional, da educação do povo pelo povo ou por seus
representantes políticos;
- Princípio da educação universal, gratuita e obrigatória, no grau da escola primária, que
fica estabelecida em linhas gerais;
- Iniciação do laicismo no ensino, com substituição do ensino religioso pela instrução
moral e cívica;
- Organização da instrução pública em unidades orgânicas, da escola primária à
universidade;
- Acentuação do espírito cosmopolita, universal que une pensadores e educadores de
todos os países;
- Sobretudo, a primazia da razão, a crença no poder racional, na vida dos indivíduos e
dos povos;
- Ao mesmo tempo, reconhecimento da natureza e da intuição na educação” (Lorenzo
Luzuriaga, citado por Amado, 2007, p. 148).
Neste âmbito, a instrução nacional passa a ser considerada um dever de justiça a
fim de se conseguir assegurar a todos os indivíduos o seu bem-estar, promover as suas
necessidades, desenvolver os seus talentos, no sentido de se estabelecer assim, uma
igualdade entre os cidadãos. Nesta altura, distinguem-se três graus de instrução, que se
denominam escolas primárias, escolas secundárias, institutos, liceus e Sociedade
nacional das Ciências e das Artes.
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As escolas primárias terão como finalidade ensinar a ler e a escrever e destinarse-á a tornar capazes os homens de desempenhar funções públicas muito simples.
As escolas secundárias serão destinadas a crianças, cujas famílias por possuírem
alguns rendimentos, podem prescindir do seu trabalho, dedicando assim à educação um
maior número de anos. Os institutos, considerados como o terceiro grau de instrução,
estão consagrados ao desenvolvimento de estudos mais profundos, no sentido de dotar o
homem com as habilitações necessárias ao desempenho de funções que exijam mais
conhecimentos.
Em Portugal, o século XVIII também foi muito importante, numa perspectiva
futura, pelos contributos que deu no que se refere ao desenvolvimento da educação e da
pedagogia, “… nos últimos decénios do século XVIII, possuir conhecimentos
elementares continuava a não representar uma primeira necessidade para a maioria da
população. Nas regiões rurais, a escola pouco importava para aqueles que estavam
imersos em uma cultura oral e que nada vislumbravam para além do horizonte da sua
aldeia. O essencial consistia na transmissão por imitação de um saber prático e técnico a
usar na vida quotidiana; os pais mantinham-se muito pouco sensíveis à ideia de uma
possibilidade de promoção social por meio de aprendizagem escolar”. (Áurea Adão,
citado por Amado, 2007, p. 170)
Nesta época, destaca-se a figura de Luís António Verney, um notável iluminista
português que considerava como alicerce fundamental para a mudança de mentalidades,
a reforma do ensino, dos métodos pedagógicos, dos compêndios, dos programas, da
formação dos professores. Verney defende ideias profundamente avançadas para o seu
tempo, como propor a instrução elementar para todas as classes sociais, bem como
advogar que as mulheres também deviam de ter acesso à cultura. Autor do “Verdadeiro
Método de Estudar”, vem apelar para uma ampla reforma das mentalidades, incidindo
essencialmente sobre a crítica às instituições pedagógicas tradicionais e veiculando as
ideologias filosóficas e as descobertas científicas, estabelecendo as bases teóricas do
subsequente movimento positivista e individualista onde se perspectiva o conhecimento
com base na observação e experimentação, fazendo do homem o fundamento da
sociedade e dos valores morais.
A obra de Verney, “Verdadeiro Método de Estudar” é composta por dezasseis
cartas que percorrem uma a uma todas as disciplinas então leccionadas nos diversos
graus de ensino, visando apresentar um manifesto muito completo das áreas de
intervenção que considerava prioritárias. A perspectiva de abordagem em cada área que
18
analisa, engloba uma primeira parte crítica ao estado da situação concreta,
desmontando-a racionalmente em todos os aspectos que carecem de mudança e de
alteração, e uma segunda parte de apresentação de soluções e de propostas concretas.
Este método pretendeu assumir-se como uma proposta pedagógica de reforma das
instituições até aí vigentes, assumindo deste modo claramente uma ruptura com as
instituições tradicionais.
Durante o século XIX em Portugal, a educação e a pedagogia ficam marcadas
por um verdadeiro contraste entre a teoria, expressa através dos discursos e dos
normativos legais, por um lado e por outro, pelo que efectivamente se efectuava na
prática e que se caracterizava acima de tudo, por uma grande fragilidade e progressos
pouco visíveis ao nível de todos os processos de actuação.
“Ao longo de todo o século XIX assiste-se em Portugal a um movimento de
fluxo e refluxo, de avanços e retrocessos em todos os graus de ensino. Deste modo se
explica a sucessão prodigiosa de reformas escolares, quase nunca executadas, e também
de livros, folhetos, artigos, discursos, proclamações, etc, onde a educação aparece como
tema fulcral” (op. cit., p. 193).
2.1.3.
Educação nova
Ao nível da Europa, durante o século XIX, dá-se um processo de evolução económica,
social e política e em consequência a educação também teve de evoluir. Neste sentido,
assiste-se em meados do século XIX ao aparecimento de um movimento que se passou
a denominar Educação Nova. Este movimento que tendo a sua génese nos inovadores
dos séculos XVII e XVIII, tem as suas bases teóricas em Rousseau. Com a sua obra
“Émile” (romance pedagógico) Rousseau procedeu a uma reviravolta histórica ao nível
das concepções da educação pela forma como via as crianças. “A natureza quer que as
crianças sejam crianças antes de serem homens. Se queremos perverter esta ordem,
produziremos frutos precoces que não terão nem maturidade nem sabor, e não tardarão
em corromper-se; teremos jovens doutores e crianças velhas”. (Rousseau, Émile citado
por Amado, 2007, p. 163)
19
Nesta perspectiva, para Rousseau, a fase mais complicada da vida humana situase nos primeiros doze anos da sua existência, no sentido em que começam a germinar os
erros e os vícios, sem que a criança disponha ainda de mecanismos para os rebater e
quando a sua estrutura e personalidade lhe permite destruí-los, já tem poucas
possibilidades de o fazer. Neste âmbito, para Rousseau de nada serve ensinar às crianças
coisas que nada representam para elas, coisas que não compreendem a sua utilidade e
serventia. O ensino da leitura e da escrita, por exemplo, tornou-se, segundo Rousseau,
um tormento uma vez que se teve grande trabalho para se encontrar os melhores
métodos e ninguém se lembrou de “… suscitar o desejo de aprender a ler. Dai à criança
esse desejo, e abandonai depois os artifícios; todos os métodos lhe poderão servir. O
interesse presente, eis aí o grande móbil, o que leva seguramente e muito longe”. (op.
cit.,p. 165)
Neste sentido e, tendo como ponto de referência as concepções de educação de
Rousseau, desenvolveu-se o movimento Educação Nova ou Educação Progressiva que
se foi difundindo posteriormente na prática escolar. Este movimento pretendeu exprimir
uma necessidade de humanizar a sociedade através da sua intenção democrática bem
como de adaptar os recursos existentes, em função do desenvolvimento das artes,
ciências e técnica. A Educação Nova desenvolve-se assim, tendo em conta as novas
necessidades da sociedade, em que todos os indivíduos deverão ter acesso à escola e
desenvolver as suas potencialidades. Assim perspectiva-se “… uma educação adaptada
á criança e à sua evolução, às suas capacidades, necessidades, interesses, etapas a
respeitar – pedagogia activa que leva a criança, não a receber, mas a formar ela própria
os seus conceitos, a construir o seu saber, a apoiar-se sobre a sua experiência (…)”(op.
cit.,p. 205).
Tolstoi, na Rússia adere a estas concepções, criando na sua escola de YasnaiaPoliana um programa de educação onde a criança pode de forma livre estabelecer o seu
percurso, ganhando assim a confiança necessária para se tornar um elemento activo no
seu processo de ensino. Outros países seguiram, este exemplo, nomeadamente na
Áustria, na Inglaterra, na Alemanha. Pretendia-se assim “… a socialização da criança,
ensinando-a a viver com os outros, a trabalhar com os outros, a formar o seu carácter, a
organizar a escola em sistema comunitário de trabalho com monitores, chefes de classes
e de escola…”. (op. cit.,p. 206)
Podemos assim verificar que a Educação Nova surge pela necessidade de alterar
as deficiências da educação que se faziam sentir até então. Os impulsionadores deste
20
movimento vieram assim, substituir a transmissão que caracterizava a Educação
Tradicional, pela educação do aluno através da sua própria experiência, assumindo a
actividade do que aprende uma especial importância. Neste domínio destacam-se
algumas figuras nomeadamente, Decroly, Montessori, Dewey, Freinet, Cousinet, que
através de observações mais abrangentes, tentaram organizar sistemas educativos
completos, apoiados em técnicas e métodos precisos. De acordo com Dewey, a
experiência tem de desempenhar um papel central na educação. Refere-nos assim que
associados à experiência se encontram o princípio de continuidade e o princípio de
interacção. No que diz respeito ao princípio de continuidade, há uma relação entre a
experiência presente e as experiências passadas e futuras, ou seja, “… toda e qualquer
experiência toma algo das experiências passadas e modifica de algum modo as
experiências subsequentes” (Dewey, 1971, p. 26).
Relativamente ao princípio de interacção, existe uma articulação entre as
condições da experiência, as condições objectivas (o meio) e as condições internas, que
no seu todo constituem uma situação (cfr. Dewey, 1971, p. 34-35).
Nesta perspectiva, segundo Dewey o conhecimento que se vai adquirindo nas diferentes
situações, serve sempre de instrumento para compreender as situações que se seguem.
Ao educador cabe o papel de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos
alunos, promovendo e facilitando experiências educativas ricas, no sentido de levar os
alunos a desenvolverem as suas capacidades bem como manterem de forma permanente
o desejo de continuar a aprender.
A Escola Nova insiste assim “ … no recurso à actividade da criança, observando
e experimentando, não apenas para contemplar o mundo, mas agindo para se adaptar a
ele e adaptá-lo a si”. (Correia, A.(s.d.))
Neste âmbito, para a Escola Nova o termo actividade está ligado à acção, ou seja, surge
quando alguém age para satisfazer uma necessidade, um desejo, pressupondo produção
de alguma coisa, mobilização de energia, trabalho. Esta situação opõe-se à coerção,
obediência, imobilidade, recepção, termos que se encontram mais ligados às
características da Educação Tradicional. De acordo com Not (1988, p.94) “ a Escola
Nova surge assim, num contexto de ideias novas (marcando o início do século XX)
como: trocas com o meio, exigências de adaptação, papel da acção, carácter global das
situações, recapitulação pelo indivíduo das etapas transpostas pela espécie, exigência de
liberdade e repúdio dos constrangimentos”. Desenvolve assim, a sua acção educativa a
partir de um conjunto de princípios, nomeadamente baseando o seu ensino sobre factos
21
e sobre a experiência, recorrendo à actividade pessoal do aluno, estabelecendo um
programa de actuação a partir dos seus interesses. A Escola Nova favorece o trabalho
individual, numa perspectiva de investigação utilizando como recursos, entre outros,
livros, manuais e factos.
22
2.2.
(In) sucesso educativo
2.2.1.
Etimologia
Ao analisarmos a palavra insucesso etimologicamente, de acordo com o Novo
Dicionário Etimológico de Língua Portuguesa este termo deriva do latim Insucessu(m) e
significa: “malogro; mau êxito; falta de sucesso que se desejava”, enquanto o mesmo
termo no dicionário de Língua Portuguesa tem por sinónimo: “mau resultado, mau
êxito, fracasso, desastre”.
À palavra insucesso encontra-se habitualmente associada por antagonismo o
termo sucesso, que etimologicamente de acordo com o Novo Dicionário Etimológico de
Língua Portuguesa deriva do latim Sucessu(m) e significa “o bom êxito, conclusão”.
Podemos ainda encontrar alguns sinónimos para a palavra, nomeadamente: “resultado
positivo, favorável, triunfo, êxito”, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa.
Pela pesquisa efectuada aos termos sucesso e insucesso, não podemos deixar de
constatar que apresentam significados opostos, estabelecendo-se algumas correlações
entre os termos bom/sucesso e mau/insucesso. Verifica-se ainda, no que se refere aos
sinónimos das palavras, a evocação a atributos pessoais positivos ou negativos.
No âmbito da definição de insucesso escolar, a partir de estudos efectuados,
Benavente reuniu vários termos, nomeadamente: reprovações, atrasos, repetência,
abandono, desperdício, desadaptação, desinteresse, desmotivação, alienação e fracasso.
Acrescentou ainda expressões como: mau aproveitamento, mau rendimento, mau
comportamento escolar. Assim, afirma ainda que, na definição de insucesso escolar, “o
vocabulário utilizado é muitas vezes de natureza moral (o insucesso encarado como um
mal), em geral dramático (vítimas do insucesso, problema angustiante, doloroso,
assustador …); aparecem também termos de natureza militar (a luta contra, o combate, a
frente de combate, a batalha do…) e de natureza médica (sintomas de…, prevenir,
eliminar, detectar) ” (Benavente, A., 1990, p.15).
No estudo, Benavente alerta-nos para a abrangência da problemática do
insucesso escolar que muito embora englobe termos de diversas ordens (moral, militar,
médica) ele é apenas avaliado oficialmente pelos critérios pedagógicos “objectivos” –
os resultados escolares.
23
2.2.2.
O conceito de insucesso escolar
O conceito de insucesso escolar tem sido objecto de diferentes interpretações ao longo
do tempo. Encontra-se associado, entre outros factores, ao alargamento do acesso à
escola ou seja à democratização do ensino, um dos grandes objectivos do sistema
educativo, que se inicia por volta das décadas de 50 ao nível da Europa e um pouco
mais tarde em Portugal (décadas de 60/70). Revela-se assim, um fenómeno bastante
recente e complexo, que surge com a massificação do ensino, decorrente das exigências
das sociedades em constante evolução. A escola depara-se, actualmente, com enormes
desafios, assumindo uma difícil tarefa que consiste em olhar a diversidade da sua
população como um factor positivo e um meio pelo qual se possa dar a todos a vivência
plena de uma consciente e activa cidadania. A promoção do sucesso escolar dos alunos
foi e continua a ser um dos principais objectivos dos sistemas educativos e um dos
principais indicadores da qualidade dos mesmos, porém os índices de insucesso escolar
são bastante elevados, dados que se podem apreender através dos indicadores de
reprovação, repetência ou abandono escolar.
Neste âmbito, insucesso escolar tem sido uma temática amplamente discutida
quer ao nível dos especialistas da área quer pela generalidade da sociedade. Começou
por ser analisado como um problema isolado, quando o aluno não conseguia transitar de
ano, para passar a ser considerado um problema de ordem social, encontrando-se
implicados não só os alunos mas todos os outros intervenientes no sistema educativo.
Em última análise, é considerado um fenómeno com implicações de ordem social e
económicas que terá consequências em termos de competitividade das sociedades, no
que diz respeito, nomeadamente ao nível das qualificações dos cidadãos, taxas de
analfabetismo ou de desemprego.
No âmbito do levantamento efectuado ao nível europeu (EURYDICE, 1995), o
insucesso escolar no contexto português, foi definido como “a incapacidade dos
estudantes em alcançar os objectivos definidos de modo geral pelos ciclos de ensino. Os
indicadores utilizados são sobretudo as taxas de retenção, de abandono e de reprovação
nos exames”.
Durante muitas décadas, a problemática do insucesso escolar foi assim analisada
segundo estatísticas oficiais, relacionadas com o não aproveitamento escolar. Contudo,
24
considerando-se a escola como uma instituição que tem como função veicular a
transmissão do saber instituído, propondo a aquisição desse saber, através de metas e
limites que delimitam as barreiras entre o sucesso e o insucesso escolar, para Benavente
o aluno quando “…fica para trás, já está em insucesso, dado que não atingiu alguma
coisa, que é suposto ser atingido por todos os alunos” (Benavente, A., 1990, p.15).
A definição deste fenómeno revela-se bastante complexa, pois encerra em si, um
conjunto variado de entendimentos e tende a ser analisado de forma diferente de acordo
com a perspectiva de quem o faz, ou seja, é congruente com as concepções, expectativas
e grande envolvimento, de quem está a abordar o conceito. De acordo com Roazzi e
Almeida (1988, p.54), o insucesso “… traduz geralmente para os professores a falta de
bases, de motivação ou de capacidades dos alunos ou, ainda, o disfuncionamento das
estruturas educativas, familiares e sociais”. No entanto para os pais e público em geral
“… os professores terão a sua quota-parte de responsabilidade (faltas, desmotivação,
insuficiente formação, …)”. Fernandes (1991, p.196), considera que “a definição oficial
de insucesso escolar, advém do regime anual de passagem / reprovação dos alunos,
inerente à estrutura de avaliação característica do sistema de ensino”. Para Benavente
(1990), “a questão do insucesso escolar pressupõe a coexistência de inúmeros factores
que incluem as políticas educativas, as questões de aprendizagem, os conteúdos e
mesmo a relação pedagógica que se estabelece”. Podemos assim verificar que o
conceito está longe de encontrar uma definição consensual, continuando a inquietar de
uma maneira geral a sociedade. Suscita sempre o interesse dos investigadores,
sociólogos e profissionais da educação, pela análise quer das taxas de repetência quer
pelo abandono escolar que existem nas escolas. Neste sentido e tendo sempre presente
que a contribuição na análise deste fenómeno depende sempre dos modelos de
referência de quem o analisa, o insucesso escolar caracteriza-se por um baixo
rendimento escolar dos alunos que, por razões de vária ordem não conseguiram atingir
os objectivos desejados e pelo facto reprovam ou entram em abandono escolar.
Segundo García Perez (2001) “ el fracasso escolar es una condición sóciopersonal que puede quedar definida de manera operativa como la incapacidad de un
individuo para alcanzar los objetivos educativos propuestos por un sistema o Centro
Escolar, para un determinado nível curricular”.
Também Fernandes, citada na Enciclopédia Luso Brasileira (cfr. 1980, p.161),
designa insucesso escolar como “ a não obtenção ou não realização de objectivos
predeterminados pela organização escolar ou pela instrução em si”. Afirma ainda que “
25
o termo insucesso é um conceito que exige, à priori, um outro comparativo: mau
resultado em relação aos objectivos escolares, falta de êxito na aprendizagem, ausência
de eficácia na interiorização, apreensão e assimilação dos conhecimentos” (cfr. ibidem,
p.162).
2.2.3.
Principais factores e teorias explicativas do
insucesso escolar
O insucesso escolar existe desde o início das instituições escolares e ao longo do tempo
tem sido objecto de diferentes interpretações.
Neste sentido, para alguns autores, o insucesso está directamente relacionado
com o aluno, considerando que está dependente do seu nível de inteligência para que
possa acompanhar o percurso escolar perspectivado para a sua faixa etária, ou dos
interesses e motivações manifestados para aprender.
Outros autores consideram que o insucesso está mais relacionado com a
instituição escolar, nomeadamente com a forma como organiza o currículo, as
modalidades de avaliação, a orientação pedagógica, os agentes educativos que nela
trabalham, em suma nas formas como organiza o processo educativo a fim de dar as
respostas necessárias às exigências da sociedade.
Existe ainda quem atribua responsabilidades relativamente às questões do
insucesso escolar à família, pela forma como se comporta face ao aluno. Podemos
verificar assim que as causas para o insucesso escolar são diversas e muitas vezes
antagónicas, no entanto na sua maioria elas relacionam-se directamente com os alunos,
as famílias focando-se em aspectos como o seu nível cultural e sócio económico e na
organização escolar, bem como nos elementos que nela trabalham nomeadamente os
professores. Neste âmbito, de uma forma ou de outra, este é um problema grave com
que a sociedade se vê confrontada e que se foi intensificando ao longo das últimas
décadas. Até à década de 40, o insucesso circunscrevia-se essencialmente aos alunos
oriundos de meios abastados e cultos, os quais constituíam de forma global a população
escolar da altura e era analisado acima de tudo numa perspectiva afectiva ou psicopatológica. Após a II Guerra Mundial, durante os anos 50 surge a ideia de que a
26
sociedade deve ser instruída para que possa ser livre e democrática, assiste-se assim, a
uma massificação do ensino, a partir do princípio de que “ a escola seria capaz de
democratizar a sociedade, no sentido de criar uma maior igualdade social” (Martins,
1993, p.16).
Com esta massificação do ensino, que se traduz pelo alargamento do acesso à
escola aumenta o insucesso escolar, que de acordo com diversos autores nomeadamente
Perrenoud, é uma preocupação moderna e que se caracteriza como problema social.
Neste sentido, o insucesso escolar, como fenómeno relativamente recente, tem sido
objecto de estudos bastante aprofundados, que se têm traduzido pelo aparecimento de
diversas teorias explicativas, que emergem a partir de diferentes visões sobre a
problemática e que, por este facto, realçam diferentes factores que consideram
justificativos, para explicar o insucesso escolar. Iremos assim sistematizar as principais
correntes explicativas.
2.2.3.1.
Factores individuais e teoria dos “dotes”
A teoria dos “dotes” ou “dons” desenvolveu-se a partir do final da II Guerra Mundial
até ao final dos anos 60, baseada em explicações de ordem genética e psicológica de
carácter individual, atribui a responsabilidade do insucesso escolar ao aluno. De acordo
com Benavente (1989), “o sucesso / insucesso é justificado pelas maiores ou menores
capacidades dos alunos, pela sua inteligência, pelos seus “dotes” naturais”. Este teoria
explica assim o rendimento escolar através dos atributos pessoais e naturais dos alunos.
É através desta corrente que surgem as escolas métricas de inteligência e posteriormente
o quociente de inteligência (Q.I.), que vem explicar, que um baixo nível intelectual
expresso no Q.I. vai influenciar negativamente o aproveitamento escolar. Como nos
referem Formosinho, Fernandes e Pires (1991, p.189) atribui-se como causa do
insucesso escolar “… a inexistência de aptidões do aluno, de origem inata que
naturalmente o determina para o insucesso escolar. A falta de aptidões tanto pode ser de
origem psicossomática (alunos deficientes) como de origem intelectual (determinada
através de quocientes de inteligência) ”.
Nesta perspectiva, o insucesso escolar poderá surgir como manifestação de
diversas situações psico-afectivas, como por exemplo, separação do ambiente familiar,
27
situações de rejeição ou de super-protecção, de rivalidade, de complexos de
inferioridade. Estas situações na maioria dos casos estão relacionados com as diversas
fases do desenvolvimento da escolaridade dos alunos, que muitas vezes exigem grande
capacidade de adaptação a novas situações, às quais nem todos respondem da mesma
forma.
Esta teoria tem sido objecto de críticas, pelo facto de atribuir o fracasso escolar a
aspectos predominantemente de ordem biológica, nomeadamente a factores genéticos e
argumentando que a inteligência é hereditária excluindo componentes de ordem
ambiental e cultural para explicação deste fenómeno.
2.2.3.2.
Factores relativos à família e teoria do “handicap”
sociocultural
A teoria do “handicap” sociocultural desenvolveu-se desde o final dos anos 60, início
dos anos 70 e baseia-se em explicações de natureza sociológica. Como nos refere
Benavente (1989) “o sucesso / insucesso dos alunos é justificado pela sua pertença
social, pela maior ou menor bagagem cultural de que dispõem à entra na escola. O
cruzamento entre origem social / resultados escolares revela a existência de mecanismos
mais vastos na produção do sucesso / insucesso, que não pode ser atribuído apenas a
causas psicológicas individuais”.
Neste âmbito, um meio familiar propenso a mais ou menos actividades de
carácter socioculturais, nomeadamente existência de livros e hábitos de leitura,
acompanhamento e interesse dos pais pelo percurso escolar dos filhos, participação em
actividades de âmbito cultural, vai servir de indicador de uma maior ou menor
adaptação das crianças à escola e sua familiaridade com o seu sistema de funcionamento
e de valores.
Esta corrente “recusando a fatalidade determinista dos factores naturais, sublinha
os factores socioculturais como principais causas das carências do aluno que acede à
educação escolar numa situação de desvantagem. Neste caso procura-se a causa do
insucesso escolar em factores como cultura informal da família e do meio ambiente,
28
habitat do aluno (cidade / campo), nível económico da família”. (Formosinho,
Fernandes e Pires, 1991, p. 189)
Esta teoria veio destacar o papel o papel “reprodutor” da escola, demonstrando
como as desigualdades sociais se transformam em desigualdades escolares e que por sua
vez vão legitimar as desigualdades sociais (cfr. Benavente, 1990).
Neste âmbito, uma vez que as crianças são herdeiras da dimensão cultural da sua
família, Bourdieu e Passeron (1985) consideram que, se estas são procedentes de meios
sociais desfavorecidos, onde o capital social e económico é baixo, têm menos
possibilidades de êxito na escola e são aquelas que mais insucessos apresentam.
Referem ainda que encontram na escola uma verdadeira barreira entre a sua cultura de
origem e os critérios culturais do sucesso escolar. (cfr. ibidem)
2.2.3.3.
Factores relativos ao sistema escolar e teoria sócio
institucional
A partir dos anos 70, o processo de análise do insucesso escolar, direcciona-se para uma
perspectiva diferente. Até então, as teorias explicativas deste fenómeno centraram-se no
aluno e no seu meio familiar de proveniência, atribuindo à escola um papel neutro.
Porém ao verificar-se, nomeadamente nos países considerados como desenvolvidos, que
perante uma melhoria das condições socioeconómicas das populações, o problema do
fracasso escolar se mantinha, o confronto com esta situação levou a um olhar diferente
sobre a instituição escolar. Começou assim a reflectir-se, como a organização do próprio
processo educativo podia constituir um factor de desigualdade e consequentemente de
insucesso escolar. De acordo com Benavente (1990, p.717) “ a análise da produção do
insucesso escolar ultrapassa as relações escola/meio e interessa-se pelos mecanismos
que operam no interior da própria escola; interrogando o seu funcionamento e as suas
práticas”.
Esta perspectiva vem destacar a necessidade da diferenciação pedagógica, isto é,
sublinha a importância da transformação da escola, das estruturas, conteúdos e práticas
no sentido de as adaptar às necessidades das populações. (op. cit.1990) Como nos
referem Formosinho, Fernandes e Pires (1991, p.189) “um conjunto de factores
29
escolares como por exemplo, tipo de cursos e currículos, estruturas e métodos de
avaliação, formas de agrupamento dos alunos, preparação científica e pedagógica dos
professores podem estar na origem do insucesso”. É assim necessário proceder-se a uma
mudança da escola procurando formas de organização que respeitem as diferenças e
onde se encontrem os meios necessários para o acesso às aprendizagens de todos os
alunos.
Para se superar o fracasso escolar que a escola produz é necessário proceder-se a
uma mudança das práticas pedagógicas, envolvendo-se toda a estrutura da organização
escolar. A diferenciação da pedagogia e a individualização dos processos de formação
deverão ser o centro das políticas de educação dos diversos países.
O insucesso escolar pode ainda ser explicado através da organização da estrutura
da própria sociedade. “As correntes sociológicas que adoptam esta perspectiva
consideram que a escola é um agente educativo determinado pela sociedade. Ora, esta
sociedade não é uma sociedade igualitária, mas estratificada e hierárquica. Os estratos
dominantes, embora minoritários, ocupam o topo da hierarquia social e exercem sobre
todo o conjunto social uma hegemonia cultural e económica. A escola não passa de um
instrumento utilizado pelos estratos dominantes para garantir a reprodução da
estratificação social”. (Formosinho, Fernandes e Pires, 1991, p. 190)
Actualmente tem-se caminhado para uma análise do insucesso escolar procurando-se
incidir sobre as três entidades envolvidas no problema (aluno, escola e sociedade), no
sentido em que este fenómeno resulta de uma interdependência entre estes elementos
tendo assim cada um a sua responsabilidade e influência no fracasso escolar.
2.2.4.
Medidas contra o insucesso escolar
Como podemos constatar, o insucesso escolar tem-se revelado como uma problemática
de ordem social e pelo facto é da responsabilidade de toda a sociedade procurar
incentivos e estratégias no sentido de se proceder à sua prevenção. No caso concreto de
Portugal, ainda hoje é considerado como um país que apresenta os mais baixos níveis de
instrução no que se refere às populações adultas, tornando-se assim necessário, por parte
30
das entidades com responsabilidades na área, nomeadamente o Governo, estabelecer ao
nível das políticas educativas como prioridades, um investimento a nível da educação e
da formação, especialmente a educação básica.
Neste âmbito, procuraremos seguidamente mencionar algumas medidas e linhas
de acção específicas de combate ao insucesso escolar.
Tendo em conta que “ nos nossos dias as políticas educativas devem contribuir para
a valorização das pessoas, a redução das desigualdades sociais e o progresso humano”,
(Doc. orientador das políticas para o Ensino Básico, 2000) de acordo com o Ministério
da Educação no campo das políticas educativas pretende-se:
Assegurar uma educação de base para todos, entendendo-se como início de um
processo de educação e formação ao longo da vida;
Generalizar a rede Pré-Escolar;
Diversificar respostas educativas e flexibilização curricular;
Reforçar a continuidade entre ciclos e níveis de ensino;
Consolidar e estabilizar um currículo nacional comum;
Promover a qualidade educativa;
Concentrar a atenção nos saberes essenciais;
Melhorar a formação de professores;
Estimular a universalização das actividades de orientação escolar e vocacional
no 3º ciclo;
Criar um sistema de avaliação externa das aprendizagens escolares no final de
cada ciclo e assegurar uma crescente visibilidade do desempenho do sistema, das
escolas, dos professores e dos alunos tendo sempre por referência a qualidade e
como objectivo último uma distribuição equitativa de meios e recursos. (ob.cit.)
Relativamente ao papel a desempenhar pela Escola pretende-se:
Promover a autonomia e desenvolver novas formas de administração e gestão
das escolas;
Promover a melhoria e rentabilização das infra-estruturas;
Reforçar a cooperação com as autarquias;
Incentivar novas formas de parcerias educativas com os pais e as comunidades
educativas;
31
Desenvolver experiências de adaptação curricular tendo em conta o contexto
específico da comunidade em que se insere e a diversidade dos seus alunos;
Muito recentemente e através do Despacho nº100/2010, o Ministério da Educação
lançou o Programa mais Sucesso Escolar, tendo em vista “… o apoio ao
desenvolvimento de projectos de escola para a melhoria dos resultados escolares no
ensino básico, com objectivo de reduzir as taxas de retenção e de elevar a qualidade e o
nível de sucesso dos alunos”. (Despacho nº 100/2010 de 5 de Janeiro) Esta medida visa
atribuir às escolas um papel activo no combate a esta problemática, no sentido de
promover uma efectiva diferenciação pedagógica orientando os alunos ao longo do seu
percurso educativo através de princípios como o trabalho colaborativo. Consideram-se
ainda outras medidas de combate ao insucesso escolar, de elevada importância e que se
relacionam com o apoio prestado ao nível da:
Acção social Escolar;
Acção Médica Escolar;
Articulação do trabalho das escolas com outros parceiros com responsabilidades
no campo da educação;
Fornecer às escolas uma diversificação de materiais pedagógicos.
Relativamente ao papel a desempenhar pelo Professor
O professor desempenha ao nível de toda a acção educativa um papel de extrema
importância.
Tendo como referência a grande heterogeneidade da população escolar da nossa
actualidade, este profissional tem de desenvolver toda a sua actuação numa perspectiva
de resolução de problemas, necessitando de estabelecer com os seus pares uma forte
interacção bem como fundamentalmente com os alunos, destinatários de toda a acção
educativa. “Para podermos atingir a qualidade nas nossas escolas é também necessário
proceder a uma revalorização do papel social e profissional dos educadores e dos
restantes profissionais da educação” (Doc. orientador das políticas para o Ensino
Básico, 2000).
Nesta perspectiva, podemos afirmar que o êxito das estratégias e medidas a
serem postas em prática na escola, decorre em parte do modo como o professor se
envolve na acção educativa. Assim, a aposta na sua formação inicial, bem como ao
32
longo da vida revela-se de extrema importância, em virtude da constante evolução da
sociedade actual, que pressupõe uma constante procura de novos conhecimentos numa
perspectiva de actualização e aprofundamento. Torna-se assim necessário reflectir sobre
as diferentes modalidades de formação a organizar, no sentido de se encontrarem os
meios e os mecanismos de apropriação e de oportunidades formativas, centrados nos
contextos e realidades de cada comunidade educativa, articulando-se assim um conjunto
de processos que tenham como finalidade o desenvolvimento de boas práticas
profissionais bem como o desenvolvimento de dinâmicas de trabalho nas escolas que
promovam a sua efectiva identidade.
Relativamente ao papel a desempenhar pela Família
A influência da família ao longo do percurso escolar dos filhos, como já referimos
anteriormente, pode constituir-se como um alicerce fundamental no que se refere às
questões do sucesso ou do insucesso escolar. De acordo com Joyce Epstein (1987)
existem cinco tipos diferentes de envolvimento dos pais, que na sua perspectiva, não
devem ser vistos isoladamente mas sim articulados entre si de modo a permitir aos pais
a selecção de um deles.
Na investigação que realizou neste campo, concluiu que o envolvimento dos pais
é um factor de grande importância que contribui bastante para a eficácia das escolas e
consequentemente para a melhoria da qualidade do ensino. Os alunos cujos pais
acompanham o seu percurso educativo e se envolvem na escola, têm vantagens em
relação aos restantes. Nesta perspectiva e de acordo com as políticas educativas das
últimas décadas, quer ao nível da União europeia quer ao nível concretamente de
Portugal, tem-se vindo a apelar à participação dos pais na gestão da escola,
assegurando-se esta participação através dos diferentes órgãos de administração e gestão
escolar como sejam o Conselho Pedagógico e o Conselho Geral.
Diversos estudos realizados em Portugal, nomeadamente de Davies, (1988),
apontam para um fraco envolvimento dos pais nas escolas. Na perspectiva de Joyce
Epstein “ as escolas precisam de compreender e trabalhar com todos os tipos de
famílias”. No nosso entender, é de referir que, neste campo temos ainda um longo
caminho a percorrer, no sentido de se fomentar uma verdadeira envolvência das famílias
na vida da escola. Neste sentido esta envolvência passará certamente pela apropriação
33
por parte das instituições educativas do conceito de autonomia, ou seja, o nível de
participação das famílias dependerá de um conjunto de factores, nomeadamente, dos
que se relacionam com as formas de organização quer de âmbito administrativo quer de
âmbito pedagógico que a escola encontre, através de um processo de avaliação e de
responsabilização perante a sociedade.
Relativamente ao papel a desempenhar pelo Aluno
Relativamente ao aluno, no combate ao insucesso escolar, é de referir a necessidade de
lhe atribuir um papel activo no desenvolvimento do seu processo educativo.
Nesta perspectiva, à escola compete promover e organizar um ambiente
educativo estimulante para que os alunos, através de experiências pedagógicas de
qualidade possam aprender a partir das suas motivações, interesses e necessidades.
Assiste-se, neste âmbito, a uma mudança de paradigma. De acordo com estudos
efectuados, nomeadamente de Canário (2005, p.144) dá-se a partir dos anos 80, uma
“…«descoberta da escola» encarada como um construído social dotado de autonomia
relativa, resultante da interacção entre um conjunto de actores sociais. A noção de
«actor social» tem subjacente, as noções de acção estratégica e de racionalidade
limitada que justificam a possibilidade humana de agir a partir de escolhas num quadro
de possíveis oportunidades de acção”. Neste sentido, tendo em conta as interacções que
se desenvolvem entre os diferentes actores do processo educativo bem como os
diferentes papéis que desempenham ao nível das políticas educativas deve-se promover
o desenvolvimento de pedagogias que estimulem a formação pessoal dos alunos, assim
como o interesse e a motivação pela frequência escolar. É assim de referir a necessidade
dos diferentes intervenientes no processo educativo de procurarem desenvolver a sua
acção no sentido de combater o insucesso escolar.
O Ministério da Educação no desenvolvimento das suas políticas educativas tem
neste âmbito contribuído com princípios que promovam a valorização dos alunos
referindo algumas pedagogias nomeadamente, a pedagogia por grupos de nível que
permite a identificação das dificuldades individuais dos alunos a adaptação às suas
características individuais; a pedagogia diferenciada que tem os seus alicerces no
princípio de que não existe apenas um caminho para o conhecimento; a pedagogia de
projecto onde se estabelece permanentemente uma relação entre a teoria e a prática e
34
através de uma abordagem interdisciplinar o aluno desenvolve a sua aprendizagem de
forma activa (Doc. orientador das políticas para o Ensino Básico, 2000).
No âmbito das escolas, é também de constatar que, a sua capacidade
organizativa bem como a forma como se apropria do grau de autonomia, aliada à
responsabilização através de uma capacidade efectiva de executar planos de acção, são
entre outros aspectos, factores essenciais no que se refere aos resultados alcançados
pelos alunos.
De acordo com a OCDE (cfr. 1992, p.218-219) foram consideradas como
fundamentais, dez características para que as escolas obtenham bons resultados
escolares:
“I- O desejo de alcançar normas e finalidades definidas claramente e de comum acordo;
II- Uma planificação em colaboração, uma comum tomada de decisões e um trabalho
colegial empreendido num espírito de experimentação e de avaliação;
III- Uma direcção dinâmica para o pôr em prática e a manutenção do melhoramento;
IV- a estabilidade do pessoal;
V- Uma estratégia de formação permanente e de aperfeiçoamento do pessoal que
corresponda às exigências de cada escola no plano da pedagogia e da organização;
VI- A aplicação de um programa de estudos meticulosamente elaborado e coordenado
que permita a cada aluno adquirir os conhecimentos teóricos e práticos essenciais;
VII- Um alto nível de participação e de apoio da parte dos pais;
VIII- O reconhecimento dos valores peculiares do estabelecimento e a adesão a estes
valores mais do que aos valores individuais;
IX- Uma exploração máxima do tempo escolar;
X- O apoio dinâmico e sólido da autonomia escolar competente”.
Existem ainda outras medidas, consideradas de extrema importância no combate
ao insucesso, nomeadamente:
- Ocupação plena dos tempos escolares;
- Diversificação das ofertas educativas;
- Planos de recuperação, acompanhamento e desenvolvimentos.
Estes últimos inserem-se num conjunto de medidas com as quais o Ministério da
Educação pretendeu dar condições às escolas para que reorganizassem o trabalho
35
escolar de modo a optimizar as condições de aprendizagem de todos alunos no sentido
de promover o sucesso educativo.
Ao analisarmos a Lei de Bases do Sistema Educativo podemos observar que a fim
de promover o sucesso educativo dos alunos através de uma efectiva igualdade de
oportunidades estão contempladas um conjunto de medidas a implementar que são:
Apoios a alunos com necessidades escolares específicas;
Apoio psicológico e orientação escolar e profissional;
Acção Social Escolar;
Apoio de Saúde Escolar. (Artigos 27º a 31º)
Para concluir, não podemos deixar de realçar a existência de inúmeras medidas a
implementar ao longo do processo de escolaridade que têm como objectivo combater o
insucesso escolar. Estas medidas pressupõem uma articulação entre as escolas,
professores, famílias e alunos, no sentido de que todos desempenham um papel
fundamental para se poder ultrapassar esta problemática do insucesso escolar.
36
3. Metodologia
Introdução
Actualmente não se pode entender a escola, como uma instituição isolada, uma vez que
ela se encontra integrada num contexto, onde se desenvolvem as mais diversas
interacções que de forma articulada, desempenham um papel preponderante no
desenvolvimento do processo educativo. “… As crianças e os professores não
constituem inteligências incorpóreas, nem máquinas de ensino e de aprendizagem, mas
sim seres humanos integrais, enlaçados num labirinto complexo de interconexões
sociais. A escola é um mundo social por ser habitada por seres humanos” (Waller,
citado por Bogdan, 1994, p.31). Neste âmbito, decorrente da problemática do nosso
estudo, direccionada para as concepções e práticas dos docentes sobre sucesso/insucesso
escolar o relacionamento que se estabelece entre a escola e a comunidade, em que
aquela se encontra inserida, poderá constituir-se como um alicerce fundamental no
sentido de proporcionar o acesso a questões essenciais que levarão a uma melhor
compreensão do que se passa na escola.
Neste capítulo e após a construção do enquadramento teórico do nosso objecto
de estudo, procuraremos dar conta dos modos e fases de investigação, descrevendo e
fundamentando o local onde se irá desenvolver a investigação bem como as opções e
procedimentos metodológicos utilizados no trabalho.
3.1.
O Campo da investigação
O estudo irá assim desenvolver-se em duas escolas do 1º Ciclo do Ensino
Básico, uma com uma taxa de sucesso escolar alta, e outra com uma taxa de sucesso
escolar reduzida, onde iremos investigar em cada escola as concepções e as práticas dos
docentes quanto às questões do sucesso/insucesso escolar. As escolas encontram-se a
uma distância relativamente próxima entre si mas em concelhos limítrofes. Uma das
escolas encontra-se integrada num território educativo de intervenção prioritária (TEIP),
37
uma vez que em termos geográficos se encontra num bairro que do ponto de vista
económico e social se pode considerar desfavorecido. A outra escola está localizada
numa freguesia de características urbanas.
3.2.
Estratégias metodológicas
Procederemos agora à justificação das opções metodológicas que iremos tomar para a
realização desta investigação.
Para Kaplan, metodologia é a: “descrição, explicação e justificação dos
métodos” (Afonso, Natércio, 1994, p. 137). Assim, nesta perspectiva dedicar-nos-emos
à análise dos objectivos da investigação bem como ao seu enquadramento teórico
relacionando-os com os métodos utilizados e as técnicas ou procedimentos de
investigação apropriados, de modo a atingir aqueles objectivos.
Assim, tendo em conta o objectivo do estudo que se centra na análise das
concepções e práticas que os docentes possuem acerca do sucesso/insucesso escolar
proceder-se-á a uma análise comparativa entre duas escolas do 1º Ciclo do Ensino
Básico com diferentes taxas sucesso escolar no sentido da elaboração de um estudo de
caso comparativo entre as duas escolas. O método utilizado incidirá na análise intensiva,
qualitativa, uma vez que não é objectivo deste trabalho realizar um estudo com a
ambição de extrapolar os resultados obtidos para o universo dos estabelecimentos do 1º
Ciclo do Ensino Básico em Portugal.
A opção por uma abordagem qualitativa, neste nosso estudo deve-se ao facto de
se poder usar esta designação, de acordo com a perspectiva de Bogdan e Bilklen (1982),
“como uma designação abrangente para referir várias estratégias de investigação que
têm características em comum”. Deste modo, temos como foco principal da
investigação a utilização de um conjunto de procedimentos que promovam um melhor
conhecimento das interacções que se estabelecem entre os docentes na escola, bem
como nos ajudem a identificar as suas concepções acerca do sucesso/insucesso escolar.
Tendo em conta que as investigações qualitativas são descritivas, permitem de forma
directa a recolha dos dados no ambiente natural onde se processa o estudo. Esta
38
concepção metodológica, “… exige que o mundo seja examinado com a ideia de que
nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permite
estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objecto de estudo” (Bogdan
& Bilklen, 1982, p. 49).
Assim, a ênfase deste tipo de metodologia de investigação é a utilização de
procedimentos que consigam obter a perspectiva dos participantes relativamente às
questões levantadas pelo estudo a realizar. “… existe a tendência para conceber a
realidade social como nada mais do que os significados partilhados que as pessoas
constroem à volta da sua existência colectiva. Tal significa que as estruturas sociais não
representam entidades ontológicas reais. Expressam um sistema de ideias, pressupostos
e valores partilhados por pessoas individuais, gerando uma subjectividade colectiva”
(Afonso, Natércio, 1994, p. 141).
Neste âmbito, inserido numa análise qualitativa, este estudo desenvolver-se-á
através da adopção da metodologia de estudo de caso comparativos, segundo
designação adoptada por Bogdan e Biklen (1994), uma vez que serão efectuados dois
estudos de caso para posteriormente se compararem e contrastarem. Nesta perspectiva e
de acordo com os autores atrás citados, o plano geral do estudo pode ser comparado
como um funil onde “ … o início do estudo é representado pela extremidade mais larga
do funil: os investigadores procuram locais ou pessoas que possam ser objecto do
estudo ou fontes de dados e, ao encontrarem aquilo que pensam interessar-lhes,
organizam então uma malha larga, tentando avaliar o interesse do terreno ou das fontes
de dados para os seus objectivos. (…) Organizam e distribuem o seu tempo, escolhem
as pessoas que irão entrevistar e quais os aspectos a aprofundar” (Bodgan & Biklen,
1994, p.89).
De acordo com Merriam, os estudos de caso podem ser definidos pela
“observação detalhada de um contexto, ou indivíduo, de uma única fonte de documentos
ou de um acontecimento específico” (ob. cit., p.89).
Em suma, esta investigação tem por base a observação directa da realidade a
estudar, tentando descrever de forma precisa e detalhada os factos e as situações
observadas através da utilização de um conjunto de instrumentos de recolhas de dados
que iremos referenciar em seguida.
39
3.3
Instrumentos de recolha de
dados
Esta metodologia tem como virtualidade, entre outras, a possibilidade de se poder
utilizar um conjunto variado de técnicas de recolha de dados. “… A observação das
interacções sociais, a análise de documentos e a realização de entrevistas informais e
abertas são típicos processos de recolha de dados usados na investigação qualitativa”
(Afonso, Natércio, 1994, p. 142).
Assim, das técnicas mencionadas, a utilizada predominantemente neste trabalho
incidirá na realização de entrevistas. A opção pela entrevista deve-se ao facto de se
querer dar liberdade aos entrevistados para se poderem exprimir livremente mediante
um guião pré estruturado. A realização de entrevistas permite obter uma “…informação
centrada na pessoa do entrevistado e dificilmente generalizável em termos de
explicação de um problema global teoricamente definido” (Almeida e Pinto, 1995:109).
Para além da realização de entrevistas a professores e aos directores de
escola/agrupamentos, proceder-se-á também à observação das interacções sociais e à
análise documental de informações e de documentos produzidos pelas escolas/
agrupamentos e informações estatísticas.
40
3.3. Plano de investigação –
Cronograma
Etapas da investigação e sua distribuição temporal
Etapa 1
Designação da etapa: Pesquisa / Planeamento / Enquadramento
Construção de quadro teórico
Leitura de textos, selecção e resumo de textos apontados na bibliografia.
Planeamento detalhado do estudo a realizar.
Etapa 2
Designação da etapa: Construção dos instrumentos de recolha de dados
Elaboração dos instrumentos de pesquisa, nomeadamente o guião das entrevistas a realizar
aos docentes e ao órgão de gestão das escolas.
Etapa 3
Designação da etapa: Aplicação dos instrumentos de recolha de dados
Realização das entrevistas aos docentes e ao órgão de gestão das escolas que constituem a
amostra para a realização desta investigação.
Etapa 4
Designação da etapa: Selecção de documentação
Selecção de documentos a analisar, nomeadamente projecto educativo, projecto curricular de
escola, projecto curricular de turma, planos de recuperação e outros projectos existentes na
escola referentes a esta temática.
Etapa 5
Designação da etapa: Tratamento dos dados; Leitura, interpretação e análise
dos resultados
Tratamento e análise da informação recolhida
Etapa 6
Designação da etapa: Escrita da dissertação da tese de Doutoramento
Elaboração da tese
Etapa 7
Designação da etapa: Conclusões
Elaboração das conclusões e apresentação dos resultados.
41
Cronograma da investigação
2010
Etapas da investigação
M
J
Pesquisa / Planeamento /
Enquadramento
Construção dos instrumentos de recolha
de dados
Aplicação dos instrumentos de recolha de
dados
Selecção de documentação
Tratamento dos dados; Leitura,
interpretação e análise dos resultados
Escrita da dissertação da tese de
Doutoramento
Conclusões
42
J
S
2011
O
N
D
J
F
M
A
M
J
J
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