Modelo da intercepção da radiação no coberto descontínuo da cultura do pimento M.I. Vieira1, J.P. De Melo-Abreu2, M.E. Ferreira1 e A.A. Monteiro2 1 L-INIA, Oeiras, Av. da República s/n, Nova Oeiras, 2784-505 Oeiras, Portugal 2 Instituto Superior de Agronomia, Tapada da Ajuda, 1349-017 Lisboa, Portugal. Palavras chave: Capsicum annuum; transmissão da radiação; área foliar; modelo elipsoidal Resumo Neste trabalho apresenta-se um modelo de intercepção da radiação para um coberto vegetal descontínuo. Realizaram-se três anos de ensaios de campo com pimento ‘Capistrano’, no Sudoeste de Portugal. A plantação foi em linhas pareadas, com 3,81 plantas.m-2, formando um coberto descontínuo. Ao longo do ciclo cultural foram determinados os pesos secos de folhas, de caules e de frutos, as áreas de folhas e de caules, o raio da projecção do coberto vegetal de cada planta, a radiação solar global e a radiação fotossinteticamente activa (PAR) incidentes e a radiação solar transmitida. O modelo de intercepção baseou-se na extinção exponencial da radiação, segundo a lei de Bouguer, na área realmente coberta pelas plantas. Para o cálculo do coeficiente de extinção do coberto, utilizou-se o modelo elipsoidal da distribuição dos ângulos das folhas, corrigido por um factor igual à raiz quadrada da absorvidade das folhas para a PAR ou a radiação infravermelha próxima (NIR). A fracção de área ocupada pelo coberto vegetal foi determinada em função do raio da área coberta pelas plantas individuais e por considerações geométricas. Para estimar a área coberta pelas plantas individuais utilizou- -se uma função empírica, cuja variável independente é a área foliar da planta média. O modelo de intercepção e seus sub-modelos foram calibrados em aproximadamente metade dos dados, fazendo-se a validação nos dados restantes. A regressão linear dos valores simulados da radiação global transmitida através do coberto vegetal verso valores observados, ao longo de todo o ciclo cultural, resultou num coeficiente de determinação elevado (0,94), sendo a eficiência de modelação de 0,91. O modelo utilizado mostrou ser válido para simular a intercepção da radiação num coberto vegetal descontínuo e constitui uma simplificação importante de outros modelos mais exigentes em parâmetros e de maior complexidade computacional. INTRODUÇÃO O pimento ocupa um lugar de destaque na indústria de congelação em Portugal. Os modelos de simulação do desenvolvimento, do crescimento e da produtividade podem ser uma mais-valia no apoio à decisão para um correcto planeamento da produção. A intercepção da radiação (IR) é um dos processos a simular para prever a produção de matéria seca Os cobertos descontínuos são constituídos por locais com elevada sobreposição de folhas e por zonas sem elementos interceptores da radiação. Assim, o cálculo da intercepção da radiação neste tipo de cobertos pressupõe abordagens diferentes das utilizadas para os cobertos contínuos, com distribuição aleatória dos ângulos das folhas. 616 As abordagens existentes para simular a intercepção da radiação em cobertos descontínuos baseiam-se principalmente na geometria dos cobertos individuais e na inclusão de um número elevado de parâmetros geométricos reais (Mann et al., 1980; Norman & Welles, 1983; Gijzen & Goudriaan, 1989), envolvendo, por isso, complicados cálculos geométricos ou analíticos. Na modelação do crescimento e da produtividade das culturas pretende-se utilizar abordagens mais práticas, reduzir o número de parâmetros e agilizar a execução dos programas de modelação. Neste trabalho apresenta-se um modelo simplificado de intercepção da radiação para um coberto vegetal descontínuo. MATERIAIS E MÉTODOS Foram realizados ensaios de campo com pimento ‘Capistrano’, no Sudoeste de Portugal (latitude: 37º 30’N, longitude: 8º 45’W, altitude: 106m), de 2000 a 2002, com três datas de plantação (P1, P2 e P3) por ano, em intervalos de 15 dias. A plantação foi em linhas pareadas, com 3,8 plantas.m-2 e um compasso de 0,35 m entre plantas, 0,49 m entre linhas e 1,5 m entre centros de linhas pareadas, formando um coberto descontínuo. Ao longo do ciclo cultural foram feitas amostragens de plantas para determinação das áreas de folhas e de caules e dos pesos secos de folhas, de caules e de frutos. Efectuaram-se medições do raio da projecção do coberto vegetal de cada planta, da radiação solar global e da radiação fotossinteticamente activa (PAR) incidentes e da radiação solar transmitida. O desenvolvimento fenológico expressou-se sob a forma de uma escala normalizada do tempo térmico (TTN), isto é, o tempo térmico acumulado até cada fase em relação ao tempo térmico à floração. Aproximadamente metade dos dados foi utilizada para calibrar o modelo de intercepção e os seus sub-modelos. Os restantes dados constituem a base de validação do modelo. Para o cálculo do coeficiente de transmissão dum coberto real (τ(γ)), utilizou-se o modelo elipsoidal da distribuição dos ângulos das folhas para calcular o coeficiente de extinção (Ke (γ)) (Campbell, 1986), corrigido por um factor igual à raiz quadrada da absorvidade (α) das folhas para a PAR ou a radiação infravermelha próxima (NIR): , em que γ é o ângulo zenital e L é o índice de área foliar. Considerou-se uma absorvidade de 0,8 e 0,2, respectivamente para a PAR e a NIR (Goudriaan, 1977). O coeficiente de radiação interceptada é 1-τ. RESULTADOS O modelo de intercepção baseou-se na extinção exponencial da radiação, segundo a lei de Bouguer, na área realmente coberta pelas plantas. O parâmetro X do modelo elipsoidal foi determinado por inversão do modelo e com base nos dados medidos (base da calibração), sendo de 2,48 e 2,89, respectivamente para antes e após o TTN 1,5 (Vieira, 2006). O modelo efectua um cálculo diário do índice de área foliar (L) na área ocupada pelo coberto vegetal. Sendo necessário determinar quer a área foliar das plantas individuais, quer a área realmente coberta por estas. 617 A fracção de área ocupada pelo coberto vegetal foi determinada em função da área coberta pelas plantas individuais e por considerações geométricas que consideram a existência, ou não, da sobreposição dos cobertos individuais. Pressupondo que enquanto o coberto vegetal é constituído por cobertos individuais a fracção de área coberta desses cobertos resulta da soma das projecções verticais de cada coberto (Fig. 1A) e que quando as plantas cobrem a totalidade da faixa que contém as linhas pareadas a área coberta corresponde à área dessa faixa (Fig. 1C), a fracção de área ocupada pelo coberto vegetal (fac) é calculada por: ⎧N π r 2 ⎪ 2 ⎪N (π r − 2 A1 ) ⎪⎪ fac = ⎨N (π r 2 − A2 ) se ⎪ ⎪N (π r 2 − 2 A1 − A2 ) ⎪ ⎪⎩N ( r + distLinha / 2) distPlanta r ≤ distLinha / 2 e r ≤ distPlanta / 2 r ≤ distLinha / 2 e r > distPlanta / 2 e r < distPlanta r > distLinha / 2 e r ≤ distPlanta / 2 e r < distLinha r < distLinha2 + distPlanta2 2 Outros em que N é o número de plantas por m2, r é o raio da projecção na horizontal de cada coberto individual (m), A1 e A2 são as áreas dos segmentos circulares da sobreposição dos cobertos individuais de plantas na linha e de plantas de linhas adjacentes (m2), respectivamente, distPlanta é a distância entre plantas na linha e distLinha é a distância entre linhas pareadas. A área coberta pelas plantas individuais (Ac) foi estimada em função da área foliar da planta média (Af): função empírica com um r2 = 0,98 e SE = 0,03 m2. Utilizando os valores do parâmetro X obtidos por calibração do modelo elipsoidal e a abordagem descrita para cálculo da área efectivamente coberta pelas plantas, simulou-se a radiação interceptada pelo coberto vegetal nos ensaios de 2002. Os valores simulados da radiação global interceptada pelo coberto ficaram muito próximos dos valores observados, ao longo de todo o ciclo cultural (Fig. 2). A regressão linear dos valores simulados da radiação global interceptada pelo coberto verso os valores observados, ao longo de todo o ciclo cultural, resultou num coeficiente de determinação elevado (0,94), sendo a eficiência do modelo de 0,91 (Fig. 3). CONCLUSÕES O modelo utilizado mostrou ser válido para simular a intercepção da radiação num coberto vegetal descontínuo e constitui uma simplificação importante de outros modelos mais exigentes em parâmetros e de maior complexidade computacional. Referências Campbell, G.S. 1986. Extinction coefficients for radiation in plant canopies calculated using ellipsoidal inclination angle distribution. Agri. For. Meteorol. 36:317-321. Gijzen, H., Goudriaan, J. 1989. A flexible and explanatory model of light distribution and photosynthesis in row crops. Agri. For. Meteorol., 48:1-20 618 Goudriaan, J. 1977. Crop micrometeorology: a simulation study. Simulation Monograph, Pudoc, Wageningen. Mann, J.E., Curry, G.L., de Michele, D.W., Baker, D.N. 1980. Light penetration in a rowcrop with random plant spacing. Agron. Journal, 72:131-142. Norman, J.M., Welles, J.M. 1983. Radiactive transfer in a array of canopies. Agron. Journal, 75:481-488. Vieira, M.I. 2006. Modelo de Simulação do Desenvolvimento, do Crescimento e da Produtividade do Pimento (Capsicum annum L.) para Congelação. Tese de doutoramento. ISA, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa. B1 A B2 C Fig. 1 - Fases de cobertura efectiva do solo pelo coberto vegetal P1 2002 P2 2002 P3 2002 Fig. 2 - Evolução dos valores simulados (linha) e observados (o) da fracção da radiação global interceptada pelo coberto vegetal, nos ensaios de 2002. 619 Fig. 3 - Relação entre os valores estimados e os observados da fracção da radiação global interceptada pelo coberto vegetal (y = 0,94+ 0,98 x; r2 = 0,94; ME = 0,91). 620