Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Escola de Enfermagem Magalhães Barata Programa de Pós-Graduação em Enfermagem - Mestrado Érika de Cássia Lima Xavier Barros OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS À EXPERIÊNCIA COM A IMAGEM CORPORAL POR LARINGECTOMIZADOS TOTAIS Belém/PA 2015 Érika de Cássia Lima Xavier Barros OS SENTIDOS ATRIBUÍDOS À EXPERIÊNCIA COM A IMAGEM CORPORAL POR LARINGECTOMIZADOS TOTAIS Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Associado em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Enfermagem. Linha de pesquisa: Educação e tecnologia de enfermagem para o cuidado em saúde a indivíduos e grupos sociais. Orientadora: Profª. Drª. Mary Elizabeth de Santana Coorientadora: Fontão Zago Belém/PA 2015 Profª. Drª. Márcia Maria Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Sistema de Bibliotecas da UEPA Barros, Érika de Cássia Lima Xavier Os sentidos atribuídos à experiência com a imagem corporal laringectomizados totais / Érika de Cássia Lima Xavier Barros. -- Belém, 2015. por 105 f. : il. Orientadora: Mary Elizabeth de Santana. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade do Estado do Pará, Belém, 2015. 1.Laringectomia. 2. Antropologia. 3. Enfermagem Oncológica. 4. Neoplasias Laríngeas. I. Santana, Mary Elizabeth de, Orient. II. Título. CDD 22.ed. 617.533 ___________________________________________________________________ Érika de Cássia Lima Xavier Barros Os sentidos atribuídos à experiência com a imagem corporal por laringectomizados totais Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Associado em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Enfermagem. Linha de pesquisa: Educação e tecnologia de enfermagem para o cuidado em saúde a indivíduos e grupos sociais. Orientadora: Profª. Drª. Mary Elizabeth de Santana Coorientadora: Fontão Zago Profª. Dr.ª Márcia Aprovada em: 09/12/15 Banca Examinadora: _____________________________________________- Orientadora Profa. Dra. Mary Elizabeth de Santana Doutora em Enfermagem Fundamental – EERP/ USP Universidade do Estado do Pará _____________________________________________- Examinadora Externa Profa. Drª. Márcia Maria Fontão Zago Doutora em Enfermagem – EERP/SP Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto _____________________________________________- Examinadora Interna Profa. Dra. Laura Maria Vidal Nogueira Doutora em Enfermagem – UFRJ Universidade do Estado do Pará _____________________________________________- Examinadora Externa Profa. Drª. Jacira Nunes Carvalho (Suplente) Doutora em Enfermagem – UFSC Universidade Federal do Pará _____________________________________________- Examinadora Interna Profª. Drª. Ivonete Vieira Pereira Peixoto (Suplente) Doutora em Enfermagem – UFRJ Universidade do Estado do Pará Belém/PA 2015 Maria Dedico este trabalho aos Pacientes Laringectomizados Totais pela disponibilidade em partilhar suas experiências de vida, com suas lutas, tristezas, vitórias e alegrias, as quais possibilitaram minha transformação não apenas como profissional, mas também como pessoa. Em especial, ao Sr. Paulão pelos seus conhecimentos, sensibilidade, coragem e fé, o qual tem em mente a seguinte frase: “Resolvi contar a história dos que não desistem, então, não sou eu quem vai desistir”. AGRADECIMENTOS A Deus, pelo dom da vida, por me ajudar a superar as dificuldades, por acalentar meu coração, por me dar a mão nas horas mais difíceis, e por todas as vitórias alcançadas. À minha Mãe Waldecirene, por ser meu exemplo de mulher batalhadora, guerreira e de fibra, me apoiando em toda a minha trajetória acadêmica e cuidando dos meus filhos. À minha Tia Waldelisa, minha mãe de coração, madrinha, comadre, amiga e irmã. Agradeço pela paciência, pela mão amiga, por sonhar junto comigo, por ser tão amorosa com meus filhos e cuidar deles melhor do que eu. À minha Vó Otilia (em memória), por ser minha referência de luta, honestidade e perseverança, seus conselhos carrego no meu coração. Na semana que iniciaram as aulas do mestrado, minha avó faleceu. Ao meu Pai Eurico, pelo apoio e luta, por me proporcionar uma boa educação, renunciando a si próprio. Ao meu marido Rodrigo, pela paciência, amor, e força. Meu parceiro nas entrevistas, me levando em cada domicílio, és a minha fortaleza nos momentos de fraqueza. Te amo. Aos meus filhos Sofia, Antônio Rodrigo e Felipe Rodrigo, pelo amor, paciência, carinho e inocência. Vocês são minha inspiração para seguir em frente. Amo vocês, sapecas. À minha orientadora Profa. Dra Mary Elizabeth de Santana, pela confiança, amizade e parceira. Obrigada pelo aprendizado diário, pelas palavras de conforto nos momentos difíceis e por me permitir escolher este objeto de estudo. À minha Coorientadora Profa. Dra. Márcia Maria Fontão Zago, pela confiança, profissionalismo e conhecimento. Sua simplicidade e a sua forma de compartilhar o conhecimento é um exemplo a ser seguido. Obrigada por aceitar fazer parte deste estudo. Aos Professores membros da banca, pelas contribuições que enriqueceram este estudo, tornando cada momento valoroso na troca de conhecimento. Aos Professores do Programa de Pós-graduação em Enfermagem UEPA, pelos 2 anos de convivência e por todo conhecimento compartilhado. A Nelma, secretária do Programa de Pós-graduação em Enfermagem UEPA, pela disponibilidade, amizade e competência, sempre de braços abertos para nos ajudar. Aos Professores do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia/ UFPA em especial Denise Cardoso, Voyner- Ravena Cañete, Heraldo Maués e Samuel Sá, por todo conhecimento antropológico compartilhado nas disciplinas do programa. Aos amigos do Mestrado Anderson, Adilson, Camila, Daiane e Claudia, pela torcida, carinho e amizade, estar com vocês foi um grande presente, aprendi com cada um. As amigas Daiane e Cláudia, pela honestidade, sinceridade, carinho, pelas mãos amigas, que foram capazes de superar todos os obstáculos, vocês estarão sempre no meu coração. Muito obrigada pela contribuição no meu amadurecimento pessoal e profissional. Ao Grupo de pesquisa Intervensão de Enfermagem no Processo Saúde Doença (IENPSAD), pelas experiências, vivências e seriedade. Aos Bolsistas Breno Maia, Cristiane Santos, Jordana Silva, Gabriel Silva e Talita Nazaré, pela participação no decorrer da pesquisa. Ao Grupo de Pesquisa Enfermagem e Representações na Atenção à Saúde (ERAS), por ter me acolhido no início desta jornada. A Professora Elizabeth Teixeira, pelas portas abertas e pelo aprendizado. Aos amigos Bruna Silva e Horácio Medeiros, pelo apoio e incentivo. Ao Grupo Pesquisa de Reabilitação de Pacientes Cirúrgicos e Oncológicos (GERPCO) de Ribeirão Preto, pelo aprendizado, acolhida e por ter facilitado as reuniões via Skype. Ao meu irmão Georgio Pablo, cunhada Vanessa e à sobrinha Vivian Maria, pela torcida, os carinhos da minha linda sobrinha, que são um remédio para a alma. Ao meu sogro Reginaldo, à sogra Ana Maria e sobrinhos Roberta Fernanda e George Henrique, pela parceria em ajudar a cuidar da criançada nos momentos em que mais precisei. Aos meus tios e primos, pela torcida e orações de perto e de longe. Ao amigo Vander Monteiro, pelo incentivo, por ter me proporcionado conhecer a linda Ribeirão Preto e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, pelas portas abertas de sua casa, pelos momentos que vivenciamos juntos, pelas dicas, pela amizade e por tudo mesmo. Deus te abençoe, meu amigo, e muito sucesso. Ao amigo Jefferson Araújo, pelo carinho, por sua atenção, pela partilha do conhecimento, pelas portas abertas de sua casa, por ter me proporcionado conhecer a linda Ribeirão Preto e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, pelos momentos que vivenciamos juntos e por tudo mesmo. Sucesso, meu amigo, que Deus te abençoe e você realize todos os seus sonhos. À amiga Lucialba, pela amizade, pela força, pelas contribuições no meu estudo, pelo aprendizado, Desejo a você muito sucesso e as bênçãos de Deus em sua vida e na de suas famílias. À amiga Eliana, pelas orações e palavras positivas, em todos os momentos. À amiga e comadre Rosana Brandão, pela nossa linda história de amizade, amiga de todas as horas, cuidando tão bem de meus amados filhos e seu afilhado Antônio Rodrigo. À amiga Lucileia Pereira, pela escuta sensível, força, amizade, carinho e conselhos. Agradeço a Deus por ter colocado você em minha vida, sua doce e louca amizade me deram coragem para não desistir. Obrigada. Aos amigos Walter Araújo, pelo apoio, força e as palavras de incentivo. Ao amigo Edvaldo Pereira, pela escuta sensível e contribuições científicas. A Rafaela e Nazaré Manfredo, por terem ajudado a cuidar dos meus bens mais preciosos, no momento da minha ausência. Ao Hospital Ophir Loyola, pelas portas abertas para o conhecimento científico. Ao Funcionário Marcelo do Departamento de arquivo médico (DAME), às Fonoaudiólogas Claúdia Martins, Brena Habib e aos Residentes de Fonoaudiologia Leticia Gisele Navarro Cunha, Daniele da Silva Negrão e Rômulo Leão, obrigada por facilitarem o meu acesso aos pacientes larigectomizados totais. Aos pacientes e seus familiares, agradeço pela disponibilidade e confiança de terem aberto as portas de suas casas, para socializaram suas experiências de vida. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela disponibilidade da bolsa de estudo, que proporcionou a dedicação à minha pesquisa. E a todos que contribuíram diretamente e indiretamente para a concretização deste sonho. BARROS, Érika de Cássia Lima Xavier. Os sentidos atribuídos à experiência com a imagem corporal por laringectomizados totais. 2015. 104f. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade do Estado do Pará, Belém/PA, 2015. RESUMO O objetivo deste estudo foi analisar os sentidos atribuídos à imagem corporal de pacientes laringectomizados totais a partir da sua cultura. Utilizou-se o referencial da antropologia interpretativa e antropologia médica. Trata-se de um estudo de caso etnográfico com abordagem qualitativa. Participaram do estudo 11 laringectomizados totais em acompanhamento no ambulatório do Hospital Ophir Loyola. O trabalho de campo foi composto por observação não participante e participante; entrevista semiestruturada, diário de campo e ocorreu nos domicílios. Os dados foram analisados por meio da análise temática indutiva e sistematizados em duas unidades temáticas: “Experiência da doença” e a “Experiência da Imagem corporal”. A primeira unidade originou três sentidos: “sinais e sintomas, e tratamento”, “a fé e a família como suporte para recuperar a saúde” e “mudanças na vida social”, e a segunda originou dois sentidos: “as dificuldades com a comunicação não verbal no contexto social” e a “imagem corporal”. A rouquidão foi o primeiro sintoma referido pelos informantes, sendo relacionado a uma gripe, fazendo com que eles aguardassem a involução deste sintoma. Utilizaram plantas medicinais para o tratamento da rouquidão e, com a persistência e agravamento dos sinais e sintomas, o sistema profissional foi procurado, o tratamento recomendado foi o cirúrgico, e apenas em um caso o paciente fez a radioterapia antes da cirurgia. A fé religiosa e a família foram as redes de apoio utilizadas para o enfrentamento da doença, a fé como uma força interna capaz de dar um sentido à vida do paciente e a família como base de apoio, a sensação de poder contar com alguém. As mudanças sociais transformaram radicalmente a vida dos informantes, sendo privados principalmente de trabalhar. O procedimento cirúrgico acarretou mudanças fisiológicas e funcionais, que dificultaram a execução de determinadas atividades e a própria alimentação dos pacientes, uma vez que eles não possuem olfato e paladar. As dificuldades com a comunicação não verbal iniciam com o agravamento da doença, porém, com o procedimento cirúrgico, a afonia se instala, sendo necessário utilizar outros recursos para poder se comunicar, como escrita, laringe eletrônica, mímica labial e voz esofágica. No entanto, nesses três últimos a voz produzida não tem qualidade, fazendo com que as pessoas não entendam. Com relação à escrita a dificuldade ocorreu pela não alfabetização de pacientes e cuidadores, em alguns casos. O fato do paciente repetir várias vezes a mesma frase causa aborrecimento e proporciona ao paciente o isolamento social, estando relacionado também à imagem corporal alterada em decorrência da cicatriz cirúrgica, da traqueostomia ou do estoma, causando no indivíduo vergonha, pois ele passa a ser alvo de atenção das outras pessoas. A produção constante de secreção e eliminação pelo estoma contribuiu para o desconforto no meio social, alterando sua imagem corporal e autoimagem. Diante desse contexto, este estudo proporcionou uma reflexão sobre as dificuldades encontradas pelos participantes desde o início dos sinais e sintomas até o processo de reabilitação, sendo possível repensar as práticas assistenciais que são prestadas a pacientes e familiares, os quais encontram inúmeras limitações, quando retornam para o lar. Palavras-chave: Laringectomia. Antropologia. Enfermagem oncológica. Neoplasias laríngeas. BARROS, Érika de Cássia Lima Xavier.The meanings given to the experience with body image by totally laryngectomized individuals. 2015. 104p. Dissertation (Master of Nursing). - University of State of Pará, Belém/PA, 2015. ABSTRACT The aim of this study is to analyze the different meanings given to body image by totally laryngectomized patients considering their culture. Interpretive anthropology and medical anthropology were used. Treatment is a ethnographic case study with qualitative approach. Subjects were 11 patients previously submitted to total laryngectomy attending the follow-up clinic at Ophir Loyola Hospital. Field study included non-participant observation and participant observation; semi-structured interview and maintenance of a field journal, the interview was held at the participants houses. Data was analyzed using inductive thematic analyzes and were systematized in two thematic units: “Disease experience” and “Body image experience”. The first unit originated three meanings: “signs and symptoms, and treatment”, “faith and family as support for health recovery”, and “changes in social life”; the second unit originated two meanings: “difficulties with non-verbal communication in the social context”, and “body image”. Hoarseness was the first symptom reported by subjects; the belief of it being caused by a cold led them to wait for the symptom to fade away.Subjects initially used medicinal plants aiming to treat the hoarseness, but as symptoms persist and progressed they sought for medical attention, surgery was the recommendation for treatment and only one subject was submitted to radiotherapy prior to surgery. Religious faith and the family were the support network used fight the disease, the faith as an inner force capable of giving meaning to life, and the family as the support that provided the feeling of being able to count on someone. The social changes radically transform the lives of subjects, especially as they are unable to work. The surgery procedure results in physiological and functional changes that make difficult the execution of certain activities like feeding as the subjects don’t have senses of smell and taste anymore. The difficulties with non-verbal communication begin with worsening disease, but after the surgery procedure the resulting aphonia makes necessary the use of different resources to communicate, such as writing, electrolarynx, lip reading, andesophageal voice.However, in the three initial months the esophageal voice lacks quality resulting in people not being able to understand it. Concerning writing, the difficult is due to the patient or its caregiver not being literates. Also, the repetition of phrases by patients causes annoyance to caregivers and leads these patients to social isolation, that isolation is also related to the modified body image due to scaring from surgery, tracheostomy, or stoma, causing shame to the individuals as they become the target of attention of other people. The constant secretion and elimination through the stoma contributes to discomfort in the social environment, altering the individual body image and self-image. Given this context, this study provided a reflection on the difficulties faced by the subjects since the beginning of their symptoms all the way through the rehabilitation process, allowing a reconsideration of the current care practices directed to patients and their families as they find innumerous limitations after returning home. Keywords: Laryngectomy.Anthropology.Oncology Nursing. Laryngeal neoplasia. LISTA DE QUADROS Quadro 1: Classificação do Tumor Primário ............................................................. 24 Quadro 2: Classificação do Tumor Primário em Região Supraglótica ...................... 24 Quadro 3: Classificação do Tumor Primário em Região Glótica .............................. 24 Quadro 4: Classificação do Tumor Primário em Região Infraglótica ........................ 25 Quadro 5: Classificação dos Linfonodos Regionais ................................................. 25 Quadro 6: Classificação da Metástase a distância ................................................... 25 Quadro 7: Caracterização socioeconômica e cultural dos laringectomizados totais. HOL, Belém/Pará, 2015 ............................................................... 41 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AVAO - Associação Voluntária Apoio à Oncologia CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CACON - Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia CEPEN - Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem DECS - Descritores em Ciências da Saúde GPS - Global Positioning System HOL - Hospital Ophir Loyola INCA - Instituto Nacional do Câncer LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde LT - Laringectomia Total MESH - Medical Subject Headings OMS - Organização Mundial de Saúde PUBMED - Estados Unidos National Library of Medicine PNASISH - Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - SUMÁRIO CAPITULO I 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................................. 16 1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 18 1.2 SITUAÇÃO PROBLEMA ..................................................................................... 21 1.3 OBJETIVOS ........................................................................................................ 22 1.3.1 Geral................................................................................................................. 22 1.3.2 Específicos ....................................................................................................... 22 CAPITULO II 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .................................................................................. 23 CAPITULO III 3 PRESSUPOSTOS TEÓRICO- METODOLÓGICOS .............................................. 28 3.1 O REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................. 28 3.2 PROCESSO METODOLÓGICO ......................................................................... 33 3.2.1 Operacionalização do estudo ........................................................................... 34 3.2.1.1 Local do estudo ............................................................................................. 34 3.2.1.2 O contato inicial ............................................................................................. 35 3.2.1.3 Participantes.................................................................................................. 36 3.2.1.4 Critérios de Seleção ...................................................................................... 36 3.2.1.5 Coleta dos dados .......................................................................................... 36 3.2.1.6 Métodos de análise dos dados ...................................................................... 38 3.3 ASPECTOS ÉTICOS........................................................................................... 39 CAPITULO IV 4 RESULTADOS ....................................................................................................... 41 4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES ..................................................... 41 4.2 APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO CASO EM ESTUDO E SEUSASPECTOS PRINCIPAIS ......................................................................... 45 4.3 UNIDADES DE SENTIDO ................................................................................... 56 4.3.1 Experiência da doença ..................................................................................... 56 4.3.1.1 Sinais e sintomas da doença e tratamento.................................................... 56 4.3.1.2 A fé religiosa e a família como suporte para recuperar asaúde .................... 64 4.3.1.3 Mudanças na vida social ............................................................................... 68 4.3.2 A experiência da imagem corporal ................................................................... 70 4.3.2.1 As dificuldades com a comunicação não verbal no contexto social .............. 70 4.3.2.2 Imagem corporal ........................................................................................... 73 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 79 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 82 APÊNDICES ............................................................................................................. 88 Apêndice A: Termo de esclarecimento e consentimento .......................................... 89 Apêndice B – Roteiro de entrevista ........................................................................... 91 ANEXOS ................................................................................................................... 94 Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................... 95 Anexo B - Autorização do Hospital Ophir Loyola....................................................... 96 Anexo C - Re-autorização do Hospital Ophir Loyola ................................................. 97 Anexo D - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UEPA ................................ 98 Anexo E - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do HOL ................................. 102 Considerações Iniciais _______________________________________________ 16 CAPITULO I 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS De acordo com estimativas da Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC), houve 12,7 milhões de novos casos de câncer em 2008, em todo o mundo, dos quais 5,6 milhões ocorreram em países economicamente desenvolvidos e 7,1 milhões nos países economicamente em desenvolvimento. As estimativas correspondentes para total de mortes por câncer em 2008 foram de 7,6 milhões (cerca de 21.000 mortes por câncer em um dia), 2,8 milhões em países economicamente desenvolvidos e 4,8 milhões em países economicamente em desenvolvimento. Em 2030, a carga global deverá crescer para 21,4 milhões de novos casos de câncer e 13,2 milhões de mortes devido ao crescimento e envelhecimento da população (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2014). Nos Estados Unidos, em 2015, são estimados para ambos os sexos 1.658.370 novos casos de câncer, sendo para o sexo masculino 848.200 e 810.170 para o sexo feminino; já a estimativa de mortalidade para ambos os sexos é de 589.430, apontando 312.157 para o sexo masculino e 273.280 para o feminino. Nos casos de câncer de laringe, foco deste estudo, a estimativa apresentada é de 13.560 casos novos para ambos os sexos, com índices de 10.720 para o sexo masculino e 2.840 para o sexo feminino; e a estimativa de mortalidade, para ambos os sexos, é de 3.640, sendo2.890 para o sexo masculino e 750 para o feminino (AMERICAN CANCER SOCIETY, 2015). No Brasil, o câncer de laringe teve estimativa para 2014 de 6.870 casos novos em homens e 770 em mulheres. O risco estimado foi de 7,03 casos a cada 100 mil homens e de 0,75 a cada 100 mil mulheres. Para o Estado do Pará, no referido ano, estimaram-se 90 casos novos e para o Município de Belém 40 casos novos (INCA, 2015). O câncer de laringe ocorre predominantemente em homens com idade acima dos 40 anos, é um dos mais comuns entre os que atingem a região da cabeça e pescoço. No mundo, o câncer da laringe é o segundo câncer do aparelho respiratório, com 160 mil casos novos por ano, sendo responsável pelo óbito de Considerações Iniciais _______________________________________________ 17 aproximadamente 83 mil pessoas por ano (INCA, 2015). O câncer de laringe localiza-se dentro e ao redor da laringe (caixa vocal); os carcinomas epidermóides são os tipos histológicos mais frequentes nos tumores de cabeça e pescoço, correspondendo a 90% dos casos. Os fatores de risco são exposição a carcinógenos químicos oriundos do tabaco e/ou a vírus, como Human Papiloma Virus (HPV), álcool e seus efeitos combinados, asbestos, tabagismo passivo, poeira de madeira, substâncias químicas, esforço vocal, laringite crônica, deficiências nutricionais (riboflavina) e predisposição familiar (CASTRO JÚNIOR; SNITCOVSKY; PASINI, 2013). Os tratamentos empregados para o câncer de laringe são: cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou a combinação entre eles. A laringectomia parcial e total são técnicas cirúrgicas que correspondem à retirada total ou parcial da laringe. Para esse procedimento é realizada uma traqueostomia a qual, em curto período de tempo, será fechada e a voz permanecerá presente com menor potência. Na laringectomia total, o traqueostoma será permanente e haverá perda da voz (afonia) (KOWALSKI; CARVALHO, 2013). A partir desse contexto, faz-se necessário atentar-se para a experiência do paciente com câncer de laringe em relação à imagem alterada após laringectomia total, pois as alterações na imagem corporal sempre ocorrerão, independentemente do tipo de procedimento cirúrgico ao qual o paciente será submetido. Tal alteração no paciente inicia-se com a incisão da pele, perpassa pela cicatriz e culmina com a implantação de estomas permanentes (PEDROLO; ZAGO, 2000). Harrington (2011) citando Mock (1993) define a imagem corporal como uma imagem mental do corpo físico que inclui atitudes e percepções relacionadas à aparência física, estado de saúde e capacidades. É um componente integral da autoimagem, assim, a imagem corporal sofre influências das normas, valores e símbolos culturais do corpo, do grupo em que a pessoa se integra, e como tal é uma construção sociocultural. Dessa forma, a autoimagem é um aspecto fundamental no que diz respeito à imagem corporal, pois, se esta estiver comprometida, os sentimentos e as atitudes serão expressos de forma negativa, o que irá refletir na vida social, assim como no processo de recuperação da saúde. O comportamento adotado pelo indivíduo frente à imagem corporal alterada dependerá: das estratégias de enfrentamento, da origem Considerações Iniciais _______________________________________________ 18 da alteração, da importância da nova imagem para o futuro do paciente, dos tipos e possibilidades de apoio que o paciente pode receber enquanto ajusta-se à nova imagem do corpo (PRICE, 1990). 1.1 JUSTIFICATIVA Este estudo consiste na possibilidade de proporcionar aos profissionais de saúde, em especial ao enfermeiro, uma reflexão acerca de suas práticas na assistência a pacientes laringectomizados totais com alterações na imagem corporal. É preciso ir além dos procedimentos técnicos preservando a imagem do paciente, por meio da criatividade para desenvolver a comunicação não verbal, estabelecendo uma relação de confiança e respeito aos costumes, credos e valores de cada um, minimizando a não adesão aos cuidados em domicílio, e o possível isolamento social do paciente frente à sua nova condição. A laringe humana é uma estrutura musculocartilaginosa complexa encontrada na região anterior do pescoço, aproximadamente no nível da terceira vértebra cervical C3 à C6. Nos homens, localiza-se próximo à proeminência laríngea, é composta por um total de nove cartilagens juntamente com suas membranas de ligação e ligamentos (FULLER; PIMENTEL; PEREGOY, 2014). A laringe é um órgão fonador, adaptada para agir como vibrador, em que os elementos vibrados são as pregas vocais; estas são estiradas e posicionadas por diversos músculos específicos da própria laringe, portanto, está estreitamente ligada à produção da voz (GUYTTON; HALL, 2006). Sua proximidade anatômica e sua origem embriológica, comum a outras estruturas do aparelho mastigatório e sistema digestório, fazem com que problemas patológicos graves, como o câncer laríngeo, afetem não só a laringe, mas as estruturas circunvizinhas, causando perda funcional, social e psicológica no paciente, alterando decisivamente sua qualidade de vida (MACIEL; LEITE; SOARES, 2010). O câncer de laringe causa grande impacto à vida dos pacientes, pois os procedimentos afetam a autoimagem e modificam a anatomia funcional, incidindo diretamente na respiração, na alimentação e na comunicação oral (BARBOSA; Considerações Iniciais _______________________________________________ 19 FRANCISCO, 2011). Noonan e Hegarty (2010) realizaram um estudo o qual relata o impacto da laringectomia total na vida do paciente. Os principais achados foram descritos em duas grandes categorias que são: dificuldades funcionais (sintomas físicos e dificuldades na fala) e os distúrbios psicológicos (depressão, arrependimentos e determinação pessoal). Os autores ainda destacam a importância do suporte dos enfermeiros desde o período pré-operatório até a reabilitação, de modo a identificar as melhores práticas a serem utilizadas pelos pacientes na execução das tarefas diárias. Essa consideração corrobora a necessidade de se conhecer os sentidos dos laringectomizados totais relacionados à imagem corporal, uma vez que as informações repassadas ao paciente são fornecidas no momento da alta hospitalar, e este só irá vivenciar as dificuldades no dia a dia, o retorno do mesmo ao ambulatório ocorrerá por volta de 30 dias, e será com o médico. Essas dimensões perpassam pela imagem corporal, uma vez que, ao longo da história, a cultura tem sido decisiva na regulação do comportamento humano, ou seja, o indivíduo molda as suas ações em função daquilo que é “normal” e aceitável no seu meio social, na procura incessante de preencher os requisitos exigidos pela cultura à qual pertence (ALVES et al., 2009). A imagem corporal alterada irá influenciar essas dimensões do cotidiano do paciente laringectomizado total, entre eles: as atividades laborais, o convívio familiar e aceitação diante da nova imagem. Helman (2009) define a imagem corporal como as formas com que um indivíduo conceitua e experimenta seu corpo, de modo consciente, sendo algo construído no decorrer do seu crescimento, sofrendo influências da família, da cultura e da sociedade, e ainda variações individuais dentro de cada sociedade. Além das influências culturais, os tratamentos clínicos ou cirúrgicos também impactam profundamente na imagem corporal. Isso aplica-se particularmente às cirurgias, como amputações, mastectomias e cirurgias plásticas, e a tratamentos, radioterapia e quimioterapia, os quais podem causar alterações físicas (HELMAN, 2009). No intuito de identificarmos as produções científicas sobre laringectomizados totais e sua imagem corporal, realizamos uma busca nas produções científicas na Considerações Iniciais _______________________________________________ 20 área da enfermagem no recorte temporal de 2004 a 2014, por meio das bases eletrônicas LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde), PUBMED (Estados Unidos National Library of Medicine), CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), PsycINFO (American Psychological Association), PERÍODICOS CAPES e CEPEN (Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem). Os descritores controlados utilizados, de acordo com o Decs (Descritores em Ciências da Saúde) foram “imagem corporal”, “neoplasias laríngeas” e “laringectomia”. No Pubmed os descritores controlados de acordo com o MeSH (Medical Subject Headings) foram body image, total laryngectomy e neoplams larynx. As palavras-chave utilizadas foram laringectomy, stigma, life change events, disfigurement e larynx câncer. Os descritores e palavras-chave foram associados por meio da expressão booliana AND, e a finalidade deste procedimento está relacionada ao fato de fazer uma busca detalhada sobre as publicações voltadas à temática em estudo. No período citado anteriormente foram identificados 5282 artigos. Os critérios de inclusão foram: artigos completos e disponíveis, nos idiomas inglês, português e espanhol, que abordassem especificamente a visão do paciente sobre sua imagem corporal após a laringectomia total; e o critério de exclusão foi artigos repetidos, ficando 23 (100%) artigos. Com relação às Regiões no âmbito nacional foram realizadas pesquisas: uma (4, 34%) no Sul, uma (4, 34%) no Norte e Nordeste, sete (30,48%) no Centro-Oeste e em uma (4,34%) não foi identificado o local do estudo. Os países de origem dos estudos internacionais foram: um (4,34 %) da Suécia, três (21,73%) dos E.U.A, quatro (17,38%) da Espanha, um (4,34%) da Índia e dois (8,68%) do Canadá; os tipos de estudos compreenderam 10 (43,47%) qualitativos, 12 (52,17%) quantitativos e um (4,34%) misto; e os tipos de estudos estão relacionados a: uma (4,34%) revisão sistemática, dois (8,69%) relatos de experiência e 20 (86, 95%) estudos primários. Os objetivos desses estudos, em sua maioria, apontavam para as mudanças ocorridas no cotidiano dos pacientes, as quais estão relacionadas ao reaprender a falar e comer, dificuldades na readaptação pós-cirúrgica e isolamento social, sendo influenciadas pela cultura, o que consequentemente repercutirá na forma como os pacientes compreendem a doença e os estigmas existentes na sociedade em que Considerações Iniciais _______________________________________________ 21 vivem. Nos últimos 10 anos, os estudos relacionados ao câncer de laringe abordam variados enfoques. Entretanto, no que diz respeito à imagem alterada dos pacientes após a laringectomia total, necessita ser explorada em profundidade, já que as consequências do pós-operatório perpassam as dimensões físicas, psicossociais, econômicas e culturais, uma vez que, os indivíduos reagem a determinados tipos de situação de acordo com o meio no qual habitam. Cabe ressaltar que não há pesquisas na Região Norte na área da Enfermagem sobre a temática em questão, evidenciado a necessidade de buscar essa realidade no contexto amazônico. 1.2 SITUAÇÃO PROBLEMA O interesse pelo objeto de estudo surgiu na graduação, tendo se aprofundado no Curso de Especialização em Enfermagem Oncológica na Universidade Federal do Pará no período de 2012- 2013, durante estágio vivencial no 1º Departamento de Câncer do Hospital Ophir Loyola (HOL). Ao prestar cuidados de enfermagem aos pacientes com o diagnóstico de câncer de laringe que se submeteram à intervenção cirúrgica radical com efeitos devastadores. Os pacientes com câncer de laringe se submeteram à terapêutica cirúrgica denominada laringectomia total ampliada, indicada para os tumores que comprometem a orofaringe ou hipofaringe. Nos cânceres com estágios I e II, a primeira opção é a radioterapia e a cirurgia parcial. Já no estágio III ocorre a ressecção da lesão primária e no estágio IV realiza-se a faringolaringectomia total seguida pelo esvaziamento cervical profilático ou terapêutico e, posteriormente, a radioterapia. Os resultados da laringectomia total causam mudanças significativas no bemestar psicológico do paciente em tratamento. A relação entre distúrbios psicológicos e laringectomia total é atribuída à perturbação de imagem e dificuldades funcionais inerentes à doença e ao processo de tratamento (EADIE; DOYLE, 2005; FEBER, 1996). Portanto, diante de tal procedimento cirúrgico observamos que, ao ter a face alterada em decorrência da traqueostomia e das cicatrizes provenientes da cirurgia, Considerações Iniciais _______________________________________________ 22 os pacientes evitam olhar as pessoas, encobrindo a face para evitar o contato visual direto com a equipe de saúde, em especial a Enfermagem, por ter um contato diário com os pacientes no período perioperatório. Dessa maneira, há dificuldades com a comunicação, já que os mesmos encontram-se afônicos. O enfermeiro precisará atentar para a comunicação não verbal do paciente e buscar estratégias para a compreensão das mensagens. Nesse contexto, este estudo busca apreender a experiência de pacientes laringectomizados totais frente à imagem alterada. Para tanto, elaboramos as seguintes questões de pesquisa: Quais os sentidos da imagem corporal para pacientes laringectomizados totais? Há influência da cultura dos pacientes laringectomizados totais sobre a imagem corporal? Como agregar a perspectiva dos pacientes laringectomizados totais sobre a imagem corporal na assistência de enfermagem? 1.3 OBJETIVOS 1.3.1 Geral Analisar os sentidos atribuídos à imagem corporal de pacientes laringectomizados totais a partir da sua cultura. 1.3.2 Específicos Descrever as características sociais e clínicas dos participantes; Apreender os sentidos da imagem alterada dos pacientes laringectomizados totais; Analisar as implicações dos sentidos da imagem alterada para o cuidado de enfermagem. Revisão Bibliografica ________________________________________________ 23 CAPITULO II 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Os tumores de laringe acometem primariamente os dois terços do andar glótico, justificando a disfonia persistente como um sinal precoce, e o terço restante de tumores atinge a supraglote (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO, 2011). A divisão das regiões supraglótica, glótica e subglótica é apresentada na figura abaixo: Figura 1 - Divisão Anatômica das regiões supraglótica, glótica e subglótica. Fonte: Lofiego, (1994). Os tumores da laringe são estadiados por meio do exame clínico e de métodos de imagem e, o tumor primário (T), adicionalmente pela laringoscopia. A realização de um exame laríngeo completo e detalhado é a base da avaliação do paciente com queixas vocais. A laringoscopia classifica-se em exame indireto (por espelho, fibra óptica flexível ou laringoscópio rígido) ou direto (por laringoscopia de suspensão). A confirmação diagnóstica deve ser sempre realizada por biópsia e exame histopatológico (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO, 2011; AMERICAN JOINT COMMITTEE ON CANCER, 2010). A Classificação para os tumores de laringe é definida clinicamente segundo Brasil (2004) e American Joint Committee on Cancer (AJCC, 2010): Revisão Bibliografica ________________________________________________ 24 Quadro 1: Classificação do Tumor Primário T TX T0 Tis Tumor Primário O tumor primário não pode ser avaliado Não há evidência de tumor primário Carcinoma in situ Localização do Tumor na Região Supraglótica Quadro 2: Classificação do Tumor Primário em Região Supraglótica Tumor limitado a uma sublocalização anatômica da supraglote, com mobilidade normal da prega vocal. Tumor que invade a mucosa de mais de uma sublocalização anatômica adjacente da supraglote ou a glote ou região externa à supraglote (por exemplo, a mucosa da T2 base da língua, a valécula, a parede medial do recesso piriforme), sem fixação da laringe. Tumor limitado à laringe com fixação da prega vocal e/ou invasão de qualquer uma das seguintes estruturas: área pós-cricoidea, tecidos pré-epiglóticos, espaço T3 paraglótico e/ou com erosão mínima da cartilagem tireoidea (por exemplo, córtex interna). Tumor que invade toda a cartilagem tireoide e/ou estende-se aos tecidos além da laringe, por exemplo, traqueia, partes moles do pescoço, incluindo músculos T4 profundos/extrínsecos da língua (genioglosso, hioglosso, palatoglosso e estiloglosso), alça muscular, tireoide e esôfago. Tumor que invade o espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais ou adjacentes à T4b artéria carótida. T1 Localização do Tumor na Região Glótica Quadro 3: Classificação do Tumor Primário em Região Glótica T1 T1a T1b T2 T3 T4a T4b Tumor limitado à(s) corda(s) vocal(ais) (pode envolver a comissura anterior ou posterior), com mobilidade normal da(s) prega(s). Tumor limitado a uma prega vocal. Tumor que envolve ambas as pregas vocais. Tumor que se estende à supraglote e/ou infraglote e/ou com mobilidade diminuída da prega vocal. Tumor limitado à laringe, com fixação da corda vocal e/ou que invade o espaço paraglótico, e/ou com erosão mínima da cartilagem tireoide (por exemplo, córtex interna). Tumor que invade completamente a cartilagem tireoidea ou estende-se aos tecidos além da laringe, por exemplo, traqueia, partes moles do pescoço, incluindo músculos profundos/extrínsecos da língua (genioglosso, hioglosso, palatoglosso e estiloglosso), alça muscular, tireoide e esôfago. Tumor que invade o espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais ou adjacente à artéria carótida. Revisão Bibliografica ________________________________________________ 25 Localização do Tumor na Região Infraglótica Quadro 4: Classificação do Tumor Primário em Região Infraglótica T1 T2 T3 Tumor limitado à infraglote. Tumor que se estende à(s) prega(s) vocal(ais), com mobilidade normal ou reduzida. Tumor limitado à laringe, com fixação da prega vocal. Tumor que invade a cartilagem cricoidea ou tireoidea e/ou estendesse a outros tecidos além da laringe, por exemplo, traqueia, partes moles do pescoço, incluindo T4a músculos profundos/extrínsecos da língua (genioglosso, hioglosso, palatoglosso e estiloglosso), tireoide e esôfago. Tumor que invade o espaço pré-vertebral, estruturas mediastinais ou adjacente à T4b artéria carótida. Quadro 5: Classificação dos Linfonodos Regionais N NX N0 Linfonodos Regionais Os linfonodos regionais não podem ser avaliados. Ausência de metástase em linfonodos regionais. Metástase em um único linfonodo homolateral, com 3 cm ou menos em sua maior N1 dimensão. Metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3 cm até 6 cm em sua maior dimensão; ou em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum deles com mais N2 de 6 cm em sua maior dimensão; ou em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6 cm em sua maior dimensão. Metástase em um único linfonodo homolateral, com mais de 3 cm até 6 cm em sua N2a maior dimensão. Metástase em linfonodos homolaterais múltiplos, nenhum deles com mais de 6 cm N2b em sua maior dimensão. Metástase em linfonodos bilaterais ou contralaterais, nenhum deles com mais de 6 N2c cm em sua maior dimensão. N3 Metástase em linfonodo com mais de 6 cm em sua maior dimensão. Nota: Os linfonodos de linha média são considerados linfonodos homolaterais. Quadro 6: Classificação da Metástase a distância M MX M0 M1 Metástase a distância A presença de metástase a distância não pode ser avaliada. Ausência de metástase a distância. Metástase a distância. pTNM - Classificação Patológica As categorias pT, pN e pM correspondem às categorias T, N e M. pN0. O exame histológico do espécime de um esvaziamento cervical seletivo incluirá, geralmente, seis ou mais linfonodos. O exame histológico do espécime de um esvaziamento cervical radical ou modificado incluirá, geralmente, 10 ou mais linfonodos. Se os linfonodos são negativos, mesmo que o número usualmente examinado não seja encontrado, classifica-se como pN0. Quando o tamanho for um Revisão Bibliografica ________________________________________________ 26 critério para a classificação pN, mede-se a metástase e não o linfonodo inteiro (BRASIL, 2004; AMERICAN JOINT COMMITTEE ON CANCER, 2010). A conduta terapêutica dependerá do estadiamento e acessibilidade anatômica do tumor, fatores relacionados às condições clínicas do paciente, como preferência por determinado tipo de modalidade terapêutica, presença de comorbidades ou prerrogativa de tratamento endoscópico; e de fatores relacionados às práticas institucionais. Quanto aos tratamentos empregados para o câncer de laringe, em geral são os seguintes: cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou a combinação entre eles (KOWALSKI; CARVALHO, 2013). As técnicas cirúrgicas abertas empregam fechamento primário da ferida cirúrgica quando possível, porém podem ser realizadas amplas ressecções, utilizando reconstruções imediatas, por meio de retalhos livres, fáscia, músculo ou osso, o que pode ocasionar complicações como angústia respiratória, hipóxia, hemorragia, infecção, deiscência de ferida e broncoaspiração (JOHNSTON; SPENCE, 2001). Nos tumores de glote e supraglote são realizadas cirurgias endoscópicas com uso do laser de CO2. Essas técnicas são mais empregadas que as técnicas clássicas de laringectomia parcial horizontal ou vertical. Em tumores avançados, os pacientes são submetidos a tratamento combinado de quimio ou radioterapia, visando à preservação da laringe. Porém, nos casos avançados com linfonodo metastático, a conduta é utilizar a laringectomia total com esvaziamento ganglionar (KOWALSKI; CARVALHO, 2013). A laringectomia parcial e total são técnicas cirúrgicas que correspondem à retirada total ou parcial da laringe, em tumores de menores proporções é retirada apenas a área atingida, é realizada uma traqueostomia a qual em curto período de tempo será fechada e a voz permanecerá presente com menor potência. Na laringectomia total, o traqueostoma será permanente e haverá perda da voz (afonia). Atualmente, as lesões iniciais (T1-T2) são tratadas por meio de radioterapia exclusiva ou cirurgia órgão-preservadora (endoscopia ou aberta) (KOWALSKI; CARVALHO, 2013). Antes do procedimento cirúrgico propriamente dito é realizada a traqueostomia, que tem por função auxiliar a respiração; no entanto, esse estoma trará alterações relacionadas à nutrição devido às dificuldades com a deglutição, e aumento da Revisão Bibliografica ________________________________________________ 27 produção da secreção mucoide. Noonan e Hergaty (2010) ressaltam que laringectomia total é o procedimento cirúrgico adotado para erradicação do tumor, este tem um caráter altamente mutilatório, pois consiste na remoção das estruturas que produzem o som laríngeo, e ainda associado ao esvaziamento ganglionar cervical ocasionará o enfraquecimento dos músculos do pescoço, e a redução dos níveis de energia. Após os efeitos ocasionados pelo procedimento cirúrgico algumas complicações poderão surgir, dentre elas angústia respiratória, hipóxia, hemorragia, infecção, deiscência de ferida, broncoaspiração e fistula faringocutânea. A figura abaixo mostra anatomicamente as alterações ocorridas depois da intervenção cirúrgica. Figura 2 – Visão Anatômica Lateral Pós-cirúgica. Fonte: Lofiego, (1994). Diante das complicações acima citadas é que buscaremos analisar a experiência do paciente com câncer de laringe em relação à imagem alterada após laringectomia total, pois as alterações na imagem corporal sempre ocorrerão, independentemente do tipo de procedimento cirúrgico a que o paciente será submetido. A alteração da imagem corporal, no paciente cirúrgico, inicia-se com a incisão da pele e finaliza com a cicatriz. A extensão da cicatriz e sua localização serão cruciais para acarretarem danos mais agressivos, como, por exemplo, a implantação de estomas permanentes (PEDROLO; ZAGO, 2000). Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 28 CAPITULO III 3 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS 3.1 O REFERENCIAL TEÓRICO Este estudo está embasado no referencial teórico-metodológico interpretativista e da antropologia médica. Porchnow; Leite e Erdmann (2005), referenciando Geertz (2001), relatam que a antropologia interpretativa foi desenvolvida por Clifford Geertz, antropólogo norteamericano. Seu modelo teórico contribui para as práticas antropológicas, assim como para a reflexão sobre os sentidos de práticas sociais. Ele é considerado o criador da antropologia interpretativa ou hermenêutica, uma das vertentes da antropologia contemporânea. A teoria de Geertz sustenta-se nos parâmetros originários da antropologia simbólico-interpretativa, embasados na hermenêutica, com uma construção intelectual fundamentada em uma atmosfera de diversidade, pluralismo e conflito. Porchnow; Leite e Erdmann (2005), citando Tsu (2001), abordam que a palavra “hermenêutica” sugere o processo de trazer uma situação ou uma coisa da inteligibilidade à compreensão, ou seja, tornar compreensível. A hermenêutica fornece interpretações válidas moldadas pelo curso das interrogações. Orienta-se não só em como obter interpretações válidas, mas também na natureza ou dinâmica da própria compreensão. Para se obter essa compreensão é importante identificar o conceito de cultura sob a perspectiva de Geertz (2013), definida como uma teia de significados e sua respectiva análise, como uma ciência interpretativa, à procura do significado. Buscando explicações, ao construir expressões sociais enigmáticas a partir do sentido. Nesse sentido, a cultura consiste em estruturas de significados socialmente estabelecidas, inseridas dentro de um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma compreensível e densa. A antropologia médica tem sua origem principal na antropologia norteamericana, sofrendo influência também da antropologia anglo-saxônica. Suas principais referências são os trabalhos de Good (1994), Kleinman (1980, 1995), Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 29 Scheper-Hughes e Lock (1987). Entretanto, os primeiros estudos envolvendo a relação saúde e cultura tiveram a participação de Rivers (1924), Clements (1932) e Ackerknecht (1942), em particular Rivers e Ackerknecht, que estabeleceram o estudo da etnomedicina como objeto da pesquisa antropológica, e ainda reconheceram que, para entender o sistema de medicina de uma cultura, é necessário examiná-lo dentro do seu contexto sociocultural (LANGDON, 1995; SARTI, 2010). A antropologia médica estuda a forma como as pessoas, em diferentes culturas e grupos sociais, explicam as causas dos problemas de saúde, os tipos de tratamento nos quais elas acreditam e a quem recorrem quando adoecem, relacionando como as crenças e práticas influenciam nas alterações biológicas, psicológicas e sociais no corpo humano, tanto na saúde como na doença (HELMAN, 2009). O autor ainda ressalta que a antropologia médica é um ramo da antropologia social e cultural, que possui a base dentro da medicina e de outras ciências naturais, relacionando-a com fenômenos biológicos principalmente à saúde e doença. No entanto, só será possível entender as crenças e práticas relacionadas à doença e à manutenção da saúde, por meio da compreensão do que é a cultura. A cultura, para Langdon e Wilk (2010), é um conjunto de elementos que mediam e qualificam qualquer atividade física ou mental que não seja determinada pela biologia, e que seja compartilhada por diferentes membros de um grupo social. Os sentidos e significados construídos pelos atores sociais irão direcionar as ações e interações sociais vigentes, as instituições e seus modelos operativos. Langdon (1995) enfatiza que a cultura não é mais uma unidade estanque de valores, crenças, normas, etc., mas uma expressão humana frente à realidade, ou seja, é uma construção simbólica do mundo sempre em transformação, tendo no indivíduo um ser consciente que percebe e age no meio em que vive. Nesse contexto, a doença é vista como uma construção sociocultural. Na infância, pelo processo de socialização, internalizamos as noções simbólicas vivenciadas pelos grupos dos quais participamos, por meio da interpretação dessas mensagens contidas as atividades culturais, e também nossa subjetividade e experiência particular, de modo que, mesmo participando da mesma cultura, cada indivíduo tem percepções heterogêneas que nunca serão iguais às dos Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 30 outros, havendo implicações também na visão saúde/doença (LANGDON, 1995). A relação entre forma de pensar/ação, a heterogeneidade, e a subjetividade irão influenciar no reconhecimento do que é doença, podendo caracterizá-la como um processo. A doença como processo não é um momento único e nem uma categoria fixa, mas tem uma sequência de eventos que possui dois objetivos para quem vivencia o adoecimento, os quais são: entender o sofrimento no sentido de organizar a experiência vivida e, se possível, aliviar o sofrimento (LANGDON, 1995). O reconhecimento da doença processo é conduzido pelos seguintes passos: aceitar os sintomas do distúrbio como doença, os quais dependem dos sinais identificados como indicadores de doença dependendo da cultura; o diagnóstico e a escolha do tratamento serão decididos pelas pessoas envolvidas primeiramente no contexto familiar; e a avaliação do tratamento, este uma vez instituído, as pessoas envolvidas avaliam os seus resultados (LANGDON, 1995). Cabe ressaltar que o processo terapêutico não é um simples consenso, mas uma sequência de decisões e negociações entre as pessoas envolvidas na situação, podendo ocorrer divergências em relação à natureza dos sinais da doença e na própria interpretação das pessoas, e isto se deve ao fato de os sinais da doença serem ambíguos, bem como os participantes do processo apresentam diferentes conhecimentos, experiências e interesses em relação ao caso (LANGDON, 1995). A diversidade cultural, do nosso país, apresenta visões de mundo e comportamentos distintos, o que refletirá na organização social do processo saúde e doença, sendo esta organização representada pelo Sistema de Atenção à Saúde, que corresponde ao contexto geral que envolve a pessoa doente, como: as técnicas terapêuticas, seus praticantes, as instituições de saúde, entre outros (LANGDON; WILK, 2010). Os Sistemas de Atenção à Saúde subdividem-se em: Sistema Cultural de Saúde, que corresponde à dimensão simbólica do entendimento que se tem sobre saúde e inclui os conhecimentos, percepções e cognições utilizadas para definir, classificar, perceber e explicar a doença; há também o Sistema Social de Saúde, que é composto pelas instituições de saúde, disposição dos papéis dos profissionais de saúde envolvidos, regras de interação e relações de poder inerentes a eles, sendo profissionais ou não (LANGDON; WILK, 2010). Para melhor compreender a dinâmica dos Sistemas de Saúde, Kleinman Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 31 (1988) diferencia illness e disease. Illness corresponde à experiência humana compartilhada e construída de sintomas e sofrimento, a como a pessoa doente e os membros da família ou rede social mais ampla percebem, vivem e respondem aos sintomas e incapacidades. Disease é o estado patológico visto sob a ótica do profissional de saúde. A "doença processo" (disease) refere-se às anormalidades de estrutura ou funcionamento de órgãos ou sistemas, e a "doença experiência" (illness) refere-se à experiência subjetiva do mal-estar sentido pelo doente. Dessa forma, a experiência da doença não é vista como simples reflexo do processo patológico no sentido biomédico do termo. Considera-se que ela conjuga normas, valores e expectativas, tanto individuais como coletivos, e se expressa em formas específicas de pensar e agir (UCHOA; VIDAL, 1994). Kleinman (1980) afirma que a cultura fornece modelos "de" e "para" os comportamentos humanos relativos à saúde e à doença. Todas as atividades de cuidados em saúde são respostas socialmente organizadas frente às doenças e podem ser estudadas como um sistema cultural. Todo "sistema de cuidados em saúde" seria constituído pela interação de três setores diferentes (profissional; tradicional e popular). Cada setor veicula crenças e normas de conduta específicas e legitima diferentes alternativas terapêuticas (UCHOA; VIDAL, 1994). Helman (2009; p.119) define o modelo explicativo como “as noções sobre um episódio de doença e seu tratamento que são empregadas por todos aqueles engajados no processo clínico”. Enquanto que Kleinman (1980) elaborou o conceito de "modelo explicativo" (explanatory model) para estudar os traços cognitivos e os problemas de comunicação associados às atividades de saúde (UCHOA; VIDAL, 1994). O modelo proposto por Kleinman (1980) é composto por três setores: o setor da cura profissional, das curas populares e o popular das crenças, escolhas, decisões, papéis, relacionamentos, interações e instituições, com os quais se experiencia e se reage à enfermidade. Os membros de cada um desses setores têm diferentes modelos explicativos para a etiologia, os sintomas, a fisiopatologia, o curso e o tratamento das enfermidades. As explicações são socialmente construídas e precisam ser consideradas no processo do tratamento, uma vez que padrões de saúde e Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 32 enfermidade variam tanto em diferentes sociedades, como no interior de uma mesma sociedade, dependendo da posição socioeconômica e da subcultura de quem os concebe (ALMEIDA FILHO; COELHO, 2002). Os “modelos explicativos" dos profissionais e os "modelos explicativos" utilizados pelos doentes e suas famílias são diferentes, uma vez que esses modelos se enraízam em diferentes setores do sistema médico e veiculam crenças, normas de conduta e expectativas específicas. A contribuição desses instrumentos analíticos é que eles permitem abordar sistematicamente, e em seus aspectos plural e dinâmico, o conjunto de valores, crenças e normas de conduta predominantes no campo da saúde, permitindo fazer uma avaliação da distância que há entre modelos médicos e não médicos (UCHOA; VIDAL, 1994). O modelo explicativo, neste estudo, será utilizado para compor o roteiro de entrevistas semiestruturadas, de modo a traçar a experiência do laringectomizado total com a sua imagem corporal, para que possa ser melhor compreender o seu processo de adoecimento, tratamento e manutenção da saúde. A doença como experiência, é um processo subjetivo, construído por meio de contextos socioculturais e vivenciado pelos indivíduos inseridos na situação. Não se trata apenas de um conjunto de sintomas físicos, a experiência corporal é mediada pela cultura (LANGDON, 1995). A relação corpo/cultura transcende o sofrimento físico, uma vez que o corpo serve para o ser humano como uma matriz simbólica que organiza suas experiências corporais com o mundo social, natural e cosmológico. O que o corpo sente não está separado dos significados das sensações, ou seja, a experiência corporal é a união dos significados das sensações com a subjetividade de cada ser, tornando aquele momento uma experiência única que vai além dos limites do corpo em si (LANGDON, 1995). Diante do contexto amazônico e utilizando o aporte teórico da Antropologia Médica, poderemos compreender a forma como a cultura influenciará o dia a dia pacientes laringectomizados totais, não somente na sua concepção de corpo individual mas também em seu corpo social, salientando que nossa região é permeada de crenças populares que influenciam diretamente no comportamento das pessoas, principalmente no que se refere ao processo saúde e doença. Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 33 3.2 PROCESSO METODOLÓGICO O estudo tem abordagem qualitativa do tipo estudo de caso etnográfico, de acordo com Stake (2009). A metodologia qualitativa, de acordo com Minayo (2010), é um estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões produto da interpretação que os humanos fazem a respeito de seu cotidiano. Permitindo conhecer processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares, propicia a construção de novos conceitos e categorias durante a investigação. Nesse sentido, a abordagem qualitativa foi escolhida por melhor se enquadrar ao objeto e objetivo do estudo, que será analisar os sentidos atribuídos à imagem alterada por pacientes laringectomizados totais a partir da sua cultura. O estudo de caso é o estudo da particularidade e complexidade de um único caso, conseguindo compreender a sua atividade no âmbito de circunstância importante (STAKE, 2009). Caracterizando-se por visar descobertas, enfatizar a “interpretação de um contexto”, como destaca a antropologia, relatar a realidade de forma completa e profunda, utilizar uma variedade de fontes de informação, revelar a experiência do pesquisador, permitindo generalizações naturalísticas, apresentar os diferentes pontos de vista presentes na vida social e utilizar uma linguagem simples e acessível para apresentar os relatórios da pesquisa (LÜDKE; ANDRÉ, 2013). Definir o estudo de caso como etnográfico significa seguir dentro de uma abordagem interpretativa de pesquisa e dentro da perspectiva etnográfica de pesquisa, ou seja, identificar os sentidos dos acontecimentos do cotidiano utilizando as técnicas de coleta de dados como: diário de campo e observação participante (MARTUCCI, 2001). Para Stake (2009) o estudo de caso divide-se em intrínseco, instrumental ou coletivo. Assim, nesta pesquisa será utilizado o estudo de caso instrumental, o qual busca compreender um caso específico e explorá-lo em profundidade, almejando maior conhecimento sobre o mesmo. Lüdke e André (2013), fundamentados nos pressupostos de Stake (2009), destacam que o estudo de caso possui três fases, que são: exploratória; delimitação do estudo; a análise sistemática e a elaboração do relatório. Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 34 A fase exploratória consiste na elaboração de um plano; nesse momento se deve ter uma visão predeterminada da realidade, a qual envolve pontos críticos e imprevistos que poderão ocorrer no decorrer da pesquisa; é importante estabelecer um prévio contato com o campo de pesquisa, a fim de localizar os participantes e as fontes de dados necessárias para o estudo. Na segunda fase, o pesquisador inicia a coleta sistemática de informações, utilizando os instrumentos e técnicas pertinentes às características do objeto estudado, sendo crucial a seleção de aspectos relevantes para atingir o objetivo do estudo. A última fase, compreende a análise de dados partindo dos registros das observações, entrevistas e diário de campo, focando no objeto e objetivos de estudo. Essas fases não seguem uma sequência linear, mas se interpõem em vários momentos. As autoras sugerem apenas um movimento constante no confronto teoria-empírico. Dessa forma, foi possibilitada a criação das unidades de sentido ou significações, que são uma etapa analítica em que se descreve o processo vivido pelos adoecidos, desde o início dos sinais e sintomas até os tratamentos utilizados, sendo extraídos de sua história cultural (BUETTO; ZAGO, 2015). 3.2.1 Operacionalização do estudo 3.2.1.1 Local do estudo O primeiro local do estudo foi o ambulatório do Hospital Ophir Loyola, que é um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), sendo a principal referência em tratamento oncológico da rede de saúde pública do Estado do Pará, trata-se também de um hospital-escola. O Hospital Ophir Loyola possui 22 leitos destinados à cirurgia de cabeça e pescoço. No ambulatório de cabeça e pescoço são atendidos em média 30 pacientes por dia, de segunda a quinta-feira. Esses atendimentos variam entre as primeiras consultas e seguimentos pós-cirúrgico; embora as programações de consultas sejam registradas no cadastro dos pacientes, não há um controle do Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 35 número de atendimentos a laringectomizados por mês. A pesquisadora não está inserida no quadro funcional da instituição. O segundo local do estudo foi o domicílio dos pacientes, após abordagem no hospital e assinatura do Termo de Consentimento, os participantes informavam o endereço com suas respectivas referências para facilitar a identificação. Foram realizadas entrevistas em Belém, Icoaracy, Ananindeua e Marituba. As localizações desses imóveis ocorreram com auxílio de Global Positioning System (GPS). 3.2.1.2 O contato inicial No primeiro momento solicitamos ao Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP) a autorização para início da pesquisa no ambulatório. Após autorização da instituição (Anexos A, B e C), o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Centro de Ciências Biológicas e da Saúde para posteriormente ser submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Ophir Loyola, devido a mesma ser a instituição coparticipante. Após aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa (Anexos D e E), entramos em contato com a enfermeira do ambulatório; a fim de entender a dinâmica dos pacientes nas consultas de controle, o primeiro contato foi feito por meio de uma observação não participante no ambulatório de cabeça e pescoço do Hospital Ophir Loyola, após esse primeiro contato identificamos os possíveis participantes. Os participantes e seus cuidadores foram informados dos detalhes da pesquisa. Após afirmativa com a cabeça aceitando a participação, apresentamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice A), o qual foi lido, e em seguida assinado pelos mesmos. Posteriormente, foram agendadas as entrevistas em sua residência. Embora, os participantes não possuam mais cordas vocais, com a ajuda do fonoaudiólogo (serviço disponibilizado pelo hospital) eles buscam desenvolver a voz esofágica, mas, quando conseguem, nem sempre é com qualidade. No decorrer deste estudo, 10 pacientes se comunicavam por mímica labial e apenas um possuía a laringe eletrônica. O questionário socioeconômico cultural e as entrevistas foram respondidos na presença do cuidador ou de um familiar que estivesse no imóvel, o Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 36 qual também foi um colaborador do estudo, contribuindo no esclarecimento de algumas palavras ou na descrição de acontecimentos que o participante não conseguiu expressar. Os encontros foram restritos à residência do paciente, no dia e hora agendados. 3.2.1.3 Participantes Os participantes foram 11 pacientes laringectomizados totais em seguimento ambulatorial. Amostra foi definida segundo Padgett (2008), o qual acrescenta que neste método, o número de participantes deve ser de 8 a 20, para que se tenha uma amostra representativa e se obtenham dados em profundidade. Também salienta que se desenvolvam, pelo menos, duas entrevistas com cada paciente, de forma que, na segunda, o entrevistado possa complementar suas reflexões sobre o fenômeno, e o pesquisador possa esclarecer dúvidas dos dados obtidos anteriormente. 3.2.1.4 Critérios de seleção Os participantes selecionados foram submetidos à laringectomia total, e estavam no mínimo com 6 meses de pós-operatório. Eram homens, maiores de 18 anos, residentes na cidade de Belém, em seguimento médico no Hospital Ophir Loyola, sem recidiva da doença, realizando outras modalidades terapêuticas, e de alguma forma conseguiam se comunicar, como, por exemplo: escrita, mímica labial e voz esofágica. 3.2.1.5 Coleta dos dados A coleta de dados realizou-se por meio da entrevista semiestruturada, observação participante, diário de campo e, em alguns momentos, a observação não participante. O instrumento da entrevista semiestruturada constituiu-se de duas Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 37 partes: a primeira parte que contempla dados socioeconômicas e culturais e a segunda parte de questões abertas sobre a experiência destas pessoas a respeito de sua imagem corporal (Apêndice B). Na entrevista semiestruturada, o pesquisador se orienta por um roteiro, facilitando a abordagem e assegurando que as hipóteses ou seus pressupostos sejam cobertos na conversa (MINAYO, 2010). Para garantir o anonimato dos participantes escolheram um nome fictício para a identificação dos textos transcritos. Foi realizado mais de um encontro. As entrevistas iniciaram no dia, local e hora acertados com os participantes, fora do ambiente hospitalar, ressaltando a importância de observar, qual o contexto familiar e social que esta inseirdo. Minayo (2010) define observação participante como um processo em que o pesquisador observa uma situação social, mantendo uma relação direta com os sujeitos, de forma a participar da vida social deles, no seu cenário cultural. Essa aproximação permite coletar dados significativos e compreender o contexto dos participantes. Em todas as oportunidades da coleta de dados foi utilizado um diário de campo, o qual corresponde a um caderno de anotações, para o registro de todas as informações que não fazem parte do material formal das entrevistas, inclusive os insights (pistas) do pesquisador que possam servir para a análise de dados. A observação participante cumpriu as seguintes etapas: a primeira foi a aproximação do pesquisador com o grupo social em estudo, e este momento deu-se ainda no ambulatório quando os possíveis participantes foram identificados; a segunda etapa foi a busca do pesquisador por uma visão ampla da realidade do participante, sendo realizadas neste momento as entrevistas nas residências (QUEIROZ et al, 2007). A observação não participante consiste no contato do pesquisador com o grupo e realidade estudada, mas sem integrar-se a ela: permanece de fora, porém será necessário realizá-la de forma consciente, dirigida e ordenada para um fim determinado (MARCONI; LAKATOS, 2010). Por meio dessa observação tivemos subsídios para nos familiarizarmos com o campo de pesquisa, assim como conhecermos o perfil dos participantes. Ficamos dois dias acompanhando a dinâmica do local, e observando também os possíveis participantes. Os dados dessa Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 38 observação foram anotados no diário de campo. Cabe ressaltar que a transcrição das entrevistas foi realizada logo após a coleta de dados no domicílio, e nesse momento, já realizávamos a análise de dados para o próximo encontro com o participante, e após a segunda entrevista começamos a codificação inicial dos temas. Somente após o afastamento do campo é que foram finalizadas as unidades temáticas e iniciamos a discussão. 3.2.1.6 Métodos de análise dos dados A técnica empregada para análise dos dados foi a análise temática indutiva, a qual identifica, analisa e expõe os temas contidos nos dados (BRAUN; CLARKE, 2006). As etapas seguidas, conforme as autoras, foram: 1ª Etapa: Iniciamos com a familiarização dos dados da pesquisa, realizada por meio da leitura da entrevista pelo menos uma vez. Esta atividade possibilitou a identificação dos códigos iniciais, e permitiu um conhecimento prévio dos dados, facilitando a análise. A própria pesquisadora fez as transcrições das entrevistas, no mesmo dia em que a coleta de dados era realizada em campo, e nesse momento foi possível identificar os próximos questionamentos a serem abordados na segunda entrevista. 2ª Etapa: Nesta etapa ocorreu a geração das codificações. A pesquisadora realizou a marcação das ideias mais interessantes que estavam nos dados. O conjunto de dados foi trabalhado sistematicamente, dando total e igual atenção a cada item de dados e identificando os aspectos interessantes dos dados que poderiam se formar com base em padrões repetidos (temas). Na codificação manual podemos codificar os dados escrevendo notas nos textos analisados, usando marcadores ou canetas coloridas para indicar padrões, ou usando ‘Post-it’ para identificar segmentos de dados. 3ª Etapa: Realizamos a busca dos temas, o agrupamento e a codificação dos dados, formando uma lista de diferentes códigos que identificamos em todo o conjunto de dados. 4ª Etapa: Esta etapa consistiu na revisão dos temas, realizou-se um refinamento dos temas gerados; em caso de necessidade o tema era dividido, e os Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 39 dados dentro de temas foram coerentemente unidos de forma significativa, valorizando as distinções claras e identificáveis entre os temas. 5ª Etapa: Na quinta etapa buscamos a definição e a nomeação de temas, em que era possível identificar a "essência" sobre cada tema (bem como os temas em geral), e determinar qual o aspecto dos dados que cada tema captura.De acordo com o aspecto abordado, buscamos os discursos mais significativos, os quais seguiam uma sequência do “o quê” e “por quê”. 6ª Etapa: Por fim, a sexta etapa, na qual configuramos a elaboração do relatório final, começando quando o conjunto de temas estava totalmente trabalhado, e com fundamento no referencial teórico da antropologia médica. Os temas têm como base os elementos da cultura (crenças, símbolos, normas, valores e práticas), as características sociais e clínicas dos participantes (contextualização e relativização) e foram discutidos em relação à literatura, destacando os novos conhecimentos elaborados. Na análise dos temas, processamos o círculo hermenêutico examinando todos os dados, as partes destacadas por cada participante e as partes em relação ao todo, para que se obtenha a compreensão, a explicação e a interpretação (LIMA et al., 2011). Para a síntese dos resultados, todos os temas serão apresentados como um estudo de caso, os quais serão apresentados de acordo com o tema correspondente. 3.3 ASPECTOS ÉTICOS O projeto foi submetido para apreciação e aprovado sob o nº 945.983, em 05.02.15, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Estadual do Pará. Diante do parecer favorável, foi encaminhado ao Comitê de Ética da instituição coparticipante, o Hospital Ophir Loyola, onde o projeto foi submetido e aprovado sob o nº 984.283, em 13.03.15, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Ophir Loyola. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi entregue e lido juntamente com o participante, ainda no ambulatório. O participante e a pesquisadora assinaram o termo em duas vias, sendo uma via entregue ao Pressupostos Teórico-Metodológicos ___________________________________ 40 participante imediatamente, em seguida as entrevistas foram agendadas. Asseguramos também o livre direito de participar ou não da pesquisa, abandonando-a sem perdas de qualquer espécie, assim como esclarecemos os objetivos da pesquisa e as estratégias da mesma. As entrevistas foram gravadas em mídia digital somente após autorização dos entrevistados. Os participantes tiveram garantidos o anonimato e sigilo sobre as informações coletadas, conforme Resolução 466/12; para tanto, solicitamos que os mesmos escolhessem nomes fictícios, para identificar os textos produzidos (Apêndice A). Resultados ______________________________________________________________ 41 CAPITULO IV 4 RESULTADOS 4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES No Quadro 7 apresentamos a caracterização socioeconômica e cultural dos laringectomizados totais que compõem o estudo. QUADRO 7: Caracterização socioeconômica e cultural dos laringectomizados totais. HOL, Belém/Pará, 2015. Nome Fictício Idade Filhos Escolaridade Beto 67 6 Tio 65 0 Matias 67 4 Ensino Médio Incompleto Paulão 59 1 Ensino Médio Completo Caboquinho 66 4 Luna 55 3 Ceará 63 5 Iran 59 2 Chuíra 79 12 Bóca 58 10 Maçarico 68 2 Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Incompleto Não Alfabetizado Ensino Fundamental Incompleto Renda (salários mínimos) Estado Civil Religião Profissão Evangélico (Quadrangular) Mestre de obras 1 Salário Casado Católico Jardineiro 1 Salário Solteiro Motorista 5 Salários Viúvo Porteiro 1 Salário Casado Mecânico 1 Salário Casado Evangélico (Universal do Eletricista Reino de Deus) 3 Salários Casado Católico Motorista 1 Salário Casado Espírita Kardecista Vigia 2 Salários Casado Evangélico (Assembleia de Deus) Lavrador 2 Salários Casado Católico Feirante 1 Salário Casado Evangélico (Quadrangular) Pescador 1 Salário Casado Evangélico (Assembleia de Deus) Evangélico (Assembleia de Deus) Católico Resultados ______________________________________________________________ 42 Os 11 (100%) participantes laringectomizados totais eram homens, na faixa etária de 55 a 79 anos, nove (81,8%) participantes tinham o ensino fundamental incompleto, um (9,09%) com ensino médio completo e um (9,09%) não alfabetizado. Em relação à religião, seis (54,5%) eram evangélicos, um (9,09%), espírita kadercista e quatro (36,3%), católicos. Os participantes tinham profissões diferentes, apenas dois (18,1%) referiram que trabalhavam como motoristas. O hábito do fumo e do etilismo foram relatados pelos 11 (100%) participantes, sendo estes os principais fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de laringe. Quanto ao estado civil, nove (81,8%) eram casados, um (9,09%), solteiro e um (9,09%), viúvo. Sobre a renda familiar, sete (63,6%) participantes tinham renda familiar de 1 salário mínimo, dois (18,1%), renda de 2 salários, um (9,09%), renda de 3 salários e um (9,09%), renda de 5 salários. As observações não participantes iniciaram no ambulatório do Hospital Ophir Loyola, num período de 6 meses estivemos observando a rotina do local a cada busca por participantes. Antes de iniciarmos a observação fomos ao posto de enfermagem e nos apresentamos à enfermeira, ela nos orientou que nos dirigíssemos à coordenação do ambulatório para entregarmos o termo que nos autorizava a realizar o estudo. Fomos até esse setor, e a coordenadora liberou a entrada em campo, informando que seria necessário nos apresentarmos ao médico responsável pelo Setor de Cabeça e Pescoço. Nos dirigimos ao consultório onde o médico estava atendendo, falamos com a Técnica de Enfermagem que ficava na porta da sala e, quando saiu o paciente, conversamos com o médico na porta do consultório. O mesmo disse que não tinha nenhuma objeção que fosse realizado o estudo. Também procuramos a Clínica de Fonoaudiologia do Ophir Loyola para que pudéssemos ter o acesso facilitado aos participantes, uma vez que os mesmos faziam acompanhamento com a fonoaudióloga para desenvolver a voz esofágica. Então, voltamos à enfermeira do ambulatório e ela nos levou para conhecer a Chefe da Fonoaudiologia, que se dispôs a contribuir com a pesquisa. As consultas médicas dos pacientes de cabeça e pescoço são realizadas dias de segunda, quarta e quinta-feira no período da manhã a partir das 7 horas, e às terças- feiras no período da tarde a partir das 13 horas. O atendimento aos laringectomizados totais para fonoterapia é realizado dias de segunda, terça, quinta Resultados ______________________________________________________________ 43 e sexta-feira no período da manhã, de 7 às 13 horas, com horários previamente agendados. O ambulatório do HOL, é um ambiente amplo, a que podemos ter acesso tanto pelo hospital como pela recepção. Na recepção, ocorre a marcação de consultas, exames e inscrição para iniciar o tratamento ambulatorial oncológico. O consultório de Cabeça e Pescoço corresponde à 3ª sala para quem entra pela recepção. O ambulatório é uma área que possui várias salas, as quais atendem outras especialidades médicas, e no mesmo ambiente possui também as salas para a farmácia, coordenação, sala de vacina, posto de enfermagem, serviço social, oftalmologista, psicologia, pequenas cirurgias, fonoaudiologia (a consulta com o fonoaudiólogo localiza-se na outra extremidade do salão) e uma lanchonete, ficando um técnico de enfermagem na frente de cada consultório para organizar o atendimento. Os técnicos de enfermagem, embora acompanhassem os médicos nos atendimentos diários, não sabiam informar qual procedimento o paciente realizou ou iria realizar, o que dificultou a detecção dos nossos participantes, pois precisávamos abordar cada um e perguntar se eles haviam retirado a laringe. Porém, com a ajuda da fonoaudióloga o processo foi facilitado, embora não houvesse pacientes laringectomizados totais todos os dias; mas, quando havia, ela nos informava quais se caracterizavam com os nossos critérios de seleção. No decorrer da pesquisa foram eliminados quatro pacientes, dois por motivos de moradia, pois moravam em locais distantes da capital, como: Santarém e Marabá; e dois que aceitaram participar da entrevista, porém não aceitaram que fôssemos no seu imóvel, então agendamos a entrevista no hospital e estes não compareceram. No ambulatório do HOL, é possível observarmos um fluxo intenso de pessoas todos os dias, entre pacientes, acompanhantes, funcionários, residentes, etc. Encontramos pessoas em diferentes faixas etárias, como crianças, jovens, adultos e idosos, vimos pessoas em macas, cadeiras de rodas, muletas, utilizando máscaras, sondas, tampões oculares e traqueostomias. Foram notórios em alguns momentos os gemidos de dor em meio ao corredor e na espera pela consulta médica havia pessoas com olhares apreensivos e tristonhos. Por outro lado, justificando a característica do hospital, que é referência no Resultados ______________________________________________________________ 44 estado em tratamento de câncer, é comum encontrarmos pessoas de outros municípios, pois são frequentes pessoas com malas de viagem transitando pelo ambiente. Em frente ao consultório da cabeça e pescoço, observamos pessoas com tumorações na face, na cabeça e região cervical misturadas aos pacientes que faziam controle da doença ou estavam em pós-operatório, sendo que alguns estavam com seus cuidadores. Os pacientes laringectomizados totais ficavam em meio a essas pessoas aguardando atendimento, era possível identificá-los por meio do som produzido pela tosse. Este saía muito forte e logo chamava a atenção e, quando isso acontecia, as pessoas voltavam o olhar para o paciente. Os mesmos, tentando evitar que a secreção atingisse alguém, levavam a mão à traqueostomia com um pano ou um papel em punho, e, quando a secreção era intensa, eles se levantavam e procuravam o banheiro ou um lugar reservado para fazer a limpeza da cânula. Conversamos com algumas pessoas durante a espera da consulta médica, e elas relataram que chegaram muito cedo ao ambulatório para se consultarem, por volta de 5:30 horas da madrugada, no entanto o cartão estava marcando o horário de 7 horas da manhã, informando que chegassem meia hora antes. Entretanto, o atendimento só ocorreu por volta das 10 horas. Algumas pessoas passaram a madrugada viajando para se consultar, ou haviam saído muito cedo de suas casas para não perderem a consulta, principalmente quando estavam na fila de espera da cirurgia ou ansiosos para apresentarem o resultado dos exames aos médicos e terem seus diagnósticos fechados. Quando saíam de suas consultas, alguns pacientes se dirigiam até a Associação Voluntária Apoio à Oncologia (AVAO) para se alimentarem e voltarem ao seu município de origem. As observações participantes relatadas foram levantadas no decorrer das entrevistas realizadas no domicílio. Todas as entrevistas tiveram a participação dos familiares, que facilitaram a compreensão dos gestos labiais dos participantes. A cada resposta a pesquisadora repetia o discurso do participante e solicitava que o mesmo confirmasse com um sinal de positivo, caso a resposta estivesse correta. As condições de moradia foram diferentes para cada participante, as quais variavam em casas de alvenaria, madeira, ou mistas; as condições de saneamento nem sempre foram compatíveis com a localização dos imóveis, alguns próximos ao centro da cidade, porém com saneamento básico precário. Resultados ______________________________________________________________ 45 No geral, os encontros duraram em média uma hora a uma hora e meia, respeitando os sinais de cansaço dos pacientes e outros compromissos que eles tivessem marcado para o dia. Em alguns momentos a entrevista durou um pouco mais de tempo, sendo possível observar mais a rotina deles. Um gesto que muito chamou a atenção é que, mesmo havendo sofá na casa dos participantes, eles sempre pegavam uma cadeira para sentarem-se afastados da pesquisadora. Pensamos que fosse uma forma de não nos atingir com a secreção, já que, quando se esforçavam muito em tentar falar, começavam a tossir. As limitações encontradas em campo ocorreram por várias situações, como: a afonia do participante, algumas vezes nem o cuidador o entendia; a presença do cuidador dificultou a abordagem de certa temáticas relacionadas à imagem corporal, pois o participante ficava intimidado; além do que os cuidadores tomavam a entrevista para si e queriam responder a todos os questionamentos, sendo necessário interrompê-los em vários momentos para o foco ser voltado ao participante. O fato de serem homens, a maioria idosos e com baixo grau de escolaridade, contribuiu para o não entendimento de certas perguntas, precisando explicar melhor as perguntas e, devido à afonia, as perguntas deveriam ser diretas, pois eles se cansavam quando tentavam “falar” muito. O fato de a pesquisadora ser mulher, desconhecida do convívio social e mais jovem que os participantes, nos primeiros contatos, ocasionou reações negativas aos questionamentos voltados à imagem corporal. E, ainda, a própria inabilidade da pesquisadora em entendê-los, somente com a prática das entrevistas é que esta limitação pôde ser superada. Como facilidades do estudo, a disposição dos participantes e seus cuidadores em querer contar suas histórias foi o ponto principal para a condução das entrevistas. 4.2 APRESENTAÇÃO DOS PARTICIPANTES DO CASO EM ESTUDO E SEUS ASPECTOS PRINCIPAIS Abaixo são descritos os aspectos da vida dos participantes considerados importantes para a compreensão do papel social de cada um no contexto familiar e social. Resultados ______________________________________________________________ 46 BETO: Foram realizadas duas entrevistas no domicílio do paciente. A pesquisadora foi recebida pela filha do participante, que morava com o pai e um filho de 7 anos. O participante tinha 67 anos de idade, casado, seis filhos, tinha como cuidadora a filha, aparentava ser bem cuidado, traqueostomia limpa, ex-tabagista e ex-etilista, fumava com maior frequência quando estava consumindo bebida alcoólica. Viviam da renda do paciente, a residência era uma casa altos e baixos, ampla e sem acabamento completo. Algumas vezes o paciente ia para sua casa em Ponta de Pedras/Pará, para encontrar com os outros netos. Ele se esforçava para manter a comunicação, por meio de gestos, gesticulações labiais e a escrita, criava códigos utilizando as palmas para conversar ao telefone e chamar a atenção das pessoas. Ele era evangélico da Igreja Quadrangular e acreditava que, com Deus, ia se recuperar. A filha afirmava que ele sentia falta do trabalho e que sonhava com sua recuperação para ele poder se comunicar com os netos que moravam no interior. Houve comentários sobre a religião e os milagres alcançados pela fé, o trabalho que o participante exercia e a doença que mudou a vida do paciente e da filha. Chorou ao ser questionado sobre o que lhe ajudava a enfrentar as dificuldades da perda da voz, apontava a filha como aquela que lhe proporcionava esta ajuda. Demonstrava preocupação quanto à recuperação da fala e estava providenciando a laringe eletrônica, bem como sua preocupação também se estendia ao olhar das outras pessoas quando tossia, sentindo-se incomodado. A filha tinha dúvidas de quando o médico iria tirar a traqueostomia, ele seguia realizando os exercícios que a fonoaudióloga passava para fazer em casa. Segundo relato da filha, ele não tinha paladar e nem olfato, quando precisava fritar um ovo pedia para sua filha cheirar antes que ele fritasse. Quando o participante precisava realizar a limpeza da traqueostomia, eles chamavam uma enfermeira que morava próximo à casa deles ou ele se deslocava do Tenoné para a Cremação para a casa de outra filha, que fazia a limpeza, a filha cuidadora relatou medo de fazer a higienização. TIO: Foram realizados três encontros em três domicílios diferentes, com cuidadores diferentes, pois o participante não tinha residência fixa. Na primeira entrevista o participante recebeu a pesquisadora na companhia de um sobrinho neto Resultados ______________________________________________________________ 47 e as duas últimas foram sobrinhas. Estas pessoas moravam em lugares distantes, um do outro, informaram que o participante não tinha lugar fixo para morar e de tempos em tempos ele passava uma temporada na casa de alguém. O participante tinha 65 anos, estava operado havia 4 anos, solteiro, católico, sua renda própria era somada à renda familiar, ex-tabagista, consumia mais de uma carteira de cigarro por dia, e ex-etilista. Na primeira visita, observamos que o participante residia em uma casa ampla, bem cuidada e arejada, fomos recepcionados pelo sobrinho que tinha 21 anos, o qual permaneceu a maior parte do tempo conosco. Na casa estavam o paciente, o sobrinho neto, a secretária do lar e uma criança de aproximadamente 8 anos. Eles se relacionavam bem com o paciente e compreendiam o que ele falava, o mesmo fazia uso da laringe eletrônica. O tio aparentava ser bem cuidado, realizava seu autocuidado. Na região cervical possuía traqueotomia, pois o mesmo pediu ao médico para retirar a cânula de metal, uma vez que machucava e algumas vezes até sangrava; o orifício estava limpo. O participante não atribuía à fé a consequência de sua melhora, evidenciando o apoio familiar como o motivo para vencer a doença. Queixava-se de cansaço e falta de ar na execução de atividades domésticas. O sobrinho revelou que o Tio ficava chateado quando as pessoas não entendiam o que ele falava, mesmo com a laringe eletrônica. Quando saiu do hospital ele foi para casa com caneta e caderno, porém com o aparelho era mais fácil, ele demorou cerca de 3 meses para conseguir manuseá-lo. O tio, em algumas perguntas, ficou mais pensativo e por vezes manifestava olhar de tristeza, principalmente por não conseguir fazer suas atividades de trabalho. O participante era colaborativo nas respostas, porém não compreendia as questões que eram para falar de seus sentimentos. Na segunda visita, o participante aparentava estar bem cuidado, com traqueotomia limpa, sua sobrinha de 43 anos de aparência limpa e vestida informalmente. A mesma era muito comunicativa e mostrou-se muito solícita em relatar alguns fatos da vida do tio. Ela utilizava com ele uma linguagem muito coloquial, de forma que tentava deixá-lo à vontade. Ela verbalizou ser muito curiosa e então buscava através da Internet informações sobre a doença do tio e a sua recuperação. Embora se considerasse Resultados ______________________________________________________________ 48 católica, relatou que não utilizava a religião como mecanismo de ajuda. Ela utilizava muitas gírias para falar com ele, como “bicho”, “cara” e chamava a traqueotomia de “buraco”. Ela estava de licença médica. A mesma relatou que teve um sonho com sr. Tio, que ele voltava a falar, e disse que iria no hospital para falar com a fonoaudióloga para que ele pudesse desenvolver a voz esofágica, uma vez que ele falava somente pela laringe eletrônica. A mesma relatou que somente depois de 6 anos de uso da laringe eletrônica foi que disseram ao Sr. Tio que era para ele falar somente frases curtas pelo aparelho. O tio permaneceu o tempo todo em pé, pois estava hiper secretivo pela traqueotomia, e por várias vezes se retirou da sala para limpar a traqueotomia. Durante o período em que sua sobrinha falava, ele permaneceu calado muitas vezes e de cabeça baixa, algumas vezes esboçava um sorriso quando lembrava de algo engraçado. A sobrinha não sabia que ele não tinha paladar e olfato, e ele ria quando ela perguntava se a comida estava boa, e ele dizia que estava ótima. Na terceira entrevista, fomos recepcionados por outra sobrinha do Sr. Tio, a qual possuía 49 anos, era acadêmica do curso de Farmácia, estava na fase de acompanhamento de um câncer de tireoide, que descobriu após a descoberta do câncer do Tio. A sobrinha acompanhou o tio na fase de diagnóstico e reclamava a falta de informação da doença e do pós-operatório. A família aparentava ter muita estima pelo tio. A sobrinha ficou todo o tempo ao seu lado escutando e reproduzindo palavras que porventura nós não tivéssemos entendido. MATIAS: Foram realizados dois encontros, a recepção foi feita pelo excunhado do participante. Sr. Matias tinha 67 anos de idade, viúvo e evangélico, etilista e ex-tabagista, consumia de três a quatro carteiras por dia, residia em um imóvel de madeira, com grades nas portas e janela, a grade da porta estava danificada na parte de baixo. A casa estava bagunçada, com roupas, papel higiênico e outros utensílios espalhados, na sala havia somente o sofá e uma cômoda. A televisão havia sido roubada na madrugada daquele dia, o mesmo estava alcoolizado e não viu o roubo. O participante foi bem solícito quando nos recebeu, estava exalando cheiro de bebida alcoólica pela respiração. Nos acomodamos no sofá e ele pegou uma cadeira e sentou na nossa frente, e começou a nos relatar sobre o lugar em que morava, no Resultados ______________________________________________________________ 49 qual havia muitos roubos. O participante não tinha cuidador, estava limpo, usando camisa polo, com os botões no nível do pescoço fechados para proteger a traqueotomia, por causa da poeira. Ele era evangélico, mas dizia que estava afastado da igreja, em decorrência da bebida, assumia ser alcoólatra havia 41 anos. Apresentou alterações no humor, chorava e ria em vários momentos. O paciente relatou olhar-se no espelho, sem problemas. Na segunda entrevista o paciente estava em companhia do filho que era militar. A casa estava mais arrumada do que na última vez, ele já havia conseguido uma televisão usada para deixar no local da outra que roubaram, deixando-a em cima da cômoda, e era de um modelo antigo. Levantou-se várias vezes para fazer a limpeza do orifício, em alguns momentos lagrimava, porém no mesmo instante sorria, no entanto mostrava-se impaciente ao responder as perguntas, relatando que aceitou bem desde o diagnóstico até o pós-operatório, sem em nenhum momento se abater. O filho confirmava a informação do pai e ainda ressaltava que seu Matias já havia levado várias pessoas para o Alcoólicos Anônimos, inclusive seus tios, todos eram alcoólatras, e somente o pai não conseguia largar o vício. Seu pai ficou de 5 a 6 anos sem beber, porém, disse que o médico havia liberado o uso de álcool, pois Sr. Matias estava curado, e a partir desse fato voltou a beber. Ressaltava ainda que o bom humor do pai era de família, nunca o viu cabisbaixo. Durante a entrevista seu Matias falou que não gostava quando não entendiam o que ele falava, dizendo que até dava vontade de agredir a pessoa. O filho queria levá-lo para o Rio de Janeiro junto com uma cunhada do Sr. Matias, que estava com depressão, pois perdeu o marido, mas ele não quer ir. PAULÃO: Foram realizadas três entrevistas, o participante nos esperava, estava em pé no pátio da casa com sua esposa, havia uma criança sentada no colo dela e um senhor que estava conversando com eles. Logo que me viu, ele abriu o portão, o mesmo estava com uma toalha nas mãos, cumprimentei-o e ele nos conduziu à sala de sua casa, à qual tive acesso após passar pelo pátio. A casa era de alvenaria, ainda faltando acabamento em alguns cômodos, a sala possuía um sofá de três lugares, uma estante onde ficava a televisão. O paciente nos acomodou no sofá e sentou em outra cadeira, ele iniciou dizendo que estava resfriado. O participante tinha 59 anos de idade, ensino médio completo, Resultados ______________________________________________________________ 50 evangélico, ex-etilista e ex-tabagista, consumia mais de uma carteira de cigarro por dia. No local moravam cinco pessoas, no entanto havia quatro pessoas, sendo uma delas uma criança do sexo masculino que tinha 4 anos. O participante realizava seu autocuidado, aparentava ser bem cuidado, traqueostomia limpa e costumava ir sozinho nas consultas. A comunicação do paciente se dava por meio da escrita e pelos gestos labiais. Paulão era muito calmo, teve paciência para responder as perguntas de forma pausada, em alguns momentos demonstrava um olhar triste de arrependimento quando lembrava de sua história, porém logo expressava um sorriso tímido. Paulão ajudava a esposa no preparo da comida, em alguns momentos ausentou-se para olhar as panelas, e sentamos no pátio, pois seu filho estava dormindo na sala. Depois de algum tempo sua esposa foi conversar comigo no pátio. O participante era bastante colaborativo, no final da entrevista mostrou caderno de perguntas e respostas sobre a Bíblia e pensamentos sobre Deus. No momento da entrevista Paulão expressou sua preocupação com o filho que não queria estudar e o pedido de separação feito à esposa, em decorrência de sua limitação, da religião e da esposa não querer mais ter contato íntimo com ele. Apesar de relatar problemas pessoais, este participante foi o que mais colaborou com a pesquisa. CABOQUINHO: Foram realizadas duas entrevistas. Caboquinho e sua esposa estavam nos aguardando, no local existiam duas casas: uma onde morava sua filha com a família, e outra casa nos fundos em que moravam o participante e a esposa e uma filha especial que tinha 50 anos, e existia um grande espaço no terreno onde eram guardados dois ônibus para frete. O participante tinha 66 anos, casado, quatro filhos, católico, ex-etilista e ex-tabagista, consumia de 3 a 4 carteiras de cigarro por dia. O filho do Caboquinho todos os dias ia até o local, pois era mecânico e realizava concerto de ônibus no local. O terreno ficava na esquina da rua, como se tratava de uma área grande, o mesmo tinha saída para duas ruas. A entrevista aconteceu no quintal da casa, havia cinco cachorros na casa do participante. A casa possuía sala, quarto, banheiro, cozinha, a filha especial ficava na sala em uma rede. O participante estava sempre procurando algo para fazer, pois afirmava que sentia falta de trabalhar, a esposa relatou que ele acordava às 5 horas da Resultados ______________________________________________________________ 51 madrugada para trabalhar na oficina. Ela ainda ressaltava a dificuldade que encontrou ao lidar com o marido quando este voltou para casa de sonda nasogástrica, pois quase não tinha tempo para realizar outras atividades, até que o participante aprendeu a fazer sua alimentação sozinho. O Caboquinho estava começando agora no ramo de frete de ônibus e se sentia impaciente algumas vezes, pois queria resultados positivos de cunho financeiro. Ele em alguns momentos parecia triste e emocionado pelas limitações que dificultavam sua volta ao trabalho. A esposa citava também sobre a lida com a filha especial, em alguns momentos chorava ao falar das dificuldades que encontrava com a filha nos serviços de saúde. Durante a entrevista ela me levou para conhecer sua filha especial, ficamos por volta de 10 minutos dentro do imóvel. LUNA: Foram realizadas duas entrevistas. Luna possuía 55 anos, casado, três filhos, evangélico, etilista e ex-tabagista, consumia 15 cigarros por dia. A esposa do paciente nos recebeu para abrir o portão, a casa era de alvenaria faltando ainda acabamentos. Havia um filhote de cachorro preso à janela que dava acesso ao portão de entrada da sala. A casa tinham um sala, uma de estar e a outra de jantar. Na sala de estar possuía um aparelho de som com seis caixas (Home Theater), um sofá, uma televisão e um suporte para os aparelhos eletroeletrônicos que ficavam no canto da sala, na sala de jantar possuía apenas um sofá e uma árvore de palha. A cozinha possuía uma mesa, com uma geladeira e um freezer, um fogão de duas bocas. Ainda tinha dois quartos, um banheiro e um quintal onde tinha criação de galinha e um limoeiro. Moravam três pessoas na casa, o paciente, a esposa e a enteada que possuía 10 anos e era deficiente. A água do imóvel tinha ligação clandestina de um conjunto que ficava nas proximidades. Quando chegamos ao local o paciente estava tomando banho, logo apareceu bem humorado, carregando uma cadeira de balanço, para poder sentar. A esposa interrompia a entrevista dizendo que queria sair, por isso ele deveria falar rápido. A compreensão da “fala” do paciente era boa, paciente se esforçava em falar e disse que, se eu não entendesse, poderia fazer um sinal com o polegar para cima, para ele repetir a palavra. Aparentava estar resfriado, pois a presença de secreção pelo nariz era constante. Às vezes a mulher precisava falar para ele se limpar. O lazer de Resultados ______________________________________________________________ 52 Luna era ouvir música no HomeTheater com o som elevado, porém só ligava quando a esposa não estava em casa, segundo ela, ele só escutava músicas do mundo. Ele ainda bebia de vez em quando. No decorrer da entrevista ele trouxe a enteada carregada no colo, e a deixou sentada na cadeira de balanço, depois a mãe levou a menina para o quarto no colo. A mulher mostrou toda a casa, a filha dormia com eles no quarto, e ainda relatou as dificuldades com a filha na puberdade. CEARÁ: Realizadas duas entrevistas no local. Não houve dificuldade em localizar o imóvel do participante, de fácil acesso, e quem nos recebeu foi a esposa. No pátio da casa havia uma moto e um carro, havia uma venda de água no local. A esposa costurava e fazia quentinha para vender na hora do almoço. Moravam na casa Ceará, a esposa e dois netos. Ceará possuía 63 anos, casado, católico, etilista e ex-tabagista, consumia duas carteiras de cigarro por noite. A comunicação do participante estava prejudicada, pois, apesar do tempo de cirurgia, ele não conseguiu desenvolver a voz esofágica, pois não realizava os exercícios passados pela fonoaudióloga, que ainda suspendeu a comunicação escrita como forma de forçar o paciente a falar. Ele estava abalado emocionalmente, em vários momentos lagrimou, principalmente quando falava do seu trabalho. Considerava que a doença o aproximou de Deus, lia quase todos os dias a Bíblia. De vez em quando ainda bebia cerveja. Voltou a dirigir e afirmava que não se sentia mal, dirigia até ônibus, algumas vezes trabalhava concertando carro dos filhos e amigos, sendo esta uma forma que encontrou de se sentir ativo. Deixou de comer comidas “reimosas” (camarão, peixes de pele, dentre outros). Os filhos estavam sempre cobrando que ele protegesse a traqueostomia. Iniciou a comunicação com a família, Ceará se aborrecia quando a esposa não o entendia, ela pedia para ele ter calma, pois ficavam só eles dois na casa o dia todo. Em alguns momentos aparentava estar revoltado, pois acreditou que ficaria bem apenas com a Radioterapia, já que o médico lhe garantiu a melhora apenas com este tratamento. IRAN: Realizadas duas entrevistas. Local de fácil acesso, Iran estava na frente Resultados ______________________________________________________________ 53 do imóvel, onde possuía uma pequena placa escrito “aula de reforço”. A casa era de alvenaria com um pequeno pátio na frente, onde estava improvisada uma sala de aula, para sua esposa ministrar aula particular. Possuía um quadro branco encostado na parede próximo à porta e duas mesas pequenas. Na parede em que ficava a janela, havia uma pilha de tijolos encostados à parede, com um gato e três gatinhos. Iran tinha 59 anos, casado, espírita kardecista, duas filhas adotivas e exfumante, consumia cinco cigarros por noite. A esposa do paciente estava terminando de dar aula. Ele ainda utilizava caneta e papel para se comunicar, aparentava ser bem cuidado, e utilizava um babador para cobrir o orifício da traqueotomia, do qual reclamava, que estava muito grande. Por alguns momentos ausentou-se para fazer limpeza do orifício e em nenhum momento chorou. Trabalhava na recepção do centro espírita, a esposa era formada e voltou a estudar depois da melhora do marido. A esposa em alguns momentos reclamava da doença do marido, pois deixaram de ter momentos de lazer, e ainda o chamava de mudo, ele ficava com uma expressão de tristeza e respondia que não era mudo. CHUÍRA: Realizadas duas entrevistas. Local de difícil acesso, rua de chão batido, no local existiam três residências onde moravam duas filhas (uma em cada casa) e o Sr. Chuíra, que morava com a esposa. No terreno possuía dois cachorros e a criação de galos e galinhas, além de um poço artesiano. A entrevista se deu na cozinha que tinha uma mesa, geladeira, pia, fogão e um armário. A esposa acompanhou a entrevista e por meio dela foi possível facilitar a compreensão da fala do Chuíra, inicialmente ele só respondia sim ou não com a cabeça, aos poucos foi começando a responder. Ele tinha 79 anos, casado, evangélico e ex-tabagista, consumia um maço de cigarro por semana. Apresentava boa aparência, com traqueostomia limpa. Muitas vezes apresentou um olhar triste, principalmente quando falávamos do seu trabalho, no final ele ficou emocionado. O participante realizava algumas atividades como ir até o mercado ou à feira, porém morava muito distante e reclamava de dor no pé esquerdo devido à amputação do hálux. As questões mais abordadas estavam relacionadas a questões religiosas, devido Chuíra e sua esposa serem evangélicos, por essa perspectiva religiosa ele explicava desde o adoecimento até o presente momento. Resultados ______________________________________________________________ 54 BÓCA: Realizadas duas entrevistas na casa do Bóca. Imóvel de difícil localização, zona vermelha da Região Metropolitana, o imóvel ficava à margem de um canal, no local funcionava uma mercearia, que vendia produtos alimentícios e bebidas, além de carvão, detergente caseiro e equipamentos para bater o açaí. O comércio era ligado ao restante da casa. Uma parte do imóvel era de alvenaria e a outra parte era de madeira. Iniciamos a entrevista na sala do paciente, a qual possuía dois sofás, e um freezer. Estavam no local o participante, sua esposa e a filha adotiva que cuidava do Bóca. Ele pegou duas cadeiras, sentou em uma e na outra sua filha sentou para acompanhar a entrevista. Participante de 58 anos, casado, católico, cinco filhos, ex-etilista e ex-tabagista, fumava quatro cigarros por dia. O participante aparentava ser bem cuidado, o curativo da traqueostomia estava limpo, estava sendo submetido a radioterapia no Hospital Ophir Loyola, onde faria 30 sessões. Ele queixava-se de não conseguir se alimentar direito, pois havia uma estenose no esôfago. A cânula não pôde ser retirada devido ao desconforto que a estenose proporcionava a Bóca. Os temas abordados foram relacionados à evolução da doença e às dificuldades encontradas para realização da cirurgia, relações familiares afetadas pela doença, a filhairia para o Recife cuidar de seu filho queera especial, deixando os cuidados do pai com o irmão mais velho. O participante não demonstrou tristeza, porém sua fala era avessa às suas ações. Ele procurava se comunicar e seguir corretamente as orientações dos profissionais de saúde. A filha reclamou do desinteresse da mãe em se cuidar e nos cuidados ao marido, principalmente porque ela não conseguia entender o Bóca, saindo de perto dele algumas vezes. Na segunda visita, Sr. Bóca e sua esposa já se encontravam sozinhos no imóvel, pois a filha adotiva viajou para o Recife, agora quem cuidava dos afazeres da casa era o Sr. Bóca, pois sua mulher sofreu uma queda da escada, que afetou sua coluna, impedindo que realizasse alguns movimentos, estava em fase de recuperação. No final da entrevista, a mulher nos chamou e relatou que o marido queria se mudar da casa onde viviam, devido à vizinhança ainda o rejeitar pela doença que tem tinha. Resultados ______________________________________________________________ 55 MAÇARICO: Realizadas duas entrevistas. Paciente de 68 anos, casado, evangélico, ex-etilista e ex-tabista, consumia duas carteiras de cigarro por dia. Morava em local de difícil acesso, na casa moravam o Maçarico, a esposa e uma neta de sua esposa que tinha 14 anos. Estavam casados havia 30 anos. O imóvel era de alvenaria, possuía um pátio, sala, quarto, cozinha, banheiro e quintal. Quem nos recebeu foi a esposa de Maçarico, a neta estava deitada na sala ouvindo música e o participante estava no quarto deitado. Segundo a esposa de Maçarico, ele tinha passado a maior parte do tempo no quarto sem vontade de sair de assistir televisão, ficar o pátio da casa ou se distrair com outras atividades. Ela nos acomodou na cozinha, e ele veio conversar conosco. O participante encontrava-se abatido, pois afirmava sentir dor no pescoço desde o dia em que operou, havia 5 anos. Nesse período, a esposa afirmou que Maçarico se afastou de todos, somente saía de casa para se consultar, às vezes passava o dia chorando no quarto e dizia que iria morrer. Tornou-se evangélico havia 2 anos, por influência de um vizinho que o levou para a igreja dizendo que ele receberia um milagre e a esposa mudou de religião também por pressão das pessoas da igreja que disseram que ela teria que aceitar a Jesus para ele se curar. Ela afirmava estar arrependida pois não fez isso de coração. O participante iria realizar uma cirurgia na próstata e estava com uma massa no maxilar, a médica garantiu que era benigno, referindo ser uma sequela da laringectomia total, porém faria exames para investigar. Maçarico não realizou muitas sessões de Fonoterapia em decorrência da dor, dessa forma a voz esofágica não evoluiu, além do que o paciente tinha um humor deprimido e referia o momento de sua morte. No período da entrevista do Maçarico foi possível acompanhá-lo na realização de exames no Ophir Loyola, a esposa que articulava os atendimentos do paciente, ele vinha às consultas e exames de óculos escuros e boné, estava com uma boa aparência, não apresentou sinais de humor deprimido e não referia dor; porém quando acabaram os exames eles se dirigiram à Urgência do hospital para ele fazer medicação para dor. Ainda na espera de atendimento, eles aguardaram a troca de plantão para ir com outra médica, pois a que estava, segundo a esposa não passava medicação que fosse eficaz para a dor. Durante a espera, surgiu uma técnica de enfermagem que conhecia o paciente Resultados ______________________________________________________________ 56 e começou a fazer carinho nele, ele ficou com rubor nas faces em decorrência da timidez e a esposa aparentava ciúmes. Depois, que a profissional se afastou, ele abraçou a mulher e ela fez carinho na cabeça dele. Maçarico foi atendido pela médica, foi encaminhado para fazer a medicação e a esposa ia fazer a marcação das consultas de retorno. 4.3 UNIDADES DE SENTIDO Em seguida apresentamos os temas criados a partir dos resultados. As unidades de sentido foram agrupadas em: Experiência da Doença e Experiência com a Imagem Corporal. 4.3.1 Experiência da doença 4.3.1.1 Sinais e sintomas da doença e tratamento Nesta unidade de sentido, serão expostos e discutidos os sentidos atribuídos pelos participantes relacionados ao início dos sinais e sintomas do câncer de laringe e ao tratamento empregado para a erradicação do tumor. Esse período perpassa pelas dificuldades em desenvolver as atividades laborais no momento em que os sinais e sintomas se manifestaram, a utilização de plantas medicinais no tratamento, a busca por atendimento especializado e o estigma do câncer. Eu trabalhava com construção de pontes e carpintaria, construí aquelas pontes da Cidade Velha (Bairro de Belém), era mais mergulhando, quando fiquei rouco imaginei que fosse uma gripe, então não me preocupei, porém com o tempo não passou, e vim para Belém para me consultar, paguei uma consulta particular, o médico pediu a Laringoscopia e atestou o Câncer, me mandaram para o Ophir (BETO). Há dois anos atrás apareceu uma rouquidão que eu pensava que era uma rouquidão normal de uma gripe, eu trabalhava de noite no Ver-O-Peso e um dia cheguei rouco aqui, até que foi agravando, um dia a voz falhou, meu filho disse: “Pai, vamos fazer um exame de escarro.”, mais eu não gostei muito, não gostava de ir ao médico, sempre procurei me curar com remédio caseiro. Quando a voz falhou eu resolvi procurar, só que já estava avançado... ainda fiz muitos remédios caseiros, chá de jucá, babosa, unha de gato, tudo que ensinavam eu fazia, mas não adiantou, porque precisei operar (BÓCA). Iniciou com uma gripe e eu escarrava sangue, aí falei para o meu tio que também teve câncer (ele morreu rápido, foi câncer de intestino), ele me Resultados ______________________________________________________________ 57 disse que não era normal, fui ao Hospital Anita Gerosa me consultar, fiz uma biópsia e já me encaminharam para o HOL, mas não deu nada, depois de 1 ano comecei a ficar rouco e perder a voz, fiz uma nova biópsia, atestou o câncer, um tumor em cada corda vocal, nesse período ele foi crescendo, já não conseguia nem engolir. Já estava esperando há 3 meses, quando me deu uma falta de ar muito forte e a dor de cabeça, passei a noite ruim, de manhã minha filha e meu genro me levaram para a urgência do Ophir, eles fizeram a traqueostomia, depois fiquei na fila para realizar a cirurgia (CABOQUINHO). Começou a me dar uma febrinha e tossezinha, aí eu fui no médico e ele disse que era uma gripe, passou um remédio, aí foi 8 dias, 10 dias, 20 dias e não passava. Voltei no médico ainda com a tosse, febre e uma quentura. Fui em um médico da Vila dos Cabanos, ele atende minha família, de lá ele encaminhou para a especialista e ela pediu todos os exames, quando saiu o resultado eles já encaminharam para o Ophir Loyola. Eu já estava muito rouco, a voz falhava e com febre. Esperei 4 a 5 meses, o tumor já estava crescendo. Já tem uns 5 anos.Quando os médicos me falaram que era câncer, eu já tinha certeza, porque os outros médicos da Vila dos Cabanos já tinham me avisado. Quando eles confirmaram, disseram que teria que operar logo (TIO). Começou com uma febre e fui ficando rouco, confundia com uma gripe, fiz chá de jucá para a rouquidão, mas não adiantou. Demorei 3 meses para me consultar, o médico passou o exame, e deu o câncer, me encaminharam para o Ophir Loyola, tenho uma amiga e um parente que trabalha lá, eles agilizaram para mim. O médico passou a radioterapia dizendo que ficaria curado e piorou, iniciei a radioterapia em fevereiro e operei em outubro, foram 33 sessões de radioterapia. Emagreci, fiz primeiro a traqueostomia, por causa da falta de ar, e o médico não sabia se eu resistiria, estava muito fraco, por isso primeiro eles esperaram eu ganhar peso e depois operar (CEARÁ). Começou a falhar a voz em 2005, fiquei 4 anos indo para o Bettina e ninguém resolvia, fiz a biópsia e deu benigno, mas demoravam muito para marcar o retorno, o médico dizia que o exame não tinha validade. Até que um dia fiz uma pequena cirurgia e quase morri. Estava muito rouco, a voz quase não saía, eu estava podre em vida. Minha mulher fez um escândalo lá, até que refiz os exames e de lá umdia ligaram para mim, minha mulher foi lá e disseram que estava com câncer. Demorei uns três meses para ser operado. Tomei muito remédio caseiro, chás, mel de abelha e água fluidificada, não fiquei curado, mas ajudou, quando opereinão deu nenhuma complicação.Fui curado por meio de um espírito, fiz uma cirurgia espiritual antes da cirurgia no hospital, era como se eu estivesse em uma enfermaria de hospital, senti até o soro passando em minhas veias, fiquei em repouso alguns dias, minha voz ficou clara. Não posso contar mais detalhes, mesmo assim ainda precisei operar porque o meu caso era para os médicos, porém ajudou, minha recuperação foi boa (IRAN). A rouquidão foi o sintoma comum entre os participantes, a princípio eles relacionaram a um estado gripal. Então, aguardaram a regressão da “gripe” espontaneamente. Somente Beto relatou a rouquidão como sintoma inicial. Os demais participantes tiveram a rouquidão associada à febre, tosse e hemoptise, entretanto, ainda relacionando-a com um resfriado. No decorrer dos dias eles foram percebendo a manutenção da rouquidão e o surgimento de episódios de afonia, em Resultados ______________________________________________________________ 58 todos os casos, disfagia, halitose, dispneia e astenia nos casos de Caboquinho, Iran, Tio e Ceará. Os sinais e sintomas são semelhantes aos preconizados pela literatura. Para o câncer de laringe os sinais e sintomas como odinofagia, rouquidão e afonia podem ser notados e eles estão diretamente relacionados à localização da lesão. Em casos de tumor supraglótico o sintoma mais frequente é a dor de garganta, nos tumores glóticos ou subglóticos é a rouquidão. O câncer supraglótico geralmente é acompanhado de alteração na qualidade da voz, disfagia leve (dificuldade de engolir) e sensação de "caroço" na garganta. Nas lesões avançadas das cordas vocais, além da rouquidão, podem ocorrer dor na garganta, disfagia e dispneia (dificuldade para respirar ou falta de ar) (INCA, 2015; MACIEL; LEITE; SOARES, 2010). As narrativas apontaram que houve demora na busca por atendimento médico para o diagnóstico da doença, fato relacionado à população acometida ser, em sua maioria, homens, os quais não têm o hábito de buscar atendimento médico regularmente para a prevenção de agravos. Eles eram provedores de suas famílias, logo, a busca pelo sustento acabava sendo a prioridade para os participantes. A procura pelo serviço médico ocorreu quando eles apresentavam o agravamento de seu quadro clínico, limitando suas atividades laborais. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem – PNASISH identifica que a entrada do homem no serviço de saúde se dá por meio da alta complexidade, em virtude da irregularidade na prática de medidas de prevenção primária. Essa conduta impacta financeiramente na sociedade e, também, no sofrimento físico e emocional do paciente e de sua família, quando adoecem. Cabe ressaltar que há a preocupação masculina para o desempenho das atividades laborais, sobretudo em pessoas de baixa condição social, o que reforça o papel historicamente atribuído ao homem de ser responsável pelo sustento da família, priorizando o trabalho a buscar cuidados nos serviços de saúde (BRASIL, 2008). Inicialmente alguns participantes recorreram ao setor informal, utilizando as plantas medicinais para aliviar a rouquidão, como chás de unha de gato, babosa e cascas de árvores. Foram utilizados também mel de abelha, água fluidificada (preparada em centro espírita) e cirurgias espirituais. Essas condutas foram influenciadas por familiares, vizinhos e amigos, com o Resultados ______________________________________________________________ 59 objetivo de promover a cura da doença. No entanto, quando não foi percebida a melhora do estado de saúde, estes participantes buscaram a intervenção médica, ou seja, o setor profissional. O setor informal inclui um conjunto de crenças sobre a manutenção da saúde, as quais são uma série de orientações, específicas para cada grupo cultural, sobre o comportamento “correto” para evitar a má saúde em si mesmo e nos outros. Elas incluem crenças sobre o modo saudável de comer, beber, dormir, vestir-se, trabalhar, rezar e sobre a forma geral de conduzir sua própria vida. Esse setor é constituído por uma série de relacionamentos de curas informais e gratuitos, de duração variável, que ocorrem dentro da rede social do próprio paciente, particularmente da família (HELMAN, 2009). A medida terapêutica utilizada pelos médicos foi composta pela confecção da traqueostomia permanente, cirurgia (Laringectomia Total – LT) e radioterapia. Lembrando que, conforme a avaliação do quadro clínico, o planejamento cirúrgico era realizado, ou seja, em alguns casos foi realizada primeiro a traqueostomia e depois o procedimento cirúrgico, em outros traqueostomia e LT realizados em um único procedimento e, em outro inicialmente a radioterapia e depois Traqueostomia + LT. O tratamento dessas neoplasias, por vezes invasivo, requerendo laringectomias totais somadas à quimioterapia e radioterapia, pode contribuir para exacerbar o conjunto sintomatológico da doença (MACIEL; LEITE; SOARES, 2010). O setor profissional, que compreende o da cura organizada, não inclui apenas a medicina e suas especialidades, mas as profissões paramédicas reconhecidas, como enfermeiros, parteiras e fisioterapeutas. Assim, cada sociedade tem sua etnomedicina, a qual influencia os modos de ver o mundo, suas hierarquias e organizações sociais, papéis sexuais e atitudes em relação à doença e ao sofrimento (HELMAN, 2009). Kleinman (1980) propôs os modelos explanatórios, os quais podem ser usados tanto pelos pacientes como pelos profissionais de saúde. Estes modelos oferecem explicações para a doença e tratamento, orientando as escolhas entre as terapias e os profissionais de saúde disponíveis, delineando os sentidos pessoais e sociais sobre a experiência da doença inseridos em um contexto e observados pelas partes envolvidas, médico, paciente e família, de forma diferenciada. Esses modelos são influenciados pela personalidade, fatores culturais, Resultados ______________________________________________________________ 60 organização socioeconômica e a ideologia dominante da sociedade em que um dado indivíduo adoece e na qual ele consulta o médico. Dessa forma, as consultas médicas são transações entre o sistema leigo e médico sobre determinadas doenças (HELMAN, 2009). Diante da evolução da doença até o tratamento, o adoecido passa por sofrimentos psicológicos voltados para o risco de morte. A princípio, a única certeza que os participantes querem ter é de sobreviverem. Isso se dá pelo fato de o câncer ser uma doença temida e ainda estigmatizada, apesar das informações amplamente divulgadas que abordam a importância do diagnóstico precoce, a não transmissibilidade da doença, a prevenção e tratamento. Infelizmente ainda não foram capazes de romper com a ideia de morte, de ser uma doença contagiosa e do grau de incapacidade ocasionado aos doentes; essa visão se reflete nas condutas dos pacientes antes e depois do tratamento. Eu chorei muito quando soube que era câncer, fiquei muito triste, até hoje choro, choro muito, tenho medo de morrer, nunca fiquei nenhum dia bem desde que descobri que estava doente (MAÇARICO). Barbosa e Francisco (2011) relataram situações de sofrimento, dor e vulnerabilidade, comumente atreladas ao adoecimento e ao confronto com a possibilidade de morte, sendo os principais focos de desequilíbrio emocional vivenciados pelos pacientes. Muitas vezes, esse confronto foi mantido em segredo ou intermediado pela família, pela equipe de saúde ou pelo próprio paciente, parecendo, de uma forma geral, ser quase proibido falar sobre isto em um hospital. Em muitos casos, essa presença-ausente silenciada “de morte” pode causar reações emocionais, tais como ansiedade excessiva, humor deprimido, entre outros, que se estendem aos cuidadores e familiares. Eu tinha medo de morrer, quando o médico falou que eu ia parar de falar eu fiquei mais tranquilo, ele me garantiu que eu não ia morrer. Hoje levo a vida normal, faço de tudo, até jogar bola eu jogava, mais estou com um problema no menisco e tive que parar, preciso operar. O médico disse que já estou fora da estatística, porque operei há 18 anos, voltei até a beber, o médico me liberou (MATIAS). Fiquei muito preocupado, com medo, pensava que ia morrer. Ficava muito triste olhando para o nada, precisei do apoio de um psicólogo para poder me adaptar, às vezes eu pensava que ia sobreviver dois, três anos, vi meu sobrinho morrer de câncer e foi muito rápido, pensava que ia acontecer o mesmo comigo, agora me acostumei, minha vida não é como era antes, Resultados ______________________________________________________________ 61 tenho limitações mais dá para viver. Vou vivendo até quando Deus quiser. Algumas pessoas acham que tenho algo contagioso, já se levantaram de perto de mim no ônibus quando eu começo a tossir (TIO). As pessoas aqui da minha rua não compram no meu comércio, dizem para as crianças não entrarem porque tenho câncer, muitas pessoas que se diziam meus amigos se afastaram, pensam que o câncer é contagioso. Não sei por que recebi esta doença, sempre fui uma pessoa boa, respeitava todo mundo, tratava todo mundo bem e sempre trabalhei, desde criança eu trabalho. Quando eu tinha 12 anos não havia câncer, as pessoas tinham tuberculose, lepra, iam para aquele hospital em Marituba, mas agora o câncer se espalhou para muita gente. Espero que um dia Deus me revele por que tive câncer (BÓCA). Os participantes relataram o medo da morte, a preocupação, o choro, o sentimento de culpa pelo adoecimento e a tristeza ao ser confirmado o diagnóstico, um momento difícil, em que os pacientes buscaram com o médico a certeza de que iriam sobreviver, independentemente das sequelas. Para Bóca o câncer era uma doença relacionada à sua conduta, como ser social, e elaborava conjecturas em relação às possíveis causas. As dificuldades eram ainda maiores no dia a dia, em que ele e outros participantes se deparavam com o preconceito em relação ao câncer e ao fato de as pessoas acharem que eles tinham algo contagioso, devido aos acessos de tosse e eliminação de secreções pela cânula de traqueostomia. Barbosa e Francisco (2011) relatam em seu estudo o registro de uma verdadeira “sentença de morte” quando o paciente é submetido a um tratamento invasivo como no caso da laringectomia total. Não raro, causa um sentimento tão profundo de angústia que parece não ter contornos, chegando mesmo a tornar-se agonia e desalojamento, tanto nos pacientes quanto em seus cuidadores. O registro que fica não é do medo de “simplesmente morrer”, mas sim o de “morrer de câncer”, dado ao seu estigma e representações negativas construídas ao longo dos séculos. Existem doenças populares, em parte intocadas pelo modelo médico e ainda enraizadas no folclore tradicional. O câncer pertence a esse grupo de doenças populares, que estão associadas, na imaginação das pessoas, com crenças tradicionais sobre a natureza moral da saúde, da doença e do sofrimento humano. Essas doenças, especialmente aquelas difícil de tratar, explicar, prever ou controlar, simbolizam muitas das ansiedades que algumas pessoas têm, como o medo da desagregação da sociedade organizada, da invasão ou da punição divina. Nas mentes de muitas pessoas, tais doenças são mais do que uma condição clínica; elas Resultados ______________________________________________________________ 62 tornam-se metáforas para muitos terrores da vida cotidiana (HELMAN, 2009). O câncer carrega essas metáforas, relacionadas a associações simbólicas que podem ter efeitos sérios, tanto na forma como os pacientes percebem sua própria condição quanto no modo como as outras pessoas se comportam em relação a eles. Porém, as metáforas para o câncer não são estáticas e podem mudar consideravelmente com o tempo. Além disso, diferentes tipos de câncer parecem atrair diferentes tipos de metáfora, dependendo da parte do corpo afetada, da duração da condição e da velocidade de início, tornando-se parte de como os indivíduos vivenciam os eventos, tanto dentro de seus corpos como fora deles, e dos sentidos que dão a essas experiências. As metáforas surgem em momentos de vulnerabilidade devido à doença, à dor, à ansiedade ou a outras formas de sofrimento, dependendo de situações traumáticas (HELMAN, 2009). Quando soube que era câncer a ficha caiu me deu um acesso de choro (justificou que foi por causa da besteira que fez em fumar por muito tempo), não era pela doença, então pedi para Deus me sustentar. Existem três culpados: eu, a Souza Cruz e o Governo que me incetivaram a fumar, existiam muitas campanhas a favor do cigarro (PAULÃO). Paulão, embora não tenha tido preocupação com a doença, ele se culpava pelo adoecimento ao iniciar o hábito de fumar, essa prática era moda na época e os efeitos negativos do cigarro não eram divulgados pela mídia. As teorias leigas que localizam a origem dos problemas de saúde dentro do indivíduo tratam principalmente de maus funcionamentos dentro do corpo, algumas vezes relacionados com alterações na dieta ou no comportamento. A culpa recai sobre o paciente. Essa crença é especialmente encorajada por campanhas governamentais de educação em saúde, onde os problemas de saúde são cada vez mais atribuídos ao descaso com alimentação, vestimenta, higiene, estilo de vida, relacionamentos, comportamentos sexuais, tabagismo e ingestão de bebidas alcoólicas e sedentarismo. Assim, o problema de saúde é consequência desse descaso e a vítima deve se culpar por causá-lo, até em relação aos sentimentos (HELMAN, 2009). Por outro lado, Ceará expressou sua indignação quando o médico afirmou que ficaria curado com a radioterapia. Porém, o resultado foi inverso e o tumor aumentou, o procedimento cirúrgico foi radical; e complementou que se a cirurgia fosse a primeira opção terapêutica, esta salvaria ao menos uma corda vocal. Resultados ______________________________________________________________ 63 Fiquei preocupado, mas o médico disse que com a radioterapia não precisaria operar, só que aumentou (lágrimas), nunca pensei em ficar sem falar. Não podia comer, emagreci, só pensava que ia morrer. Me sinto enganado, pois o médico me garantiu que eu ficaria bom com a radioterapia, quando piorei o médico me disse que tinha que operar e, já que eu queria tanto, ficaria sem falar para o resto da vida, se tivesse sido antes, daria para salvar uma corda vocal (CEARÁ). As sequelas psicossociais resultantes de um procedimento os afastam da ambiência construída ao longo da vida: do lar, de familiares, de amigos, do trabalho, contribuindo para o seu isolamento e a vivência de um sofrimento velado e interditado.O medo da morte não parece estar relacionado apenas a uma questão física, mas denuncia uma sensação de verdadeiro terror frente à ruptura das relações com os outros seres humanos (BARBOSA, FRANCISCO; 2011; CERQUEIRA; MATIAS; CARVALHO, 2013). O adoecimento sinaliza a possibilidade de prematuramente romper ou nos separar do real e chega a nos interrogar sobre o que fazemos, fizemos e/ou poderíamos ter feito da nossa vida; na maioria das vezes, é vivido como um verdadeiro “golpe do destino”. Nessa perspectiva de imprevisibilidade e impacto e diante da possibilidade de poder acolher esse tipo de sofrimento, somos convocados a encarar a nossa “curta” vida e refletir sobre o hoje para que o amanhã não seja apenas preenchido de “nunca mais”, paralisando, impedindo ou limitando a nossa existência. Além disso, compreender a doença, as representações culturais e os estigmas sobre ela parece indispensável, principalmente quando estão presentes registros negativos que algumas doenças trazem, e, nesse caso, a vivência de um câncer (BARBOSA, FRANCISCO, 2011). O adoecimento causa perturbações no cotidiano do paciente. A perturbação é uma resposta subjetiva do indivíduo e daqueles que o cercam, relacionada ao fato de ele não estar se sentindo bem. A forma como indivíduo e a sociedade interpretam a origem e o sentido desse processo afeta seu comportamento e sua relação com as outras pessoas. O sentido dado ao sintoma e sua resposta emocional são influenciados pela sua própria origem e personalidade, bem como pelo contexto cultural, social e econômico onde os sintomas surgem, afetando seu comportamento subsequente e os tipos de tratamento que irá buscar. A perturbação frequentemente compartilha Resultados ______________________________________________________________ 64 das dimensões psicológicas, morais e sociais associadas às formas de adversidade dentro de uma cultura particular. Trata-se de um conceito amplo e difuso em relação à saúde, considerando como as pessoas interpretam seus problemas de saúde e sofrimento e de como respondem a eles (HELMAN, 2009). Pelo apresentado, apreendemos que a experiência dos participantes com os sinais e sintomas, inicialmente, foi subestimar a rouquidão, visto que se trata de um achado relacionado a outras patologias, a mais comum é a gripe. E esse fato associado à cultura masculina de não buscar atendimento médico regularmente, contribuindo para o diagnóstico tardio. Os participantes utilizaram o setor informal, empregando chás de ervas medicinais para a cura dos sinais e sintomas, porém, como não houve melhora, recorreram ao setor profissional. Mas, como o câncer foi descoberto em estadiamento avançado, a laringectomia total foi a medida terapêutica escolhida. 4.3.1.2 A fé religiosa e a família como suporte para recuperar a saúde A religião e a família desempenham um papel fundamental no processo de recuperação da saúde, essas redes de apoio proporcionaram aos participantes tranquilidade e conforto no processo de recuperação da saúde. As redes de apoio são um sistema complexo de interconexões socioculturais existentes entre pacientes, profissionais de saúde e os membros da comunidade. Considerando que a condição de “enfermidade/doença” é determinada pela experiência subjetiva dos indivíduos e dos membros do grupo social mais do que pelos aspectos clínicos e físicos, incluindo, além de aspectos pessoais, os comunitários, culturais, sociais e econômicos que interferem nas redes de apoio para o enfrentamento da situação (MEIRELLES; ERDMANN, 2006). Braga (2006) define rede social como a teia de interações entre pessoas envolvidas em ações, por escolhas pessoais, para alcançarem objetivos práticos, que atendam interesses comuns. Na cultura brasileira, a religião e a família são as principais redes sociais com funções de proteção, companhia social, apoio emocional, guia cognitivo, de ajuda material e de serviços, de laços de obrigações morais e de solidariedade. Resultados ______________________________________________________________ 65 A religião está inserida na rede social de apoio, como fonte de bem-estar, esperança e fé no enfrentamento do adoecimento. Nesse sentido, a religião é um sistema de símbolos que atua para estabelecer disposições e motivações nos homens, pela formulação de conceitos de uma ordem de existência cosmológica ou transcendental, ajudando as pessoas a lidarem com o sofrimento e o caos da vida (GEERTZ, 2013). Tenho fé em Deus que tem um milagre para mim, ele fez o cego enxergar, o aleijado andar e o morto ressuscitar, por que eu não posso voltar a falar? Uma coisa tão pequena, Deus tem algo maior para mim, o fato de eu estar vivo e sem medicamento forte foi uma pequena coisa diante do que ainda tem para fazer, se eu não falar aqui, falarei no reino de Deus (PAULÃO – Assembleia de Deus). Sirvo de exemplo vivo, eu precisava mostrar para as pessoas o milagre que aconteceu comigo, muitas pessoas pararam de fumar com o meu exemplo, algumas que têm câncer criam coragem para enfrentar a doença e outras que não têm começam a se cuidar, sou chamado para dar testemunho na igreja sobre o meu caso. Passei pela doença e estou vivo, ter a traqueostomia é melhor que ter a doença.Quando Deus opera, é para sempre (LUNA – Universal do Reino de Deus). Paulão ainda esperava um milagre maior, o qual era poder voltar a falar, utilizando como motivação os milagres relatados na Bíblia; e Luna utilizava o seu exemplo de vida para inspirar as pessoas da própria igreja a se cuidarem, o mesmo acreditava que já conseguia falar, embora não tivesse desenvolvido a voz esofágica com qualidade. Concordamos com Guerrero et al., (2011) que em seu estudo reconheceram a evolução do tratamento oncológico, embora o câncer ainda carregue o estigma do sofrimento, da angústia, da indignação e do medo frente às incertezas do futuro. Entretanto, por meio da crença religiosa as pessoas produzem uma força intrínseca capaz de renovar o significado da própria vida. Luna julgava que, por meio da fé, aconteceu um milagre em sua vida, pois estava vivo e por meio de sua experiência poderia ajudar outras pessoas. Na cultura popular há duas imagens do câncer: o diagnóstico é uma sentença de morte que leva ao medo; a compreensão de que o diagnóstico e as terapêuticas do câncer levam a uma transformação - uma segunda chance de vida (AQUINO; ZAGO, 2007). Não tive medo quando soube que era câncer, entreguei tudo nas mãos de Deus. Fiquei feliz quando soube que ia operar porque ficaria curado. Na minha religião a doença é vista como uma provação, não se pode murmurar, na palavra diz que Jó não murmurou. Na Bíblia diz que Deus quer te ajudar, mais se você murmurar muito a ajuda não vem, se você der Resultados ______________________________________________________________ 66 uma topada, agradeça a Deus, pois podia ter sido pior (BETOQuadrangular). Hoje o que é importante é eu estar vivo, a benção que Deus me deu de estar aqui hoje, senão eu já teria morrido. Eu creio no Deus que fez tudo por nós, e Deus vai me sustentar, até o dia que ele quiser. Acredito num milagre dormir e acordar falando. Não posso fazer nada, somente Deus pode consentir a minha cura. Minha mulher, antes de me dar os remédios, apresenta para Deus para ele me curar, tenho muita fé quando ela faz isso (CHUÍRA – Assembleia de Deus). Quando fui operar estava feliz, pois tinha a esperança de ficar, não tive medo de morrer. Me peguei com Deus e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ia na capela do hospital todos os dias rezar, quando estava internado, e hoje, quando vou lá fazer a Radioterapia, sempre passo na capela e rezo para ela, peço que me ajude a enfrentar tudo isso. A minha devoção veio da minha mãe, que também era muito devota de Nossa Senhora, se ela estivesse viva já tinha feito um remédio caseiro, para eu melhorar, ela era boa nisso. Só Deus pode me curar, pois foi ele que me fez (BÓCA- Católico). Sob a perspectiva de cada religião, Chuíra e Bóca realizam determinados rituais religiosos com o intuito de serem curados. Chuíra todas as vezes que ia tomar a medicação pedia para a esposa, que era evangélica, orar apresentando as medicações para Deus, e em seguida as tomava, com o objetivo de voltar a falar. Por outro lado, Bóca, que estava em tratamento radioterápico, revelou que todos os dias, antes ou depois da radioterapia, ia até à capela do hospital fazer suas orações a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pela qualtinha devoção. Neste estudo os participantes relataram um tipo de ritual denominado privado, pois o realizavam isoladamente. Os rituais têm importantes dimensões sociais, psicológicas e simbólicas, tendo como característica um comportamento repetitivo que não possui um efeito técnico explícito e direto. Seu objetivo é expressar e renovar certos valores básicos da sociedade relacionada às relações entre às pessoas, à natureza e ao mundo sobrenatural (HELMAN, 2009). Dentre esses rituais temos: grupos religiosos ou veneração individual, orações, sacramentos como batismo e comunhão, jejuns, cantos, meditação, leitura de escrituras e fazer ofertas ou sacrifícios (POTTER; PERRY, 2005). Tio foi o único informante que, embora tivesse uma religião, declarava não fazer uso dela para enfrentar o adoecimento. O apoio e cuidado dos sobrinhos tiveram importância fundamental na superação da doença e na busca pelos seus direitos. As sobrinhas buscavam, por meio da Internet e das consultas, informações que visassem esclarecer as dúvidas do paciente. Resultados ______________________________________________________________ 67 “Sou católico, mas não recorri a nenhuma religião para pedir que ficasse bom, na minha família tem católicos e evangélicos, no entanto é cada um na sua, o que me ajudou a enfrentar tudo isso foi o apoio dos meus familiares (TIO – Católico). As narrativas dos participantes, a seguir, apresentam a importância do apoio familiar. Esposa, filhos, irmãos e sobrinhos foram os membros da família mais próximos aos participantes que contribuíram para o enfrentamento da doença e, a partir desse momento, eles passaram a valorizar a família, mas, nas atividades diárias, às vezes, a demonstração de carinho ou conversa ficava em segundo plano. Minha família é importante porque antes eu vivia só para o trabalho, agora preciso estar perto deles para sentir força para enfrentar isso (CEARÁ). Minha família me ajudou na recuperação, peço para Deus me ajudar a superar essas dificuldades, pois antes não tinha família, era do mundo, hoje tenho minha mulher e minha filha, esta casa, aqui era só um quarto onde o pátio era cheio de bagana de cigarro, se não tenho nada para fazer, fecho a casa e vou assistir televisão com minha filha (LUNA). A família é o mais importante para mim agora, pois eles me ajudaram a enfrentar essas dificuldades, com muita coragem para viver por muitos e muitos anos (IRAN). Minha filha me ajuda a superar tudo isso, ela que me acompanha no hospital, tudo é ela que resolve para mim, tem muito cuidado comigo (BETO). A família é o grupo social primário. A composição da família varia entre as culturas, assim como o papel que ela desempenha na vida de seus membros. As famílias têm sua visão de mundo particular, seus próprios códigos de comportamento, papéis de gênero, conceitos de tempo e espaço, gírias e linguagem próprias, história, mitos e rituais. Elas também têm formas de comunicar o sofrimento psicológico uns aos outros e ao mundo exterior, e exercem influências importantes na saúde e doença (HELMAN, 2009). As mudanças ocorridas com o adoecimento por câncer de laringe afetam a família, que sofre por meio do impacto do diagnóstico, o qual carrega a simbologia de uma sentença de morte e a necessidade de adaptações que, em muitoscasos, transcendem os seus limites físicos, emocionais, sociais e financeiros. Aspectos econômicos, sociais, culturais e psicológicos permeiam a relação entre pacientes e familiares (FRANCISCO; BARBOSA, 2011). O ambiente familiar é crucial para o ajuste individual a uma crise, embora os Resultados ______________________________________________________________ 68 relacionamentos possam ser abalados quando em confronto com a enfermidade. No entanto, o suporte familiar possui uma força importante para lidar com o adoecimento (POTTER; PERRY; 2005). Portanto, a religião e a família exercem poderosa influência no processo de enfrentamento da doença, proporcionando um sentimento de paz e segurança para superar as dificuldades advindas da doença. Assim, independentemente da religião ou da constituição da família do informante, o que verdadeiramente importa é a motivação que o impulsiona a aderir ao tratamento ou não. 4.3.1.3 Mudanças na vida social As mudanças na vida social dos participantes ocorreram de duas formas: a primeira para os que realizaram a traqueostomia e a laringectomia total num só procedimento cirúrgico, e a segunda para os que fizeram a traqueostomia e aguardavam a cirurgia de laringectomia total. Independentemente do procedimento, o paciente foi afetado diretamente nas suas práticas cotidianas. Uma nítida preocupação observada em estudos anteriores e neste está relacionada à eliminação de secreção pelo traqueostoma, já que os pacientes não conseguem disfarçar. Isso causa o isolamento do indivíduo, que se sente desprezado e indesejado, ocasionando, ainda, sentimentos de solidão e desconforto nas suas relações sociais. Essas limitações funcionais trazem a necessidade de modificação nas atividades laborais, fato que gera sentimentos de menos valia, frustração e falta de motivação. Esses sentimentos favorecem a introspecção e reforçam a possibilidade de se sentirem excluídos do meio social (PEDROLO; ZAGO, 2002; BETTINELLI; TOURINHO FILHO; CAPOANI, 2008; NOONAN; HERGATY, 2010). Com o câncer Deus me fez ver que eu precisava seguir a palavra dele. Há uma semana pedi para Deus me levar (choro), porque não posso pregar, trabalhar, cantar, gargalhar, então o que estou fazendo aqui? Vou para a igreja e sento atrás, somente quem vai pregar pode sentar na frente, antes eu pregava, fico olhando para o meu paletó e minha gravata que usava para ir ao culto, mas fui excluído, só uma vizinha ainda conversa comigo, os meus amigos não, às vezes quando estou no ônibus me dá vontade de tossir, desço do ônibus e vou para um lugar reservado para limpar a cânula, eu faço a limpeza. Já precisei descer três vezes, quando começo a tossir faz um barulho muito forte, as pessoas começam a olhar, eu tenho vergonha. Em casa também procuro um lugar isolado para fazer a limpeza Resultados ______________________________________________________________ 69 (PAULÃO). Fiz planos de me aposentar e ainda trabalhar 5 anos para me estabilizar, agora com essa doença tudo mudou(lágrimas), não posso nem fazer um bico. Gostava de trabalhar, tomar um banho de igarapé e contar histórias, agora não posso mais por causa da doença. Meus amigos chegaram a ir no hospital, vieram algumas vezes aqui em casa, mas hoje ninguém me visita mais, quando eu quero, vou na empresa que eu trabalhava falar com eles. De vez em quando ainda tomo a minha cerveja, uma lata só. Não posso mais nem brigar no trânsito. Tenho que dar o braço a torcer, para fazer alguma coisa preciso da ajuda de alguém (CEARÁ). Não posso mais fazer serviço pesado. Gostava de capinar, limpar a casa, ir na praia nadar, não vou porque tenho medo de entrar na água e entrar água no buraco. Me sinto preso, pois só posso sair de manhã cedo para não pegar sol forte e nem sereno, deixei até de sair para dançar, eu gostava muito (IRAN). Eu trabalhava, fazia de tudo e hoje eu não dou conta de nada, desde que operei sinto muita dor na região do pescoço. Gostava muito de pescar, nadar, dançar, comia de tudo, passava 3 dias em casa e 15 dias pescando e agora passo o dia inteiro deitado na cama por causa das dores (choro). Minha vida é muito diferente de antes, eu não me incomodo com a traqueostomia, pois o que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer um (MAÇARICO). Eu não tinha lazer, sempre trabalhei muito e gostava de trabalhar, às vezes tinha 4 mil reais no bolso, das vendas das barracas, hoje só ganho moeda, tenho essa baiúca na frente de casa, gostava de dançar, tomar banho de igarapé, comia de tudo, principalmente peixe, os que eu mais gostava era Piramutaba e Dourada, hoje não como porque são de pele, só como pescada que não gosto muito. Minha comida passou a ser frango e carne, somente para dar o gosto na sopa, não posso nem mastigar porque entope a cânula, tenho que colocar o dedo na garganta para retirar o bolo de carne (BÓCA). A laringectomia total afeta diretamente o desempenho das atividades diárias, como pescar, nadar, falar contar história e o simples gesto de gargalhar, são ações do comportamento cotidiano que precisaram ser interrompidas, pois com procedimento realizado não há mais possibilidade de fazê-lo. O fato de estarem em lugares públicos causa preocupações nos adoecidos pela questão da tosse, em decorrência do som alto que produz e o acúmulo de secreção. Estar em lanchonete, ônibus, bares, entre outros, não é comum aos pacientes, visto que eles ficam incomodados com aos olhares das pessoas. Para todos os participantes as mudanças na vida social relacionaram-se ao fato de não poder trabalhar, ganhar o seu sustento. Concordamos com Barbosa e Francisco (2011) que perceberam que, muito embora os pacientes possam obter recursos governamentais, tais como a aposentadoria para prover as suas necessidades, o trabalho assume outra dimensão para além da subsistência, Resultados ______________________________________________________________ 70 apresentando-se, para a maioria dos entrevistados, como um modo de sentir-se útil e integrado socialmente. A mudança de vida para uma nova realidade envolve as atividades simples do dia a dia, como não ser capaz de falar ao telefone, as dificuldades sentidas em relação ambientes aos frios. cuidados Há com também o os estoma efeitos da no chuveiro, radioterapia poeiras e da ou cirurgia afetando o olfato, paladar e, consequentemente, o prazer de comer, limitando as saídas para fazer refeições em restaurantes e situações sociais com os amigos. Os sonhos e esperanças futuras foram perdidos ou modificados para caber dentro de suas novas limitações. O lugar dentro da família como provedor ou cuidador foi alterado, necessitando rever as metas da vida (DOOKS et al., 2012). O isolamento social está relacionado ao conceito de normalidade, o qual possui um conceito multidimensional. Além do comportamento do indivíduo, também são relevantes, por exemplo, as suas roupas, seus cortes de cabelo, seus adornos corporais, seu odor, sua higiene pessoal, sua postura, seus movimentos, seu estado emocional, sua expressão facial, seu tom de voz e seu uso da linguagem, todos são levados em consideração, bem como sua adequação a certos contextos e relacionamentos sociais (HELMAN, 2009). Diferentes crenças e religiões, situação familiar, profissional e econômica irão facilitar ou dificultar a reinserção do paciente na sociedade (QUEIJA et al., 2009). Diante do exposto, a laringectomia total proporciona uma mudança abrupta na vida social das pessoas, afetando o trabalho, as relações sociais, as alterações físicas, as práticas alimentares e as atividades de lazer, de forma que a vida do paciente não será mais a mesma e este não vê alternativa que não o isolamento social. A mudança de suas práticas culturais voltadas à alimentação e aos banhos de igarapé, em uma região cercada rios, foram muito sentidas por todos os participantes. 4.3.2 A experiência da imagem corporal 4.3.2.1 As dificuldades com a comunicação não verbal no contexto social No Hospital OphirLoyola, após a laringectomia total é rotina serem fornecidos Resultados ______________________________________________________________ 71 ao adoecido papel e caneta para que a comunicação seja estabelecida por meio da escrita. A escrita ameniza a ausência da voz, no entanto, o contexto social em que o adoecido vive deve ser levado em consideração, pelo simples fato de seus familiares não conseguirem ler e, algumas vezes, o próprio adoecido não é alfabetizado. A incapacidade da produção da fala é o maior desafio a ser vencido, não só pelo adoecido, mas também pela familia e profissionais de saúde, pois algumas vezes os adoecidos tentam falar e não são compreendidos. No início, eles têm que aprender a gerenciar o ar que vem do esôfago para respirar e falar. Nem sempre a voz sai com qualidade, isso causa-lhes frustração (DOOKS et al., 2012). Luna relatou a dificuldade de sair com um simples endereço escrito, pois as pessoas pensam que ele está pedindo esmola e, algumas vezes, nem lhe dão atenção. Esse fato limita o adoecido a conseguir desempenhar sua autonomia nas atividades diárias. A dificuldade de compreender os pacientes, não se restringe apenas aos familiares, a equipe de saúde também lida com esses problemas, exigindo paciência e tempo para comunicar seus pensamentos, dúvidas e preocupações, a incapacidade de falar é uma realidade muito estressante (BROOK, 2010). A apresentação da “doença” pelo paciente, verbalmente ou não, é um dos problemas da consulta, pois para que a consulta seja bem-sucedida deverá haver um consenso entre médico e paciente, no entanto, com a dificuldade na fala, a consulta poderá não atingir seu objetivo, ocasionando um sofrimento pessoal, sendo identificado no comportamento como, por exemplo, retraimento, silêncio, autonegligência, alterações de roupa, jejum, abuso de substâncias e violência (HELMAN, 2009). Quando saio com um papel escrito com o endereço de alguém as pessoas pensam que estou pedindo esmola, e não me dão atenção, fico triste uns dois ou três dia, mais depois fica tudo bem. Vou trabalhando isso no meu coração, dentro de mim, não peço a Deus para me ajudar a superar isso porque ele sabe as minhas necessidades, estou trabalhando isso na minha cabeça (LUNA). Um fato que chama a atenção é que os adoecidos ficam extremamente aborrecidos quando as pessoas não entendem o que eles querem falar, os mesmos atribuem esse fato ao desinteresse das pessoas em compreendê-los. Logo, os pacientes inseridos no meio social ganharam apelidos, como foi o caso de Matias, sendo conhecido como o “Homem que não fala” e “Psiu”, apesar de o mesmo relatar Resultados ______________________________________________________________ 72 que não se incomodava com os apelidos. Nesse caso, essas terminologias enfatizam algo negativo em relação à imagem das pessoas. A dificuldade na comunicação é uma das principais causas da piora na qualidade de vida e no bem-estar do adoecido, visto que provoca mudanças significativas nos aspectos afetivos e sociais, interferindo de maneira substancial no relacionamento interpessoal e familiar. Por consequência, o modo de viver dos envolvidos caracteriza-se pelo sofrimento e isolamento, podendo haver episódios de tristeza, desânimo e angústia, além da impaciência, quando não são entendidos por causa da dificuldade de comunicação (BETTINELLI; TOURINHO FILHO; CAPOANI, 2008). Quando saído hospital eu escrevia para me comunicar, porém um dia eu estava na janela e fui mandar um beijo para a vizinha, das outras vezes não saía o som, e neste dia saiu, então não escrevi mais, quem quiser me entender que se vire. Fico com raiva quando dizem que não estão entendendo, porque o médico disse que eu falo, me dá vontade de dar um muro. Sou conhecido na rua como o homem que não fala, meus amigos me apelidam de “psiu” porque é assim que chamo atenção das pessoas (MATIAS). Um divisor de águas na minha vida foi a laringe eletrônica, minhas sobrinhas pesquisaram para mim onde vendia esse aparelho e compraram, antes de tê-lo eu vivia isolado, pois ninguém me entendia, às vezes saía e voltava com a mão toda riscada, pois escrevia na mão quando não entendiam, ou saía com um papel escrito. Demorei uns dois meses para me adaptar, mas hoje conto até história com o aparelho (Laringe Eletrônica). Tem pessoas que ficam curiosas e entendem o que eu falo pela Laringe Eletrônica, outras pessoas não conseguem entender, isso me deixa aborrecido (TIO). Meus amigos se afastaram, somente uma vizinha conversa comigo, eu disse para um amigo olhar para minha boca que ele ia conseguir entender, ele me disse que não ia ficar olhando para a boca de homem, isso me deixou triste, as pessoas hoje estão sem paciência (PAULÃO). À volta para casa foi muito difícil, estava com uma sonda e sentia muita fome, toda hora queria comer, minha mulher ficava aborrecida, pois ela ainda cuida de minha filha que é especial e tem 50 anos, ela não tinha tempo para fazer nada, até que aprendi a fazer minha própria comida. Ela não me entendia e ás vezes nem me entende também, quando eu falava, isso me deixava aborrecido, não podia nem escrever porque ela não sabe ler (CABOQUINHO). As dificuldades não acontecem somente na habilidade de comunicação, mas também nos cuidados diários com a limpeza da cânula de traqueostomia, cuidados com a entrada de poeira pela cânula e na alimentação com a sonda nasogástrica. Neste estudo todos participantes já haviam se alimentado por sonda no pósoperatório, porém as alimentações deles atualmente eram batidas no liquidificador Resultados ______________________________________________________________ 73 ou tomavam somente sopa, pois alimentos sólidos podem obstruir a cânula de traqueostomia. Essa rotina diária contribui para o isolamento e para a depreciação da imagem corporal e autoimagem desses adoecidos. A adaptação começa após a experiência traumática de enfrentar uma doença com risco de vida, com tratamentos complexos e complicados que requerem a resposta do sujeito ao estresse resultante e cujo tratamento é estressante. No entanto, a maioria dos pacientes tem sintomas difusos e respostas diferenciadas ao tratamento, que os desestabiliza e gera sofrimento, afetando adversamente sua capacidade de adaptação (BLANCO-PIÑERO et al., 2014). Assim, por esta unidade de sentido compreendemos a importância da comunicação nas relações sociais, sendo esta um elemento-chave no desenvolvimento da autonomia do ser humano. A necessidade de adaptação a essa nova realidade é um processo lento, o qual depende exclusivamente do paciente e, por não ter uma resposta imediata, acarreta no abandono do tratamento de reabilitação vocal ou dos exercícios vocais, que não são realizados com frequências, repercutindo em sofrimento para pacientes e familiares, pois as necessidades diárias não serão satisfeitas. 4.3.2.2 Imagem corporal As transformações ocorridas com a imagem corporal, no decorrer do adoecimento, tornam-se mais evidentes no pós-operatório. Nessa fase, agregadas à afonia, o adoecido apresenta alterações físicas e fisiológicas que despertam a atenção e curiosidade das pessoas. As cicatrizes nas regiões supra e infra-hioidea e parotídea são difíceis de mascarar, o cansaço ao tentar falar, o desconforto na execução das atividades cotidianas, a eliminação de secreção pela cânula de traqueostomia involuntariamente, a proteção da traqueostomia contra a poeira e a tosse chamam a atenção em lugares públicos pelo som alto que produzem, e contribuem para a perda de autonomia. Alguns participantes se sentiam mutilados, pois perderam uma parte do seu corpo, estavam limitados para sair dos seus lares devido à preocupação com os Resultados ______________________________________________________________ 74 olhares da outras pessoas e com o julgamento que fariam deles, uma vez que essas mesmas pessoas não conheciam suas histórias e eles não conseguiriam explicar. Em estudo realizado em Taiwan com pacientes do sexo masculino, estes não relataram grandes preocupações relacionadas à sua imagem corporal devido às normas sociais da cultura tradicional chinesa de não expressar sentimentos sobre a aparência. No entanto, a afonia foi associada a uma imagem corporal negativa, como uma das consequências mais graves do câncer de hipofaringe e laringe. Porém, em casos de visível desfiguração poderão ser afetadas as interações sociais, diminuindo o controle sobre encontros com outros (CHEN et al., 2015). Em outro estudo, realizado no Texas, a qualidade de vida dos participantes relacionada ao bem-estar físico, funcional, social e emocional mostrou-se prejudicada quando associada a preocupações com o corpo (associado á fala, ao comer ou aparência física). Esse estudo revela a importância da qualidade de vida quando incorporada não só em partes específicas do corpo, mas também nos aspectos mais globais de funcionamento (FINGERET et al., 2012). Os autores ainda reforçam que a imagem corporal pode ser afetada por uma ampla gama de experiências relacionadas ao corpo. Na amostra analisada por eles, perceberam no relato dos pacientes preocupações com a dificuldade de comer, afetando a experiência com a imagem corporal, exclusivamente com a aparência física. Isso teve um efeito aditivo na concepção da alteração de imagem corporal com as limitações funcionais, contribuindo para a piora da imagem corporal. Percebemos com esses dois estudos que há uma divergência de valores culturais entre países ocidentais e orientais no que diz respeito à importância da imagem corporal. Diante desse contexto, temos que o ser humano possui, simbolicamente, dois corpos: um corpo individual (tanto físico quanto psicológico), adquirido ao nascer, e um corpo social, necessário para se viver dentro de uma dada sociedade e grupo cultural. Este último é uma parte essencial da imagem corporal, pois fornece a cada pessoa uma moldura para perceber e interpretar as experiências físicas e psicológicas. Ele também é o meio pelo qual o funcionamento físico dos indivíduos é influenciado e controlado pela sociedade em que eles vivem. A sociedade molda e Resultados ______________________________________________________________ 75 controla os corpos dentro dela (HELMAN, 2009). A imagem corporal derivada da sociedade não é realmente externa ou separada do corpo individual nem de sua realidade física. Csordas (2008) destaca que o corpo e a cultura (como o corpo e a mente) não estão realmente separados um do outro. Em grande parte, os indivíduos corporificam a cultura em que vivem. Suas sensações, suas percepções, seus sentimentos e outras experiências corporais são padronizados culturalmente, como é a consciência do corpo em relação a outros corpos dentro daquela sociedade e o modo como ela se relaciona com eles. Só fui me olhar no espelho, há uns três meses, pois o buraco (traqueotomia) ficou muito grande, o médico disse que foi porque demorei a tirar a traqueostomia, tinha medo que fechasse o buraco. Tenho vergonha, quando saio na rua e as pessoas ficam olhando... Uso sempre o pano (babador), pois, além de esconder, não deixa que a secreção espirre muito longe. Minha esposa diz que eu sou mudo, eu fico chateado, porque não sou mudo, eu falo (IRAN). Passo a imagem de um homem que não fala, as pessoas ficam olhando e querem que eu explique o que aconteceu, como posso explicar? Se eu não falo, só digo que operei. Não escondo porque não vai adiantar nada, tenho que ficar com isso para o resto da vida. Não ligo para a cicatriz, o problema era ficar com isso ou morrer (CABOQUINHO). O fato de a cânula ou o estoma ficarem expostos causava incômodos nos participantes, pois chamava a atenção das pessoas e das crianças também. Uma situação ocorreu durante a pesquisa de campo, o informante Tio estava falando com a laringe eletrônica, algumas crianças estavam próximas e pararam para observá-lo. Quando ele terminou de falar, elas indagaram: “É por aí que ele fala?”. O paciente Ceará também relatou fato semelhante sobre a curiosidade das crianças. É interessante colocar que alguns adoecidos relatam que as crianças os compreendem melhor do que os cuidadores. Me sinto feio com isso (traqueostomia), porque tenho que ficar com isso no pescoço, quando tirarem vai ficar só um buraco, vou ter que levantar a camisa para esconder, as pessoas ficam olhando e não sabem da minha história. Elas olham e eu não posso fazer nada, as crianças ficam me perguntando se eu não falo. É muito difícil ouvir as pessoas falando e não poder falar (CEARÁ). Chuíra buscava a conformação, pois era portador da diabetes e quase perdeu o membro inferior direito em decorrência desta doença; teve que amputar o hálux direito. Relatou que preferia ainda ter a autonomia de poder andar do que de falar. Resultados ______________________________________________________________ 76 Em estudo realizado por Bailey et al. (2015), observamos que os pacientes desenvolvem um conflito pessoal para a aceitação do corpo, de modo que chegam a um acordo entre seu corpo e as incapacidades, ou seja, eles concentram suas perspcetivas positivas nos membros não afetados pela enfermidade. Preciso ter a garganta furada para ter o fôlego, se tirasse isso ia fechar, eu conseguiria falar. É ruim ter a garganta furada porque eu quero conversar e não posso. Me sinto mutilado porque tiraram uma parte de mim, sinto um vazio e por isso não consigo fazer as coisas, não consigo nem espirrar. Pelo menos ainda posso andar, perdi dois dedos do pé por causa do diabetes, hoje tenho dificuldade de caminhar muito, porém consigo me movimentar (CHUÍRA). No caso de Bóca, houve um aumento exacerbado do tumor fazendo com que, após a retirada da traqueostomia, a cicatriz, a língua e a cânula ficassem mal posicionadas. Ele utilizava um babador assim como Iran, que ficou com um estoma muito grande. Tio ficou tão incomodado com a cânula de traqueostomia que a arrancou, ficando somente o estoma. Paulão, que ficava aborrecido com os olhares curiosos, pediu até uma cânula da cor de sua pele morena para não chamar tanta atenção. As contradições são percebidas nas ações dos participantes quando diziam que não se importavam com a imagem. Porém, utilizavam pomadas para esconder a cicatriz, retiravam a cânula ou queriam ter a escolha de uma cânula da cor de sua pele. Essas atitudes contraditórias podem prejudicar o processo de reabilitação dos pacientes, visto que geram comportamentos de baixa autoestima, isolamento social e dificuldades nos relacionamentos sociais. Essas atitudes são influenciadas pelos sentidos atribuídos à doença, à sua idade e às suas características sociais (HANNICKEL et al., 2002). Não tenho vergonha dessa cicatriz, mas eles cortaram todo o meu pescoço, no início ela aparecia muito, ganhei um tubo de cicatricure, e ficava passando para amenizar a cicatriz, só que acabou, se eu ganhasse outro iria usar. Agora tenho que andar com este pano para cobrir a traqueostomia, pois quando a colocaram estava normal, mais depois que tiraram o tumor não ficou legal, a traqueostomia ficou torta, minha língua ficou mal posicionada, quando ponho ela para fora, ela sai torta, minha pele do pescoço ficou toda incriquilhada (engilhada), queria fizessem uma operação para troca de cabeça por outra, já que estão operando tudo. Ainda vou fazer uma cirurgia, retirar duas hérnias, uma no abdômen e outra no testículo, apareceu de tanto eu fazer força para tossir, só vou fazer quando terminar a radioterapia, as hérnias estão muito grandes (BÓCA). Resultados ______________________________________________________________ 77 A cânula chamava atenção, as pessoas olhavam e se afastavam. As pessoas saíam de perto de mim no ônibus, elas ficavam me olhando, até que arranquei a cânula. Só gostava quando me davam a vez nas filas (risos). Sentia vergonha, hoje não sinto mais, porque as pessoas ficavam olhando, se levantavam de perto de mim, eram poucas que me davam lugar no ônibus (TIO). As pessoas me olham com estranheza e me incomoda, porque pensam que isto (traqueostomia) é objeto de beleza, quando elas me olham eu olho para elas também, entendo que é curiosidade, para mim é um objeto de necessidade, pois preciso para respirar, pedi ao médico para arrumar uma marrom para combinar com minha pele, assim não chamaria atenção das outras pessoas, ele me respondeu que precisa ser de metal pois não atrai mosquito (PAULÃO). Me sinto feio com isso (traqueostomia), porque tenho que ficar com isso no pescoço, quando tirarem vai ficar só um buraco, vou ter que levantar a camisa para esconder, as pessoas ficam olhando e não sabem da minha história. Elas olham e eu não posso fazer nada, as crianças ficam me perguntando se eu não falo. É muito difícil ouvir as pessoas falando e não poder falar (CEARÁ). A cultura e o contexto nos quais crescemos nos ensinam a perceber e a interpretar as alterações que podem ocorrer com o tempo em nossos próprios corpos e nos corpos das outras pessoas. Aprendemos a diferenciar um corpo jovem de um velho, um corpo doente de um saudável, um corpo apto de um incapacitado; a definir uma febre ou uma dor, um sentimento de inadequação ou de ansiedade; a perceber algumas partes do corpo como públicas e outras, não; a encarar algumas funções corporais como socialmente aceitáveis e outras como moralmente impuras (HELMAN, 2009). A imagem corporal é adquirida pelo indivíduo como parte de seu crescimento em uma dada família, cultura ou sociedade e tem variações individuais na sua conceituação e avaliação. Os conceitos de imagem perpassam sobre quatro principais áreas: crenças sobre a forma e o tamanho ideais do corpo, incluindo as roupas e ornamentação de sua superfície; limites do corpo; a estrutura interna do corpo; e o funcionamento do corpo (HELMAN, 2009). A adaptação à alteração da imagem corporal é um dos principais desafios para os adoecidos, pois necessitam de tempo para aceitar a sua mudança fisica, antes de se sentirem fortes o suficiente para lidar com as reações dos outros. Os pacientes compartilham sentimentos de sofrimento por não serem "normais", terem um orifício no pescoço (DOOKS et al., 2012). Portanto, o sentido da imagem corporal para laringectomizados totais é o de ser diferente e está relacionado à cicatriz da cirurgia, à presença da cânula de Resultados ______________________________________________________________ 78 traqueostomia ou o estoma, e à impossibilidade de dizer às pessoas o motivo do adoecimento. Dessa forma, a diferença da imagem do paciente laringectomizado total não passa despercebida em meio às pessoas, sua imagem corporal alterada desperta curiosidades e sensações de mal-estar nas outras pessoas, o que lhe faz sentir vergonha, reduzindo sua autoestima. Considerações Finais _____________________________________________________ 79 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como objetivo analisar os sentidos atribuídos à imagem corporal de pacientes laringectomizados totais a partir da sua cultura. Para isso, empregamos o referencial teórico da antropologia interpretativa e antropologia médica, com vistas apreender de que a forma a cultura influenciou no enfrentamento da doença e na imagem corporal alterada. A caracterização socioeconômica e cultural dos 11 laringectomizados do sexo masculino, na faixa etária de 55 a 79 anos, em sua maioria casados, de distintas profissões, enfrentaram o adoecimento e como se comportaram diante da reabilitação, com suas limitações funcionais e físicas. Duas unidades de sentidos foram apreendidas, que são experiência da doença e experiência com a imagem corporal. A primeira relacionada aos sinais e sintomas, e tratamento do câncer de laringe, quando o sentido dos sinais e sintomas da doença estão relacionados à rouquidão, afonia e febre, contribuindo para um diagnóstico tardio, pois tratam-se de achados relacionado a patologia de menor gravidade. O tratamento de primeira escolha levando em consideração o estadiamento do tumor foi a laringectomia total para 10 participantes, e apenas um realizou a radioterapia primeiro, porém o estado clínico do participante agravou-se sendo necessário realizar o procedimento cirúrgico radical. O segundo sentido correspondeu à importância da fé religiosa e família, as quais são redes de apoio importantesno processo de enfrentamento da doença, proporcionando um sentimento de paz, segurança e motivação, para superar as limitações provenientes da doença. As mudanças sociais correspondem ao terceiro sentido relacionado à experiência da doença, o tratamento empregado no câncer de laringe, afetou sobremaneira as atividades diárias dos participantes, principalmente no que concerne a liberdade de ir e vir, pois eles são impossibilitados de trabalhar, para sair precisam cobrir a região do traqueostoma protegendo-o contra a poeira, as práticas alimentares são alteradas, e uma situação que chama atenção é o impedimento de banhar-se em rios e igarapés, visto que residimos em uma região cercada de rios. Diante de tantas mudanças, os participantes sentem-se prisioneiros em seus lares, o que tem por consequência o isolamento social. Considerações Finais _____________________________________________________ 80 A unidade de sentido imagem corporal, apresenta o primeiro sentido relacionado à dificuldade na comunicação não verbal, a qual os participantes após a cirurgia sentem-se obrigados a comunicar-se por meio da escrita, uma vez que a voz esofágica ainda não foi desenvolvida de forma adequada, a comunicação é extremamente importante, pois favorece as relações de trabalho, sociais e familiares, contribuindo para a autonomia do individuo. O sentido atribuído a imagem corporal está relacionada ao fato de se sentir um ser diferente, em virtude da cicatriz da cirurgia, da presença da cânula de traqueostomia ou o estoma, e do reflexo da tosse que atrai a atenção das pessoas pelo som forte e pelo acúmulo de secreção. A vergonha, o sentir-se mutilado e a designação de sentir-se feio foram os sentimentos expressados pelos participantes, o que reforça a depreciação com a imagem corporal reduzindo sua autoestima. Este estudo não tem a pretensão de trazer um modelo para execução de técnicas, porém possibilita a reflexão sobre a forma como os profissionais de saúde, em especial o enfermeiro, podem otimizar a assistência de enfermagem, de forma a atender as necessidades dos pacientes e familiares, considerando suas crenças, valores e meio social. Como pensado por Oelke, Lima e Costa (2015), sobre a implementação da translação de conhecimento no Brasil, como um processo interativo e dinâmico, entre criação do conhecimento e desenvolvimento das ações, ou seja, por meio do conhecimento gerado pelos resultados das pesquisas, auxiliará a tomada de decisões e mudanças na política, prática e prestação de serviços de saúde. Como limitação do nosso estudo tivemos, o tempo para a realização das entrevistas, pois cada participante era entrevistado no mínimo duas vezes, o que dificultou agregar outros participantes, inclusive mulheres, no decorrer deste estudo, somente um mulher foi abordada para participar porém a mesma se enquadrou nos critérios de seleção. Portanto, sugerimos a continuidade e aprofundamento deste estudo, nas diferentes áreas da saúde, de modo que os resultados sejam confrontados com a realidade de outros profissionais, de modo que seja feita uma reflexão sobre as condutas adotadas para a reabilitação dos laringectomizados totais, visando a superação das inseguranças pertinentes ao desconhecimento da doença e proporcionando maior qualidade de vida aos pacientes. Considerações Finais _____________________________________________________ 81 O estudo aponta implicações para a assistência de enfermagem, pois cabe ao enfermeiro prestar uma assistência de enfermagem, que identifique as crenças, costumes e valores do paciente, buscando adequar o conhecimento cientifico a realidade social e cultural do mesmo, de forma que as dificuldades físicas e funcionais sejam amenizadas. Referências _______________________________________________________ 82 REFERÊNCIAS ALMEIDA FILHO, N.; COELHO, M.T.A. Conceitos de saúde em discursos contemporâneos de referência científica. Hist. Ciênc.Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 315-33, maio-ago. 2002. ALVES, D. et al. Cultura e imagem corporal. Motricidade, Santa Maria da Feira (PT), v. 5, n. 1, p. 1-20, 2009. AMERICAN CANCER SOCIETY. Cancer facts and estatistics. Atlanta: American Cancer Society, 2014. Disponível em: <http://www.cancer.org/research/index>. Acesso em: 28 jul. 2014. ______. 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A primeira está relacionada ao perfil sociocultural, a qual contém perguntas sobre: idade, número de filhos, religião, estado civil, se tabagista e etilista, grau de escolaridade, renda e cor/raça; e a segunda parte é composta de questões sobre sua vida antes e depois da cirurgia. As entrevistas serão realizadas em sua residência, com dia e hora marcados, de acordo com a sua disponibilidade. No intuito de acompanhar sua rotina diária, caso você tenha compromissos agendados no dia da entrevista, tais como: ir ao mercado, igreja, atividades de lazer entre outros, gostaríamos também de acompanhá-lo para observar como realiza essas atividades, fazendo anotações em um caderno a respeito desse momento. A entrevista só será gravada se você autorizar, caso contrário, suas respostas serão registradas por escrito em um caderno. Caso não saiba alguma pergunta ou lhe cause constrangimento, você terá liberdade de não responder. Para evitar a preocupação de que seus dados sejam divulgados indevidamente, ou seja, expondo seus dados pessoais, deixamos claro que as informações obtidas serão utilizadas somente nesta pesquisa e guardadas por cinco anos e que na divulgação dos resultados seu nome não irá aparecer, pois utilizaremos um “apelido” conforme sua escolha. Os resultados poderão ser apresentados em eventos científicos ou outro meio de comunicação e publicados em Apêndices_________________________________________________________ 90 revistas. Sua participação no estudo é muito importante, pois através dos relatos poderemos proporcionar um cuidado direcionado às principais inquietações do paciente laringectomizado total, no perioperatório. Esta pesquisa não lhe causará risco algum e a qualquer momento você pode desautorizar os pesquisadores de fazerem uso das informações obtidas ou afastar-se da pesquisa, e todo o material gravado e/ou anotado lhe será devolvido. Não há despesas pessoais para você em qualquer fase do estudo. Este trabalho será realizado com recursos próprios dos pesquisadores. Não haverá nenhum pagamento por sua participação. Se tiver dúvidas ou desejar esclarecimentos sobre a pesquisa poderá fazer contato com os responsáveis: Érika Xavier: 98873 6070, você também poderá entrar em contato com a orientadora: Mary Elizabeth: 99146 5969. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE APÓS ESCLARECIMENTO: Declaro que li e/ou ouvi o esclarecimento acima e compreendi as informações que foram explicadas sobre a pesquisa. Conversei com a coordenadora e/ou os pesquisadores do projeto sobre minha decisão em participar, autorizando a gravação da entrevista (se for o caso), ficando claros para mim quais os objetivos da pesquisa, a forma como vou participar, os riscos e os benefícios e as garantias de confidencialidade e de esclarecimento permanente. Ficou claro também que a minha participação não tem despesas e nem receberei nenhum tipo de pagamento, podendo tirar o meu consentimento a qualquer momento, sem penalidades ou prejuízos. Concordo voluntariamente em participar desse estudo assinando este termo em duas cópias, e uma ficará comigo. Local _________________________________________ ___________________________________________ Assinatura do responsável ou seu responsável RG:_________________ ______________________________________________ Assinatura do responsável por obter o consentimento RG:_________________ Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Pará, End: Trav. Perebebuí, 2623 CEP66087-670 Fone (091) 3131-1704. Apêndices_________________________________________________________ 91 Apêndice B – Roteiro de entrevista ROTEIRO DE ENTREVISTA 1ª PARTE: PERFIL SOCIOCULTURAL DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA DATA:______________________________________________________________ NOME FÍCTICIO:_____________________________________________________ Diagnóstico:________________________________________________________ Tempo de diagnóstico:________________________________________________ Idade:_________ Cor/raça:( ) Branca; ( )Parda; ( )Amarela; ( )Negra; ( )Indígena. Naturalidade:____________________________________________________ Estado civil:( ) Casado; ( ) Solteiro; ( ) Viúvo; ( ) Desquitado; ( ) Vive maritalmente; ( ) Separado de fato. Filhos:( ) Sim(;) ( ) Não Quantos: _____ Fumante:( )Sim(;) ( )Não Drogas ilícitas:( )Sim; ( )Não Bebida alcoólica:( ) Sim ( ) Não Grau de Escolaridade: Ensino Fundamental: Completo ( ) Incompleto ( ) Ensino Médio: Completo ( ) Incompleto ( ) Ensino Superior: Completo ( ) Incompleto ( ) Analfabeto ( ) Renda: Renda própria (RP) e/ou familiar (RF): ( ) Somente RP; ( )Tem RP e RF. Renda mensal (em salários mínimos): ( ) menos de 1sm; ( )1 sm; ( )2 sm; ()3sm; ( )4 sm; ( )5 sm; ( )De 5 a 10 sm; ( )Mais de 10 sm. Seguridade social para saúde: ( ) SUS; ( ) Plano de saúde; ( )Seguro de saúde. Religião: ( ) Católica; ( )Batista; ( )Assembleia de Deus; ( ) Universal do Reino de Deus ( ) Adventista ( ) Espírita Kardecista; ( ) Candomblé; ( ) Umbanda; ( ) Outros: ___________________________________ Apêndices_________________________________________________________ 92 2ª PARTE: ROTEIRO DE ENTREVISTA 1. O que foi saber que tinha esta doença e ter que fazer a cirurgia? 2. Por que teve esta doença? 3. Contaram para você como ia ficar depois da cirurgia? 4. Como está sua vida agora? O que fazia agora que não faz mais? 5. O que você pensa sobre ter a traqueostomia e a cicatriz no pescoço? O que você acha que as pessoas pensam sobre isso? O que você faz para disfarçar as mudanças no seu rosto? Isto ajuda? 6. Houve outras mudanças na sua vida depois da cirurgia (atividades sociais, alimentação, atividade sexual, etc.)? 7. O que é importante para você agora? 8. O que ajuda você a lidar com as mudanças no corpo? ROTEIRO DE PERGUNTAS SUBSEQUENTES ELABORADAS CONFORME RELATOS DA PRIMEIRA ENTREVISTA 9. O sr. se considera mutilado? Por quê? 10. O sr. se acha feio ou bonito depois da cirurgia. Por quê? 11. O que o sr. acha que Deus quis lhe mostrar com essa doença? 12. Como o sr. se sentia em ficar rouco e ter que se comunicar com as outras pessoas? 13. O sr. procurou outras formas de tratamento que não a médica? 14. Se a medicina não tivesse avançado, como o sr. estaria hoje em dia? O sr. acha que estaria se comunicando comigo? 15. Por que o sr. diz que a traqueostomia é um objeto de beleza? 16. Se desse para o sr. voltar a trabalhar ou fazer outras atividades e tivesse que mostrar para todo mundo o “buraco” que ficou da cirurgia no pescoço, como o sr. se sentiria? 17. Porque o sr. ainda está lutando? 18. O sr. acredita que foi o cigarro que ocasionou o câncer? Por quê? Se o sr. ficasse curado, ainda fumaria? 19. O sr. já se olhou no espelho depois da cirurgia? O que o sr. sentiu? Quanto Apêndices_________________________________________________________ 93 tempo demorou? 20. O que o sr. faz para esconder o “buraco” do pescoço? 21. Há uma passagem na Bíblia que diz: “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança”, o sr. acha que agora está diferente da imagem e semelhança de Deus? ANEXOS Anexo A - Termo de consentimento do Hospital Ophir Loyola Anexos ___________________________________________________________ 96 Anexo B - Autorização do Hospital Ophir Loyola Anexos ___________________________________________________________ 97 Anexo C - Re-autorizaçãodo Hospital Ophir Loyola Anexos ___________________________________________________________ 98 Anexo D - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da UEPA Anexos ___________________________________________________________ 99 Anexos __________________________________________________________ 100 Anexos __________________________________________________________ 101 Anexos __________________________________________________________ 102 Anexo E - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do HOL Anexos __________________________________________________________ 103 Anexos __________________________________________________________ 104 Anexos __________________________________________________________ 105