78. Poliane da Paixo G. Pinto e Rodrigo Santos M. Oliveira

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UMA ANÁLISE DOS EFEITOS DAS PRÁTICAS MÁGICAS A PARTIR DA
OBRA AS TRAQUÍNIAS, DE SÓFOCLES.
Pós graduando Poliane da Paixão G. Pinto- UFG
[email protected]
Graduando Rodrigo Santos M. Oliveira- UFG
[email protected]
A Antiguidade, de um modo geral, é marcada pela diversidade cultural e
religiosa, pertinente ao forte contato entre os diversos povos. Oriente e Ocidente, se
fundem na compreensão de um determinado mundo Antigo, no qual, percebemos
assimilações e repulsas acerca de algumas práticas. Entre tais práticas, podemos
destacar a magia. Encarada nos dias atuais, como falsa no que tange sua eficácia,
encontrava em sua prática na Antiguidade, medo e curiosidade. Destacamos aqui
como esta era percebida no conceito greco-romano, e ainda sua utilização pelas
mulheres, camada social em destaque dentro desta prática. Por isto utilizaremos a
obra As Traquínias, de Sófocles, para podermos entender tal utilização pelo feminino.
Antes de adentrarmos em nossa análise, temos que entender o porquê deste
estudo. O estudo da magia na Antiguidade, para o historiador contemporâneo, se
torna um trabalho de imensas dificuldades, já que percebemos uma preferência da
Igreja Católica durante a Idade Média, por preservar documentação com tais estudos.
Mas mesmo assim, encontramos diversos escritos que contém portas que nos dão
passagem à uma compreensão mesmo que parcial desta prática. A magia começou a
ser associada a demonização e, por isso, seu conhecimento e registros, foram
descartados em mundo que predominava uma cultura cristã.
De acordo com Richard Gordon (2004, p.15), a magia era algo intrínseco a
rotina. Mesmo que apresentada desta maneira, a arte mágica não pode ser tida como
algo uniforme, pois assim como o autor apresenta, ela mudava com o passar do
tempo, devido as novas interações ocorridas com povos diversos.
A magia se tornava ilícita quando negava as tradições e ainda desordenava o
espaço tempo das cidades antigas. Neste ponto se faz necessário diferenciar o que
entendemos como magia e como religião. Mesmo que ambas, em muitos momentos
se tornem presentes juntas, não podemos defini-las como algo único. Desta maneira,
abrimos para a compreensão do macro e do micro individual humano. A diferenciação
do que seriam magia e religião, nos deixa claro como eram assimilados estes saberes.
De acordo com Daniel Ogden (2004) a magia respondia a um processo individual
humano, enquanto a religião rendia culto ao superior (deuses) e se portava de forma
coletiva. Por isto, a magia tornava-se ilegal, já que não se ligava a nenhum culto
obrigatório a alguma divindade e, na maioria dos casos, era feita nas trevas, ou seja,
secretamente.
Em muitos casos esta magia é associada as mulheres. A mulher não se
mostra como submissa ao poder patriarcal exerce sim estratégias de afirmação social,
burlando os mecanismos de opressão como é o caso de algumas personagens
femininas como a própria Dejanira (nossa personagem central) entre outras. A magia
está intrinsecamente ligada à ação feminina dentro da obra. Richard Ogden (2004),
em seu estudo sobre as placas de maldição, propõe que o ato de amaldiçoar está em
extrema conexão com a figura da mulher, analisando que tal ação se associa a
natureza feminina, pois foram encontradas inúmeras placas com inscrições de nomes
femininos. O enredo da tragédia mostra-nos, assim como propôs Ogden, a forte
presença da magia associada às mulheres, no entanto, a explicação de tal fato pelo
conceito de “natureza” nos parece, no mínimo estranho, pois concebemos as ações
femininas como sendo práticas de poder.
A partir disto, iniciaremos a análise das práticas mágicas, na obra As
Traquínias, escrita pelo tragediógrafo Sófocles. Este autor realizou suas produções
trágicas em um momento de bastantes transformações no contexto ateniense.
Inicialmente o tragediógrafo conviveu no período em que certo otimismo pairava sobre
os moradores da pólis de Atenas, que havia participado das guerras Greco Pérsicas, e
se aliará a Esparta, e a outras cidades gregas, contra os Persas. Atenas se considera
como a grande vitoriosa por ter liderado as últimas batalhas (de Salamina e de
Platéia). Neste contexto de exaltação as vitórias da pólis, Sófocles produz As
Traquínias, obra que, segundo Albin Lesk (1990, p.121), foi escrita e representada
entre os anos de 420 e 410 a.C.
A narrativa da peça se centra nos acontecimentos dos últimos momentos da
vida do herói Héracles no qual encontraremos dois focos: um no próprio herói, e outro
em sua companheira, Dejanira. O enredo se inicia na espera ansiosa da esposa pelo
herói que estava a realizar os últimos de seus trabalhos. Aqui nos centraremos na
questão da imagem que é construída de Dejanira, pessoa que será instrumento do
destino por realizar através de práticas mágicas a ação de dar fim a vida de Héracles.
Sabendo que as peças trágicas eram representadas nas poléis, é corrente
encontrarmos nestas narrativas ações que buscam ordenar o espaço público que se
encontra em desordem. Geralmente quem possui essa função de organização é o
herói. Quando Dejanira tenta realizar a mesma ação, cai em uma armadilha do
destino, levando os acontecimentos ao desfecho trágico. Desde o inicio da peça,
Dejanira não apresenta atitudes que cabem a uma pessoa livre, chegando a receber
conselhos de uma escrava, como diz no seguinte trecho:
Escrava:
Dejanira, minha ama, muitas são já as vezes que te vejo desfeita em
lágrimas e gemidos, chorando a ausência de Héracles. Agora ,
porém, se é lícito chamar à razão homens livres por meio de
conselhos de escravo, necessário torna-se, pois, que eu te fale das
tuas aflições. (SÓFOCLES, v. 49 – 54)
Assim quando Dejanira, como uma pessoa livre, aceita o conceito de uma
escrava, demonstra sua fragilidade, pois em momentos de crise segue conselhos de
pessoas com procedência duvidosa. Esta ação não é correta aos pertencentes da
polis, pois quando se segue conselhos tolos, a desordem é instaurada.
Outra falha de Dejanira está no fato desta tentar ir contra o destino que lhe foi
revelado por oráculos:
Dejanira:
Que estarias prestes a alcançar o fim da sua vida ou então no caso
de levar a bom termo esse trabalho, viveria depois feliz o resta da sua
existência. (SÓFOCLES, v. 79 – 81)
Após uma extensão de versos, que caracterizam a espera de Dejanira por
Héracles, e consequentemente sua fragilidade, por volta do verso 350 o mensageiro
revela a verdade a esposa: seu amado havia realizado alguns trabalhos à uma rainha
da Lídia, Ônfale, e após estes labores partiu para a invasão da Eubéia pela jovem Iole,
que seria a nova companheira de Héracles. Depois dessa revelação Dejanira começa
a pensar na maneira de mudar o desfecho. Neste momento, ela abandona de vez as
características de uma moradora livre da polis, pois alcança à ira, e reconhece que
esta ação não é correta:
Dejanira:
Estes são os meus receios: que Héracles, meu esposo de nome, o
seja de fato daquela jovem! Mas, como disse, a ira não é própria de
uma mulher sensata, e possuo a esperança de uma solução que vos
direi. (SÓFOCLES, V.549-554)
Mas mesmo sabendo que sua atitude não era de uma mulher sensata, Dejanira
opta por agir com insensatez usando o sangue do centauro Nesso, que foi morto por
Héracles por tentar raptar sua esposa, com uma flecha envenenada com o sangue da
Hidra de Lerma. Aqui chegamos ao objetivo de nosso texto, depois de mostrar todos
os passos da esposa do herói, que demonstra sua natureza fraca e, portanto
insensata diante das situações de crise, Dejanira se vendo sem ação, a qual pudesse
mudar os rumos dos acontecimentos parte para a realização de práticas mágicas, que
vão contras as leis atenienses, como diz Maria do Céu Zambujo Fialho, em uma nota
de tradução da obra. Segundo Dereck Collins (2009, p.200), em sua obra Magia no
Mundo Grego Antigo, no tópico em que trata da magia na lei grega e romana, a
utilização de philtron para aumentar a feição do esposo ou amante, possuía uma
quantidade de indícios considerável no Período Clássico até a Antiguidade Tardia,
levando punição aquele que utilizasse do artificio com o intuito de levar a morte ao
companheiro. Por mais que fosse uma prática comum, na tragédia, Sófocles não
apresenta uma imagem positiva da prática, pois está possuía uma solução incerta,
levando ao fim trágico daqueles que decidem agir por tais meios.
Perante isso, Dejanira resolve aplicar o sangue do centauro, que seria usado
como filtro amoroso, em uma túnica que daria de presente a Héracles, mas antes esta
revela ao coro de mulheres de Tráquis, quais eram suas intenções e sua compreensão
quanto às práticas. Mesmo entendo-as como uma arte negativa a utiliza para atingir o
seu objetivo, o que poderia trazer a vergonha ao autor, como diz no trecho:
Dejanira:
Longe de mim saber ou instruir-me em ousadias criminosas, e às que
as praticam tenho horror. Mas se, por ação de uns filtros, de
sortilégios que prendam Héracles, eu puder prevalecer sobre ela,
sobre a jovem, está pronta a obra – se o ato não vos parece
temerário; caso contrário, desistirei!
(...)
Que apenas convosco fique guardado o meu segredo. É que as
ações vergonhosas, quando na sombra permanecem, não fazem
morrer de vergonha o seu autor. (SÓFOCLES, v. 582 – 589)
Depois de ter enviado a túnica, com sangue, Dejanira se desespera por
perceber que algo estava errado, pois o local onde o sangue antes estivera, “brota
uma espuma granulosa” (SÓFOCLES, v. 703). Então esta reassume sua posição de
mulher sensata e aconselha o abandono de práticas mágicas duvidosas, que tem as
“ações de resultado incerto” (SÓFOCLES, v. 671). Quando é informada que Héracles
sofria das dores de seu presente apenas sai em silêncio, não se alterando nem agindo
por sentimentos tolos, apenas tirando sua vida na companhia somente de sua
escrava, e levando a culpa das duras palavras do seu filho Hilo. Diferentemente da
imagem apresentada anteriormente Dejanira não fala tolamente, e segue o único
caminho que poderia trazer novamente a ordem, sua morte que é precedida pela
morte ritualística do herói, em uma pira no monte Eta (construída por seu filho) como
forma de se purificar.
Assim a ordem é restaurada com a morte de ambos, Dejanira e Héracles,
personagens responsáveis por trazerem a desordem ao ambiente da polis, mas que
reconhecem suas ações tolas e as abandonam. Vale ressaltar que o tragediógrafo não
coloca nem o herói, nem a esposa como tolos simplesmente, mas sim os apresentam
como seres livres que assumem posições de insensatez. No caso de Dejanira ao agir
através de práticas mágicas duvidosas, mostra sua fraqueza que já era percebida
perante suas ações geradas apenas pelos sentimentos e pelos conselhos recebidos
por escravos.
Concluímos com isto que as práticas indevidas da magia não eram bem vista
pelos gregos. Tal utilização deveria seguir um ritual pertinente a uma ordenação da
tradição e dos valores rememorados. Quando havia um afastamento deste propósito,
percebemos a presença de uma desordem apenas restaurada quando se volta à
ritualização devida. Dejanira desafia o Destino já traçado para seu amado Héracles,
por motivos egoístas e de paixão (outra forma condenável quando havia excesso),
caracterizando esta prática mágica como exclusiva para interesses individuais e não
para a manutenção da sua sociedade.
Desta forma, conseguimos compreender,
mesmo que de maneira não objetiva, a percepção no imaginário grego, do período de
confecção desta obra, de como se dava o entendimento e assimilação desta arte tão
ambígua, permitida em alguns momentos e negada em outros.
BIBLIOGRAFIA:
SOFÓCLES. As Traquínias, Trad. Maria do Céu. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1996.
COLLINS, Derek. Magia no mundo Grego Antigo. Tradução: Lúcia Sano. São Paulo:
Madras, 2009.
OGDEN, Daniel; LUCK, Georg; GORDON, Richard; FLINT, Valerie. Bruxaria e Magia
na Europa- Antiga Grécia e Roma. Tradução de Marcos Malvezzi Leal. São Paulo:
Madras, 2004
LESKY, Albin. A Tragédia Grega. Sao Paulo: Perspectiva, 1990.
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