RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS EM SOLOS QUARTZÍTICOS COM ESPÉCIES NATIVAS Daniel Negreiros; Fernando A. O. Silveira; Bernardo D. Ranieri; Tate C. Lana; Luiz G. Lima; Luzia M. Araújo; Ludmila Olandim; Celice A. Silva; G. Wilson Fernandes. Ecologia Evolutiva de Herbívoros Tropicais, ICB/UFMG, CP 486, CEP 30161-970 Belo Horizonte, MG. RESUMO In this pioneer study, we present solid data on the basic biology (seed germination, reproductive phenology, seedling growth, and tissue culture) of some native and endangered species of rupestrian fields of the Cerrado vegetation. Our current findings indicate that these species have an enormous potential for use in land rehabilitation of quartzitic soils. INTRODUÇÃO O Cerrado é um dos biomas mais ricos e ameaçados do planeta, representando um dos hotspots mundiais da biodiversidade (Myers et al. 2000). Dentro do bioma do Cerrado as vegetações de canga e campo rupestre representam as áreas mais críticas e ameaçadas (Ministério do Meio Ambiente 1999). Os campos rupestres ocorrem em regiões com altitude superior a 1000m, onde predominam afloramentos rochosos de quartzito. Sua flora esclerófila adaptada a condições extremas, tais como alta insolação, solos rasos com baixa umidade e nutricionalmente pobres, apresenta alto grau de endemismo e várias espécies ameaçadas de extinção (Mendonça & Lins 2000). Devido ao alto grau de impactos nesta região, como extração de madeiras e flores, ação do fogo e loteamentos, são necessários estudos sobre a biologia básica das espécies vegetais potenciais para serem utilizadas no replantio (Mendonça & Lins 2000). Embora estas vegetações venham sendo estudadas há mais de 30 anos, praticamente não há dados concretos sobre metodologias ou mesmo propágulos de espécies nativas disponíveis para a reabilitação em campo rupestre. Não obstante, é imperativo este conhecimento tendo em vista a necessidade premente para a reabilitação ambiental com espécies nativas, ameaçadas ou mesmo em crítico perigo de extinção (ABNT 1998). Devido a grande lacuna de informações sobre a reprodução e ecologia de plantas de campo rupestre, o Laboratório de Ecologia Evolutiva de Herbívoros Tropicais, juntamente com a Planta Tecnologia Ambiental, estão desenvolvendo um projeto pioneiro de reabilitação de áreas degradadas em campo rupestre. Os objetivos deste projeto são: i) Identificar as espécies de plantas colonizadoras de ambientes degradados para estudos de cultivos; ii) Adaptar e refinar as técnicas tradicionais de cultivo para plantas nativas de campo rupestre. MATERIAL E MÉTODOS A área de estudo deste trabalho concentrou-se na Serra do Cipó, sul da cadeia do Espinhaço. O clima desta região é mesotérmico (Cwb), com uma estação seca que dura aproximadamente 4 meses e uma estação chuvosa de oito meses de duração. A precipitação média anual gira em torno de 1300 mm e a temperatura média anual varia de 25 a 30ºC no verão, enquanto que no inverno é de 8 a 18ºC (Madeira & Fernandes 1999). Germinação de sementes - Lotes de sementes foram submetidos a testes de germinação nas temperaturas de 15, 20, 25, 30 e 35ºC sob fotoperíodo de 12 horas e em ausência de luz durante 30 dias. O tratamento de ausência de luz foi obtido envolvendo-se as placas de Petri em folhas duplas de papel alumínio. Foram montadas 4 réplicas com 25 sementes em placas de Petri forradas com folha dupla de papel filtro e umedecidas com solução de nistatina (500 U.I./l). As placas de Petri foram colocadas em câmaras de germinação sendo verificada a cada 24 horas, sendo o critério para se considerar uma semente como germinada a protrusão radicular. Para as espécies que apresentam dormência, foram utilizadas escarificação química (ácido sulfúrico por 10 minutos) e mecânica (fricção do tegumento externo contra lixa d’água). Fenologia reprodutiva - Foram marcados em campo 30 indivíduos de cada espécie. Durante um ano de estudo, foram anotados mensalmente o número total de frutos e seu estado de maturação, flores e botões florais de cada indivíduo marcado de acordo com a metodologia descrita em Madeira & Fernandes (1999). O estado vegetativo foi caracterizado como em brotamento, dormência ou senescência. Cultura de tecidos – Algumas espécies, foram submetidas a experimentos de germinação e multiplicação in vitro, visando a determinação de protocolos e métodos de introdução de clones em conformidade com os padrões de variabilidade genética local. Crescimento e arquitetura de plântulas – Algumas espécies tiveram o seu crescimento medido mensalmente em casa de vegetação. Foram anotados o tamanho da plântula, o número de folhas, ramos e entre-nós. RESULTADOS E DISCUSSÃO Tabela 1. Espécies nativas estudadas para reabilitação em campo rupestre na Serra do Cipó. Espécie Germinação de sementes Cultura de tecidos Baccharis concinna1 X X Baccharis dracunculifolia1 X Mimosa multipinna2 X Fenologia reprodutiva Crescimento de plântulas X X 13 espécies de Chamaecrista2 X Calliandra fasciculata2 X Marcetia taxifolia3 X Laboisiera cordata3 X X X Lavoisiera francavillana3 X X X Lavoisiera camposportoana3 X X X X Sophronitis brevipedunculata4 X X Vellozia nanuzae5 X X Diplusodon orbicularis6 X X Coccoloba cereifera7 X X 1- Asteraceae, 2- Leguminosae, 3- Melastomataceae, 4- Orchidaceae, 5- Velloziaceae, 6- Lythraceae, 7Polygonaceae. Germinação de sementes – A luz influenciou positivamente na germinação de sementes de Baccharis concinna, Baccharis dracunculifolia, Vellozia nanuzae, Diplusodon orbicularis, Lavoisiera cordata, L. francavillana, L. campos-portoana e Marcetia taxifolia. Estas espécies podem ser classificadas como fotoblásticas positivas e têm o potencial de compor o banco de sementes do solo caso sejam enterradas de alguma forma. Nenhuma das leguminosas teve sua germinação afetada pela luz. Em todas as leguminosas, a escarificação mecânica se mostrou o melhor método para romper o tegumento e quebrar a dormência. Quase todas as espécies foram fortemente influenciadas pela temperatura. Em M. taxifolia, não ocorreu germinação a 35ºC. V. nanuzae e M. multipinna apresentam sementes viáveis por pelo menos 2 anos. As espécies de Lavoisiera apresentaram altas taxas de germinação entre 20 e 25ºC, indicando que as sementes podem ser adaptadas a germinar nos meses que precedem a estação chuvosa, durante os quais a temperatura média gira em torno desta faixa (veja Madeira & Fernandes 1999). Crescimento e arquitetura de plântulas – M. multipinna e as espécies de Lavoisiera apresentaram um rápido crescimento, de forma que em menos de um ano já atinge um porte semelhante ao dos adultos podendo apresentar estruturas reprodutivas. M. multipinna, L. cordata e L. campos-portoana apresentaram brotação mais intensa na parte basal do caule (próximo ao solo), uma adaptação importante a ambientes sujeitos a incêndios freqüentes, como beira de estradas. L. francavillana apresentou brotação mais intensa na parte apical. Fenologia – Foi observado forte interação entre as fenofases de L. cordata, L. campos-portoana e D. orbicularis com as estações do ano. Ambas espécies de Lavoisiera apresentaram padrão de floração explosivo e limitado à estação chuvosa, provavelmente devido às condições climáticas permitirem um maior tempo em que as flores podem permanecer abertas. L. camposportoana apresentou brotamento em todos os meses do ano. Por outro lado, em L. cordata foi observado o estado de dormência (60% dos indivíduos) durante a estação seca e nos meses precedentes. D. orbicularis apresentou floração em abril e maio dispersando suas sementes até o mês de setembro. As espécies de Chamaecrista apresentaram comportamentos fenológicos bem distintos, sendo que algumas espécies floriram e frutificaram ao longo de todo o ano, ao passo que outras em apenas poucos meses. M. multipinna e C. cereifera não apresentaram as fenofases coincidentes com as estações do ano. Cultura de tecidos – A germinação in vitro mostrou-se bastante satisfatória para S. brevipedunculata, verificando-se 90% de germinação no meio Knudson modificado por Arditi em pH 5,8, sob condições controladas de temperatura (25º C) e luminosidade (fotoperíodo de 12 horas). Para B. concinna os protocolos estão sendo estabelecidos. Sua grande importância ecológica, a vulnerabilidade de seu habitat e a facilidade de se estabelecer a introdução de clones sem diminuir de maneira significativa a variabilidade genética, justificam a aplicação de técnicas de cultura de tecidos para esta espécie. CONCLUSÃO Embora ainda hajam lacunas a serem preenchidas no conhecimento básico destas e de outras espécies de campo rupestre, nossos resultados apontam para uma grande aplicabilidade de tais espécies na reabilitação de áreas degradadas. Portanto, consideramos injustificada a negligência no uso de espécies nativas em empreendimentos de reabilitação neste tipo de vegetação, principalmente por ser recomendado por lei, conforme a recente revisão da norma técnica da ABNT 13030. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas 1998 Elaboração e apresentação de projetos de reabilitação de áreas degradadas pela mineração. Projeto NBR 13030, Brasil. Madeira JA, Fernandes GW 1999. Reproductive phenology of sympatric species of Chamaecrista (Leguminosae) in Serra do Cipó, Brazil. Journal of Tropical Ecology 15: 463-479 Mendonça MP, Lins DA 2000. Lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção da flora de Minas Gerais. Fundação Biodiversitas, Belo Horizonte. Myers N, Mittermeier RA, Mittermeier CG, Fonseca GAB, Kent J 2000 Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403: 853-858. MMA - Ministério do Meio Ambiente 1999. Ações prioritárias para a conservação da biodiversidade do cerrado e pantanal. Ministério do Meio Ambiente, Funatura, Conservation International, Fundação Biodiversitas e Universidade de Brasília, Brasília. CNPq, Fapemig, IFS, Planta, Idea Wild, US Fish. Ecologia Evolutiva de Herbívoros Tropicais/DBG, ICB/UFMG, CP486, CEP 30161-970 Belo Horizonte MG. E-mail: [email protected]