CONHECIMENTOS GRAMATICAIS E TEXTUAIS NA COMPETÊNCIA DE LEITURA DE ALUNOS UNIVERSITÁRIOS* Adriane Teresinha SARTORI (Universidade de Caxias do Sul e Unicamp) Resumo Em pesquisa mais ampla, foram testados em universitários, através de eliciação por amostragem, conhecimentos gramaticais (Bachman: 1990), envolvendo classe gramatical, concordância verbal, pontuação, estrutura mórfica, grafia e acentuação. Também foram analisados aspectos de coesão e identificação de tipo e gênero textual. Os resultados globais apontam mais respostas adequadas quanto à estrutura mórfica e à classe gramatical e inadequadas quanto à justificativa do uso da vírgula. Na perspectiva textual, o desempenho superior referiu-se à identificação de contraste, definição e modalização, enquanto que o inferior correspondeu à identificação de anafóricos, elipse, função e gênero textual. Tanto nas questões gramaticais quanto nas textuais, predominaram respostas genéricas, imprecisas. Palavras-chave: competência de leitura, conhecimento gramatical, conhecimento textual, ensino superior 1. Introdução Ser competente em leitura, todos sabemos, é fundamental para acadêmico de qualquer curso. Poderíamos pressupor que, depois de tantos anos de estudo, o aluno universitário lesse textos de sua área sem grandes dificuldades. No entanto, nossas pesquisas empíricas, como professores, provam justamente o contrário. Os alunos lêem mal e, às vezes, não compreendem textos simples. Na tentativa de resolver esse problema, um grupo de professores que trabalha com a disciplina de Língua Portuguesa Instrumental (LPI) da Universidade de Caxias do Sul organizou um programa de pesquisa1 que tem, por objetivo último, a elaboração de material didático-pedagógico visando à resolução dos problemas encontrados. Foi * No VII CBLA, este artigo foi submetido com o seguinte título: “Aspectos gramaticais e textuais na leitura de universitários” Artigo integrante da sessão temática “Competência de leitura de alunos universitários : problemas e perspectivas”, apresentada neste congresso pelas pesquisadoras: Niura Maria Fontana, Neires Soldatelli Paviani, Adriane Teresinha Sartori e Isabel Maria Paese Pressanto, da Universidade de Caxias do Sul, e Lia Scholze, do MEC/INEP. 1 A primeira etapa intitulou-se “Diagnóstico da competência textual do aluno de Língua Portuguesa Instrumental da UCS na leitura de textos explicativo e argumentativo” e recebeu apoio do CNPq, da FAPERGS e da UCS. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil necessário, então, que se buscasse saber exatamente quais eram os problemas de leitura dos alunos. Assim, a primeira etapa do programa de pesquisa idealizado, realizada entre 2001 e 2003, procurou diagnosticar a leitura dos alunos. Para a coleta dos dados, foi utilizada a população de alunos de LPI da UCS do primeiro semestre letivo de 2002 (inicialmente 80 turmas; setenta e duas turmas de aproximadamente trinta e cinco alunos, após emparelhamento). Para a constituição da amostra, foram sorteados dois alunos por turma, sendo um do sexo masculino e outro do sexo feminino. A abordagem escolhida para a composição da amostra foi a randômica com estratificação dos aprendizes, resultando num total de 144 alunos. Os instrumentos usados para a eliciação dos dados foram: questionário para obter informações de caráter socioeconômico e cultural e dados sobre hábitos de leitura dos alunos e de seu grupo de convívio; dois testes de leitura (um a partir de texto de dominância explicativa, conforme estudos de Adam (1987, 1990, 1992)) – uma reportagem2 - e outro de texto de dominância argumentativa – um editorial - para a avaliação da competência de leitura dos aprendizes em suas várias dimensões, além de instrumentos de retrospecção. Os dados foram colhidos no início do primeiro semestre letivo de 2002, dentro da população de alunos de LPI. Primeiramente, os instrumentos foram aplicados em sala de aula para todos os alunos, respeitados os critérios de representatividade eqüitativa dos diferentes tipos de turmas (diurno, noturno, da cidade universitária, dos campi e núcleos, dos diversos cursos), tendo em vista evitar uma interferência direta da pesquisa no processo de ensino e aprendizagem da disciplina. Posteriormente, foram sorteados dois alunos por turma, que forneceram os dados (obtidos através dos instrumentos acima apresentados) para o corpus da pesquisa, sendo um aluno do sexo feminino e um do sexo masculino. A categorização dos elementos indicadores de competência de leitura dos aprendizes nas várias dimensões propostas (textual-discursiva, referencial, lingüística e cognitiva) foi seguida pela análise da gradação e da freqüência desses fatores. Foram empregadas técnicas qualitativas como descrição, análise, categorização, ordenação, gradação e comparação dos elementos fornecidos pelos dados. A seguir, foi feita uma triangulação de dados, também de natureza qualitativa e quantitativa, no sentido de produzir uma interpretação do binômio desempenho-competência de leitura 2 Os textos aqui mencionados, bem como os critérios que justificam sua escolha, encontram-se, nestes anais, no artigo intitulado “Conhecimento prévio na leitura de universitários”, de Isabel Maria Paese Pressanto. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil dos aprendizes investigados. Como síntese final das análises e interpretação dos dados e de suas inter-relações, foi produzido o diagnóstico da competência de leitura do aluno. Neste artigo, faremos uma análise dos dados colhidos em duas partes do teste de leitura, ou seja, as partes que visavam verificar os conhecimentos gramaticais e textuais dos alunos. Antes de passar para a análise, registraremos, de forma muito sucinta, o que sustenta Bachman (1990) a respeito da Habilidade Comunicativa da Linguagem (HCL), já que esse autor traz conceitos-chave para a pesquisa. Para ele, a HCL “pode ser descrita como consistindo em conhecimento, ou competência, e em capacidade no uso comunicativo da língua, de modo apropriado e contextualizado.” (p. 84). Diz o autor, ainda, que o arcabouço da HCL inclui três componentes: competência lingüística, competência estratégica e mecanismos psicofisiológicos. Explica ele (1990: 84): A competência lingüística compreende, essencialmente, um conjunto específico de componentes de conhecimento que são utilizados na comunicação via língua. Competência estratégica é o termo que empregarei para caracterizar a capacidade mental de implementar os componentes da competência lingüística no uso comunicativo e contextualizado da língua. Assim, a competência estratégica oferece os meios para relacionar as competências de língua aos aspectos do contexto de situação nos quais o uso da língua ocorre e às estruturas de conhecimento do usuário da língua (conhecimento sócio-cultural e conhecimento do ‘mundo real’). Os mecanismos psicofisiológicos referem-se aos processos neurológicos e psicológicos envolvidos na execução real da língua como fenômeno físico (som, luz). Ao analisar de forma mais precisa a competência lingüística, Bachman a subdivide em competência organizacional e pragmática. A competência organizacional abrange “as habilidades envolvidas no controle da estrutura formal da língua para a produção ou reconhecimento de frases gramaticalmente corretas, para a compreensão de seu conteúdo proposicional e para a sua ordenação tendo em vista a formação de textos. Essas habilidades são de dois tipos: gramatical e textual.” (1990: 89). A competência pragmática diz respeito aos aspectos sociolingüísticos (sensibilidade às variedades e registros lingüísticos) e às funções da linguagem. Nesse trabalho, como já dissemos, apresentaremos a análise dos dados de pesquisa quanto à competência organizacional nos seus dois componentes: gramatical e textual. 2. Conhecimentos gramaticais A seção do instrumento de pesquisa que compôs a testagem dos conhecimentos gramaticais, ou das “formas da língua”, conforme Bachman (1990), envolveu tópicos VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil relativos à classe gramatical, concordância verbal, pontuação (uso da vírgula), grafia e acentuação e à estrutura mórfica. Foram testados esses conhecimentos seguindo-se a visão de Bachman (1990) de que por competência gramatical entende-se o conhecimento que o sujeito apresenta sobre vocabulário, morfologia, sintaxe e fonologia/grafia. No âmbito da morfologia propriamente dita, localizam-se as questões relativas a classes gramaticais e estrutura mórfica (questões de número 1), esta última, por sua vez, envolvendo indiretamente noções de vocabulário (significação de palavras). Sobre a sintaxe residem as questões de números 2 e 3, que abrangem concordância e utilização de pontuação (em especial a vírgula). Já grafia e acentuação (questão 4) encontram-se no escopo da fonologia/grafia. É fundamental que digamos que nosso objetivo foi o de fazer o aluno refletir sobre aspectos que revelassem seu conhecimento sobre a organização da própria língua em relação à norma, muito mais do que um conhecimento da nomenclatura gramatical por si mesma. Da mesma forma, buscamos perceber a sensibilidade do aluno quanto a, por exemplo, acentuação e virgulação, por acreditarmos que esses aspectos repercutem na significação tanto no nível da palavra quanto no nível da estrutura frasal, sempre com a ressalva de que se trata de apenas um nível de investigação, nunca o único. Apresentamos abaixo um quadro-síntese das questões propostas. Quadro 1 - Questões propostas no teste de leitura quanto ao conhecimento gramatical Aspecto contemplado Concordância verbal Virgulação Número da questão/texto* e questões propostas 3.R. Como se justifica o plural do verbo “contam-se” (linha 31)? 2.E. Com que expressão/palavra o verbo “vêm” (linha 56) concorda? 2.R. Por que depois da palavra “Pantanal” (linha 17) não devemos usar vírgula? 3.E. Como se justifica a vírgula usada na linha 77? Ortografia 4.E. Por que o verbo “almejam” (linha 46) deve ser escrito com “j” e não com “g”? Acentuação 4.R. Por que a palavra “tuiuiú” (linha 24) é acentuada? Formação de 1.R. A palavra “biodiversidade” é composta de duas partes. Quais são palavras elas? Classe gramatical 1.E. “Fundamental” (linha 19) representa substantivo ou adjetivo neste contexto? * “R” de “reportagem” e “E” de “editorial” VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Passemos agora a analisar as respostas dadas pelos alunos. O quadro abaixo resume os resultados em relação aos aspectos analisados. TABELA 1 - Desempenho dos alunos no teste de leitura quanto ao conhecimento gramatical Aspecto contemplado e número da questão/texto Respostas adequadas (%) Concordância verbal 3.R. 2.E. Virgulação 2.R. 3.E. Ortografia 4.E. Acentuação 4.R. Formação de palavras 1.R. Classe gramatical 1.E. 25,7 29,2 10,4 2,8 50,0 2,8 92,4 72,2 Respostas parcialmente adequadas (%) 27,8 0 0 3,5 4,2 4,2 0 0 Respostas inadequadas (%) Não respondeu / Não sabe (%) 35,4 66 83,3 79,2 28,5 82,6 6,9 27,8 11,2 4,9 6,3 14,5 17,3 10,4 0,7 0 A tabela geral de resultados da parte gramatical envolvendo o editorial mostrou que, em termos de reconhecimento de classe gramatical, os sujeitos apresentam o melhor desempenho (72,2%). Na seqüência, o item que mais apresentou correções foi o relativo à grafia, seguido do que justifica a acentuação no verbo “vir” com sujeito plural. O maior número de incorreções (79,2%), à semelhança do que aconteceu no texto de dominância explicativa, ocorreu na questão que indagou a adequação do uso da vírgula (neste caso a de número 3), o que naturalmente envolve conhecimentos em nível sintático. 3. Conhecimentos textuais Conforme já expusemos, Bachman (1990: 90) afirma que a competência textual é componente da competência organizacional que, por sua vez, participa da competência lingüística. Para ele, A competência textual compreende o conhecimento das convenções para juntar enunciados de modo a formar um texto, que é essencialmente uma unidade lingüística - falada ou escrita – consistindo em dois ou mais enunciados, ou frases, que estão estruturados de acordo com regras de coesão e organização retórica. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Dessa forma, ao organizar o instrumento de pesquisa, primamos por questões que refletissem a postura do autor, qual seja, privilegiar a coesão textual e a organização retórica. Nesse sentido, com base nos estudos do próprio Bachman, de Halliday e Hasan (1976), trazidos para o português especialmente pelos professores Luiz Antônio Marcuschi (1983) e Ingedore Koch (1991, 2000, 2002), selecionaram-se os seguintes aspectos para verificar a competência textual do aluno: a busca de referentes por anafóricos; a relação estabelecida por um conector – nesse caso o “mas”, um dos mais usuais e importantes pela função de inversão argumentativa -; a elipse de termos recuperáveis no texto; o uso de modalizadores e seu reflexo, na percepção do leitor, do grau de engajamento do produtor em relação ao que escreve; a organização retórica da definição; a tipologia textual predominante, o gênero textual ao qual o texto pertence e suas características. Três das questões foram organizadas sob a forma de múltipla escolha: a que verifica o uso de modalizadores (questão 4), a da identificação da definição (questão 5) e a que verifica a tipologia textual (questão 6). Deve-se essa escolha ao presumido desconhecimento do aluno quanto à utilização do termo “modalizador”, à possível dificuldade em retirar do texto uma definição e à possível amplitude de respostas dadas pelos alunos se exigíssemos que eles identificassem o tipo de texto lido. As questões propostas foram as seguintes: Quadro 2 - Questões propostas no teste de leitura quanto ao conhecimento textual Aspecto contemplado Elementos anafóricos Conector Elipse Modalização Número da questão/texto e questões 1.R. “Esse” (linha 32) substitui que palavra, expressão ou idéia do texto? 3.E. Responda: “esse” (linha 83) substitui que palavra, expressão ou idéia do texto? 2.R. Substitua a palavra “mas” (linha 32) por outra palavra ou expressão que mantenha o mesmo sentido estabelecido no texto entre as duas idéias relacionadas. 1.E. Substitua a palavra “mas” (linha 30) por outra palavra ou expressão que mantenha o mesmo sentido estabelecido no texto entre as duas idéias relacionadas. 3.R. No fragmento “de outro, provar que a riqueza natural” (linhas 86-87), há o apagamento de palavras recuperáveis no texto. Responda: que palavras são essas? 2.E. No fragmento “mas de décadas de omissão” (linhas 68-69), há o apagamento de palavras recuperáveis no texto. Responda: que palavras são essas? 4.R. e 4.E. Assinale com um X a alternativa que corresponde ao modo como a autora apresenta as informações no texto. Pode-se perceber que ela: ( ) tem certeza do que diz ( ) tem dúvidas em relação ao que afirma. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil Definição 5.R. Sabendo-se que definir é dizer o que é algo, assinale com um X a alternativa abaixo que corresponde a uma definição. ( ) “O equilíbrio ecológico do Pantanal é tão delicado que a simples construção de uma estrada, se não for muito bem planejada, pode destruir centenas de quilômetros quadrados de natureza selvagem.” (linhas 1-5) ( ) “Por isso, é fundamental o Brasil discutir muito bem todos os projetos que estão sendo propostos para desenvolver a região.” (linhas 10-13) ( ) “O Pantanal é a maior planície alagável da Terra, com cerca de 200.000 quilômetros de extensão – dos quais 80% no Brasil.” (linhas 17-20) ( ) “As espécies de insetos e outros bichos pequenos contam-se aos milhares, mas esse inventário ainda é provisório.” (linhas 30-32) ( ) “O resultado é que, no período das chuvas, o Paraguai e seus efluentes inundam milhares de quilômetros quadrados.” (linhas 4648) 5.E. Sabendo-se que definir é dizer o que é algo, assinale com um X a alternativa abaixo que corresponde a uma definição. ( ) O índice de leitura no Brasil é baixo porque os brasileiros preferem a televisão. ( ) O desempenho dos alunos mo teste realizado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) colocou-os no último lugar. ( ) Analfabetos funcionais são pessoas que lêem letras, palavras e frases, mas não conseguem compreender o sentido do texto. ( ) O grau de repetência no Brasil é elevado devido ao atual sistema de avaliação. ( ) O nível de exigência escolar no Primeiro Mundo é muito mais rigoroso do que no Brasil. Objetivo do texto 6.R. e 6.E. Assinale com um X a alternativa que corresponde ao grande objetivo que o texto concretiza predominantemente. ( ) Conta uma história ( ) Explica uma questão ( ) Descreve um objeto ( ) Defende um ponto de vista Gênero textual 7.R. e 7.E. Responda: como se chama esse texto que você leu (reportagem, notícia, editorial, anúncio, carta, classificado, crônica, conto, entrevista...)? Características estruturais do 8.R. e 8.E. Cite duas características estruturais do texto que lhe gênero permitiram responder à questão acima (número 7). Analisemos as respostas dadas pelos alunos: TABELA 2 – Desempenho dos alunos no teste de leitura quanto ao conhecimento textual Respostas Aspecto adequadas contemplado e (%) número da questão/texto Elementos 13,9 anafóricos 1.R. 3.E. 31,9 Respostas parcialmente adequadas (%) 21,6 24,4 Respostas Inadequadas (%) Não respondeu/ não sabe (%) 59,7 43,1 VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil 4,9 0,7 Conector 2.R. 1.E. 3.R. 2.E. 81,3 84,7 6,9 6,9 0 1,4 48 4,9 17,4 11,8 24,3 56,9 1,4 2,1 20,9 31,2 4.R. 4.E. Definição 5.R. 5.E. Objetivo do texto 6.R. 6.E. Gênero textual 7.R. 7.E. Características estruturais do gênero 8.R. 8.E. 95,1 97,2 77,1 78,5 0 0 0 0 4,9 2,8 15,3 14,6 0 0 7,6 7 60,4 29,2 68,1 18,1 0 0 0 1,4 38,9 70,8 29,2 77,8 0,7 0 2,8 2,8 19,4 6,3 25,7 3,5 48,6 81,3 6,3 9 Elipse Modalização 3.1 Resultados obtidos a partir da reportagem (texto de dominância explicativa) A questão 1 foi respondida de forma inadequada por 59,7% dos alunos. As respostas dos alunos mostraram que eles buscaram estabelecer relações adjacentes ao sujeito a que a palavra “esse” se refere (“insetos e bichos” ou “espécies”), mas apenas 40% identificaram o núcleo do sujeito referido. Já a questão 2 teve um ótimo percentual de acertos, mais de 82%. O emprego adequado de “mas” talvez tenha relação com a acentuada utilização deste conector na linguagem oral. Chama a atenção o baixo percentual de alunos que adequadamente responderam à questão 4 (apenas 6,9%). Há aqui também um elevado número de alunos (21%) que não responderam à questão ou a anularam. Os 48% de respostas parcialmente adequadas devem-se aos alunos que identificaram apenas uma das expressões, neste caso “lado”. A outra, “é possível”, praticamente não foi identificada. Socialmente construiu-se a idéia de que quem publica é grande conhecedor do assunto. Ora, esta talvez seja uma boa justificativa para o fato de os alunos concluírem que o autor do texto “tem certeza do que diz” (questão 5 – 95% de respostas adequadas), mais do que a observância às marcas formais de modalização. Outro percentual alto de respostas adequadas obteve a questão 6 - 77%. É possível que a utilização constante de livros didáticos em sala de aula no ensino fundamental e médio possa explicar a identificação correta das definições. Eles estão VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil repletos delas em todas as áreas de ensino. Por exemplo: “substantivo é...”; “retângulo é...”; “número primo é...”; “planície é....”; “República é...”, etc. A expressão “explica uma questão” pode ter sido a responsável pelo bom desempenho dos alunos na questão 7. Acontece que há um sentido, de certa forma genérico, ao dizermos “explica algo”. Para o aluno, o professor explica, a diretora explica, a mãe explica, o livro explica. Poucas vezes o estudante é levado a pensar sobre o sentido de causalidade que advém do uso dessa expressão. Talvez por isso 60% dos alunos tenham respondido adequadamente à questão. Em relação à questão 8, observa-se que, apesar de os alunos identificarem a “reportagem” como gênero textual (não esqueçamos que a palavra “reportagem” foi explicitamente citada na própria questão), apenas 19% conseguiram citar duas características estruturais do texto. Outros 26% citaram ao menos uma e 49% citaram elementos constituintes de qualquer texto, não da reportagem em si, por exemplo: “uso de letra maiúscula”, “o texto desenvolve um assunto”, etc. 3.2 Resultados obtidos a partir do editorial (texto de dominância argumentativa) A questão 1 foi respondida adequadamente por 84,7% dos alunos. Mais de 50% deles substituíram o “mas” por “porém”. Depois, aparece a expressão “no entanto”. Já na questão 2, a incidência de respostas inadequadas foi de 56,9%, o que prova que os alunos não conseguiram recuperar as elipses do texto. Esse dado é preocupante, pois não se trata de informações implícitas, ao contrário, são informações recuperáveis, mas apagadas. Os alunos preencheram as elipses com as mais variadas expressões: “falta de interesse”, “omissão de leitura”, “brasileiros”, “alunos”... A relação anafórica estabelecida pela palavra “esse” foi inadequadamente percebida por 43,1% dos alunos. Boa parte deles, ao contrário de perceberem o “esse” como anafórico, atribuíram a ele relação direta com a palavra subseqüente “caminho”. Para eles, então, “esse” refere-se a “caminho”. Assim como os alunos perceberam adequadamente a modalização do texto de predominância explicativa, perceberam também de forma correta a modalização do texto argumentativo. Na verdade, talvez não se trate de perceber a modalização em si (aspecto raramente trabalhado em salas de ensino médio), mas de atribuir sapiência ao autor do texto, garantindo-lhe um lugar de quem sempre tem certeza do que diz. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil 78,5% dos alunos identificaram adequadamente a definição presente na questão 5. Como já afirmamos anteriormente, talvez esse fato seja explicado pela presença de definições em livros didáticos de todas as áreas de conhecimento. Para os alunos, o texto argumentativo “explica uma questão”. 70,8% deles responderam dessa forma à questão 6. Para eles, “o texto explica por que os alunos foram mal no teste do Pisa” é uma resposta plausível. Os alunos desconhecem o gênero “editorial” (78% de respostas incorretas). Disseram que se tratava de “reportagem”, “notícia” ou “crônica”. Da mesma forma que não o reconhecem enquanto gênero, também não identificam suas características estruturais (mais de 80% de respostas incorretas). Isso pode provar que raramente os alunos são convidados a trabalhar, na escola, com textos argumentativos de circulação real. Seus trabalhos, especialmente no terceiro ano, muitas vezes, resumem-se a produzir redações escolares dissertativas. 4. Conclusões gerais Os dados comprovam: apenas 33% de respostas adequadas em relação à reportagem e 38% em relação ao editorial, na primeira parte do teste que avalia os conhecimentos gramaticais dos alunos. Em relação à segunda parte, a que avalia conhecimentos textuais, no editorial, o desempenho dos alunos situa-se num nível também crítico, já que houve apenas 44% de respostas adequadas, enquanto que, em relação à reportagem, o desempenho foi um pouco melhor (52,77% de respostas adequadas). É necessário considerar que, apesar dos avanços dos estudos textuais, poucos deles chegam efetivamente à sala de aula, seja do ensino fundamental, seja do ensino médio. Assim, mesmo que a Lingüística Textual tenha conquistado seu espaço no Brasil desde os anos 80, há menos de uma década há livros didáticos que privilegiam essa abordagem em seus capítulos. Essa ressalva sobre o livro didático deve-se ao fato de ele ser objeto de uso efetivo dos professores. Isso se deve também ao fato de os órgãos de ensino terem privilegiado políticas públicas de distribuição do mesmo de forma gratuita às escolas. No entanto, há que se considerar que são pouquíssimos os professores que selecionam os livros que trazem abordagens mais atualizadas e inovadoras para o trabalho em sala de aula (ver estudos de Rojo e Batista, 2003). Tal fato pode ser explicado pelo tênue conhecimento que o professor possui sobre a abordagem textual, VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil pois, em geral, a sua formação ainda está calcada numa visão gramatical, com ênfase no ensino normativo da língua. Ora, esses fatores, com certeza, determinaram o desempenho dos alunos na segunda parte do teste. Por outro lado, fica uma pergunta importante: os resultados da primeira parte (conhecimentos gramaticais) não deveriam, então, ter sido muito superiores? Afinal, se os alunos passam boa parte de seu tempo nas aulas de português “aprendendo” questões ligadas à “forma”, por que o resultado foi tão ruim? Referências Bibliográficas ADAM, J.M. 1987 Types de séquences textuelles élémentaires. Pratiques, Metz, 56: 54-7. Tradução de Alexânia Ripoll et al. Texto não publicado. ______. 1990 Eléments de linguistique textuelle. Liège: Mardaga. ______. 1992 Les textes: types e prototypes. Paris: Nathan. BACHMAN, L. F. 2003 A habilidade comunicativa de linguagem, Linguagem & ensino. 6. 1: 77-128. HALLYDAY, M.& HASAN, R. 1976 Cohesion in English. London: Longman. KOCH, I. 1991 A coesão textual. 3. ed. São Paulo: Contexto. (Coleção Repensando a Língua Portuguesa). ______. 2000 O texto e a construção de sentidos. São Paulo: Contexto. (Coleção Caminhos da Lingüística). ______. 2002 Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez. MARCUSCHI, L.A. 1983 Lingüística de texto: o que é e como se faz. Recife: UFP. (Série Debates). ROJO, R. & BATISTA, A.A. 2003 Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo: Mercado de Letras. VII CONGRESSO BRASILEIRO DE LINGÜÍSTICA APLICADA - 2004 ALAB - Associação de Lingüística Aplicada do Brasil