TEXTO E DISCURSO NO ENSINO DE INGLÊS COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA Luciano Rodrigues Lima Nível em que atua: Superior Redes: (Pública) Federal e Estadual Nível de Escolaridade: Doutor Área da Graduação: Língua Estrangeira – Inglês Instituição onde obteve a graduação: UFBa QUESTÃO DE PESQUISA É possível ensinar Língua Inglesa como língua estrangeira moderna através de textos, leituras de cartoons, charges, etc., ou é realmente necessário que se comece primeiramente a ensinar gramática na escola? Quais as prioridades que nós professores de Língua Inglesa devemos tomar no ensino atualmente? (Sinézio Cotrim Guimarães Júnior) Não sei se seria capaz de responder, sozinho, à questão de Sinézio Cotrim Guimarães Junior. Convoco, portanto, para ajudar-me nessa empresa, especialistas renomados, como a norte-americana Dianne Larsen-Freeman. Larsen-Freeman, em seu artigo “Expanding the roles of learners and teachers in learner-centered instruction” (1998) aponta a cronologia das crenças sobre ensino-aprendizagem como uma espécie de coluna dorsal da história da lingüística aplicada. Ela defende que cada uma das últimas décadas se caracteriza através de uma crença dominante sobre o aprendiz ideal, a saber: década de 50: mímico, imitando os gestos do professor; década de 60: cognitivo, descobrindo as regras da língua; década de 70: afetivos e sociais, em busca de motivação e significação para a própria aprendizagem; década de 80: estratégico, escolhendo com autonomia suas estratégias de aprendizagem; década de 90: político, consciente de que a língua é um instrumento de poder. Embora não concorde com a taxonomia decimal de Larsen-Freeman, pois as crenças sobre ensino-aprendizagem não se submetem tão pontualmente ao calendário cristão, diria que tal classificação serve, ao menos, para se ter uma idéia, a grosso modo, da evolução do ensino de línguas estrangeiras nos últimos anos, a qual não escapa, em última análise, à influência da história das idéias, de modo geral. 1 Se se quiser definir o aprendiz da primeira década do século XXI com uma palavra, como o fez Larsen-Freeman em relação às crenças, penso que a característica principal desse aprendiz seria: textual. Os saberes contemporâneos como a lingüística textual, análise do discurso, pragmática, pedagogia crítica, com base no método Paulo Freire, os estudos de tradução, e outros, baseiam-se na noção ampla de textualidade como um fator decisivo na construção dos significados. Assim, fora do texto - e do contexto não existe significado possível. Hoje, somente quem é capaz de ler o texto, aqui no seu sentido mais abrangente, atingindo o nível do discurso, com todas as suas implicações lingüísticas, estéticas, socioculturais e políticas, será considerado alfabetizado (ou letrado). O ensino de línguas estrangeiras, atualmente, lida com metas ambiciosas como esta: capacitar o aprendiz a ler e compreender criticamente os textos (de diferentes tipos e gêneros, através de diferentes modos/canais, como oral, escrito, em jornais, rádio, televisão, em mais de um registro lingüístico, como o literário, o científico, etc. etc). Lembro que o próprio questionamento inicial de Sinézio Cotrim já conduz ao caminho da resposta, quando ele aponta a utilização da leitura de cartoons, charges, etc, textos densamente culturais e, portanto, abertos a interpretações. Penso que seria útil, também, na tentativa de esclarecer as dúvidas de Sinézio Cotrim, relatar minha própria experiência recente na sala de aula de inglês como língua estrangeira. As colocações a seguir não são o resultado de uma pesquisa sistemática, mas apenas de observações e experiências em relação à abordagem denominada, às vezes impropriamente, de “inglês instrumental”. A este assunto dedico-me, também, no artigo “O inglês instrumental e a lingüística pós-estruturalista: um problema teórico” (disponível no site www.uneb.br/lucianolima). A partir da minha experiência, (leciono uma disciplina de língua inglesa, onde utilizo a abordagem ESP - English for Specific Purposes, por mim adaptada às condições e necessidades dos alunos), recomendo que o texto seja o centro do processo ensinoaprendizagem. O texto, em suas diversas modalidades e através de vários canais, ou seja, o texto escrito (impresso ou em tela) em diferentes gêneros, tipos e registros, oral falado, oral cantado ou oral teatralizado, deve ser apresentado ao estudante antes dos tópicos gramaticais. É necessário, também, conscientizar o estudante sobre elementos da tipologia textual, como gêneros, registros, tipos, etc. Por enquanto, não foi ainda possível abolir totalmente o estudo de tópicos gramaticais, pois eles constam do programa e devem ser referidos. Mas esse estudo se dá no interior do próprio texto e, portanto, nunca de forma isolada. Assim, em uma mesma aula sobre 2 um texto, diversos tópicos gramaticais são acionados e brevemente explicados ou revisados, quando isto se torna necessário à leitura do texto. Considero que, no estudo do texto em sala de aula ou no laboratório de informática ( quando digo texto em inglês já penso mais no texto em tela na internet do que impresso na folha de papel) os aspectos culturais (políticos, econômicos, ideológicos, religiosos, históricos, estéticos, etc) são mais importantes do que os aspectos gramaticais. No estudo do texto, todos os recursos são válidos, e podem ser acionados simultaneamente, isto é, na mesma aula: as questões lexicais, os elementos morfológicos e sintáticos, os aspectos fonológicos, (mesmo que o foco da aula seja a compreensão do texto escrito, importa muito a pronúncia das palavras) e os conteúdos culturais. Do mesmo modo, diversas abordagens, métodos e técnicas podem ser aplicadas, sem a preocupação de estarem na última moda ou não: análise contrastiva, análise de erros, abordagem comunicativa e mesmo gramática e tradução, se isto for produtivo. Todo texto se caracteriza como uma estrutura aberta para uma rede textual. A leitura do texto (literário ou não) é uma nova interpretação, isto é, a construção de um novo sentido. Um texto nunca possui apenas um único sentido possível. Mesmo os textos científicos possuem aspectos culturais e subjetivos. Toda leitura é tradução e tradução é transcriação. Diferentemente do ensino de língua estrangeira baseado em tópicos gramaticais, onde a gramática é apresentada como uma norma a ser seguida subservientemente, a aprendizagem através de textos propicia ao estudante uma maior autonomia. Os significados de um texto não estão previamente estabelecidos como uma regra gramatical. Penso que o professor de inglês como língua estrangeira, para lidar adequadamente com o texto em sala de aula, deve ter conhecimentos básicos de lingüística textual e lingüística funcional, análise do discurso e de pragmática. Tudo isso o ajudará a ler criticamente o texto. Se o professor não for capaz de realizar uma leitura crítica do texto ( ler o que está por detrás das palavras e vislumbrar as implicações daquele texto na sua vida e na vida dos seus estudantes) dificilmente poderá ser capaz de conduzir os seus alunos a uma leitura crítica. Nesse caso, existe o risco de que a leitura seja apenas uma decodificação e não o descortinar do mundo que se abre a partir do texto. Esse tipo de trabalho com o texto se assemelharia perigosamente ao adestramento com a língua escrita, isto é, a situação daquele que lê mas não entende o que leu. 3 Para concluir esta breve resposta-comentário para o instigante questionamento de Sinézio Cotrim, peço, uma vez mais ajuda de especialistas. Cito uma passagem de Norman Fairclough, um dos precursores da lingüística aplicada crítica e interdisciplinar. Fairclough transita pela área da análise do discurso e possui, além de convicções políticas sobre uma sociedade mais justa e igualitária, a noção da importância de uma educação lingüística integral. Seu artigo fala do que ele chama de “critical awareness of language”, (consciência crítica da linguagem), algo, segundo ele, indispensável na educação contemporânea, a educação para uma “textuallymediated social life”, isto é, uma “vida social textualmente mediada”. The presence of the discourse of flexibility in Stephen’s talk is an illustration of the textual mediation of social life: in contemporary societies, the discourses/knowledges generated by expert systems enter our everyday lives and shape the way we live them. Contemporary societies are knowledge-based not only in their economies, but even for instance in the ways in which people conduct their personal relationships. Expert knowledges/discourses come to us via texts of various sorts which mediate our social lives books, magazines, radio and television programmes, and so forth. These processes of textual mediation bind together people who are scattered across societies into social systems - one of Smith’s examples is how textually mediated constructions of femininity lock women scattered across social space into the economic system of commodity production and consumption, in that femininity is constructed in terms of the purchase and use of commodities such as clothes (Smith 1990). Moreover, the distances in space and time across which these processes of textual mediation operate are increasing. Modernity can be seen as a process of ‘time/space compression’, the overcoming of spatial and temporal distance, and late modernity is marked by a twist in that process which is widely referred to a ‘globalisation’ (Harvey 1990, Giddens 1991). The vehicles for this spatiotemporally extended textual mediation are the new media - radio, television, and information technology. (Fairclough, 1999) Acredito, finalmente, que o ensino de línguas estrangeiras deve ser organizado em torno estudo do texto (textos de todos tipos e gêneros, em seu sentido mais amplo e profundo, no nível do discurso, implicando no conhecimento da noção dinâmica de textualidade e discursividade), uma vez que o texto faz girar todas as dimensões desse ensino: lexical, gramatical, semântica, estética, política, cultural, etc. 4 REFERÊNCIAS FAIRCLOUGH, Norman. “Global capitalism and critical awareness of language”. Language Awareness. Editor: Peter Garrett. Cardiff: Volume: 8 Number: 2 Page: 71– 83. LARSEN-FREEMAN, D. “Expanding the roles of learners and teachers in learnercentered instruction”. In: W. A. Renandya & G. M. Jacobs (orgs.), Learners and language learning. Singapore: Seameo Regional Language Centre, p. 207-226, 1998. LIMA, Luciano Rodrigues. “O inglês instrumental e a lingüística pós-estruturalista: um problema teórico”. Disponível em: www.uneb.br/lucianolima. Acessado em julho de 2007. 5