Resumos do VIII Congresso Paulista de Neurologia Realizado de 23 a 25 de junho de 2011 Comissão: Presidente do Congresso Dr. Carlos A.M. Guereiro Comissão Organizadora Dr. Acary Souza Bulle de Oliveira Dr. Rubens Gagliardi Dr. Rubens Reimão Comissão Científica e Julgadora de Temas Livres Presidente: Dr. Acary Souza Bulle de Oliveira Dr. Carlos A.M.Guerreiro Dra. Elizabeth Maria Aparecida Quagliato Dr. Luiz D. M. Melges Dr. Oswaldo Takanayagui Dr. Rubens Gagliardi Dr. Rubens Reimão Realização Departamento de Neurologia da Associação Paulista de Medicina 196 Miopatia metabólica – lipidose Daniella Dias Arçari, Viviana Palou, Alzira Alves de Siqueira Carvalho Setor de Neurologia – Ambulatório Neuromuscular - Faculdade de Medicina do ABC Mulher de 36 anos, natural de São Paulo, orçamentista gráfica, casada, apresentou-se ao serviço com queixa principal de fraqueza em membros inferiores. Referia fraqueza proximal e dor em membros inferiores há dois anos, com piora progressiva. Há um mês, evoluiu com fraqueza proximal em membros superiores. Relatava piora da fraqueza e da dor nos quatro membros com exercício prolongado. Como antecedentes pessoais, relatava fratura joelho esquerdo há 14 anos; negava hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, tabagismo e etilismo. Sua história gestacional era de duas gestações, dois partos e nenhum aborto (GII PII A0), sem intercorrências. Tinha pais saudáveis, não consanguíneos, sem história semelhante na família. A revisão de sistemas não demonstrou alterações. Ao exame físico geral, mostrou-se corada, hidratada, acianótica, anictérica. Aparelho cardiovascular com ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem sopro. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular presente, sem ruídos adventícios. Abdome: globoso, sem visceromegalias. Extremidades: sem edema, bem perfundidas. À inspeção (Figura 1), notou-se presença de padrão lipodistrófico, hipertrofia de panturrilhas, fácies atípica. Ao exame neurológico, a paciente mostrou-se vigil, consciente, orientada no tempo e no espaço. Motricidade: força muscular grau IV proximal e V distal nos quatro membros; tônus normal; reflexos tendinosos profundos presentes e simétricos; reflexo cutâneo plantar em flexão bilateral; sensibilidade superficial e profunda preservada; coordenação preservada; equilíbrio preservado; marcha miopática. Os exames laboratoriais apresentaram os seguintes resultados: hemoglobina 13,5 g/dL, leucócitos: 7800, aldolase: 11,9 U/L (< 7,6), transaminase glutâmico-oxalacética: 97 U/L (< 32), transaminase glutâmico pirúvica: 93 U/L (< 31), creatinofosfoquinase: 1.283 U/L (< 180), TSH (hormônio estimulante da tireoide) e T4L (T4 livre) normais. As sorologias para hepatite B e C eram não reagentes. A eletroforese de proteína estava normal. O anticorpo antimitocôndria estava não reagente. Ultrassonografia de abdome mostrou esteatose hepática grau I. A eletroneuromiografia demonstrou padrão miopático. Biópsia muscular foi solicitada e revelou miopatia vacuolar com acúmulo de lípides na coloração oil red o (Figura 2). Após a biópsia muscular, ficou definido o diagnóstico de miopatia metabólica (lipidose). Em busca da etiologia, foi solicitada dosagem de carnitina livre, que estava em 6,7 mcg/ml (valor normal 6,5-12). Apresentamos um caso em que a clínica e a eletromiografia foram compatíveis com miopatia. Realizamos biópsia muscular para definição da etiologia. Diante de biópsia mostrando acúmulo de lípides, foi solicitada dosagem de carnitina sistêmica. Mesmo com esta dosagem estando normal, não podemos excluir deficiência de carnitina muscular. Diante da dificuldade para dosagem de carnitina muscular, optou-se por reposição de carnitina, 500 mg, dois comprimidos por dia. A paciente evoluiu com melhora parcial da fraqueza muscular. Segue em uso da medicação e estável. Figura 1. Padrão lipodistrófico no aspecto geral da paciente e hipertrofia de panturrilhas. A b c d Biópsia muscular: A - coloração hematoxilina-eosina: variação no calibre das fibras e fibras vacuolizadas; B - coloração oil red o: vacúolos com acúmulos de lípides; C- coloração PAS: PAS negativo; D - coloração tricrômio de Gomori: ausência de ragged red fibers. Figura 2. Biópsia muscular. Síndromes neurovasculares: sempre sintoma deficitário? Alberto Rolim Muro Martinez, Wagner Mauad Avelar, Fabrício Lima, Vanessa Hashiman, Silvia Stahl Merlin, Anelyssa D’Abreu Departamento de Neurologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Relato do caso: Paciente de 61 anos, parda, sexo feminino, natural de Rio Claro (SP), procedente de Campinas (SP), com Ensino Fundamental incompleto, auxiliar de limpeza, três filhos, católica e destra, foi encaminhada ao Ambulatório de Distúrbios do Movimento por quadro de movimentos involuntários em membros superior e inferior à direita há cinco meses, de início súbito em 16 de novembro de 2010 após estresse emocional. Por ocasião do início do quadro, procurou atendimento em unidade básica de saúde, sendo verificados níveis de pressão arterial sistólica que variavam entre 190 e 170 mmHg, associados a movimentação involuntária de membro superior direito (dedos, mão, antebraço e braço). Após dois dias, percebeu movimentação involuntária de membro inferior ipsilateral (artelhos, pé, perna e coxa). Concomitantemente, queixava-se de engasgos eventuais e dificuldade de articulação de palavras em períodos de grande estresse psicológico. Refere que a amplitude dos movimentos piorava durante períodos de maior ansiedade desde o início do quadro. Negava cefaleia, paresia, parestesia, alterações da coordenação motora e alterações de marcha. Referia períodos de ansiedade extrema desde o início do quadro. Antecedente pessoal: Ex-tabagista (parou de fumar há dois anos), 19 maços/ano. Etilista de duas latas de cerveja aos finais de semana. Nega qualquer outra comorbidade. Nega fazer uso de medicações. Antecedente cirúrgico: Duas cesarianas. Antecedente familiar: Nega antecedente de doenças neurológicas ou coreia. Exame físico geral: Pressão arterial de 120/80 mmHg; frequência cardíaca de 82 bpm; frequência respiratória de 20 rpm; temperatura de 36,2 ºC. Bom estado geral, corada, hidratada, anictérica, acianótica. Ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas sem sopros. Murmúrio vesicular fisiológico sem ruídos adventícios. Abdômen semigloboso com ruídos hidroaéreos presentes, flácido, sem visceromegalias. Pulsos cheios, simétricos. Extremidades sem edemas ou sinais de trombose venosa profunda. Exame neurológico Estado mental: Vigil, orientada auto e alopsiquicamente, pensamento de curso e conteúdo preservados. Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. 197 Nervos cranianos: Pupilas isocóricas e fotorreagentes. Motilidade ocular extrínseca preservada. Fácies atípica. Véu palatino simétrico, úvula centrada, língua simétrica com motricidade mantida. Sacadas hipométricas. Sensibilidade: Preservada em suas quatro modalidades. Equilíbrio: Dinâmico e estático sem alterações. Coordenação motora: Decomposição de movimento à prova índex-nariz à direita. Eudiadococinesia. Motor: Movimentos coreicos em membro superior e inferior à direita. Presença de impersistência motora. Sinal da ordenha positivo à direita. Força muscular grau V global. Manobra de Grasset: aumento de tônus pronador à direita. Manobra Mingazzini sem alterações. Reflexos de estiramento muscular presentes e simétricos. Reflexo cutâneo plantar em flexão. Marcha discretamente alterada devido à presença de movimentos coreicos. Exames complementares: Hemoglobina: 13,2 g/dL (12-16 g/dL); hematócrito: 39,8% (37-47%); leucócitos: 6.970/mm3 (4.000-10.000/mm3); plaquetas: 213.000/mm3 (150.000400.000/mm3) velocidade de hemossedimentação 14 mm na primeira hora (até 14 mm na primeira hora); sódio: 138 mEq/L (136-145 mEq/L); potássio: 4,2 mEq/L (3,1-5,1 mEq/L); cálcio: 9,2 mg/dL (8,4-9,7 mg/dL); magnésio: 1,9 mEq/L (1,3-2,1 mEq/L); cobre: 125 µg/dL (70-140 µg/dL); vitamina B12: 353 pg/mL (202-900 pg/mL); fator antinuclear: não reagente; hormônio tireoestimulante: 1,88 µUI/mL (0,41-4,5 µUI/mL); T4 livre: 1,2 ng/dL (0,9-1,8 ng/dL); hormônio paratireoideano: 45,2 pg/mL (15-65 pg/mL). Funções renal e hepática normais. Sorologias para hepatites B e C, anti-HIV e sífilis negativas. Líquor: proteína: 42 mg/dL (até 42 mg/dL); glicose: 64 mg/dL (glicemia sérica: 92 mg/dL) (até 2/3 da glicemia sérica); leucócitos: 1/mm3 (até 3/mm3); hemácias: 14/mm3. Culturas negativas. Tomografia computadorizada de crânio: normal. Eco-Doppler de carótidas: presença de placa aterosclerótica hipoecogênica de superfície irregular desde sua origem, acometendo terço proximal da artéria carótida interna esquerda. Análise do fluxo sanguíneo ao Doppler demonstra aumento da velocidade sistólica (402 cm/seg, relação ACI/ACC = 6), evidenciando uma estenose suboclusiva (Figura 1). Angiotomografia computadorizada de crânio e vasos cervicais: presença de placa com componente calcificado na origem da artéria carótida interna esquerda, causando estenose de 90% (critério NASCET - North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial) (Figura 2). Ressonância magnética de crânio: normal (Figura 3). SPECT (Single-Photon Emission Computed Tomography) cerebral: normal (Figura 4). Evolução: Paciente apresentou melhora parcial do quadro coreico após a prescrição de risperidona na dose de 2 mg/dia. Foi submetida a endarterectomia, com remissão completa dos movimentos coreicos já no primeiro dia de pós-operatório. Discussão: O caso clínico aqui exposto é extremamente interessante do ponto de vista semiológico. Muitos ainda acreditam que síndromes neurovasculares são sinônimo de sintomas negativos, o oposto do observado neste caso. A presença de movimentos coreicos constitui um desafio à pratica neurológica. As etiologias são variadas e, muitas vezes, não encontram substrato puramente neurológico. Exemplos são estados hiperglicêmicos não cetóticos, a policitemia vera e as alterações de fluxo cerebral, como é o caso dos acidentes vasculares cerebrais (AVC) isquêmicos. Desta forma, etiologias metabólicas, vasculares, estruturais, autoimunes e genéticas devem ser levadas em consideração frente a pacientes que apresentam coreia. A avaliação diagnóstica deve incluir história familiar, informações detalhadas sobre uso de medicamentos, exame físico, neurológico, laboratorial e de neuroimagem. Grandes séries envolvendo pacientes com AVC identificaram 0,4% a 1,3% de incidência de coreia no seguimento evolutivo. O fluxo sanguíneo na região dos núcleos da base é derivado dos ramos da artéria carótida interna. A fisiopatologia da coreia nos casos subsequentes ao AVC encontra suporte na verificação de lesões isquêmicas nos núcleos da base. Todavia, evidências vindas de estudos envolvendo pacientes com diagnóstico de coreia de Sydenham e utilizando SPECT (single-photon emission computed tomography) cerebral mostram disfunções neuronais transitórias no estriado e tálamo. No contexto isquêmico, estudos experimentais envolvendo modelos animais demonstram uma vulnerabilidade do estriado a estados de isquemia e hipóxia, que por sua vez induzem a liberação de neurotransmissores, incluindo a dopamina, a qual tem papel fundamental na lesão neuronal em estados hipóxicos. Essa vulnerabilidade estriatal deve-se à sua peculiar sensibilidade à falha nos mecanismos metabólicos envolvidos na produção de energia, levando à referida liberação dopaminérgica. Sendo assim, a hemicoreia pode ser advinda de lesões nas vias subtalâmicas ou subtalamopálidas que levam à Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. perda de excitação subtalâmica ao pálido medial seguida por desinibição dos neurônios talâmicos. A literatura demonstra poucos casos de hemicoreia relacionados ao hipofluxo cerebral secudários a estenose carotídea, os quais apresentaram reversão do sintoma ou melhora após correção da estenose. Conclusão: Nos casos de hemicoreia, de início relativamente súbito, causas hemodinâmicas devem ser consideradas mesmo na ausência de sintomas negativos associados. O estudo dos vasos extra e intracranianos é de fundamental importância nesse contexto, uma vez que a correção das causas do hipofluxo implica na reversibilidade dos sintomas, como exposto no caso clínico acima. Figura 1. Ecodoppler de carótidas mostrando estenose carotídea esquerda. Figura 2. Angiotomografia evidenciando estenose carotídea esquerda (carótida esquerda). Figura 3. Ressonância nuclear magnética de crânio nas ponderações T1 e T2 flair de aspecto normal. 198 Figura 4. SPECT (single-photon emission computed tomography) cerebral normal. O II nervo craniano (óptico) mostrava edema de papila bilateral, mais acentuado no olho direito (OD, 360°), com exsudatos duros na região macular somente do OD, dispostos conforme demonstrado na imagem (Figura 1). A paciente não tinha alterações dos campos visuais ao exame de confrontação, pupilas isocóricas e fotorreagentes. Os demais nervos cranianos estavam sem alterações. Como exame complementar, foi obtida ressonância magnética de crânio e órbita, sem alterações (exame realizado no momento da admissão nas duas internações). A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) à primeira internação estava sem alterações. À segunda internação, o LCR constava: P-inicial = 22 cm H2O P-final: 15 cm H2O; 15 células, com predomínio linfomonocitário, 4 hemácias, 65 mg/dl glicose, 45 mg/dl proteína. Hemograma, função renal e hepática, eletrólitos, velocidade de hemossedimentação e proteína C-reativa sem alterações. Fator antinuclear (FAN) negativo. Raio x de tórax e eletrocardiograma (ECG) normais. As sorologias constavam: HIV não reagente; HBSAg não reagente. AntiHCV não reagente; VDRL sérico + 1/128. FTABS (Fluorescent treponemal antibody adsorption) +; VDRL LCR + 1:16 FTABS +. Diante das sorologias séricas positivas para sífilis e LCR, foi confirmado diagnóstico de neurossífilis. Cabe ressaltar que o VDRL no LCR é altamente específico para o diagnóstico de neurossífilis, ao contrário do VDRL sérico, que sabidamente é um teste não treponêmico, menos específico que o FTABS sérico. O FTABS positivo no LCR não é um teste tão específico para o diagnóstico de neurossífilis quanto o sérico, porém, tem valor preditivo negativo no LCR relevante. A paciente, após cinco dias de tratamento com penicilina cristalina 4.000.000 UI endovenosa de 4 em 4 horas, estava completamente assintomática. Completou 14 dias de tratamento. Retornou após um mês no ambulatório de neurologia com acuidade visual normal e sem alterações ao exame neurológico. Desafio diagnóstico: neurorretinite por sífilis Michel Elyas Jung Haziot, Vanessa Albuquerque Paschoal Aviz Bastos, Guilherme Sciascia Olival, André Luís Borba Paciente de 39 anos, mulher, branca, casada, natural de Pernambuco, reside em São Paulo (SP) há 12 anos, operadora de caixa de supermercado, católica, apresentou-se tendo como queixa principal: “minha vista está ruim de novo.” No dia 12/02/2011, acordou pela manhã para trabalhar com quadro de baixa acuidade visual bilateral. “Só consigo ver vultos, pois a vista está muito embaçada”. Referia que a baixa acuidade era pior no olho direito, onde parecia haver um “ponto negro no meio da visão”. Na noite anterior, não havia tido qualquer queixa visual. Negava cefaleia, dor ocular ou qualquer outra queixa álgica associada ao quadro. Não havia história de febre, trauma, manipulação ocular ou outros sintomas associados ao quadro. A paciente também havia acordado pela manhã com baixa acuidade visual, mas somente no olho direito, quatro semanas antes. “Enxergo embaçado com esse olho”, um episódio também não associado a dor ou a qualquer outro sintoma. Negava qualquer tipo de evento ou pródromo infeccioso anterior ao quadro que, permanecendo inalterado após três dias, levou-a a procurar atendimento oftalmológico. Foi encaminhada para avaliação neurológica de urgência, com descrição de edema de papila em olho direito e hipótese diagnóstica de neurite óptica. Foi então internada e submetida à terapia com solumedrol, 1 g/dia, com melhora total do quadro, recebendo alta assintomática após o terceiro dia de terapia, para complementar investigação e seguimento ambulatorial. Realizou, na admissão, ressonância magnética de crânio e órbita, análise de líquido cefalorraquidiano. Foi prescrita prednisona, com retirada gradual em duas semanas. A paciente nega, na tomada de história patológica pregressa, hipertensão arterial sistêmica, diabetes melito, dislipidemia, doença sexualmente transmissível ou qualquer outro antecedente mórbido. Negava qualquer doença oftalmológica ou neurológica conhecida anteriormente. Negava também tabagismo ou uso de álcool e outras drogas recreacionais. Como história familiar, relatou que pai e mãe eram hipertensos. Ao exame, verificou-se pressão arterial de 110 x 70 mmHg; frequência cardíaca de 70 bpm e temperatura axilar de 36 °C. O exame físico geral e de diferentes aparelhos estava sem alterações. Ao exame neurológico, apresentouse vigil, orientada no tempo e espaço, com fala e linguagem sem alterações. A força muscular foi classificada como Grau V nos quatro membros. Tônus e trofismo estavam sem alterações. Reflexos osteotendíneos normoativos e simétricos. A sensibilidade estava preservada. Marcha, coordenação e equilíbrio estavam sem alterações. Foi verificada ausência de sinais de irritação meníngea e reflexo cutâneo plantar em flexão bilateral. Figura 1. Oftalamoscopia do olho direito (A). Edema de papila no centro da imagem e a direita mácula com visualização parcial. (B) Mácula no centro da imagem, com exsudatos duros ao seu redor: “estrela macular”. Movimentos oculares a esclarecer Tenille Bernardino, Lorena Broseghini Paciente de 28 anos, sexo masculino, natural e residente de Assis (SP), casado, segundo grau incompleto, auxiliar de serviços gerais, católico, apresentou-se com quadro de dificuldade para andar e enxergar. Há 60 dias, ao acordar, percebeu embaçamento visual bilateral: “Parecia que todos os dias eram nublados”. Após três dias, sem melhora, iniciou com descoordenação do membro inferior predominante, com grande dificuldade para andar, associada a tonturas e vômitos pós-prandiais: “Me sentia como se estivesse tomado todas”. Após dois dias, somaram-se ao quadro tremores da cabeça. Familiares referiam alteração da voz, como se estivesse “bêbado” e “gago”. O paciente também referia perda ponderal de 10 kg em 3 meses. Negava febre, quadros virais ou infecciosos ou qualquer outro sintoma em cabeça e olhos. Nada havia digno de nota ao interrogatório sobre os diversos aparelhos. Nada digno de nota. Como antecedentes pessoais, relatou apenas doenças próprias da infância, negando internações, cirurgias prévias ou vacinações recentes. Declarava ter sido usuário de drogas ilícitas (cocaína e crack), mas parou o uso há quatro anos. Como antecedentes familiares, relatou que a mãe, de 54 anos, era hipertensa e portadora de miomatose uteriana. Tinha pai, de 52 anos, dois irmãos e filha de quatro anos, todos hígidos. Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. 199 Ao exame físico, apresentava pressão arterial de 128 x 76 mmHg (milímetros de mercúrio); frequência cardíaca de 68 bpm (batimentos por minuto); frequência respiratória de 14 rpm (incursões por minuto); dextro 89 mg/ml; saturação capilar em ar ambiente: 98%. Ao exame geral, apresentava-se com bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, corado, hidratado, eupneico, afebril, anictérico, eutrófico. O exame do aparelho respiratório revelou murmúrio respiratório presente e simétrico sem ruídos adventícios. O aparelho cardiovascular tinha bulhas normofonéticas em dois tempos com ritmo regular e sem sopros. O abdome estava flácido, indolor, sem visceromegalias. Membros inferiores estavam sem edema, com panturrilhas livres. Ao exame neurológico, o paciente mostrava-se vigil, com pupilas fotorreagentes, direta e consensual, movimentação ocular extrínseca preservada, com movimentos oculares multidirecionais rápidos e erráticos, linguagem preservada, fala discretamente empastada, mioclonias de segmento cefálico preferencialmente para a esquerda. A marcha era atáxica. A força tinha classe G5 global. Sensibilidade estava preservada. Os reflexos normoativos, reflexo cutaneoplantar em flexão bilateralmente em flexão bilateral. Havia discreto tremor de ação em membros superiores em sinais meníngeos. Os exames laboratoriais tinham os seguintes resultados: hemoglobina: 13 g/dl; sódio: 139 mmol/l; potássio: 4,1 mmol/l; ureia: 31 mg/dl; creatinina: 1 mg/dl; glicemia: 96 mg/dl; TGO (transaminase glutâmico oxalacética): 45 U/l; TGP (transaminase glutâmico pirúvica): 65 U/l colesterol total: 164 mg/dl; HDL (lipoproteína de alta densidade): 75 mg/dl; LDL (lipoproteína de baixa densidade): 105 mg/dl; triglicerídeos: 121 mg/dl; hormônio estimulante da tireoide: 14 mUI/l; T4L (T4 livre): 0,8 mUI/l. Era negativo para antiTPO (anticorpos antiperoxidase tireoidiana) e anti TG (antitireoglobulina). Ferro total: 85 mcg/dl; ferritina: 150 mcg/l; transferrina: 253 mg/dl. As sorologias para HIV (vírus da imunodeficiência humana) e hepatites B e C estavam negativas. O exame do líquido cefalorraquidiano (LCR) demonstrou células: 0,6 número absoluto; proteínas: 39,9 mg/ml; glicose: 68 mg/ml; cloreto: 117 mg/ml. O exame para VDRL (venereal disease research laboratory) era não reagente; Gram ausente. Os BAAR (bacilos álcool-ácido resistentes) estavam não reagentes. Os exames de tomografia computadorizada de tórax e abdome estavam normais; e o exame físico e a ultrassonografia Doppler testicular estavam normais também. O antígeno carcinoembrionário negativo (CEA) foi negativo, assim como a alfafetoproteína: normal e a gonadotrofina coriônica humana (BHCG): normal. A conclusão diagnóstica foi de síndrome opsoclonus mioclonus a esclarecer. após duas semanas do início do quadro por falência respiratória, devido a broncopneumonia. A autópsia não evidenciou presença de neoplasia. Discussão: As miopatias inflamatórias são doenças musculares primárias, que se caracterizam por fraqueza muscular proximal simétrica, de evolução insidiosa. A associação entre polimiosite/dermatomiosite e neoplasias é sugerida desde 1916. Há relato do aumento de ocorrência de neoplasias de ovário, mama, pulmão, útero, estômago, cólon e doenças linfoproliferativas nessa população. A pesquisa exaustiva de neoplasia está indicada nos dois a três anos após o diagnóstico (período de maior risco). O diagnóstico de câncer pode preceder, vir em paralelo ou posteriormente ao diagnóstico de miosite. O mais comum é o câncer diagnosticado após o início da miosite. A biópsia muscular revela caracteristicamente infiltrado inflamatório, sinais de degeneração/regeneração muscular ou atrofia perifascicular (característico da dermatomiosite). Em pacientes com miopatia inflamatória (polimiosite ou dermatomiosite) e neoplasia (de forma concomitante ou diagnóstico durante seguimento), não há descrição na literatura de achados de biópsia muscular específicos que as diferenciem da doença primária. O setor de patologia neuromuscular da Unifesp, possuindo um dos maiores acervos mundiais de patologia muscular (10.000 biópsias com estudo istoquímico), tem percebido a ocorrência íntima entre a inflamação epimisial e neoplasias. Sabemos que o infiltrado inflamatório na polimiosite é composto predominantemente de células T CD8 e macrófagos, no entanto, estudo imunoistoquímico ainda se faz necessário para determinar a origem do infiltrado celular epimisal. Diante da observação dessa frequente associação, acreditamos que a demonstração de inflamação epimisial poderá ser usada como marcador para investigação da presença de neoplasias concomitantes. Polimiosite com inflamação epimisial Mariana Lacerda Santos Reis, Lorena Broseghini Barcelos, Jamile Seixas, Thiago Fukuda, Renata Amaral Andrade Introdução: É relatado caso de paciente com polimiosite em fase avançada e idade incomum, com achados particulares de biópsia muscular compatíveis com polimiosite com inflamação epimisial. Relato de caso: Paciente feminina, 70 anos, viúva, trabalhadora de serviços gerais, natural de Minas Gerais e procedente de São Paulo. Atendida no ProntoSocorro do Hospital São Paulo com queixa de piora da dispneia há 24 horas, apresentando história de fraqueza progressiva em membros inferiores há 13 meses, que progrediu para cintura pélvica após 30 dias, acarretando impossibilidade de deambulação. Após seis meses, iniciou fraqueza de membros superiores, que progrediu para cintura escapular e musculatura cervical, impossibilitando a sustentação da cabeça. Há quatro meses iniciou disfagia inicialmente para líquidos, progredindo para sólidos há dois meses. Há uma semana iniciou quadro de dispneia e tosse produtiva, com piora há um dia. Exame físico inicial apresentava-se com tetraparesia flácida simétrica de predromínio proximal e hiporreflexa. Exames laboratoriais tinham elevação de creatinofosfoquinase (CPK) (1.063 U/L), marcadores neoplásicos negativos (alfafetoproteína: 2,4 mg/ml; Ca 19-9: 41 U/ml; Ca 125: 18,70 U/ml. Eletroneuromiografia evidenciou miopatia grave com sinais de inflamação. Biópsia muscular apresentava infiltrado inflamatório intersticial, com imagens de necrose e reação macrofágica (Figuras 1 e 2). Ressalta-se que este infiltrado apresenta a particularidade de comprometer o tecido fibroadiposo perimisial e epimisial. A paciente evoluiu com piora clínica, a despeito da introdução de pulsoterapia com metilprednisolona e prednisona 1 mg/kg/dia, e para óbito Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. Figura 1. Duas imagens de histologia do mesmo caso, com coloração por hematoxilina eosina, evidenciando processo inflamatório intersticial, necrose, macrofagia e profliferação fibrosa com involução gordurosa (125 X 250). 200 Figura 2. Coloração de Gomori demonstra processo inflamatório intersticial, necrose, macrofagia e profliferação fibrosa com involução gordurosa (125 X 250). Figura 1. Paciente com hipertrofia de membros inferiores. Síndrome de hiperexcitabilidade no nervo periférico Daniella Dias Arçari, Alzira Alves de Siqueira Carvalho Setor de Neurologia – Ambulatório Neuromuscular - Faculdade de Medicina do ABC Paciente de 36 anos, natural de São José do Rio Preto (SP), procedente do Japão, foi atendido no serviço de Neuromuscular da Faculdade de Medicina do ABC, com queixa principal de dor muscular generalizada. Há cinco anos, iniciou quadro de dor muscular nos membros superiores, com piora ao realizar exercícios, limitando os movimentos. Após meses, passou a sentir as mesmas dores nos membros inferiores, associadas à hipertrofia das panturrilhas. Sentia a “carne tremer”, principalmente as coxas. Após um ano do início dos sintomas, passou a apresentar dificuldade para correr e subir escadas, as pernas ficavam enrijecidas e, após alguns segundos, conseguia retornar o movimento. Negava comorbidades, tabagismo e etilismo, e tinha pais e irmãos saudáveis. Ao exame físico geral, apresentava-se corado, hidratado, acianótico e anictérico. O aparelho cardiovascular tinha ritmo cardíaco regular, em dois tempos, e bulhas normofonéticas. O aparelho respiratório apresentava murmúrio vesicular presente sem ruídos adventícios, extremidades sem edema e bem prefundidas. Outros exames: hemoglobina: 15,3 mg/dL, leucócitos: 4400, transaminase glutâmico-oxalacético: 20 U/L (< 32 U/L), transaminase glutâmico pirúvica: 60 U/L (< 31 U/L), creatinofosfoquinase: 184 U/L (< 180 U/L). TSH (hormônio estimulante da tireoide) e T4L (T4 livre): normais. Tomografia computadorizada de tórax, abdômen e pelve mostraram-se sem alterações. Ao exame neurológico, apresentava-se vigil, orientado no tempo e no espaço, sem alteração da fala ou linguagem. A inspeção demonstrou: hipertrofia de membros inferiores (Figura 1), fenômenos neuromiotônicos em mãos, fasciculações nos quatro membros. Força muscular apresentava-se como grau V nos quatro membros. Os reflexos tendinosos estavam hipoativos globalmente. Havia reflexo cutâneo plantar em flexão bilateral. As sensibilidades superficial e profunda estavam preservadas, assim como a coordenação, o equilíbrio e a marcha. Nervos cranianos: preservados. Foi realizada eletroneuromiografia, que evidenciou alterações compatíveis com atividade elétrica contínua (descargas neuromiotônicas) e mioquimias (Figura 2). Diante do diagnóstico de síndrome de hiperexcitabilidade do nervo periférico, foi pesquisada a presença do anticorpo VGKC (anti-voltage-gated potassium channel antibodies), em busca da etiologia da síndrome. O resultado do anticorpo foi de 243 pmol/L (valor normal: até 100 pmol/L), confirmando o diagnóstico de síndrome de hiperexcitabilidade do nervo periférico ou síndrome de Isaacs de etiologia autoimune. O paciente recebeu tratamento com imunoglobulina humana 0,4 g/kg/dia. Após o primeiro ciclo, apresentou melhora dos fenômenos neuromiotônicos em mãos. Após a administração da imunoglobulina, foi dosado novamente anticorpo antiVGKC, com resultado negativo. Atualmente, retornou para o Japão e recebe carbamazepina, 200 mg/dia, com bom controle dos sintomas. Figura 2. Eletromiografia: A – descargas mioquímicas e neuromiotônicas no músculo tibial anterior. B – descargas neuromiotônicas no músculo abdutor do quinto dedo. Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. 201 Doença de Niemann-Pick tipo C Lorena Broseghini Barcelos, Marcelo Marinho de Figueiredo, Maria Regina Regis Silva, José Luiz Pedroso, Orlando Barsottini Paciente de 30 anos, natural e procedente de São Paulo, do lar, segundo grau completo, apresenta como queixa principal alteração para andar há 14 anos. A mãe relata que a paciente, aos 16 anos, iniciou quadro de dificuldade para deambular. Familiares perceberam fala embolada e lenta há nove anos, evoluindo com alteração cognitiva, raciocínio mais lento, dificuldade na memória e apatia, com piora progressiva e lenta até o momento. Nos últimos anos, progrediu com disfagia para sólidos e lentidão dos movimentos. Como antecedentes pessoais, a paciente apresenta nódulo mamário benigno e depressão. Faz uso de carbamazepina, 200 mg, de 12/12 horas. Na história familiar, constam pais consanguíneos, primos de primeiro grau. Ao exame físico, apresenta-se com bom estado geral, corada, hidratada, afebril, acianótica, anictérica. Aparelho cardiovascular com bulhas normofonéticas, dois tempos, ritmo cardíaco regular, sem sopros, frequência cardíaca: 70 bpm, pressão arterial: 120/80 mmHg. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular fisiológico sem ruídos adventícios, eupneica. O abdome estava flácido, indolor, com peristalse presente, sem massas palpáveis. Os membros inferiores sem edema, com pulsos periféricos presentes. A paciente estava vigil, parcialmente orientada no tempo e orientada no espaço, com disartria grave, marcha atáxica, força muscular grau V global, reflexos osteotendíneos 3+ em membros superiores e 4+ nos inferiores, reflexo cutâneo-plantar sem resposta bilateral. Na coordenação, evidenciava-se dismetria e disdiadococinesia bilateral. A sensibilidade estava normal. A paciente tinha postura distônica presente nos quatro membros. Oftalmoparesia do olhar vertical estava presente e fundo de olho normal. As hipóteses diagnósticas sindrômicas levantadas foram: síndrome cerebelar, síndrome de oftalmoparesia vertical, síndrome distônica, síndrome de déficit cognitivo leve e síndrome piramidal de liberação. Outras hipóteses diagnósticas foram ataxias recessivas: ataxia com apraxia óculo-motora tipos 1 e 2, ataxia de Friedreich, abetalipoproteinemia e ataxia com deficiência de vitamina E. Possíveis doenças mitocondriais: deficiência de CoQ10, síndrome de Leigh, MERRF (Myoclonic Epilepsy with Ragged Red Fibers), NARP (Neuropathy, Ataxia, and Retinitis Pigmentosa) e síndrome de Kearns-Sayre. Entre as doenças lisossomiais: doença de NiemannPick, xantomatose cerebrotendínea, gangliosidoses e sialidoses. A ressonância magnética de crânio e medula cervical revelou sinais de discopatia degenerativa incipiente em coluna cervical, sem protrusões ou extrusões discais expressos. Não se identificaram sinais de atrofia ou alteração de sinal no parênquima encefálico ou medula espinhal cervical. Havia ausência de realces anômalos definidos. Eletroneuromiografia e eletroencefalograma estavam normais. A biópsia de medula óssea mostrou numerosos macrófagos volumosos com citoplasma de aspecto xantomatosos. O aspecto morfológico era compatível com doença de Niemann-Pick (Figura 1). Ao mielograma, a medula óssea mostrava leve hemodiluição, displasia leve da série vermelha e macrófagos com grânulos azuis e depósito compatível com a doença de Niemann-Pick C. O diagnóstico final foi de doença de Niemann-Pick tipo C. Figura 1. Biópsia de medula óssea, visualizando-se macrófagos volumosos com citoplasma de aspecto xantomatoso. Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. Acompanhamento de pacientes com esclerose múltipla com imunomodulador suspenso Vitor Breseghello Cavenaghi, Vitor Serafim de Faria, Guilherme Sciascia do Olival, Rodrigo Barbosa Tomaz, Charles Peter Tilbery Centro de Atendimento e Tratamento da Esclerose Múltipla, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Esclerose múltipla (EM) é uma doença desmielinizante do sistema nervoso central. As drogas de primeira linha, modificadoras da história natural da doença, são os interferons-beta e o acetato de glatiramer. Em alguns pacientes, a resposta terapêutica é eficaz, o que permite, eventualmente, propor a sua suspensão. Vale ressaltar que essa conduta deve ser criteriosa e tomada em conjunto com o paciente. Neste trabalho, objetivamos demonstrar a evolução de pacientes com EM, sem crises há mais de cinco anos e estáveis radiologicamente, que tiveram imunomoduladores suspensos. Foram selecionados 31 pacientes portadores de EM remitente-recorrente que fizeram uso contínuo de imunomoduladores, por no mínimo cinco anos, e tiveram o imunomodulador suspenso pois estavam sem surtos durante esse período, e com a imagem de ressonância nuclear magnética (RNM) estável. Foram avaliadas diversas características clínicas e o aspecto da RNM realizadas anualmente. Foram 93,5% pacientes do sexo feminino e 6,5% do sexo masculino. A análise dos dados revelou a idade média de início do tratamento como de 39 anos. Os pacientes tiveram em média 2,5 surtos prévios ao tratamento, sendo 59% surtos sensitivos, 13% surtos motores e 28% surtos com acometimento de nervos cranianos. O intervalo entre o diagnóstico e início do tratamento foi em média de 4,7 anos, e os pacientes utilizaram entre 5 e 12 anos de imunomodulador, em média de 5,6 anos. O escore da EDSS (Escala Expandida do Estado de Incapacidade), ao início do tratamento, era em média de 1,3 e, no momento da suspensão, de 1,7. Os pacientes estão sendo observados entre um e cinco anos após a suspensão do tratamento, com média de dois anos, e apenas dois (6%) deles tiveram novo surto. Destes pacientes, três (9%) apresentaram piora da RNM no acompanhamento anual. Conforme estudos, aproximadamente 70% dos pacientes com EM respondem ao uso de imunomoduladores. Porém, essas medicações não visam eliminar os surtos, mas apenas reduzir a frequência destes e, assim, tentar evitar o acúmulo de incapacidades neurológicas que a doença pode causar. A avaliação de atividade da doença e resposta terapêutica muitas vezes é difícil pela ausência de biomarcadores, e os principais parâmetros utilizados são clínicos e imagenológicos. Apesar de os consensos recomendarem o uso continuado da terapia imunomoduladora, atualmente é incerto por quanto tempo o tratamento deve ser mantido para a aquisição de benefício máximo, já que os períodos dos estudos clínicos tendem a ser mais curtos do que o período de uso clínico das medicações. Deve-se lembrar que, frequentemente, essas drogas têm efeitos adversos que podem ser toleráveis, o que não contraindica o uso delas, mas continuam causando desconforto ao paciente. Além disso, essas drogas são injetáveis, o que soma desconforto no uso continuado dessas medicações – a exceção é o fingolimode, droga recentemente aprovada pelo FDA (Food and Drug Administration) para uso como primeira linha de tratamento para EM de uso via oral. Alguns estudos demonstram que o principal impacto da terapia imunomoduladora ocorre nos pacientes com altas taxas de surto de EM. Dentro desse contexto, é lógico considerar a suspensão dessas drogas para pacientes com boa evolução da doença que estejam sem surtos clínicos há pelo menos cinco anos e estáveis nas imagens de RNM de crânio. Essa decisão compreende riscos que devem ser compreendidos e assumidos de forma compartilhada com o paciente, além do compromisso de retorno à medicação no caso de piora clínica ou imagenológica. A maioria dos pacientes selecionados para a suspensão do uso de imunomoduladores, com os critérios utilizados, apresentou boa evolução clínica. 202 Liga Acadêmica de Neurociências da Universidade Federal de Santa Maria – Neuroliga (UFSM) Cintia Junia Masson, Fabrício Diniz Dutra, Caroline Mayara Kavalco, Adriana Maria de Almeida, Ana Lucia Cervi Prado, Luciano Hartmann Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria (RS) A Neuroliga da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) foi criada em 2007 como um projeto de extensão e pesquisa que buscava adicionar conhecimento às áreas de neurociências básicas e clínicas. A ideia partiu de acadêmicos da medicina que buscavam complementar sua formação. A partir do ano de 2010, a Neuroliga (UFSM) foi reestruturada, tornandose o grupo mais coeso e participativo, agrupando outros cursos da saúde, como fisioterapia e psicologia. Atualmente, a Neuroliga (UFSM) conta com a participação de profissionais e/ou acadêmicos dos cursos de medicina (subáreas de neurologia, psiquiatria, pneumologia, neuropediatria, neurocirurgia e anestesiologia), fisioterapia, educação física, farmácia e bioquímica, psicologia e terapia ocupacional. A Neuroliga (UFSM) é composta por 32 membros, divididos em 12 departamentos, sendo cada departamento orientado por no mínimo dois profissionais, com tutoria de um profissional para cada acadêmico. A orientação da Neuroliga (UFSM) se dá por um coordenador geral e um vice-coordenador, professores ou funcionários, e uma diretoria executiva composta por presidente, vice-presidente, secretário e tesoureiro, todos acadêmicos. As áreas das neurociências básicas e clínicas abordadas são dor, memória, neurofisiologia e neurofarmacologia, sono, reabilitação neurológica, transtornos mentais e emoções, epilepsias, neurologia vascular, neuropediatria, neuroanatomia e neurocirurgia, doenças neurodegenerativas e desmielinizantes e neuroimagem. A Neuroliga (UFSM) tem como objetivos gerais mobilizar e orientar alunos interessados em estudar as neurociências básicas e clínicas nos âmbitos da pesquisa, ensino e extensão, e na qualificação do atendimento inicial ao paciente com doença neurológica e/ou transtorno mental. Além disso, busca contribuir na formação do acadêmico independentemente de vínculo direto ou indireto às neurociências na futura atuação profissional. Os objetivos específicos são formular projetos de pesquisa e extensão junto às Unidades Básicas de Saúde, Estratégia de Saúde da Família, casas de repouso e escolas; contribuir na pesquisa médica na avaliação inicial do paciente com afecção do sistema nervoso central grave, por meio de desenvolvimento de protocolos, rotinas e projetos de pesquisa; manter intercâmbio científico e associativo com outras ligas da UFSM e com ligas acadêmicas de neurociências de outras instituições. Além disso, objetiva realizar eventos relacionados ao estudo das neurociências, como palestras, congressos, encontros e cursos. O trabalho científico da Neuroliga (UFSM) é organizado em reuniões semanais dentro de cada departamento, nas quais se discutem temas relacionados ao assunto e se realizam projetos de pesquisa na área de abrangência. A cada 15 dias, são realizados encontros gerais organizados por até três departamentos, com a escolha de um tema a ser debatido por todos os membros e orientadores da Neuroliga (UFSM), além de convidados. Para discussão de pautas relacionadas ao funcionamento e organização geral da Neuroliga (UFSM), são realizadas reuniões administrativas, nas quais diretoria e membros decidem o que será realizado a curto e longo prazos pelo grupo, bem como a resolução de problemas. Na área de extensão, a Neuroliga (UFSM) realiza anualmente o Curso de Metodologia em Pesquisa e a Jornada de Neurociências da UFSM, na qual participam palestrantes nacionais e internacionais. Tendo como um de seus carros-chefes, a Neuroliga (UFSM) organiza a Semana de Combate ao acidente vascular encefálico (AVE) no período de 23 a 29 de outubro (Dia Mundial de Combate ao AVE), que utiliza a mídia rádio-televisiva e realiza ações junto à comunidade para promoção da saúde e prevenção do AVE. No campo da pesquisa, a Neuroliga (UFSM) conta com pesquisadores de renome internacional, tendo como área de destaque a Neurofarmacologia e as Epilepsias, pesquisando, entretanto, em todas as áreas abrangidas pelos departamentos. Também no estudo do AVE, temos o projeto AVE MS-SIECV-SITS-HUSM, baseado no projeto iniciado pelo Instituto Karolinska – Suécia, que consiste em uma iniciativa internacional para estudo da prevalência e incidência de AVE em diversos países, e também a forma de apresentação e fatores de risco associados. Esse projeto foi organizado, financiado e implantado no Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM) pela Neuroliga (UFSM) através de seus membros e orientadores. Além do objetivo epidemiológico, existe a meta terapêutica de implantação do tratamento de AVE isquêmico com ativador do plasminogênio tissular recombinante (rtPA) nos pacientes atendidos pelo HUSM. A Neuroliga-UFSM tem como propostas aumentar a efetividade da atenção primária da população de Santa Maria relacionada à neurologia e psiquiatria, qualificar profissionais da saúde no atendimento de AVE e implementar no HUSM o tratamento com a rt-PA em pacientes com AVE-isquêmico, promover eventos relacionados às neurociências de maior abrangência acadêmica local e regional, contribuir com a prevenção e promoção da saúde da população através de palestras e cursos a serem ministrados em escolas, postos de saúde e instituições que fazem atendimento imediato de urgências e emergências neurológicas e psiquiátricas. Cefaleia de curta duração, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejamento (SUNCT). Relato de caso Roger Neves Mathias, Alberto Luiz Cunha da Costa Departamento de Neurologia, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Objetivos: Descrever um caso de síndrome de cefaleia neuralgiforme unilateral e refratária ao tratamento, classificada como SUNCT. Método: Paciente de 59 anos, parda, encaminhada para avaliação em novembro de 2010. Apresentava há quatro anos episódios diários de dores incapacitantes, praticamente contínuos, localizados na região fronto-temporal e periorbitária direita, em pontadas. Frequentemente despertava com a dor, que era exacerbada durante escovação dos dentes e mastigação, associada à hiperemia conjuntival e rinorreia serosa à direita. Durante as crises, apresentava náuseas, fono e fotofobia. Referia um episódio semelhante há oito anos com duração de sete dias. Permaneceu assintomática por quatro anos até o início do quadro atual. Foi submetida a vários esquemas de tratamento medicamentoso sem controle satisfatório da dor, incluindo carbamazepina 800 mg/dia, propranolol 80 mg/dia, ácido valproico 750 mg/dia, amitriptilina 50 mg/dia, pregabalina 150 mg/dia, indometacina 100 mg/dia, tenoxican 40 mg/dia, dipirona 2 g/dia e diclofenaco 150 mg/dia. Há seis meses, após paralisia facial periférica à direita, experimentou uma piora intensa da dor. O exame neurológico mostra paralisia facial periférica direita e hiperemia conjuntival com rinorreia clara à direita. Exame cefaliátrico normal. Tomografia de crânio com e sem contraste normal e ressonância magnética demonstra leve espessamento inflamatório das mucosas dos seios frontal, maxilar, esfenoidal, etmoidal à direita. Exames laboratoriais foram normais, exceto discreta elevação da velocidade de hemossedimentação e proteína C reativa. Está em uso de fenitoína 300 mg/dia e medicação sintomática, com redução marcante da intensidade, persistindo com crises diárias. Conclusão: Síndrome de dor unilateral de curta duração foi descrita recentemente e se tornou conhecida após a publicação da classificação internacional das cefaleias. É uma entidade rara, com resposta variável ao tratamento farmacológico. Fenitoína pode ser uma alternativa de baixo custo para esta condição. Liga de Neurociências da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Areta Cavalcanti Ferreira, Bruno Yukio Kubota, Mateus Paquesse Pellegrino, Walquíria Cavalari D´Avanzo, Fabio Coltro Neto, Ivan Bazan, Li Li Min, Paula Teixeira Fernandes A Liga de Neurociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) nasceu em 2005 com a fusão das Ligas de Neurologia e de Neurocirurgia, as quais foram fundadas em 2000 e 1998, respectivamente. É composta por seis coordenadores e 58 ligantes. Desde a sua fundação, tem como objetivos principais a realização de pesquisa, o ensino e a extensão nas áreas de abrangência das Neurociências. A importância de a Liga realizar pesquisas está em ampliar o campo de conhecimento, fornecer dados epidemiológicos de doenças neurológicas e, sobretudo, desafiar os ligantes a explorar, aprofundar e questionar, construindo e atualizando seu próprio conhecimento. Neste contexto, a Liga está desenvolvendo, neste ano de 2011, oito projetos de pesquisa nas áreas de Neurologia e Neurocirurgia com 24 acadêmicos ligantes. Outro pilar fundamental para a Liga é o ensino. Um assunto amplo e complexo como Neurociências dificilmente consegue ser transmitido de maneira Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. 203 integral nos cursos médicos, dada a limitação de carga horária. Por isso, a Liga oferece aulas teóricas semanais ministradas por docentes e residentes, visando aprofundar o conhecimento de alunos com interesse no tema. O ensino também é desenvolvido através do acompanhamento dos ambulatórios e dos plantões de emergências neurológicas e neurocirúrgicas no Hospital das Clínicas da Unicamp. Nestas ocasiões, os alunos podem aprender e discutir, na prática, os assuntos abordados nas aulas teóricas com professores e residentes. Já a extensão comunitária visa, sobretudo, informar e conscientizar a comunidade sobre doenças neurológicas, promovendo a troca mútua de conhecimentos e de experiências entre os ligantes participantes do projeto e a sociedade. Com isso, os acadêmicos podem exercer seu dever social de multiplicar o conhecimento adquirido durante sua formação no ensino superior. Atualmente, a Liga está desenvolvendo o projeto “Conscientização do Acidente Vascular Cerebral entre estudantes do Ensino Fundamental e Médio de escolas públicas do município de Campinas” o qual foi contemplado com apoio financeiro, obtido mediante aprovação no “Programa Adote-me Transfor-ME” da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e no “4o Edital para projetos de extensão comunitária” da Pró-Reitoria de Extensão da Unicamp. A Liga, desde sua fundação, também se dedica à organização e à participação em eventos acadêmicos e de divulgação na área de Neurociências. Auxilia na organização do “Simpósio de AVC-Campinas”, da “Jornada de Neurociências da Unicamp”, da campanha “Dia Mundial de Combate ao AVC” e, por meio de uma parceria com a ASPE (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia), também auxilia na realização da “Semana Nacional de Epilepsia”. Sabendo da importância da troca de experiências e da integração entre as Ligas de Neurologia e Neurocirurgia, a Liga de Neurociências da Unicamp idealizou e está organizando o Primeiro Encontro Nacional das Ligas de Neurociências do Brasil, que ocorrerá nos dias 5 e 6 de novembro de 2011 na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O evento já tem a confirmação das Ligas de Neurologia e Neurocirurgia das escolas de Medicina mais renomadas do país. Apesar do grande empenho dos acadêmicos coordenadores, a Liga enfrenta alguns desafios e obstáculos. Um de seus maiores desafios é de manter sua continuidade, uma vez que seus participantes e coordenadores estão em constante troca: alguns se formam e outros novos ingressam. Uma das soluções encontradas recentemente para manter a continuidade dos projetos e objetivos da Liga foi a de treinar novos coordenadores a cada ano, repassando os projetos e princípios norteadores da Liga. Outro grande desafio é conseguir a adesão e participação de novos acadêmicos. Uma solução para esse problema, encontrada este ano, foi a de realizar o Curso Introdutório para Ingresso na Liga, o qual teve ampla divulgação na faculdade. Nesse curso, a Liga apresentou suas atividades e despertou o interesse de muitos alunos, os quais se tornaram ligantes e começaram a participar de forma efetiva das atividades da Liga. A proposta da Liga de Neurociências da Unicamp para não permitir que o Encontro das Ligas seja um evento isolado e para estreitar ainda mais os laços entre elas é de desenvolver pesquisas multicêntricas com as demais Ligas de Neurologia do Estado de São Paulo. Desse modo, poderíamos obter dados mais diversificados, com um retrato mais fidedigno do nosso país, o que enriqueceria muito as pesquisas na área. Além disso, a Liga gostaria de propor também a realização de projetos de extensão multicêntricos e simultâneos, comparando resultados e discutindo formas de atingir melhores resultados. A Liga de Neurociências da Unicamp espera, então, poder participar do Encontro de Ligas de Neurologia no VIII Congresso Paulista de Neurologia para explicar detalhadamente seu trabalho e, em especial, para trocar experiências, informações e propostas com as demais Ligas do Estado de São Paulo, enriquecendo assim sua atividade. Projeto – Liga de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo Ana Beatriz Ayroza Galvão Ribeiro Gomes, Gabriela Suemi Shimizu, Mauro Henrique Júnior, Elisabeth de Albuquerque Cavalcanti Callegaro, Vinicius Andreoli Schoeps, Fernando Morelli Calixto, Mariana Monteiro Saldanha Altenfelder Santos, Ada Pellegrinelli, Guilherme de Souza Cabral Muzy, Marcel Simis, Rubens José Gagliardi Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo A fim de aprofundar os estudos na área de Neurologia Clínica, acadêmicos da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo fundaram, em 2009, a Liga de Neurologia. Sob a coordenação do Prof. Dr. Rubens José Gagliardi, e orientação do Dr. Marcel Simis, em seu primeiro ano de atuação, Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. a Liga manteve aulas quinzenais sobre tópicos como “Pesquisa Clínica” (Prof. Dr. Rubens Gagliardi), “Queixa de Memória no Idoso” (Prof. Dr. Paulo Bertolucci), ”Reabilitação Neurológica” (Dra. Vera Lúcia dos Santos Alves), “Punção do Líquor – Aula Prática” (Dr. Álvaro Martins) e “Propedêutica dos Nervos Cranianos” (Dr. Marcel Simis), abordando tópicos como propedêutica neurológica, neurologia clínica, pesquisa científica e estimulando a realização de pesquisa por acadêmicos dentro da Disciplina de Neurologia. Foram iniciados trabalhos sobre assuntos como: acidente vascular cerebral (AVC), distúrbios do sono, cefaleia, epilepsia, demência e neuroestimulação. Além disso, em janeiro e fevereiro de 2011, dois membros da Liga tiveram a oportunidade de realizar intercâmbio acadêmico em um laboratório da Harvard Medical School através de sua atuação na Liga. A Liga de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo visa estimular o interesse acadêmico pela área clínica, expandir e aprimorar o conhecimento de seus membros na área de Neurologia e incentivar a pesquisa através da realização de trabalhos científicos na Disciplina de Neurologia. A Liga mantém-se como uma das ligas acadêmicas com maior número de membros na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Além dos alunos do Curso de Medicina, há muitos membros dos cursos de Enfermagem, de Fonoaudiologia, bem como fisioterapeutas, fonoaudiólogos e também residentes da Neurologia da Faculdade. Além das aulas teóricas de neurologia clínica e propedêutica neurológica, em 2011 realizaremos aulas práticas com a presença do paciente em questão, sendo realizados, em adição à anamnese, o exame físico, com posterior discussão de seu caso. Para isso, contaremos com a ajuda de professores e residentes da Neurologia. Acreditamos que essas experiências enriqueçam a formação médico-acadêmica dos membros da Liga. Além disso, realizaremos, no Dia Mundial do AVC, uma campanha, o “Mutirão do AVC”, no qual pretendemos promover o conhecimento acerca da doença, dos fatores de risco que contribuem para a sua ocorrência, de meios para a sua identificação e das condutas a serem seguidas na sua vigência. Pretendemos, ainda, continuar a manter um vínculo da Liga com centros de pesquisa no exterior, oferecendo a certos alunos a oportunidade de conhecerem de perto métodos de pesquisa e avanços tecnológicos que medeiam o ensino em outros países. Influência do diabetes e da hipertensão arterial na agregação plaquetária por ácido acetilsalicílico, na prevenção secundária do acidente vascular cerebral isquêmico Aron Augusto Jorge, Henrique Alkalay Helber, Helvécio de Resende Urbano Neto, Guilherme Sciascia do Olival, Lina Thomas, Rubens José Gagliardi Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares da Santa Casa de São Paulo A antiagregação plaquetária é a principal terapia para prevenção secundária do acidente vascular cerebral isquêmico (AVCi). A curva de agregação plaquetária (CAP) possibilita avaliar laboratorialmente a eficácia da agregação. Têm sido citados fatores de risco como hipertensão arterial (HA) e diabetes, que podem influenciar a resistência à antiagregação. O objetivo deste trabalho é analisar eventual influência da HA e do diabetes na antiagregação com ácido acetilsalicílico (AAS) em diferentes doses. Este estudo observacional transversal retrospectivo foi realizado com doentes com AVCi regularmente medicados com AAS, acompanhados com a CAP. Foram selecionados 195 pacientes com AVCi prévio, destes, 127 hipertensos hipoagregados e 45 diabéticos hipoagregados. O paciente foi considerado hipoagregado quando a reação com ADP/adrenalina estava inferior a 70%. Foram comparados subgrupos de doentes com doses 100, 200 e 300 mg/dia de AAS. Do total, 165 pacientes estavam hipoagregados, sendo 127 hipertensos e 38 normotensos. Entre os hipertensos, 23 hipoagregaram com dose de 100 mg/dia, 71 com 200 mg/dia e 33 com 300 mg/dia. Entre os normotensos 8, 20 e 10 pacientes hipoagregaram, respectivamente, com essas doses. Entre os diabéticos, 45 estavam hipoagregados, sendo 11 com dose 100 mg/dia, 25 com 200 mg/dia e 9 com 300 mg/dia. Entre os 120 pacientes não diabéticos, 20, 66 e 34 hipoagregaram, respectivamente, nos subgrupos. Em relação à hipertensão, não notamos influência da dose para a eficácia da antiagregação (P = 0,91). Entre os diabéticos, a casuística mostra tendência de menor hipoagregação com 300 mg/dia AAS (P = 0,38). É importante ressaltar que a amostragem de diabéticos foi pequena, sendo necessário mais estudos para ratificar este resultado. 204 Fístula dural artério-venosa na apresentação da trombose venosa cerebral Vanessa Albuquerque Paschoal Aviz Bastos, Keila Narimatsu, Guilherme Brasileiro de Aguiar, Mário Luiz Marques Conti, Rubens José Gagliardi Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Mulher de 40 anos, do lar, natural de São Miguel (RN), procedente de São Paulo, casada, apresentou-se tendo como queixa principal, desmaio. Foi admitida e encaminhada de outro serviço com história de rebaixamento do nível de consciência há um dia, acompanhado de cefaleia holocraniana em aperto, intensidade 9/10, refratária a analgesia, que piorava ao decúbito e aos esforços físicos. Foi relatado zumbido à direita; turvação visual. Como antecedentes pessoais, referia diabetes mellitus, hipotireoidismo, trombose de seio sagital superior há 17 meses, associado ao uso de anticoncepcionais orais. Nada digno de nota havia como antecedentes familiares. Ao exame físico, mostrava bom estado geral, afebril, acianótica, eupneica, normocorada, com pressão arterial de 110 X 70 mmHg. Auscultas cardíaca e pulmonar sem alterações; abdome sem alterações. O exame neurológico mostrou que estava vigil, orientada no tempo e espaço. Fala e linguagem sem alterações. Força muscular grau V nos quatro membros. Sensibilidade superficial e profunda sem alterações. Reflexos osteotendíneos normoativos globalmente. Reflexos cutâneo-plantares em flexão bilateralmente. Equilíbrio, coordenação e marcha sem alterações. Pupilas isocóricas fotoreagentes. Movimentação ocular extrínseca sem alterações. Fundo de olho com edema de papila bilateral. Nervos cranianos V, VII, IX, X, XI e XII sem alterações. Sem sinais meningorradiculares. As hipóteses diagnósticas foram de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, secundário a trombose de seio venoso; hipotireoidismo, diabetes melittus e pseudotumor cerebral. Foram solicitados tomografia de crânio, ressonância magnética (RM) de encéfalo com angiografia e angiografia de vasos intracranianos. Foi realizada embolização de fístula dural. Anticoagulação foi iniciada após a correção da fístula. A paciente está assintomática há cinco meses desde a correção da fístula dural. A trombose venosa cerebral (TVC) é uma doença cerebrovascular pouco diagnosticada, com potencial de complicações graves, que atinge predominantemente indivíduos jovens e de meia-idade. O quadro clínico e de morbimortalidade é variável: cefaleia, edema de papila, déficit visual, crises convulsivas parciais e generalizadas, déficit neurológico focal, confusão mental, alteração do nível de consciência e coma, quemose, dor facial, paresia de nervo craniano. Há duas teorias que explicam o desenvolvimento da TVC: a primeira se refere a um aumento da pressão venosa, o que reduz a pressão de perfusão nos capilares venosos, aumentando o volume de sangue, não sendo suportado pela rede de colaterais, havendo então quebra de barreira, desenvolvendo-se edema vasogênico. O segundo mecanismo ocorre pela oclusão dos seios durais, resultando em diminuição na absorção do fluido cerebroespinhal, elevando a pressão intracraniana (PIC). O risco de desenvolver TVC depende do perfil genético individual. Na presença de condições protrombóticas, como mutação do fator V de Leiden, mutação do gene da protrombina, deficiência de antitrombina III, deficiência de proteína C, deficiência de proteína S, anticorpo anticardiolipina, anticorpo lúpico, fator reumatoide, anticorpo antifosfolípide, alguns pacientes têm risco aumentado de apresentar TVC quando expostos a trauma craniano, punção lombar, colocação de cateter jugular, gravidez, cirurgias, infecções, uso de anticoncepcionais, tabagismo e drogas. A paciente deste relato não apresentou alterações nas provas de trombofilias e teve a TVC relacionada ao uso de anticoncepcional no primeiro evento. Os fatores de risco associados com TVC podem variar ao longo da vida. Em mulheres jovens, o fator de risco mais associado é realmente o uso de contraceptivo oral. O diagnóstico deve reunir dados clínicos e de neuroimagem; a angioRM venosa assim como a angiografia cerebral convencional podem ser limitadas por variações anatômicas como: a variabilidade do número e localização das veias corticais, hipoplasia da parte anterior do seio sagital superior, duplicação do seio sagital superior e hipoplasia ou aplasia dos seios transversos, dificultando o diagnóstico de TVC. A angiografia intra-arterial é recomendável, principalmente quando o diagnóstico de TVC é incerto, como nos casos raros de comprometimento cortical isolado. O diagnóstico angiográfico é representado pela interrupção súbita de fluxo de uma veia cortical rodeada por colaterais dilatadas e tortuosas (veias saca-rolhas) ou pelo enchimento de uma veia cortical que não era evidente em um estudo angiográfico anterior durante a fase aguda da TVC. Entretanto, a evolução pode contemplar temporariamente complicações. Na fase aguda, destacam-se a hemorragia subaracnoide, e na fase crônica, a fístula dural arteriovenosa, epilepsia secundária e recorrência, mas são potencialmente tratáveis. No caso descrito, chama atenção que a fístula dural arteriovenosa ocorreu na apresentação da recorrência de TVC. Ferro e Canhão (em 2008) descreveram a fístula dural arteriovenosa na TVC como condição infrequente que ocorreu em menos de 1% dos pacientes avaliados em estudo de coorte prospectivo internacional sobre trombose de veias cerebrais e de seio venoso dural (ISCVT) com 624 adultos. Isto corrobora com os nossos dados de que o caso configura-se como um desafio diagnóstico. Figura 1. Ressonância de encéfalo: AXIAL/FLAIR - fístula dural na topografia de seio transverso esquerdo, sangramento de provável origem arterial e com inundação ventricular. Angiografia: oclusão dos seios sigmoide e transverso à esquerda, falhas de enchimento do seio sagital superior. Figura 2. Angiografia: a seta indica a fístula dural junto ao seio transverso esquerdo, associada a refluxo para as veias corticais. Embolização subtotal com ONYX 18 de malformação arteriovenosa dural para compartimento venoso adjacente ao seio transverso esquerdo. Seguimento clínico dos pacientes com estenose carotídea acima de 60% durante cinco anos Vivian Dias Baptista Gagliardi, Vanessa Albuquerque Paschoal Aviz Bastos, Rubens José Gagliardi Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo Introdução: A estenose carotídea é uma importante causa de acidente vascular cerebral (AVC) e ataque isquêmico transitório (AIT), e está relacionada a maior taxa de mortalidade em homens e mulheres idosos. Sua patogenia está relacionada principalmente à aterosclerose; pode haver embolismo do material trombótico, ou baixo fluxo devido à estenose com compensação colateral inadequada, que resultam no evento isquêmico final. A avaliação diagnóstica Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. 205 da doença carotídea envolve ultrassonografia (USG) Doppler, angioressonância magnética e angiografia digital, que possuem bons índices de sensibilidade e especificidade para a realização do diagnóstico. Existem duas estratégias principais no tratamento da doença carotídea aterosclerótica: terapêutica clínica e cirúrgica ou intervencionista. A primeira consiste na tentativa de estabilização da placa e interrupção de seu crescimento, por meio do uso de medicações específicas e controle dos fatores de risco. A segunda estratégia relaciona-se à eliminação ou redução da estenose carotídea por meio de endarterectomia carotídea ou angioplastia carotídea com stent. Objetivos: Verificar a evolução dos pacientes com estenose carotídea maior do que 60%, num acompanhamento de até cinco anos; comparar a evolução entre pacientes com tratamento clínico ou intervenção; sugerir novos critérios de escolha de conduta nesses doentes. Métodos: Estudo observacional transversal, baseado em dados secundários. Revisão de 1002 prontuários de pacientes atendidos no período de 20022011 no Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares da Irmandade da Santa Casa de São Paulo. Selecionados 82 pacientes com AVC que apresentavam estenose carotídea superior a 60% em seguimento por cinco anos; estenose determinada por USG com Doppler das carótidas ou por angiografia digital; computados os fatores de risco e o tratamento efetuado. Casuística: Observou-se que houve equivalência entre os sexos, representados por 56% (45) de homens e 44% (36) de mulheres. A distribuição etária da nossa amostra foi: abaixo de 30 anos 2%, 30 a 49 anos 5%, 50 a 65 anos 27%, acima de 65 anos 66%. Resultados: Na avaliação inicial através do ultrassom Doppler de carótidas, foram identificados 34% (28) com estenose carotídea entre 50-69%, 29% (24) estenose superior a 70% e 28% (23) com oclusão carotídea. No grupo avaliado, 49% foram submetidos à angiografia cerebral, destacando-se em 29% (13) estenose de 50-69%, 42% (19) estenose superior a 70% e em 29% (13) oclusão carotídea. Foram submetidos à intervenção 33% da amostra, sendo que predominou a angioplastia por stent, correspondendo a 79%. Na evolução, observamos que 51% mantiveram-se estáveis, 12% apresentaram melhora clí- Diagn Tratamento. 2011;16(4):195-205. nica, 5% estavam assintomáticos e somente 4% apresentaram intercorrências durante o período avaliado. Discussão: Nossos resultados corroboram os dados da literatura de que, quando a estenose for superior a 70% em pacientes sintomáticos, a endarterectomia mostra-se melhor do que o tratamento clínico (grau de recomendação 1A). Por outro lado, em pacientes assintomáticos, a endarterectomia é benéfica em casos selecionados, em que há estenose de 60% a 99% da carótida. Seu benefício não é tão grande quanto aquele observado em pacientes sintomáticos e sua evidência é maior em homens. Sua eficácia foi comprovada por três grandes estudos clínicos: Veterans Affairs Cooperative Study Group (VA Trial), Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study (ACAS), e o Asymptomatic Carotid Surgery Trial (ACST), que demonstraram menor risco de AVC em pacientes submetidos à endarterectomia quando comparados a grupos controle que somente fizeram uso de aspirina. Essa redução do risco começa a ser observada após dois anos da endarterectomia; no período perioperatório, a morbidade parece ser maior do que a redução do risco que segue o procedimento. A angioplastia carotídea com stent não é recomendada em pacientes com estenose carotídea assintomática, com estenose menor do que 70%. O grupo avaliado neste estudo apresentou boa resposta ao tratamento clínico, sendo identificadas poucas intercorrências, o que vem sendo observado na atualidade com a melhora do tratamento clínico. Questiona-se a possibilidade de o clínico ser mais eficaz que o tratamento cirúrgico e/ou intervencionista. Uma revisão sistemática de dados de 11 estudos prospectivos demonstrou que a taxa anual de AVCs em pacientes assintomáticos com estenose carotídea maior que 50% submetidos a tratamento clínico foi menor do que aquela demonstrada pelos grandes trials de endarterectomia (VA, ACAS e ACST). Conclusão: A evolução dos pacientes em seguimento ambulatorial não submetidos à intervenção invasiva não foi inferior aos demais. Resultados iniciais apenas para panorama geral comparativo dos grupos. A estratificação dos fatores de risco, sua correção e a terapêutica instituída estão em estudo. São necessários estudos clínicos comparando os resultados dos novos tratamentos clínicos com procedimentos intervencionistas em pacientes com estenose carotídea superior a 60%.