- Sociedade Brasileira de Sociologia

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A sociologia política brasileira em perspectiva comparada: as pesquisas de
Maria Sylvia de Carvalho Franco e Paula Beiguelman
Autor: Pedro Faria Cazes (IFCS – UFRJ)
Objeto e Objetivos: O presente trabalho insere-se em pesquisa mais ampla sobre a formação de uma sociologia política brasileira. Ao comparar as pesquisas de Maria Sylvia de Carvalho
Franco e Paula Beiguelman, ambas inscritas no contexto da Universidade de São Paulo da década de 1960, momento de efervescência das Ciências Sociais no Brasil, busco esclarecer as
perspectivas das autoras sobre relação entre instituições políticas e vida social no Brasil. Tomo como material de pesquisa principalmente os livros Homens Livres na Ordem Escravocrata
(1969) de Franco, e Formação Política do Brasil (1967) de Beiguelman.
Para construir a comparabilidade entre os textos busco perceber como as autoras organizam metodologicamente suas pesquisas através de um arranjo específico dos três
princípios de coordenação da vida social: solidariedade, autoridade e interesses. Analisando a relação entre esses princípios em cada livro, poderemos estabelecer aproximações e
distanciamentos indicativos do debate teórico entre diferentes vertentes da sociologia política brasileira. Trata-se, portanto, de contribuir para a reconstituição do perfil cognitivo desse
campo de pesquisas.
Maria Sylvia de Carvalho Franco: a dominação pessoal Paula Beiguelman: patronagem e abolicionismo
O livro Homens Livres na Ordem Escravocrata, de Maria Sylvia de Carvalho
Franco, é uma adaptação da tese de doutorado defendida na USP em 1964 sob orientação
de Florestan Fernandes. O movimento analítico mais amplo do livro mostra como, no
Brasil, há um princípio geral de coordenação das relações sociais, a "dominação pessoal",
que, inscrita nas relações entre homens livres, se desdobra nas instituições e na esfera de
interesses das relações econômicas capitalistas.
A pesquisa parte da análise das relações de contraprestação de
favores e lealdades pessoalizadas que envolviam, de um lado, os
homens livres e pobres, e, de outro, os fazendeiros do Vale do
Paraíba. A formação daquele grupo social estaria diretamente
associada às formas sociais assumidas pela propriedade fundiária no
Brasil, já que o latifúndio comportava áreas ociosas que podiam ser
cedidas para sitiantes, posseiros, agregados, etc. Embora
pressupondo a identificação dos atores sociais em termos de
"pessoas", enquanto iguais porque livres, em oposição aos escravos,
a dominação pessoal fundava-se em relações extremamente
assimétricas de poder.
Ao pensar a formação do Estado nacional do ponto de vista que esse
processo foi vivido pelo "homem comum", especialmente, do servidor público, a autora
mostra como o princípio de dominação pessoal e o baralhamento entre associações morais
e relações de interesse dele decorrente desdobram-se por dentro do próprio Estado. A
frouxa
regulação
das
práticas
administrativas
dava
espaço
para
que o funcionário agisse conforme os "costumes", e o estado de pobreza
inscrita na gênese do Estado exigia o uso do patrimônio pessoal do funcionário. Não
ocorrendo a expropriação do servidor dos meios privados de administração pública, ele
acabava por orientar-se pelas relações pessoalizadas dos favores que regiam o seu meio
social. Assim, a tendência à burocratização do Estado era frustrada pelas próprias relações
que lhe davam base.
Vê-se, portanto, que o movimento da análise vai da socialização dos atores à
institucionalização, destacando a passagem de formas de dominação política inscritas nas
relações sociais para a organização do aparelho estatal.
Paula Beiguelman, cuja trajetória esteve mais ligada à cadeira de Política da USP, se
dedica em Formação Política do Brasil ao estudo do processo histórico que levou a
abolição da escravatura no Brasil. O foco central da análise é a relação entre as
instituições políticas, os interesses dos grupos sociais da sociedade agrária escravista e
uma esfera de solidariedade presente no movimento abolicionista.
O Estado é pensado pela autora a partir do caráter formal de suas instituições e da
dinâmica institucional engendrada no Império brasileiro. Neste, o Poder Moderador
exercido pelo Imperador era a chave do sistema político, pois podia nomear e destituir os
chefes do executivo. Formavam-se, assim, situações em que os partidos políticos, na
disputa pelos favores da Coroa, acabavam se dissociando dos interesses da sociedade
agrária. Por isso são chamados de partidos de patronagem, com seus símbolos distintivos
(Liberal ou Conservador), mas interessados somente na disputa de poder.
O abolicionismo – pensado a partir da obra de Joaquim Nabuco –, dado seu caráter
doutrinário, atuou marginalmente ao sistema partidário, criando uma opinião pública forte
o suficiente para pressionar desde fora o sistema político. Ao aproximar o pensamento
abolicionista do pensamento socialista, a autora entende a inserção do movimento na
sociedade brasileira como revolucionária, ao assumir a „perspectiva dos dominados do
sistema‟.
As pretensões revolucionárias do abolicionismo teriam, porém,
sido frustradas, pois já havia no seio da própria sociedade agrária
um grupo para o qual o escravismo se tornava cada vez mais um
empecilho aos seus interesses econômicos. O setor imigrantista do
Oeste paulista se apresentará, então, como aquele capaz de operar a
mudança sem acarretar as transformações profundas da ordem
social propugnadas pelo movimento abolicionista, pois visava tão
somente a implantação da imigração subvencionada pelo Estado.
Assim a abolição não pode ser explicada apenas pela dinâmica
institucional, ganhando centralidade a relação contingente
estabelecida entre abolicionismo e imigrantismo. Exatamente por
funcionar sem uma vinculação a princípios doutrinários, o sistema político favoreceu os
interesses do setor imigrantista do Oeste paulista, ao criar uma conjuntura onde a
mudança social passava essencialmente pela agitação política fora das instituições.
Resultados Obtidos: Vimos como as duas autoras mobilizam recursos metodológicos diferentes para abordar a relação entre
instituições políticas e a vida social. Maria Sylvia de Carvalho Franco subordina o sentido das instituições políticas à dinâmica da
vida social, já que esse sentido provém das formas de dominação política inscritas nas relações sociais entre homens livres. Logo, a
relação entre solidariedade, autoridade e interesses é construída através da prevalência da solidariedade, já que os outros princípios
não se encontram autonomizados. Porém cabe ressaltar que a gênese dessa forma de solidariedade é resultado de dinamismos do
capitalismo mundial e não é vista como oposto à “modernidade”.
Já Paula Beiguelman permite pensar a relação entre solidariedade social, autoridade e interesses de modo mais contingente, como
mostra sua análise da interação entre instituições políticas, os interesses dos setores agrários e o movimento abolicionista. Em ambos
os casos, no entanto, as autoras são críticas de uma visão estritamente institucionalista da construção do Estado brasileiro. Daí o
sentido teórico heurístico das suas pesquisas para uma compreensão propriamente sociológica da vida política.
Referências Bibliográficas: BEIGUELMAN, Paula. Formação Política do Brasil. São Paulo, Editora Pioneira, 1976. REIS, Elisa Pereira. “Os velhos e os novos desafios da sociologia política”. In: SANTOS, J. V. T.
dos. (Org.).: A sociologia para o século XXI. Pelotas: Universidade Católica de Pelotas; SBS,
BOTELHO, André. “Seqüências de uma sociologia política brasileira”. Dados , Rio de Janeiro, v. 50, n. 1, 2007 .
1999, pp. 59-75.
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. São Paulo, Editora Ática, 1974.
Orientador: André Botelho
Área de Trabalho: Pensamento Social
Brasileiro
Agência de Fomento: FAPERJ
Pesquisa de Iniciação Científica
Instituição: Universidade Federal do Rio de
Janeiro
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