I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 1 CONCEITOS INTUITIVOS: FORÇA NO SENTIDO DO MOVIMENTO EM QUESTÕES DO VESTIBULAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Esdras Viggiano de Souza [[email protected]] José Guilherme Moreira [[email protected]] Departamento de Física / Universidade Federal de Minas Gerais RESUMO Acredita-se atualmente que o estudante não chega em sala de aula livre dos conhecimentos prévios, adquiridos através de suas experiências pessoais, sendo, portanto, importante conhecer esses conceitos intuitivos presentes em cada uma das etapas de ensino formal. Neste trabalho, identificamos respostas dos estudantes sobre a necessidade de força no sentido do movimento para que o mesmo ocorra. Utilizamos, como fonte de dados, questões de múltipla escolha das provas de Física dos Vestibulares da UFMG dos últimos 13 anos, assim como os dados disponíveis sobre cada uma delas. INTRODUÇÃO O estudo de conceitos intuitivos em Ciências é hoje amplamente difundido, e, desde o início da década de 1980, é um dos principais focos de estudo em educação. Nessa área, um trabalho de grande importância foi o de Viennot (1979), desenvolvido no final da década de 1970, e que serviu de base para muitos outros. Os trabalhos de Pacca (1983a), Hestenes e colab. (1992) e Wells (1998) também são referências para o estudo desse assunto. Esses trabalhos mostram que os alunos chegam ao ensino médio com concepções espontâneas e é de grande importância verificar se essas concepções foram modificadas com o ensino formal da Física, ocorrido durante os três anos de contato com esse formalismo. Torna importante identificar se o aluno é capaz de estabelecer as relações formais que são esperadas para definir os conceitos mais básicos. Neste trabalho, enfocamos nossa análise sob um conceito físico fundamental, o de força e movimento, e tentaremos verificar se os estudantes que concluíram o Ensino Médio apresentam conceitos intuitivos sobre esse assunto. Para isso utilizaremos questões de provas de múltipla escolha extraídas dos vestibulares da UFMG em que ao menos uma das alternativas apresenta uma força, que na verdade não existe, no sentido do movimento ou da velocidade. Usaremos como evidência a atratividade das alternativas, ou seja, a porcentagem de alunos que optou por cada uma dessas alternativas, de forma a identificar a presença clara dos conceitos intuitivos. B ASES TEÓRICAS Entendemos por conceitos intuitivos, basicamente, as idéias ou entendimentos que são baseados em questões intuitivas sobre determinados fenômenos, de forma que os conceitos envolvidos não condizem perfeitamente com as definições formais ou teóricas para a correta explicação desses fenômenos. É de grande importância destacar que esse termo, conceitos intuitivos, pode ainda ser encontrado na literatura como concepções alternativas, concepções espontâneas ou conceitos espontâneos e, no inglês, são usados os termos spontaneous conceptions, misconceptions, misunderstandgings, alternative frameworks, alternative conceptions, children’s I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 2 science, raisonnemente naturel (ZYLBERSZTAJN, 1983, p. 4) e preconceptions (PACCA, 1983a, p.9), sendo possível encontrar ainda outras nomenclaturas sem muita dificuldade. Percebe-se a presença desse tipo de conceitos nos mais diversos níveis de ensino, estando presente durante todo ensino fundamental e médio e nos primeiros anos do ensino superior, como foi comprovado em pesquisa desenvolvida por Hestenes e colab. (1992). Nesse trabalho, os autores aplicaram um teste, chamado de Force Concept Inventory – FCI – desenvolvido especificamente para verificar a presença dos conceitos espontâneos em aproximadamente 2000 estudantes (1500 no equivalente ao ensino médio brasileiro e 500 no ensino superior). O teste hoje é amplamente utilizado, inclusive, por não se restringir ao ensino médio, já que foi aplicado em alunos de universidades como Harvard. O projeto é bem claro e simples, estruturado sob o questionário desenvolvido de onde são extraídos praticamente todos os dados. O trabalho apresenta um método prático – o questionário – e dá suporte para discussão e interpretação para quem implantá-lo. Podemos encontrar ainda uma proposta de reflexão sobre o ensino de forma a minimizar a permanência dos conceitos intuitivos, desenvolvendo cursos para preparação para os professores que estavam envolvidos na pesquisa. Recentemente, um dos autores do FCI, Wells, desenvolveu novo trabalho onde alunos são confrontados com questões extraídas do FCI e têm acesso a vídeos, de forma a criar contraposições de teorias espontânea com a formal. Exemplos simples, como, p.ex., quais forças atuam na bola de baseball no ponto mais alto da trajetória, foram apresentados aos alunos para que escrevessem uma crítica fundamentada e apresentassem à turma após algumas semanas (KALMAN e colab., 2004). Dessa forma, o estudante tem de refletir mais profundamente nos conceitos que possui, procurar alternativas e tentar corroborá-las. O trabalho é de grande importância já que leva o estudante a refletir e comparar conceitos, de forma a invalidar interpretações superficiais e muitas vezes corrigir as concepções alternativas. A forma mais utilizada de identificação dos conceitos intuitivos é a análise através de questionário próprio, porém existem outras formas de estudar tal fenômeno como, por exemplo, a observação crítica realizada em sala de aula através de perguntas sobre as questões ensinadas, ou então, entrevista individual ou coletiva sobre a resolução de cada um dos problemas que envolvem os conceitos a serem avaliados. A entrevista é um dos mecanismos mais eficientes, porém fica restrita a salas de aula menores, devido ao tempo dispensado ser relativamente elevado. Além dos testes desenvolvidos especificamente para o fim de verificação das concepções espontâneas, pode-se utilizar avaliações que não foram feitas diretamente para o assunto. Um exemplo é a utilização de questões selecionadas de exames aplicados a um grande número de estudantes, como os vestibulares. Nessa linha, um trabalho de grande importância foi desenvolvido por Pacca, que se propôs a identificar as estruturas de raciocínio nas questões de física abertas extraídas do vestibular da FUVEST. Destacamos que boa parte das concepções espontâneas é originada de conhecimentos que foram obtidos através de influências educacionais – seja por um professor ou pelos pais, familiares e amigos – e por conhecimento adquirido por experiências pessoais ou observações próprias. Tomemos como exemplo para o primeiro caso: o fenômeno dos raios e trovões. A criança aprende dos mais velhos que os raios e trovões são causados por ira dos deuses ou são os anjos jogando boliche. Como essas pessoas têm grande influência sobre as crianças, estas aceitam a explicação como verdade absoluta e somente abandonam a idéia com extrema dificuldade, sendo necessária uma educação diferenciada e consciente para chegar à mudança de concepção. I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 3 Já para o segundo caso, um exemplo seria um fenômeno simples do cotidiano. Imaginemos que se empurra uma mesa no chão. Essa permanece em movimento durante a aplicação da força e, logo depois de a força parar de atuar, o movimento cessa. Para boa parte dos observadores é indispensável a aplicação de uma força para que o movimento ocorra. O problema aí é que um fator de grande importância foi desprezado pelo observador, o atrito, que faz com que a energia cinética do objeto seja dissipada, fazendo com que o corpo permaneça em movimento por pouco tempo. Analisando esses dois exemplos podemos perceber claramente que um indivíduo chega em sala de aula com pensamentos prévios muitas vezes bem consolidados. Tais conhecimentos são difíceis de serem modificados, e muitas vezes a abordagem utilizada não corrige a concepção do aluno, como comenta Hestenes e colab. (1992). Assim esse aluno passa pelas séries iniciais de cada nível de ensino e acumula lacunas, quando poderia estar preenchendo-as ao menos parcialmente. Tais descontinuidades muitas vezes são percebidas posteriormente ou, no caso mais grave, não são percebidas pelos educadores e conseqüentemente não corrigidas. E mesmo quando percebidas, são simplesmente ignoradas. Percebemos que grande dos testes realizados usam para análise, não os acertos dos alunos na avaliação, e sim seus erros. Destaquemos um argumento de Pacca sobre esse assunto que também acreditamos: “Ao se avaliar o estudante através de provas (quaisquer que sejam elas) encontrase, por vezes, uma grande quantidade de erros. Esses erros podem ser vistos simplesmente como uma falta de domínio do conteúdo ensinado; entretanto eles podem ser indícios de um conhecimento impróprio a respeito do assunto tratado ou da falta de estruturas mentais adequadas para operar naquelas condições.” (PACCA, 1983a, p. 11) A escolha do conceito de força e movimento para realização deste trabalho foi realizada devida à grande importância para o entendimento da Física como um todo, sendo base para grande parte dos conteúdos. Importante lembrar que são idéias exploradas desde as primeiras fases do desenvolvimento, sendo abordadas mais diretamente no final do ensino fundamental – mesmo que de forma superficial – e aprofundado nos primeiros anos do ensino médio. Escolhemos, também, trabalhar com questões de múltipla escolha porque temos facilidade de acesso a dados de exames aplicados a um grande número de estudantes – sempre acima de 15 mil – durante um longo período – 13 anos. Não estenderemos, na fase atual no nosso projeto, a análise à origem dos conceitos intuitivos na mente dos estudantes. Destacamos apenas, que podem provir de experiências anteriores diversas assim como observações superficiais de fenômenos, gerando generalizações sobre questões restritas a certos contextos. METODOLOGIA E ANÁLISE DOS RESULTADOS Basearemos os nossos dados em questões de múltipla escolha selecionadas das provas de primeira etapa do vestibular da Universidade Federal de Minas Gerais. Escolhemos apenas 7 questões para análise, dentre as 345 aplicadas nos vestibulares dos anos de 1992 a 2004, totalizando 19 provas – sendo duas provas, com 20 questões cada, nos concursos de 1992 a 1997 e uma prova, com 15 questões, nos demais anos. I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 4 Selecionamos questões que trazem de forma explícita a idéia de força no sentido do movimento. Algumas outras trabalham a mesma idéia e poderiam ser incluídas, mas a idéia aparecia de forma indireta, por exemplo, pedindo o sentido da aceleração ao invés da força. Uma análise mais completa, contemplando essas questões, será realizada futuramente como continuação deste trabalho. Os dados sobre as questões foram cedidos pela Comissão Permanente de Vestibular da UFMG e, para as provas a partir de 1999, também tivemos acesso aos cadernos publicados pelos professores elaboradores das provas. Os principais dados que vamos utilizar são os índices de atratividade – a porcentagem de candidatos que optou por cada uma das alternativas. É importante destacar que, a partir do ano de 1996, as questões de múltipla escolha passaram a ter quatro alternativas, em vez das cinco usuais, e que, até 1997, eram elaboradas duas provas semelhantes – uma era aplicada de manhã a um grupo de cursos e a outra de tarde a outro grupo de cursos. Assim, a partir de 1998, tem-se uma única prova, embora haja 4 versões diferentes e os dados estatísticos sejam de uma dessas versões. Mas o mais importante é que, independente do ano, as estatísticas que serão apresentadas são relativas a mais de 15 mil candidatos. A seguir são apresentadas as questões selecionadas, com os índices de atratividade de cada alternativa. Primeiro, apresentamos duas questões bem semelhantes das provas de 1994. Questão 23 – UFMG 1994 – Manhã Um bloco é lançado no ponto A, sobre uma superfície horizontal com atrito, e desloca-se para C. O diagrama que melhor representa as forças que atuam sobre o bloco, quando esse bloco está passando pelo ponto B, é A – 13,9% B – 46,2% C – 12,0% D – 21,5% E – 3,2% D – 6,8% E – 26,4% Questão 23 – UFMG 1994 – Tarde Dois blocos M e N, colocados um sobre o outro, estão se movendo para direita com velocidade constante, sobre uma superfície horizontal sem atrito. Desprezando-se a resistência do ar, o diagrama que melhor representa as forças que atual sobre o bloco M é A – 9,5% B – 11,7% C – 43,4% I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 5 Notamos que, na questão aplicada no turno da manhã, 81,6% dos candidatos sinalizaram alternativas que apresentavam uma força no sentido da velocidade – as alternativas A, B e D. Já na questão aplicada na prova da tarde, o índice das alternativas A, B e C, que também tem uma força no sentido da velocidade, foi de 64,6%. Esses dois índices são muito altos, sinalizando perfeitamente a presença do conceito intuitivo aristotélico da necessidade de existência de uma força para manter o movimento. É interessante notar que o índice apresentado pela questão da manhã é sensivelmente superior ao da tarde – 81,6% contra 64,6%. Comparando-se as questões, vemos que a principal diferença é que, na prova da manhã, o bloco foi lançado, ou seja, tinha atuado uma força no sentido do movimento. A seguir, apresentaremos duas questões de anos diferentes mas que têm semelhanças ao pedir o diagrama de forças sobre uma bola que descreve um movimento parabólico. Questão 2 – UFMG 1993 – Tarde Uma bola foi lançada obliquamente por um jogador. Considerando a resistência do ar desprezível, indique a figura que melhor representa a força resultante que atua sobre a bola no ponto mais alto de sua trajetória. A – 2,5% B – 24,4% C – 17,6% D – 31,2% E – 24,3% Questão 02 – UFMG 2001 Uma jogadora de basquete arremessa uma bola tentando atingir a cesta. Parte da trajetória seguida pela bola está representada na figura ao lado. Considerando a resistência do ar, assinale a alternativa cujo diagrama melhor representa as forças que atuam sobre a bola no ponto P dessa trajetória. A – 5,1% B – 20,8% C – 44,4% D – 29,7% Na questão 2 da prova de 1993, turno da tarde, percebemos que as opções C e D tiveram grande atratividade, cerca de 48,7%, ou seja, quase metade dos candidatos colocaram algum tipo de força no sentido do movimento. Considerando ainda a opção E – quando o movimento vertical tem velocidade nula – não há também força atuando na partícula. Assim, temos que quase 73% dos candidatos acreditam que é necessário força para que ocorra deslocamento. Também, é interessante notar que as alternativas C e E, que não têm força na vertical, apresentam uma atratividade superior a 40%. Essa atratividade pode estar ligada à bola estar no ponto mais alto da trajetória, onde a velocidade na vertical é nula. Já na prova de 2001, 79,2% dos estudantes escolheram uma das opções que apresentam força no sentido do movimento. Notamos que nesta questão eles conseguiram distinguir melhor que I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 6 existe uma força vertical, sendo uma incidência pouco considerável a alternativa A. Como nenhuma alternativa apresentava força vertical com sentido para cima, não é possível concluir que os candidatos sabiam que não tinha força nessa direção. Consideramos que é um fato preocupante quando comparamos questões que foram aplicadas com nove anos de diferença e a incidência dos mesmos erros continua com alta freqüência. Isso parece indicar que está faltando uma divulgação, e análise, desses dados entre os professores de Física do Ensino Médio, junto com um processo de desenvolvimento de mecanismos que possam ajudar a superar essas deficiências. Como contraponto a essas questões, vamos apresentar uma questão semelhante com a diferença de que o movimento ocorre somente na vertical. Questão 03 – UFMG 2002 Durante uma brincadeira, Bárbara arremessa uma bola de vôlei verticalmente para cima, como mostrado na figura ao lado. Assinale a alternativa cujo diagrama melhor representa a(s) força(s) que atua(m) na bola no ponto mais alto de sua trajetória. A – 17,8% B – 7,2% C – 62,0 D – 13,0 Podemos perceber que a maior parte dos candidatos escolheu a alternativa correta, a C, com mais de 60% das respostas. Mesmo com a maioria dos candidatos acertando, isso pode indicar que, como a bola no ponto mais alto começará a descer, existe uma força nessa direção. Logo, tal alternativa pode representar dois tipos de raciocínio: os que sabem que apenas o peso atua na bola e também os que acreditam que, como haverá um movimento de descida, logo haverá uma força para baixo. As alternativas A e B mostram uma atratividade significativa, 25%, já que ocorria um movimento de subida, assim para desses candidatos existia uma força para cima. Outro indicativo é que a alternativa D mostra que como não há velocidade no ponto mais alto, não há também força. Uma alternativa que faltou foi a que apresentava duas forças verticais, como as alternativas A e B, mas com a força para baixo sendo maior do que a para cima. Pelos resultados que vimos nas outras questões, achamos que a presença dessa alternativa pudesse alterar a atratividade da alternativa C que é a resposta correta. Outro dado interessante, ao compararmos esta última questão com as duas anteriormente apresentadas, é que, quando há composição de movimentos, a dificuldade aumenta significativamente, já que é, pelo raciocínio intuitivo, o número de forças que podem atuar cresce: força para cima quando a bola sobe, força no sentido da velocidade horizontal, força de atrito que se opõe ao sentido da velocidade, nenhuma força atuando na partícula na parte mais alta da parábola, a força peso para baixo em todo o movimento etc. A conclusão ao analisarmos os diferentes desempenhos nas questões anteriores é que o movimento mais simples, de subida e de descida, pode I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 7 até mesmo ser bem interpretado pelo candidato, mesmo que esse tenha apenas conceitos superficiais e pouco solidificados. Já quando se exige do candidato uma interpretação mais profunda do assunto, como no caso do movimento parabólico, o mesmo não é capaz de interpretar e resolver o problema apresentado, mostrando claramente um entendimento falho, sinalizando novamente conceitos mal compreendidos. Para confirmar essa linha de encaminhamento, vamos apresentar duas questões em que devem aparecer conceitos mais elaborados, envolvendo movimento curvilíneo e força centrípeta. Questão 02 – UFMG 2000 Um circuito, onde são disputadas corridas de automóveis, é composto de dois trechos retilíneos e dois trechos em forma de semicírculos, como mostrado na figura. Um automóvel está percorrendo o circuito no sentido anti-horário, com velocidade de módulo constante. Quando o automóvel passa pelo ponto P, a força resultante que atua nele está no sentido de P para A) K. B) L. C) M. D) N. A – 29,3% B – 27,7% C – 30,8% D – 12,2% Questão 02 – UFMG 2004 Daniel está brincando com um carrinho, que corre por uma pista composta de dois trechos retilíneos – P e R – e dois trechos em forma de semicírculos – Q e S –, como representado na figura ao lado. O carrinho passa pelos trechos P e Q mantendo o módulo de sua velocidade constante. Em seguida, ele passa pelos trechos R e S aumentando sua velocidade. Com base nessas informações, é CORRETO afirmar que a resultante das forças sobre o carrinho A) é nula no trecho Q e não é nula no trecho R. B) é nula no trecho P e não é nula no trecho Q. C) é nula nos trechos P e Q. D) não é nula em nenhum dos trechos marcados. A – 7,3% B – 37,4% C – 15,8% D – 39,3% Na questão de 2000, percebemos que as opções A, B e C tiveram praticamente o mesmo índice e a alternativa D, que remete aos candidatos a idéia de força centrífuga, teve um índice relativamente baixo. A alternativa A mostra que parte dos candidatos acreditam que a força é associada à trajetória talvez porque tenham gravado que “o corpo sai pela tangente quando não há força dirigida para o centro do movimento”, mas apresentam dificuldades em diferenciar trajetória e força e acabam colocando novamente a força no sentido da velocidade. Um caso interessante é o caso da alternativa B, com cerca de um terço das respostas, para a qual podemos dar duas interpretações: o candidato confundiu o centro da trajetória com o centro do circuito em vez do centro do semicírculo; o candidato fez a resultante entre a força centrípeta com a força que acredita estar no sentido da velocidade. Se considerarmos que os candidatos que marcaram A e B totalizam 58%, nos aproximamos novamente dos índices anteriores de força na direção da velocidade. I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 8 Na questão de 2004, percebemos que quase 40% dos candidatos optaram pela alternativa D que coloca de forma explícita a existência de uma força no sentido da velocidade. Comparando com os índices anteriores percebemos uma diminuição que pode levar a duas conclusões: ou os estudantes estão conseguindo interpretar melhor os conceitos; ou apenas o conseguem fazer quando a situação é bem simples. Com a seleção e análise dos itens fica transparente que grande parte dos estudantes tem dificuldade em definir ou aplicar os conceitos de força da forma correta. Em casos particulares mais simples que envolvem poucas variáveis ou restringem o conteúdo avaliado percebe-se uma melhora nos resultados. Evidenciando assim que o aluno muitas vezes aprende os conceitos fundamentais, porém de forma superficial e mais ligado às fórmulas. Em muitos casos os alunos generalizam questões restritas a um dado exercício sem prestar atenção nas novas variáveis inseridas, de forma a chegar em respostas muitas vezes próximas à realidade, porém com idéias falhas. CONCLUSÃO Com a seleção de algumas questões do vestibular da UFMG dos últimos 13 anos, fica evidente que a idéia intuitiva da necessidade de uma força no sentido do movimento ainda existe no final do ensino médio, período onde o estudante deveria ter consolidado os conceitos mais fundamentais da Física. Uma das causas possíveis para essa confusão de força e movimento, além é claro das concepções espontâneas, é o fato que os estudantes “aprendem” que, quando um corpo é solto em um movimento circular, o mesmo sai pela tangente. Assim comumente encontramos os estudantes indicando uma força tangente ao movimento curvilíneo ou parabólico. Concluímos ainda que não ocorreram modificações significativas nas concepções dos candidatos sobre os conceitos espontâneos embora tenham ocorrido pesquisas no ensino de Física sobre esse assunto. Esse resultado em parte pode ser causado por falta de acesso ou mesmo por serem ignoradas pelos professores tais pesquisas em ensino de física. Para esta parte trabalho nos restringimos a avaliar uma questão muito importante – a de que os estudantes no final do Ensino Médio ainda carregam a concepção espontânea de que para que ocorra um movimento é necessária uma força na direção e sentido desse movimento. Existem muitos outros conceitos que pretendemos analisar com os dados que nos foram disponibilizados. Em outra etapa de nossa pesquisa, uma análise mais profunda será realizada, utilizando-se outras questões e ampliaremos o estudo para a análise de questões relacionadas não somente à 1ª lei de Newton, mas também à 3ª lei. Também pretendemos estudar o entendimento desses conceitos quando apresentados em outros contextos, p.ex., eletromagnetismo. Outro ponto que pretendemos abordar é a relação entre essa falha na formação e as condições sócio-econômicas dos candidatos e, também relacionar com os sistemas de ensino – público (federal, estadual e municipal) ou privado. REFERÊNCIA B IBLIOGRÁFICA ALVES, E.S.; et. al. – Física no vestibular: provas e comentários (Vestibular UFMG/2001); Belo Horizonte: Ed. UFMG; (2001) CAMPOS, A.A.G.; et al. – Física no vestibular: provas e comentários (Vestibular UFMG/99); Belo Horizonte: Ed. UFMG; (1999) HALLOUN, I.A.; HESTENES, D. – Common sense concepts about motion; Am. J. Phys. 53 (11) (1985) HESTENES, D. – Who needs Physics Education Research!? Am. J. Phys. 66: 465-467 (1998) I X EN C O N T R O N A C I O N A L D E P E S Q U I S A E M E N S I N O D E F Í S I C A 9 HESTENES, D.; Wells, M.; Swackhamer, G. – Force Concept Inventory; The Phys. 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