“Política nacional e contexto local: uma análise da implementação da Política de Saúde Bucal no município de Vitória, do Espírito Santo” por Priscilla Caran Contarato Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cristiani Vieira Machado Rio de Janeiro, abril de 2011. Esta dissertação, intitulada “Política nacional e contexto local: uma análise da implementação da Política de Saúde Bucal no município de Vitória, do Espírito Santo” apresentada por Priscilla Caran Contarato foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof. Dr. Ruben Araújo de Mattos Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista Prof.ª Dr.ª Cristiani Vieira Machado – Orientadora Dissertação defendida e aprovada em 25 de abril de 2011. Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública C759 Contarato, Priscilla Caran Política nacional e contexto local: uma análise da implementação da política de saúde bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo. / Priscilla Caran Contarato. -- 2011. 164 f. : il. ; graf. ; mapas Orientador: Machado, Cristiani Vieira Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011 1. Saúde Bucal. 2. Políticas Públicas. 3. Especialidades Odontológicas. 4. Serviços de Saúde Bucal - organização & administração. I. Título. CDD - 22.ed. – 617.601098152 À Rosana pelo apoio, confiança, amizade e pelo seu grande senso de humor que me faz ser a cada dia uma pessoa melhor. Agradecimentos Agradeço a Deus, que me deu o dom da vida e me possibilitou nascer em uma família, onde sempre tive muito amor, apoio e educação. Além de todas as bênçãos e proteção. À minha orientadora Cristiani Vieira Machado, ao qual pude desfrutar de momentos valiosos de conhecimento, solidariedade, humildade, postura ética e simplicidade. A cada orientação aprendia um pouco mais e me sentia acolhida para seguir em frente. Obrigada por toda dedicação, afetuosidade e acolhimento. Serei eternamente grata pelo seu carinho na condução deste trabalho. Minha mais profunda estima e admiração. Aos colegas do grupo de pesquisa e do grupo de leituras em metodologia de análise de políticas públicas, agradeço pelas contribuições generosas para meu crescimento profissional. Foi muito importante ter participado e desfrutado de momentos tão ricos. À Tatiana Wargas e Ruben Matos que aceitaram fazer parte da banca de qualificação e de defesa desta dissertação. Todo meu agradecimento e reconhecimento pelas valiosas contribuições. À Gisele O’Dwyer e Rafael Arouca pela disponibilidade em fazer parte da banca de defesa como suplentes. Agradeço a atenção. Aos professores do mestrado pelas aulas dispensadas que possibilitaram novos conhecimentos e desenvolvimento profissional. A todos os meus colegas de mestrado pelos momentos que pudemos desfrutar juntos. Foi um prazer tê-los conhecido. Em especial agradeço a amizade de Paula Guidone, Henrique e Nidilaine pela troca de experiências e momentos compartilhados nas nossas caminhadas de volta para casa ao final das tardes. Aos funcionários da biblioteca sempre solícitos em nos receber e acolher, em especial a Gisele pela sua receptividade e profissionalismo. A todos os funcionários da Escola Nacional de Saúde Pública pela dedicação dispensada. Agradeço ao CNPq pelo apoio financeiro e pela bolsa de mestrado a mim concedida por meio do Projeto “A política de saúde no Governo Lula: continuidades e mudanças na condução nacional do Sistema Único de Saúde” sob coordenação da Dra. Cristiani Vieira Machado. Agradeço a Capes, que por meio do Edital Proex-Capes, proporcionou o apoio financeiro para realização do trabalho de campo em Vitória, Espírito Santo. À Coordenação do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Saúde Pública da ENSP, e à Secretaria acadêmica pela preocupação e disponibilidade em solucionar as questões referentes à documentação, prazos, agendamentos, entre outros. Agradeço a todos os entrevistados pela disponibilidade e presteza em conceder informações valiosas que culminaram na realização deste trabalho. Meu muito obrigado. Aos funcionários da Secretaria Municipal de Saúde de Vitória que por meio de documentos e informações contribuíram enormemente para a elaboração da pesquisa, em especial a Arlete pelos seus ensinamentos e dedicação ao serviço público. À Vanessa, amiga fiel que me incentivou muito para ingressar no mestrado, meu muito obrigado pelos ensinamentos, apoio e amizade. A meus pais todo meu amor e agradecimento. Com eles aprendi lições fundamentais para seguir na vida como a honestidade, o caráter e o amor ao próximo. Agradeço por todo o amor e paciência nos momentos em que não pude estar presente. Às minhas irmãs, Mychelle e Isabela, companheiras leais, agradeço pelo carinho incondicional e apoio que me dispensaram na realização deste trabalho. À minha avó Liquinha pelas orações e apoio constante. A todos os meus familiares que se privaram da minha convivência, mas sempre se mantiveram ao meu lado mesmo quando estava longe. À minha tia Zilar, muito obrigada pelo apoio e incentivo. Agradeço à minha prima Sumaya, pelo carinho com que me recebeu no Rio de Janeiro. Muito obrigada pela hospedagem e pelos momentos que passamos juntas. Foi muito bom resgatar essa convivência depois de muitos anos. À minha prima, amiga e médica Márcia que me ajudou a controlar a ansiedade por meio de seu carinho e florais. À Rosana, meu profundo agradecimento pela sua dedicação, paciência, confiança, carinho e amizade. Seu incentivo e apoio foram primordiais para a realização deste trabalho. O meu muito obrigada a todos os amigos que direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. Aproveito também para pedir desculpas a todos pelos momentos de ausência dos últimos tempos. O êxito da vida não se mede pelo caminho que você conquistou, mas sim pelas dificuldades que superou no caminho. Abraham Lincoln Resumo Este estudo analisa a política de saúde bucal na perspectiva da integralidade, considerando as diretrizes nacionais e a sua implementação no município de Vitória ES. A pesquisa fundamentou-se nas contribuições da literatura de análise de políticas públicas, particularmente na referente à implementação de políticas, e nos estudos sobre integralidade, considerando dois sentidos principais: o desenho da política e a organização da rede. As principais categorias de análise foram: o desenho e a implantação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB); a configuração e implementação da política de saúde bucal no Município e sua relação com diretrizes nacionais e estratégias estaduais; a estrutura e funcionamento do Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) e a integração entre serviços e níveis de atenção. O estudo compreendeu várias estratégias metodológicas, tais como revisão bibliográfica, análise documental, análise de bases de dados secundários e entrevistas semiestruturadas. Identificou-se que a política de saúde bucal no Brasil no período recente compreende uma configuração abrangente, que apresenta o CEO como principal estratégia para ampliar o acesso da população ao atendimento especializado. A análise da trajetória histórica da política de saúde bucal no município de Vitória revelou quatro períodos com características distintas, em termos da condução da política, da organização do sistema de saúde e do modelo de atenção. Observou-se, nos períodos analisados, a adoção de diferentes estratégias para ampliar o acesso da população aos serviços de saúde, com maior inflexão no último período pelas transformações ocorridas na política nacional. Constatou-se que atualmente o CEO de Vitória dispõe de uma estrutura razoável e bons equipamentos, entretanto apresenta dificuldades em algumas especialidades relacionadas à grande demanda de pacientes, às longas filas de espera, ao alto índice de absenteísmo e à baixa produção. Com relação à integração entre serviços, observou-se que, apesar de a atenção básica e o CEO disporem de um fluxo bem definido e articulado, a comunicação entre os níveis de atenção é frágil. Conclui-se que o Município apresentou avanços importantes no período recente, principalmente na estruturação da atenção especializada por meio da implantação do CEO, porém persistem sérias limitações quanto ao acesso e à integração entre os serviços de saúde. Palavras chave: Saúde Bucal. Políticas Públicas. Centro de Especialidades Odontológicas. Política Nacional de Saúde Bucal. Abstract This study analyses the oral health policy in terms of comprehensiveness, considering the national guidelines and their implementation in the municipality of Vitória, in the Brazilian state of Espírito Santo. The research was grounded on contributions in literature that reviews public policies, especially in relation to policy implementation, and on studies into comprehensiveness, considering two main aspects: the policy design and the health services network organization. The main categories of analysis were: the design and implantation of the National Oral Health Policy; the configuration and implementation of the oral health policy in the municipality and its relation with national guidelines and state strategies; the structure and functioning of the Centre of Dental Specialities (CEO) and the integration between services and levels of care. The study consisted of various methodological strategies, such as bibliographic review, documental analysis, analysis of secondary databases and semi-structured interviews. It was ascertained that the recent history of oral health policy in Brazil covers a wide-ranging configuration, with the CEO as the primary strategy to broaden public access to specialised care. Reviewing the historical development of the oral health policy in the municipality of Vitória revealed four periods bearing distinct characteristics, in terms of administration of the policy, organization of the health system and the care model. In the periods analysed, different strategies to broaden public access to health services could be identified, with the greatest reversal occurring in the last period due to transformations in the national policy. It was found that presently the Vitória CEO is reasonably structured and has good equipment; however it faces problems in some specialities due to the high demand from patients, long waiting lists, high absenteeism and low production. In relation to the integration between services, it was observed that, despite there being a well-defined and coordinated flow between basic care units and the CEO, communication between the levels of care is fragile. In conclusion, the municipality has achieved important progress in recent years, especially in offering structured specialised care by implanting the CEO; however it still faces serious limitations as regards the access and integration between the health services. Key Words: Oral Health. Public Policies. Centre of Dental Specialities. National Oral Health Policy. Sumário Apresentação .................................................................................................................. 13 Capítulo 1 – Referencial Analítico e Desenho do Estudo .............................................. 18 1.1 Contribuições do Referencial de Análise de Políticas Públicas............................ 18 1.2 Contribuições do Enfoque da Integralidade em Saúde ......................................... 27 1.3 Desenho do Estudo ............................................................................................... 32 Capítulo 2 - A Política de Saúde Bucal no Brasil .......................................................... 40 2.1 Breve Histórico ..................................................................................................... 40 2.2 O Brasil Sorridente: A Política de Saúde Bucal no Governo Lula ....................... 51 2.3 A Implantação da Política de Saúde Bucal no Brasil ........................................... 63 Capítulo 3 – Trajetória da Política de Saúde Bucal em Vitória...................................... 77 3.1 O Período Pré-Sus (1950-1988) ............................................................................ 77 3.2 O Período de Ênfase na Municipalização (1989-1994) ........................................ 80 3.3 O Período de Predomínio do Programa Sorria Vitória (1995-2003) .................... 86 3.4 O Período de Influência do Brasil Sorridente (2004-2010) .................................. 96 Capítulo 4 – A Saúde Bucal no Município de Vitória: Configuração Atual e Inserção do Centro de Especialidades Odontológicas ..................................................................... 105 4.1. A Organização da Saúde Bucal no Sistema Municipal de Saúde ...................... 105 4.2 O Centro de Especialidades Odontológicas no Sistema de Atenção à Saúde Bucal .................................................................................................................................. 116 4.3 O Laboratório Regional de Prótese Dentária ...................................................... 125 4.4 A Integração do CEO na Rede de Serviços: Fluxos e Regulação Assistencial .. 128 4.5 As Outras Unidades Especializadas do Município ............................................. 136 Considerações Finais .................................................................................................... 139 Referências Bibliográficas ............................................................................................ 146 Apêndice A ................................................................................................................... 157 Apêndice B ................................................................................................................... 158 Apêndice C ................................................................................................................... 159 Apêndice D ................................................................................................................... 160 Apêndice E ................................................................................................................... 161 Lista de Quadros, Tabelas e Figuras Quadros 0-2 Quadro 1.1 – Síntese das categorias, variáveis e estratégias metodológicas do estudo . 39 0-1 Quadro 2.1 – Tipos de CEO e formas de financiamento ............................................... 58 0-2 Quadro 2.2 – Produção mensal e tipo de repasse financeiro para LRPD....................... 58 0-3 Quadro 2.3 – Principais portarias ministeriais relativas à saúde bucal editadas a partir de 2004 – Brasil. .................................................................................................................. 61 0-4 Quadro 2.4: Estados Beneficiados com as Unidades Odontológicas Móveis no ano de 2009 ................................................................................................................................ 71 0-5 Quadro 2.5 - Estados Beneficiados com as Unidades Odontológicas Móveis no ano de 2010. ............................................................................................................................... 71 0-6 Quadro 2.6 - Indicadores de Saúde Bucal constantes no Pacto da Atenção Básica 2006. ........................................................................................................................................ 72 3-1 Quadro 3.1 – Percentual de crianças com necessidade de atenção clínica em saúde bucal examinadas no município de Vitória no período de 1996 a 2004 (Programa Sorria Vitória). .......................................................................................................................... 95 3-2 Quadro 3.2 – Síntese da evolução da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória1950 a 2010. ................................................................................................................. 102 4-1 Quadro 4.1 – Índice de absenteísmo e filas de espera no CEO e unidades especializadas, por especialidades. Município de Vitória, Julho a Dezembro de 2010 ........................ 124 4-2 Quadro 4.2 - Produção do Centro de Especialidades Odontológicas por Especialidade. ...................................................................................................................................... 124 Figuras 0.1 Figura 1.1 – Mapa da divisão territorial do município de Vitória .................................. 33 0.1 Figura 2.1- Evolução do número de Equipes de Saúde da Família e Equipes de Saúde Bucal no Brasil de 2002 a 2010. ..................................................................................... 64 0.2 Figura 2.2 – Evolução da Abrangência Populacional estimada das Equipes de Saúde da Família e das Equipes de Saúde Bucal no Brasil – 2002 a 2010. ................................... 65 0.3 Figura 2.3 – Evolução das Equipes de Saúde Bucal implantadas por região no período de 2003 a 2010................................................................................................................ 66 0.4 Figura 2.4 - Abrangência Populacional Estimada das Equipes de Saúde Bucal por região nos anos de 2003 e 2010. ................................................................................................ 66 0.5 Figura 2.5 – Abrangência Populacional Estimada das Equipes de Saúde Bucal por Unidade Federativa nos anos de 2003 e 2010. ............................................................... 67 0.6 Figura 2.6 – Evolução do número de Centros de Especialidades Odontológicas no Brasil no período de 2004 a 2010. ............................................................................................ 68 0.7 Figura 2.7 – Número de Centros de Especialidades Odontológicas por tipo e região em Outubro de 2010. ............................................................................................................ 69 0.8 Figura 2.8 – Número de Centros de Especialidades Odontológicas por Unidade Federativa no ano de 2010. ............................................................................................. 69 0.9 Figura 2.9 – Evolução do número de Laboratórios de Prótese Dentária no Brasil no período de 2005 a 2008. ................................................................................................. 70 0.10Figura 2.10 – Evolução da Cobertura de Primeira Consulta Odontológica Programática por região – 2002 a 2007. ............................................................................................... 74 0.11Figura 2.11 – Evolução da Proporção de Procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais por região - 2002 a 2007 ...................... 74 0.12Figura 2.12 – Evolução da Proporção de exodontias em relação às ações odontológicas básicas individuais por região - 2002 a 2007. ................................................................ 75 4.1 Figura 4.1 – Mapa da regionalização da saúde em Vitória........................................... 106 4.2 Figura 4.2 – Percentual da população beneficiária de planos de saúde e de planos odontológicos nas capitais da Região Sudeste no ano de 2009 .................................... 108 4.3 Figura 4.3 – Percentual da população beneficiária de planos de saúde e de planos odontológicos em Vitória, Espírito Santo, Região Sudeste e Brasil no ano de 2009. .. 108 4.4 Figura 4.4- Abrangência populacional das Equipes de Saúde da Família e das Equipes de Saúde Bucal. ............................................................................................................ 110 4.5 Figura 4.5- Abrangência populacional estimada das Equipes de Saúde Bucal em Vitória, Espírito Santo, Região Sudeste e Brasil no ano de 2010. ............................................. 110 4.6 Figura- 4.6 Número de Procedimentos dos Cirurgiões-dentistas de Vitória no ano de 2010 por tipo................................................................................................................. 114 4.7 Figura- 4.7 Evolução da Cobertura de Primeira Consulta Odontológica Programática em Vitória 2004 a 2010 ...................................................................................................... 115 4.8 Figura- 4.8 Evolução da Proporção de Procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais em Vitória - 2002 a 2007 ......................... 115 4.9 Figura 4.9 – Produção do Laboratório de Prótese no ano de 2010. .............................. 127 4.10Figura 4.10 - Fluxo de Atendimento do Usuário pela Central de agendamento antes do sistema SISREG. .......................................................................................................... 129 4.11Figura 4.11 - Fluxo de Atendimento do Usuário pelo SISREG. .................................. 130 4.12Figura 4.12 - Fluxo de Atendimento do Paciente com Necessidades Especiais. ......... 131 Lista de Siglas ABO – Associação Brasileira de Odontologia ACD – Atendente de Consultório Dentário AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ANS – Agência Nacional de Saúde APAC - Autorização de Procedimento de Alto Custo/Complexidade APAE - Associação dos pais e amigos dos excepcionais APD – Auxiliar em prótese dentária CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão CD – Cirurgião-dentista CEBES - Centro Brasileiro de Estudos de Saúde CEO – Centro de Especialidades Odontológicas CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CNSB – Conferência Nacional de Saúde Bucal CPO-D – Dentes Perdidos, Obturados e Cariados CRO – Conselho Regional de Odontologia CVRD – Companhia Vale do Rio Doce DAI - Departamento de Ações Integrais em Saúde DAS - Departamento da Administração em Saúde DASS - Departamento de Assistência à Saúde DATASUS - Departamento de Informática do SUS DNSB - Divisão Nacional de Saúde Bucal DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis ECEO - Encontros Científicos dos Estudantes de Odontologia ENATESPO - Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público Odontológico ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública ESB – Equipe de saúde bucal ESF – Estratégia de saúde da família FAEC - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação FAESA - Faculdade de Administração Espírito-Santense FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz FUNASA - Fundação Nacional de Saúde GERUS - Gerenciamento de Unidades Básicas do SUS IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IJSN – Instituto Jones Santos Neves INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS – Instituto Nacional de Previdência Social IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPC – Índice de Preços ao Consumidor LRPD – Laboratório Regional de Prótese Dentária MBRO - Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica MS - Ministério da Saúde NHS – National Health Service NOAS - Norma Operacional da Assistência à Saúde NOB – Norma Operacional Básica OMS - Organização Mundial da Saúde PAB – Piso da Atenção Básica PIA - Programa Inversão da Atenção PIB – Produto Interno Bruto PMV – Prefeitura Municipal de Vitória PNCCSF - Programa Nacional de Controle da Cárie Dental com o uso de Selantes e Flúor PNE – Paciente com Necessidades Especiais PNSB – Política Nacional de Saúde Bucal PRECAD - Programa Nacional da Cárie Dental PROFIS - Sociedade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal PSF – Programa de saúde da família PUC – Pontifícia Universidade Católica RMGV – Região Metropolitana da Grande Vitória SAMU - Serviços de Atendimento Móvel de Urgência SCIELO - Scientific Electronic Library Online SESA – Secretaria Estadual de Saúde SESP - Serviço Especial de Saúde Pública SEMUS – Secretaria Municipal de Saúde SIA – Sistema de Informações Ambulatoriais SISS - Sistema Integrado de Serviços de Saúde SUS – Sistema Único de Saúde TCG – Termo de Compromisso de Gestão THD – Técnico em Higiene Dental TPD – Técnico em prótese dentária UF – Unidade Federativa UFES –Universidade Federal do Espírito Santo USP - Universidade de São Paulo 13 Apresentação Nestes últimos vinte anos da implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), podem-se observar avanços relacionados, principalmente, às políticas de descentralização e de democratização para a garantia do direito aos serviços de saúde. Entre esses avanços, pode-se destacar, no ano de 2004, o lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que abriu novas perspectivas para a atenção odontológica, ao propor a expansão dos atendimentos básicos e especializados, incluindo a criação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO). Nessa perspectiva, este estudo apresenta como propósito a análise da política de saúde bucal no município de Vitória, considerando as influências da política nacional, com particular destaque para uma de suas estratégias: o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), como dispositivo crítico da Política de Saúde Bucal na perspectiva da integralidade. As inquietações que orientaram esta pesquisa foram vivenciadas na prática de atendimento em um CEO em Vitória. Na época de inserção da autora nesse centro, questões referentes a dificuldades de acesso, demanda excessiva por serviços especializados, que até 2004 não faziam parte da agenda governamental, aspectos relacionados à integralidade das ações, entre outras, despertaram o interesse em estudar o papel que o CEO desempenha para a concretização dessa política. O estudo partiu do pressuposto de que o Estado tem um papel importante na condução de ações na área de saúde bucal e na constatação de que as históricas fragilidades das políticas públicas nessa área são responsáveis, em grande parte, pela péssima situação da população brasileira no que concerne à saúde bucal. A primeira justificativa para realização deste estudo está relacionada à relevância da saúde bucal e a seu reconhecimento como problema de saúde pública no Brasil. Tal situação foi retratada pelo 3º. levantamento epidemiológico de 2003, em que se evidenciou a histórica fragilidade de políticas públicas efetivas nessa área, demonstrada pelos altos índices de doença bucal. Os dados que mais chamaram a atenção pela sua gravidade relacionaram-se à perda dentária, uma vez que somente cerca de 55% dos adolescentes com 18 anos tinham todos os dentes. Com relação aos idosos, esses dados preocupavam ainda mais, com uma média, por pessoa, de quase 26 dentes extraídos. Além disso, foi evidenciada a grande exclusão em relação ao acesso ao tratamento odontológico, já que o levantamento destacou que cerca de 13% da população de 14 adolescentes nunca haviam ido ao dentista. Constatou-se, conforme os dados levantados, que havia cerca de trinta milhões de desdentados no Brasil1. A segunda justificativa para este trabalho diz respeito aos desafios para a organização dessa política, que não logrou posição de destaque na agenda nacional da saúde até 2000. A atenção à saúde bucal sempre esteve caracterizada pelo seu aspecto curativo, que subentendia a mutilação pela extração dentária, com um modelo de atenção conformado na década de 1950, baseado no atendimento a escolares na idade de 6 a 14 anos, deixando a população adulta na livre demanda. As ações do Estado baseavam-se na oferta de serviços imediatistas às queixas dos indivíduos, buscando manter em boas condições a força de trabalho, o que configurava um modelo de saúde de pouca efetividade. Nos anos 1980 foi realizado o primeiro levantamento epidemiológico de Saúde Bucal, assim como a I Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB), que propôs incluir a saúde bucal como direito de todos e dever do Estado1, 2,3. Com a implementação do SUS como um sistema universal, calcado nos princípios de universalidade e integralidade, ocorreram mudanças com relação à política de saúde brasileira, com expansão da oferta e do acesso a vários serviços. Apesar disso, as políticas voltadas para a saúde bucal não tiveram destaque na agenda governamental federal nos primeiros doze anos de implementação do SUS. Somente em 2000, por meio da conformação de equipes de saúde bucal vinculadas a equipes de saúde da família, é que se começou a observar um movimento mais concreto de ampliação das ações nessa área. Não é simples fortalecer uma política pública de saúde bucal, mesmo em um país com um sistema de saúde de desenho universal, porque existe um peso forte do setor privado na área odontológica. A análise da assistência odontológica pública em países que apresentam sistemas de saúde abrangentes demonstrou, com exceção de Cuba, atendimento fragmentado, restritivo a determinadas faixas etárias e grupos específicos, e altamente vinculado ao setor privadoI,4. A terceira justificativa para o desenvolvimento desta pesquisa diz respeito às inflexões na política brasileira a partir de 2003, com priorização da saúde bucal e sua I Foram analisados países de diferentes modalidades de proteção social e verificou-se que a Alemanha, o Reino Unido, o Canadá e a Escandinávia apresentam uma prática odontológica privada mediada pelo desembolso direto ou taxas de copagamentos. Na maioria dos países, os direitos públicos assegurados ao tratamento odontológico estenderam-se às faixas etárias até 19 anos e a grupos específicos da população, como os de gestantes, idosos, desempregados e pessoas com necessidades especiais, variando conforme o país4. 15 expansão em todo o País. A partir de 2003, com o início do governo Lula, a saúde bucal alcançou um status prioritário na agenda governamental federal. A Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) Brasil Sorridente, lançada em 2004, reúne uma série de ações em saúde bucal voltadas para cidadãos de todas as idades, baseadas em princípios de universalidade e integralidade. Nesse sentido, os dados obtidos no levantamento epidemiológico de 2003 serviram de base para a construção dessa política. Com a implantação do Programa Brasil Sorridente, espera-se que haja uma mudança na atenção à saúde bucal, que foi marginalizada por tantos anos. A PNSB tem como meta principal ampliar e qualificar a atenção básica e reorganizar a atenção em saúde bucal, buscando assegurar atendimento em todos os níveis de atenção e proporcionar acesso a todas as faixas etárias5. Uma forma de implementar esse atendimento integral tem sido a implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), que compreendem a oferta de serviços de endodontia, periodontia, diagnóstico bucal, cirurgias e atendimento a pacientes com necessidades especiais. Outro dispositivo são os Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias, cuja finalidade é confeccionar próteses totais ou parciais removíveis5. Os CEOs são colocados como dispositivos centrais dessa política, já que, por meio deles, estaria assegurada a continuação do atendimento, que representa um aspecto crítico para a integralidade. Tal argumento constitui a quarta justificativa deste trabalho5. Porém, organizar as ações de saúde na perspectiva da integralidade, relacionada a uma atenção contínua, por meio de ações articuladas em rede que promovam a coordenação do cuidado entre os diversos serviços é ainda hoje um dos grandes desafios para a consolidação do SUS. Apesar dos avanços, muitos serviços ainda atuam de forma fragmentada. Diante desse quadro, é importante o estudo e a análise das políticas relacionadas à integralidade em saúde bucal, para que os serviços de saúde sejam mais resolutivos no atendimento das necessidades da população. Dado o contexto da política no Brasil, marcado pela forte indução nacional e pela grande diversidade local, justifica-se o exame tanto da condução política nacional como da sua implementação, por meio da realização de um estudo de caso no município de Vitória. Esta última justificativa apresenta-se como um importante recorte para a realização deste estudo, visto que um Estado federal é caracterizado pela soberania 16 compartilhada entre o governo central e os subnacionais, exigindo equilíbrio entre o autogoverno e a interdependência6. Em um país como o Brasil, de grande extensão territorial, heterogêneo e federativo, são adotados mecanismos para a coordenação federativa. O Governo Federal, na distribuição intergovernamental de funções, fica encarregado da formulação da política nacional de saúde, de seu financiamento e da coordenação das ações intergovernamentais. Assim, uma política implementada em nível local será fortemente dependente das regras institucionais nacionais e da transferência de recursos7. Vitória foi escolhida por ser a cidade de origem da pesquisadora, ser uma capital estadual com aproximadamente 320.000 habitantes e ter um único CEO, implantado há cinco anos. As principais questões de investigação que norteiam este estudo são: Quais as mudanças e possibilidades que a política nacional de saúde bucal trouxe para o município de Vitória? Qual a trajetória de construção da política de saúde bucal no Município? Qual o papel que o CEO desempenha para concretização da política municipal de saúde bucal na perspectiva da integralidade? O objetivo geral do estudo é analisar a política de saúde bucal na perspectiva da integralidade, considerando as diretrizes nacionais e a sua implementação no município de Vitória/ES. Os objetivos específicos são analisar o desenho da Política Nacional de Saúde Bucal e a proposta dos CEOs na perspectiva da integralidade em saúde; descrever a implementação da política municipal de saúde bucal em Vitória- ES; caracterizar o papel e a atuação do CEO no atendimento à saúde bucal em Vitória/ES; discutir as possibilidades e desafios dos CEOs como dispositivos da política de saúde bucal voltada para a integralidade a partir do caso de Vitória/ES. Além desta Apresentação, a dissertação está dividida em outros quatro capítulos. No capítulo 1 aborda-se o referencial analítico e metodológico do estudo, por meio das contribuições de análise de políticas e do enfoque da integralidade. Inicialmente procura-se situar o campo e o ciclo das políticas públicas como um processo dinâmico e interdependente. Aqui são abordados o referencial de Kingdon8 sobre a dinâmica de conformação da agenda governamental e a contribuição da literatura sobre os estudos de implementação de políticas. No que tange ao enfoque da integralidade, esta é discutida na perspectiva da organização dos serviços e das respostas governamentais aos problemas de saúde. Ainda neste capítulo aborda-se o desenho de estudo e caracteriza- 17 se o caso de Vitória. Apresentam-se também as categorias de análise e as estratégias metodológicas utilizadas na pesquisa. No capítulo 2 apresenta-se um breve histórico da trajetória da saúde bucal no Brasil. Em seguida, discute-se a inserção da política de saúde bucal na agenda do governo Lula bem como sua ascensão. A política é analisada levando-se em consideração seu conteúdo e as estratégias prioritárias, buscando-se caracterizá-la à luz do enfoque da integralidade. Destaca-se como uma importante estratégia da política o CEO. Ainda neste capítulo analisam-se os dados de implantação nacional da política. Já no Capítulo 3 faz-se uma análise acerca da trajetória da saúde bucal no município de Vitória, que evidencia quatro momentos históricos distintos na sua implementação. Os quatro momentos são caracterizados considerando-se o modelo de atenção preponderante, a oferta de serviços, os principais atores para a concretização da política, sua estrutura organizacional, além dos principais acontecimentos de cada fase. Nessa mesma perspectiva, no Capítulo 4 discute-se o sistema atual de atenção em saúde bucal no Município, procurando identificar elementos de continuidade e mudanças em relação aos períodos anteriores. Em seguida, aborda-se o CEO, caracterizando-o por meio da análise de sua estrutura e funcionamento, da sua integração na rede de serviços e dos dados de produção. Nas Considerações Finais, realiza-se um balanço da implementação da saúde bucal no Município, discutindo-se os principais resultados da pesquisa e os desafios da política para o princípio da integralidade. 18 Capítulo 1 – Referencial Analítico e Desenho do Estudo Este capítulo aborda o referencial analítico e o desenho metodológico do estudo. Em um primeiro momento é discutido o referencial de análises de políticas públicas, com ênfase maior para o processo da implementação. Em um segundo momento são discutidas as contribuições dos estudos sobre integralidade para a análise das políticas e organização do sistema de saúde. Posteriormente é apresentado o desenho de estudo, incluindo o tipo de estudo, as categorias da pesquisa e as estratégias metodológicas. 1.1 Contribuições do Referencial de Análise de Políticas Públicas Ham e Hill9 discutem a emergência do campo da política pública como uma proposta para analisar os governos desde a década de 1960. Segundo os autores, os problemas enfrentados pelos governos envolviam muitos desafios, levando os policymakers a procurar ajuda para solucioná-los. Com isso, os pesquisadores da Academia, principalmente os das ciências sociais, aumentaram a atenção dispensada a temas relacionados com a política. Porém, a demanda por análise de políticas públicas demonstrou que grande parte do trabalho acadêmico tradicional nas ciências sociais não se adequava à pesquisa aplicada às políticas públicas. Assim, iniciou-se, nos anos subsequentes, um processo de grande debate sobre política pública, com a introdução de novos programas de ensino nas universidades e lançamento de um grande número de jornais acadêmicos dedicados ao tema. Além disso, professores e pesquisadores de algumas disciplinas, como ciência política, economia e sociologia, deram início a publicações acadêmicas destinadas às questões voltadas para esse tema. Ao mesmo tempo, as agências governamentais começaram a empregar analistas de política, levando em consideração suas técnicas e habilidades9. Esse assunto passou a ser muito debatido, em uma infinidade de áreas e por muitos autores. Para Ham e Hill9, tal análise é definida como uma atividade aplicada preocupada principalmente em contribuir para a solução dos problemas sociais. Para entender o campo de análise de políticas públicas, deve-se compreender o que vem a ser política pública. Nesse sentido, Howlett, Ramesh e Perl10 baseiam-se em duas definições de políticas públicas. A primeira, de Thomas Dye (1972), que descreve a política pública como o que o governo escolhe fazer ou não fazer. A segunda, de Jenkins (1978), que a define como um conjunto de decisões tomadas por um ator 19 político ou um grupo de atores sobre a escolha de metas e meios para alcançá-las em uma situação determinada. Howlett, Ramesh e Perl10 compilam as definições dos vários autores e descrevem o conceito de política pública como um fenômeno complexo, que envolve uma série de decisões tomadas por pessoas e organizações dentro do governo, mas influenciadas por outras entidades que operam dentro ou fora do Estado. Souza11 resume a política pública como o “[...] campo de conhecimento que busca ao mesmo tempo colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação, e quando necessário, propor mudanças no curso dessas ações” (Souza11, p. 69). Dessa forma, correlacionando as várias definições, Viana e Baptista12 citam que falar de política pública é falar do Estado em ação e de todo o processo que envolve uma ação governamental, como recursos, atores, arenas, pactos, ideias, relações de poder e negociação. Nesse sentido, as autoras identificam como objetivos da análise de políticas públicas o estudo sobre a ação pública bem como seus determinantes, processos, finalidades e consequências. Tal análise requer a descrição das regras institucionais e sua intervenção sobre o processo decisório; a identificação dos participantes do processo político e das coalizões que podem formar-se, bem como a avaliação dos efeitos das diferentes coalizões sobre as decisões12. Portanto, o estudo de políticas públicas é fundamentalmente multidisciplinar, já que envolve diferentes áreas do conhecimento, como história, economia, direito, sociologia e antropologia, para distinguir os aspectos e dimensões do processo político (como o financeiro, as relações entre governo e sociedade e entre cidadãos). Para tal distinção, são utilizadas diferentes abordagens e modelos teóricos no sentido de esclarecer as relações entre esses aspectos, com maior peso para um ou outro12. Diante disso, a análise de políticas tem-se baseado na decomposição do processo de uma política em fases ou estágios, reportando-se ao conjunto das fases como ciclo da política. Howlett, Ramesh e Perl10 descrevem esse ciclo como dinâmico e constituído de cinco fases: (1) a fase de entrada na agenda política, quando os problemas passam a ter atenção dos governantes; (2) a fase de formulação da política, que equivale às propostas para solução dos problemas; (3) a fase de tomada de decisão pelo governo; (4) a fase de implementação, que consiste em colocar uma solução em prática; (5) a fase de avaliação da política, que se refere ao monitoramento dos resultados da política tanto pelo governo quanto pela sociedade. 20 Os autores10 citam vantagens e desvantagens da abordagem de tal ciclo para a análise de políticas. Entre as vantagens, discutem a facilidade de compreensão do processo multidimensional pela desagregação do ciclo em várias etapas ou fases, em que cada uma delas pode ser analisada isoladamente, ou mesmo por sua relação com as outras fases do ciclo. Isso pode facilitar a construção de teorias e permitir que os resultados de estudos de caso e estudos comparativos das diferentes fases sejam sintetizados. Outra vantagem está relacionada à consideração das interrelações dos vários atores, ideias e instituições envolvidas na determinação da política, que podem estar presentes de forma própria nas diferentes fases. A principal desvantagem desse modelo estaria associada ao risco de tratamento muito estanque das fases, o que prejudicaria uma compreensão mais abrangente da complexidade do processo político. É importante destacar que todas as fases da política são muito dinâmicas e interdependentes, portanto uma influenciará na outra. Na realidade, os próprios autores10 propuseram a noção de ciclo como uma proposta analítica, que pode ser didaticamente útil, visto que os momentos de identificação dos problemas, de desenvolvimento e de implementação das soluções apresentam características próprias. Segundo Viana e Baptista12, cada uma dessas fases pode apresentar processos diferentes, com atores próprios, e sofrer intervenções do contexto político mais geral em um processo de constante negociação. Neste trabalho será considerada brevemente a discussão de como um problema entra na agenda governamental, porém a análise se deterá de forma mais aprofundada no processo de implementação da política. No desenvolvimento de uma política é preciso reconhecer um problema como de relevância pública. Nesse sentido, será utilizado o referencial teórico de Kingdon8 para entender a fase de construção da agenda. O autor questiona por que alguns temas são colocados em pauta e outros não e por que certas alternativas são escolhidas e outras não. Para Kingdon8, a agenda é a lista de temas ou problemas que chamam a atenção do governo e dos cidadãos. O autor diferencia no processo político três tipos de agenda: sistêmica ou não governamental, governamental e decisória. A primeira diz respeito aos temas que são preocupação do país há anos, mas sem ter atenção do governo; a segunda, dita governamental, é a relação de temas e problemas que chamam seriamente a atenção dos governantes e de pessoas a ele associadas num determinado momento histórico; a última reúne a lista de questões a serem decididas. 21 Kingdon8 diz que a construção da agenda é influenciada pelos participantes ativos, classificados como atores governamentais e não governamentais. Os primeiros compreendem o alto staff da administração (presidentes, assessores de alto escalão, ministros, políticos nomeados para cargos públicos), membros do Congresso, funcionalismo de carreira. Já o grupo dos atores não governamentais inclui acadêmicos, pesquisadores, consultores, mídia, participantes de partidos políticos e de campanhas eleitorais e opinião pública. Ainda segundo o autor8, esses dois grupos (governamentais e não governamentais) podem ser subdivididos em atores visíveis e atores invisíveis: os primeiros têm maior influência na definição da agenda e os outros na escolha de alternativas. Os atores visíveis são o presidente, os assessores de alto escalão, os ministros, os parlamentares, a mídia, os partidos políticos e os integrantes de campanhas eleitorais. Já os atores invisíveis compreendem os acadêmicos, os pesquisadores, os consultores, os técnicos de carreira, os analistas que trabalham para grupos de interesse, os funcionários do Congresso e do Executivo. Kingdon8 baseou-se no modelo de Cohen, March e Olsen (1972II e desenvolveu o modelo de multiple streams para identificar os processos na formação da agenda e na seleção de alternativas. De acordo com o autor, tal modelo é composto por três fluxos, que compreendem: o fluxo dos problemas reconhecidos, o fluxo das soluções de políticas e o fluxo dos eventos políticos (política). Quanto ao primeiro fluxo, algumas situações podem chamar a atenção para o reconhecimento dos problemas, tais como indicadores, eventos, crises, símbolos, feedback de programas e orçamento. O reconhecimento da urgência de um problema pode ser suficiente para colocá-lo na agenda, mas nem sempre isso aconteceIII,8. A entrada na agenda pode depender de outros fatores, tais como políticos podem eleger certos problemas para firmar uma marca com a sua solução; burocratas podem propor iniciativas para manter seus empregos e aumentar sua área de influência; grupos de interesse passam a controlar um tema, independente do problema a ser resolvido. II Tal modelo é denominado pelos autores de Garbage Can e procura entender as instituições, que operam em condições de grande incerteza e ambiguidade, tais como universidades e governos. Esse tipo de organização tem três características: preferências problemáticas, procedimentos pouco claros, 8 participação fluida . III Relato do autor sobre quando uma condição se torna um problema: “Condições passam a ser definidas como problemas quando começamos a crer que precisamos fazer algo a respeito destas condições” 8 (Kingdon , p. 109). 22 O segundo fluxo diz respeito às soluções de políticas, em que as policy communitiesIV, por meio da discussão e confronto de propostas e pesquisas, formulam ideias ou alternativas a respeito dos problemas. O autor chama esse processo de seleção das alternativas de policy primaveral soup, em que somente algumas ideias irão permanecer desde que satisfaçam aos critérios estabelecidos pelos especialistas. Esses critérios dependem da viabilidade técnica, da concordância da comunidade de especialistas e do público e do grau de consenso entre eles8. Já o terceiro fluxo corresponde à política propriamente dita e independe dos problemas e das soluções. É composto pelo national mood, por grupos de pressão, por mudanças administrativas e por resultados eleitorais8. Quando surge uma ocasião favorável a chamar atenção para problemas ou oferecer soluções, abre-se o que Kingdon8 chama de “janela de oportunidade”. Essa situação apresenta maior probabilidade de acontecer quando os três fluxos se unemV. O autor8 relata que mudanças no fluxo da política, como alterações no national mood, nas eleições que provocam modificações no Legislativo, assim como nova administração, podem provocar a abertura da janela de oportunidade. Estas, quando abertas, apresentam pequena duração. Por isso os policy entrepreneursVI ficam em torno do governo, com suas soluções à mão, esperando que a janela surja para que eles possam oferecê-las, aguardando o desenvolvimento do fluxo da política para que eles a possam usar a seu favor e não perder a oportunidade. “As soluções esperam pelos problemas8”, no sentido de seu reconhecimento como tal. Assim, existe maior chance de um tema entrar na agenda governamental quando há a conjunção dos fluxos. Em relação ao modelo de Kingdon8, este estudo se deterá mais na lógica dos três fluxos para procurar compreender o lugar que a política de saúde bucal ocupa tanto na agenda federal como na agenda municipal. Após o problema ter entrado na agenda governamental, procede-se à formulação da política. Para Viana13, essa fase caracteriza-se pela busca de soluções e alternativas para a resolução do problema, e a escolha de uma delas envolve um diálogo de IV As policy communities incluem pesquisadores, parlamentares, acadêmicos, analistas de grupos de 8 interesse, planejadores, entre outros . V Citação do autor a respeito da ascensão dos problemas para agenda de decisão: “Problemas ou políticas podem estruturar a agenda governamental, mas a probabilidade de um item ascender na agenda de decisão é dramaticamente aumentada se os três fluxos – problemas, soluções e política – se unirem” 8 (Kingdon , p.178). VI Os policy entrepreneurs compreendem políticos, acadêmicos, lobistas, funcionários públicos de carreira, entre outros, preocupados com determinados temas/problemas, que utilizam seus recursostempo, energia, reputação e até dinheiro – com o objetivo de promover políticas que correspondam a seus 8 interesses ou preferências . 23 intenções e ações. Esse processo de escolha das soluções pelo governo equivale à fase de tomada de decisão, seguinte à da formulação. Nesta fase é que se demarcam as metas a serem alcançadas, os recursos a serem utilizados e o tempo da intervenção12. Essas fases são muito importantes, já que, segundo Viana e Baptista12, vão delimitar os princípios e diretrizes para o progresso de uma ação. Nesse sentido, estão inter-relacionadas com a fase de implementação, pois muitas das decisões só podem ser tomadas quando todas as informações estão à disposição dos implementadores. Por isso relata-se que não há separação entre a fase de formulação e a de implementação de uma política. Se o desenho da política é inadequado no momento da formulação, a chance da implementação ocorrer é pequena. Entretanto, mesmo com uma política formulada apropriadamente, se não forem levados em consideração os problemas de sua execução, a implementação estará prejudicada. Além disso, o momento da implementação também envolve formulação e reformulação da política12. A implementação consiste usualmente em pôr em prática uma solução. Mazmanian e Sabatier14 (p. 21) definem: Implementation is the carrying out of a basic policy decision, usually incorporated in a statute but which can also take the form of important executive orders or court decisions. Ideally, that decision identifies the problem(s) to be addressed, stipulates the objectives(s) to be pursued, and, in a variety of ways, “structures” the implementation process. The process normally runs through a number of stages beginning with passage of the basic statute, followed by the policy outputs (decisions) of the implementing agencies, the compliance of target groups with those decisions, the actual impacts – both intended and unintended – of those outputs, the perceived impacts of agency decisions, and finally, important revisions (or attemped revisions) in the basic statute. Assim pode-se perceber que a fase de implementação engloba uma série de sistemas da administração pública, sistemas gerencial, decisório, de informação, logísticos e operacionais, bem como agências implementadoras, com seus mais diversos interesses, negociações e múltiplos atores12. O processo de implementação é considerado de grande relevância para a política pública, e está incluído como parte do processo maior de produção de políticas (policymaking). Portanto tem merecido destaque em muitos estudos, no esforço de melhor entender por que os governos são muito melhores em fazer a legislação do que em executar as mudanças desejadas15. Hogwood e Gunn15,VII descrevem a existência de dez pré-condições para que ocorra uma “perfeita” implementação, a saber: VII Foi utilizada a tradução do texto em português elaborada pela professora Maria Eliana Labra. 24 1. que as circunstâncias externas à agência implementadora não imponham limites à sua execução; 2. que o programa disponha de tempo e de recursos suficientes; 3. que os recursos necessários estejam de fato disponíveis; 4. que a política a ser implementada esteja baseada em uma teoria que permita sua efetiva execução; 5. que a relação entre causa e efeito seja direta e que intervenham poucos elos (links), pois, quanto maior o número de envolvidos e consequentemente suas relações, mais complexa será a implementação; 6. que as relações de dependência entre as agências e seus representantes sejam mínimas; 7. que haja consenso entre os atores com relação aos objetivos a serem alcançados; 8. que as tarefas sejam especificadas em correta sequência para cada participante, de acordo com os objetivos acordados; 9. que haja perfeita comunicação e coordenação nas organizações envolvidas no processo de implementação; 10. que aqueles com autoridade obtenham total aprovação aos seus comandos. Observa-se, nessa visão dos autores, que uma perfeita implementação é inatingível, principalmente em uma política complexa como a saúde, na qual sempre existem várias agências envolvidas, muitos atores, interdependência em todos os momentos, influências externas de todos os tipos (políticas, financeiras, sociais e outras). No Brasil, tal complexidade se associa ao reconhecimento, pela Constituição de 1988 da concepção de saúde como um direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas econômicas e sociais que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação16. Assim, para assegurar tal direito, o setor saúde apresenta um amplo espectro de ação. Primeiro, por envolver os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), com respectivas atribuições para o desenvolvimento de suas funções. Assim os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) atuam em diversos espaços de negociação e decisão, exercendo suas funções de forma compartilhada17. 25 Segundo, por abranger ações e serviços de saúde no que diz respeito à garantia da integralidade, considerando que é necessária a articulação de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos em todos os níveis de atenção. Cabe ressaltar que articular os diversos níveis envolve desde unidades de saúde até hospitais mais complexos, assim como exames diagnósticos, transplantes, recursos humanos das diferentes áreas e formações. Além disso, são necessárias articulações com políticas intersetoriais que atuem nos determinantes do processo saúde doença para garantia da promoção da saúde. Vale destacar ainda que o SUS dispõe de serviços da iniciativa privada para a cobertura assistencial à população e que a saúde é um setor economicamente importante17,18. A política de saúde, além da organização da rede assistencial, engloba a vigilância sanitária, a epidemiológica e a saúde do trabalhador, e deve envolver ações articuladas com outros setores de governo, como os de desenvolvimento científico e tecnológico, política industrial, saneamento, urbanização e educação, por exemplo18. Foram citadas apenas algumas das implicações e responsabilidades do setor saúde com vistas a demonstrar a complexidade dessa área para a implementação de políticas. Portanto as condições discutidas anteriormente estão inter-relacionadas com muitas outras, pois o processo de implementação é dinâmico e requer o entendimento dos objetivos a serem alcançados, assim como mecanismos efetivos de comunicação e coordenação, além de envolver a questão do poder. Para entender o processo de implementação os autores utilizam ainda os enfoques top-down e bottom-up. Na abordagem top-down, segundo Hogwood e Gunn15, os implementadores são vistos como “agentes” dos formuladores, que fazem a política. Nesse enfoque, os acontecimentos são decorrentes de uma única instância decisória, aos quais procura responder pela abrangência da política, pelos objetivos e impactos dispostos, pela própria política e pelos principais fatores que produzem seus impactos e suas reformulações ao longo do tempo. O processo baseia-se no cumprimento de objetivos definidos em decisões políticas anteriores pelas ações de atores públicos ou privados12. A abordagem bottom-up não confere um papel determinante às estruturas preexistentes, com a análise da rede de decisões ocorrendo no nível concreto em que os atores se enfrentam quando da implementação. Parte da ideia de que o processo de preparação da política tem um controle imperfeito que vai condicionar o momento da implementação12. De acordo com Sabatier e Jenkins19 esse enfoque traz a análise da 26 multiplicidade dos atores que interagem no nível operacional/local, imprimindo seus próprios objetivos ao processo de implementação. O enfoque político de uma implementação leva em consideração, conforme Hogwood e Gunn15, os padrões de poder e influência entre as organizações e dentro delas. Por mais que uma política tenha sido planejada em termos de organização, procedimentos, gerência, se a sua implementação não levar em conta as realidades do poder (por exemplo a habilidade de grupos opostos à política para bloquear os esforços de quem a apoia), essa política dificilmente terá sucesso. Assim, o sucesso de uma política vai depender da habilidade de algum grupo dominante (ou coalizão de grupos) para impor sua vontade15. Portanto, a fase de implementação, principalmente se for levado em consideração o contexto federativo, é complexa e envolve muitos conflitos e negociação. O seu sucesso depende da compreensão da política, do entrosamento entre formuladores e implementadores, do conhecimento de cada fase do processo e da quantidade de mudanças envolvidas com a nova política. Como discutido anteriormente, a política de saúde é complexa, ainda mais em países federativos como o Brasil. Abrucio6 diz que uma federação resulta de um pacto entre as diversas unidades territoriais, que, por meio de parceria, instituem uma nação e compartilham poderes entre os governos subnacionais e a esfera central, sem concentração de soberania em um só ente. Portanto uma federação tem mais de um nível de governo com relações não hierárquicas, em que todos são soberanos. O autor6 relata que o pacto federativo estabelece “[...] uma soberania compartilhada, que deve garantir a autonomia dos governos e a interdependência entre eles” (p.235), autonomia essa garantida no exercício do autogoverno pelos vários níveis governamentais e interdependência assegurada pela cooperação entre as partes. O autor6 descreve que em um sistema federalista há heterogeneidadesVIII entre as unidades subnacionais que dividem e produzem conflitos peculiares em uma nação. Entretanto, mesmo protegendo a autonomia local, devem-se procurar formas para manter sua integridade territorial como nação, evitando o risco de fragmentação. Assim, arranjos institucionais são necessários para controlar tais diversidades, visto que o federalismo apresenta grande flexibilidade institucional com capacidade de acomodação a diferentes conjunturas e realidades sociopolíticas20. VIII Esta heterogeneidade pode ser cultural, política, étnica, linguística, socioeconômica, territorial (grande 6 extensão e/ou diversidade física ampliada) . 27 Conforme Almeida21, os sistemas federais, por serem estruturas não centralizadas, apresentam relações intergovernamentais instituídas pela competição e cooperação e caracterizadas tanto pelo conflito de poder, como pela negociação entre as esferas de governo. A autora admite certa [...] flexibilidade na distribuição de responsabilidades muito adequada às circunstâncias de um país, onde as capacidades financeira e administrativa das unidades subnacionais, especialmente dos municípios, são tão notoriamente desiguais21( p.27). A autora21 complementa que implementar políticas sociais, como a da saúde, que apresenta como diretriz organizativa a descentralização, impõe desafios à coordenação intergovernamental federativa. Entretanto a política de saúde no Brasil, um país notoriamente enorme e heterogêneo, desenvolveu mecanismos próprios para acomodar os diversos interesses e administrar as tensões federativas existentes pelo fortalecimento institucional dos municípios e estados17. Assim, na distribuição intergovernamental de funções, é atribuição do Governo Federal o financiamento e a formulação nacional da saúde, além da coordenação das ações intergovernamentais. Para tal coordenação, o Ministério da Saúde tem adotado a normatização pela edição de portarias ministeriais como seu principal instrumento. Os governos municipais tornam-se muito dependentes das regras institucionais e das transferências federais para a implementação de políticas. Por outro lado, os estados e municípios participam da formulação da política de saúde pela institucionalização das comissões intergestores, com representantes estaduais e municipais. Tais espaços de negociação contrabalançam a concentração de autoridade do Governo Federal7. Em síntese, a literatura sobre análise de políticas públicas é muito ampla e diversificada. A breve revisão apresentada neste tópico visou apenas levantar alguns aspectos críticos considerados na pesquisa, relacionados principalmente à implementação da política. Dentre eles destacam-se a indissociabilidade na prática dos momentos de formulação e implementação, o dinamismo do processo de implementação de políticas e da diversidade de atores envolvidos, e a complexidade da implementação das políticas em contextos federativos, como é o caso do Brasil, os quais têm implicações para a análise de políticas específicas. 1.2 Contribuições do Enfoque da Integralidade em Saúde A integralidade em saúde, conforme Mattos22 é entendida como um conjunto de valores, de vários sentidos, pelos quais vale à pena lutar em busca de um ideal de 28 sociedade mais justa e solidária. Nesse texto, o autor procura trabalhar com três sentidos do princípio da integralidade. O primeiro deles diz respeito à medicina integral, em que os profissionais de saúde devem compreender o conjunto de necessidades de ações e serviços de saúde de que um paciente necessita, sem reduzi-lo a uma lesão que lhe provoca sofrimento. O segundo sentido refere-se à organização dos serviços, em que a “[...] integralidade se apresenta como um modo de organizar os serviços sempre aberto a assimilar uma necessidade não contemplada na organização anteriormente dada”, com vistas a buscar que as necessidades de saúde de um determinado grupo populacional sejam apreendidas. O terceiro sentido refere-se às respostas governamentais aos problemas de saúde nas suas mais diversas dimensões e/ou às necessidades de certos grupos específicos. Portanto, segundo o autor22, a integralidade pressupõe um esforço de apreender as necessidades da população e procurar dar respostas aos problemas de saúde em todas as suas dimensões. No desenvolvimento deste projeto, serão explorados principalmente os dois últimos sentidos da integralidade, referentes às respostas governamentais (desenho da política) e à organização dos serviços. A adoção da perspectiva da integralidade na análise das respostas governamentais (desenho da política) é relevante para o estudo da construção e implementação de políticas específicasIX, como é o caso da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) 23. Nesse contexto, a integralidade vem aliada ao princípio de direito, de acordo com a Constituição de 198816: o direito ao acesso universal e igualitário aos serviços e ações de saúde. Tal premissa pressupõe um desenho de política abrangente direcionada a englobar um conjunto amplo de ações, a incorporar os diversos grupos envolvidos pelo problema, respeitando suas especificidades, e a abarcar as diferentes ações voltadas a promoção, prevenção, tratamento e reabilitação22. Assim, na construção de uma política, é importante ter um escopo amplo em relação à sua população-alvo, evitando-se inserir somente alguns grupos populacionais ou faixas etárias delimitadas, mas incorporando o conjunto da população que pode se beneficiar da política. IX 23 De acordo com Mattos (p. 47), políticas de saúde específicas são “as respostas governamentais dadas a certas doenças específicas, bem como as respostas governamentais dadas a demandas e/ou necessidades de certos grupos populacionais específicos”. 29 A política deve apresentar um desenho que proporcione um conjunto amplo de ações e estratégias diversificadas para suprir as necessidades da população, integrando as dimensões de promoção, prevenção, assistência e recuperação. Portanto, articular ações assistenciais com preventivas é um dos sinais da construção das políticas de enfrentamento de certas doenças na perspectiva da integralidade. Dessa forma, o direito das pessoas que têm uma determinada doença às ações assistenciais estaria assegurado, assim como o direito da população de se beneficiar das ações de promoção e prevenção. Os impactos das ações assistenciais e das ações preventivas apresentam-se distintos. O primeiro responde às necessidades de saúde por parte dos usuários, enquanto o segundo propõe a mudança do quadro social de uma doença, que pode alterar as demandas por serviços assistenciais no futuro23. Deve-se levar em consideração que, para abarcar as ações de promoção, são necessárias articulações com outras políticas, como saneamento, educação e habitação, por exemplo18. A política deve apresentar em seu desenho as formas de articulação entre os setores, os mecanismos e instrumentos necessários para tal articulação, assim como as formas de financiamento e regulação. Assim, uma política estará pautada na integralidade quando apreender essas questões discutidas. Quanto à dimensão da organização dos serviços de saúde, a integralidade está relacionada com a necessidade de garantia de acesso a todos os níveis tecnológicos solicitados em cada situação, a fim de se obter um atendimento com resolubilidade24. Segundo esses autores, o ponto de partida para a construção do princípio da integralidade no SUS é a garantia de acesso a todos os níveis de atenção. No entanto, o acesso por si só não garante a integralidade, já que esse princípio depende de outros fatores para a sua materialização. Entre esses fatores está a melhoria das condições de vida da população, a criação de vínculos entre equipes e usuários e a construção da autonomia dos usuários para satisfazer suas necessidades e demandas em saúde24. Portanto, o alcance da integralidade vai depender, além do espaço singular dos serviços, de uma articulação entre serviços e ações setoriais e intersetoriais24. Dessa forma, no que concerne à organização da rede de serviços de saúde25, relaciona a integralidade às diretrizes de hierarquização e regionalização, compreendidas como um arranjo entre os serviços de saúde e sua relação com a população que vive num certo território. A hierarquização pressupõe a diferenciação entre vários níveis de atenção, cada um oferecendo um conjunto de procedimentos e apresentando um conjunto distinto de recursos tecnológicos. Já a regionalização refere- 30 se aos serviços de saúde (em vários níveis de atenção) em determinado território, que se responsabilizam por dar resposta às necessidades de saúde da população. A porta de entrada é outra questão que se refere à organização da rede de serviços. Em geral, propõe-se que a atenção básica deva ser a única porta de entrada, levando-se em conta o modelo de rede regionalizada e hierarquizada. Mattos25 diz que em processos de grande complexidade as portas de entrada são construídas, refletindo os dramas e histórias em busca de acesso. O autor25 defende que, para organizar a rede de serviços de saúde, se deve levar em conta, primeiramente, os territórios da vida social em toda a sua complexidade. Em segundo lugar, deve-se abandonar a ideia de porta de entrada única no serviço. As portas de entrada podem ser várias: atenção básica, emergências, Serviços de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), ambulatórios de especialidades. Em terceiro lugar, devem-se mudar os padrões de utilização das portas de entrada, mediante o acolhimento e a orientação dos fluxos, de modo a atender integralmente as necessidades das pessoas. Em quarto, os profissionais devem estar disponíveis para atuar como portas de entrada, reconhecendo entre os usuários aqueles que, na sua trajetória, ainda têm necessidades de serviços de saúde não atendidos, esboçando com isso um plano de cuidados abrangente e individualizado e desenhando os fluxos adequados à sua implementação. Como sintetiza o autor25: A tarefa da gestão do cuidado não seria a de criar normas para ordenar os fluxos de certos pacientes, mas sim contribuir para que os profissionais, vendo-se como portas de entrada, sejam capazes de propor um fluxo que responda às necessidades da pessoa (p. 381). Nesse contexto, a coordenação do cuidadoX adquire centralidade na organização da atenção à saúde elevando o paciente à condição de sujeito. A continuidade de atenção seria favorecida pela disponibilidade de informações a respeito dos problemas e do percurso da pessoa na rede de serviços e o reconhecimento dessas informações pelos profissionais de saúde. O desenvolvimento de sistemas organizados de serviços de saúde, com integração da atenção em diferentes níveis e locais de prestação de serviços, aumentaria a resolutividade do cuidado. Nem todas as necessidades podem ser atendidas dentro da atenção primária, o que significa que as pessoas eventualmente precisam acessar outros níveis de atenção por necessidades de saúde diferentes. Elas podem ir por Segundo Starfield26 (p. 365), a coordenação do cuidado seria entendida como estado de harmonia numa ação ou esforço em comum para garantir aos usuários acesso aos outros níveis assistenciais, mantendo-se o vínculo com a equipe básica. X 31 meio de encaminhamento da atenção primária para a atenção especializada, ou mesmo buscar esses serviços diretamente26. De acordo com Hartz e Contandriopoulos27 (p. 332), o conceito de integralidade remete ao de integração de serviços por meio de redes assistenciais, reconhecendo a interdependência dos atores e organizações, em face da constatação de que nenhuma delas dispõe da totalidade dos recursos e competências necessários para a solução dos problemas de saúde de uma população em seus diversos ciclos de vida. Assim, para responder às necessidades de saúde individuais e coletivas em âmbito local e regional, torna-se indispensável o desenvolvimento de mecanismos de cooperação e coordenação próprios de uma gestão eficiente e responsável dos recursos coletivos. A atenção básica oferece um volume grande de atividades, tem características de coordenação do cuidado, além de ser responsável por garantir a atenção aos outros níveis de complexidade. Nesse sentido, Giovanella et al28, elaboraram uma metodologia para avaliar o cumprimento do princípio da integralidade na gestão e organização dos sistemas municipais, sem se ocupar em assistência na esfera dos serviços nem de programas específicos. Os autores28 propuseram que um sistema de atendimento integral deve ser uma mistura de ações sanitárias e sociais, em todos os estágios e nas dimensões do processo saúde-doença, que traga resultados às necessidades individuais e coletivas. Para isso, adotaram a promoção da saúde, a prevenção de enfermidades e de acidentes, a atenção curativa e reabilitadora como os três tipos de ação sanitária. Alguns dos critérios de avaliação da integralidade propostos pelos autores28 foram considerados neste trabalho. O primeiro deles diz respeito à existência de centrais de marcação de consultas e exames especializados, assim como centrais de regulação, que sugeriria a preocupação em organizar o sistema de saúde e garantir o acesso aos diferentes níveis de atenção. Um segundo critério para organização da oferta de serviços estaria relacionado com a elaboração e instituição de protocolos para doenças e agravos, o que favoreceria a eficiência na definição dos fluxos de pacientes no interior dos serviços, nos diversos níveis de atenção, e na redução da probabilidade de encaminhamentos incorretos. Outros critérios, como a integração da atenção básica à rede, o monitoramento de filas de espera e a adoção de mecanismos para reduzi-las, o controle do fluxo de pacientes para outros municípios e a presença de estratégia de coordenação intermunicipal (como os consórcios), foram considerados relevantes para garantir a atenção em saúde aos três níveis de complexidade. 32 Em síntese, no Brasil, no período recente, existe um expressivo número de estudos com o enfoque da integralidade em saúde. Neste trabalho, foram brevemente apresentadas contribuições de autores selecionados, referentes à análise da integralidade na conformação da política e na organização da rede de serviços de saúde, contribuições que embasaram a definição das categorias e das variáveis desta pesquisa, cujo desenho é apresentado no próximo tópico. 1.3 Desenho do Estudo A pesquisa teve caráter eminentemente qualitativo, consistindo na análise de implementação de uma política específica – a política de saúde bucal – com destaque para uma de suas estratégias – o Centro de Especialidades Odontológicas – na perspectiva da integralidade em saúde, no município de Vitória, no Espírito Santo. O referencial analítico fundamentou-se nas contribuições da literatura de análise de políticas públicas, particularmente as referentes à implementação de políticas, por um lado, e por outro, nos estudos sobre integralidade, considerando dois sentidos principais de integralidade: o desenho da política e a organização da rede. O estudo compreendeu duas vertentes principais. A primeira vertente consistiu na análise do desenho da política nacional, tendo em vista o poder federal de indução das políticas e as transformações recentes representadas pelo Brasil Sorridente, que podem ter implicações para a implementação da política brasileira e a integralidade das ações. A análise da política nacional foi feita com destaque para sua relação com os princípios do SUS e com os sentidos da integralidade, considerando as diretrizes, o conteúdo da política, seus mecanismos de regulação e financiamento. A segunda vertente consistiu em um estudo de caso no município de Vitória – ES, que analisou a configuração da política de saúde bucal no Município e o Centro de Especialidades Odontológicas, como um dispositivo relevante dessa política. O estudo de caso busca compreender fenômenos sociais complexos, preservando as características gerais e significativas dos eventos da vida real. Utilizam-se para isso, além das muitas técnicas adotadas nas pesquisas históricas, fontes de evidências, como observação direta e série sistemática de entrevistas29. Nesta pesquisa, o estudo de caso justifica-se pela relevância de estudos de implementação de políticas no caso do SUS, que procurem analisar as complexas relações entre o desenho nacional de políticas e sua operacionalização em contextos locais específicos. 33 O desenho da política nacional e da municipal foi levado em consideração porque a política é fortemente induzida nacionalmente e o grande peso de sua execução é municipal. A seguir são apresentadas uma breve caracterização do município de Vitória, visando à compreensão do contexto local estudado, as categorias de análise e as estratégias metodológicas da pesquisa. O caso estudado: breve caracterização do município de Vitória O município de Vitória, capital do estado do Espírito Santo, tem aproximadamente 93 km² de extensão. É constituído por 34 ilhas e por uma região continental. Apresenta uma população de 320.156 habitantes, conforme estimativa do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2009. Juntamente com os municípios de Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão integra a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), que conta com aproximadamente 1.624.837 habitantesXI30,31,32. O município de Vitória compreende 18,7% da população da região metropolitana e 9,4% da população estadual do Espírito Santo33. Na territorialização administrativa, a cidade de Vitória divide- se em oito Regiões e 79 bairrosXII, de acordo com a Figura 2.132,33. 0.1 Figura 1.1 – Mapa da divisão territorial do município de Vitória Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Vitória http://www.vitoria.es.gov.br/regionais/territorializacao/territorializacao.html XI A Região Metropolitana de Vitória foi constituída pela Lei Complementar Estadual no. 58, de 21 de fevereiro de 1995. Em 1999 e 2001 incorporou respectivamente os municípios de Guarapari e Fundão, passando a se chamar Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Atualmente a RMGV compreende 46% da população total e 57% da população urbana do estado do Espírito Santo 31. XII A organização do Município em bairros foi regulamentada pela Lei no. 6.077 de 29 de dezembro de 2003. As transformações geopolíticas da cidade redefiniram as divisões regionais e excluíram de seus contornos alguns bairros pertencentes ao município vizinho, Serra34. 34 A taxa média de crescimento anual do município diminuiu, passando de 1,4% ao ano na década de 1990 para 1,0% entre os anos de 2001 a 2008. Tal taxa é mais baixa do que a da região metropolitana, que é de 1,7%, segundo dados do DATASUS em 200933. A mudança de padrão econômico do Estado de complexo cafeeiro para complexo industrial-exportador redefiniu e hierarquizou o entorno da cidade de Vitória. Seu crescimento esteve vinculado às transformações econômicas ocorridas na década de 1960 com a implantação do Porto de Tubarão pela Companhia Vale do Rio Doce, que mudou o padrão produtivo do Estado em direção à indústria de semiacabados para exportação. Diante disso, a cidade de Vitória teve um crescimento acentuado de comércio, serviços, moradia e outras atividades afins, que fizeram seu entorno tornar-se uma extensão do espaço urbano. O papel de Vitória em relação aos demais municípios da RMGV é de centralizar as atividades finais do complexo de intercâmbio com o exterior e dos serviços derivados de sua condição como capital do Estado35. Assim, Vitória concentra 48,8% do Produto Interno Bruto (PIB) da região metropolitana e 36% do PIB do Espírito Santo. Além disso, compreende 28,6% da mão de obra empregada no Espírito Santo e foi responsável por 26,9% do potencial de consumo (IPC) em 200933,36. No mesmo ano, apresentou o maior PIB per capitaXIII e o terceiro melhor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre as capitais brasileiras33. A economia municipal está voltada para atividades portuárias, comércio, indústria, prestação de serviços e turismo de negócios. A cidade de Vitória dispõe de dois importantes portos do País, o Porto de Vitória e o Porto de Tubarão, e comporta muitas empresas, como a ValeXIV e a Petrobras Distribuidora33, 35. Em relação ao rendimento per capita, os indicadores demonstram que aproximadamente 42% das famílias de Vitória vivem com rendimentos de até dois salários mínimos. Quanto às condições de saneamento, a maior parte dos domicílios de Vitória, 99,5%, dispõe de abastecimento de água tratada e praticamente 90% deles dispõem de rede de esgoto32. O padrão demográfico do município de Vitória experimentou considerável alteração nos últimos 25 anos, com queda na taxa de natalidade, de fecundidade e na participação percentual das faixas etárias mais jovens (até 24 anos). A queda da XIII Segundo dados do IBGE, em 2009 o PIB per capita de Vitória foi de R$ 71.407,00, o terceiro maior entre os municípios do estado do Espírito Santo. No mesmo ano, o Estado apresentou o quarto maior PIB per capita entre os estados brasileiros, no valor de R$ 18.003,00. Nos últimos anos, o crescimento do PIB estadual tem ficado em torno de 3,0% ao ano, acima da média nacional de 1,2% ao ano 30. XIV A Vale é a antiga Companhia Vale do Rio Doce (CVRD)33,35. 35 mortalidade geral e o aumento da expectativa de vida favoreceram o crescimento da população idosa (60 anos e mais) tanto em termos absolutos e quanto em sua participação na população total.XV 32. O padrão epidemiológico do município de Vitória assemelha-se ao nacional, em que se observa um aumento acentuado da prevalência das doenças crônicodegenerativas. No ano de 2009, a primeira causa de morte no Município foram as doenças cardiovasculares, seguidas dos óbitos decorrentes de neoplasias e causas externas. Chama atenção o aumento de mortes prematuras na população masculina jovem, em função da violência. Com relação à taxa de mortalidade infantil, o Município apresentou um índice de 11,5 por mil nascidos vivos, bem abaixo da média nacional de 19,9 por mil nascidos vivos em 200932. Categorias de Análise Com base no referencial teórico-metodológico exposto e na revisão bibliográfica, o estudo compreendeu as seguintes categorias de análise, que foram previamente definidas, mas ajustadas na pesquisa de campo: desenho e implantação da Política Nacional de Saúde Bucal; configuração e implementação da política de saúde bucal no município e sua relação com diretrizes nacionais e estratégias estaduais da política; estrutura e funcionamento do CEO; integração entre serviços e níveis de atenção. A primeira categoria, intitulada “Desenho e implantação da Política Nacional de Saúde Bucal”, relaciona-se à trajetória da política nacional de saúde bucal. Nesse aspecto, foram analisados o desenho dessa política e as estratégias para sua operacionalização, como diretrizes, mecanismos de regulação e financiamento. A segunda categoria diz respeito à especificidade da trajetória, da configuração e da implementação da política de saúde bucal em Vitória. Considerou-se a história de conformação, a priorização dessa política no Município, as estratégias de implementação, no que diz respeito ao financiamento, regulação, controle e atores envolvidos; a valorização do CEO como um dispositivo para efetivação do atendimento especializado. XV Segundo dados do IBGE30. 36 Ainda dentro dessa categoria, foi analisada a relação da política municipal com as diretrizes nacionais e as estratégias estaduais, ou seja, procurou-se considerar o papel das três esferas de governo. A terceira categoria concerne aos aspectos referentes ao Centro de Especialidades Odontológicas, abrangendo condições de estrutura, regras de funcionamento e organização, tipos de ações oferecidas e produção. A última categoria de análise, intitulada “Integração entre serviços e níveis de atenção”, diz respeito aos fluxos dos serviços e entre eles, por meio da análise dos mecanismos de referência e contrarreferência e dos mecanismos de agendamento para atendimento especializado e organização da demanda. Por meio dessas duas últimas categorias relacionadas ao CEO, procurou-se identificar o papel dessa unidade na rede de serviços e a sua importância para a integralidade (Quadro 1.1). Estratégias Metodológicas O estudo compreendeu diversas estratégias metodológicas para alcançar seus objetivos, tais como revisão bibliográfica, análise documental, análise de bases de dados secundários e entrevistas semiestruturadas. A revisão bibliográfica foi realizada a partir de um levantamento nas bases de dados disponíveis para acesso on-line, tais como Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Bireme, sobre os temas: a trajetória da política de saúde bucal no Brasil, a integralidade em saúde, e estudos de implementação de políticas de saúde bucal. A análise documental envolveu os principais documentos e portarias federais de regulamentação da Política Nacional de Saúde Bucal divulgados no sítio do Ministério da Saúde (Saúde Legis, Departamento de Atenção Básica, Coordenação de Saúde Bucal). Os descritores utilizados para pesquisa no Saúde Legis foram: saúde bucal, odontologia, CEO, Laboratórios Regionais de Prótese Dentária, Unidades Odontológicas Móveis, fluoretação das águas de abastecimento público. Também foram utilizados os documentos estaduais e municipais referentes à saúde bucal, obtidos pelos sítios ou diretamente nas secretarias de saúde do estado do Espírito Santo e do município de Vitória. As informações sobre a evolução da política (abrangência populacional das equipes, número de equipes de saúde bucal e Centros de Especialidades Odontológicas) foram obtidas na Sala de Situação do Ministério da Saúde. Foram utilizados os dados 37 por município, unidade federativa, região e Brasil. Para cálculo da abrangência populacional estimada utilizou-se o número de equipes multiplicado por 3.450 pessoas, visto que esse parâmetro foi adotado a partir de 2003XVI. Como foram utilizados os dados de 2002 a 2010, optou-se por empregar tal parâmetro para fins de comparação. Os dados de produção das várias especialidades do CEO do Município foram obtidos a partir do SIA/SUS do DATASUS e analisados de acordo com os parâmetros nacionais do Ministério da Saúde. Para cálculo dos indicadores de saúde bucal foram utilizados os dados do SIA/SUS e os dados populacionais obtidos no site do IBGE. Os dados de oferta de profissionais de odontologia e do número de laboratórios regionais de prótese dentária foram obtidos na base de dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Já os dados referentes à cobertura de planos de saúde foram conseguidos no site da Agência Nacional de Saúde (ANS). Com relação às entrevistas semiestruturadas, foram realizadas ao todo 22 entrevistas. Os sujeitos da pesquisa foram selecionados segundo os seguintes critérios: cargo/função ocupada e período de atuação na política ou na atenção à saúde bucal no município de Vitória. As entrevistas compreenderam questões relacionadas à estruturação histórica da saúde bucal no Município, estratégias prioritárias desta política e sua relação com as demais áreas e políticas de saúde do Município, atores envolvidos na formulação e implementação, avanços e dificuldades da política, bem como aspectos relacionados ao funcionamento do Centro de Especialidades Odontológicas, tais como organização dos fluxos, articulação na rede de serviços, formas de acesso e adoção de protocolos clínicos nas diversas especialidades. Os 22 entrevistados distribuíram- se nos seguintes grupos: coordenador estadual de saúde bucal (1); coordenador municipal de saúde bucal (1); ex-coordenadoras municipais de saúde bucal (4),as quais foram incluídas na pesquisa para melhor descrição e compreensão do processo de implementação da política de saúde bucal no município; diretoras do Centro de Especialidades Odontológicas (2), compreendendo, além da diretora atual, a ex-diretora, por sua relevância na implantação XVI A Portaria GM no. 673 de 3 de junho de 2003, estabeleceu o financiamento das equipes de saúde bucal na mesma proporção das equipes de saúde da família, ou seja, 1 ESB para 3.450 pessoas. Entretanto o cálculo da abrangência populacional estimado no site do Ministério da Saúde continuou sendo realizado até setembro de 2010, em cima de 6.900 pessoas (parâmetro utilizado anteriormente)37. 38 desse serviço especializado, por sua trajetória na política de saúde municipal e por seu afastamento do cargo há menos de seis meses na época do trabalho de campo; diretoras das unidades especializadas do município (2), que foram inseridas na pesquisa para melhor entendimento da trajetória das especialidades no município de Vitória; cirurgiões-dentistas do Centro de Especialidades Odontológicas (12), exceto um profissional da especialidade de cirurgia bucomaxilo facial, que estava inserido no serviço havia menos de quatro meses, sendo entrevistada em seu lugar a profissional que atuava nessa especialidade anteriormente. Os entrevistados não são identificados por nome na apresentação dos resultados da pesquisa, e sim pelo grupo ao qual pertencem. Os grupos compreendem coordenadores e ex-coordenadores de saúde bucal (coordenador), gerentes do CEO e das unidades especializadas (gerente) e cirurgiões-dentista do CEO (cirurgião-dentista) As entrevistas foram gravadas com autorização dos entrevistados e posteriormente transcritas. Procedeu-se, então, a uma análise de conteúdo temático, considerando-se as categorias definidas no estudo. O quadro 1.1 apresenta as categorias de análise, variáveis e estratégias metodológicas do estudo. 39 0-1 Quadro 1.1 – Síntese das categorias, variáveis e estratégias metodológicas do estudo CATEGORIAS Desenho e Implantação da Política nacional de saúde bucal Configuração e Implementação da política de saúde bucal no município VARIÁVEIS Trajetória da política nacional de saúde bucal; Desenho e Estratégias da política nacional (diretrizes, mecanismos de regulação e financiamento). Trajetória da política no município; Priorização da política de saúde bucal no município; Desenho da política municipal (papel das unidades básicas e especialidades); Estratégias de Implementação da política (financiamento, regulação, controle); Relação da política municipal com diretrizes nacionais e estratégias estaduais (relações intergovernamentais na política); Valorização do CEO como um dispositivo para efetivação do atendimento especializado; Estratégias de implantação. ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS/ FONTES DE INFORMAÇÃO Documentos, portarias federais, Saudelegis; Dados dos sistemas de informação do Ministério da Saúde. Entrevista com coordenador(a) Municipal de Saúde Bucal; Entrevista com coordenador(a) Estadual de Saúde Bucal; Entrevista com diretor(a) do CEO e outras unidades especializadas; Documentos municipais da política de saúde bucal. Estrutura e Funcionamento do CEO Estrutura; Formas de acesso; Tipos de ações oferecidas; Dados de Produção e Desempenho. Entrevista com coordenador(a) Municipal de Saúde Bucal; Entrevista com diretor(a) do CEO e outras unidades especializadas; Entrevista com profissionais (odontológos do CEO); Documentos, relatórios de implantação municipais. Integração entre serviços e níveis de atenção Mecanismos de Referência e contrarreferência; Mecanismos de agendamento para atendimento especializado; Organização da demanda. Entrevista com coordenador(a) Municipal de Saúde Bucal; Entrevista com diretor(a) do CEO e outras unidades especializadas; Entrevista com profissionais (odontológos do CEO). Fonte: Elaboração da autora. 40 Capítulo 2 - A Política de Saúde Bucal no Brasil Neste capítulo é traçado um breve histórico da política de saúde bucal no Brasil até os anos 2000. Depois se discute de forma mais aprofundada o Brasil Sorridente, que diz respeito à política de saúde bucal instituída no governo Lula. Por último, são apresentados os dados recentes de implantação nacional da política. 2.1 Breve Histórico As raízes da odontologia no Brasil remontam à época do Brasil Colônia, primeiro com a atuação do pajé, que era um misto de feiticeiro, sacerdote e curador XVII; depois com a atividade exercida pelo barbeiro, que fazia de tudo na área de saúdeXVIII 38. A época colonial tinha como principal produto da economia brasileira a cana-deaçúcar, que se tornou acessível ao povo pelo seu baixo custo. A dieta rica em açúcar acarretou o aumento da cárie dentária. A necessidade crescente de profissionais da área fez com que a odontologia fosse ensinada a outros indivíduos, sem a obrigatoriedade de cursos formais e sem restrições governamentais ao exercício profissional2. Essa situação perdurou por muitos anos até que em 1856 foi instituído um exame para dentistas se habilitarem ao exercício da profissão XIX . Entretanto os cursos de odontologia só foram criados em 1884, nas faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da BahiaXX 2. Ao longo do século XX, a prática odontológica predominante foi a odontologia de mercado, expressando as transformações sofridas pela sociedade brasileira. Mudanças como o acentuado crescimento econômico, a industrialização e a urbanização repercutiram na prática odontológica, que se tornou cada vez mais complexa e tecnologicamente sofisticada. Em consequência disso e associada ao desenvolvimento capitalista no País, houve uma expansão dos cursos de odontologia. Dessa forma surgiu XVII O pajé indígena utilizava práticas essencialmente individualizadas e curativas com técnicas cirúrgicas rudimentares, como a extração de dentes com instrumentos de madeira ao primeiro sinal de cárie e dor. Prática comum era utilizar plantas medicinais ou outros elementos, como cinza de unhas de onças, ou sangrias para escarificar a gengiva, no caso de fortes dores de dente. Nesta etapa dos pajés, a odontologia era exercida por curandeiros, que se utilizavam de mitos religiosos, remédios caseiros e ervas para tratamento de dores ou infecções agudas, e a cárie dental evoluía sem tratamento38. XVIII Os barbeiros, além de cortar o cabelo e fazer a barba de quem o solicitava, extraíam dentes, aplicavam sanguessugas e tratavam de luxações, fraturas e ferimentos superficiais. Assim como os pajés, 2 suas atividades terapêuticas eram individualizadas e curativas . XIX Tal exame foi instituído na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro2. XX Por meio do Decreto no. 9311, de 18842. 41 uma categoria profissional de poder corporativo razoável e de estrutura bastante complexa2. A trajetória das ações estatais de atenção odontológica no País expressou a dicotomia das políticas de saúde brasileiras, divididas nas vertentes da medicina previdenciária e da saúde pública. Na vertente previdenciária, as primeiras atividades de atendimento público odontológico deram-se nas décadas de 1920 e 1930, primeiro pelas Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP) e depois pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAP), em que só tinham direito ao atendimento os trabalhadores formais de algumas categorias, vinculados a essas organizações profissionais39. Quando houve a unificação dos IAPs e a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, ampliou-se a cobertura previdenciária. Aos poucos, quase toda a população (urbana e rural) inserida no mercado formal de trabalho passou a ser beneficiada pela assistência médica da Previdência39. O modelo de assistência odontológica da Previdência Social era caracterizado pela assistência à livre demanda, pautada na prática curativa e mutiladora (pelo grande número de extrações realizado), pela distribuição desigual de recursos humanos e materiais, pela baixa incorporação de pessoal auxiliar e por mecanismos inadequados de planejamento, controle e avaliação. As ações do Estado baseavam-se na oferta de serviços imediatistas às queixas dos indivíduos, buscando manter em boas condições a força de trabalho2. A Previdência, nos anos 1970, aumentou o financiamento para a oferta odontológica, por meio de serviços próprios ou, principalmente, da compra dos serviços de terceiros mediante convênios e credenciamentos. De acordo com o autor, esses serviços eram caracterizados por baixíssimo nível de qualidade e altíssimo grau de mutilação40. Um dos grandes efeitos produzidos pela assistência odontológica da Previdência Social, segundo Narvai2, foi o alto número de registros de consultas associadas a extrações e restaurações. Em 1980, para um total de 5,8 milhões de consultas, foram realizadas 2,2 milhões de extrações e 1,8 milhão de restaurações nos serviços próprios do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS). Na vertente da saúde pública, a programação em saúde bucal surgiu nos anos 1950, com os primeiros programas de odontologia sanitária desenvolvidos no País pela Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (Fundação SESP), configurando o 42 denominado modelo incremental XXI 41. Tal modelo compreendia duas vertentes: uma preventiva e outra de caráter curativo. A preventiva reduziu-se à fluoretação das águas de abastecimento público ou a sessões semanais de bochechos com soluções fluoretadas nos serviços de saúde e escolas, enquanto a de caráter curativo se caracterizou pelo atendimento a escolares de 6 a 14 anos de idadeXXII 42. Embora fosse designado como de natureza preventivo-curativa, o modelo incremental enfatizava, na prática, a ação restauradora. As ações educativas e preventivas eram deixadas em segundo plano e restringiam-se a aplicações tópicas de flúor. Além disso, a política mantinha um caráter excludente, já que a população fora da faixa etária de 6 a 14 anos permanecia sem tratamento odontológico42. A fluoretação das águas de abastecimento público foi utilizada na perspectiva da prevenção da cárie dentária, trazendo benefícios a milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, essa iniciativa tornou-se obrigatória em 1974, com a promulgação de lei federal, expandindo- se na década seguinteXXIII 44. Entre as razões para tal crescimento encontravam-se, segundo Narvai2, o apoio do Governo Federal em financiar iniciativas nessa área e o surgimento de novos coordenadores estaduais de saúde bucal após as eleições diretas para governador, uma vez que os eleitos estavam muito empenhados em reorientar as políticas públicas. Narvai2 menciona duas pesquisas realizadas pelo Ministério da Saúde na cidade de São Paulo sobre cárie em escolares. A primeira foi realizada em 1985, época em que iniciou a fluoretação das águas nesta cidade e a segunda onze anos mais tarde, que demonstrou uma redução de cerca de 67,7% na prevalência de cárie na idade de 12 anos. Tais pesquisas evidenciaram que o início do declínio dos níveis de cárie nas crianças coincidiu com o início da fluoretação das águas na cidade de São Paulo. Dessa forma, pode-se perceber que, entre as atividades específicas da prática odontológica, a fluoretação das águas de abastecimento público é a de melhor relação Narvai41 (p.10) traz uma discussão a respeito do termo modelo e sugere: “incremental, por exemplo, refere-se apenas a um sistema de atendimento e não pode ser tomado como um modelo, uma vez que é possível a programas que tenham concepções diametralmente opostas a saúde-doença, adotar o sistema incremental”. Todavia, segundo Zanetti40, apesar de o sistema incremental ser um modelo programático, acabou tornando-se sinônimo de modelo assistencial em saúde bucal. Neste trabalho, adotaremos o sistema incremental como um modelo. XXII O modelo incremental surgiu como uma proposta de prestar atendimento odontológico de forma programada e sistematizada, contrapondo-se ao modelo de livre demanda empregado pela odontologia nas décadas anteriores. Sua programação compreendia eliminar as necessidades acumuladas de uma população definida, até o completo tratamento para posterior controle. Foi preconizado para ser aplicado em qualquer população, mas foi reduzido aos escolares de 6 a 14 anos. Essa faixa etária foi escolhida pela grande incidência de cárie com lesões em fase inicial e pela facilidade em dispor de um grupo constante para atendimento42, 43. XXIII A Lei Federal no. 6.050, de 24 de Maio de 1974, obrigou a fluoretação das águas de abastecimento público onde exista Estação de Tratamento de Água44. XXI 43 custo benefício XXIV45. Embora essa relação seja positiva, muitas cidades brasileiras, principalmente das regiões Norte e Nordeste, ainda não têm suas águas fluoretadas. O modelo incremental preconizado pelo SESP, não se vinculou à unidade de saúde, mas à escola e suas demandas46. Moysés4 complementa que, em alguns municípios, a lógica assistencial foi a prioridade máxima aos escolares. As ações de promoção à saúde bem como as educativas e preventivas foram raras. O autor critica também esse modelo por não incluir o atendimento ao adulto, o que só ocorria em raras situações de urgência, sob o argumento de custo elevado de insumos odontológicos e de existência de profissionais pouco preparados para atuar no serviço público. O modelo incremental, embora tenha recebido muitas críticas, organizou o atendimento odontológico das crianças nas escolas por mais de 30 anos e foi considerado um marco da programação no serviço público odontológico, por ter quebrado a “hegemonia da livre demanda dos consultórios”. Deve-se ressaltar ainda que, na época em que foi idealizado, os conhecimentos acerca de cariologia, microbiologia e planejamento em saúde eram ainda incipientes42. Para Narvai43, O sistema incremental tornou-se ineficaz à medida que foi transformado em receita, em padrão a ser reproduzido acriticamente e, em contextos de precariedade gerencial, falta de recursos e ausência de enfoque epidemiológico dos programas (p. 143). Assim, iniciou-se uma discussão voltada para a mudança do modelo de atenção, já que, no início da década de 1970, o modelo incremental se mostrava superado, do ponto de vista tanto de eficácia, quanto de cobertura. Entretanto, por apresentar uma estrutura organizacional muito sólida, esse modelo foi a base para programações posteriores, tais como a da odontologia simplificada e a da odontologia integral. Esses modelos procuraram introduzir novas tecnologias, visando diminuir custos e aumentar a produtividade por meio de simplificação de equipamentos e materiaisXXV, ênfase nos métodos de prevenção e tentativas de desmonopolizaçãoXXVI do saber de odontólogos, mediante a transferência de conhecimentos para Técnicos de Higiene Dental (THD) e Segundo estudo realizado por Frias e cols45, no município de São Paulo o custo médio da fluoretação per capita/ano foi de R$ 0,08 (oito centavos) em 2003. Nos 18 anos de implantação do sistema de fluoretação, o custo acumulado foi de R$ 1,44 (um real e quarenta e quatro centavos) per capita. XXV A simplificação em odontologia constitui uma crítica ao modelo odontológico caracterizado por utilizar tecnologia sofisticada e complexa. Segundo Garrafa (1981, apud Serra47,p.21) “a busca da eliminação do desnecessário, daquilo que pode obstaculizar um trabalho e/ou que pode encarecê-lo, e a procura, simultânea, do alcance de uma maior cobertura e melhoria na qualidade do atendimento (...). A simplificação implica também em atuação crítica e criativa nos ambientes de trabalho odontológico, nos instrumentais, nos materiais e drogas, nas técnicas e sistemas de atendimento e, consequentemente, sobre os quadros de recursos humanos odontológicos, para produzir e aceitar somente aquilo que tenha valor coletivo (...)”47. XXVI Já o conceito de desmonopolização traz uma crítica ao modo da prática e da assistência dos odontólogos, por sua resistência a transferir conhecimentos aos profissionais de nível médio. XXIV 44 Auxiliares de Consultório Dentário (ACD)47. Tais programações enfatizaram a mudança dos espaços de trabalho48. Todavia, esses modelos não romperam com a lógica programática do incremental e não chegaram a se consolidar pelo País, evidenciando-se apenas em algumas experiências pontuais. Essas propostas serviram de base para muitos municípios que haviam adotado o modelo incremental e precisavam reestruturar o planejamento das ações de saúde bucal49. Entretanto, a odontologia integral fortaleceu a estruturação da odontologia no Ministério da Saúde como um passo importante para sua consolidação na agenda da saúde pública brasileira48. No que concerne à odontologia integral, os conselhos de classe apresentaram resistências em relação à incorporação do pessoal técnico auxiliar nas tarefas voltadas para o paciente. As entidades de classe defendiam o controle e policiamento do exercício da profissão pelos dentistas “práticos” XXVII. Consideravam que a atuação de profissionais de nível médio poderia vir a configurar-se em exercício inadequado da profissão47. No que diz respeito ao contexto político, no final dos anos 1970 observava-se que atores da área de odontologia se articularam, no contexto mais geral do Movimento da Reforma Sanitária. O Movimento Sanitário Odontológico, assim designado por Serra47, juntamente com os demais trabalhadores da saúde, lutou pela mudança do modelo de atenção à saúde e pela sua democratização. Nos Encontros Científicos dos Estudantes de Odontologia (ECEO), criticava-se o monopólio do cuidado odontológico pelos segmentos de renda mais alta, com críticas à omissão das entidades e lideranças da saúde bucal2. Essas críticas, de acordo com Serra47, estendiam-se à prática odontológica vigente e ao perfil de formação de recursos humanos. A prática hegemônica na área de saúde bucal apresentava caráter mercantil e baseava-se na clínica particular e individualista, com privilégio das ações curativas em detrimento das preventivas, principalmente as de cunho coletivo. Com o fim da ditadura e as mudanças no sistema de saúde brasileiro, os novos coordenadores de saúde bucal, nomeados junto com os governadores eleitos em 1982 em vários estados, sentiram necessidade de aproximação e intercâmbio a fim de redefinir a agenda nacional para a área odontológica. Nessa época, os municípios não eram centros de decisão relevantes sobre as ações e programas de saúde bucal2. XXVII A denominação de dentistas práticos diz respeito a profissionais sem a formação superior, prática costumeira no século XVIII, em que os conhecimentos eram transferidos a quem se interessasse, sem a exigência de curso de graduação. 45 Em 1984, o Movimento de Reforma Sanitária deu origem, entre os profissionais de odontologia, ao Movimento Brasileiro de Renovação Odontológica (MBRO). Tal movimento envolvia indivíduos do movimento estudantil, dentistas sanitaristas, sindicalistas do setor, dentistas militantes de partidos e organizações políticas, que se reuniam para lutar contra a ditadura. Os princípios que estruturavam esse movimento baseavam-se em luta pela liberdade política, visando à melhoria das condições sociais de existência; oposição às práticas mutiladoras odontológicas; ênfase na municipalização; e aumento dos recursos destinados à assistência odontológica. Defendia-se uma odontologia pública, gratuita, de boa qualidade e acessível a toda a população, entre outros aspectos2. Os militantes entendiam que a saúde dependia da melhoria das condições de vida e defendiam o setor público. Assim, a Saúde Bucal Coletiva passou da teoria à prática política47. Ainda em 1984, segundo Narvai2, foi realizado o I Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público Odontológico (ENATESPO), em GoiâniaXXVIII, que nasceu da luta pela democracia e pela justiça social. Em seus debates defendia-se a construção e a indução de uma política nacional de saúde bucal. No Encontro, foi aprovado o documento intitulado “Proposta de política odontológica nacional para um governo democrático”. Entre outras proposições, recomendava-se que os estados e municípios tivessem o direito e a obrigação de planejar e implementar ações de saúde bucal, conforme suas realidades sociais e epidemiológicas. Tais movimentos contribuíram para a constituição de propostas para uma nova Política Nacional de Saúde Bucal que buscasse reverter o quadro de desigualdades e exclusão social no acesso aos serviços odontológicos47. Em 1986, foi realizado o primeiro levantamento epidemiológico de saúde bucal pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), pela Fundação SESP e pelas secretarias de saúde, com o intuito de obter informações sobre a situação de saúde bucal da população brasileira, que pudessem embasar a formulação de políticas2. Ainda nesse ano, o Núcleo de Odontologia do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) publicou o documento Reforma Sanitária e Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde. Este documento abordava, entre outras questões, a necessidade de um projeto de saúde bucal orientado para o SUS desenvolvido por meio de ações integradas. O documento trazia a discussão sobre o direito à saúde e defendia a XXVIII Os ENATESPOs caracterizam-se por serem fóruns de discussão de teorias e práticas de ações e serviços odontológicos em Saúde Pública. São patrocinados pelas instituições públicas e abertos à participação de qualquer profissional dessa área, inseridos no serviço público, inclusive os de ensino e pesquisa. 46 necessidade de o Estado assumir uma política de saúde bucal integrada às outras políticas econômicas e sociais47. No entanto, para que uma nova estrutura organizacional de serviços odontológicos coordenados viesse a funcionar, seria necessário superar alguns pontos, como as desigualdades sociais e regionais existentes, a ausência de prioridade para a saúde bucal nas políticas de saúde, a inadequada formação de profissionais, técnicos e auxiliares, entre outros47. A I Conferência Nacional de Saúde Bucal (CNSB) foi realizada em 1986 e enfocou a saúde bucal como direito de todos e dever do Estado. A saúde bucal foi afirmada como parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo, relacionada às condições de moradia, trabalho, alimentação, renda, transporte, lazer, meio ambiente, liberdade, acesso e posse da terra, acesso aos serviços de saúde e à informação3. Outras questões debatidas na I CNSB foram o financiamento da odontologia, a adoção de critério epidemiológico para planejamento das ações de saúde bucal e a reorientação das políticas odontológicas relativas a recursos humanos com ênfase na formação, tecnologia e pesquisa em Saúde Bucal Coletiva 3,47. As deliberações contidas no relatório da I CNSB não se traduziram com clareza na prática. Nos anos seguintes foram construídas outras bases legais e normativas para a política odontológica no Governo Federal4. Em 1987, o INAMPS elaborou o Programa Nacional de Controle da Cárie Dental com o uso de Selantes e Flúor (PNCCSF)50. Em 1989, o Ministério da Saúde, por meio da Divisão Nacional de Saúde Bucal (DNSB) definiu uma Política Nacional de Saúde BucalXXIX. Embora essa política tenha fundamentado seus princípios na universalização, participação da comunidade, descentralização, hierarquização e integração institucional, isso não foi observado na prática50. Tal política propunha trabalhar com grupos etários prioritários e enfatizava ações de educação para a saúde bucal, prevenção das doenças bucais, organização setorial, formação de recursos humanos, atuação da comunidade, estudos e pesquisas. Contudo, essa política nacional, nos anos subsequentes, não foi concretizada52. A partir dessa política, o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional da Cárie Dental (Precad). Tanto o Programa Nacional de Controle da Cárie Dental com o uso de Selantes e Flúor como o Programa Nacional da Cárie Dental foram instituídos pelo Governo Federal de modo vertical e centralizado, em um momento em que se reivindicava a descentralização e municipalização dos serviços de saúde. Naquele XXIX Aprovada pela Portaria GM n. 613, de 30 de junho de 198951. 47 momento, o Governo Federal demonstrou sua falta de sintonia com os anseios de estados e municípios, além de ignorar as proposições feitas pelo ENATESPO durante o encontro em 19842. No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, devido às críticas ao modelo incremental e à odontologia integral, surgiu a proposta de um novo modelo assistencial: o Programa Inversão da Atenção (PIA)XXX. O modelo proposto integrou os avanços da odontologia integral e adaptou seu marco teórico a uma estrutura organizativa da doutrina do SUS. Caracterizou-se pelo controle epidemiológico da doença cárie por meio da utilização de métodos preventivos baseados no preventivismo escandinavo. Apresentou como princípios básicos a mudança do enfoque de “cura” para o de “controle” das doenças bucais e a ênfase no autocuidado. Para isso, baseou-se em três fases: a estabilização, a reabilitação e o declínio. Tal modelo espalhou-se por muitos municípios brasileiros, mesmo sem a assessoria formal da empresa, influenciando a programação em saúde bucal42, 49. Conforme Narvai2, no início dos anos 1990, durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello, a Divisão Nacional de Saúde Bucal foi transformada em uma coordenação técnica subordinada à Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Com isso, o Programa Nacional de Controle da Cárie Dental com o uso de Selantes e Flúor e o Programa Nacional da Cárie Dental foram extintos. O Plano Quinquenal de Saúde 1990-1995, “A Saúde do Brasil Novo”, foi o documento que definiu a nova política nacional de saúde, em que não constava uma política específica para a área de saúde bucal. Manteve-se o financiamento das ações e serviços de saúde pela transferência de recursos por produção, mesmo com a incorporação do INAMPS ao Ministério da Saúde. Os estados e municípios foram considerados prestadores estatais de serviços de saúde. Nos vários órgãos públicos, a atuação na área era fragmentada e apresentava um desempenho desordenado, sem contemplar uma rede articulada de ações2: Esse modelo de atenção, que valorizava a quantidade de procedimentos executados, acarretava conflito entre os setores público e privado, superposição de ações, desperdício de recursos e mau atendimento à população ( p. 9) 2. XXX Esse modelo surgiu inicialmente a partir de elaborações teóricas de Loureiro e Oliveira, professores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e se constituiu na estratégia de uma empresa de consultoria situada em Belo Horizonte, a Estação Saúde. Os idealizadores do Programa sofreram críticas de alguns autores sob a acusação de vender “pacotes prontos” (mercantilização da odontologia) para alguns municípios que procuravam reorganizar seus sistemas de saúde bucal e não dispunham de conhecimento e tecnologia adequados49. 48 No ano de 1990 foi proposta a substituição da política de fluoretação das águas de abastecimento público pela fluoretação do sal de cozinha50. Para Narvai2 essa proposta enfrentou forte oposição do Conselho Nacional de Saúde, por parte dos técnicos e especialistas da área, e não teve êxito. A fluoretação das águas de abastecimento público já havia sido considerada como um dos pilares básicos para a prevenção da cárie dentária no Brasil e reafirmada pela Política Nacional de Saúde Bucal de 1988 e pelas entidades profissionais da odontologia. Em 1992, de acordo com Narvai2, um passo importante nesse campo foi a inclusão de procedimentos coletivos de saúde bucal na tabela de procedimentos do SIA/ SUSXXXI. Foram expandidas, além das ações de fluoretação das águas e de assistência odontológica individual, atividades de caráter educativo e de proteção específica à saúde bucal, como escovação supervisionada com dentifrício fluorado e bochechos com flúor. Como aspectos positivos dessa inclusão, ressalte-se o impulso que as ações de promoção e prevenção em saúde bucal deram a centenas de municípios brasileiros, sob a forma de apoio financeiro. O principal legado foi à alteração do modelo de prática odontológica, redirecionando-a para ações preventivas e de promoção da saúde54. Entretanto, o repasse financeiro a estados e municípios pela vinculação dos procedimentos coletivos, visto inicialmente como um avanço, acabou por descaracterizar-se como um instrumento útil para a mudança do modelo de atenção à saúde bucal54. Em 1993, após a saída de Collor, foi realizada a II Conferência Nacional de Saúde Bucal, com o tema “Saúde bucal é direito de cidadania”. Essa conferência aprovou diretrizes e estratégias políticas para a saúde bucal no País, além de indicar características de um novo modelo de atenção em saúde bucal. Foram propostas formas de financiamento e controle social por meio dos Conselhos de Saúde e defesa da descentralização das ações, “com garantia de universalidade do acesso e equidade da assistência odontológica, interligados a outras medidas de promoção de saúde de grande impacto social”55. (Brasil, 1994). No entanto, durante o governo de Itamar Franco (1992-1994) e nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) a área de saúde bucal não teve destaque na agenda governamental federal. Sobressaiu no período um intenso processo de descentralização, com indução de algumas políticas pela esfera federal2. Vale XXXI Os Procedimentos Coletivos foram inseridos por meio da Portaria n. 184, de 10 de outubro de 199153. 49 ressaltar que o número de gestores responsáveis pela atenção aos problemas de saúde bucal foi ampliado graças a esse processoXXXII. No ano de 1996, foi realizado o segundo levantamento epidemiológico em saúde bucal pela coordenação de saúde bucal do Ministério da Saúde. Tal projeto limitou-se a examinar as crianças de 6 a 12 anos de escolas públicas e privadas das capitais brasileiras. A condução desse levantamento sofreu inúmeras críticas pelo seu amadorismo, demonstrando a fragilidade da saúde bucal em relação a sua inserção institucional e política durante a maior parte da década de 1990. O relatório final desse levantamento nem chegou a ser publicado, entretanto os dados estão disponíveis no site do DATASUS58. Em 1998, houve uma mudança importante no financiamento das ações da atenção básica à saúde, representada pela instituição do Piso da Atenção Básica (PAB). Os municípios passaram a receber uma parcela fixa de acordo com o número de habitantes e uma parcela variável referente a incentivos específicos repassados pelo Ministério da Saúde mediante a implantação de programas recomendados XXXIII. Para Castro59, a instituição do PAB modificou a lógica de transferência de recursos do Governo Federal para a atenção básica e enfatizou a necessidade de se reorganizar o modelo de atenção à saúde. A estratégia principal adotada pelo Ministério foi ampliar a cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF). Segundo Narvai2, o PAB ajudou no fortalecimento da capacidade gestora local e em propostas de planejamento e emprego de recursos baseadas nas necessidades de saúde coletiva. Em 2000 o Ministério da Saúde abriu uma nova perspectiva para a política nacional de saúde bucal, ao estabelecer um incentivo financeiro para a reorganização da atenção à saúde bucal prestada nos municípios por meio do PSF. Esse incentivo era XXXII A descentralização, uma das diretrizes organizativas do SUS, pressupõe que os estados e municípios tenham maior autonomia e responsabilidade para decidir sobre suas ações e serviços de saúde e implementá-los17. As Normas Operacionais Básicas (NOBs) editadas nos anos 1990 orientaram o processo de descentralização no SUS. Essas NOBs eram portarias do Ministério da Saúde que reforçavam o poder de regulamentação da direção nacional do SUS. Traziam aspectos relacionados à divisão de responsabilidades entre as esferas de governo, assim como relações entre gestores e critérios de transferências de recursos federais para estados e municípios56. Ainda que de forma lenta, gradual e negociada, os municípios tornaram-se os principais responsáveis pela gestão da rede de serviços de saúde no País e, portanto, pela prestação direta da maioria das ações e programas de saúde 57. XXXIII O repasse do PAB fixo é per capita, transferido pela União aos municípios para custeio das ações básicas em saúde. O valor inicial do PAB fixo foi estipulado em R$ 10,00 (dez reais) per capita/ano, tendo depois sofrido reajustes. Tais valores são repassados pelo Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal de Saúde, por meio de transferências intergovernamentais diretas na modalidade “fundo a fundo”59. 50 representado pelo financiamento de equipes de saúde bucal e foi regulamentado no ano seguinteXXXIV 60,61. Foram propostos pelo Ministério da Saúde dois tipos de Equipes de Saúde Bucal (ESB)60. ESB Modalidade I: composta por cirurgião-dentista (CD) e auxiliar de consultório dentário (ACD). O município receberia inicialmente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para implantação e R$ 13.000,00 (treze mil reais) por ano para custeio de cada equipe. ESB Modalidade II: composta por CD, ACD e técnico em higiene dental (THD). O município receberia inicialmente R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para implantação e R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais) por ano para custeio de cada equipe. A inclusão da saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família (ESF) significou o primeiro passo para a efetiva expansão da assistência odontológica no País. Essa inclusão representou a possibilidade de se criar um espaço de práticas e relações a serem construídas para a reorientação do processo de trabalho e para a própria atuação da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Esse processo aconteceu de forma parcial e não obrigatória, sendo inicialmente proposta uma equipe de saúde bucal como referência para duas equipes de saúde da família. Diante disso, uma equipe de saúde bucal deveria cobrir em média 6.900 pessoas, o que acarretava uma sobrecarga para os profissionais de saúde de procedimentos clínicos curativos. Essa sobrecarga comprometia a incorporação da filosofia da estratégia de Saúde da Família no processo de trabalho desses profissionais62. Em 2001, foram implantadas 2.248 equipes de saúde bucal, o que abrangeria, segundo estimativas oficiais, 8% da população. Em 2002, esse número cresceu para 4.261 equipes, aumentando de forma expressiva nos anos subsequentes63. Nesse mesmo ano, foi editada a Norma Operacional da Assistência à Saúde (NOAS – SUS 01/2001) que, entre outros aspectos, definiu a regionalização do sistema de saúde e ampliou a responsabilidade dos municípios na atenção básica28,64. Nesse sentido, foram estabelecidas as seguintes responsabilidades no âmbito da saúde bucal: a prevenção dos problemas odontológicos, prioritariamente na população de zero a 14 anos e nas gestantes; o cadastramento de usuários; o tratamento dos problemas odontológicos, prioritariamente na faixa de zero a 14 anos e gestantes, e o atendimento XXXIV As equipes foram criadas pela Portaria GM/MS n. 1444, de 28 de dezembro de 2000 60, e regulamentadas pela Portaria GM/MS nº 267, de 6 de março de 200161. 51 às urgências odontológicas. Além dessas responsabilidades, também foi incluído um elenco de procedimentos de saúde bucal na atenção básica e na média complexidade. Entre as ações da média complexidade, foram incluídas as relacionadas à endodontia, indicando uma ampliação da atenção odontológica e uma preocupação em evitar a extração dentária64. Dessa forma, pode-se perceber que a saúde bucal começou a ter maior importância e a fortalecer-se como política pública, fruto de um processo longo, de muitos atores e movimentos ao longo de anos de luta para inseri-la na agenda governamental. No período correspondente ao Governo Lula, tal política ganhou mais destaque, conforme será abordado no próximo tópico. 2.2 O Brasil Sorridente: A Política de Saúde Bucal no Governo Lula No período correspondente ao governo Lula, a saúde bucal ganhou um novo status na agenda política nacional. Para compreender isso é interessante recorrer ao modelo de análise de conformação de agenda de Kingdon8. Constata-se, pelo breve histórico anterior, que a saúde bucal já se configurava como um problema de saúde pública demonstrado pelos altos índices de doenças bucais encontrados nos levantamentos epidemiológicos anteriores, entre elas o câncer bucal, que vinha provocando um grande número de óbitos com uma tendência crescente, e o índice CPO-D elevado, pelo alto número de dentes cariados e perdidos1. Tal problema já era altamente reconhecido pela comunidade de especialistas da área odontológica e, em certo grau, pelos gestores da saúde, estes últimos por meio da conformação dos vários programas implantados nos anos anteriores para controle da cárie, embora de forma bastante pontual e limitada. Já os especialistas, vinham havia décadas articulando-se por meio dos vários movimentos, encontros, conferências, propondo soluções para a saúde bucal, representadas ao longo dos anos pelos vários modelos de atenção discutidos para transformação da prática vigente. Além disso, houve uma inflexão no período dos anos 1980 e 1990, quando se observou uma mudança importante configurada pelo movimento da reforma sanitária, que defendia uma proposta mais abrangente para a política nacional, com a conformação de um sistema único de saúde. Mesmo assim, a saúde bucal mostrou uma enorme defasagem em relação ao SUS, evidenciada pela sua entrada tardia nas equipes de saúde da família. 52 Entretanto, todas essas justificativas de reconhecimento do problema da saúde bucal e das propostas de enfrentamento de tal problema pelos especialistas e gestores da saúde do Governo não tiveram força suficiente para inseri-la na agenda governamental federal, mesmo no período de implantação do SUS. Assim, a mudança de governo em 2003 com a eleição do presidente Lula foi decisiva para que a política de saúde bucal ganhasse destaque na agenda governamental federal. A estratégia utilizada foi articular a política de saúde bucal com a política de combate à fome, tida como de grande importância e prioridade no programa de Governo. O documento “Fome zero e boca cheia de dentes” XXXV baseou-se no argumento de que, para se ter uma boa alimentação, era necessário ter dentes para mastigar adequadamente65, 66. Dessa forma abriu-se o que Kingdon8 chama de “janela de oportunidade”, um momento propício para que o problema entrasse na agenda governamental federal. O grupo que elaborou o documento “Fome zero e boca cheia de dentes” vinha estudando e reivindicando a entrada da saúde bucal na agenda governamental federal havia muito tempo e já estava com a solução para o problema à mão, só esperando que a janela de oportunidade surgisse para que pudesse usar a seu favor. Pode-se considerar esse grupo, nesse caso, como os policy entrepreneurs, que, de acordo com Kingdon8, aproveitaram a janela de oportunidade no sentido de trazer as evidências do problema e propor as soluções, ou seja, uma política abrangente pautada nos princípios do SUS. Foram levantadas muitas críticas ao Governo anterior, entre elas a desarticulação da saúde bucal com as demais políticas públicas de saúde, a debilidade de interlocução entre a área de saúde bucal do Ministério da Saúde e as coordenações estaduais e a não finalização do levantamento epidemiológico de saúde bucal de 2003. Tal levantamento de caráter nacional seria fundamental para avaliar a situação da saúde bucal brasileira diante das metas propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no ano 2000. Além disso, apontavam-se fragilidades das ações no processo de formação de recursos humanos odontológicos e demora na realização de outra Conferência Nacional de Saúde Bucal. Até a elaboração desse documento, só haviam sido realizadas duas Conferências, sendo a última em 199366. XXXV Esse documento foi elaborado por militantes do Partido dos Trabalhadores, militantes da saúde de outros partidos que integraram a coligação da eleição presidencial de 2002 (PC do B), partidários aliados aos trabalhadores ligados ao movimento sindical, trabalhadores dos serviços públicos odontológicos e os relacionados ao ensino e à pesquisa65, 66. 53 Diante disso, foi ressaltada a importância de uma política específica para a saúde bucal, que estivesse articulada com as demais políticas públicas de governo e com os demais níveis de governo (estados e municípios)66. Ainda em 2003, foi concluído o 3º. levantamento epidemiológico de saúde bucal, por meio do qual foi retratada a situação da saúde bucal da população. Constatouse na ocasião que a ausência de dentes era um dos mais graves problemas de saúde bucal dos brasileiros. Nesse momento, foi identificada a grande dívida social com relação à saúde bucal, já que esse levantamento evidenciou o grande número de adolescentes (13% dessa população) que nunca tinha ido ao dentista e o número de 30 milhões de desdentados existentes no Brasil. Esse levantamento, que apresentou dados referentes à saúde bucal da população brasileira, serviu de base para a formulação da Política Nacional de Saúde Bucal1. Nesse mesmo ano, o Ministério da Saúde passou a financiar as ESBs na proporção de 1:1 em relação às ESFsXXXVI67. Concedeu-se um aumento de 20% nos valores dos incentivos de custeio, reajustando a ESB Modalidade I para R$ 15.600,00 (quinze mil e seiscentos reais) e a Modalidade II para R$ 19.200,00 (dezenove mil e duzentos reais)XXXVII. Mesmo assim, os recursos repassados eram insuficientes e havia necessidade de complementação pelos municípios2. Em 2004, foi realizada a III Conferência Nacional de Saúde Bucal e lançada a Política Nacional de Saúde Bucal52. Tal política, também conhecida como Brasil Sorridente, colocou a saúde bucal como política pública de âmbito nacional, com seus pressupostos apresentados no documento Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal5. O Brasil Sorridente tem como principal objetivo a reorganização da saúde bucal em todos os níveis de atenção, no intuito de buscar o atendimento integral. Nesse sentido, a integralidade, uma das diretrizes do SUS, foi colocada como eixo central na Política Nacional de Saúde Bucal. Tal política apresenta como principais estratégias a ampliação e a qualificação da atenção básica, integrando-a aos outros níveis de atenção, e a articulação das ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação5. O Brasil Sorridente inclui muitas frentes de trabalho para reorganização do modelo de atenção, entre elas a fluoretação das águas de abastecimento público, a Portaria GM nº 673, de 3 de junho de 200367. Além do reajuste n. financiamento das ESBs, foi mantido o incentivo adicional no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por equipe implantada, já definido na Portaria GM/MS n. 1444, de 28 de dezembro de 200060. XXXVI XXXVII 54 ampliação da atenção básica por meio da implantação das equipes de saúde bucal e a ampliação da atenção secundária e terciária por meio da implantação do CEO. O foco da política é a atenção à saúde, preconizando-se a prática clínica e, consequentemente, o planejamento e a gestão dos serviços, entendendo-se a atenção a um indivíduo como o resultado de um processo em que intervêm distintos profissionais, situados em diversos pontos de atenção à saúde, com níveis de complexidade diferenciados5. A ampliação do acesso a todas as faixas etárias se daria por meio da organização de linhas de cuidado que reconhecessem as especificidades de cada idade (saúde da criança, do adolescente, do adulto e do idoso) e por condições de vida (saúde da mulher, do trabalhador, dos portadores de necessidades especiais, de hipertensos, de diabéticos, entre outros). Portanto o acesso deveria ser assegurado aos outros níveis de atenção, com prioridade aos casos de dor, infecção e sofrimento5. Essa proposta diferencia- se da situação anterior. A saúde bucal se havia baseado por anos a fio em programas voltados somente à atenção escolar, para uma idade restrita. Restava aos adultos o atendimento à livre demanda, com ações prioritariamente curativas, que não favoreciam a integralidade. O Brasil Sorridente propõe uma concepção de saúde centrada não somente na assistência aos doentes, mas também na promoção da qualidade de vida e na interferência nos fatores de risco, por meio da inclusão de ações programáticas mais amplas e pelo desenvolvimento de ações intersetoriais de promoção da saúde, nas áreas de educação, saneamento básico, trabalho, meio ambiente, assistência social, entre outras5. Nesse sentido, a integralidade está presente, já que orienta o desenho da política englobando um conjunto abrangente de estratégias e ações, além do escopo restrito dos serviços de saúde24. O usuário muitas vezes utiliza os diversos níveis tecnológicos e pode precisar da cooperação de outros setores governamentais, dependendo da sua necessidade em um determinado momento. Assim, a política sistematiza as ações a serem desenvolvidas em três grupos5: ações de promoção e proteção da saúde - que visam à redução dos fatores de risco através da fluoretação das águas de abastecimento público,da educação em saúde, da higiene bucal supervisionada eda aplicação tópica de flúor; ações de recuperação – que compreendem o diagnóstico precoce e o tratamento em todos os níveis de atenção; 55 ações de reabilitação – que visam reintegrar o indivíduo ao seu convívio social e às suas atividades profissionais, por meio da recuperação parcial ou total das funções perdidas como consequência da doença. Essas ações compreendem um escopo amplo pautado pela perspectiva da integralidade já que propõem articular os diversos pontos de atenção e abarcar as necessidades de saúde em todas as suas dimensões. A política coloca a ampliação da atenção básica como um pressuposto fundamental, tendo a saúde da família como estratégia principal para uma organização norteada pelos seguintes eixos o trabalho em equipe, o território, a população adscrita e a intersetorialidade, além das visitas domiciliares. Todos esses preceitos favoreceriam o conhecimento da realidade local pelas equipes, bem como o estabelecimento de vínculo com a população adstrita5. Além disso, com o objetivo de ampliar a oferta e a qualidade dos serviços prestados, a política propõe a organização e o desenvolvimento de ações de prevenção e controle do câncer bucal, pela realização de exames preventivos para detecção precoce do câncer, pela garantia de atendimento em todos os níveis de complexidade, pela identificação e acompanhamento dos casos suspeitos, pelo estabelecimento de parcerias com Universidades e outras organizações para a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação do câncer bucal. implantação e aumento da resolutividade do pronto atendimento, por meio da organização do pronto atendimento, de acordo com a realidade local, da avaliação do risco na consulta de urgência e da orientação ao usuário quanto ao seu retorno ao serviço para continuidade do tratamento; inclusão de procedimentos mais complexos na atenção básica, com o intuito de propiciar maior impacto e cobertura, por meio do aumento do vínculo, da ampliação da credibilidade e do reconhecimento do valor de um serviço público odontológico local; inclusão da reabilitação protética na atenção básica XXXVIII , pelo suporte financeiro e técnico do Ministério da Saúde para instalação de equipamentos em laboratórios de prótese dentária, e pela capacitação de técnicos em prótese dentária e auxiliares de prótese dentária na rede SUS, para a implantação desses serviços 5,68. A Política Nacional de Saúde Bucal institui que as políticas de educação permanente e de financiamento devem ser definidas com o objetivo de implementar XXXVIII Por meio da Portaria GM n. 74, de 20 de Janeiro de 2004 - inclui procedimento de moldagem para prótese na atenção básica68. 56 projetos de mudança na formação técnica, de graduação e pós-graduação para que atendam às necessidades da população e aos princípios do SUS. Destaque-se ainda a importância de usar indicadores adequados para acompanhar o impacto das ações de saúde bucal, por meio de registros fáceis, confiáveis e contínuos, entre outras recomendações5. No que concerne à fluoretação das águas de abastecimento público, em 2004, visando à redução aos fatores de risco advindos desse processo, foi proposto um indicador de monitoramento de fluoretação, que até então não existia, apesar de a lei que trata desse assunto datar de 1974. Este indicador propõe a vigilância da potabilidade da água2. De acordo com o levantamento epidemiológico de 2003, o indicador CPO-D em crianças de 12 anos foi 49% maior nos municípios que não disponham de água fluoretada, em comparação com os demais1. Esse dado demonstra a importância de ter a fluoretação das águas, já que foi comprovada sua eficácia. Entretanto não é o que acontece ainda na maioria dos municípios brasileiros, embora o Governo Federal esteja incentivando tal estratégia. Entre 2005 e dezembro de 2008, em uma ação conjunta da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) com as secretarias estaduais de saúde, por meio de convênios, foram implantados 711 novos sistemas de fluoretação, que beneficiaram 7,6 milhões de pessoas distribuídas em 503 municípios em onze estados69. No sentido de ampliar e qualificar a oferta de serviços especializados de saúde bucal que apresentavam baixa capacidade, e evitar comprometer o sistema de referência e contrarreferência com a ampliação da atenção básica, fizeram-se necessários investimentos para aumentar a oferta de serviços na atenção secundária e terciária. A estratégia adotada foi a implantação dos CEOs5. Os CEOs são unidades de referência para a atenção básica e no caso dos municípios com Estratégia de Saúde da Família, para as Equipes de Saúde Bucal (ESB). Os profissionais da atenção básica são responsáveis pelo primeiro atendimento e pelo encaminhamento aos CEOs dos casos mais complexos. Esses Centros oferecem serviços especializados nas áreas de periodontia e endodontia; atendem pacientes com necessidades especiais; realizam diagnóstico bucal e procedimentos cirúrgicos5. No que concerne à política de saúde bucal, os CEOs são um importante instrumento para a consolidação do princípio da integralidade, já que ampliam o atendimento a um nível secundário, de forma a assistir uma população excluída de atendimento especializado por anos. Pressupõe-se que o CEO assegure o acesso a 57 serviços especializados às pessoas encaminhadas pelas unidades de atenção básica, já que oferece um conjunto abrangente de ações. Em 2003, de acordo com dados do SIA/SUS somente 3,3% do total de procedimentos odontológicos executados no ano eram de especialidades. Já em 2008, o número de procedimentos especializados foi de 17,5 milhões, o equivalente a 11,5% do total. Entre 2003 e 2008, o número de procedimentos odontológicos especializados cresceu 250%69. Com relação ao financiamento, em 2004, foram efetuados novos reajustes dos incentivos financeiros às ações de saúde bucalXXXIX. As ESBs Modalidade I passaram a receber R$ 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos reais) e as ESBs Modalidade II, R$ 26.400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos reais) por ano para custeio. O incentivo adicional para a aquisição de equipamentos e instrumentais odontológicos foi reajustado para R$6.000,00 (seis mil reais). O Ministério da Saúde passou a fornecer um equipo odontológico completo para as ESBs que se habilitassem na Modalidade II, incorporando o THD XL . Além dos incentivos, a Portaria incluiu o procedimento de moldagem para prótese na atenção básica e instituiu o pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais) para cada ESB implantada, para aquisição de materiais utilizados na confecção de próteses dentárias68. A implantação dos CEOs se deu a partir de um incentivo financeiro federal de investimento, seguida de corresponsabilidade financeira das três esferas de governo para a sua manutenção. O Ministério da Saúde70 instituiu três tipos de CEO e oferece incentivos financeiros diferenciados para cada tipo XLI . O financiamento federal do CEO71 prevê um recurso para implantação do Centro, repassado em parcela única, e recursos mensais de custeio, que devem ser acrescidos por investimentos municipais e estaduaisXLII. O porte de cada CEO e seu respectivo financiamento estão demonstrados no Quadro 2.1. Portaria GM nº 74, de 20 de janeiro de 200468. O equipo odontológico completo compreende cadeira odontológica, mocho, refletor, unidade auxiliar e peças de mão. XLI A Portaria GM n. 1.571, de 29 de julho de 2004, estabelece o financiamento dos CEOs 70. XLII A Portaria GM n. 599, de 24 de março de 2006, define a implantação dos CEOs e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento71. A Portaria GM 600, 24 de março de 2006, institui o financiamento dos CEOs de acordo com as condições de credenciamento da Portaria 599/GM72. XXXIX XL 58 0-1 Quadro 2.1 – Tipos de CEO e formas de financiamento Tipo de CEO Porte I II 3 cadeiras odontológicas 4 ou mais cadeiras III 7 cadeiras Financiamento Investimento Custeio R$ 40.000,00 R$ 6.600,00 R$ 50.000,00 R$ 8.800,00 R$ 80.000,00 R$ 15.400,00 Fonte: Portaria GM n. 1.571 de 29 de julho de 2004. Estabelece o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas70. Além da implantação dos CEOs, houve também a implantação de Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD). Estes últimos são unidades próprias do Município ou unidades terceirizadas credenciadas para a prestação de serviços, desde que sejam registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Inicialmente, os LRPD eram financiados por produção, com recursos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação (FAEC), por meio da Autorização de Procedimento de Alto Custo/Complexidade (APAC)XLIII, 73. A partir de 2009, a forma de pagamento aos LRPDs foi alterada, assim como o valor pago pelas prótesesXLIV. O financiamento está incluído no Teto Financeiro de Média e Alta Complexidade (MAC). Os municípios/estados passaram a receber os repasses financeiros de acordo com sua produção mensal, segundo critérios demonstrados no Quadro 2.2. Propõe-se também a participação desses laboratórios na confecção de aparelhos ortodônticos removíveis74,75. 0-2 Quadro 2.2 – Produção mensal e tipo de repasse financeiro para LRPD Produção mensal Repasse Financeiro Até 50 próteses/ mês R$ 3.000,00 mensais Entre 51 e 150 próteses/ mês R$ 9.000,00 mensais Acima de 151 próteses/ mês R$ 12.000,00 mensais Fonte: Portarias GM n. 2.374 e 2.375/09. As Portarias que culminaram na alteração do financiamento para os LRPDs foram assinadas durante a solenidade de abertura do I Encontro Nacional de Centros de Especialidades Odontológicas e Equipes de Saúde Bucal da Estratégia Saúde da XLIII Portaria GM/MS nº. 1.572 de 29 de julho de 2004, estabelece o pagamento de próteses dentárias totais em LRPD. O Ministério da Saúde estipulou que cada LRPD precisava produzir, no mínimo, 48 próteses totais por mês e, no máximo, 242. No caso das próteses parciais removíveis, o Ministério da Saúde preconizava quarenta peças. Para cada prótese total e prótese parcial removível confeccionada, o LRPD recebia o valor de R$ 30,00 (trinta reais) e R$ 40,00 (quarenta reais)respectivamente 73. XLIV Por meio das Portarias GM/MS nº. 2.374 e 2.375, de 7 de outubro de 2009, que alteram o financiamento para os LRPD, o valor da prótese total, da prótese parcial removível e das próteses coronárias/intrarradiculares fixas/adesivas (por elemento) aumentou para R$ 60,00 (sessenta reais)74,75. 59 Família, no período de 7 a 10 de outubro de 2009, em Brasília. O Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, também anunciou na ocasião a realização da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal – 2010. Nesse encontro estiveram reunidos mais de setecentos profissionais de saúde das 27 unidades federativas do Brasil. Foram discutidos temas como Redes de Atenção à Saúde, Protocolos de Saúde Bucal, Gestão em Saúde, Processo de Trabalho em Saúde Bucal e Formação dos Profissionais em Saúde Bucal. Entre muitas proposições, os participantes do Encontro aprovaram priorizar a saúde bucal no âmbito das políticas públicas, nas três esferas de governo, e defender o Brasil Sorridente como política de Estado e não apenas de governo, de forma a assegurar sua continuidade, expansão e qualificação76. Foram aprovadas outras proposições, entre elas as relacionadas ao financiamento, à inclusão de códigos de procedimentos odontológicos para atendimento em ambiente hospitalar na tabela SIA/SUS, à valorização dos profissionais de saúde, por meio de planos de cargos e salários, e à viabilização de ações de educação continuada para gestores e profissionais do CEO e da atenção primária em saúde. Além disso, propôs-se a criação de novos espaços democráticos de discussão e formulação de políticas de saúde bucal nas três esferas de governo e a garantia da realização do II Encontro de Centro de Especialidades Odontológicas e Equipes de Saúde Bucal da Estratégia de Saúde da Família76. Ainda durante o Encontro, foi incorporado no âmbito da Política Nacional de Atenção Básica, além dos CEOs e LRPDs, o Componente Móvel da Atenção à Saúde Bucal, a ser desenvolvido por meio das Unidades Odontológicas Móveis (UOM)XLV. As UOMs são consultórios odontológicos estruturados em veículos devidamente equipados e adaptados para o desenvolvimento de ações de atenção à saúde bucal a serem realizadas por Equipes de Saúde Bucal vinculadas à Estratégia de Saúde da Família77. O Componente Móvel da Atenção à Saúde Bucal foi instituído, entre outras razões, pela necessidade de expandir a cobertura de atenção à saúde bucal a toda a população brasileira, de modo a facilitar o acesso aos serviços odontológicos nos municípios menos favorecidos social e economicamente. Sua implantação considera a definição do Programa Territórios da Cidadania XLVI ,que visa à redução das Tais unidades foram instituídas por meio da Portaria GM /MS n. 2.371, de 07 de outubro de 200977. O Programa Territórios da Cidadania, instituído por Decreto Presidencial em 25 de fevereiro de 2008, é um programa de desenvolvimento regional sustentável e de garantia de direitos sociais voltados às regiões mais necessitadas do País. Seu objetivo principal é superar a pobreza e produzir trabalho e renda, levando ao desenvolvimento econômico. Baseia-se em um plano desenvolvido em cada território com integração das ações do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais e participação da XLV XLVI 60 desigualdades sociais por meio do desenvolvimento econômico e da universalização dos programas básicos de cidadania78. Desde o lançamento do Programa Territórios da Cidadania, o Ministério da Saúde já disponibilizou 387 consultórios odontológicos completos. Além disso, em abril de 2010, já estavam implantadas 7.165 Equipes de Saúde Bucal em 1.732 municípios abrangendo uma população de 25 milhões de pessoas nos 120 territórios do Programa. Em relação aos CEOs, esse número totalizava 222 unidades atingindo oitenta Territórios78. Observa-se que, por meio do Programa Territórios da Cidadania e das UOMs, a saúde bucal tem sido levada a regiões antes excluídas do acesso aos serviços odontológicos, o que resultou em aumento no atendimento à população. Em 2006, o Ministério da Saúde divulgou volume especial dos Cadernos de Atenção Básica sobre saúde bucal, que apresenta os principais modelos de atenção na área. O documento reitera a necessidade de fortalecimento da saúde bucal na atenção básica, associada à garantia de acesso dos usuários aos serviços de média e alta complexidade, de modo a assegurar a integralidade da atenção. Esse documento também apresenta noções do planejamento local e destaca a importância de se conhecer o território em que se trabalha, com as suas peculiaridades, de modo a proporcionar mudanças das práticas de saúde, tornando-as mais adequadas aos problemas da realidade local. Aborda ainda a importância da epidemiologia e dos sistemas de informação como instrumentos fundamentais para conhecimento e enfrentamento dos principais problemas de saúde bucal79. Desde 2004, muitos documentos normativos têm regulamentado a ampliação da atenção à saúde bucal, destacando-se a política de incentivos financeiros para a implantação de CEOs, LRPDs e UOMs e a inclusão de procedimentos de prótese no âmbito da atenção básica. No Quadro 2.3 é possível identificar as principais Portarias apresentadas e as políticas preconizadas para a organização da saúde bucal. Em síntese, o Brasil Sorridente abriu várias frentes de ação para abarcar as necessidades da população de maneira abrangente com ações de promoção, prevenção e reabilitação, visando facilitar o acesso a todos os níveis de atenção e assim melhorar os índices de saúde bucal. sociedade78. Para a implantação das UOMs é repassado o valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) em parcela única, para os municípios, para a aquisição de instrumentais e materiais permanentes odontológicos, e valores mensais de R$ 4.680,00 (quatro mil e seiscentos e oitenta reais) destinados ao custeio dos serviços77. 61 Os dados de evolução da implantação da saúde bucal no território brasileiro, assim como seus indicadores, serão apresentados no próximo tópico. 0-3 Quadro 2.3 – Principais portarias ministeriais relativas à saúde bucal editadas a partir de 2004 – Brasil. Controle e Vigilância da Água PORTARIA GM Nº 518/04 Estabelece os procedimentos e responsabilidad es relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. ESB CEO LRPD PORTARIA GM Nº 74/04 Reajusta os valores dos incentivos financeiros às Ações de Saúde Bucal no âmbito do Programa Saúde da Família, inclui procedimento de moldagem para prótese e dá outras providências. PORTARIA GM Nº 1570/04 – Estabelece critérios, normas e requisitos para a implantação e habilitação de Centros de Especialidades Odontológicas e Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias. PORTARIA GM Nº 1572/04 - Estabelece o pagamento de próteses dentárias totais em Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias – LRPD. PORTARIA GM Nº3066/08 – Define valores de financiamento do Piso de Atenção Básica Variável para a ESF e Saúde Bucal, instituídos pela Política Nacional de Atenção Básica. PORTARIA GM Nº 302/09 – Estabelece que profissionais de saúde bucal da ESF poderão ser incorporados as Equipes de Agentes Comunitários de Saúde PORTARIA GM Nº 2372/09 – Cria o plano de fornecimento de equipamentos odontológicos para as equipes de saúde bucal PORTARIA GM Nº 1571/04 Estabelece o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas – CEO. PORTARIA GM nº283/05 regulamenta adiantamento de recursos para implantação dos CEO PORTARIA GM Nº 283/05 – Antecipa do incentivo financeiro para Centros de Especialidades Odontológicas – CEO em fase de Implantação. PORTARIA GM nº 599/06 – Define CEO tipo III PORTARIA GM Nº 599/06 - Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias PORTARIA GM Nº 562/04 – Define alterações na tabela Serviço/Classificação dos Sistemas de Informações (SCNES, SIA e SIH/SUS) e identifica no SCNES, o serviço de odontologia com as suas respectivas classificações, e inclui, no Subsistema de Autorização dos Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo APAC/SAI, a operacionalização dos procedimentos realizados nos LRPD. PORTARIA GM Nº 599/06 - Define a implantação de Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. PORTARIA. Nº 2867/08 - Estabelece recursos a serem transferidos do Fundo de Ações Estratégicas e Compensação - FAEC para o Teto Financeiro Anual da Assistência Ambulatorial e Hospitalar de Média e Alta Complexidade dos Unidade Odontológica Móvel PORTARIA SAS/ MS no. 750/06 – - Institui a Ficha Complementar de Cadastro das Equipes de Saúde da Família; Saúde da Família com Saúde Bucal – Modalidade I e II e de Agentes Comunitários de Saúde, no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde PORTARIA SAS Nº 334/09 Altera o § 2º. do Artigo 1º. da Portaria SAS/ MS no. 750/06. PORTARIA GM Nº 2371/09 – Institui no âmbito da Política Nacional de Atenção Básica, o Componente Móvel da Atenção à Saúde Bucal – Unidade Odontológica Móvel UOM. 62 na ESF. (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. PORTARIA GM Nº 600/06 - Institui o Financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas. PORTARIA GM Nº 2373/09 – Altera a Portaria GM no. 599/06. PORTARIA GM Nº 2376/09 – Define os recursos financeiros destinados ao custeio dos Centros de Especialidade Odontológica. PORTARIA GM Nº 1032/10 – Inclui procedimento odontológico na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses e Próteses e Materiais Especiais do SUS, para atendimento às pessoas com necessidades especiais. PORTARIA GM Nº 2898/10 – Atualiza o Anexo da Portaria No - 600/GM, de 23/03/06 que dispõe de monitoramento de produção. Estados, Distrito Federal e Municípios e redefine o rol de procedimentos da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e Órteses e Próteses e Materiais Especiais OPM do SUS financiados pelo FAEC. PORTARIA GM Nº 2374/09 – Altera os valores dos procedimentos da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS realizados pelos LRPD, segundo critérios estabelecidos pela Política Nacional de Saúde Bucal. PORTARIA GM Nº 2375/09 – Define os recursos anuais para o financiamento de procedimentos de prótese dentária. PORTARIA GM Nº 870/10 – Estabelece recursos a serem incorporados ao Teto Financeiro Anual do Bloco de Atenção de Média e Alta Complexidade dos Estados e Municípios. PORTARIA GM Nº 205/10 – Excluir da Tabela de Habilitações do Sistema Nacional de Cadastro de Estabelecimento de Saúde (SCNES), a habilitação de código 0402 Laboratorio Regional de Prótese Dentária. Fonte: http://portal.saude.gov.br/saudelegis/leg_norma_pesq_consulta.cfm . Acesso em: 23 de novembro de 2010. 63 2.3 A Implantação da Política de Saúde Bucal no Brasil Neste tópico serão abordados os dados de implantação das Equipes de Saúde Bucal, dos CEOs, dos LRPD, das UOMs e os indicadores de processo que conformaram as várias frentes do Brasil Sorridente. Equipes de Saúde Bucal Como dito anteriormente, o primeiro passo para expansão da assistência odontológica no Brasil foi a incorporação das equipes de saúde bucal na ESF a partir de 2001, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano, foram implantadas 2.248 equipes de saúde bucal (ESB), o que cobria 8% da população. Nas figuras 2.1 e 2.2, observa-se a trajetória de crescimento e expansão dessa proposta, seguindo o ritmo de implantação da própria ESF. Em 2002, estavam implantadas 4.261 equipes de saúde bucal. Já em 2010, esse número chegou ao total de 20.424 equipes (Figura 2.1), o que representa 379% de aumento. O crescimento de implantação das equipes de saúde da família, embora tenha sido constante, apresenta menor percentual (89%) que o das equipes de saúde bucal. 64 0.1 Figura 2.1- Evolução do número de Equipes de Saúde da Família e Equipes de Saúde Bucal no Brasil de 2002 a 2010. 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 ESB 4.261 6.170 8.951 12.602 15.086 15.694 17.801 18.982 20.424 ESF 16.734 19.068 21.232 24.562 26.729 27.324 29.300 30.328 31.660 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde http://189.28.128.178/sage/ A abrangência populacional estimada manteve um crescimento constante, subindo de um índice de 8,4% em 2002 para 37,1% em 2010, acompanhando o crescimento das equipes de saúde da família (Figura 2.2)XLVII. Esses dados demonstram a importância do Governo Federal em manter um financiamento regular para os municípios implantarem tal estratégia. XLVII Para cálculo de abrangência populacional estimada, utilizou-se o número de equipes multiplicado por 3.450 pessoas, visto que esse parâmetro foi adotado a partir de 2003. Tais dados podem diferir dos apresentados na sala de situação do Ministério da Saúde, que manteve o parâmetro adotado anteriormente de 6.900 pessoas até setembro de 2010. Como foram utilizados os dados de 2002 a 2010, optou-se por empregar tal parâmetro todos os anos para fins de comparação. Esse parâmetro será mantido nos próximos gráficos analisados. 65 0.2 Figura 2.2 – Evolução da Abrangência Populacional estimada das Equipes de Saúde da Família e das Equipes de Saúde Bucal no Brasil – 2002 a 2010. 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 ESB 8,4 12,0 17,2 23,6 27,9 28,8 32,4 34,5 37,1 ESF 31,9 35,7 39,0 44,0 46,3 46,8 49,5 50,7 52,8 Fonte: Cálculo realizado pela própria autora a partir do número de equipes de saúde bucal adquiridos no Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica e de dados populacionais do IBGE. Ao analisar os dados por região, observa-se que a Região Nordeste apresentou um crescimento acelerado no número de equipes, seguida pelas Regiões Sudeste e Sul. Quando foi calculado o percentual de crescimento de implantação dessas equipes, as Regiões Norte e Sudeste apresentaram os maiores aumentos, em torno de 330%. As outras regiões apresentaram aumentos menores que os do Brasil (Figura 2.3). Com relação à abrangência populacional estimada, há destaque para a Região Nordeste que, entre os anos de 2003 e 2010, passou de 21,3% para 62,9%. Essa Região, junto com a Região Centro-Oeste, manteve-se acima da média nacional durante todo o período. A Região que apresentou menor abrangência populacional foi a Sudeste, apesar de ter havido um aumento no número de equipes. Atribui-se esse fato ao elevado contingente populacional observado nessa região (Figura 2.4). 66 0.3 Figura 2.3 – Evolução das Equipes de Saúde Bucal implantadas por região no período de 2003 a 2010. 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 CentroOeste Nordeste Norte Sudeste Sul Brasil 2003 649 3.054 349 1.139 979 6.176 2010 1.651 9.690 1.531 4.917 2.635 20.424 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde http://189.28.128.178/sage/ 0.4 Figura 2.4 - Abrangência Populacional Estimada das Equipes de Saúde Bucal por região nos anos de 2003 e 2010. 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 Centro-Oeste Nordeste 2003 18,2 21,3 2010 41,6 62,9 Norte Sudeste Sul Brasil 8,7 5,2 13,0 12,0 34,8 21,2 33,1 37,1 Fonte: Cálculo realizado pela própria autora a partir do número de equipes de saúde bucal adquiridos no Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica e de dados populacionais do IBGE. Constata-se um crescimento da abrangência populacional estimada em todos os estados da Federação Brasileira entre os anos de 2003 e 2010 (Figura 2.5). Destacam-se na região Nordeste os estados da Paraíba e do Piauí, com abrangência populacional estimada em 100%, e os estados da Bahia, do Maranhão e do Rio Grande do Norte, pela rápida ascensão (Bahia – de 9,0% em 2003 para 43,3% em 67 2010; Maranhão de 11,3% em 2003 para 68,2 % em 2010 e Rio Grande do Norte de 36,2% em 2003 para 94,7% em 2010) (Figura 2.5). Na Região Norte, verifica-se que todos os estados, exceto Pará, Amazonas e Rondônia, apresentaram no ano de 2010 abrangência populacional estimada acima da média nacional. Destaca-se nesta região o estado do Amapá pelo seu rápido crescimento, de um índice de 8,4% em 2003 para um de 61,3% em 2010. (Figura 2.5). 0.5 Figura 2.5 – Abrangência Populacional Estimada das Equipes de Saúde Bucal por Unidade Federativa nos anos de 2003 e 2010. 120,0 100,0 80,0 60,0 40,0 20,0 0,0 DF RJ PA SP RS AM BA RO AP MG RR ES MA PE AC PR MT MS SC GO CE SE AL RN TO PB PI BR 2003 0,0 2,1 2,6 3,5 5,5 7,7 9,0 8,8 8,4 10,0 9,7 11,9 11,3 13,1 14,4 15,0 19,3 18,8 23,5 24,9 25,0 31,1 32,3 36,2 41,2 48,0 47,2 12,0 2010 3,1 16,0 23,4 12,2 21,2 32,4 43,3 33,5 61,3 40,5 44,3 40,5 68,2 51,8 47,7 38,9 44,4 63,9 44,1 48,0 57,7 62,5 62,0 94,7 84,9 100, 100, 37,1 Fonte: Cálculo realizado pela própria autora a partir do número de equipes de saúde bucal adquiridos no Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica e de dados populacionais do IBGE. As Regiões Sul e Sudeste sempre se apresentaram com abrangência populacional abaixo da média nacional, principalmente a Região Sudeste, que sempre esteve muito abaixo da média. Os estados de São Paulo e Rio de Janeiro apresentaram baixíssima abrangência populacional estimada, puxando a média da Região Sudeste para baixo. Centros de Especialidades Odontológicas Os CEOs são unidades de atenção secundária em saúde bucal, nas quais se oferece, entre outras ações, a reabilitação e a manutenção da dentição. Esses Centros complementam o trabalho das equipes de saúde bucal, responsáveis pelo atendimento e acompanhamento da população. Desde o lançamento do Brasil Sorridente, observa-se uma propensa ampliação do número de CEOs no país, pela indução e financiamento do Ministério da Saúde. 68 Com essa ampliação, o número desses Centros totalizou 808 unidades em todo o Brasil no ano de 2009, indicando um crescimento de 709% em relação a 2004, quando havia 100 unidades. Já no ano de 2010, esse número chegou a 853 unidades (Figura 2.6). 0.6 Figura 2.6 – Evolução do número de Centros de Especialidades Odontológicas no Brasil no período de 2004 a 2010. 900 853 808 800 674 700 604 600 498 500 400 336 300 200 100 100 0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde. http://189.28.128.178/sage/ Com isso, os procedimentos odontológicos especializados realizados no SUS, considerados ínfimos antes da implantação dos CEOs, têm aumentado consideravelmente. De acordo com dados do Ministério da Saúde, entre janeiro de 2005 e junho de 2009 foram realizados mais de 24,6 milhões de procedimentos odontológicos. (Brasil, 2009a). O maior número de CEOs do tipo I e II concentra-se nas Regiões Nordeste e Sudeste (Figura 2.7). 69 0.7 Figura 2.7 – Número de Centros de Especialidades Odontológicas por tipo e região em Outubro de 2010. 250 200 150 100 50 0 NORTE CENTRO-OESTE NORDESTE SUDESTE SUL CEO tipo I 26 12 145 92 47 CEO tipo II 27 36 161 194 47 CEO tipo III 6 5 32 14 8 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde http://189.28.128.178/sage/ Os estados que apresentam o maior número absoluto de CEOs no País são os de São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Bahia e Rio de Janeiro (Figura 2.8). Os estados que apresentam Centros do tipo III são Ceará (12 unidades); Paraná (8 unidades); São Paulo e Sergipe (7 unidades); Bahia (6 unidades); Rio de Janeiro e Goiás (5 unidades); Pará (3 unidades); Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Paraíba (2 unidades); Amazonas, Amapá, Tocantins, Maranhão, Pernambuco e Alagoas (1 unidade). 0.8 Figura 2.8 – Número de Centros de Especialidades Odontológicas por Unidade Federativa no ano de 2010. 160 140 120 100 80 60 40 20 0 SP MG BA CE RJ PR PB PE SC PI MA PA GO RS RN AL MS ES AM TO RO MT DF SE AP AC RR 2010 149 77 69 75 65 46 43 41 38 26 25 28 27 20 21 20 15 11 11 7 8 6 6 13 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde .http://189.28.128.178/sage/ 2 2 1 70 Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias Do início do Programa a 2008, foram implantados 327 LRPD (Figura 2.9). A partir de 2009, a forma de pagamento, o valor pago e o credenciamento mudaram, conforme discutido anteriormente. Portanto tal parâmetro não pôde ser aplicado aos anos de 2009 e 2010XLVIII. De acordo com o Ministério da Saúde, são produzidas anualmente cerca de 480 mil próteses dentárias. Em setembro de 2010 havia LRPD implantados em 664 municípios80. Segundo dados do último levantamento epidemiológico realizado em 2010, o número de idosos entre 65 e 74 anos que necessitavam de prótese dentária total era de 3 milhões, enquanto o dos que precisavam de prótese parcial era de 4 milhões de pessoasXLIX. Observa-se pequena redução da proporção de idosos com necessidade de prótese nos levantamentos feitos entre 2003 e 2010, o que pode ser explicado pelo estoque de perdas dentárias acumuladas80. Assim, verifica-se ainda uma necessidade muito grande de investimentos em LRPD, no intuito de diminuir o número de desdentados e proporcionar mais saúde à população. 0.9 Figura 2.9 – Evolução do número de Laboratórios de Prótese Dentária no Brasil no período de 2005 a 2008. 350 327 300 274 250 200 161 150 100 50 36 0 2005 2006 2007 2008 Fonte: DATASUS - SIA/SUS. XLVIII Os dados até 2008 se referem aos LRPDs habilitados, diferente da forma de credenciamento dos LRPDs para os anos de 2009 e 2010, que passam a estar cadastrados no CNES. XLIX A prótese total é indicada quando o paciente não possui nenhum dente. Já a prótese parcial recomendada é quando o paciente apresenta poucos dentes. 71 Unidades Odontológicas Móveis Em 2009 e abril de 2010, foram distribuídas 160 UOMs em 21 estados. Os que mais receberam UOMs foram o Rio Grande do Sul, a Bahia, o Pará, São Paulo e Minas Gerais, com número de unidades acima de 19 (Quadro 2.4). 0-4 Quadro 2.4: Estados Beneficiados com as Unidades Odontológicas Móveis no ano de 2009 Estados Beneficiados No. de UOM Estados Beneficiados No. de UOM Rio Grande do Sul 32 Rondônia 3 Bahia 22 Amazonas 2 Pará 21 Maranhão 2 Minas Gerais 20 Santa Catarina 2 São Paulo 20 Sergipe 2 Paraná 7 Alagoas 1 Espírito Santo 5 Goiás 1 Pernambuco 5 Mato Grosso do Sul 1 Rio de Janeiro 5 Roraima 1 Mato Grosso 4 Tocantins 1 Paraíba 3 Fonte: Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. http://dtr2004.saude.gov.br/dab/cnsb/cidades_atendidas. php. De acordo com o Ministério da Saúde, a partir de abril de 2010 foram entregues mais 51 UOMs (Quadro 2.5). Para 2011, está prevista a entrega de mais 160 unidades, conforme definido no Programa Territórios da Cidadania, já abordados anteriormente80. 0-5 Quadro 2.5 - Estados Beneficiados com as Unidades Odontológicas Móveis no ano de 2010. UF Unidades UF Unidades UF Unidades BA 10 RS 4 ES 1 PA 9 PR 3 MA 1 MG 5 SP 3 MS 1 PE 4 CE 2 MT 1 RO 4 RJ 2 RR 1 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. http://189.28.128.100/dab/docs/geral/apresentacao_SB2010.pdf 72 Indicadores de Monitoramento e Avaliação da Saúde Bucal Em 2006, o Ministério da Saúde redefiniu os principais indicadores do Pacto da Atenção Básica para a área de saúde bucal, os quais são apresentados no Quadro 2.679. 0-6 Quadro 2.6 - Indicadores de Saúde Bucal constantes no Pacto da Atenção Básica 2006. Indicador Descrição Cobertura da primeira consulta odontológica programática. Percentual de pessoas que se submeteram a uma primeira consulta odontológica programática, realizada com finalidade de diagnóstico e, necessariamente, elaboração de um plano preventivo-terapêutico (PPT) para atender as necessidades detectadas. Não se refere a atendimentos eventuais, como os de urgência/emergência, que não têm seguimento previsto. Cobertura da ação coletiva escovação dental Percentual de pessoas que participaram da ação supervisionada. coletiva escovação dental supervisionada. Tal ação é dirigida, necessariamente, a um grupo de indivíduos. Não compreende uma ação individual, em que atividades educativas são realizadas no âmbito clínico para uma única pessoa. Expressa o percentual de cobertura correspondente à média de pessoas que tiveram acesso à escovação dental com orientação/supervisão de um profissional treinado, considerando-se o mês ou meses em que se realizou a atividade em determinado local e ano, visando à prevenção de doenças bucais, mais especificamente cárie dentária e doença periodontal. Média de procedimentos odontológicos Consiste no número médio de procedimentos básicos. odontológicos individuais básicos, clínicos e/ou cirúrgicos, realizados por indivíduo, na população residente em determinado local e período. Possibilita análise comparativa com dados epidemiológicos, estimando-se, assim, em que medida os serviços odontológicos básicos do SUS estão respondendo às necessidades de assistência odontológica básica de determinada população. Proporção de procedimentos odontológicos Consiste na proporção de procedimentos odontológicos especializados em relação às ações especializados em relação às demais ações individuais odontológicas individuais. odontológicas realizadas no âmbito do SUS. Possibilita a análise comparativa com dados epidemiológicos, estimando-se em que medida os serviços odontológicos do SUS estão respondendo às necessidades da população aos serviços odontológicos especializados, ao grau de atenção e à integralidade do cuidado. Fonte: Ministério da Saúde – Extraído do Relatório Científico Final do Projeto de Pesquisa intitulado o “O papel da autoridade sanitária nacional na construção do SUS: a atuação do Ministério da Saúde no governo Lula” (2010)81. Além desses, há um indicador equivalente à proporção de exodontias em relação às ações odontológicas básicas individuais, que possibilita analisar a orientação dos modelos propostos para a assistência individual. 73 Entretanto tais indicadores, que constituíam instrumento nacional de monitoramento e avaliação das ações e serviços de saúde bucal referentes à atenção básica, apresentam muitas inconsistências, às vezes relacionadas à instabilidade na pactuação. Até 2007, os dados para cálculo dos indicadores estavam divididos por ações básicas e ações especializadas em odontologia. No ano de 2007 houve nova pactuação, e o indicador proporção de procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais foi retiradoL, 82. A partir de janeiro de 2008, começou a vigorar uma nova tabela, a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS, que alterou a vinculação dos procedimentosLI, 83. Assim, alguns procedimentos em odontologia foram extintos ou mesmo agregados. Os grupos 3 e 10 que vigoravam até 2007, para ações básicas e ações especializadas, respectivamente foram extintos83. Essa modificação na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS alterou a forma de cálculo dos indicadores. Assim, não foi possível utilizar os dados de 2008 e compará-los com os dados de 2007, por ter ocorrido mudança na agregação destes ao Sistema de Informações a partir de 2008 e por não existir o indicador de procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais. Até 2007, foram utilizados os mesmos parâmetros para análise dos dadosLII. A Figura 2.10 mostra um pequeno aumento da cobertura de primeira consulta odontológica programática na maior parte das regiões, o que pode indicar um aumento do acesso da população ao atendimento odontológico. A exceção foi a Região Sudeste, onde houve um decréscimo decorrente de uma diminuição em todas as unidades federativas da Região. L A portaria GM n. 91, de 10 de janeiro de 2007, regulamenta a unificação do processo de pactuação de indicadores e estabelece os indicadores do Pacto pela Saúde por municípios, estados e Distrito Federal82. LI Divulgada pela Portaria GM/MS n. 2.848, de 6 de novembro de 200783, essa tabela foi estruturada em quatro níveis de agregação: Grupos, Subgrupos, Formas de Organização e Procedimentos, codificados em dez posições numéricas, diferente da tabela que vigorava até 2007 com oito posições numéricas. Com as mudanças introduzidas a partir de nova regulamentação, as tabelas de procedimentos ambulatoriais e hospitalares do SIA/SUS e do SIH/SUS, respectivamente, perderam a sua utilidade, servindo apenas como referência histórica, ratificando o estabelecido na Portaria GM/MS n. 321, de 08 de fevereiro de 200784. LII Para cálculo dos indicadores foram utilizados os dados do Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (SIA/SUS). 74 0.10Figura 2.10 – Evolução da Cobertura de Primeira Consulta Odontológica Programática por região – 2002 a 2007. 15,0 14,0 13,0 12,0 11,0 10,0 9,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Norte 10,7 11,0 10,8 11,1 11,3 12,3 Nordeste 12,2 12,2 11,8 12,5 14,3 13,7 Sudeste 11,4 11,4 10,7 10,8 10,1 9,8 Sul 13,0 13,3 12,9 13,6 12,8 13,6 Centro-Oeste 14,5 13,8 13,0 13,1 11,5 12,7 Total 12,0 12,0 11,5 11,9 11,9 11,8 Fonte: SIA/SUS. FIBGE. Indicador calculado a partir da produção ambulatorial e dados populacionais. Relatório Científico Final do Projeto de Pesquisa intitulado o “O papel da autoridade sanitária nacional na construção do SUS: a atuação do Ministério da Saúde no governo Lula” (2010)81. Observa-se um aumento expressivo da proporção de procedimentos odontológicos especializados em relação às ações individuais, sugerindo que, em todo o Brasil, aumentou o acesso da população a serviços públicos odontológicos especializados, com inflexão clara a partir de 2005 em todas as regiões (Figura 2.11). 0.11Figura 2.11 – Evolução da Proporção de Procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais por região - 2002 a 2007. 9,50 7,50 5,50 3,50 1,50 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Norte 7,06 7,64 7,03 6,61 7,30 9,22 Nordeste 3,80 3,67 3,78 3,90 5,30 5,85 Sudeste 3,32 3,62 3,91 4,14 6,98 7,88 Sul 2,13 2,32 2,52 3,02 4,13 4,50 Centro-Oeste 3,08 2,78 3,41 4,20 5,91 6,04 Total 3,33 3,50 3,75 4,04 6,04 6,74 Fonte: SIA/SUS. FIBGE. Indicador calculado a partir da produção ambulatorial e dados populacionais. Relatório Científico Final do Projeto de Pesquisa intitulado o “O papel da autoridade sanitária nacional na construção do SUS: a atuação do Ministério da Saúde no governo Lula” (2010)81. 75 Outro dado importante é a queda na proporção de exodontias em relação às ações odontológicas básicas individuais, que demonstra uma mudança no modelo proposto para a assistência individual (Figura 2.12). De acordo com dados do Ministério da Saúde, previne-se anualmente a extração de cerca de 400 mil dentes devido ao aumento da cobertura do Programa Brasil Sorridente. De 2003, um ano antes do lançamento da política, até setembro de 2009, três milhões de dentes deixaram de ser extraídos na população usuária do SUS69. 0.12Figura 2.12 – Evolução da Proporção de exodontias em relação às ações odontológicas básicas individuais por região - 2002 a 2007. 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 4,00 2,00 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Norte 10,76 10,09 9,84 9,09 6,66 5,59 Nordeste 14,46 13,53 12,52 10,56 5,62 4,61 Sudeste 5,90 5,68 5,51 5,23 2,57 2,13 Sul 7,76 7,19 6,70 6,17 2,99 2,47 Centro-Oeste 9,05 8,17 8,05 7,28 3,20 2,98 Total 8,68 8,22 7,81 7,11 3,67 3,05 Fonte: SIA/SUS. FIBGE. Indicador calculado a partir da produção ambulatorial e dados populacionais. Relatório Científico Final do Projeto de Pesquisa intitulado o “O papel da autoridade sanitária nacional na construção do SUS: a atuação do Ministério da Saúde no governo Lula” (2010)81. Em 2009, esses indicadores foram totalmente abolidos do Pacto pela Saúde, deixando a saúde bucal sem indicadores durante o ano de 2010LIII, 85. Em dezembro de 2010, foram incorporados dois novos indicadores de saúde bucal ao PactoLIV, 86. cobertura populacional estimada das Equipes de Saúde Bucal da Estratégia de Saúde da Família, que consiste no percentual referente ao número das equipes que foram implantadas, multiplicado pelo quantitativo de 3.450 pessoas e dividido pela população do mesmo local e período; LIII A Portaria nº 2.669, de 3 de novembro de 2009 - Estabelece as prioridades, objetivos, metas e indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde, nos componentes pela Vida e de Gestão, e as orientações, prazos e diretrizes do seu processo de pactuação para o biênio 2010 – 201185. LIV Instituído pela Portaria nº 3.840 GM/MS de 7 de dezembro de 2010 - Inclui a Saúde Bucal no Monitoramento e Avaliação do Pacto pela Saúde, e estabelece as diretrizes, orientações e prazos do processo de ajuste de metas para o ano de 201186. 76 média da ação coletiva de escovação dental supervisionada, que abrange o percentual de pessoas participantes da ação coletiva de escovação dental supervisionada, considerando-se os meses em que a atividade foi realizada e a população em determinado local e período. Tais indicadores demonstram uma fragilidade grande em relação à saúde bucal, já que não possibilitam uma avaliação concreta das ações que estão sendo realizadas. A cobertura populacional estimada, tal como definida, não significa que os usuários estejam necessariamente recebendo tratamento que implique alterações em seu estado de saúde. Nesse sentido, tais indicadores não são suficientes para um adequado monitoramento da saúde bucal, principalmente com relação aos atendimentos básicos e especializados. Assim, os gestores da área ficaram sem parâmetro de acompanhamento para planejamento e gerenciamento das ações que interferem nos processos saúde e doença. Observa-se que a Política Nacional de Saúde Bucal, embora tenha pautado suas diretrizes e pressupostos para efetivação da integralidade como princípio de organização da atenção e tenha fornecido condições, por meio de recursos financeiros, para a sua implementação, demonstra inadequado monitoramento e avaliação de suas ações quanto à sua efetividade. Em síntese, pode-se observar que a saúde bucal, após décadas de lutas sem se configurar na agenda governamental federal, passou a ocupar um lugar de destaque com a mudança de governo em 2003. O lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal adotou a reorganização da saúde bucal em todos os níveis de atenção, no intuito de buscar o atendimento integral. Tal política utiliza várias estratégias para aumentar o impacto e ampliar o acesso da população aos serviços odontológicos. Entre elas, a que obtém maior destaque é o Centro de Especialidades Odontológicas, por oferecer o acesso à média complexidade, não disponibilizada no serviço público até então. O Governo Federal utiliza os incentivos financeiros e as regras institucionais, tais como as portarias, como principal recurso para induzir os municípios a implementarem tal política. Portanto, considerado o contexto federativo de um país como o Brasil, de extensas proporções, é de extrema importância analisar os contextos locais. Assim, no próximo tópico será analisada a implementação dessa política no município de Vitória e as suas especificidades em relação ao contexto nacional. 77 Capítulo 3 – Trajetória da Política de Saúde Bucal em Vitória A análise da trajetória da política de saúde bucal no município de Vitória permitiu identificar quatro períodos principais, com características distintas em termos da condução da política, da organização do sistema de saúde e do modelo de atenção: o período pré-SUS (1950-1988), o período de ênfase na municipalização (1989-1994), o período de predomínio do Programa Sorria Vitória (1995-2003) e o período de influência do Brasil Sorridente (2004-2010)LV. 3.1 O Período Pré-Sus (1950-1988) Os primórdios da saúde bucal como política pública no município de Vitória datam da década de 1950 e antecedem até mesmo a estruturação da Secretaria Municipal de Saúde. Na ocasião, a saúde bucal estava vinculada à Divisão de Saúde e Bem-Estar Social do Departamento de Educação, de Cultura e Saúde87. A Divisão funcionava com um consultório dentário, onde eram realizados os atendimentos curativos com predominância para as exodontias. O quadro de funcionários era composto por quatro cirurgiões-dentistas. As ações de educação em saúde nas comunidades eram realizadas pelo serviço social, por meio dos estagiários da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), que encontravam índices elevados de doenças bucais. Pode-se dizer que, entre os anos 1950 e 1970, a oferta das ações de saúde bucal e o acesso da população do município a essas ações eram extremamente limitados. O modelo de atenção predominante caracterizava-se pelo atendimento curativo, imediatista e de livre demanda87. A implantação de um complexo industrial na cidade de Vitória proporcionou o deslocamento de grande contingente populacional do interior do Estado e de outras regiões do País para o Município. Esse crescimento acelerado, sem a criação de infraestrutura adequada para atender a demanda, trouxe problemas ao setor saúde. O desenvolvimento desordenado do Município gerou aumento de agravos ambientais, elevado número de acidentes de trabalho, insuficiência de escolas, violência, entre outros fatores condicionantes do processo saúde-doença88. LV Essa periodização foi proposta pela pesquisadora a partir da análise da trajetória da saúde bucal do município de Vitória, para fins deste estudo. Os períodos têm duração variável e não há a pretensão de esgotá-los neste trabalho. 78 Na década de 1970, observou-se um aumento gradativo na oferta de serviços de saúde, com ampliação da rede por meio da construção de unidades de saúde. Em 1978, havia dez unidades de saúde, todas com consultórios odontológicos. Com isso, houve um incremento na contratação de cirurgiões-dentistas87. Também se implantou, ainda que de modo incipiente, o uso de novas tecnologias, tais como amalgamadores e silicato para a realização de restaurações, utilização de flúor de uso tópico para prevenção de cáries e distribuição de escovas para trabalhos educativos. Na unidade de saúde do Forte São João, que prestava atendimento odontológico aos funcionários da Prefeitura Municipal de Vitória e seus dependentes, além do atendimento clínico eram realizados procedimentos de odontopediatria87. Em 1978, a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória foi estruturadaLVI e em sua organização constavam o Departamento Médico-Odontológico e Social e o Departamento de Saúde Pública. Com a estruturação da Secretaria, a Divisão Odontológica passou a ter maior autonomia e verbas para investir na ampliação dos serviços87. Em 1979, foi realizado o primeiro levantamento epidemiológico no Município, que apontou altos índices de dentes cariados e perdidos. Os dados obtidos por meio desse levantamento não foram satisfatórios; portanto foi formada uma equipe para atendimento nas creches, a fim de realizar orientação educativa e tratamento curativo por meio de equipamentos volantes87. Entre 1980 e 1984, foi instituído na Prefeitura de Vitória, em conjunto com a Secretaria de Educação, o Programa Saúde Escola, que se caracterizava pelo atendimento às crianças na faixa etária de 6 a 14 anos em consultório odontológico montado dentro das escolas. Cabe ressaltar que o Saúde Escola não fazia interface com as unidades de saúde. O dentista era alocado dentro da escola, sem ter orientações quanto à sua prática clínica, o que culminou em uma odontologia predominantemente restauradora, reducionista e mutiladora. Existiam ainda os agentes de Saúde Escolar que, junto com os cirurgiões-dentistas, eram responsáveis pelas ações educativas nas creches e escolas. O número de profissionais nas unidades de saúde e no Saúde Escola, em 1984, totalizava dezoito cirurgiões-dentistas e quinze atendentes de consultório dentário87. Entre 1984 e 1990, houve ampliação dos serviços, com abertura de novas unidades, e aconteceram contratações durante os governos de dois prefeitos desse LVI A Secretaria Municipal de Saúde foi estruturada pela Lei n. 2548, de 15 de fevereiro de 197889. 79 períodoLVII. Assim, aumentou o número de profissionais para 46 cirurgiões-dentistas e 27 atendentes de consultório dentário. Muitos desses profissionais foram lotados no programa escolar87. O Programa Saúde Escola seguia a lógica do modelo incremental, adotado desde 1950 em todo o Brasil pela Fundação SESP LVIII . Pode-se dizer que esse modelo predominou no município de Vitória durante toda a década de 1980. A vertente preventiva do modelo incremental previa a fluoretação nas águas de abastecimento público, obrigatória no Brasil desde 1974. Tal medida passou a vigorar no município de Vitória somente em 1982, mas sem monitoramento do controle de flúor, atividade que seria de responsabilidade do Laboratório Central do Estado. O monitoramento só viria a ser adotado em 1998, quando o próprio Município passou a comprar os kits e a realizá-lo em seu próprio laboratório, já que o Governo Estadual não dava respostas quanto à sua execução. No Brasil, esse modelo já estava em decadência pelas críticas que vinha recebendo dos acadêmicos e dos movimentos estudantis, que se articulavam na luta pela mudança do modelo de atenção à saúde. Entre os aspectos criticados estavam sua prática essencialmente curativa e seu caráter excludente. Nessa época, já se estava configurando no País a proposta de um modelo de odontologia integral. Nesse sentido, durante a maior parte da década de 1980, o Município apresentou-se relativamente passivo ou respondeu tardiamente às mudanças que vinham ocorrendo em âmbito nacional. Isso se alterou um pouco a partir de 1987, quando Vitória passou a fazer parte dos municípios ligados às Ações Integradas de Saúde (AIS). Tal inclusão induziu o setor odontológico a ampliar ainda mais os serviços oferecidos para a população87, 90. Até essa data, o atendimento assistencial prestado pela Secretaria Municipal de Saúde (SEMUS) limitava-se a distribuição de medicamentos, consultas médicas e alguns procedimentos de enfermagem e odontologia. O atendimento odontológico era ofertado em dezesseis das vinte unidades de saúde (chamadas de postos de saúde) existentes no Município. A unidade central (Forte São João) oferecia atendimento em algumas especialidades. As unidades de saúde muitas vezes funcionavam em sedes comunitárias, na maioria das vezes inadequadas a esse tipo de serviço88. LVII Ressalte-se que no período não foi realizado concurso público. As contratações dependiam de decisões dos prefeitos e dos vereadores. LVIII O modelo incremental adotado nessa época em todo o Brasil pela Fundação SESP era o do serviço público odontológico, já abordado no capítulo anterior. O programa escolar era denominado no Município como Saúde Escola, denominação que é utilizada neste trabalho. 80 Em síntese, no período anterior ao da instituição do SUS, dos anos 1950 aos anos 1980, a atenção à saúde bucal no município de Vitória caracterizou-se pelo aumento gradual da oferta de serviços, com a construção de unidades de saúde, contratação de profissionais de saúde bucal e início da fluoretação das águas de abastecimento público. No entanto, a atenção nessa área apresentava limitações importantes no que concerne à população-alvo (ênfase nos escolares), à oferta de ações e serviços, ao modelo de gestão (fragilidades no planejamento e organização) e ao modelo de atenção, de caráter predominantemente imediatista, curativista e excludente. 3.2 O Período de Ênfase na Municipalização (1989-1994) No ano de 1989, em consonância com as propostas da reforma sanitária nacional, iniciou-se um processo de mudanças no setor saúde em Vitória. Segundo Olisoa90, a implantação do SUS no Município constituiu-se na diretriz geral da política de saúde, estruturando-se sob a municipalização de ações e serviços e na adoção de um novo modelo de atenção à saúde. Ainda de acordo com a autora90, a vontade política foi decisiva em Vitória para a implantação do SUS. Nas eleições municipais de 1988, a vitória da coligação designada “Frente Vitória” LIX teria sido fundamental. Nesse sentido, ocorreram mudanças administrativas, econômicas e sociais de modo a estimular a participação popular no poder público. Entre as metas previstas para 1989, estavam a implementação dos programas municipais de assistência integral à saúde da mulher, da criança e do adulto, de saúde bucal, de saúde escolar, de saúde mental e do trabalhador, além de serviços de vigilância sanitária e epidemiológica, entre outros88. Iniciou-se nesse período grande transformação para reorientar o modelo assistencial e reorganizar os serviços da rede municipal de saúde. A Secretaria Municipal de Saúde concentrou seus esforços na recuperação e ampliação de sua rede física e na formação de técnicos especializados na área da Saúde Pública, além de ter iniciado o seu processo de informatização90. Em 1990, foi regulamentado pela Secretaria de Estado da Saúde (SESA) o novo Modelo Assistencial de Saúde do Estado do Espírito SantoLX, 91. De acordo com esse A “Frente Vitória” era formada por um candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) coligado com PCB, PC do B, PSDB, entre outros partidos de esquerda. O prefeito, o secretário de saúde e outros profissionais de saúde nomeados eram militantes do Movimento Sanitário, e seu programa foi elaborado em cima dos princípios desse Movimento. Além disso, havia o compromisso do PT, na época, de criar condições para a implantação do SUS nas localidades em que ganhasse as eleições. LX Esse modelo foi regulamentado pela Lei n. 4317, de 4 de janeiro de 199091. LIX 81 modelo, os municípios se responsabilizariam pelo nível um de complexidade (rede básica) para organização de seus serviços de saúde90. Como primeiro passo para essa reformulação foi realizado, juntamente com a Secretaria Municipal de Saúde de Vitória, ainda nesse ano, o levantamento epidemiológico em crianças da faixa etária de 6 a 12 anos de todas as escolas estaduais e municipais de Vitória. Foram incluídas na pesquisa quarenta escolas municipais e estaduais, totalizando 17.629 criançasLXI, 87. Os dados obtidos nesse levantamento epidemiológico comparados com os do levantamento realizado em 1979 indicavam pequena redução do índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPO-D). Apesar disso, os índices apresentavam-se distantes dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mostrando que medidas preventivas suplementares deveriam ser adotadas. Foram identificadas deficiências no tratamento curativo restaurador e constatada a necessidade de um atendimento diferenciado, em que as ações de saúde fossem entendidas como um conjunto de medidas que possibilitassem interferir diretamente sobre os condicionantes da doença. Assim, buscar-se-ia evitar a instalação da doença e alcançar um impacto efetivo sobre a coletividade, melhorando os índices do CPO-D87. Com isso, segundo relatos de uma das ex-coordenadoras do serviço de saúde bucal do Município, manifestou-se uma insatisfação muito grande com o programa Saúde Escola. Entre os motivos estavam a grande carga de doença que permanecia nas crianças e a insatisfação da escola pela presença do cirurgião-dentista, visto como uma interferência no processo de educar, já que o profissional retirava as crianças da sala de aula para o tratamento dentário. As escolas visitadas na época apresentavam equipamentos defasados, serviços pouco efetivos, e as crianças tinham verdadeiro “horror” ao tratamento dentário. A fala da entrevistada demonstra essas questões: ...Que odontologia era essa realizada dentro das escolas que mantinha os índices altos de doença? Então começou a insatisfação com esses índices, a questionar o pessoal (dentistas) que ficava nas escolas. Eles fizeram um movimento para não sair das escolas. [...]. O fluxo da escola não tinha quem coordenasse; tinha uma Saúde Escolar, mas que não conseguia dar conta de todas as questões. A escola não tinha controle nenhum sobre o dentista, se ia, se não ia, se produzia ou não. Tinha escola que estava com equipamento quebrado há meses e o dentista não falava e ficava parado. Tinha um controle muito incipiente, tinha muito problema (Coordenadora 3). Os serviços de saúde passaram a desenvolver gradualmente uma política de assistência odontológica voltada para a educação, com enfoque na promoção de saúde. LXI Conforme abordado no capítulo anterior, ressalte-se que o Governo Federal, em 1989, havia definido uma Política Nacional de Saúde Bucal que instituiu o PRECAD, prevendo remessa de material para aplicações de flúor tópico em escolares. 82 Assim, a clientela escolar passou a ser encaminhada para as unidades de saúde por meio de um programa preventivo mais abrangente. Nesse período, a atuação do Saúde Escola com equipes móveis e fixas foi interrompida, despertando resistências por parte dos dentistas que não queriam sair da escola87. As ações de saúde bucal foram redirecionadas, influenciadas pelo processo da Reforma Sanitária em nível nacional, já que a SEMUS se adequava ao contexto da descentralização e assumia novas responsabilidades. Ainda em 1990, o município foi dividido em quatro regiões de coordenação de vigilância epidemiológica, cujo objetivo era elaborar diagnósticos de saúde e investigação epidemiológica nas suas áreas de abrangência88. Durante esse ano, foi estruturado o atendimento à saúde bucal do adulto, voltado para dois grupos prioritários: os hipertensos e os diabéticos. No entanto, o atendimento à criança continuou a ser a principal prioridade. Nas unidades de saúde, sempre estavam lotados clínicos e odontopediatras, pois, na época, havia esse olhar fragmentado de um profissional específico para o atendimento ao adulto e outro para o atendimento à criança.LXII Em 1991, foram criados o Fundo Municipal de Saúde e o Conselho Municipal de SaúdeLXIII, 92, 93. Também foi realizada a I Conferência Municipal de Saúde de Vitória com o tema: “Saúde – a municipalização é o caminho”. Nessa época, houve aumento da produtividade ambulatorial, favorecido pela expansão da rede de serviços, implantação de programas do Ministério da Saúde, municipalização das ações de vigilância sanitária e epidemiológica e criação de novos programas, como o de controle das Doenças Sexualmente Transmissíveis e da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (DST/AIDS)90. Outra prioridade para a secretaria municipal de saúde foi a questão dos recursos humanos. Houve um incremento de cerca de 70% no número de profissionais lotados na saúde devido ao concurso público municipal realizado no final de 1991LXIV. Além disso, LXII Isso só viria a se alterar a partir de 2004, quando começaram a se estruturar as equipes de saúde bucal na ESF, com inserção do cirurgião–dentista generalista. Essa mudança gerou e gera insatisfação até os dias atuais, pois, mesmo atuando na ESF como generalista, alguns cirurgiões-dentista preferem atender uma determinada faixa etária. LXIII O Fundo Municipal de Saúde foi criado pela Lei n. 3711, de 10 de Janeiro de 199192 e o Conselho Municipal de Saúde, pela Lei n. 3712 de 17 de janeiro de 199193. LXIV Além de propiciar o aumento do quantitativo de profissionais por meio da contratação de cirurgiõesdentistas clínicos, odontopediatras e atendentes de consultório dentário, esse concurso envolveu a criação dos cargos de sanitarista, médico sanitarista, agente de saúde pública, engenheiro de alimento e nutricionista. 83 foi realizado o Curso de Especialização em Saúde Pública, cujo objetivo foi elevar a capacidade técnico-gerencial de profissionais da saúdeLXV, 90. A cada ano eram apresentadas novas propostas de reorganização da assistência no Município. Em 1992, foi aprovada pelo Conselho a proposta de nova divisão do Município em sete regiões, denominadas “áreas de vigilância em saúde”90. A Divisão Odontológica entendeu que competia ao Município implantar unidades em todas as regiões de saúde para assegurar à população acesso aos serviços com a consolidação da Atenção Básica. Nesse período, havia dezoito unidades de saúde com consultórios odontológicos funcionando em três turnos de trabalho. O atendimento clínico a adultos e crianças em atenção primária era garantido mediante ações que visavam à conclusão dos tratamentos. As ações de prevenção, como palestras, orientação à escovação e aplicação tópica de flúor, também eram desenvolvidas87. Houve atividades de capacitação dos profissionais de odontologia e principalmente dos atendentes, com envolvimento de professores da UFES. A odontologia iniciou um processo de integração com os programas de saúde da mulher e da criança já existentes, que compreendia a orientação de médicos (ginecologistas e pediatras) e enfermeiros quanto à necessidade de ficar atentos aos problemas relacionados à saúde bucal e de informar os pacientes sobre esses problemas87. Nesse período foram encontradas muitas dificuldades para consolidação da odontologia integral, que se sustentava na simplificação, ênfase na prevenção e na desmonopolização do saber odontológico LXVI . Como a nova proposta incorporava a necessidade de mudança da prática tradicional, uma das maiores dificuldades foi a resistência por parte de cirurgiões-dentistas, principalmente dos que estavam na rede havia mais tempo. Para a efetivação da odontologia integral foram necessárias algumas adaptações. Nesse sentido, durante esse período a Prefeitura construiu clínicas em Roseta LXVII e LXV Tal curso foi realizado em 1992, promovido pela Prefeitura Municipal de Vitória em parceria com a SESA, a UFES e a ENSP/FIOCRUZ, e contou com a participação de 28 profissionais90. LXVI A odontologia simplificada definia uma prática profissional, que por meio de padronização, da diminuição de passos e elementos e da eliminação do supérfluo, buscava tornar a odontologia mais simples, barata, e produtiva e, consequentemente, viabilizar o aumento da cobertura. Com isso procurouse simplificar instrumentais odontológicos, equipamentos, materiais de consumo, recursos humanos, técnicas de trabalho e espaço físico. A ênfase na prevenção compreendia a adoção do conceito de risco biológico, segundo trabalhos da escola escandinava para a prevenção das doenças bucais. A desmonopolização do saber envolvia a valorização da equipe de saúde bucal com a transferência de informações e de atribuições para os atendentes de consultório odontológico94. LXVII A clínica em Roseta adota uma concepção ergonômica de bancada em círculo, em que há três, quatro ou mais consultórios odontológicos próximos a uma bancada central de apoio. A principal finalidade é a racionalização e a agilidade na distribuição de suprimentos indispensáveis à atenção e ao trabalho em equipe95. Esse tipo de clínica tem como proposta a absorção do pessoal auxiliar e como objetivo maior a 84 escovários anexos aos consultórios odontológicos em três unidades de saúde, para realização de práticas educativas. Outras medidas foram tomadas como a contratação de serviços para manutenção rigorosa dos equipamentos odontológicos, que até então não existia; a padronização dos materiais odontológicos com introdução de selante oclusal; a implantação dos procedimentos coletivos para os escolares e demais usuários dos serviços de saúde87. No entanto, a odontologia teve enormes dificuldades no processo de incorporação do pessoal auxiliar. Segundo uma das entrevistadas, as entidades de classe apresentavam resistências à capacitação do nível médio, pois temiam uma invasão ao espaço ocupado pelo cirurgião-dentista. Entre os argumentos levantados pelos conselhos de classe, ressalte-se o de necessidade de controle sobre o exercício profissional, em face da atuação de profissionais não habilitados, conhecidos como “dentistas práticos” LXVIII . Vale destacar que os movimentos estudantis e acadêmicos da odontologia já vinham travando esse debate com os conselhos de classe em nível nacional desde a década de 1980. Segundo relato de uma ex-coordenadora de saúde bucal municipal, houve muitas discussões sobre esse ponto, inclusive com participação da UFES, mas foram muitos anos de embates até se conseguir um acordo. Segundo a entrevistada: A gente teve muitas críticas, porque, segundo as entidades de classe, o THD não podia atuar sozinho, tinha que ter a supervisão do dentista, supervisão do dentista que era entendida como se o dentista tivesse que ficar colado com o THD o tempo inteiro. Para ficar colado, a gente colocava o dentista logo para fazer e não era isso que a gente queria. Você não dá conta do nó que era. ‘Vocês estão colocando o THD para fazer o trabalho do dentista, daqui a pouco estão colocando dentista prático no mercado, estão fortalecendo o dentista prático’. O CRO já vinha com aquela política de polícia com o dentista prático e aí a conversa era sempre muito quadrada. Era uma coisa que não avançava muito (Coordenador 3). Embora a inserção dos profissionais de nível médio na saúde bucal tenha sido preconizada para as unidades de saúde de Vitória, a proposta não chegou a ser concretizada, pois, além da resistência das entidades de classe, não existia no mercado o profissional THD. A secretaria municipal não conseguia os profissionais e não tinha autorização para formá-los. Esse foi um dos grandes problemas para a ampliação da cobertura e efetivação do modelo de odontologia integral. Em um contexto de mudanças do modelo de atenção e de discussão pela simplificação da odontologia, a decisão política do gestor municipal ampliação da cobertura. Tal construção teve assessoria da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais pelo trabalho desenvolvido em conjunto com Jorge Cordón e Volnei Garrafa. LXVIII Os conselhos de classe vinham combatendo, inclusive com poder de polícia, os dentistas práticos pelo exercício ilegal da profissão. 85 da saúde não foi suficiente para transformar as práticas vigentes. Outras questões, como interesses de alguns atores e escassez de mão de obra qualificada, dificultaram a incorporação dos THDs na rede de serviços, limitando as perspectivas de criação de novos postos de trabalho, de aumento de cobertura e de melhoria da atenção à saúde bucal. Em 1993, a SEMUS passou por uma reforma administrativa, que envolveu uma ampla reflexão sobre suas práticas e reformulação do modelo assistencial. O principal objetivo da reestruturação da Secretaria foi redimensionar seus serviços para atender a nova proposta de atenção à saúde, relacionada ao processo de municipalizaçãoLXIX, 88. No documento da reforma administrativa de 1993LXX, observa-se a preocupação em zelar pela saúde bucal, expressa em um tópico específico dedicado à área. Entre as ações propostas estavam o atendimento ambulatorial, a alocação de recursos humanos para a realização das atividades odontológicas, a garantia de recursos para a área de odontologia e o controle da manutenção dos equipamentos. O último item foi considerado um grande avanço, dada a dependência tecnológica do trabalho odontológico. A partir dessa data, o Município passou a ter contrato firmado para manutenção dos equipamentos odontológicos, evitando a suspensão do atendimento96. Todas essas ações demonstram a preocupação em mudar as práticas sanitárias vigentes. Nesse sentido, mesmo após a entrada do PSDB na administração municipal em 1993, as diretrizes básicas da política de saúde do Município mantiveram-se. Em 1994, o Município foi habilitado na condição de gestão incipiente prevista na NOB de 1993, por meio de convênio assinado entre governo municipal, estadual e federal, que previa a transferência inclusive de unidades ambulatoriais estaduais97. Cabe destacar que o período de ênfase na municipalização caracterizou-se por muitas transformações, no intuito de preparar o Município para assumir a gestão das ações e serviços de saúde. Assim, ocorreram investimentos em estrutura e em capacitação, visando oferecer condições para o aumento da cobertura. Foi um momento de muita insatisfação com a prática vigente e de tentativas de mudança. Apesar disso, várias propostas relevantes para a modificação do modelo de atenção em saúde bucal LXIX Nessa reforma criou-se o Departamento de Administração em Saúde, cujo principal objetivo era coordenar a assistência à saúde prestada no Município. Com isso, a odontologia deixou de ter uma estrutura centralizada (Divisão) e passou a estar integrada ao todo (Departamento), ficando as consultas odontológicas sob a gerência dos coordenadores das unidades, conforme orientação central do Departamento96. LXX Instituída pela Lei n. 3983, de 8 de novembro de 1993, que dispõe sobre a nova estrutura organizacional da SEMUS96. 86 não puderam ser sistematicamente implementadas, devido à resistência dos profissionais e dos conselhos de classe ou à escassez de profissionais de nível técnico qualificados. Assim, o processo de implementação do modelo de odontologia integral ficou prejudicado, pois, mesmo existindo decisão política, recursos financeiros, investimentos em estrutura, não havia mão de obra qualificada nem apoio suficiente dos profissionais e entidades de classe para sua concretização. Nesse sentido, ressalte-se a importância de considerar as relações de poder e os interesses dos vários atores envolvidos na implementação das políticas, entre os quais se destacam os profissionais de saúde. Segundo os entrevistados, nesse período o apoio das esferas federal e estadual à implementação de ações de saúde bucal no Município era muito limitado. Não havia o reconhecimento de uma política de saúde bucal integrada e os mecanismos de articulação intergovernamental eram frágeis: ...a questão de saúde bucal com o Ministério era muito frágil, a gente ficava aqui no Município meio que buscando aonde tinha referência. Pelo Ministério não tinha praticamente nada, era fraquíssimo... Porque coordenador de saúde bucal do Ministério, a gente só ouvia falar que existia, mas a gente não tinha muito contato com eles não. Era tudo muito solto. [...] A Secretaria de Estado se perdeu, perdeu muito o papel de gestor mesmo, da competência dela, do plano de execução, de ações mais de dar apoio técnico aos municípios, ela se perdeu completamente. Para se ter ideia, quem coordenou a Conferência Estadual foi eu (Coordenadora 4). Mesmo assim, parte das propostas e mudanças que ocorreram no Município no período acompanharam os debates e transformações que vinham ocorrendo em nível nacional. 3.3 O Período de Predomínio do Programa Sorria Vitória (1995-2003) A trajetória da política de saúde bucal em Vitória no período de 1995 a 2003 foi caracterizada por uma série de iniciativas de mudança no modelo de atenção até então vigente. Criticava-se a baixa cobertura das ações odontológicas, a subutilização da capacidade instalada e das equipes, o privilegiamento da atenção individual e a limitada consideração do conceito de promoção da saúde, o que não favoreceria a mudança efetiva dos indicadores de saúde bucal87. As propostas na área de saúde bucal no período relacionaram-se com transformações mais amplas do sistema de saúde e expressaram-se sobretudo na configuração do Programa Sorria Vitória. No sistema de saúde municipal ocorreram mudanças para reorganizar a atenção. Iniciou-se o processo de territorialização, com o objetivo de implantar o novo modelo 87 de atenção à saúde, baseado na concepção dos Sistemas Locais de SaúdeLXXI. Para a definição dos territórios, realizou-se o diagnóstico situacional das sete áreas de vigilância em saúde e identificaram-se os problemas de saúde de cada região para subsidiar o planejamento local das ações em saúde98. O processo de reconhecimento das áreas por meio dos diagnósticos da saúde fez com que as equipes técnicas conhecessem melhor as questões sociais e de qualidade de vida da comunidade, assim como o perfil epidemiológico local. A Vigilância à Saúde avançou na área médica e de enfermagem, mas a odontologia pouco participou. O caráter técnico da prática odontológica e o perfil dos profissionais serviram de pretexto para que os profissionais de odontologia não participassem ativamente do processo de territorialização87. Assim como os outros setores da saúde, a odontologia necessitava reestruturar sua atenção. A estratégia adotada foi a implantação do Programa de Saúde Bucal Sorria Vitória, a partir de outubro de 1995. Tal programa, baseado no modelo de “inversão da atenção” LXXII , envolvia ações coletivas de educação em saúde e medidas preventivas com o objetivo de ampliar a atenção odontológica no Município e contribuir para a modificação dos indicadores de saúde bucal. O Programa Sorria Vitória constituía-se de fases operacionais distintas, mas articuladas, de modo a integrar ações preventivas e curativas. Entretanto, utilizou-se principalmente de tecnologias preventivas para o controle das doenças bucais. O trabalho foi desenvolvido em parceria com instituições de ensino público e particulares (creches e escolas), organizações não governamentais e movimentos comunitários. A população escolhida compreendia crianças na faixa etária de zero a 14 anos e gestantes. Entre os fatores para tal escolha estavam: LXXI Os Sistemas Locais de Saúde foram implantados sob assessoria da professora Carmen Unglert, que pertencia ao Núcleo de Estudos sobre Práticas de Saúde Coletiva, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade Federal de São Paulo. O Município chegou à professora por indicação de Eugênio Vilaça Mendes, um dos criadores da proposta de Distritos Sanitários. Os dois professores à época eram membros da coordenação da área de infraestrutura de Sistemas de Saúde da Representação OPS/OMS no Brasil. Segundo os professores, a concepção de SILOS convergia para a implantação do SUS, dentro dos princípios norteadores da Reforma Sanitária. Adotava-se como ponto central da proposta a apropriação do espaço local por meio de “planejamento ascendente” com participação da população, baseado nas “distintas realidades locais, onde atores sociais se transformam em autores de um processo, no qual se dá a apropriação do território numa lógica voltada à saúde” (Unglert apud Olisoa, p.51)90. Dessa forma, os distintos atores sociais (profissionais de saúde e população) se apropriariam do espaço local pela construção de uma área de responsabilidade de uma unidade de saúde (território), movida por uma lógica de vigilância à saúde. LXXII A SEMUS contratou, em 1995, a Estação Saúde – Assessoria e Pesquisa em Saúde Bucal para implantação do modelo de inversão da atenção, que visava transformar a prática odontológica de um modelo de atenção cirúrgico-restaurador para um modelo que priorizasse a promoção da saúde, levando em consideração as necessidades da comunidade e seu perfil epidemiológico. O modelo de inversão da atenção42 organiza-se em fases ordenadas de procedimentos com objetivos predefinidos de estabilização, reabilitação e declínio. 88 a maior incidência da doença cárie observada na faixa etária informada; a facilidade de introdução de novos hábitos nessa faixa etária; a influência dos cuidados da gestante na dentição do bebê e da criança. Nesse sentido, quanto mais atenção fosse dada à mãe, mais saúde o filho teria99. Esse Programa objetivava, entre outros aspectos, prevenir a instalação e evolução das doenças bucais (cárie e doença periodontal); criar hábitos de higiene bucal adequados; estimular a participação ativa da comunidade no desenvolvimento das ações; elevar o nível de consciência e responsabilidade da população em relação à saúde bucal, fortalecendo condutas de autocuidado e baixar os custos com procedimentos assistenciais individuais pela redução do acúmulo de necessidades de tratamento. Como objetivos específicos, o Programa previa uma integração entre secretarias de saúde e de educação, ações preventivas e restauradoras e envolvimento dos pais ou responsáveis para abordar temas, como a importância da saúde bucal e noções de nutrição e higiene99. Os critérios para a realização dos procedimentos coletivos100 foram estabelecidos conforme tabela de procedimentos do SIA/SUSLXXIII. O funcionamento do Sorria Vitória previa o cadastramento dos estabelecimentos de ensino e a realização de uma visita técnica à escola. Após essa etapa, iniciavam-se as atividades educativas para professores, alunos e pais. O principal objetivo do Programa era estimular a adoção de hábitos adequados de higiene bucal, reduzindo a necessidade de tratamento odontológicoLXXIV. As ações eram divididas e distribuídas em períodos semanais, trimestrais e anuais, com as atividades realizadas nas escolas, nas unidades de saúde e em outras instituições voltadas para a infância. Como havia uma expressiva parcela de crianças fora das escolas, o envolvimento dos movimentos comunitários foi importante para a captação das crianças. As atividades realizadas nas escolas eram de responsabilidade do nível técnico sob supervisão do dentista, mas contavam com a ajuda de mães voluntárias, de professores, de pedagogos das instituições e de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para realizar as atividades semanais de bochecho e escovação orientadaLXXV. Trabalhava-se com adscrição de clientela e com base no grau de risco de LXXIII O Ministério da Saúde, em 1992, inseriu na tabela de procedimentos do SIA/SUS os procedimentos coletivos100. LXXIV As atividades compreendiam ações de educação em saúde, higiene bucal supervisionada, distribuição de escova e creme dental, bochechos fluoretados, exame epidemiológico realizado anualmente, exame clínico diagnóstico, terapêutica intensiva com flúor, além de procedimentos clínicos preventivos, como aplicação de selante e remoção de tártaro99. LXXV A distribuição de creme dental e escova de dente às escolas era realizada a cada quatro meses, além de flúor em pó para a realização dos bochechos semanais. 89 cada participante. As crianças eram examinadas anualmente no próprio espaço escolar e encaminhadas à unidade de saúde de seu território de acordo com sua necessidade clínica. O paciente só teria acesso efetivamente à ação restauradora se estivesse integrado ao programa preventivo99. As gestantes eram consideradas prioridade pela importância da educação em saúde para a futura mãe e a captação precoce da nova geração. Tal grupo era captado por meio da interação com o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher. O profissional de odontologia realizava palestras abordando temas relacionados a dieta, aleitamento materno, hábitos viciosos, como chupeta e dedo, higiene bucal dos bebês, riscos da ingestão de creme dental, entre outros. Além das palestras, as mães recebiam orientação prática sobre higienização e eram submetidas a exames de avaliação de risco de cárie e adequação ao meio bucal. As gestantes eram ainda orientadas a retomar o atendimento após o parto. Entre as dificuldades enfrentadas pelo Programa, destacaram-se: insuficiente apoio da Secretaria Municipal de Educação; ausência de THD para compor a equipe de saúde bucal, pelos motivos já descritos; inadequação de estrutura física de algumas escolas públicas, o que dificultou o desenvolvimento das atividades coletivas; ausência dos responsáveis para agendamento do comparecimento da criança na unidade de saúde e continuidade do tratamento; fragilidade do vínculo entre escola e unidade de saúde, com limitada apropriação da realidade territorial99. Nessa época, segundo relato de uma entrevistada, a Prefeitura Municipal de Vitória já havia criado o cargo de THD, mas não existia no mercado esse tipo de profissional. Esse foi um problema sério, pois havia a perspectiva de se aumentar a cobertura por meio da atuação desse profissional. Apesar das dificuldades descritas, em 1996, quando foi realizado o I Levantamento Epidemiológico, foram encontrados índices que demonstraram avanços e identificaram novas necessidades. Encontrou-se um CPO-D médio aos 12 anos igual a 1,8, bem abaixo do encontrado pelo levantamento realizado em 1990, que era 6,0. Além disso, identificou-se um grande estoque de doença cárie na dentição decídua (lesão com cavidade), o que reforçou ainda mais a entrada de crianças menores de 5 anos nas atividades do Programa99. Com relação às condições periodontais, constatou-se que 99,9% das necessidades por atenção periodontal poderiam ser resolvidas de modo adequado por profissionais auxiliares (THD e ACD), enquanto 0,1% dos indivíduos necessitariam de 90 atenção de um cirurgião-dentista com perfil de clínico geral. Diante disso, ficou clara a necessidade de incorporação do pessoal auxiliar na odontologia. Cabe ressaltar que o Sorria Vitória tinha uma metodologia diferenciada em relação ao Programa Saúde Escola, anteriormente citado. O Programa Saúde Escola baseava-se no sistema incremental e vinculava-se a uma prática individualista e curativa. Embora os profissionais utilizassem atividades preventivas, o enfoque maior era no tratamento curativo, que não mudava padrões epidemiológicos. Já o Sorria Vitória incorporava ações de promoção e prevenção em saúde integradas às curativas. Os avanços da odontologia dessa época foram favorecidos pelo apoio do secretário municipal de saúde, segundo duas profissionais da Secretaria entrevistadas: Foi uma época que a odontologia deu um salto, pois foi muito apoiada, muito mesmo. Falar em política de saúde, a odontologia estava presente, não era dissociada. Falar em construir unidade de saúde, nem se questionava se ia construir consultório odontológico ou não, pois já era padrão. E a gente podia ousar... ousar mesmo. Então assim, se ele [o secretário] ia falar de campanha de cachorro ele falava de Sorria Vitória [...] Ele incorporava aquilo [a odontologia] como uma coisa importante, que tinha que avançar (Coordenadora 4). Além disso, havia uma grande preocupação em minimizar conflitos sempre que mudanças estavam previstas. Ainda que a Secretaria fizesse muitas reuniões com as entidades de classe, houve resistência por parte dos profissionais relativa à incorporação de pessoal auxiliar nas equipes e às mudanças no processo de trabalho voltadas para o aumento da produção, do acesso e da qualidade dos serviços. Isso porque até então os dentistas atuavam em uma lógica de consultório particular, controlando a própria agenda, sem monitoramento ou cobranças quanto à produção. Além da atuação nas escolas, nesse período foram inauguradas muitas unidades de saúde para ampliar o atendimento. Uma delas foi a Unidade de Jardim Camburi, tida como modelo, pois apresentava uma estrutura excelente e foi a primeira a dispor de serviço de radiologia odontológica na rede municipal. Novas unidades foram construídas gradativamente em bairros de melhor poder aquisitivo e com isso iniciou-se a entrada no sistema público de saúde de pessoas da classe média. Essa entrada foi considerada por uma das entrevistadas como um fator positivo, já que cobrava qualidade e pressionava no sentido da melhoria e expansão do atendimento. Nessa mesma unidade, foi implantado, em 1999, o serviço de endodontia, depois transferido para a Unidade do Forte São João, onde permanece até os dias de hoje. Os profissionais que executavam esse serviço eram em número reduzido e a ideia era preservar os dentes comprometidos que necessitavam de endodontia, de forma que os clínicos da rede pudessem restaurar posteriormente. De certa forma, começou a existir 91 uma referência, mas somente para a especialidade de endodontia e, mesmo assim, de maneira bastante reduzida. Essa especialidade até hoje apresenta uma demanda reprimida enorme, com longas filas de espera para atendimento. Ainda em 1999, foi inaugurado o Pronto Atendimento da Policlínica São Pedro, contando com um serviço específico de urgência odontológica. Até então, no Município, as urgências odontológicas eram atendidas nas unidades básicas, por meio da distribuição de uma ou duas “fichas” para atendimento, apesar da enorme demanda. Havia nessa época uma grande preocupação em ampliar o acesso, mas a cobertura teria que ser na atenção básica, com ênfase na prevenção, já que a ausência de especialidades configurava um limitador da integralidade. Outro fator que contribuiu muito para que a saúde bucal avançasse estava voltado para os recursos humanos. Nesse período, deu-se ênfase à capacitação, o que motivava os profissionais. A Prefeitura investiu muito em educação continuada, principalmente porque estava com um contingente de profissionais novos, após o concurso realizado em 1991. Uma das entrevistadas comenta: A educação continuada foi fundamental [...]. Os profissionais tinham a oportunidade de discutir questões fechadinhas que um pensava de uma forma, outro de outra forma e quando você nivelava a discussão e colocava para reflexão, do profissional refletir, sair daquele lugar de como ele estava [...], isso incomodou muita gente, muita gente nova, então assim foi uma coisa interessante, foi que nem fermento, só crescendo (Coordenadora 3). Em 1998, o município de Vitória se habilitou na condição de Gestão Plena da Atenção Básica, responsabilizando-se pelas ações de toda a rede primária de atenção em saúde. A partir da implementação do Piso de Atenção Básica, iniciou-se no Município um processo de ampliação do acesso a esse tipo de atenção, por meio da ESF101. A ESF consolidou-se como base para a organização de um projeto estruturante que organizaria a atenção à saúde no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 – o Sistema Integrado de Serviços de Saúde (SISS)102. O Sistema Integrado de Serviços de Saúde trouxe como proposta a reestruturação do modelo de saúde vigente por meio de uma oferta integrada de serviços nos vários pontos de atenção à saúde, para uma população definida. A atenção básica orientaria essa integração, por meio de tecnologias de gestão da clínica, o que favoreceria a continuidade do cuidado em saúde103. A instituição do SISS acarretaria mudanças profundas na forma convencional que prevalecia na organização da saúde. Essas mudanças implicavam passar da cura ao cuidado, da atenção hospitalar à atenção ambulatorial, da intuição clínica à evidência, da liberdade clínica total a uma liberdade restringida por protocolos clínicos, e de uma 92 atenção primária inexistente ou ineficaz a uma atenção primária eficaz, entre outras102,103. O Sistema Integrado de Serviços de Saúde impôs algumas mudanças para a adequação pelo Município, entre elas o fortalecimento da ESF, para coordenação de toda a rede de serviços; a normalização dos processos de trabalho por meio da implantação de protocolos e linhas-guia; a implantação de centrais de marcação de consultas e exames especializados e de centrais de regulação de internações, com monitoramento de filas de espera e mecanismos para sua redução; a adoção de medidas de garantia e controle para a referência e contrarreferência, como guias de encaminhamentos formais, contratos de gestão e outros, entre os diferentes níveis do Sistema de Saúde103. Diante da nova concepção de sistema integrado, foi criado, em 2002, o Departamento de Assistência à Saúde (DASS), que concentrou todas as ações de assistência em três divisões: atenção básica, atenção especializada e atenção hospitalar, de urgência e emergência. Essa reestruturação visava aproximar os diversos programas, contribuir para um planejamento mais integrado das ações de saúde e preparar o Município para assumir a Gestão Plena do Sistema MunicipalLXXVI, 103. O município continuou organizando suas ações a partir da atenção básica e foi gradativamente aumentando sua rede de serviços para estruturar a média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar. Segundo Silva103, o Município estava adaptando-se às mudanças impostas pela concepção do SISS. Entre essas mudanças estava a normalização dos processos de trabalho por meio da implantação de protocolos e linhas-guia. Nesse sentido, foram priorizados os protocolos relacionados às competências estabelecidas na NOAS/2002 para a atenção básica ampliada: saúde da mulher e da criança, doenças crônicas, saúde bucal e saúde mental. Uma das grandes dificuldades apresentadas para a efetivação do SISS foi a demora do Município em se habilitar à condição de Gestão Plena da Atenção Básica Ampliada, de acordo com a NOAS/2002, o que só viria a ocorrer em 2003 LXXVII, 103,104,105 . Antes da criação do DASS, havia fragmentação da assistência à saúde acompanhada de fragmentação institucional. Assim, no Departamento da Administração em Saúde (DAS), que zela pela manutenção predial das unidades de saúde, estavam as ações de assistência, enquanto no Departamento de Ações Integrais em Saúde (DAI) estavam instaladas as vigilâncias sanitária, epidemiológica e ambiental. Dessa forma, enquanto o PSF estava vinculado ao DAI, a saúde bucal, a saúde da criança e outras ações estavam vinculadas ao DAS. LXXVII O município de Vitória habilitou-se para a Gestão da Atenção Básica Ampliada, de acordo com os critérios definidos na Norma Operacional de Assistência à Saúde – NOAS/2002, Portaria n. 101, de 11 de fevereiro de 1998104, e Portaria GM n.1510, de 5 de agosto de 2003105. LXXVI 93 Esse período foi marcado por muitas mudanças, que tiveram o intuito de estruturar a rede municipal de serviços e ampliar a cobertura das diversas ações e serviços de saúde, com o propósito de proporcionar aos usuários um atendimento integral. Na área de saúde bucal, o Município mantinha o Programa Sorria Vitória e continuava investindo em ampliar a rede de serviços em estrutura e capacitação. Nesse período, marcado pela preponderância do Programa Sorria Vitória (de 1995 a 2003), segundo uma das entrevistadas, a saúde bucal, dentro do contexto político tinha [...] total integração com as políticas municipais de saúde, a odontologia tinha destaque. A odontologia estava no mesmo patamar da área médica, da enfermagem [...] (Coordenadora 4). Segundo algumas entrevistadas, foi um período de avanços para a saúde bucal, favorecidos pelo apoio político dos gestores municipais. O secretário municipal disponibilizava os recursos financeiros para que a odontologia avançasse. Além da expansão dos serviços, investiu-se na compra, padronização, gestão de materiais e manutenção de equipamentos odontológicos, evitando-se a falta de materiais e a suspensão dos atendimentos. No entanto, no que concerne ao atendimento integral, permaneciam limitações importantes. O Programa Sorria Vitória procurava mudar o modelo de atenção por meio de promoção da saúde associada às ações curativas e de reabilitação. Porém, mantinha o foco em alguns grupos da população, como as gestantes e a população de zero a 14 anos, como destaca uma das entrevistadas: Vitória sempre fez um grande investimento, inicialmente, no atendimento à criança e à gestante, com um atendimento muito voltado à criança, com o projeto Sorria Vitória. Iniciou esse projeto e ficou muitos anos atendendo realmente a rede básica, com a preocupação na questão preventiva mesmo nessa faixa etária (Gerente 1). Outra limitação era a ausência de referência para as especialidades, a não ser para a endodontia, de modo muito incipiente. Em 2003, uma equipe foi capacitada para fazer intervenção precoce em ortodontia, pois havia um projeto para implantação desse serviço na rede, que não foi concretizado devido às mudanças políticas. O problema de acesso às ações de saúde bucal, principalmente às especialidades odontológicas, existia em todo o País, pois até essa data não havia uma política nacional de saúde bucal estruturada na perspectiva da integralidade, conforme discutido no capítulo anterior. A saúde bucal ganhou maior destaque nacionalmente a partir de 2001, quando foram instituídas as equipes de saúde bucal, vinculadas à Estratégia de Saúde da 94 Família. No entanto, a estratégia nacional de indução da conformação de equipes de saúde bucal não teve repercussão imediata em Vitória, visto que o município só passou a adotá-la em 2004, três anos depois. Esse atraso em inserir as equipes de saúde bucal pode apresentar como explicação a força do Programa Sorria Vitória. Tal Programa começou a ser profundamente questionado no período 2003-2004. Segundo três entrevistadas, nesse período o Sorria Vitória passou por uma crise séria, desencadeada pela contestação de professores da UFES quanto à utilização dos bochechos fluorados. A busca pelo alinhamento conceitual entre a academia, o Ministério da Saúde, as secretarias de saúde e profissionais da odontologia foi o motivo desencadeante para a realização do Primeiro Fórum Municipal de Saúde Bucal Coletiva, ao final de 2004.LXXVIII. No Fórum106 foram discutidas as ações realizadas no Programa Sorria Vitória, particularmente a utilização de bochechos semanais com solução de fluoreto de sódio em uma população cujo índice de cárie era baixoLXXIX e que recebia trimestralmente insumos para higiene oral, como escova e creme dental. Os representantes da Academia mostraram estudos que evidenciavam que a manutenção dos bochechos fluorados seria desnecessária em populações que utilizavam regularmente o creme dental com flúor. Já a Prefeitura mostrou dados relativos à redução de necessidades por atenção clínica na população acompanhada desde 1996, demonstrados no Quadro 3.1, atribuindo tais resultados à utilização de bochechos fluorados. Não houve clareza nem consenso quanto aos métodos que teriam sido responsáveis por essa redução das necessidades de atendimento, o que dependeria de investigações específicas LXXX. Diante da controvérsia, os bochechos fluorados foram suspensos do rol de atividades coletivas realizadas no Município. LXXVIII O Fórum foi realizado na cidade de Vitória e contou com a participação de representantes do Ministério da Saúde (Dr. Gilberto Pucca – coordenador nacional de saúde bucal), da SESA, das secretarias municipais da região metropolitana, da UFES, da Faculdade de Administração EspíritoSantense (FAESA), das entidades de classe, dos profissionais da rede municipal de saúde e do Dr. Jaime Cury, professor da Universidade de Campinas e autoridade nacional em pesquisas sobre uso de fluoretos em odontologia106. LXXIX O Município apresentava um CPO-D igual a 1,47 aos 12 anos, de acordo com o último levantamento epidemiológico realizado em 1996. O índice da OMS recomendado para o ano 2000 era CPO-D igual a 3,0. LXXX Nesse sentido, outra questão discutida no Fórum foi a necessidade de maior integração entre as secretarias de saúde e as Universidades para estímulo às pesquisas nos serviços públicos, assim como a aproximação entre a saúde e a educação com envolvimento dos professores na ações educativas do Programa106. 95 3-1 Quadro 3.1 – Percentual de crianças com necessidade de atenção clínica em saúde bucal examinadas no município de Vitória no período de 1996 a 2004 (Programa Sorria Vitória). Região de Saúde 1996 1999 2001 2002 2003 2004 Continental 48 29 24 22 19 17 Maruípe 46 42 37 37 35 32 Centro 53 43 34 34 36 29 Sto Antônio 64 43 45 49 40 20 São Pedro 60 53 46 35 35 26 Forte São João 62 40 43 40 38 27 TOTAL 56 42 38 36 34 25 Fonte: SEMUS. Relatório de saúde bucal, de 2004. A partir de 2004, diante das mudanças no cenário nacional, de questionamentos de atores locais e do início de outras estratégias, como a implantação das equipes de saúde bucal, o Programa Sorria Vitória perdeu força. Ainda assim, continuou a ser executado no Município como um programa de ações coletivas, que abrangia principalmente os escolares. Segundo uma das entrevistadas, o Programa teve uma perda de “ideologia” e atualmente está mais focado em cumprir as exigências feitas pelo Ministério da Saúde em relação às atividades coletivas do que propriamente em efetuar uma proposta de promoção e prevenção para as crianças do Município. Além disso, embora os exames para diagnóstico sejam feitos anualmente para detectar necessidades, não há padronização quanto à forma de captação das crianças. Alguns cirurgiões-dentistas captam as crianças pelo Sorria Vitória, outros pela Estratégia de Saúde da Família, havendo muitas fragilidades na integração entre as estratégias. Uma das entrevistadas lamentou o esmorecimento do Programa Sorria Vitória: O Sorria Vitória foi uma coisa que, pessoalmente, me fez sofrer muito quando eu vi acabar porque, na época, eram cinquenta e duas mil crianças assistidas. Era um programa que tinha muitas dificuldades, muitas deficiências, mas que acontecia e que a gente via os exames, ano a ano, na sua totalidade, ir melhorando o perfil da saúde bucal das crianças. Então foi uma coisa que eu fiquei muito triste quando vi acabar. Hoje em dia é uma coisa muito mais de burocracia, vamos fazer o exame inicial [...] Ele acabou se tornando muito mais uma questão de cumprir exigências que o Ministério faz em relação às atividades coletivas do que propriamente uma vontade de oferecer um programa com uma proposta de promoção, de prevenção para as crianças do Município. (Coordenadora 5). A partir de 2004, configura-se, portanto, um novo momento da política de saúde bucal no município de Vitória, conforme abordado no próximo item. 96 3.4 O Período de Influência do Brasil Sorridente (2004-2010) O período de 2004 a 2010 é caracterizado por mudanças efetivas na política de saúde bucal no município de Vitória, sob influência das transformações na política nacional. As principais mudanças são o início da implantação das equipes de saúde bucal, em 2004 (existentes no País desde 2001) e a inauguração de um Centro de Especialidades Odontológicas, em 2005. No que concerne ao modelo de atenção, tais serviços representam um movimento de ampliação do acesso às ações básicas e especializadas na área de saúde bucal, para os diversos grupos da população, buscandose superar a lógica de programas delimitados a grupos etários ou sociais específicos. No que se refere ao contexto nacional, em 2004 foi lançada a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB), que trouxe novas propostas para a reorganização da área odontológica por meio da ampliação e qualificação da atenção básica e da atenção especializada, no intuito de buscar o atendimento integral5. Tal política reitera a ESF como fundamental na reorganização das ações e serviços de saúde bucal, norteada por eixos estruturantes, como o trabalho em equipe, a valorização do território, a adscrição da população e a intersetorialidade. Os eixos propostos na PNSB de certa forma são consoantes com as diretrizes de implantação do SISS no Município, que previam a territorialização e a adscrição da clientela como estratégias relevantes para organizar a atenção à saúde. A inserção das Equipes de Saúde Bucal na ESF a partir de 2004 levou inicialmente em consideração as regiões de maior risco social. Assim foram implantadas dezessete equipes nas regiões de Maruípe, Santo Antônio e na unidade de saúde da Ilha do Príncipe. Todas as equipes eram da Modalidade I, compostas por um cirurgiãodentista e um auxiliar de consultório dentário. Oito técnicos de higiene dental foram distribuídos em cada um dos oito territórios de saúde. Todos os profissionais realizaram treinamentos antes de se inserir. As dificuldades encontradas no processo de inclusão das equipes relacionaramse principalmente à forma de inserção dos profissionais que, de acordo com a regulamentação federal, é de responsabilidade do MunicípioLXXXI. Diante disso, o gestor municipal optou pela priorização dos efetivos para ocuparem os cargos nas equipes de saúde bucal. Em meio a muitas críticas, foi realizado um processo seletivo interno com LXXXI Portaria GM/MS no. 1444, de 28 de dezembro de 200060. 97 provas para seleção dos profissionais (cirurgiões-dentistas e atendentes de consultório dentário) que atuariam nas equipesLXXXII. A segunda dificuldade foi com relação à inserção do THD, já que não havia recursos federais para implantar um técnico por equipe. Mesmo assim, a Prefeitura conseguiu assumir o financiamento e contratar um THD por unidade de saúde por período de 8 horas. Outra questão colocada dizia respeito ao processo de trabalho das equipes de saúde bucal inseridas na ESF. Segundo três entrevistadas, a odontologia não alterou sua prática de atendimento para atender na ESF, pois os cirurgiões-dentistas têm muita dificuldade de trabalhar em equipe. Em vista disso, a equipe de saúde bucal trabalha muito distanciada do resto da equipe de saúde da família. As entrevistadas atribuem isso à própria formação profissional, altamente tecnicista e individualista. Dessa forma, há limitações para transformar a prática de trabalho dos dentistas. Em várias entrevistas foram levantadas as dificuldades de os dentistas se manifestarem nas reuniões de equipe, trazerem os problemas e as especificidades da odontologia para a discussão. A fala de três entrevistadas demonstra tal situação: Eu não considero que a odontologia no Município tenha efetivamente transformado a sua prática para uma prática de saúde da família como a gente pensa [...] eu não vejo a odontologia , quando acontece, pautar assunto nessas reuniões de equipe. Então, às vezes, eu vejo a odontologia com problema e eles não levam para a reunião de equipe (Coordenadora 2). Eu acho que ainda tem que avançar muito na organização do trabalho odontológico. Sair do quadrado da odontologia, de inserir realmente numa equipe de saúde (Coordenadora 4). Muito distanciado... Eu acho que ainda falta ao dentista uma formação mesmo em relação ao papel dele (Coordenadora 5). Nesse sentido, a equipe técnica da saúde bucal, com apoio da secretaria tem feito um grande esforço em articular a odontologia com o resto da unidade de saúde. Assim, a agenda que ficava dentro do consultório foi para a recepção, a esterilização da odontologia foi para a central de esterilização da unidade, o paciente que vem para a consulta deve passar pelo preparo realizado pelo enfermeiro, entre outras ações. Resistências foram encontradas tanto por parte do profissional de odontologia, quanto pelos outros profissionais da unidadeLXXXIII. LXXXII Apesar de ter sido contratada consultoria externa para a realização do processo, houve críticas inclusive em relação à isenção e à idoneidade do processo. LXXXIII Tal dificuldade de integração ficou evidente pelo relato de uma das entrevistadas em relação a um projeto piloto da Secretaria de informatização das unidades de saúde. Os profissionais de odontologia apresentaram maior resistência quanto a esse projeto, pois, entre outras questões, não queriam disponibilizar a agenda para a recepção. 98 Concomitante ao processo de implantação das equipes de Saúde da Família foram elaborados e revisados os protocolos de saúde bucal, com o objetivo de organizar o processo de trabalho e ampliar o acesso aos serviços. Os principais pontos foram: estruturação da atenção programada, organização da livre demanda relacionada às urgências e intercorrências, expansão da atenção à promoção da saúde e reestruturação do Pronto Atendimento. No ano de 2004, nove unidades passaram por ampliação ou reforma, o que levou ao aumento do número de consultórios, da produção e, consequentemente, do acesso. Em todo o Município foram disponibilizadas estratégias para a melhoria nas instalações e ampliação do horário de atendimento. O acesso à atenção básica sempre foi uma das grandes preocupações da equipe técnica da saúde bucal, mas o acesso às especialidades permanecia como um dos grandes nós críticos da atenção odontológica. Até 2004, a oferta de atendimento às especialidades era limitada. Nesse ano, a Unidade de Saúde Vitória foi inaugurada com três consultórios e passou a oferecer também o serviço de endodontia, que já era oferecido pela Policlínica São Pedro e a Unidade de Saúde do Forte São João. Em relação às outras especialidades, segundo uma das entrevistadas, os pacientes portadores de necessidades especiais, quando precisavam de algum atendimento que extrapolava as condições oferecidas pela rede básica, eram absorvidos pela Sociedade de Promoção Social do Fissurado Lábio-Palatal (PROFIS), pela Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) e pela Faculdade de Administração Espírito-Santense (FAESA), embora o número de vagas fosse insuficiente. Já os pacientes com necessidades de cirurgia oral menor eram encaminhados para a UFES e a FAESA. A partir de 2005 ocorreu uma mudança mais expressiva nesse sentido, por meio da implantação dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), expressando a estratégia defendida na Política Nacional de Saúde Bucal. Iniciou-se a construção de uma rede de atenção à saúde bucal com acesso às especialidades. Essa rede ainda está muito incipiente, pois o Município conta com um único CEO e mais duas unidades especializadasLXXXIV. Segundo uma das entrevistadas, embora Vitória já comportasse em sua rede uma especialidade odontológica (a endodontia, oferecida em três unidades) para ampliar a LXXXIV As unidades que funcionam com especialidades são a Policlínica São Pedro e a Unidade de Saúde de Forte São João. 99 oferta de serviços especializados, a indução pelo Governo Federal impulsionou a Secretaria Municipal a montar um CEO. Essa visão fica clara na fala a seguir: Em toda a política nacional, o CEO fica muito evidente, porque é o grande diferencial. O olhar diferenciado, [O Ministério] colocou umas discussões a nível nacional que, por exemplo: o tempo que nós ficamos tentando implementar o trabalho que foi, se fosse nos tempos de hoje seria muito mais fácil, muito mais tranquilo, porque vem de lá [do Ministério] como política. Isso facilita muito, porque, também, o próprio gestor com um olhar para a saúde bucal, porque geralmente são médicos, não é tão simples. Acho que Vitória veio em um crescente, porque as pessoas que aqui estiveram, veio só somando[...] Isso colaborou muito, a postura do gestor (Coordenadora 4). O ano de 2006 foi marcado por reestruturação na organização da Secretaria Municipal de Saúde e por enormes investimentos em estrutura, tais como inauguração de três novas unidades de saúde com a Estratégia de Saúde da Família; inauguração do Pronto Atendimento Municipal da Praia do Suá; reforma de três unidades de saúde; ampliação do horário de atendimento em várias unidades; ampliação do acesso a consultas e exames especializados por meio de convênio firmado com alguns hospitais, entre outras ações107. No ano de 2007, continuaram os investimentos em estrutura, com construção e reforma de unidades de saúde, ampliação de horário de atendimento, início das obras do Centro de Especialidades de São Pedro, entre outras ações. Além de investimentos em capacidade física, foi realizado um concurso público para preenchimento de vagas na Prefeitura, em substituição aos contratados. Nesse ano, o número de cirurgiões-dentistas da rede municipal era de 110 profissionais108. O Município iniciou o ano de 2008 sob a vigência do Pacto pela Saúde, assumindo a responsabilidade pela média e alta complexidade ambulatorialLXXXV, 109. Ainda neste ano, implantou a central de regulação de consultas e exames especializados por meio do sistema informatizado de regulação (SISREG). Além disso, ampliou o acesso a serviços especializados por meio de atendimento no horário noturno no CEO. Como investimento em estrutura, adquiriu um hotel no centro da cidade para a instalação de novo centro municipal de especialidades110. Em 2009, o Município continuou investindo na rede física, como vinha fazendo desde 2006, no intuito de estruturar sua rede, com destaque para as seguintes ações: continuidade nas obras em várias unidades de saúde, CAPS e Centro de Especialidades de São Pedro; inauguração de uma unidade de saúde; ampliação do acesso a consultas e exames especializados por meio de convênios com hospitais; desapropriações para construção de unidades básicas de saúde, Centro de Referência DST/AIDS e Centro LXXXV O Termo de Compromisso de Gestão (TCG) assinado pelo Município foi homologado pela Portaria Ministerial n. 13, de 8 de janeiro de 2008109. 100 Municipal de Especialidades. Outras ações, como a implantação do atendimento odontológico de urgência 24 horas; a implantação de serviço de radiologia na Unidade de Saúde de Bairro República; a ampliação do número de agendamentos por turno de trabalho, foram inseridas no intuito de aumentar o acesso e representaram avanço para a saúde bucal. Entretanto, o Município apresentou dificuldades relacionadas ao número excessivo de faltas às consultas agendadas tanto nas unidades de saúde como nos Centros de Referência, na referência de escolares para tratamento nas unidades de saúde e no acesso a dados e informações que propiciem acompanhar os indicadores em tempo oportuno para ação111. Em relação a recursos humanos, foi realizada capacitação do quadro gerencial da Secretaria por meio do Curso de Especialização em Gerenciamento de Unidades Básicas do SUS (GERUS)LXXXVI. Além deste, outros cursos foram realizados, entre eles o curso “Aspectos Éticos da Odontologia”111. Continuaram os investimentos para ampliação da cobertura populacional e implantação das equipes de saúde bucal. Houve capacitações com a oferta do curso básico de saúde da família destinado a técnicos e auxiliares de saúde bucal e de enfermagem, das equipes de saúde da família110. Observa-se por meio da análise desses quatro momentos que o Município apresentou um crescimento permanente da oferta de serviços e ações em saúde bucal e que o posicionamento político do gestor municipal da saúde teve grande importância para a expansão das políticas nessa área. Em todos os momentos, pode-se perceber a influência dos debates e acontecimentos em nível nacional, que repercutiram na implantação de propostas no Município. Um período de grande importância para o Município foi o de predominância do Programa Sorria Vitória, que apresentava em sua estrutura uma prática voltada para a perspectiva da integralidade quando aliava as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, embora ainda estivesse restrito a um grupo etário de crianças e de gestantes. A força do Programa Sorria Vitória pode justificar o atraso do Município em implantar as equipes de saúde bucal. No período designado como de influência do Brasil Sorridente (2004-2010), observa-se um peso importante do Ministério da Saúde na indução de políticas, pela implantação de uma Política Nacional de Saúde Bucal, inexistente até então. O papel da esfera federal expressou-se por meio do financiamento e da regulamentação dessa nova política. LXXXVI O curso foi resultado da parceria entre o Município, o Ministério da Saúde e a Universidade de São Paulo (USP). 101 No próximo capítulo é dada continuidade à análise da implementação da saúde bucal, abrangendo a situação atual do sistema de saúde no Município e a implantação do CEO. 102 Contexto Nacional do Sistema de Saúde Variáveis 3-2Quadro 3.2 – Síntese da evolução da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória- 1950 a 2010. Evolução da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória Período Pré- SUS ( 1950 - 1988) • Anos 50 a 70 - Medicina previdenciária e saúde pública. • Anos 70 - Movimento de Reforma Sanitária. •1974 - Fluoretação das águas de abastecimento público no Brasil. • Anos 80 - Implementação das AIS e SUDS. • 1986 - VIII CNS e I CNSB 1o. Levantamento Epidemiológico de Saúde Bucal no Brasil. • 1988 - Constituição Federal. • Modelo predominante na Saúde bucal - modelo incremental. Período de Ênfase na Municipalização (1989 - 1994) Período de Predomínio do Programa Sorria Vitória (1995 - 2003) Período de Influência do Brasil Sorridente (2004 - 2010) • 1990 - Implantação do SUS. Princípios e diretrizes - universalidade, integralidade, participação da comunidade e descentralização política administrativa. • Regulamentação do SUS pelas NOB 91 (responsabilização pelos municípios das ações e serviços) e 93 (estabeleceu três condições da gestão municipal). • Período marcado pela municipalização, descentralização das ações e serviços de saúde e pela disseminação dos conselhos de saúde em todo o Brasil. • 1993 - II CNSB • Normatização do SUS pela NOB/ 96 - mudanças no modelo assistencial e na organização dos serviços. - Incentivos ao PACS e PSF • 1998 - instituição do PAB. • 2000 - MS estabelece financiamento para as equipes de saúde bucal. • 2001 - Inclusão das ESB na ESF. Normatização pela NOAS 01 regionalização do sistema de saúde. Inclusão na saúde bucal de um elenco de procedimentos na atenção básica e na média complexidade (endodontia). • NOAS/2002 - Redefine procedimentos da atenção de média complexidade. • Lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal. • Período caracterizado pela pactuação de responsabilidades entre os três níveis de gestão do sistema e da atenção à saúde. • 2006 - Normatização realizada pelo Pacto da Saúde - reorganiza o financiamento por meio da transferência de recursos em cinco grandes blocos, de acordo com o nível de atenção à saúde e o tipo de serviço e estabelece acordos entre gestores por meio da assinatura de termos de compromisso de gestão. Modelo de Atenção Preponderante Contexto do Sistema de Saúde Municipal 103 •Anos 50 e 60 - Saúde Bucal vinculada à Divisão de Saúde e Bem Estar Social. •1978 - Estruturação da Secretaria Municipal de Saúde composta pelo Departamento Médico-Odontológico e Social e o Departamento de Saúde Pública. Divisão Odontológica com mais autonomia e verbas para ampliação de serviços. •1987 - Integração no Programa AIS - Ações Integradas de Saúde. •1989 - Municipalização da saúde. Reorientação do modelo assistencial e reorganização dos serviços da rede municipal de saúde. •Em 1990 - regulamentação do "Modelo Assistencial de Saúde do ES. Realização do primeiro concurso público. • 1991 - Criação do Conselho Municipal de Saúde, Fundo Municipal de Saúde e a I Conferência Municipal de Saúde. •1992 - Divisão do município em 7 regiões de vigilância em saúde. •1993 - Reforma Administrativa da SEMUS. A saúde bucal passou a estar integrada a todo o Departamento de Administração em Saúde e não mais ter uma Divisão. •1994 - Habilitação na Gestão Incipiente (NOB SUS 01/93). •1995 -Territorialização pela Implantação dos Sistemas Locais de Saúde (SILOS). •1998 - Habilitação na Gestão Plena da Atenção Básica (NOB/SUS 01/96). Início da implantação da ESF. •2000 - Implantação do Sistema Integrado de Serviços de Saúde -. •2002 - Criação do Departamento de Assistência à Saúde (DASS): divisão das ações em atenção básica, especializada e hospitalar, de urgência e emergência. •2003 - Habilitação na Gestão da Atenção Básica Ampliada (NOAS/2002). • Anos 50 e 70 - Baseado em cuidados imediatistas e curativos, com destaque para a exodontia. • Anos 80 - Predomínio do modelo incremental, responsável pelas ações educativas e curativas nas creches e escolas, em crianças de 06 a 14 anos. • 1990 - Insatisfação com o modelo vigente (incremental). A clientela escolar passou a ser referenciada para as unidades de saúde, por meio de um programa preventivo mais abrangente. • Tentativa de mudança do modelo com a consolidação da odontologia integral, marcado pela grande resistência dos profissionais e entidades de classe. • Implantação do Programa Sorria Vitória - de ações de promoção, prevenção e reabilitação. Limitação: foco em grupos delimitados população de 0 a 14 anos e gestantes. • Preocupação em mudar o modelo de atenção para o atendimento integral, dificultado pela inexistência de referência às especialidades, exceto a endodontia de modo muito limitado. •2006 - Reestruturação da SEMUS. Criação da Gerência de Assistência à Saúde com a coordenação de atenção básica, coordenação de atenção especializada e coordenação de urgência e emergência. •2007 - Realização de Concurso público. •2008 - Vigência do Pacto pela Saúde responsabilidade pela média e alta complexidade ambulatorial. Implantação do Sistema de regulação. •2009 - Investimentos em infraestrutura para ampliar acesso a serviços de saúde. Rede de serviços organizada para dar acesso aos indivíduos na atenção básica, especializada, urgência e emergência, assistência farmacêutica e laboratorial. Divide-se em 6 regiões e 27 territórios de saúde. • Modelo voltado para o atendimento integral ao indivíduo, com referência e contrarreferência às especialidades. • Mudança no modelo de atenção de grupos prioritários para saúde da família. Marcos Gerais da Política Local Recursos Humanos em Saúde Bucal Oferta de Serviços de Saúde Bucal 104 • Ações de educação em saúde nas comunidades realizadas pelo serviço social por meio de estagiários da UFES. • Oferta de serviços a população caracterizada pela livre demanda. • Atendimento às crianças na faixa etária de 06 a 14 anos escolas e creches, baseado no modelo incremental. •. Na década de 1980 atendimento odontológico realizado em 16 das 20 unidades de saúde. • 1990 - Estruturação do atendimento ao adulto por meio dos grupos prioritários (hipertensos e diabéticos). • O atendimento à criança nas escolas prioritário, mas com referência para as unidades de saúde. • Em 1992 - oferta de atendimento clínico à criança e ao adulto nas unidades de saúde, com realização de ações educativas e de prevenção. • 1993 - Implantação dos procedimentos coletivos em Saúde bucal. • Número elevado de contratações de profissionais de odontologia, Número de cirurgiõesdentistas: década de 50 - 4 CD. Ao final da década de 80 - 46 CD; 27 atendentes de consultório dentário. • 1991 - Contratação de CD clínicos e odontopediatras e atendentes de consultório dentário por meio de concurso público. • 1992 - Curso de Especialização em Saúde Pública para profissionais. Capacitação dos profissionais de odontologia, principalmente atendentes de consultório dentário. • 1990 - Levantamento Epidemiológico em crianças na faixa etária de 06 a 12 anos em todas as escolas estaduais e municipais. • 1979 - 1o. Levantamento Epidemiológico no município. • 1982 - Fuoretação das águas de abastecimento público no município. Fonte: Elaboração da autora. • Ações de educação em saúde e procedimentos preventivos e curativos realizados nas escolas e unidades de saúde com prioridade para crianças e gestantes. • Adultos atendidos nas unidades de saúde por meio de grupos prioritários (hipertensos, diabéticos, programa da mulher). • Atendimento das urgências odontológicas com a inauguração da Policlínica de São Pedro. • Atendimento à especialidade de endodontia na US Forte São João. • Oferta de serviço de radiologia na US de Jardim Camburi. • Capacitação de Profissionais da odontologia e de educadores, auxiliares de serviços gerais e voluntários das comunidades para atuarem no Programa Sorria Vitória. • 2004 - Inserção das Equipes de Saúde Bucal na ESF. • Aumento no número de ESB no período. • 2005 - Implantação do CEO. • Atendimento às especialidades em outras duas unidades US Forte São João e Policlínica São Pedro. • Implantação do serviço de urgência odontológica 24 horas. • Ampliação da oferta de serviços básicos de saúde bucal por meio de horários noturnos. • Ampliação do número de agendamentos por turno de trabalho, passando de 04 para 06. • 2004 - Capacitações para os profissionais de odontologia atuarem nas ESB. Realização de cursos para todos os profissionais da rede em urgência/emergência odontológica e prescrição odontológica. • 1996- Levantamento Epidemiológico baseado na metodologia do programa de inversão da atenção. • 1998 - Monitoramento do controle de flúor nas águas de abastecimento público. • 2004 - I Fórum Municipal de Saúde Bucal Coletiva. • 2005 - Inauguração do Centro de Especialidades Odontológicas. • 2009 - VI Conferência Municipal de Saúde. 105 Capítulo 4 – A Saúde Bucal no Município de Vitória: Configuração Atual e Inserção do Centro de Especialidades Odontológicas A análise da trajetória da saúde bucal no Município foi importante para se reconhecerem os aspectos que contribuíram para a configuração atual desta área no sistema municipal de saúde, ou a dificultaram. Assim, neste capítulo, é discutida a conformação da saúde bucal dentro do sistema de saúde e o papel que o CEO desempenha no Município para o princípio da integralidade. 4.1. A Organização da Saúde Bucal no Sistema Municipal de Saúde Como falado anteriormente, o município de Vitória encontra-se atualmente sob a vigência do Pacto pela Saúde, tendo assumido a responsabilidade pela gestão da média e alta complexidade ambulatorial. A Política de Saúde no Município está ancorada em um “tripé de governança” representado pela Atenção Integral à Saúde do Cidadão, pela Vigilância em Saúde e pela Gestão do SUS. Esse tripé é entendido como “[...] padrões de articulação e cooperação entre atores sociais e políticos e arranjos institucionais que coordenam e regulam transações dentro e através das fronteiras do sistema”32. Essas três linhas que sustentam o sistema de saúde municipal correspondem sinteticamente aos princípios propostos pelo SUS. Os gestores devem estar articulados nos três níveis de governo e devem responsabilizar-se para proporcionar aos cidadãos o atendimento integral, bem como o controle de doenças e o monitoramento de sua situação de saúde32. Assim, no que concerne ao modelo de atenção, o município de Vitória tem a Vigilância em Saúde e a Estratégia Saúde da Família como eixos estruturantes para a atenção à saúde. Para configurar tal estratégia, Vitória encontra-se dividida em seis regiões e 27 territórios de saúde, conforme demonstrado na figura 4.1. 106 4.1 Figura 4.1 – Mapa da regionalização da saúde em Vitória Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Vitória – Plano Municipal de Saúde 2010/201332. http://www.vitoria.es.gov.br Na cidade há 28 unidades básicas de saúde, entre as quais 21 apresentam a Estratégia de Saúde da Família, quatro unidades sem Estratégia de Saúde da Família e três unidades com Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Cinco das 21unidades funcionam em horário diferenciado, variando entre as 19 e as 22 horas. Os serviços oferecidos nas unidades básicas compreendem consultas médicas e de enfermagem, ações de educação em saúde, visitas domiciliares, atendimento psicológico, odontológico, fonoaudiológico e de serviço social, atividade física orientada, ações de promoção da saúde, vacinação, nebulização, curativos, coleta de exames laboratoriais, serviços de enfermagem, dispensação de medicamentos, marcação de consultas e exames especializados32. Atualmente, das 28 unidades de saúde do Município, somente duas unidades não oferecem atendimento odontológico, por não possuírem infraestrutura adequada. Segundo uma das entrevistadas, a população dessa região é atendida nas unidades próximas, mediante um fluxo de encaminhamentos de referência bem definido. Nas outras unidades, o atendimento odontológico compreende ações de promoção da saúde e prevenção, além de ações curativas, como restaurações, 107 exodontias, profilaxias, terapia periodontal, entre outras. Algumas das unidades de saúde funcionam em horário estendido até às 22 horas, para atender a demanda dos usuários que trabalham. O CEO e as unidades especializadas também atendem em horário expandido, que pode prolongar-se das 19 às 21 horas. Além das unidades básicas de saúde, o Município conta ainda com32 dez serviços de referência: atenção ao idoso (CRAI), DST/AIDS, atenção psicossocial ao adulto (CAPS II), atenção psicossocial infanto-juvenil (CAPSi), atenção psicossocial para usuários do álcool e outras drogas (CAPS-AD/CPTT), centro de controle de zoonoses (CCZ) e quatro centros de especialidades: Centro Municipal de Especialidades (CME), Policlínica São Pedro, Santa Luíza e o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) – funcionando no Centro Municipal de Especialidades, dois pronto atendimentos funcionando 24 horas (São Pedro e Praia do Suá); um serviço de orientação ao exercício (SOE)LXXXVII; um laboratório central municipal; um serviço de vigilância sanitária (VISA); um serviço central de insumos de saúde; uma farmácia popular. O Município dispõe ainda de uma rede conveniada de hospitais cujo objetivo é ampliar e garantir o acesso da população a serviços ambulatoriais e hospitalares mediante repasses financeiros para investimentos em estrutura física, equipamentos e oferta de serviços de saúdeLXXXVIII. Vale ressaltar que existe em Vitória uma rede privada de atenção à saúde, não vinculada ao SUS, e que nesta capital a parcela da população que apresenta planos privados de saúde é maior do que nas outras capitais da Região Sudeste, conforme se pode visualizar na Figura 4.2. Ao analisar os planos privados que oferecem cobertura odontológica, observa-se que a proporção da população beneficiária desses planos em Vitória é similar a de outras capitais. Entretanto, ao ser comparada com os dados do Espírito Santo, da Região Sudeste e do Brasil, esta proporção se apresenta muito maior (Figura 4.3). LXXXVII O SOE é composto por doze módulos de orientação ao exercício, localizados em praças, parques e praias, por um carro volante - o SOE-Móvel -, que realiza visitas quinzenais a regiões onde não existe módulo de orientação ao exercício, e por duas academias populares em parceria com a Secretaria Municipal de Esportes. LXXXVIII Os hospitais conveniados são: Maternidade Pró-Matre, Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Hospital Santa Rita de Cássia e Hospital Cassiano Antônio de Moraes (Hucam). 108 4.2 Figura 4.2 – Percentual da população beneficiária de planos de saúde e de planos odontológicos nas capitais da Região Sudeste no ano de 2009 55,7% São Paulo 15,4% Cobertura Médica Cobertura Odontológica 52,2% Rio de Janeiro 15,9% 53,8% Belo Horizonte 14,9% 74,7% Vitória 14,1% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da Agência Nacional de Saúde e IBGE. http://www.ans.gov.br/main.jsp?lumChannelId=8A9588D425FEC1700126057D981F0EF1. Acesso em 27/12/10. 4.3 Figura 4.3 – Percentual da população beneficiária de planos de saúde e de planos odontológicos em Vitória, Espírito Santo, Região Sudeste e Brasil no ano de 2009. Cobertura Médica Brasil 21,9% Cobertura Odontológica 6,3% 34,1% Região Sudeste 9,5% 28,5% Espirito Santo 5,1% 74,7% Vitória 14,1% 0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0% 80,0% Fonte: Elaboração da autora a partir de dados da Agência Nacional de Saúde e IBGE. http://www.ans.gov.br/main.jsp?lumChannelId=8A9588D425FEC1700126057D981F0EF1. Acesso em 27/12/10. Essa questão é importante na discussão sobre a saúde bucal no Município, já que o peso do setor privado é importante e existem por vezes relações imbricadas entre os serviços públicos e privados. 109 A saúde bucal no município de Vitória está organizada para proporcionar ao usuário o atendimento integral à saúde. O modelo de atenção está voltado para a estruturação da saúde bucal por meio da Estratégia de Saúde da Família e da Vigilância em Saúde. Assim, as equipes de saúde bucal devem basear suas ações nos princípios e diretrizes do SUS. Tais ações estão estruturadas sob as diretrizes de adscrição da clientela sob a responsabilidade da unidade básica de saúde; a integralidade da atenção; a articulação da referência e contrarreferência aos serviços de maior complexidade do sistema de saúde; a intersetorialidade; a abordagem multiprofissional, entre outras111. Atualmente, a rede de saúde do Município já dispõe de 47 equipes de saúde bucal modalidade I, para 77 equipes de saúde da família. Embora as equipes de saúde bucal estejam cadastradas como de modalidade I, em cada uma das unidades há um técnico de higiene dental. A relação das equipes de saúde bucal para as de saúde da família varia nas unidades, em geral de um para um, ou de um para dois. Entretanto, em duas unidades, há uma relação de uma equipe de saúde bucal para três equipes de saúde da família e de uma para quatro. Tal fato demonstra uma inadequação das equipes e uma sobrecarga para as equipes de saúde bucal, o que pode dificultar o acesso ao tratamento e provavelmente gerar uma demanda reprimida grande. As 77 Equipes de Saúde da Família e as 47 de saúde bucal de que o Município dispõe proporcionam uma abrangência populacional estimada de 84% e 51% respectivamente LXXXIX. Os anos de 2006 e 2007 apresentaram a mesma abrangência populacional estimada, pois não foi implantada nenhuma equipe nesse período, podendo-se considerar, entre as razões, a mudança de governo XC . Em 2008 esse quantitativo voltou a aumentar, pois foram implantadas 29 equipes de saúde bucal. Esse crescimento manteve-se nos anos seguintes (Figura 4.4). LXXXIX Utilizou-se o mesmo parâmetro já especificado anteriormente para cálculo de abrangência populacional estimada: multiplicou-se o número de equipes por 3.450 pessoas, parâmetro adotado a partir de 2003. Portanto, tais dados podem diferir dos apresentados na sala de situação do Ministério da Saúde, que manteve o parâmetro adotado anterior de 6.900 pessoas até setembro de 2010. XC Apesar de a abrangência populacional ter-se mantido o mesmo no ano de 2007, a Sala de Situação em Saúde do Ministério da Saúde traz um número bem menor, devido a erro na digitação das informações. 110 4.4 Figura 4.4- Abrangência populacional das Equipes de Saúde da Família e das Equipes de Saúde Bucal. 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 ESB 0,0 0,0 19,2 18,7 17,4 17,4 31,5 47,8 51,0 ESF 49,0 56,5 71,8 72,2 65,0 60,9 77,3 81,4 83,6 Fonte: Cálculo realizado pela própria autora a partir do número de equipes de saúde bucal adquiridos no Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica e de dados populacionais do IBGE. Embora Vitória tenha implantado as equipes de saúde bucal somente em 2004, atualmente o Município apresenta uma abrangência populacional estimada das equipes de saúde bucal bem superior em relação à do Espírito Santo, à da Região Sudeste e à do Brasil no ano de 2010, conforme demonstra a figura 4.5. 4.5 Figura 4.5- Abrangência populacional estimada das Equipes de Saúde Bucal em Vitória, Espírito Santo, Região Sudeste e Brasil no ano de 2010. 60,0 50,0 40,0 30,0 51,0 40,5 20,0 37,1 21,2 10,0 0,0 Vitoria ES Sudeste Brasil Fonte: Elaboração da autora a partir de dados do Sítio do Ministério da Saúde/Departamento de Atenção Básica. Sala de Situação em Saúde. http://189.28.128.178/sage/ 111 Entre as atribuições das equipes de saúde bucal estão o planejamento, o acompanhamento e a avaliação das ações desenvolvidas no território de abrangência das unidades básicas de saúde da família; o estímulo e a execução das medidas de promoção da saúde, prevenção e atividades educativas; a sensibilização das famílias quanto à importância da saúde bucal para a manutenção da saúde, entre outras111. Para compor o quadro de pessoal, a rede municipal de saúde compõe-se de: 133 cirurgiões-dentistas, 119 atendentes de consultório dentário e 37 técnicos de higiene dental. Desse quantitativo, as equipes de saúde bucal compreendem ao todo 47 cirurgiões-dentistas em regime de 40 horas. Além disso, o Município dispõe de sete unidades básicas de saúde com 29 dentistas trabalhando com carga horária de 20 horas semanais. Os outros profissionais estão distribuídos nos outros serviços da Secretaria Municipal de Saúde112. A organização do acesso à saúde bucal compreende o atendimento às urgências e as intercorrências, o atendimento à livre demanda, à atenção programada vinculada ao território de abrangência e ainda uma atenção extraclínicaXCI, 111. O atendimento às urgências é realizado em qualquer unidade de saúde ou de pronto atendimento, sem necessitar de agendamento prévio. De preferência tal atendimento deve ser realizado na unidade básica de saúde do território de moradia do paciente. Após o atendimento emergencial, o usuário deve ser informado sobre as formas de acesso à continuidade do tratamento e contrarreferenciado à unidade básica do seu território. O atendimento à livre demanda destina-se a responder à queixa principal do usuário ou a uma necessidade percebida pela ESB. O acesso do usuário não pertencente a grupos priorizados é possibilitado para a resolução de sua queixa principal, desde que seja cadastrado na unidade de saúde. Após o atendimento, o usuário deve ser informado sobre suas necessidades e sobre as formas de acesso ao tratamento111. O atendimento programado é disponibilizado ao usuário desde que este esteja cadastrado no seu território. Assim, sua consulta será priorizada por meio do agendamento prévio. Tal atendimento deve estar baseado no princípio da integralidade, por meio das ações de promoção, prevenção, recuperação e reabilitação do indivíduo. Nesse sentido, os profissionais responsabilizam-se pela população adscrita. Ao término do tratamento clínico, o usuário deve ser mantido em acompanhamento periódico com reforço do autocuidado. XCI A atenção extraclínica é assim denominada no protocolo de saúde bucal do Município por compreender a assistência realizada fora dos espaços dos serviços de saúde, como domicílios e escolas. 112 A atenção dita extraclínica é realizada em domicílios ou em ambientes institucionais, como escolas, asilos, por exemplo, às pessoas após identificação de necessidades pelos agentes comunitários. O atendimento domiciliar deve priorizar as pessoas acamadas e sem condição de locomoção até à unidade de saúde. Conclui-se por essa descrição da organização da rede de saúde bucal, que o Município procura organizar sua atenção baseando-se no atendimento integral, com oferta de serviços nos vários níveis de atenção e apresentando várias portas de entrada para atendimento. Entretanto foram identificados alguns problemas, entre eles o baixo acesso à atenção básica, o excesso de outros munícipes nos prontos atendimentos, limitações no processo de trabalho das equipes de saúde bucal e a baixa produção. Uma das maiores preocupações continua sendo com relação à ampliação do acesso, pois o Município apresenta uma cobertura pelo indicador de primeira consulta de apenas 8%. Embora esse percentual esteja aumentando ao longo dos anos, ainda é muito pequeno. Essa questão será abordada ao final deste tópico, quando serão apresentados os dados de produção. No intuito de aumentar o acesso à atenção básica, o Município tem investido na ampliação de sua rede física e na reorganização do processo de trabalho, priorizando famílias com maior risco social. Nesse sentido, foi realizado um projeto piloto na Unidade de Saúde Jesus de Nazaré para reorganização dos acessos. Essa Unidade foi escolhida por apresentar um território bem fechado, sem invasão de clientela de outros bairros, ter uma relação de uma equipe de saúde bucal para uma Equipe de Saúde da Família, com uma proporção de um dentista para menos de 3.000 habitantes, além de os profissionais estarem inseridos nessa unidade há algum tempo, o que pressupõe já apresentarem um vínculo estabelecido. Os domicílios foram escolhidos de acordo com a classificação de maior risco social e epidemiológico pelas equipes de saúde da família. A atendente de consultório dentário realizou os exames baseando-se na classificação de risco para odontologia usada na Prefeitura. Os resultados indicaram necessidades nunca percebidas pelas equipes de saúde bucal, pois essas pessoas normalmente não buscavam a unidade, só em caso de dor, e não foram captadas pelas equipes. Daí, a preocupação do Município em reorganizar o processo de trabalho e começar a trabalhar com as famílias de maior risco social, até mesmo porque são as pessoas que possivelmente apresentem maior necessidade. A situação relatada demonstra o insuficiente acesso e vínculo dos profissionais com o território e uma falha na captação desses pacientes para tratamento, 113 quando se submeteram à consulta de urgência. Por esse motivo o atendimento integral preconizado não está sendo proporcionado. A preocupação com o acesso estende- se à atenção especializada, que apresenta um único CEO. Assim, o Município está construindo um novo Centro, anexo à Policlínica São Pedro. Além disso, está em fase de construção de uma nova sede do CEO, com proposta de aumento no número de profissionais e na oferta de serviços. O excesso das consultas de urgência no pronto atendimento, segundo uma das entrevistadas, estaria relacionado em parte ao grande fluxo de pacientes provenientes de presídios. Segundo relato de uma coordenadora, o pronto atendimento da Praia do Suá apresenta um quantitativo de pessoas de presídios de outros municípios na ordem de 60 a 70%. Cabe ressaltar que o paciente de presídio é de responsabilidade da esfera estadual, que, entretanto, não tem proporcionado a esse paciente a devida atenção, segundo a fala a seguir: Outra questão que é uma discussão que nunca tem fim: o paciente de presídio. É responsabilidade do estado. O estado não tem onde atender e cai tudo no meu PA. Todo dia que você chegar no meu PA tem cinco, seis detentos, tudo algemado no corredor para ser atendido. Então, quando eles vêm, eles enchem o carro e trazem todo mundo. E esse preso acaba sendo de ninguém. Aí bate no meu PA e eu tenho que atender. O meu PA da Praia do Suá, o número de atendimento de munícipes é de 30%, 60%, 70% de outros municípios. Depende do mês. Vitória está em 38%, nessa faixa. É muita gente de presídio. E o Estado tem falhado muito nisso (Coordenador 1). Esta fala evidencia a insuficiente atenção do governo estadual em relação à saúde bucal. Outro problema detectado tem relação com o processo de trabalho das equipes de saúde bucal, particularmente as dificuldades de inserção do odontólogo, abordada no capítulo anterior. A baixa produção dos profissionais tem sido um grande problema na rede, porque compromete ainda mais a oferta de serviços e o acesso da população, além de não proporcionar resolutividade. Observou-se que a produção de procedimentos odontológicos em Vitória, analisada a partir dos dados obtidos do DATASUS, de fato, encontra-se muito baixa. Apurou-se que entre os procedimentos totais realizados os principais foram os procedimentos coletivos. Dos procedimentos individuais, os que apresentaram maior produção foram a raspagem, o alisamento e o polimento supragengivais. Observa-se uma queda no número de procedimentos totais em 2010 quando comparado com os dados de 2008 e 2009, que apresentaram respectivamente 617.980 e 601.509 114 procedimentos. A figura 4.6 mostra o número de procedimentos realizados pelos dentistas na rede municipal de saúde. 4.6 Figura- 4.6 Número de Procedimentos dos Cirurgiões-dentistas de Vitória no ano de 2010 por tipo. 583.100 214.607 70.587 Total Ação Coletiva de Escovação Supervisionada Raspagem Alisamento e Polimento Supragengival 44.554 26.302 23.659 Ação Coletiva de Restauração em Primeira Consulta Aplicação Tópica de Dente Permanente Programática Flúor Posterior Fonte: SIA/SUS. Tais procedimentos, em sua maioria, poderiam ter sido realizados pelo THD, já que são colocados no rol dos de sua competência. O relato de uma entrevistada demonstra bem tal situação: O número de procedimentos de um profissional dentro da estratégia saúde da família é menor ou igual a um profissional de 20 horas, ou seja, um profissional de 40 horas tem uma produção igual ou menor [...] Então é uma preocupação muito grande porque hoje a nossa necessidade é a atenção clínica. (Coordenador 1) Com isso, o município tem realizado oficinas no intuito de trabalhar o boletim de produção ambulatorial individualizado (BPAI), para que as ações coletivas, as raspagens e os selantes sejam realizadas pelos THDs, e sua produção seja inserida em um BPAI separado. Entretanto a entrevistada relatou a dificuldade de qualificar melhor essa mão de obra, um problema já discutido neste trabalho que se vem arrastando há muitos anos no Município. Assim, os cirurgiões-dentistas poderiam ficar mais livres para executar procedimentos mais complexos e, portanto aumentar a produtividade e consequentemente proporcionar maior acesso. Diante de tal fato fica evidente a importância da utilização do pessoal de nível médio e a dificuldade com que esse assunto é abordado pelas entidades e profissionais. Ainda permanece certa resistência para a incorporação desse profissional. Ao se analisar o indicador de cobertura de primeira consulta odontológica programática, verifica-se que este se manteve em um crescimento constante até 2007. 115 Em 2008, apresentou uma ligeira queda e voltou a aumentar em 2009 e em 2010, embora esta elevação tenha se revelado pequena (Figura 4.7). 4.7 Figura- 4.7 Evolução da Cobertura de Primeira Consulta Odontológica Programática em Vitória 2004 a 2010 9,00 7,00 6,00 8,00 7,61 8,00 5,80 6,85 6,98 2008 2009 6,22 5,00 5,00 4,00 3,00 2,00 1,00 0,00 2004 2005 2006 2007 2010 Fonte: SIA/SUS. FIBGE. Indicador calculado a partir da produção ambulatorial e dados populacionais. O indicador de proporção de procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais no Município demonstra índice elevado em relação ao Espírito Santo e Brasil, com um aumento acentuado a partir de 2005, favorecido pela implantação do CEO (Figura 4.8). 4.8 Figura- 4.8 Evolução da Proporção de Procedimentos odontológicos especializados em relação às ações odontológicas individuais em Vitória - 2002 a 2007 40 35,84 35 31,88 30 25,66 25 26,77 23,77 20,64 20 15 10 5 0 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Fonte: SIA/SUS. FIBGE. Indicador calculado a partir da produção ambulatorial e dados populacionais 116 Nas entrevistas com os coordenadores de saúde bucal, três reclamaram da questão dos indicadores de saúde bucal que não favorecem um monitoramento adequado para essa área. A análise dessas informações permite questionar até que ponto a organização da atenção no Município tem contribuído efetivamente para melhorar os indicadores relativos à saúde bucal. Observa-se que Vitória tem procurado investir em estrutura física e capacitação profissional, mas ainda existem problemas no âmbito do acesso, da produção, dos processos de trabalho e dos mecanismos de coordenação entre serviços. 4.2 O Centro de Especialidades Odontológicas no Sistema de Atenção à Saúde Bucal Um dos grandes problemas da saúde bucal no Brasil sempre foi a precariedade de acesso aos serviços odontológicos, principalmente aos de atenção especializada. Esse panorama começou a se alterar a partir de 2004, com o início da implantação da Política Nacional de Saúde Bucal, com vistas à reorientação do modelo de atenção na área. Tal reorientação apresentou como pressupostos a ampliação e a qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso de todas as faixas etárias, e a oferta de serviços nos níveis secundários e terciários de modo a garantir o atendimento integral ao indivíduo. Os CEOs configurados como importantes instrumentos para a consolidação da política de saúde bucal, foram instituídos com vistas a ampliar a oferta de serviços especializados nessa área e servir de referência para a atenção básica5. O acesso às especialidades odontológicas já era uma preocupação do município de Vitória antes mesmo do lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal e da implantação do CEO. Em 2004, o Município já possuía na sua rede de atenção, o atendimento especializado na área de endodontia em três unidades de saúde – US Forte São João, Policlínica São Pedro e US Vitória, embora de forma bastante incipiente, como discutido no capítulo anterior. A US Vitória, localizada no centro da cidade, funcionava no mesmo local do Centro Municipal de EspecialidadesXCII. Tal Unidade prestava atendimento de atenção básica e de especialidade na área de endodontia, funcionando em dois turnos. O espaço XCII O Centro Municipal de Especialidades oferece atendimento nas várias especialidades médicas. 117 onde funcionava a odontologia da US Vitória foi adaptado para se conformar como o CEO de Vitória, inaugurado em 2005 como um CEO do tipo IIXCIII. Características do Centro de Especialidades Odontológicas: Estrutura e Funcionamento Quanto à estrutura, o CEO de Vitória dispõe de quatro cadeiras odontológicas, distribuídas em duas salas. Uma sala comporta um único consultório odontológico com aparelho de radiologia para o atendimento na área de endodontia. Esta sala é separada para evitar a exposição radiológica a que os pacientes atendidos nas outras especialidades ficariam sujeitos, já que os profissionais precisam realizar radiografias durante os procedimentos de endodontia. Na outra sala estão dispostos os outros três consultórios odontológicos, organizados em forma de rosetaXCIV. Essa disposição gera muitas críticas por parte dos profissionais que consideram o sistema inapropriado para o tipo de atendimento que é oferecido no CEO, em um espaço físico pequeno. Entre os problemas citados estão a falta de individualidade dos profissionais para com seus pacientes e a questão da biossegurança, prejudicada pelo grande número de pessoas dentro de uma mesma sala, cada um na sua especialidade, com sua atendente de consultório dentário fazendo procedimentos distintos, entre outros. Segundo uma das entrevistadas, [...] é esse sistema de rosetas, que eu acho que é um sistema que te priva um pouco de liberdade com o paciente. Muitas vezes, o paciente, por vergonha, ele vai deixar de te dizer alguma complicação que ele tenha de saúde porque o outro do lado vai ouvir. A questão da biossegurança, eu acho que fica comprometida [...] Então, esse sistema de roseta eu acho que é uma coisa que não cabe mais. (Cirurgião-dentista 1) O sistema de roseta já estava implantado na unidade de saúde quando esta foi adaptada para comportar o CEO. Segundo uma das entrevistadas, quando as portarias do Ministério da Saúde foram emitidas, houve urgência política para a implantação, e a gerência teve que improvisar situações inadequadas. Por isso, até hoje configura-se com muitas críticas a disposição de três consultórios em forma de roseta na mesma sala. Por esse motivo, a Secretaria Municipal de Saúde está reformulando os projetos arquitetônicos dos consultórios odontológicos para adequá-los à nova proposta de XCIII O Centro de Especialidades Odontológicas foi habilitado pela Portaria SAS n. 132, de 08 de março de 2005113. XCIV Como citado no capítulo anterior, essa disposição ergonômica em forma de roseta foi adotada na década de 1990 na Prefeitura Municipal de Vitória. Essa distribuição, na época em que foi implementada, tinha o sentido de inserir o THD sob coordenação do dentista, pressupondo o trabalho em equipe e a racionalização do atendimento odontológico. 118 trabalho e às normas da Vigilância Sanitária. Assim, os novos CEOs (São Pedro e a nova sede do atual) que estão sendo construídos não serão configurados com o sistema de rosetas. Apesar dessa crítica com relação à organização do espaço físico, a estrutura do CEO em termos de equipamentos é muito boa; inclusive alguns dos entrevistados se disseram impressionados pela estrutura compatível com a de um consultório particular, conforme o depoimento abaixo: Eu já fiquei impressionada com a estrutura que tem aqui, quando eu cheguei. Isso foi uma coisa que me impressionou muito. Eu faço praticamente tudo que faço no consultório particular. [...] tenho ultrassom de última geração, do melhor que tem. (Cirurgião-dentista 6). Com relação aos instrumentais e materiais de consumo odontológicos, houve reclamação de três odontológos quanto às especificações corretas e à restituição dos materiais. A questão do sistema de compras é um problema comum do serviço público, que usa muitas vezes um processo de licitação de compras complicado, demorado e nem sempre satisfatório àquilo que foi solicitado. Assim, um instrumental ou material inadequado gera maior tempo operatório, maior esforço do profissional, menor qualidade e consequentemente menor produção. Uma das entrevistadas complementa: O meu instrumental era muito ruim para trabalhar. [...] Fiz vários pedidos, vi tudo pela internet para pesquisar códigos das coisas, para deixar tudo certinho, especificar os tipos de broca. E a gente não teve acesso a isso. [...] mas eu precisava de materiais que realmente fossem bons. [...] a gente especifica tudo. [...] e se eles não vão comprar exatamente nada de especificação, então não pede, porque eu não gasto meu tempo fazendo isso. [...] O serviço público é muito complicado com esse negócio de compra de material. É muito complicado. E como quem compra é a tristeza de um administrador, que não conhece a nossa área... Eu acho que você compra barato e acaba saindo caro. (Cirurgião-dentista 8) Com relação ao funcionamento, o CEO disponibiliza para a população as especialidades de endodontia, periodontia, cirurgia bucomaxilo facial, diagnóstico oral, prótese e atendimento a pacientes com necessidades especiais. Essas especialidades são ofertadas em três turnos de trabalho, no horário das 7 às 21 horas. Há doze cirurgiões-dentistas lotados no CEO, todos admitidos por meio de concurso público e pós-graduados nas suas respectivas áreas de atuação. Atualmente há um profissional contratado, pois uma das cirurgiãs-dentistas concursadas pediu exoneração para assumir um cargo na Universidade Federal do Espírito SantoXCV. Além dos cirurgiões–dentistas há doze atendentes de consultório dentário distribuídos nos três turnos de atendimento. XCV Esta profissional foi incluída na pesquisa, pois se manteve no CEO por três anos e poderia contribuir com informações relevantes, enquanto o novo profissional estava somente havia três meses no cargo. 119 O CEO também comporta o Laboratório Regional de Prótese Dentária, que atua com dois técnicos e dois auxiliares de prótese dentária, e um serviço de radiologia, que funciona com duas técnicas de higiene dental. Observou-se no CEO a logomarca do Brasil Sorridente distribuída nas placas de identificação da fachada, de identificação de consultórios, de inauguração, nos jalecos e móbiles. Tal marca tornou-se imprescindível nos CEOs espalhados por todo o território nacional. Para o melhor entendimento do funcionamento do CEO, será abordada cada especialidade separadamente, considerando-se suas respectivas especificidades, tais como número de profissionais, taxas de absenteísmo, demandas reprimidas, processo de trabalho e produção. A especialidade de endodontia, assim como a de periodontia, é oferecida por três profissionais cada, distribuídos nos três turnos de atendimento. A endodontia é uma das especialidades que apresentam a maior demanda de usuários. De acordo com o sistema de regulação, no ano de 2010, a fila de espera para tal especialidade comportava 1.037 pessoas, envolvendo um tempo de espera para atendimento em torno de seis meses a dois anos. No entanto, houve, no período de julho a dezembro de 2010, um percentual de faltas às consultas em torno de 33,3% para as consultas de primeira vez e de 33,9% para as consultas de retorno. Tal absenteísmo foi abordado pelos profissionais como um problema, primeiro por provocar ociosidade, segundo por impactar ainda mais na fila de espera existente, gerando uma quantidade grande de pacientes com problemas sem resolução. Os entrevistados relataram que o maior número de ausências acontecia nas consultas de primeira vez, entretanto, de acordo com os dados obtidos do sistema de regulação, o índice de faltas foi ligeiramente maior nas consultas de retorno, contradizendo o relato (Quadro 4.1). Já a periodontia, segundo dados do SisReg, não apresenta fila de espera, e a marcação de atendimento está em torno de quinze a vinte dias. Considerando que as doenças periodontais são muito prevalentes na população, a baixa procura tem gerado preocupação nos dirigentes, pois esses pacientes podem não estar sendo captados ou não estar conseguindo acesso nas unidades, como relatou uma entrevistada: Eu fui informada que a periodontia hoje não tem fila de espera. Na verdade, é o que mais me preocupa, porque quando eu sei que tem uma fila de espera para a endodontia, eu sei que realmente tem uma doença que está ali e que esse usuário está sendo captado. Na periodontia, por ser uma doença bucal que a gente tem uma expectativa de que ela realmente está presente na população adulta, para mim essa preocupação é maior porque significa que esse adulto não está tendo acesso nas unidades básicas. [...] Então para mim é um agravante. [...] Mas quando falam para mim que não tem fila de espera para a periodontia, para mim, o olhar é outro. Ou o paciente está entrando e o 120 diagnóstico não está sendo bem realizado, até porque o paciente, para tratamento de canal, também é adulto, está lá, na fila, esperando. (Diretora 1). Uma das hipóteses possíveis para explicar essa baixa demanda na periodontia pode ser atribuída ao curso de capacitação realizado pelos profissionais de tal especialidade para os cirurgiões-dentistas da atenção básica. Tal curso ocorreu com o apoio da área técnica odontológica e proporcionou uma melhora em torno de 80% nos encaminhamentos ao CEO, além de ter propiciado maior aproximação dos profissionais dos dois níveis. Isso será mais bem discutido no item relativo à integração do CEO na rede de serviços. Embora o curso de capacitação tenha possibilitado uma melhora nos encaminhamentos ao CEO, o índice de faltas permaneceu alto, em torno de 27,8% para as consultas de primeira vez, enquanto as consultas de retorno apresentaram um índice de faltas menor, 20,1%. Tanto a endodontia como a periodontia apresentaram dados de produção que cumpriam o parâmetro preconizado pelo Ministério da Saúde até o ano de 2009. Entretanto, no ano de 2010, quando esses parâmetros mudaram, as especialidades apresentaram sua produção abaixo dos parâmetros recomendados. Tal fato ocorreu devido à retirada de alguns procedimentos que impactaram sobremaneira na produção, como foi o caso da endodontia, pela retirada de procedimentos relacionados às interconsultas. Essa medida adotada pelo Ministério da Saúde demonstra uma preocupação com maior controle e monitoramento dos tratamentos que efetivamente foram concluídos. Tais dados são apresentados na Figura 4.2 no final deste itemXCVI. As especialidades de cirurgia bucomaxilo facial e de diagnóstico oral de lesões com suspeita de câncer são exercidas pelos mesmos profissionais do CEO. Tais especialidades apresentam um número menor de cirurgiões-dentistas (somente dois) em relação às outras especialidades. Para a especialidade de diagnóstico oral não existem filas de espera, e o agendamento é realizado imediatamente, até porque não existe uma grande demanda. Quando é detectada alguma lesão cancerígena, o paciente é encaminhado para o Hospital Santa Rita, mas não há um fluxo definido de referência e contrarreferência. Esse assunto será mais bem discutido, no item referente à integração do CEO na rede de serviços. XCVI A Portaria GM n. 600/06 instituiu inicialmente os padrões de monitoramento da produção das várias especialidades72. Já a Portaria GM/MS nº 2.898, de 21 de setembro de 2010 atualiza o anexo da portaria que dispõe sobre tal produção114. Essas portarias trazem o número necessário de procedimentos e a discriminação de cada um deles nas várias especialidades especificadas. 121 Já a especialidade de cirurgia bucomaxilo facial apresenta, assim como a endodontia, uma fila grande para atendimento, em torno de 853 pessoas, com um tempo de espera variando entre seis meses a mais de um ano. O absenteísmo foi um dos maiores problemas relatados pelos profissionais dessa especialidade, tendo apresentado um percentual de 26,2% para as consultas de primeira vez e de 14,8% para as de retorno, no período de julho a dezembro de 2010, segundo dados do SisReg. De acordo com os profissionais, as faltas podem estar relacionadas primeiro com o longo tempo de espera do paciente para a consulta e segundo com a própria ansiedade do paciente, desencadeada pela necessidade de procedimento cirúrgico. Um dos entrevistados descreveu essa situação: Então, os pacientes que vêm de primeira vez chegam muito ansiosos. A gente tenta, na consulta inicial, conversar e tal. Depois que você conversa, você consegue levar, mas realmente tem uma parcela disso que está relacionada à ansiedade.[...] Então se ele [paciente] não tiver a necessidade extrema, ele deixa para lá. É associado também ao tempo. Então, vamos supor que a pessoa teve uma dor, um ano atrás, e foi encaminhada. Essa dor, com um ano, já deu jeito. Ou ele foi em alguém para resolver, ou já pagou particular. Ou era uma coisa que resolveu sozinha. E aí ele esquece da consulta. E, quando ele lembra, se ele não tiver sentindo muita coisa, ele deixa para lá. (Cirurgião-dentista 7) Os motivos narrados acima, associados ao número reduzido de profissionais, podem justificar a baixa produção nessa especialidade, que não consegue cumprir a meta proposta pelo Ministério da Saúde. Em 2009, a produção apresentada foi de 640 procedimentos no ano, enquanto o preconizado pelo Ministério para o CEO tipo II é de 90 procedimentos/mês. Portanto, observa-se um percentual muito pequeno em comparação com o estabelecido pelo Ministério. No CEO, há somente um profissional para atendimento aos pacientes com necessidades especiais, cuja demanda não é grande. Segundo uma das entrevistadas, isso pode ser atribuído a uma falha na busca ativa desses pacientes na atenção básica, pois esses usuários em geral só procurariam a unidade para tratamento no último estágio, quando já apresentam dor. É uma especialidade que apresenta algumas peculiaridades em virtude de o paciente com necessidades especiais ser de difícil cooperação ao tratamento. Assim, em grande parte dos casos os pacientes são encaminhados ao CEO sem ter sido executado sequer o exame clínico na atenção básica. Por essa dificuldade de atendimento, o paciente é mantido no próprio CEO e, após finalizado o tratamento, é submetido a acompanhamentos mensais, no intuito de controlar os seus problemas de saúde bucal. O índice de faltas nos agendamentos é alto, de acordo com os dados fornecidos pelo SisReg. Para as consultas de primeira vez, o índice foi de 41,7%, e, para as de 122 retorno de 28,5%, no período de julho a dezembro de 2010. Atribui-se esse alto absenteísmo à própria incapacidade de locomoção do paciente e dependência a outras pessoas para seu transporte. A estrutura do CEO não é adequada ao atendimento do paciente com necessidades especiais. Primeiro, porque o espaço físico é pequeno, impossibilitando a entrada de maca ou de cadeira de rodas; segundo, porque o sistema de rosetas adotado, discutido anteriormente, não oferece privacidade aos atendimentos. O paciente especial muitas vezes precisa ser contido fisicamente e pode gritar, gerando um desconforto para todos da sala. Outra limitação ao atendimento é a ausência de equipamentos de suporte, tais como cadeira de rodas, maca, sala de repouso, carrinho de urgência e ambulância. O paciente com necessidades especiais é um paciente difícil e pode apresentar complicações durante o tratamento, necessitando desse suporte. Há carência de recursos humanos também, como médicos, cirurgião bucomaxilo facial e até mesmo outros odontólogos para ajudar no atendimento. Uma das entrevistadas comenta: Eu acho que tinha que ter um buco no horário do PNE, que é muito importante, porque há muitas complicações nas extrações por causa do dente não estar em atividade funcional. [...] E eu acho que PNE tem que ser dois dentistas. Não pode ser um sozinho porque há muitas complicações. Assim poderia aumentar para um maior número de pacientes, que é só quatro. Poderia aumentar o fluxo de pacientes e ter maior resolutividade. Com dois dentistas juntos você pode atender dez PNEs em um horário de quatro horas. (Cirurgião-dentista 9) Mesmo com todas as dificuldades apresentadas, a entrevistada relatou que o seu grau de resolutividade é grande, visto que consegue resolver a maioria dos casos, principalmente os de crianças, pois são mais fáceis de conter fisicamente. Os casos mais complexos são atendidos junto com a cardiologista infantil, que trabalha no CEO no mesmo horário da profissional de PNE. Essa ação conjunta evitou a internação de vários pacientes. Entretanto as profissionais não puderam dar continuidade a esse atendimento conjunto pelo inadequado suporte técnico e de estrutura física, já relatado anteriormente. Segundo uma das entrevistadas, durante quase cinco anos não havia referência definida para o atendimento hospitalar aos pacientes com necessidades especiais. No início de 2010, foi organizado o atendimento para as crianças de até 16 anos em um hospital da rede pública estadual. O paciente adulto ainda permanecia sem referência no momento da pesquisa. Esse atendimento ao paciente especial adulto estava sendo organizado pela Secretaria Estadual, mas o Município ainda não estava com esses fluxos predeterminados. Houve diferentes opiniões entre os entrevistados sobre as 123 referências para atendimento hospitalar de pacientes com necessidades especiais. Seguem algumas falas de entrevistados: E agora, recentemente, tem uns 6 ou 8 meses, foi feita uma organização para as crianças em um hospital da rede pública estadual. Então, essa faixa etária, até 16 anos, está sendo atendida. O adulto ainda está sem referência. (Diretora 1) Agora, os pacientes mais complexos que o CEO não resolveria, hoje têm um atendimento especializado, com anestesia geral, de zero a dezessete anos.[...]O que não resolve aqui [CEO],vai para o hospital infantil de Vila Velha. Isso existe. O paciente adulto não tem. Isso é uma grande falha. (Cirurgião-dentista 9) A princípio era só de zero a 14, mas agora a gente já conseguiu para adulto. Agora não tem mais. Já acabou essa faixa prioritária. (Coordenador 6) Pode-se observar por essas falas de diferentes pessoas, que ocupam cargos distintos, uma ausência de coordenação desse fluxo de referência, sem se saber a idade determinada e sem ter uma referência definida com fluxo estabelecido. A produção da especialidade de pacientes com necessidades especiais apresentase dentro dos parâmetros preconizados pelo Ministério da Saúde. Os profissionais que trabalham na área de prótese dentária do CEO são em número de três, distribuídos nos três turnos de atendimento. Alguns entrevistados relataram que a prótese, assim como a endodontia e a cirurgia bucomaxilo facial, apresenta uma fila de espera longa para as consultas, com um tempo de espera variando entre oito meses e um ano. Entretanto os dados obtidos pelo SisReg contradisseram tal informação. A fila de espera no ano de 2010 apresentava 75 pessoas, número bem abaixo do apresentado para as outras especialidades referidas. Outro dado que se mostrou contrário ao falado pelos entrevistados foi com relação ao índice de absenteísmo. A ausência às consultas apresentou um índice de 22,2%, o menor percentual obtido em comparação ao das outras especialidades, mesmo com uma alta proporção de atendimentos realizados em pacientes idosos, que apresentam uma tendência grande de ausência às consultas. O atendimento nessa área está vinculado à produção do Laboratório de Prótese Dentária que funciona dentro do Centro de Especialidades Odontológicas. Uma das maiores dificuldades relatadas pelos profissionais desta especialidade é com relação à capacidade de produção do Laboratório, que não acompanha o desenvolvimento técnico dos profissionais, causando, com isso, uma demora na elaboração da prótese. Assim, a produção é baixa e não consegue atingir a meta preconizada pelo Ministério da Saúde. 124 Essa questão será retomada no item referente ao Laboratório de Prótese Dentária. O Quadro 4.1 abaixo compila os dados relativos ao absenteísmo e às filas de espera para as diversas especialidades. Tais assuntos estão inter-relacionados, pois as longas filas de espera contribuem para aumentar as ausências às consultas. 4-1 Quadro 4.1 – Índice de absenteísmo e filas de espera no CEO e unidades especializadas, por especialidades. Município de Vitória, Julho a Dezembro de 2010 % de Faltas às Consultas Agendadas Especialidade Média de Julho a Dezembro de 2010 CEO São Pedro Forte São João Prótese Dentária 22,2% - - Periodontia 27,8% 34,7% - Periodontia - Retorno 20,1% 8,8% - Endodontia 33,3% 35,6% 33,6% Endodontia - Retorno 33,9% 10,9% 14,1% Portadores de Necessidades Especiais 41,7% - - Portadores de Necessidades Especiais - Retorno 28,5% - - Cirurgia Buco Maxilo / Diagnostico Oral 26,2% 39,5% - Cirurgia Buco Maxilo / Diagnostico Oral - Retorno 14,8% 33,1% - Fila de Espera 2010 75 1.037 853 Fonte: Elaboração da autora a partir de dados obtidos do Sistema de Regulação do município. O Quadro 4.2 compila os dados de produção por especialidades do Centro de Especialidades odontológicas. Observa-se um número baixo de procedimentos executados pela cirurgia bucomaxilo facial. 4-2 Quadro 4.2 - Produção do Centro de Especialidades Odontológicas por Especialidade. Produção do Centro de Especialidades Odontológicas Especialidade Total de Procedimentos 2008 2009 Prótese Dentária 1.583 3.139 Periodontia 2.130 3.275 Endodontia 1.232 1.597 Pacientes com Necessidades Especiais 613 1.534 Cirurgia Buco Maxilo / Diagnostico Oral 770 640 Fonte: SIA/SUS. 125 4.3 O Laboratório Regional de Prótese Dentária O laboratório de prótese dentária funciona dentro do CEO, em um espaço adaptado que não foi originalmente concebido para essa finalidade. Sua estrutura não é adequada, compreendendo uma sala estreita, sem exaustor para remover o cheiro de resina e sem espaço apropriado para guardar as próteses, entre outras limitações. O laboratório apresenta uma produção pequena, não justificada pelas limitações do espaço físico nem pelos materiais utilizados, já que são de boa qualidade, segundo os profissionais. A especialidade de prótese dentária apresenta uma relação direta com o laboratório por serem interdependentes. Essa especialidade apresenta muitas especificidades, pois demanda muitas etapas laboratoriais (em torno de cinco) para a confecção de uma prótese. Portanto, o fluxo entre o cirurgião-dentista protesista e o técnico do laboratório deve estar bem ajustado, pois, a cada etapa de confecção da prótese, é necessária a atuação tanto do protesista, quanto do protético, atrelada à presença do usuário. Entretanto todo esse processo para confecção da prótese tem apresentado dificuldades, gerando um grande impacto na produção dessa especialidade. O laboratório de prótese tem apresentado um ponto de estrangulamento importante no que diz respeito ao processo de trabalho. Sua produção não tem sido compatível com os atendimentos realizados na prótese. Com isso aumenta o tempo operatório entre uma etapa e outra, e todo esse processo encadeado fica comprometido. Segundo uma das entrevistadas, esse estrangulamento ocorreu devido a entrada de um número excessivo de pacientes de primeira vez, à contratação de mais um profissional protesista na rede no horário noturno e ao aumento no número de agendamentos para os cirurgiões-dentistas. Esses fatores suscitaram maior demanda ao laboratório, que não conseguia finalizar as próteses por estar com um contingente de pacientes de primeira vez muito grande. Mesmo após a regulação ter suspendido as consultas de primeira vez para resolver o problema, o laboratório continuou sem conseguir produzir uma quantidade suficiente de próteses para atender os especialistas. Além disso, outras questões, como as faltas às consultas pelos usuários e o tempo de espera longo entre as marcações das consultas subseqüentes, dificultaram muito o fluxo dos trabalhos. Segundo uma entrevistada, o tempo de espera entre uma consulta e outra é de 15 a 20 dias, o que resulta, consequentemente, num prazo longo para a entrega da prótese. 126 Entretanto, mesmo que esses fatores favoreçam tal estrangulamento, eles sozinhos não são suficientes para explicar a baixa produção. Nesse caso, o problema referente à baixa produção poderia estar associado a uma capacitação insuficiente ou mesmo a uma coordenação inadequada do processo de trabalho. Por sua vez, não se pode atribuí-lo a uma capacidade instalada pequena. Uma entrevistada relatou que procurou visitar outros laboratórios de prótese para detectar o problema da baixa produção e verificou que, com o mesmo quantitativo de profissionais, um laboratório privado realiza muito mais próteses que o laboratório do CEO. Enquanto este realiza 100 próteses por mês, um laboratório particular realiza de 400 a 500 nesse mesmo tempo, com o mesmo número de técnicos e muitas vezes com um espaço físico muito similar. Uma das situações detectadas pela entrevistada foi que a produção da prótese em um laboratório privado não está atrelada ao atendimento do usuário pelo protesista, enquanto a produção do CEO está atrelada à consulta ao protesista: Eu fiz visita a alguns laboratórios privados e eles colocaram. Com o mesmo quantitativo de técnicos que nós temos, a produção deles é muito maior que a nossa. Então, onde é que está esse gargalo? [...] O problema está no processo de trabalho. [...] não se consegue fazer mais de 100 próteses durante o mês com quatro profissionais,enquanto que, no privado, eles fazem 400, 500, com a mesma quantidade de técnicos e, às vezes, com o mesmo espaço que nós temos lá, [...] Porque ele não está atrelado ao atendimento do protesista. Ele está atrelado só à produção do laboratório. E nós, no CEO, não. Nós temos que estar atrelados ou à consulta do protesista, naquele dia que o usuário vai, junto com o laboratório.( Gerente 1). O relato da entrevistada quanto à confecção de um número inferior a 100 próteses no mês confirma-se quando se observa a Figura 4.9, que mostra a produção do laboratório durante o ano de 2010. Cabe salientar que, se a produção do laboratório é baixa, consequentemente, a produção da especialidade também é, já que esses serviços são interdependentes. 127 4.9 Figura 4.9 – Produção do Laboratório de Prótese no ano de 2010. 78 80 71 70 60 51 48 50 48 43 41 39 40 32 30 30 25 21 20 10 0 Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Fonte: Elaboração da autora a partir de dados cedidos pelo Centro de Especialidades Odontológicas. Outro grande problema relativo à prótese é a baixa oferta diante da grande demanda de pacientes. O relato de uma das profissionais com relação a este último item refere-se à impressão que ela tem de estar “enxugando gelo”, pois, por mais que se faça, a fila de espera não diminui, mesmo sabendo que esse é um problema que vem da base, de anos de exclusão de tratamento. Apesar de todos os profissionais protesistas, assim como de gerentes do CEO relatarem a grande demanda para a prótese, os dados do SisReg, no ano de 2010, demonstrados anteriormente, contradizem as falas, já que a fila de espera inclui um número de somente 75 pessoas. A não realização da prótese parcial removível (PPR) foi outro ponto levantado como um limitador do tratamento e uma lacuna muito grande. No CEO só é realizada a prótese total, entretanto, há uma demanda grande para a prótese parcial, que é um procedimento mais elaborado e mais caro. A não realização desse tipo de procedimento cria um problema funcional, pois o paciente, na maioria das vezes, coloca na arcada superior uma prótese total e tem necessidade de uma parcial na arcada inferior, que não é realizada. Desse modo, a prótese superior não vai apresentar uma estabilidade adequada pela ausência de dentes inferiores. O paciente, nesse aspecto, tem uma reabilitação parcial, não recebendo um atendimento integral. A esse respeito uma das entrevistadas comenta: Nós só fazemos prótese total. E existe uma demanda muito grande para fazer PPR, que é a prótese parcial.[...] Além de ter uma demanda muito grande, 128 existe um problema que a gente fica com um problema funcional, que você entrega uma prótese total superior e o paciente só tem quatro dentes inferiores, que ele não vai tirar porque não há necessidade. Então acaba me atrapalhando, porque a prótese que eu fiz perde a função, porque ela não tem estabilidade. Em alguns casos, a gente encaminha e diz para o paciente que ele tem que tentar resolver sozinho, fazer em particular, para que se mantenha funcional. Mas a maioria dos pacientes não tem condições de pagar esse tipo de trabalho. Então isso é uma lacuna muito grande que o Governo, não sei, precisa analisar, porque há demanda e acaba atrapalhando o andamento do trabalho mesmo. Porque não é só a estética do paciente que está sem dente. (Cirurgião-dentista 12) Esse relato evidencia a ausência de oferta de um serviço que proporcionaria ao paciente a sua reabilitação total, e aponta limites para a garantia do atendimento integral. Em síntese, o atendimento e a produção de próteses apresentam muitas limitações relacionadas ao processo de trabalho, à oferta insuficiente ante a demanda e à ausência de oferta de certos serviços, como a prótese parcial. Esses fatores causam uma assistência demorada, limitada e fragmentada, comprometendo o atendimento integral ao paciente. 4.4 A Integração do CEO na Rede de Serviços: Fluxos e Regulação Assistencial Desde a inauguração do CEO em 2005, a SEMUS procura estruturar o sistema de referência da atenção básica para as especialidades odontológicas. Para isso adota uma série de estratégias e instrumentos, dentre os quais se destacam as fichas de encaminhamento (referência e contrarreferência), os protocolos clínicos e a implantação do sistema de regulação a partir de 2008. As fichas de encaminhamento constituem-se em importantes instrumentos para a organização da rede de atenção e garantem ao usuário o acesso a todos os níveis de complexidade de serviços. Entretanto, segundo Pinheiro115, o sistema de referência e contrarreferência, deve ser considerado não somente como um fluxo de pacientes, mas também como um meio pelo qual os conhecimentos possam ser difundidos para a melhoria da qualidade da atenção. Assim como as fichas de encaminhamento, os protocolos clínicos são importantes ferramentas para a gestão e auxiliam na organização do fluxo, tornando-se um valioso instrumento para a solução de problemas que envolvem as competências dos vários níveis de atenção, exemplificados pelos limites que se impõem entre as responsabilidades da atenção básica e as do CEO. 129 Já o SisReg constitui-se em um sistema informatizado para regulação da oferta de serviços. A central de regulação de consultas e exames especializados foi implantada com o intuito de organizar e garantir o acesso dos usuários às ações e serviços do SUS. Para tanto, utiliza protocolos, critérios de encaminhamento, entre outros meios padronizados e pactuados entre os serviços. Atualmente esse sistema está implantado nas unidades básicas de saúde e no CEO. (PMV, 2009a) O fluxo entre atenção básica e CEO, antes de o SisReg ser implantado, pode ser mais bem visualizado na Figura 4.10. Entretanto tal fluxo apresentava algumas limitações, entre elas a de não indicar um fluxo constante de pacientes para o tratamento e não ter uma regulação adequada. Cada unidade ficava com uma listagem de pacientes, e, quando as vagas surgiam, os usuários eram agendados. Além disso, as consultas de retorno eram realizadas pelos próprios especialistas do CEO, que tinham a liberdade de readequá-las na agenda de acordo com a sua necessidade. 4.10 Figura 4.10 - Fluxo de Atendimento do Usuário pela Central de agendamento antes do sistema SISREG. UNIDADES Central de Agendamento CEO Início Identificar necessidade de atendimento Realizar consulta de avaliação Lista de Pacientes Disponibilidade de Vagas? S Agendar de 15 a 20 pacientes mensais Verificar/Validar condições sistémicas e documentações N Lista de Espera Realizar tratamento Realizar acompanhamento periódico Fim Fonte: Elaboração da autora a partir das entrevistas. Após a implantação do SisReg, esse fluxo de agendamento mudou, e os usuários passaram a ser agendados e regulados pelo sistema conforme sua necessidade de tratamento nas especialidades, o que se observa melhor na Figura 4.11. 130 4.11 Figura 4.11 - Fluxo de Atendimento do Usuário pelo SISREG. UNIDADES SISREG CEO Início Identificar necessidade de atendimento Cadastrar paciente no sistema Disponibilidade de Vagas? S Agendar paciente diariamente Realizar tratamento N Lista de Espera Realizar acompanhamento periódico Fim Fonte: Elaboração da autora a partir das entrevistas. Atualmente as marcações não estão sendo mais realizadas pela central de regulação, e sim diretamente, pelas unidades de saúde, que foram informatizadas, mas a regulação é realizada pelo SisReg. O paciente com necessidades especiais dispõe de um fluxo diferente, já discutido anteriormente. Geralmente esses pacientes são captados pela atenção básica, mas encaminhados diretamente ao CEO, que é responsável por todo o seu tratamento e acompanhamento (Figura 4.12 ). 131 4.12 Figura 4.12 - Fluxo de Atendimento do Paciente com Necessidades Especiais. UNIDADES CEO HOSPITAL Início Identificar necessidade de Tratamento em Paciente Especial S Coopera com o atendimento? N Realizar Tratamento Necessidade de Atendimento Hospitalar? S Realizar Tratamento N Realizar Tratamento Realizar monitoramento periódico Fim Fonte: Elaboração da autora a partir das entrevistas e do protocolo de saúde bucal. Além desse fluxo com a atenção básica, o CEO apresenta outros tipos de fluxos. Por exemplo: dentro do próprio CEO há aqueles relacionados ao encaminhamento entre especialidades. Nesses casos, o agendamento é realizado dentro do próprio CEO por meio do SisReg, existindo vagas reservadas para essas situações. A gerente da unidade solicita à regulação a vaga para a especialidade necessária e o paciente é agendado, visando a um atendimento oportuno e resolutivo, sem precisar retornar à unidade para novas aquisições de encaminhamento. Tal fluxo é respaldado pelo Ministério da Saúde que faz a seguinte recomendação: As necessidades encaminhadas que incluam duas ou mais especialidades para sua resolução devem ser resolvidas através de inter-consultas no CEO (Ministério da Saúde, 2006). Segundo alguns entrevistados, os fluxos internos no CEO são bem estabelecidos, há boa interação entre profissionais, troca de informações e facilidade de acesso aos médicos. Observa-se com isso a facilidade de comunicação entre os profissionais dentro do CEO, proporcionando maior resolutividade no atendimento aos usuários. Apesar de esses fluxos de atendimento, em tese, estarem bem definidos, os profissionais entrevistados citaram muitas dificuldades na sua operacionalização. A primeira dificuldade diz respeito ao alto índice de faltas de pacientes às consultas de primeira vez. A maioria dos entrevistados relatou que tal fato piorou após a 132 implantação do Sisreg. Uma das entrevistadas atribui o problema aos limites de comunicação entre os pacientes e as unidades de saúde: Nem sempre a unidade de saúde consegue ter acesso a vagas em tempo hábil de marcar e entrar em contato com o paciente para avisar da vinda dele aqui [CEO]. Então, o paciente é marcado, mas não é avisado e não consegue chegar aqui [CEO]. (Cirurgião-dentista 1) As faltas geram ociosidade dos profissionais, atraso no tratamento clínico, impacto na fila de espera e consequente prejuízo financeiro. Entre as possíveis causas para o alto índice de faltas pode-se citar a ausência de monitoramento das filas de espera, que não são revisitadas constantemente para se detectar qual a situação bucal dos usuários. Muitas vezes o tempo do usuário na fila de espera é tão grande que o paciente muda de endereço e não consegue contato, ou perde o dente ou recorre a um serviço privado, entre outras razões. Isso foi bem identificado no relato de uma das entrevistadas ao revisitar uma lista de espera de cinquenta pessoas que aguardavam para tratamento. Ao ligar para confirmar se ainda havia a necessidade do tratamento, restaram na fila somente dez pessoas. Para algumas especialidades, o tempo de espera pode chegar a um ano ou mais; cabe ressaltar que as faltas estão aliadas à longa fila de espera e à demora no encaminhamento e expressam uma coordenação insuficiente das filas. Daí a necessidade de maior acompanhamento dessas filas de espera pelas unidades básicas. Nesse sentido, os agendamentos retornaram às unidades, ou seja, as unidades é que vão agendar os pacientes dentro do próprio SisReg, e não mais a central de regulação. Tal central fazia os agendamentos baseada em uma lista de usuários que aguardavam vaga em determinada especialidade, cujos nomes eram registrados num papel, mas não tinha contato com o paciente para saber de sua necessidade. Com o agendamento realizado dentro da própria unidade, prevê-se que a fila de espera seja revisitada e o paciente seja atendido nas suas necessidades. Dessa forma, procura-se diminuir o índice de faltas às especialidades por meio de um monitoramento mais adequado. Outra dificuldade relatada pelos profissionais no que diz respeito à implantação do SisReg foi com relação à marcação de consultas de pacientes de primeira vez, que fez aumentar o tempo de espera de consultas de retorno, gerando uma diminuição na produção, já que o tratamento não estava sendo finalizado em um prazo adequado. É importante ressaltar que o SisReg, ao ser implantado, passou a inserir na agenda dos especialistas, pacientes de primeira vez com uma frequência variando de diária a semanal, dependendo da especialidade. Isso pode ter gerado um impacto inicial muito 133 grande na agenda dos profissionais, que estavam habituados ao agendamento mensal, causando mesmo maior número de agendamentos de primeira consulta. As dificuldades relatadas pelos profissionais, no que concerne aos agendamentos após a implantação do SisReg, também podem ter como explicação a perda de governabilidade desses profissionais em relação à própria agenda, que reduziu sua flexibilidade em manejá-la. Embora tenham sido levantados esses problemas quanto ao agendamento mediado pelo SisReg, alguns profissionais relataram que tal sistema constitui uma ferramenta importante, já que possibilita um fluxo constante de pacientes, confiabilidade em relação à marcação das consultas dos pacientes e a própria regulação do sistema. Observa-se na realidade que o problema não está no sistema de regulação em si, mas na utilização da ferramenta, por inadequada capacitação ou mesmo insuficiente conhecimento do processo de trabalho das especialidades quando da implantação do sistema. Já em relação às fichas de encaminhamento, constatou-se pelos relatos que pacientes chegam ao CEO sem a guia de referência. Isso pode ser explicado ou pelo fato de o paciente tê-la perdido, ou mesmo não lhe ter sido entregue na unidade básica. De acordo com o protocolo de saúde bucal, essas guias devem ficar com o paciente. Entretanto, entre as unidades, não há uma uniformidade de conduta. Muitas vezes o paciente fica esperando tanto tempo na fila que as guias se perdem. Os profissionais do CEO não deixam de atender o paciente, mas isso gera dificuldade no processo de trabalho, pois muitas vezes o usuário chega totalmente sem informação, por exemplo, não sabe qual foi o tratamento recomendado ou qual o dente com problemas, conforme relataram duas entrevistadas: Não existe uniformidade de conduta com relação às guias de referência. [...] Por exemplo, às vezes chega um paciente: ‘Olha, a guia de referência eu perdi’. Elas [atendentes da ESF] não seguram a guia de referência que pegam do paciente. Eu acho que o protocolo é que o paciente entrega a guia só para cair no sistema, para constar no sistema, e leva para casa. Essas guias não ficam aqui [Unidade básica]. Elas passaram a ficar quando surgiu o problema da perda das guias. [...] Mas dentro do protocolo você entrega ao paciente. Mas eu não tenho nada formalizado com relação a isso. Tem hora que dizem que a guia tem que ficar com a menina da marcação, tem hora que diz que é com o paciente. (Cirurgião-dentista 3) Se a gente for olhar o que vem na referência e contrarreferência, isso na realidade nunca ficou uma coisa muito especificada. Vinha a referência, aquela guia de preenchimento; na maioria das vezes não estava preenchido certo; na maioria das vezes, quantos pacientes eu peguei que não sabiam o que estavam fazendo lá e até a forma de como a gente conduzia aquilo. Uma hora eu tinha uma informação, uma outra hora eu tinha outra informação. (Cirurgião-dentista 8) 134 Tal fato gera maior tempo operatório e demonstra ausência de coordenação desse usuário na rede de serviços. Ainda em relação aos fluxos entre a atenção básica e a especializada, observouse na fala dos entrevistados que a integração entre esses dois níveis se limita ao preenchimento de papel, configurando–se como níveis estanques, segundo Cecílio116, como “peças soltas” dentro do sistema. Isto pôde ser constatado nos relatos de alguns profissionais quanto às dificuldades encontradas: A comunicação é feita só mesmo através da folha de referência e contrarreferência. Mas eu não tenho nenhum acesso ao dentista. [...] Eu acho que se a referência acontecer, só de você preencher aquilo já é uma articulação que você está fazendo. Mas eu acho que ainda falta uma articulação maior. (Cirurgião-dentista 5) A lacuna, eu acho que é esse distanciamento da atenção básica, que isso acaba criando uma visão da atenção básica não realista com relação à gente. (Cirurgião-dentista 6) Eu sinto como se fosse uma coisa totalmente isolada. [...] Eu não vejo articulação nenhuma. (Cirurgião-dentista 2) A gente tem muito pouco contato com o pessoal da atenção básica. A troca de ideias ainda é uma coisa bem restrita. (Cirurgião-dentista 1) Essa ausência de integração pôde ser observada também no retorno dos pacientes à atenção básica, dentro do mesmo nível de complexidade. Apesar da existência das guias de contrarreferência, na prática sua utilização é inadequada, pois elas não voltam para o setor odontológico que encaminhou o paciente. Segundo relato de uma entrevistada, o documento chega à unidade no setor administrativo ou na coordenação e não é passado para a odontologia, ou só é entregue depois de muito tempo. Observou-se com isso, uma insuficiente responsabilização com relação ao paciente, principalmente na atenção básica, que já deveria ter um vínculo estabelecido. Portanto, o atendimento, que deveria ser integral, ocorre de forma fragmentada em cada nível. A entrevistada comenta: A equipe de referência da secretaria com a regulação tem ido, tem feito reuniões e orientado, mas, mesmo assim, não tem sido suficiente. A impressão que a gente tem é essa mesmo: a equipe [de saúde bucal], depois que ela faz esse atendimento e encaminha para a especialidade, ela não se sente mais responsável por esse usuário. (Diretora 1) No intuito de melhorar os fluxos e de organizar os processos de trabalho, a SEMUS tem adotado protocolos clínicos. Esses instrumentos são utilizados por toda a rede de atenção e considerados pelos profissionais do CEO como de extrema importância para agilizar o atendimento, evitando encaminhamentos desnecessários, entre outras questões. 135 Entretanto muitas limitações foram encontradas com relação à sua utilização. Segundo os profissionais do CEO, os cirurgiões-dentistas da atenção básica não conseguiram incorporar a importância dos protocolos. Muitos encaminhamentos ainda são realizados de maneira incorreta, com guias de referência incompletas, adequação bucal indevida, solicitação de procedimentos que poderiam ser resolvidos na atenção básica. Isso gera um tempo operatório maior, muitas vezes com necessidade de retorno do paciente para adequação bucal. Nesse sentido, foram realizadas algumas capacitações para os profissionais da atenção básica nas especialidades de periodontia e cirurgia oral menor. Esses encontros tiveram como objetivo mostrar aos profissionais a importância dos protocolos e do que pode ou não ser feito em cada um dos níveis de atenção, segundo afirma uma entrevistada: Foi ótimo. Foi uma maneira de a gente levar até o profissional da atenção básica como nós trabalhamos e mostrar para ele que a gente é uma equipe, independente se a gente trabalha no mesmo local ou não, ou na mesma hierarquia, vamos dizer, atenção básica,[...] nível primário, secundário ou terciário. Não interessa, a gente é uma equipe[...]Uma coisa que foi muito legal nessa capacitação que a gente fez, que o melhor de tudo não foi o conhecimento técnico que eles adquiriram. Eu acho que foi a aproximação... Ele saber qual a dificuldade que eu tenho aqui quando ele manda o paciente fora do protocolo, e eu saber a dificuldade que ele tem lá. (Cirurgião-dentista 6) A fala da profissional evidencia a importância de maior integração entre os serviços. Assim como outros profissionais, ela relata que após a capacitação, os encaminhamentos ao CEO melhoraram em cerca de 80%. Daí a necessidade de realização de cursos de capacitação frequentes em todas as especialidades, proporcionando mais momentos de interação entre os profissionais da rede básica e os da especializada. De acordo com alguns deles, a execução dos protocolos pelos cirurgiõesdentistas da atenção básica também está muito relacionada ao perfil do profissional e ao aspecto cultural. Há alguns profissionais que, mesmo após a capacitação, continuam encaminhando os pacientes sem seguir os protocolos. Conforme analisado, existe um fluxo entre a atenção básica e a atenção especializada, no caso a média complexidade ambulatorial. Com relação à atenção hospitalar, esse fluxo só é determinado para os pacientes com necessidades especiais, como já discutido anteriormente. Para as outras especialidades não há previamente definido um fluxo para atendimento hospitalar. Os profissionais da cirurgia relataram que encaminhavam os usuários que apresentavam necessidade para os hospitais por conhecerem pessoalmente os que ali prestam serviços. Mesmo assim, não é um fluxo 136 predeterminado, o paciente vai por conta própria. Isso restringe o acesso dos pacientes aos atendimentos terciários em hospitais. O fluxo de referência entre Vitória e alguns municípios da Região Metropolitana (Viana, Cariacica e Santa Leopoldina) também mostra dificuldades em relação à execução dos protocolos de encaminhamento. 4.5 As Outras Unidades Especializadas do Município Além do CEO, existem no Município duas unidades que compreendem serviços especializados: a Unidade Forte São João e a Unidade São Pedro. A Unidade Forte São João é uma unidade básica de saúde que está funcionando com a estratégia de saúde da família há um ano. Dispõe de quatro equipes de saúde da família e três de saúde bucal. Além disso, por falta de espaço no CEO, tem apenas uma profissional para o serviço de endodontia. Conforme já discutido no capítulo anterior, já funcionava essa especialidade de endodontia antes da implantação do CEO. A gerente do serviço diz que a unidade só cede o espaço físico para o funcionamento da especialidade até o novo CEO ficar pronto. O agendamento e a regulação das filas são realizados pelo SisReg. Assim, todo o fluxo para atendimento especializado dessa unidade é feito de acordo com o que foi descrito anteriormente para o CEO. O absenteísmo foi uma das dificuldades apontadas pela gerente. No período de julho a dezembro de 2010, a especialidade de endodontia nesse local apresentou um percentual de faltas às consultas de primeira vez de 33,6 %, praticamente o mesmo encontrado para o CEO. Entretanto, o absenteísmo relativo às consultas de retorno foi mais baixo (14,1%) do que os referentes à primeira consulta na unidade e às consultas de retorno do CEO. A gerente relatou como outra dificuldade a grande demanda para a endodontia e a pouca oferta desses serviços. Esse é um problema detectado em todas as unidades especializadas. Já a Unidade de Saúde São Pedro, hoje denominada de Centro Municipal de Especialidades de São Pedro, comporta uma unidade especializada odontológica, ainda não habilitada como CEO por não estar adequada totalmente às normas federais, embora esteja em processo de transição para issoXCVII. XCVII Apesar de ainda não estar habilitada, os gestores e profissionais já têm denominado essa unidade como Centro de Especialidades Odontológicas. 137 Existem cinco profissionais atuando nas especialidades de periodontia, endodontia e cirurgia bucomaxilo facial. Os fluxos de atendimento bem como o agendamento são geridos pela Central de Regulação, da mesma forma como são feitos para o CEO. Nessa unidade, também está implantado o serviço de urgência odontológica. Uma das dificuldades descritas pela entrevistada relaciona-se aos dois tipos de serviços – urgências e especialidades – que funcionam no mesmo espaço físico. Nesse sentido, os pacientes que são atendidos na urgência não conseguem diferenciar entre um serviço e outro e compreender a existência de um fluxo de atendimento que deve ser respeitado. Os usuários, após serem atendidos na urgência, são encaminhados para tratamento na atenção básica e daí para ao CEO. Outra dificuldade é com relação ao alto percentual de faltas às consultas especializadas de primeira vez, que está entre 35 e 39% dos agendamentos, dependendo da especialidade. Em relação às consultas de retorno, esses índices são bem mais baixos, conforme já demonstrado no Quadro 4.4. Tal problema já foi discutido em item anterior e demonstra que toda a rede está comprometida devido à ausência de um monitoramento adequado e à coordenação da fila inadequada para organização da rede. Entre os avanços relatados pela gerente, a efetivação dos profissionais por meio de concurso público foi um enorme ganho para o Município, pois antes havia uma rotatividade muito grande. Outro avanço diz respeito ao quantitativo de profissionais. O número de plantonistas e de especialistas aumentou de um e dois, respectivamente, em 2005, para seis e cinco em 2010, possibilitando a ampliação da oferta de serviços. Em síntese, a abertura do Centro de Especialidades Odontológicas no município de Vitória representou uma estratégia importante para favorecer o acesso ao atendimento especializado e a continuidade da atenção em saúde bucal, contribuindo para a integralidade. Ressalte-se que o Município já apresentava tal preocupação, principalmente pelas propostas de implantação do Sistema Integrado de Serviços de Saúde. Nesse sentido, a atenção especializada na saúde bucal constituía-se em uma lacuna muito grande para efetivação do atendimento integral. A proposta do CEO era criar uma rede de atenção integral à saúde bucal com acesso às especialidades. Isso ainda não acontece de forma satisfatória por limitações de acesso, já que a oferta ainda é muito reduzida, e por problemas de coordenação entre os serviços. Ainda persistem muitos problemas no atendimento especializado quanto à integração dos fluxos da rede que embora estejam instituídos formalmente, na prática, estão construídos de maneira muito frágil. O alto índice de absenteísmo às consultas, a 138 longa fila de espera para atendimento, a demanda excessiva, assim como encaminhamentos inadequados, capacitação insuficiente dos profissionais da atenção básica, escassez de momentos de articulação entre profissionais do nível básico e os da especializada, indefinição de fluxo para o atendimento hospitalar constituem algumas limitações que impactam para um efetivo atendimento integral. Outra limitação diz respeito à produção das próteses dentárias, que se constituiu em um nó crítico da atenção à saúde bucal da população no Município. Entretanto a maior dificuldade continua sendo a oferta de serviços, que se apresenta baixa. 139 Considerações Finais A pesquisa desenvolvida teve como propósito a análise da política de saúde bucal no município de Vitória, considerando a trajetória local e as influências da política nacional, com particular destaque para uma de suas estratégias, o CEO, como um dispositivo crítico da Política Nacional de Saúde Bucal na perspectiva da integralidade. A análise das diretrizes nacionais permitiu identificar os marcos legais e institucionais para a conformação dessa política, assim como as influências da sua implementação no Município. O objetivo da análise de implementação dessa política foi identificar o contexto político em que foi configurada, os atores envolvidos e as estratégias utilizadas que desenharam a sua configuração atual. O estudo permitiu constatar que o município de Vitória, nas últimas décadas, tem passado por transformações para melhorar seu sistema de saúde. A análise da trajetória histórica da política de saúde bucal no Município sugere que, ao longo dos quatro períodos identificados, foram adotadas diversas estratégias para ampliar o acesso da população aos serviços. Além disso, em vários momentos, houve iniciativas de mudanças no modelo de atenção. Dos anos 1950 aos anos 1980, o Município apresentava um modelo de atenção à saúde bucal baseado na prática imediatista e curativista, voltado para o atendimento a uma faixa etária específica, sem implicar mudança no estado de saúde do conjunto dos cidadãos, expressando o modelo predominante na área em todo o Brasil. No início dos anos 1990, denominado de período de ênfase na municipalização, houve no município de Vitória questionamentos e críticas em relação ao modelo de atenção vigente. Tal descontentamento refletia um debate mais amplo que se travava em âmbito nacional, relacionado ao início da implantação do SUS. Assim, sob os princípios e diretrizes do SUS, o Município passou a ser responsável pelas ações e serviços de saúde e iniciou um processo de mudanças para que a esfera municipal pudesse assumir efetivamente a gestão do sistema de saúde. Com isso o Município passou por uma divisão em regiões, houve uma reestruturação da Secretaria Municipal de Saúde e investimentos em infraestrutura e capacitação no intuito de preparar a cidade para a reorganização do sistema de saúde, sob um novo modelo de atenção. Pode-se observar que, durante esse período, a assistência odontológica se voltou mais para a prevenção, houve a implantação dos procedimentos coletivos em saúde bucal e iniciou-se o atendimento ao paciente adulto nas unidades de saúde. Entretanto permanecia a baixa cobertura das ações de saúde bucal, o atendimento baseado na 140 atenção individual e a incorporação reduzida do conceito de promoção de saúde que não se traduziam em modificações nos indicadores de saúde bucal (Beltrame e Silva, 2000). O Município, a partir de 1995, continuou avançando na reestruturação do sistema e do modelo de atenção à saúde. A territorialização, fundamentada na concepção dos Sistemas Locais de Saúde, foi uma das estratégias adotadas. O reconhecimento das áreas e do perfil epidemiológico da população era considerado fundamental para o planejamento das ações de saúde. As transformações mais amplas no sistema municipal de saúde influenciaram de certa forma as propostas para a área de saúde bucal. Configurou-se no período o Programa Sorria Vitória, que procurava incorporar ações educativas, preventivas e curativas articuladas entre si. Tal Programa previa ações intersetoriais pela integração com a Secretaria de Estado da Educação e com o programa de atenção integral à mulher, além de estimular a participação da comunidade. Ressalte-se que, se, por um lado, o Programa apresentava um enfoque de atenção integral por buscar articular as ações preventivas e curativas e envolver ações intersetoriais, por outro, restringia-se a faixas etárias específicas, com destaque para as crianças até 14 anos e as gestantes. Aos poucos, ações voltadas aos pacientes adultos foram configurando-se, porém de forma limitada. Esse Programa apresentou uma série de dificuldades relacionadas à ausência de técnicos de higiene dental (THDs) para compor as equipes, à inadequação de unidades de saúde para efetivação das atividades coletivas, ao apoio insatisfatório da Secretaria de Estado da Educação, entre outras. Apesar disso, o Programa proporcionou mudanças no índice CPO-D e diminuição nos percentuais de crianças com necessidades clínicas comprovadas para tratamento. O Programa Sorria Vitória permaneceu na agenda política local e norteou a atenção à saúde bucal no Município por vários anos. Após 1998, o Município ampliou suas responsabilidades na gestão da atenção básica e passou a implementar a Estratégia Saúde da Família. No que concerne à saúde bucal, prevalecia no início dos anos 2000 o Programa Sorria Vitória, com suas limitações quanto ao atendimento integral, pela restrição a determinadas faixas etárias. Para implantação do Sistema Integrado de Serviços de Saúde na área odontológica, as principais dificuldades relacionavam-se à não incorporação das Equipes de Saúde Bucal na Estratégia de Saúde da Família e a ausência de referência para as especialidades, embora já existisse, de forma restrita, a especialidade de endodontia na rede de serviços de Vitória. 141 A incorporação das equipes de saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família do Município só viria a ocorrer em 2004, três anos após a instituição das equipes pelo Ministério da Saúde. Uma das hipóteses para isso foi a força local do Programa Sorria Vitória, que trabalhava com a perspectiva da promoção da saúde e estabilização da doença, visando mudar o modelo de atenção. Outra explicação seria a posição do gestor municipal da época, relutante à incorporação de tais equipes por considerar que a configuração da saúde bucal no Município já seria adequada. Somente em 2004, com o lançamento da Política Nacional de Saúde Bucal é que se abriram novas perspectivas para a odontologia no Brasil. Essa inflexão na política nacional repercutiu decisivamente na organização da saúde bucal no Município. A partir de então, o Município sofreu mudanças efetivas na política de saúde bucal sob influência das transformações na política nacional primeiro pela implantação das equipes de saúde bucal; segundo, pela inauguração do CEO. Tais serviços permitiram ampliar o acesso às ações básicas e especializadas aos diversos grupos da população, na tentativa de superação dos programas voltados a determinadas faixas etárias ou a grupos sociais específicos. Quanto às estratégias adotadas no Município para a expansão e organização do atendimento na área de saúde bucal, os entrevistados destacaram que, desde os anos 1990, durante os diferentes períodos – de ênfase na municipalização, de predomínio do Sorria Vitória e, a partir de 2004, de influência do Brasil Sorridente - foram relevantes os investimentos em estrutura física para ampliação dos serviços de saúde e as iniciativas de capacitação dos profissionais. Observa-se que, nos quatro períodos analisados, a trajetória da política de saúde bucal no município de Vitória expressou influências do contexto e da política nacional, reiterando o peso do Executivo Federal na indução de políticas de saúde no caso brasileiro. No entanto, o estudo também evidenciou que a política municipal apresentou algumas características e experiências próprias, como foi o caso do Programa Sorria Vitória, predominante entre 1995 e 2003, que trouxe modificações ao modelo de atenção e propiciou melhorias nos indicadores de saúde bucal do Município. O peso de tal Programa contribuiu para postergar a implementação de equipes de saúde bucal vinculadas à Estratégia de Saúde da Família, apesar da forte indução federal. Evidenciase nesse sentido uma lógica de dependência da trajetória (path-dependence)117, visto que as escolhas locais prévias relativas à organização da saúde bucal – priorização do 142 atendimento a gestantes e a escolares, valorização do espaço da escola para captação – adiaram a adoção de outros caminhos. Portanto, no caso estudado, evidenciou-se a combinação de forte influência nacional associada a especificidades da política e do sistema de saúde local, expressando o dinamismo da implementação de políticas no contexto federativo brasileiro. Nesse sentido, outro aspecto a ser mencionado é a fragilidade da participação da esfera estadual na definição de políticas para a área de saúde bucal nos diversos momentos, fragilidade que persistiu no período de influência do Brasil Sorridente. Quanto ao papel dos gestores, segundo vários entrevistados a organização da saúde bucal no município de Vitória foi favorecida em muitos momentos históricos pelo apoio de gestores municipais que valorizavam a área. Outros atores também tiveram um papel importante no processo de implementação da saúde bucal, tais como o Ministério da Saúde, que influenciou sobremodo na indução de políticas em vários momentos, ressaltando-se no período recente a normatização e indução financeira para a inserção das equipes de saúde bucal e implantação do CEO; as equipes técnicas da área de saúde bucal no Município, que trabalharam para melhorar a atenção prestada à população; os movimentos sociais, que, embora de maneira mais isolada em nível local, contribuíram principalmente para implantação do Sorria Vitória, por meio do apoio para a captação das crianças; o Ministério Público que teve um papel relevante na modificação do quadro de funcionários, quando impôs a realização de concurso público na Prefeitura Municipal de Vitória, em 2007, favorecendo a contratação de efetivos em contraposição aos contratados, que se encontravam em grande número. Por outro lado, a análise da trajetória da saúde bucal no Município também permitiu identificar atores que, em alguns momentos, apresentaram resistências a iniciativas de mudanças no modelo de atenção. Nesse sentido, os conselhos de classe dos cirurgiões-dentistas mantiveram, durante décadas, posição contrária à inserção do pessoal auxiliar no atendimento à população, obstruindo algumas iniciativas de mudança do modelo de atenção à saúde que se apoiava na expansão do acesso por meio da atuação de profissionais de nível técnico e auxiliar. Essa situação só se alterou a partir do Brasil Sorridente, quando o Governo Federal passou a enfatizar como elementos relevantes para a organização dos serviços de saúde o trabalho em equipe e a incorporação do pessoal auxiliar. No período recente, 143 observa-se uma postura diferenciada dos conselhos de classe em relação a esse aspecto. Isso talvez possa ser explicado por outras mudanças introduzidas pela Política Nacional de Saúde Bucal, que envolvem uma expansão importante de postos de trabalho para os cirurgiões-dentistas na atenção básica e especializada. Um dos propósitos deste estudo foi analisar a atenção à saúde bucal no município de Vitória na perspectiva da integralidade, compreendida como um princípio do SUS ancorado na lógica do direito à saúde. Para isso, buscou-se considerar o desenho da política e a organização da rede de serviços de saúde. Nesse sentido, os resultados do estudo permitem afirmar que o período de influência do Brasil Sorridente (2004-2010) apresentou condições mais favoráveis para o fortalecimento da perspectiva da integralidade na atenção à saúde bucal do que os momentos anteriores, pelo fato de essa diretriz estar fortemente presente na política nacional. Ainda que o Município tenha relevantes experiências anteriores de expansão do acesso, a partir de 2004, observa-se, de forma mais contundente, a busca pela integralidade na atenção à saúde bucal, por meio de um desenho mais abrangente da política e da expansão de serviços de vários tipos, com destaque para a atenção básica e a atenção especializada ambulatorial. Destacam-se como pontos importantes a oferta de atendimento odontológico a toda a população, e não somente a grupos específicos; a preocupação em aliar promoção, prevenção e tratamento (presentes desde o Sorria Vitória); uma expansão importante da oferta de ações de saúde bucal na atenção básica, por meio das equipes de saúde bucal; uma expansão expressiva de atendimentos especializados por meio da conformação de um CEO, a partir de uma unidade anterior. Particularmente, a implantação do Centro de Especialidades Odontológicas representou um grande avanço para o Município, ao proporcionar o acesso ao atendimento especializado e favorecer a continuidade da atenção, fatores fundamentais para o princípio da integralidade. Por outro lado, a análise da implementação da política e da configuração do sistema de atenção em saúde bucal no Município revela limitações importantes a serem equacionadas. A oferta de serviços é uma das grandes limitações, já que Vitória apresenta um único CEO, com poucos profissionais atuando para atender a demanda do próprio Município e de municípios vizinhos, tais como Viana, Santa Leopoldina e Cariacica. Além disso, não há a oferta de alguns procedimentos, tais como a prótese parcial 144 removível, provocando um atendimento restritivo, fragmentado e pouco resolutivo ao paciente na especialidade de prótese dentária. Essa oferta reduzida, aliada a grande demanda, configura-se como um dos motivos para a longa fila de espera e, consequentemente, para o alto índice de absenteísmo às consultas encontrado neste estudo. Tal fato evidencia a ausência de monitoramento das filas de espera e gera ociosidade dos profissionais, impacto na produção e prejuízo financeiro. Portanto, há necessidade de ampliar mais o acesso às especialidades tanto quantitativamente quanto qualitativamente por meio da implantação de novos procedimentos e de novas especialidades, como é o caso da ortodontia. Essa dificuldade de acesso às especialidades pode ser atribuída a vários fatores, e não apenas a uma oferta reduzida. Dentre outros fatores, podem-se destacar encaminhamentos incorretos, indicações não condizentes com a especialidade, orientações inadequadas, desconhecimento com relação aos protocolos, ou mesmo a grande demanda de anos de exclusão a essas especialidades. Os fatores mencionados acima, exceto o último, remetem à questão da integração dos serviços entre a atenção básica e as especialidades, que apresenta dificuldades. Apesar de existir um fluxo formal entre os dois níveis bem organizado, articulado e definido, observou-se uma fragilidade grande em termos de integração. Não há mecanismos de coordenação nem comunicação entre os dois níveis a não ser no papel. Há um distanciamento grande entre os níveis, com cada um no seu núcleo de execução, impedindo uma maior integração. Observou-se na fala de vários entrevistados que essa conduta está muito relacionada com o próprio perfil profissional, de não sair de seu lugar e não olhar o outro de modo mais amplo. A atenção básica também apresentou uma baixa produção, denotando, segundo os entrevistados, um processo de trabalho inadequado às características da estratégia saúde da família. Nesse sentido, segundo Franco e Magalhães Júnior118, realizar encaminhamentos sem ter esgotado todas as possibilidades diagnósticas na rede básica denota um modo de operar o trabalho em saúde em que falta solidariedade com o serviço e responsabilização no cuidado com o usuário. Isso gera excesso de encaminhamento para especialistas e alto consumo de exames, além de contribuir para a pouca resolutividade dos serviços, uma vez que esse tipo de assistência não atua sobre as diversas dimensões do sujeito/usuário. Ainda de acordo com os autores, a integralidade começa pela organização dos processos de trabalho na atenção básica, em que a assistência deve ser 145 multiprofissional, operando através de acolhimento e vínculo com a clientela, por cujo cuidado a equipe se responsabiliza. O estudo também revelou problemas na articulação e organização dos processos de trabalho entre as especialidades. Isso foi apontado pelos profissionais do CEO principalmente em relação à baixa produção do laboratório de prótese dentária (LRPD), o que gera pouca resolutividade e configura-se como um limitador para a ampliação do acesso a essa especialidade. Assim, há insuficiente coordenação entre os serviços e monitoramento do processo de trabalho dos profissionais do LRPD. Embora a dimensão do cuidado relacionado às práticas clínicas não tenha sido abordada no presente estudo, observou-se na fala dos entrevistados que é uma das dimensões da integralidade a ser mais bem trabalhada. Este estudo oferece uma visão parcial do problema, visto que não foram entrevistados os profissionais da atenção básica nem os usuários. Entretanto abre questões que podem ser enfocadas em novas pesquisas, tais como a análise da dimensão do cuidado das equipes de saúde bucal no Município para concretização da integralidade, a avaliação da implantação das equipes de saúde bucal no município como um dispositivo para mudança do modelo de atenção, entre outras. A pesquisa sugere que se deva melhorar a integração entre os vários níveis de atenção e que os processos de trabalho, os protocolos e os fluxos sejam mais bem compartilhados e discutidos entre os profissionais da rede. Assim eles poderão apreender melhor as responsabilidades e possibilidades de cada nível de atenção bem como a importância do atendimento integral ao usuário. Sugere também a necessidade de se adotarem mecanismos de coordenação entre os serviços, de modo a facilitar a organização do sistema e proporcionar maior acesso aos munícipes. Este estudo permitiu identificar alguns avanços ocorridos na área de saúde bucal no Brasil, na última década, após a formulação da Política Nacional de Saúde Bucal, e constatar a importância dessa política para a implementação da política de saúde bucal no município de Vitória. A incorporação das equipes de saúde bucal na Estratégia de Saúde da Família e a implantação do CEO, por sua vez, configuraram-se como importantes estratégias para a ampliação do acesso ao atendimento odontológico e garantia da integralidade. 146 Referências Bibliográficas 1. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2003: condições de saúde bucal da população brasileira 2002 – 2003: resultados principais. Brasília, 2004a. 2. Narvai PC. Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2008. 3. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório Final da 1ª. Conferência Nacional de Saúde Bucal. Brasília, 1986. 4. Moysés SJ. Saúde Bucal. 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Brasília, 24 de Dezembro de 2009 às 13:01.http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm?pg=dspDet alheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=10996. 2009 a 70. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 1.571, de 29 de julho de 2004. Estabelece o financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas. Brasília, 2004e. 71. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 599, de 24 de março de 2006. Define a implantação de Especialidades Odontológicas (CEOs) e de Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e estabelece critérios, normas e requisitos para seu credenciamento. Brasília, 2006 a. 72. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 600, de 24 de março de 2006. Institui o Financiamento dos Centros de Especialidades Odontológicas. Brasília, 2006 b. 73. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 1.572, de 29 de julho de 2004. Estabelece o pagamento de próteses dentárias totais em Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias – LRPD. Brasília, 2004f. 74. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.374, de 7 de outubro de 2009. Altera os valores dos procedimentos da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do Sistema Único de Saúde realizados pelos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias. Brasília, 2009 b. 75. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.375, de 7 de outubro de 2009. Define os recursos anuais para o financiamento de procedimentos de prótese dentária.Brasília, 2009 c. 76. Brasil. Ministério da Saúde. Relatório Final do I Encontro Nacional de Centros de Especialidades Odontológicas e Equipes de Saúde Bucal da Estratégia de Saúde da Família. Brasília, 2009 d. 77. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.371, de 7 de outubro de 2009. Institui, no âmbito da Política Nacional de Atenção Básica, o Componente Móvel da Atenção à Saúde Bucal - Unidade Odontológica Móvel - UOM. Brasília, 2009 e. 78. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Saúde Bucal, Territórios da Cidadania. [acesso em 10 de Nov. de 2009] Disponível em http://dab.saude.gov.br/CNSB/territorios_cidadania.php. 2009 f. 153 79. Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica, Saúde Bucal. Cadernos de Atenção Básica. Brasília, 2006. 80. Brasil. Ministério da Saúde. Projeto SB Brasil 2010: condições de saúde bucal da população brasileira 2010: resultados principais. Brasília, 2010. 81. Baptista TWF. A política nacional de saúde bucal no governo Lula. 2008. Texto integrante do relatório científico final do projeto de pesquisa “O papel do Ministério da Saúde na política de saúde brasileira no período de 2003 a 2006”. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2008. p. 65-81. 82. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 91, de 10 de janeiro de 2007. Regulamenta a unificação do processo de pactuação de indicadores e estabelece os indicadores do pacto pela saúde, a serem pactuados por municípios, estados e Distrito Federal. Brasília, 2007. 83. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.848, de 6 de novembro de 2007. Publica a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais - OPM do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2007. 84. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 321, de 8 de fevereiro de 2007. Institui a Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais - OPM do Sistema Único de Saúde. Brasília, 2007. 85. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.669, de 3 de novembro de 2009. Estabelece as prioridades, objetivos, metas e indicadores de monitoramento e avaliação do Pacto pela Saúde, nos componentes pela Vida e de Gestão, e as orientações, prazos e diretrizes do seu processo de pactuação para o biênio 2010 2011. Brasília, 2009 f. 86. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 3.840 de 7 de dezembro de 2010. Inclui a Saúde Bucal no Monitoramento e Avaliação do Pacto pela Saúde, e estabelece as diretrizes, orientações e prazos do processo de ajuste de metas para o ano de 2011. Brasília, 2009 f. 87. Beltrame SM, Silva, FJD. A saúde bucal no município de Vitória: um resgate histórico. Vitória, 2000. 5f. Digitado. 88. Bisi CR et al. Estado e Políticas Públicas. [Monografia]. Vitória: Secretaria Estadual de Saúde; Escola Nacional de Saúde Pública; Universidade Federal do Espírito Santo. 1997. Especialização em Planejamento e Gestão de Recursos Humanos em Saúde. 154 89. Prefeitura Municipal de Vitória. Secretaria Municipal de Saúde. Lei n. 2548, de 15 de fevereiro de 1978. Vitória, 1978. 90. Olisoa DM. Municipalização da Saúde em Vitória-ES: uma experiência participativa. [Dissertação]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública; 1999. 139 p. Mestrado em Saúde Pública. 91. 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Prefeitura Municipal de Vitória. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2008. Vitória, 2009 b. 111. Prefeitura Municipal de Vitória. Secretaria Municipal de Saúde. Protocolo de atenção à saúde bucal. Vitória, 2009 c. 112. Prefeitura Municipal de Vitória. Secretaria Municipal de Saúde. Relatório de Gestão 2009. Vitória, 2010. 113. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n.º 132 de 8 de março de 2005. Brasília, 2008. Habilita Centros de Especialidades Odontológicas (CEO) e Laboratórios Regionais de Prótese Dentária (LRPD). Brasília, 2005. 156 114. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 2.898 de 21 de setembro de 2010. Atualiza o anexo da Portaria GM/MS n. 600 de 24 de março de 2006. Brasília, 2010. 115. Pinheiro R. As práticas do Cotidiano na relação oferta e demanda dos serviços de saúde: um campo de estudo e construção da integralidade. In: Mattos RA, Pinheiro R. Os Sentidos da Integralidade na Atenção e no cuidado a Saúde. 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São Paulo: Hucitec; 2003. p.125-133. 157 Apêndice A TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (Dirigentes da política e das unidades especializadas e odontológos do CEO) Você está sendo convidado para participar da pesquisa de mestrado em desenvolvimento na Ensp/Fiocruz: “Política Nacional e Contexto Local: Uma Análise da Implementação da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo” Você foi selecionado por sua atuação como dirigente/ profissional da área de saúde bucal. A sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a Ensp/Fiocruz. O objetivo geral deste estudo é analisar o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) como dispositivo crítico da Política de Saúde Bucal na perspectiva da integralidade, com a realização de um estudo de caso no município de Vitória-E. S. Sua participação nesta pesquisa consistirá em conceder entrevista, falando da trajetória da saúde bucal na área de sua abrangência e sobre sua experiência no/com o CEO. Sua participação pode contribuir para a análise da trajetória da saúde bucal e ajudar a identificar os pontos relevantes para a melhoria na atenção à saúde bucal. As informações obtidas através dessa pesquisa serão divulgadas sem identificação de seu nome. A referência às informações fornecidas pelos entrevistados eventualmente será feita somente com menção ao cargo/ função que ocupam na rede, contudo, há possibilidade de identificação mediante função. Após o término do estudo, as informações ficarão guardadas com a pesquisadora, armazenadas de forma segura e protegidas contra revelação não autorizada. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sobre sua participação, agora ou a qualquer momento. _________________________________________________________________ Priscilla Caran Contarato Mestranda em Saúde Pública Ensp/ Fiocruz Cristiani Vieira Machado Orientadora e Pesquisadora do Daps/Ensp/Fiocruz Endereço e telefone do Pesquisador Principal: Priscilla Caran Contarato: Av. João Batista Parra, 775 , apto 1002 -Praia do Suá - Vitória, ES CEP: 29052-123. Tel. – (27) 3327 3743/ (27) 8821-9027 Endereço e telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública CEP / ENSP: Rua Leopoldo Bulhões, 1.480, andar térreo – Manguinhos - Rio de Janeiro, RJCEP. 21041-210. Tel e Fax - (21) 2598-2863 Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar. Rio de Janeiro, ____ de _______________ de 2010. _________________________________________ Sujeito da pesquisa 158 Apêndice B FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ Escola Nacional de Saúde Pública Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP Dissertação: Política Nacional e Contexto Local: Uma Análise da Implementação da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo Roteiro semi-estruturado de entrevista (Coordenador Estadual de Saúde Bucal) Data da entrevista: Local da entrevista: Nome: Cargo ocupado/ função: Coordenadora de Saúde Bucal do Estado do Espírito Santo Tempo de ocupação do cargo/ função: Trajetória profissional relevante anterior ao cargo (UF de origem, formação e atuação profissional; se atuava em SMS ou SES): Como se deu historicamente a estruturação da política de saúde bucal no Estado? Na sua visão, já ocorreram mudanças nas estratégias do Estado na área de saúde bucal? Quais foram? E quais foram os principais fatores que explicam essas mudanças? Na sua opinião, qual a prioridade da política de saúde bucal na agenda do governo do Estado? E na agenda da SES? Quais são as estratégias prioritárias adotadas no âmbito da política de saúde bucal pelo estado? Como essa política se relaciona com as demais áreas e políticas estaduais de saúde? Qual tem sido o papel da esfera estadual para a concretização desta política (financeiro, fiscalização, apoio)? Quais são os principais atores envolvidos na formulação e na implementação dessa política? (interna e externamente ao estado – ex: gestores de outras esferas, profissionais de saúde, movimentos sociais)? Que atores a apóiam ou não a apóiam? Quais foram/tem sido os maiores avanços dessa política no estado no período? Quais foram/ tem sido as maiores lacunas e dificuldades das políticas nessa área no período? Perguntar sobre dados disponíveis sobre a evolução da política. Considerações finais do entrevistado. 159 Apêndice C FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ Escola Nacional de Saúde Pública Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP Dissertação: Política Nacional e Contexto Local: Uma Análise da Implementação da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo Roteiro semi-estruturado de entrevista (Coordenador Municipal de saúde bucal) Data da entrevista: Local da entrevista: Nome: Cargo ocupado/ função: Coordenadora de Saúde Bucal do Município de Vitória Tempo de ocupação do cargo/ função: Trajetória profissional relevante anterior ao cargo (UF de origem, formação e atuação profissional; se atuava em SMS ou SES): Como se deu historicamente a estruturação da política de saúde bucal no município? Na sua visão, já ocorreram mudanças nas estratégias do município na área de saúde bucal? Quais foram? E Quais foram os principais fatores que explicam essas mudanças? Na sua opinião, qual a prioridade dessa política na agenda do governo municipal; da SMS e do estado? Quais são as estratégias prioritárias adotadas pelo município no âmbito da política de saúde bucal? Como essa política se relaciona com as demais áreas e políticas de saúde do município? Quais são os principais atores envolvidos na formulação e implementação dessa política? (interna e externamente ao município– ex: gestores de outras esferas, profissionais de saúde, movimentos sociais)? Que atores a apóiam ou que não apóiam? Qual tem sido o papel do CEO na atenção à saúde bucal? Como vê a sua atuação? (em relação à integração com outros serviços; capacidade de resolver problemas de saúde bucal?) Quais são os pontos positivos e fragilidades da atuação do CEO no município? Quais foram/tem sido os maiores avanços do município nessa área no período? Quais foram/ tem sido as maiores lacunas e dificuldades das políticas nessa área no período? Perguntar sobre dados disponíveis sobre a evolução da política. Considerações finais do entrevistado. 160 Apêndice D FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ Escola Nacional de Saúde Pública Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP Dissertação: Política Nacional e Contexto Local: Uma Análise da Implementação da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo Roteiro semi-estruturado de entrevista (Gerentes do Centro de Especialidades Odontológicas e de Unidades Especializadas) Data da entrevista: Local da entrevista: Nome: Cargo ocupado/ função: Tempo de ocupação do cargo/ função: Trajetória profissional relevante anterior ao cargo (UF de origem, formação e atuação profissional; se atuava em SMS ou SES): 1) Como se deu historicamente a estruturação da política de saúde bucal no município? 2) Na sua visão, já ocorreram mudanças nas estratégias do município na área de saúde bucal? Quais foram? Quais os fatores que explicam essas mudanças? 3) Na sua opinião, qual a prioridade dessa política na agenda do governo municipal? 4) Quais são as estratégias prioritárias adotadas no âmbito da política de saúde bucal no município? 5) Como você vê o papel do CEO nessa política? Como tem sido a atuação do CEO na prática? 6) Como o CEO se articula com os demais serviços da rede? 7) Que tipos de ações o CEO desenvolve satisfatoriamente e quais não consegue desenvolver? Porque? 8) Quais foram/tem sido os maiores avanços do CEO? 9) Quais foram/ tem sido as maiores lacunas e dificuldades do CEO? 10) Como têm funcionado os LRPD? 11) Como tem sido a articulação dos protesistas (cirurgiões-dentista da prótese) com os profissionais do LRPD? Perguntar sobre dados disponíveis sobre a evolução da política, dados de produção, cumprimento de metas. Considerações finais do entrevistado. 161 Apêndice E FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ Escola Nacional de Saúde Pública Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP Dissertação: Política Nacional e Contexto Local: Uma Análise da Implementação da Política de Saúde Bucal no Município de Vitória, do Espírito Santo Roteiro semi-estruturado de entrevista (Cirurgiões-dentista do Centro de Especialidades Odontológicas – CEO) Data da entrevista: Local da entrevista: Tempo de inserção no CEO/ Tipo de vínculo: Tempo de inserção na rede municipal de saúde : Formação e atuação profissional (especialidade): Como se deu sua inserção no CEO (concurso, contrato, outros)? Você fez algum tipo de capacitação antes de entrar no CEO? Qual a sua visão sobre o papel do CEO? Como é realizado o acesso das pessoas ao CEO (Ex. marcação de consulta, retorno)? No CEO são adotados protocolos clínicos? Qual a sua opinião sobre estes instrumentos? Na sua opinião, como os profissionais da rede básica estão se comportando em relação aos protocolos para encaminhamento ao CEO ? Como são organizados os fluxos entre a atenção básica e o CEO (referência, contrareferência)? Na sua opinião, como o CEO está articulado na rede de serviços? Quais foram/tem sido os maiores avanços do CEO? Quais foram/ tem sido as maiores lacunas e dificuldades do CEO? Para os profissionais que fazem prótese perguntar sobre os LRPD (articulação destes com a prótese, funcionamento, profissionais). Considerações finais do entrevistado.