Câncer de pulmão

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Janeiro/Junho 2016 • Ano 1 • nº 1
Câncer de pulmão
Atendimento integrado em
busca de melhores resultados
Entrevista
Pesquisadora Mariam
Jamal-Hanjani destaca os
avanços nos estudos da
heterogeneidade intratumoral
Apoio:
Rastreamento
Gravidade da
neoplasia exige
ações preventivas e
de diagnóstico precoce
Intervenção
Avanços na
cirurgia torácica
minimamente
invasiva
Toxicidade
Reações cutâneas
dos inibidores de
tirosino-quinase e
estratégias de manejo
Istockphotos
s umário
e ditorial
Espaço para debate e atualização médica
O
câncer de pulmão é a principal causa de morte por câncer nos Estados Unidos, com
um número estimado de 221 mil novos diagnósticos e 158 mil mortes em 2015, de
acordo com o National Cancer Institute (NCI). No Brasil, estima-se aproximadamente 28 mil
novos casos por ano. Com diagnóstico geralmente em estágios avançados e com abordagens
terapêuticas de custo cada vez mais elevados, a doença passou a ser considerada um problema
de saúde pública mundial, preocupando e mobilizando a comunidade médica e de pesquisadores a discutir e buscar melhores abordagens de prevenção, diagnóstico e tratamento. Tratar
de forma completa um tema relevante e complexo como o câncer de pulmão é o objetivo da
Onco&Tórax, mais uma iniciativa do Grupo Oncologia D’Or.
A abordagem integral e multidisciplinar em busca de melhor acesso e melhores resultados
é tema da principal reportagem desta primeira edição. A reportagem mostra a iniciativa do
Núcleo de Excelência em Oncologia Torácica (NEOTÓRAX) um projeto focado para pacientes com câncer de pulmão que engloba estratégias desde a prevenção até abordagens terapêu-
| entrevista
4
Mariam Jamal-Hanjani comenta estudos
sobre a heterogeneidade do câncer de pulmão
| capa
10
| rastreamento
17
| intervenção
20
| toxicidade
23
| curtas
29
Atendimento integrado em busca
de melhores resultados
Screening para câncer de pulmão
Humberto Alves de Oliveira
ticas inovadoras, passando por áreas que agreguem conhecimento e vislumbrem perspectivas
futuras, como a pesquisa clínica e a economia da saúde.
Abrindo esta edição, a entrevista com a Dra Mariam Jamal-Hanjani, médica e pesquisadora
premiada na área de oncologia, foca na importância do estudo TRACERx (TRAcking Cancer
Evolutiont hrought herapy (RX)) e os avanços no conceito e aplicabilidade da heterogeneidade tumoral.
Na seção de artigos, o câncer de pulmão ganha três abordagens distintas. O cirurgião
Humberto Alves de Oliveira discute a necessidade de implementação de programas de rastreamento diagnóstico do câncer de pulmão no âmbito nacional e seus possíveis impactos. Escrito
a seis mãos, o crescente uso da cirurgia minimamente invasiva torácica é abordado pelos oncologistas Paula A. Ugalde, Anderson Nassar e Flávio Brito Oliveira. Eles destacam a renovação
não apenas na forma de tratar os pacientes, mas também na rotina de trabalho dos cirurgiões
torácicos. Em outro artigo, o tema abordado por Luiza Kassuga e Dolival Lobão é o manejo da
toxicidade cutânea relacionada aos inibidores de tirosino-quinase. Os especialistas mostram as
formas mais comuns de reação cutânea e as alternativas mais eficazes de intervenção.
Boa Leitura!
Carlos Gil Ferreira
Cirurgia minimamente invasiva, o que há
de evidências
Paula A. Ugalde, Anderson Nassar
e Flávio Brito Filho
Estratégias de manejo para
reações cutâneas
Luiza Kassuga e Dolival Lobão
FDA aprova novas opções terapêuticas
para o câncer de pulmão
* Diretor institucional da Oncologia D’Or
c onselho editorial
Ano 1 • número 1 • janeiro/junho 2016
Publisher: Simone Simon
[email protected]
Editorial: Jiane Carvalho (MTb 23.428/SP)
[email protected]
Jornalista: Ana Gonçalves
[email protected]
Direção de arte/Prepress: Ione Franco
[email protected]
Comercial: Bruno Lima
[email protected]
Revisão: Patrícia Villas Bôas Cueva
Colaboraram nesta edição: Anderson Nassar,
Dolival Lobão, Flávio Brito Filho, Humberto
Alves de Oliveira, Lourdes Rodrigues,
Luiza Kassuga, Mariam Jamal-Hanjani,
Martha San Juan França, Paula A. Ugalde
A revista Onco&Tórax – Oncologia para todas as especialidades,
com foco na abordagem do câncer de pulmão é uma realização
da Associação de Pesquisa Clínica (APC), com apoio da Oncologia
D’Or NEOTóRAx – Núcleo de Excelência em Oncologia Torácica
e do IDOR – Instituto D´Or Pesquisa e Ensino. Traz informações
sobre oncologia torácica a todos os interessados no tema, com
periodicidade semestral, tem distribuição nacional e gratuita por
todo território brasileiro. A reprodução do conteúdo da revista é
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Barros Franco
Luiz Paulo Loivos
Luciano P. Santos
Markus Gifoni
Humberto Alves de Oliveira
Flavio Brito
Rosana Rodrigues
Sérgio Altino
Luiz Felipe Judice
Denis Ferraz
Marcelo Kalizschtein
Vera Capelozzi
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
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e ntrevista
Fotos: Murillo Constantino
Fazendo a diferença
Complexidade tumoral
no centro do debate
Por Martha San Juan França
Mariam Jamal-Hanjani
* Completou suas graduações em Física e Medicina na University College London
antes do seu treinamento como médica oncologista, em Londres. Em 2012, foi premiada com o “Cancer Research UK Clinical Research Fellowship” no laboratório do
Professor Charles Swanton. Seus interesses em pesquisa incluem o estudo da heterogeneidade clonal e o uso de biomarcadores circulantes para decifrar a arquitetura
clonal do tumor de pulmão. Tem contribuído para o desenvolvimento do UK TRACERx,
estudo que investiga esses aspectos, no câncer de pulmão não-pequenas células.
4
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
D
urante muito tempo, o tratamento
sistêmico dos tumores teve como
base drogas quimioterápicas ou citotóxicas. Nas últimas décadas, a descoberta de
determinadas mutações genéticas possibilitou
o desenvolvimento de terapias-alvo específicas
que demonstraram resultados expressivos com
taxas de respostas nunca antes alcançadas na
oncologia. Contudo, mais recentemente, a per-
“O futuro do
tratamento do
câncer de pulmão
e do tratamento
personalizado deverá
basear-se na integração das características
genéticas e fenotípicas
tumorais para
determinar as
melhores estratégias
terapêuticas para
cada paciente”
cepção do surgimento de mecanismos de
resistência às terapias-alvo, aliada ao maior
conhecimento proporcionado pelo sequenciamento e análise do DNA, consolidou o
conceito de heterogeneidade tumoral. Com
o conceito de heterogeneidade tumoral,
acredita-se que um mesmo tumor pode conter de dezenas a milhares células diferentes,
espacialmente separadas, demonstrando
a necessidade de um maior entendimento
para o desenvolvimento de novas linhas de
tratamento. No caso do câncer de pulmão,
que está hoje entre os tumores malignos
mais frequentes e que mais matam no
mundo, a variedade de alterações genéticas
é uma das causas do sucesso limitado no
tratamento. O ataque a uma mutação identificada na biópsia pode ser bem-sucedido
apenas em uma parte do tumor, deixando
outras células mutantes livres para se multiplicarem. Segundo o oncologista Charles
Swanton, do London Research Institute e
um dos maiores especialistas em evolução
do câncer, cada tumor é diferente do outro
e em um mesmo tumor existem populações
diferentes de células espacialmente separadas, e isso ajuda a explicar por que o câncer
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
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é tão difícil de ser estudado e tratado. Assim,
a melhor terapêutica para um determinado
tumor pode ser contraditória, dependendo da
região do tumor onde é realizada a biópsia.
Em um artigo recente publicado no New
England Journal of Medicine, Swanton reconstruiu a história evolutiva dos tumores de
quatro pacientes com câncer renal, coletando amostras de várias regiões em
momentos diferentes, bem
como de suas metástases. Em cada amostra
foram
analisados
mutações, padrões
de atividade genética e estrutura
dos cromossomos.
O resultado dessa
análise evidenciou
uma diversidade intratumoral tão expressiva que o autor chega a
classificar como
“desconcertante”. Swanton e sua equipe chegaram a encontrar sinais de que os tumores
tinham desativado o mesmo gene de três maneiras diferentes, demonstrando assim a complexidade da doença.
Em outro estudo, publicado na Science,
Swanton chama a atenção para a evolução do câncer de pulmão que por ser assintomático na doença inicial dificulta o diagnóstico precoce, sendo
na maioria dos casos diagnosticado com doença
avançada. Nesse momento, o tumor já percorreu diferentes fases evolutivas, as células tumorais desenvolveram inúmeras mutações, tornando partes diferentes do mesmo tumor geneticamente únicas, tornando mais difícil a ação dos
medicamentos.
Para entender essa evolução e como o tumor
de pulmão sofre mutações e pode se adaptar
ou tornar-se resistente aos tratamentos, Swanton coordena o estudo multicêntrico TRACERx
(TRAcking Cancer Evolution through therapy
(Rx)) e trabalha em conjunto com a oncologista Mariam Jamal-Hanjani, que nos explicará a
seguir detalhes desta pesquisa,o cenário atual e
futuro da questão da heterogeneidade tumoral
e sua aplicação clínica.
Onco&Tórax – Você poderia explicar o que
é a teoria da heterogeneidade intratumoral
e como você começou a trabalhar com essa
linha de pesquisa?
Mariam Jamal-Hanjani – A heterogeneidade tumoral descreve a presença de diferentes
populações de células cancerígenas (chamadas
subclones) que estão espacialmente separadas
no interior do tumor e são relacionadas genética e fenotipicamente. Atualmente, com base
em dados de sequenciamento genômico, há
evidências de que a heterogeneidade intratumoral está presente em muitos tipos de tumores sólidos e hematológicos.
Meu interesse em heterogeneidade tumoral
começou como parte do meu doutorado no
laboratório do professor Charles Swanton, no
Instituto de Câncer da University College Lon-
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janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
don (UCL), em Londres, onde nós usamos o
sequenciamento completo de exoma multiregional para decifrar o panorama genômico heterogêneo do câncer de pulmão não-pequenas
células (CPNPC). Em nosso laboratório, nós
também fazemos essa mesma investigação em
outros tipos de tumores sólidos, como câncer
de rim e de cérebro.
Onco&Tórax – Quais são as implicações da teoria da heterogeneidade intratumoral para a sensibilidade ou resistência do tumor à quimioterapia, à radioterapia ou a outros tratamentos?
Mariam Jamal-Hanjani – Para determinar a
sensibilidade tumoral a um determinado tipo
de tratamento, tal como os inibidores de tirosina cinase (TKI’s), nós contamos com a detecção de uma mutação sensibilizante no gene do
EGFR. Com a heterogeneidade intratumoral,
há um potencial viés de amostragem; assim,
dependendo do local do tumor no qual uma
única biópsia diagnóstica foi realizada, uma
mutação que é um alvo terapêutico nem sempre poderá ser detectada. Neste caso, a opção
terapêutica mais apropriada poderia não ser
implementada. De maneira similar, a presença
de uma mutação conhecida por estar associada
a resistência à droga pode não ser detectada, e
isso poderia ter implicações para as estratégias
terapêuticas tanto no diagnóstico como no caso
de recidivas da doença.
Sabemos que nos tumores de mama, ovário
e esôfago, há evidência de amplificação heterogênea do gene HER2, e que nos tumores
cerebrais, como o glioblastoma, há evidências
de amplificação heterogênea dos genes EGFR,
PDGFRA, MDM4, AKT3 e PTEN. Isso significa
que uma única biópsia diagnóstica pode não ser
capaz de sempre detectar estas mutações devido
a heterogeneidade tumoral.
Considerando a terapia-alvo, há evidências
crescentes apoiando a idéia de que resistência
adquirida a medicamentos durante o tratamento pode estar associada à seleção de subclones
que contêm uma mutação de resistência à dro-
ga. Por exemplo, foi demonstrado que CPNPC
EGFR-mutado, contendo mutação subclonal
T790M ao diagnóstico, está associado a resistência precoce aos inibidores de tirosina cinase e sobrevida livre de progressão mais curta.
De maneira semelhante, demonstrou-se que
tumores colorretais EGFR mutados ao diagnóstico estão associados a resistência à terapia
anti-EGFR. Estudos em tumores do trato gastrointestinal e do cérebro tiveram resultados
semelhantes. Não há muitos estudos relacionados à resistência à quimio e radioterapia, mas
é plausível supor que essas terapias atuarão em
subclones sensíveis no tumor, permitindo que
os subclones resistentes cresçam e levem à progressão da doença em algum momento no futuro. Mais estudos são necessários para determinar exatamente como esquemas específicos
de quimioterapia podem afetar a heterogeneidade intratumoral e a resposta ao tratamento.
Onco&Tórax – Você poderia explicar o que é
o projeto TRACERx e como ele pode ajudar na
compreensão do comportamento do câncer de
pulmão?
Mariam Jamal-Hanjani – O Lung TRACERx (Tracking Cancer Evolution through
Therapy (Rx), ClinicalTrials.gov number,
NCT01888601) é um estudo prospectivo multicêntrico do Reino Unido, patrocinado principalmente pela Cancer Research UK, com o
objetivo de recrutar 842 pacientes com CPNPC
estadios I-IIIA, com seguimento de 5 anos para
cada paciente. Tumores primários ressecados
cirurgicamente de um CPNPC e os seus linfonodos associados serão coletados destes pacientes e serão submetidos ao sequenciamento genômico completo e/ou sequenciamento
completo do exoma multiregional. No subgrupo de pacientes que apresentarem recidiva da
doença, será feito nova biópsia dessa região,
para sequenciamento. Além disso, serão coletados biomarcadores circulantes, como o DNA
tumoral circulante e células tumorais circulantes desses pacientes. Em alguns pacientes que
“A heterogeneidade
tumoral descreve
a presença de diferentes populações de
células cancerígenas
(chamadas subclones)
que estão espacialmente separadas no interior
do tumor e são relacionadas genética e
fenotipicamente.”
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
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“Através do rastreamen-
to da dinâmica clonal
desses tumores, desde
o diagnóstico até a recidiva, nós poderemos
ter um melhor entendimento da evolução
desses tumores de
pulmão e como essa
evolução pode impactar
nos desfechos clínicos
e em relação à resposta
ao tratamento.”
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janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
sofreram recorrência da doença e progressão
metastática subsequente, o tecido post-mortem
também será coletado e analisado. Os objetivos primários do TRACERx são determinar a
relação entre a heterogeneidade intratumoral
e o desfecho clínico e estabelecer o impacto
de tratamentos adjuvantes contendo platina
na heterogeneidade tumoral da doença recidivada. Os objetivos secundários incluem o desenvolvimento e a validação de um índice de
heterogeneidade intratumoral como biomarcador prognóstico ou preditivo e determinar a
relação entre heterogeneidade tumoral e resposta imune.
Através do rastreamento da dinâmica clonal
desses tumores, desde o diagnóstico até a recidiva, nós poderemos ter um melhor entendimento da evolução desses tumores de pulmão e como essa evolução pode impactar nos
desfechos clínicos e em relação à resposta ao
tratamento.
Onco&Tórax – Você poderia explicar como a
compreensão da heterogeneidade intratumoral
é importante para a aplicação da imunoterapia
e vice-versa, ou seja, como a imunoterapia pode
influenciar a heterogeneidade intratumoral?
Mariam Jamal-Hanjani – Assim como a heterogeneidade intratumoral pode ter implica- ções nas terapias-alvo, o mesmo também
pode ocorrer de forma similar no caso de imunoterapias, tais como anti-PD-1 e anti-PD-L1.
Entretanto, o efeito geral da heterogeneidade
intratumoral na resposta imune anti-câncer
pode ser benéfica. Altos níveis de diversidade
mutacional intra-tumoral podem gerar novos
antígenos, os quais o sistema imune reconhece como “estranhos”, fornecendo alvos para a
imunoterapia. Esse é um dos objetivos do es-
tudo TRACERx - determinar a relação entre o
grau de heteroge- neidade intratumoral e a infiltração de células imunes no tumor.
Onco&Tórax – O que você espera para o futuro
do tratamento do câncer de pulmão?
Mariam Jamal-Hanjani – Embora eu não
esteja sugerindo que, em razão da heterogeneidade intratumoral, nós deveríamos fazer
múltiplas biópsias dos tumores do paciente, eu
acredito que é importante estabelecer estudos
longitudinais que integrem o sequenciamento
genômico com o fenotípico (levando em conta
o microambiente) e os dados clínicos, como estamos fazendo com o TRACERx, de modo que
no futuro possamos entender como os tumores
evoluem no tempo e no espaço e como esses
fatores impactam nos desfechos clínicos e na
resposta aos tratamentos.
Eu acho que o futuro do tratamento do câncer de pulmão e do tratamento personalizado
deverá basear-se na integração das características genéticas e fenotípicas tumorais para determinar as melhores estratégias terapêuticas para
cada paciente. Esses estudos poderão ajudar
a identificar padrões de progressão da doença e informar novas estratégias de tratamento,
tais como aqueles baseados na imunoterapia.
Estabelecer e validar o uso de biomarcadores
circulantes na prática clínica também pode
trazer implicações significativas como, por
exemplo, no estabelecimentodo do perfil tumoral de maneira não invasiva, na monitorização
da evolução tumoral, na detecção de tumores
em estadios iniciais, na resposta ao tratamento e no desenvolvimento de doença resistente.
Além disso, biomarcadores circulantes podem
ser usados para representar o panorama clonal
heterogêneo dos tumores. G
c apa
Fotos: Istockphotos
Câncer de Pulmão
Atendimento integrado em
busca de melhores resultados
Por Lourdes Rodrigues
P
elo elevado número de novos casos por
ano – em torno de 1,8 milhão, com
mais de 1,5 milhão de mortes –, por
geralmente ser diagnosticado em fase avançada
e pelo alto custo do tratamento, o câncer de
pulmão é considerado um problema de saúde
pública no mundo. É o câncer de maior incidência nos Estados Unidos e na Europa. No
Brasil, são diagnosticados aproximadamente
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janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
28 mil novos casos a cada ano.
Esses números impressionam e preocupam
e em resposta a eles, nos últimos dez anos, o
mundo tem registrado um expressivo avanço
no tratamento contra o câncer de pulmão. Esta
evolução contribuiu para uma melhora na sobrevida e na qualidade de vida dos pacientes,
entretanto nem sempre estas novas tecnologias
estão disponíveis no cenário nacional. Há mui-
Segundo Carlos Gil, oncologista clínico, pesquisador do Instituto D’Or e idealizador do
NEOTÓRAX o objetivo maior deste projeto
é criar no Brasil o primeiro grupo realmente
especializado em câncer de pulmão que vê a
doença como um todo: da prevenção ao diagnóstico, passando pelo tratamento especializado de qualidade. “Queremos aumentar o acesso
ao tratamento correto do paciente de câncer de
pulmão no país, o que pode mudar a história
natural gerando um benefício real no prognóstico dessa doença. ”
Prevenção e diagnóstico precoce
to a ser feito para que os avanços em prevenção, diagnóstico e diferentes formas de tratamento sejam implementados de modo amplo
no país. A criação de unidades especializadas,
de atendimento integrado, e dedicadas ao câncer de pulmão tem sido o caminho adotado
pelos grandes centros em busca de melhores
resultados. Esta é a proposta do NEOTÓRAX –
Núcleo de Excelência em Oncologia Torácica.
De acordo com a Organização Mundial de
Saúde (OMS), cerca de 80% a 90% dos tumores de pulmão têm relação direta com o
tabagismo. João G. Pantoja, diretor de Prática
Médica da Rede D’Or São Luiz e coordenador
de pneumologia da Rede D’Or, lembra que a
epidemia do cigarro teve seu auge com 40% a
50% da população sendo fumante, e as consequências desse hábito se apresentaram entre 20
e 30 anos depois.
Dados publicados em 2015 pelo Ministério da Saúde demonstram que o percentual
de brasileiros que fumam caiu 30,7% nos últimos nove anos e atualmente, o tabagismo
acomete 10,8% dos brasileiros. “Os programas antitabagismo desenvolvidos pelo Ministério da Saúde há mais de uma década estão
apresentando muito sucesso, porém não são
específicos para evitar o câncer de pulmão. No
Brasil, nunca houve uma política pública ou
privada para controle específico do câncer de
pulmão”, diz Gil.
A médica radiologista especialista em doenças pulmonares Rosana Rodrigues, também
integrante do NEOTÓRAX, cita os programas
de screening propostos para câncer de pulmão
por meio de tomografia computadorizada de
baixa dose de radiação presentes na Europa e
também nos Estados Unidos. “O National Lung
Screening Trial – NLST mostrou que a realização do rastreio permite diagnóstico numa fase
mais precoce da doença e reduz em 20% a
“Há muito a ser feito
para que os avanços em
prevenção, diagnóstico
e diferentes formas de
tratamento sejam
implementados de
modo amplo no país”
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
11
“Queremos aumentar o
acesso ao tratamento
correto do paciente
de câncer de pulmão
no país, o que pode
mudar a história
natural gerando
um benefício real
no prognóstico
dessa doença”
mortalidade por câncer de pulmão em pessoas
com alto risco para desenvolver a doença (fumantes ou ex-fumantes)”, exemplifica Rosana.
“Não existe nenhum programa nesse sentido
no Brasil, e essa é uma das bandeiras do Programa NEOTÓRAX. Com o diagnóstico precoce
há chance de cura”, acrescenta Carlos Gil.
Políticas antitabagismo, educação e informação da população são importantes para a prevenção dessa doença. Entretanto, aproximadamente 10% dos pacientes com diagnóstico
de câncer de pulmão nunca fumaram. “Tratase de um grupo muito diferente do grupo de
pacientes tabagistas, tanto do ponto de vista
epidemiológico como molecular, terapêutico
e de prognóstico”, relembra Tatiane Montella,
oncologista clínica e diretora técnica do NEOTÓRAX, da Oncologia D’Or. Geralmente representado por uma população mais jovem e com
grande presença de mulheres, para esse grupo
de pacientes ainda não existem métodos preventivos que reduzam o risco de desenvolver a
doença, mas já estão sendo realizadas diversas
pesquisas em todo o mundo com o objetivo de
identificar perfis moleculares específicos e tratamentos oncológicos guiados para cada perfil.
Cenário atual, estadiamento e
abordagem cirúrgica
Altamente letal, a sobrevida média cumulativa total em cinco anos no câncer de pulmão
varia entre 13% e 21% em países desenvolvidos e entre 7% e 10% nos países em desenvolvimento. “A neoplasia de pulmão é classificada,
principalmente, de acordo com a histologia,
definindo assim diferentes fatores prognósticos e propostas terapêuticas. O carcinoma de
pulmão de pequenas células (CPPC) representa
menos de 15% dos cânceres de pulmão. Em
contrapartida, a maioria dos casos de tumores
de pulmão, cerca de 80%, é do tipo carcinoma de pulmão não pequenas células (CPNPC),
sendo de 35% a 40% adenocarcinomas, de
25% a 30% células escamosas, e de 10% a 15%
de grandes células”, explica Tatiane Montella.
Apenas 20% dos casos de CPNPC são con-
12
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
siderados cirúrgicos. A cirurgia é definida de
acordo principalmente com estado clínico do
paciente e com estadiamento clínico da doença. “O estadiamento do câncer de pulmão é dinâmico e de tempos em tempos ele muda para
facilitar principalmente a seleção do tratamento
a ser feito. Isso ocorreu em setembro de 2015,
quando, no Congresso Mundial de Câncer de
Pulmão em Denver (EUA), uma nova classificação foi proposta. Esse novo sistema de estadiamento será divulgado amplamente em 2016,
para ser definitivamente implantado em nível
mundial em 2017”, diz Rui Haddad, coordenador da Equipe de Cirurgia Torácica do Hospital
Copa D’Or e integrante do grupo NEOTÓRAX.
De acordo com Haddad, a cirurgia mais indicada para o câncer de pulmão em estágio I e II
é a lobectomia por vídeo com linfadenectomia
hilar e mediastinal. Bilobectomias direitas por
vídeo (superior e média e média e inferior) são
também utilizadas quando o tumor cruza a fissura ou compromete estruturas que dificultam
a lobectomia. A pneumonectomia (por toracotomia ou por vídeo) é um procedimento válido
em lesões que acometem estruturas bronco-
vasculares hilares, mas deve ser evitada sempre que possível. “Por vezes, em um paciente
com indicação inicial de pneumonectomia,
podemos tentar a quimioterapia pré-operatória
e conseguir com isso ressecar menos pulmão.
Tumores mais avançados devem ser abordados
por toracotomia, para evitar que se rompam
durante a cirurgia e para facilitar a ressecção
R0.” Todo o tratamento depende de uma visão
multidisciplinar.
Pacientes com função pulmonar comprometida ou com doenças cardíacas, renais ou
outras que tornem sua cirurgia por lobectomia um procedimento de alto risco, podem ser
submetidos a ressecções sublobares por vídeo
(segmentectomia anatômica com linfadenectomia ou ressecção em cunha), com percentuais
aceitáveis de sucesso. “Quando o risco é muito
alto ou proibitivo, podemos optar por conduta
não cirúrgica, e muitos desses pacientes podem
fazer SBRT (stereotatic body radiotherapy) ou
outros tratamentos locais como a ablação por
radiofrequência ou similares.
A cirurgia robótica no câncer de pulmão é
um procedimento que vem ganhando força na
literatura, mas essa tecnologia ainda é muito
cara e o treinamento muito longo. “As novas
gerações de cirurgiões devem, sem dúvida,
mergulhar com seriedade nessa empreitada”,
diz Haddad.
A tecnologia tem sido aliada dos cirurgiões
torácicos, primeiro na melhor indicação cirúrgica. Há pouco mais de 40 anos a taxa de
toracotomias exploradoras em oncologia torácica era maior que 35%, entendendo-se como
exploradora a toracotomia fútil, sem intervenção maior do que uma biópsia da lesão. Com
a introdução da tomografia computadorizada
e, principalmente, com o emprego universal
do estadiamento do câncer, essa taxa caiu para
10%. Depois da disseminação do uso do PET-CT e da videocirurgia, ela está bem próxima
de zero.
O cirurgião conclui dizendo acreditar que a
cirurgia como é feita hoje será extinta em 10 ou
15 anos, “sendo progressivamente substituída
por intervenções robóticas, ou quem sabe até
genômicas, ou tratamentos personalizados baseados em drogas formuladas especificamente
para intervir no ciclo de divisão celular daquele tumor, naquele paciente, naquele momento,
promovendo a destruição do câncer com mínimo prejuízo para o paciente. Outro campo que
ainda vai dar muito que falar é o da nanotecnologia. Nessa área, minúsculos robôs guiados
por um GPS genômico poderão colocar drogas
para tratar doenças diretamente no citoplasma
da célula doente, mas isso é uma outra conversa. É acreditar e esperar para ver”.
Tratamentos farmacológicos, perspectivas futuras e pesquisa clínica
Aproximadamente 78% dos casos de câncer
de pulmão são diagnosticados com doença metastática ou doença avançada. “Durante muito
tempo, a única proposta de tratamento para pacientes com diagnóstico de câncer de pulmão
metastático era a quimioterapia sistêmica citotóxica com esquemas baseados em doublet de
platina”, diz Tatiane. A primeira mudança na
história do câncer de pulmão aconteceu quando se entendeu a importância da histologia no
tratamento desta neoplasia. “O estudo de 2008
de não inferioridade que comparou cisplatina
e pemetrexede versus cisplatina e gencitabina
teve um papel importante nessa descoberta,
quando foi possível observar benefício em relação à sobrevida global da população de pacientes com CPNPC não escamoso que recebeu
cisplatina e pemetrexede em relação à mesma
população que recebeu tratamento com gencitabina e cisplatina (11,8 meses vs 10,4 meses,
respectivamente; P=,005) ”, diz Tatiane.
A especialista acrescenta que, nos últimos
dez anos, com o avanço nas descobertas de alterações celulares e genéticas variadas, o adenocarcinoma, tipo histológico mais comum de
CPNPC, passou a ser reconhecido como uma
doença heterogênea, representado por pelo
menos 20 tipos diferentes de doença. “Com a
evolução da biologia molecular e a descoberta
de genes e produtos proteicos que regulam o
“O cenário do tratamen-
to do câncer de pulmão
apresentou mudanças
drásticas na última
década. As perspectivas
futuras englobam os
avanços da biologia molecular e o tratamento
das resistências medicamentosas oriundas
dessa abordagem”
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
13
“Para que essas novas
drogas sejam realidade
no nosso país, é fundamental que tenhamos
dados robustos, que
reconheçamos o perfil
do paciente com câncer
de pulmão no Brasil e
os custos relacionados à
doença no cenário nacional, para assim discutirmos políticas
de implementação de
novas tecnologias”
14
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
crescimento e a progressão tumoral, o foco das
pesquisas se voltou para a terapia-alvo, uma
ação mais dirigida, com menores danos às células saudáveis e menos efeitos colaterais.”
Nesse campo, a mudança de paradigma
aconteceu com a descoberta da mutação do
receptor de fator de crescimento epidérmico
(EGFR) como alvo terapêutico a partir do estudo IPASS, publicado em 2009. Nesse estudo
fase III, gefitinibe (um inibidor de tirosino-quinase- TKI) foi comparada ao esquema de quimioterapia com carboplatina e paclitaxel. Uma
análise planejada de subgrupos confirmou o
benefício em sobrevida livre de progressão nos
pacientes que apresentavam a detecção da mutação de EGFR (9,5 meses com gefitinibe versus 6,3 meses com quimioterapia, p<,001). A
taxa de resposta também foi significativamente maior em pacientes com a mutação (71,2%
com gefitinibe versus 47,3% com quimioterapia, p<,001) A partir desse estudo, os inibidores de TK tornaram-se o tratamento de primeira linha de escolha para pacientes com CPNPC
com mutação de EGFR.
“Seguindo esse raciocínio, outras mutações,
como ALK e ROS, foram identificadas nos pacientes com adenocarcinoma de pulmão metastático, e terapias-alvo específicas foram desenvolvidas, como o tratamento com crizotinibe,
mostrando mais uma vez altas taxas de resposta e benefícios muito maiores do que os previamente conhecidos”, complementa Tatiane
Montella.
Mais recentemente, a imunoterapia passou a
ser uma nova opção de tratamento para os pacientes com câncer de pulmão. Com conceito
bastante diferente das terapias já conhecidas,
a imunoterapia também proporciona em uma
parcela selecionada de pacientes resultados
bastante animadores. O cenário do tratamento do câncer de pulmão apresentou mudanças
drásticas na última década. As perspectivas futuras englobam os avanços da biologia molecular e o tratamento das resistências medicamentosas oriundas dessa abordagem. Além disso,
a imunoterapia possivelmente será prática co-
mum no tratamento da doença.
Segundo o oncologista do grupo D’Or Álvaro
Garces, a associação entre imunoterapia e oncologia remonta ao século XIX, e desde então
grandes progressos sobre a compreensão do
funcionamento e a interação do sistema imune com o desenvolvimento e o crescimento
tumoral têm sido feitos. “Sob a premissa de
que o sistema imune tem importante papel na
eliminação das células tumorais e que o tumor
desenvolve mecanismos para escapar da vigilância do sistema imunológico, extensa pesquisa nesse campo tem sido realizada. De maneira diferente da quimioterapia, que tem como
alvo as células com alto índice de divisão, e das
terapias-alvo, que atuam em vias moleculareschave (que permitem o crescimento e a invasão tumoral), a imunoterapia auxilia o sistema
imune a reconhecer o tumor como estranho ao
hospedeiro, estimula a resposta imunológica e
atenua a inibição do sistema imune promovida
pelo tumor, o que permitiria tolerância ao crescimento neoplásico”, explica Alvaro Garces.
Para que as células do tumor sejam atacadas
pelo sistema imunológico, uma série de eventos deve ocorrer: reconhecimento das células
tumorais, apresentação dos antígenos tumorais
às células T, ativação de células T e posterior
ataque direto ao tumor. “Vários checkpoints
do sistema imunológico existem para atenuar
a ação do sistema imune contra autoimunidade, por exemplo. No contexto oncológico, tais
checkpoints podem levar à tolerância de células
tumorais e à consequente progressão da doença
neoplásica. O PD-1 (programmed death receptor – 1) é um importante checkpoint caracterizado como alvo terapêutico em câncer de
pulmão não pequenas células. Essa proteína é
hiperexpressa nas células T ativadas e, após o
reconhecimento do tumor pelo receptor da célula T, a ligação do PD-1 ao PDL- 1 (programmed death ligand - 1) pode levar à inativação
da célula T.
Nivolumabe e pembrolizumabe, anticorpos
monoclonais antagonistas do PD-1, são medicamentos que já foram aprovados para o trata-
mento de câncer de pulmão não pequenas células na Europa e nos
Estados Unidos em 2015.
O nivolumabe foi aprovado pelo FDA para o tratamento de câncer de pulmão não pequenas células do tipo escamoso após progressão de doença ao tratamento inicial com quimioterapia à base de
platina. Tal aprovação se deu em seguida à apresentação dos resultados obtidos pelo estudo CheckMate017. Esse estudo mostrou maior
sobrevida global entre os pacientes que receberam nivolumabe (9,2
meses) em relação aos pacientes tratados com quimioterapia padrão
– docetaxel (6 meses). Pacientes tratados com nivolumabe tiveram
taxa de resposta de 20% comparada a apenas 9% dos pacientes tratados com docetaxel (P = 0,008).
Nivolumabe também já foi aprovado pelo FDA para o tratamento
de câncer de pulmão não pequenas células não escamoso. O estudo
CheckMate057, publicado em 2015, mostrou que pacientes com
câncer de pulmão não pequenas células não escamoso que tiveram
progressão da doença após tratamento à base de platina beneficiamse do tratamento com nivolumabe quando comparado ao docetaxel
(sobrevida global de 12,2 x 9,3 meses, taxa de resposta de 19% x
12% e duração de resposta de 17 x 6 meses, respectivamente).
Pembrolizumabe, outro anticorpo IgG4 anti- PD1, também foi
recentemente aprovado pelo FDA para pacientes com câncer de
pulmão não pequenas células. O estudo KEYNOTE-001 avaliou
a segurança e a eficácia dessa medicação. Como resultados, a taxa
de resposta foi de 19%, com mediana de duração de resposta de
12,5 meses, sobrevida livre de progressão de 3,7 meses, além de
sobrevida global de 12 meses.
“Entretanto, para que essas novas drogas sejam realidade no nosso país, é fundamental que tenhamos dados robustos, que reconheçamos o perfil do paciente com câncer de pulmão no Brasil e
os custos relacionados à doença no cenário nacional, para assim
discutirmos políticas de implementação de novas tecnologias”, afirma Tatiane Montella. “Esse projeto tem uma parceria muito próxima
com o Instituto D’Or de Pesquisa, o que permite além da geração
de dados e do entendimento do perfil de pacientes com câncer de
pulmão no Brasil, a inclusão de pacientes em estudos clínicos, possibilitando a eles acesso a drogas e/ou terapêuticas inovadoras”, reforça Carlos Gil.G
Economia da saúde
É inquestionável que o câncer de pulmão representa hoje no nosso país, e no
mundo, um problema de saúde pública que causa impactos significativos na
economia e na sociedade como um todo.
A incorporação de novas tecnologias e os avanços no tratamento farmacológico
são marcos importantes e fundamentais desta nova era. Todas essas inovações em
busca de soluções que tragam uma mudança na história natural da doença e no
prognóstico destes pacientes vêm repercutindo de forma expressiva na questão
dos custos gerados na abordagem desses doentes, tanto no âmbito do SUS como
no setor privado. Neste sentido, o entendimento sobre o gerenciamento dos recursos disponíveis se faz mais que essencial no contexto atual.
“O NEOTÓRAX tem o compromisso de gerar dados sobre o impacto econômico
do câncer de pulmão no Brasil: quanto custa a doença para o país, qual o prejuízo,
que tipo de estratégia (custo-efetivo) vale a pena ser feita. Manteremos um olhar
macro sobre o câncer no Brasil, não só para ajudar individualmente, mas para
ajudar na conscientização sobre a doença no país, baseados em dados que serão
gerados por nossas pesquisas, e assim mudar o cenário dessa doença por aqui
na próxima década”, explica Carlos Gil.
Economia da saúde abrange múltiplas questões e farmacoeconomia pode ser
considerada como ponto de partida para discussão desse tema tão amplo. Ela
surgiu nos moldes atualmente empregados na década de 80, quando conceitos
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
15
como custo-efetividade e custo-benefício foram inicialmente
aplicados em estudos clínicos.
Obter a máxima eficiência no uso dos recursos, uma vez que
sabemos que as necessidades tendem a ser ilimitadas, os recursos finitos e os custos crescentes, é um dos pontos importantes
relacionados ao tema.
“O entendimento sobre o assunto nos permite uma avaliação
objetiva do tratamento do paciente, ajudando assim na tomada
de decisões, na harmonização e na adequação das formas de
uso dos recursos. No Brasil, a criação da Comissão de Incorporação de Tecnologias do Ministério da Saúde/ CITEC em 2006
e a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS
do Ministério da Saúde/CONITEC em 2012 introduziram a discussão no país, mas ainda é tudo muito novo”, diz Bruna Carvalho, oncologista clínica do grupo NEOTÓRAX e da Rede D’Or.
Na farmacoeconomia, o custo é um dado muito complexo. O
custo de um tratamento engloba múltiplos pontos que podem
estar relacionados a valores financeiros ou não.
Os custos que chamamos de diretos representam as retiradas
reais, como o custo com o material usado na infusão do quimioterápico ou o custo com o salário pago aos profissionais relacionados ao tratamento, direta ou indiretamente. Já os custos
indiretos representam os custos da morbidade da doença. São
o que chamamos de ganhos não realizados, como a perda da capacidade de trabalho por questões relacionadas ao tratamento
16
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
ou a doença. E os custos intangíveis se referem, por exemplo,
a perda da qualidade de vida por dor ou sofrimento. A essas
questões não podemos atribuir valores monetários, mas estão
indiretamente relacionadas, certamente.
Não resta dúvida que os avanços na abordagem do câncer
de pulmão são enormes, desde o screening até o tratamento
de fato. Todos esses avanços estão diretamente relacionados
a maiores custos e isso impacta no orçamento do sistema de
saúde de todo o mundo. A pergunta que fica é: seremos capazes de custear todas essas novidades? Como fazer isso da
melhor forma sem prejudicar o tratamento dos pacientes?
Como eles enxergam a própria doença e o que esperam do
seu tratamento?
O grupo NEOTÓRAX vê essa questão de forma muito relevante. “Entendemos que a política de saúde, de ciência e tecnologia e o setor produtivo voltado para a saúde precisam estar
em equilíbrio. Sabemos que no Brasil os dados são escassos em
relação a custo e a todas as questões relacionadas ao tema. Gerar dados é claramente o primeiro passo a ser dado e é um dos
objetivos do nosso programa, já temos estudos em andamento
neste sentido. Acreditamos que a farmacoeconomia é uma ferramenta essencial no cenário atual e futuro da oncologia e que
os resultados desses estudos serão a base para a formação de
políticas adequadas para o gerenciamento ideal de recursos no
país nos próximos anos”, conclui Bruna Carvalho.
r astreamento
Screening para câncer de pulmão no
cenário nacional
Q
uando avaliamos em detalhes as estatísticas relacionadas ao câncer de pulmão, nos deparamos com números alarmantes.
Ele
é o tipo de câncer que mais mata entre todos os
tumores malignos, tanto nos homens como nas mulheres. Já no final do século
XX, o câncer de
pulmão se tornou uma das principais causas de morte evitáveis no mundo. Sua incidência mundial
2% ano a ano. Em 2012, foram 1,82 milhão de casos novos, sendo 1,24
milhão em homens e 583 mil em mulheres. Indubitavelmente, o aumento na sua incidência está
diretamente relacionado ao consumo do tabaco – cerca de 90% dos casos diagnosticados são
em fumantes ativos, passivos ou ex-fumantes.
Foto: Divulgação
aumentou em torno de
Humberto Alves de Oliveira
* Doutor em cirurgia torácica pela USP,
professor de medicina da Faciplac e
cirurgião torácico no Respirar –
Pneumologia e Cirurgia Torácica, na Clínica
do Tórax – Hospital Santa Lúcia e no
Hospital de Base do Distrito Federal
Contato:
[email protected]
Existem evidências de que a predisposição genética é outro fator importante no
aparecimento do câncer de pulmão. Dessa
forma, aqueles que já apresentaram alguns
tumores, como linfoma ou tumores de cabeça e pescoço, bem como histórico da neoplasia entre familiares de primeiro grau,
têm risco aumentado de também desenvolver a doença. O câncer de pulmão tem
relação até mesmo com algumas patologias
benignas. Sabe-se que sua incidência também é mais aumentada entre os pacientes
portadores de doença pulmonar obstrutiva
crônica e fibrose pulmonar.
Como o tumor de pulmão é, em sua
maioria, uma lesão silenciosa, cerca de 80%
dos casos são diagnosticados já em estágios
avançados, onde o tratamento passa a ter
mais importância paliativa do que curativa. Esse dado é extremamente contraditório para uma patologia em que a ressecção
cirúrgica, eventualmente associada ao tratamento quimioterápico adjuvante, pode
atingir índices de cura de até 80% quando
tratada em estágios iniciais. Atualmente,
com a utilização da videocirurgia torácica,
é possível a ressecção minimamente inva-
siva, com incisão de 3-4 cm para ressecção
radical do tumor sem secção muscular ou
costal, promovendo uma recuperação muito mais rápida, bem como a indicação do
tratamento cirúrgico para pacientes mais
idosos, que antes possuíam risco operatório
proibitivo no caso de cirurgia convencional
(Figura 1).
Ao analisar os fatores que aumentam a incidência e a mortalidade dessa doença, não
é difícil imaginar que ações que atuem de
forma eficaz nesses dois pilares podem tirar
o câncer de pulmão das primeiras posições
no ranking das neoplasias mais frequentes e
mais letais. Desde o fim da década de 1980
o governo brasileiro implementa, através do
Instituto Nacional de Câncer (Inca), medidas de promoção da saúde que visam, entre outras coisas, o combate ao tabagismo,
como o Programa Nacional de Controle do
Tabagismo (PNCT), cujo objetivo é reduzir
a prevalência de fumantes e a consequente
morbimortalidade das doenças relacionadas ao consumo dos derivados do tabaco.
Vale a pena ressaltar medidas educativas e
de atenção à saúde, associadas a medidas
legislativas e econômicas, que tentam tanto
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
17
prevenir a iniciação do tabagismo como promover a cessação do hábito de fumar e proteger
a população da exposição à fumaça e, consequentemente, do tabagismo passivo.
Figura 1 - Cicatriz de lobectomia por vídeo
People screened with LDCT
People screened with chest x-ray
/ / / / / / /
/ / / / / / / / / /
/ / / / / / / / / /
/ / / / /
/ / / / / / / / / /
Screening suggested cancer and cancer was confirmed*
/
Screening suggested cancer but cancer wasn’t confirmed*
* Another screening test was often used to know if there was cancer or not
Source: National Lung Screening Trial
Figura 2 - Sensibilidade da TCBD
18
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
As ações que visavam atuar na detecção precoce do câncer de pulmão, tentando ter impacto na sua mortalidade e não em sua incidência,
tiveram início na década de 60, quando pessoas
assintomáticas eram investigadas sistematicamente para descobrir uma lesão precoce. Essas
tentativas tiveram pouco impacto, principalmente porque se baseavam em radiografias de
tórax para identificação dessas lesões. Somente
a partir de 2002 iniciou-se um programa que
passou a utilizar uma tomografia computadorizada de tórax com protocolo de baixa dosagem
(TCBD) em uma população de maiores riscos,
onde foram investigados indivíduos fumantes
ou ex-fumantes há menos de 15 anos, com
idade entre 55 e 74 anos. A TCBD encontrou
alterações suspeitas de câncer de pulmão em
29% dos pacientes, sendo que em 6,9% desses
(2% do total de pacientes incluídos no programa) a doença foi confirmada (Figura 2). Após a
publicação desses resultados, em 2011, grande
parte dos programas de tratamento do câncer
de pulmão no primeiro mundo passou a adotar a TCBD como método para diagnóstico de
lesões precoces no pulmão, criando programas
de screening com avaliação anual em indivíduos com maior risco de desenvolver a doença. O
programa de screening mais adotado no mundo é promovido pela National Comprehensive
Câncer Network (NCCN), que leva em conta
idade acima de 50 anos, carga tabágica de 2030 maços/ano (mesmo que tenham período de
abstinência menor do que 15 anos), exposição
a agentes cancerígenos como radônio, asbesto, níquel, sílica, cádmio etc., passado de outras neoplasias e tratamento com radioterapia,
DPOC, fibrose pulmonar ou histórico familiar
de câncer de pulmão.
No Brasil, os programas se iniciaram nos
últimos três anos de forma aleatória, em focos
dispersos e isolados por vários estados, em sua
maioria por iniciativa de clínicas privadas e por
instituições ligadas ao ensino em residência
médica, tanto em cirurgia torácica quanto em
oncologia clínica. O estudo mais antigo e mais
bem estruturado no país foi iniciado em 2012
no Hospital Israelita Albert Einstein, coordenado pelo doutor
Ricardo Santos, com o objetivo essencialmente de reproduzir aqui
os dados dos estudos internacionais e, com isso, conseguir subsídios para servir de base na discussão sobre a construção de uma
política nacional em rastreamento do câncer de pulmão. Outro programa que vem apresentando impacto está sendo desenvolvido na
capital federal desde o início de 2014 pela Sociedade Centro-Oeste
Norte e Nordeste de Cirurgia Torácica. O programa-piloto consistiu
na integração das sociedades regionais de radiologia, pneumologia
e cirurgia torácica, cujo objetivo é a aplicação imediata do protocolo
da NCCN no serviço público e privado do Distrito Federal, com a
difusão dos critérios de inclusão no programa para toda a classe médica, a padronização da TCBD nos diversos serviços de radiologia
(Figura 3) e, finalmente, a conscientização da população acerca da
necessidade do diagnóstico precoce.
É inquestionável a necessidade da implementação de programas no âmbito nacional para diagnóstico e tratamento precoce das
neoplasias mais comuns e mais agressivas. Temos no Brasil dois
exemplos de programas de sucesso para diagnóstico precoce, embora ainda modestos: a mamografia para a neoplasia de mama e a
investigação para neoplasia de próstata e cólon. Para termos um
comparativo da importância do programa de screening do câncer
de pulmão, estima-se que são necessários em torno de 320 exames
de TCBD para salvar uma vida do tumor de pulmão. No caso da
mamografia, são estimados em torno de 570 exames e, para o tumor
de cólon, algo em torno de 870 exames. É imperativo que haja uma
ação conjunta entre as várias sociedades de especialidades médicas
que atuam no tratamento do câncer de pulmão e o Ministério da
Saúde para que o Brasil possa, assim como a maioria dos países
desenvolvidos, padronizar e implementar um programa de diagnóstico precoce para o câncer de pulmão. G
TC DE BAIXA DOSE PARA RASTREAMENTO DE CÂNCER DE PULMÃO
RELATÓRIO MÉDICO
Ao colega radiologista,
Solicito a realização de TC do tórax com protocolo de baixa dose de radição para rastreamento
de câncer pulmonar em indivíduos de alto risco, conforme as diretrizes mais recentes da NCCN1.
Favor fornecer o relatório dosimétrico e todas as imagens em formato DICOM (em mídia digital),
para análises comparativas futuras.
Atenciosamente,
: http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/lung_screening.pdf
1
– Rotação do tubo ≤ 0,5 s
– Colimação por corte ≤ 1,5 mm
– Espessura nominal de corte ≤ 3mm (pref. ≤ 1,5 mm)
– Intervalo de reconstrução ≤ espessura nominal (pref. com sobreposição de 50%)
– Tempo de aquisição ≤ 10 s (apneia única)
– Números de cortes simultâneos ≥ 16
– Ventilação suspensa em inspiração máxima
– Sem meio de contraste
– Decúbito dorsal com braços em elevação
– Regime de exposição:
IMC ≤ 30
IMC > 30
Dose total
≤ 3 mSv
≤ 5 mSv
kVp
100 - 120
120
mAs
≤ 40
≤ 60
Serviços onde o protocolo de TC de baixa dose para rastreamento de câncer pulmonar já está
disponível no DF (solicitar que o exame seja agendado de modo que possa ser supervisionado
pelo médico responsável):
– Exame Medicina Diagnóstica: Dr. Ariovaldo Teixeira
– Hospital Anchieta: Dr. Alexandre Mançano
– Hospital das Forças Armadas: Dra. Rosane Martins
– Hospital de Base do Distrito Federal: Dra. Ana Carolina Freitas
– Hospital do Coração do Brasil: Dr. Joalbo Andrade, Dra. Priscilla Neves
– Hospital Santa Lúcia: Dr. Tiago Morato
– Hospital Santa Luzia: Dr. Joalbo Andrade, Dra. Priscilla Neves
– Hospital Santa Marta: Dra. Rosane Martins
– Hospital Universitário de Brasília: Dr. Wagner de Paula
– IMEB: Dr. Wagner de Paula
– Instituto de Cardiologia do Distrito Federal: Dr. Wagner de Paula
Figura 3 - Padronização da TCBD no DF
Referências bibliográficas
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Onco&Tórax janeiro/junho 2016
19
Foto: Arquivo pessoal
i ntervenção
Cirurgia minimamente invasiva do tórax:
o que há de evidência?
Paula A. Ugalde
* Professora associada e coordenadora
de pesquisa em oncologia torácica
da IUCPQ – Divisão de Cirurgia Torácica
da Universidade Laval
N
os últimos dez anos, a cirurgia minimamente invasiva vem se integrando progressivamente
à pratica diária da cirurgia torácica.
Esse é certamente o avanço de maior impacto na
A renovação não apenas na forma de tratar os pacientes, mas também na rotina de
trabalho dos cirurgiões torácicos, fez com que a nossa especialidade ganhasse um novo modus
operandi. Abandonamos o conceito de “grandes cirurgiões, grandes incisões” e aceitamos o
atual, minimamente invasivo.
especialidade.
Foto: Arquivo pessoal
Contato: [email protected]
Anderson Nassar
* Membro titular da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Torácica (SBCT), da Comissão
de Cirurgia Minimamente Invasiva da SBCT,
do Corpo Docente de Cirurgia Torácica do
IRCAD Latino América e membro titular
e diretor de Cirurgia Torácica do Colégio
Brasileiro de Cirurgiões (CBC)
Foto: Divulgação
Contato: [email protected]
Flávio Brito Filho
* Doutor em cirurgia torácica e cardiovascular pela Universidade de São Paulo,
médico assistente da Unidade de Cirurgia
Torácica do Hospital de Base do Distrito
Federal, membro da Sociedade Brasileira de
Cirurgia Torácica (SBCT)
Contato: [email protected]
20
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
O conceito da cirurgia torácica minimamente invasiva (CTMI) vai muito além dos
resultados estéticos que as pequenas incisões proporcionam. Na verdade, esse conceito abrange um conjunto de ações que
minimizam os efeitos deletérios da resposta
inflamatória e endocrinometabólica ao trauma cirúrgico, com consequente redução
na taxa de complicações pós-operatórias
e rápido retorno às atividades diárias. As
vantagens comprovadas dessa abordagem
incluem menor dor pós-operatória, menor
quantidade de perda sanguínea, menor necessidade de transfusões, menor tempo de
fuga de ar pelo dreno – e consequentemente menor tempo de drenagem torácica – e
menor incidência de complicações cardíacas, respiratórias e renais. Assim, a redução
no tempo de internação hospitalar e o retorno mais precoce às atividades diárias são
resultados esperados.
Historicamente, o início da CTMI data
de 1910, com o sueco Hans Christian Jacobaeus. Através de um cistoscópio modificado, ele realizou pleuroscopias para
examinar a cavidade pleural de seus pacientes com suspeita de tuberculose1. Durante muitos anos, a CTMI foi realizada
em procedimentos de menor porte, como
pleuroscopias diagnósticas e descorticação
pulmonar. Com o ingresso da tecnologia
na criação de material cirúrgico foram desenvolvidas suturas teciduais mecânicas
(staplers), que permitiram a realização de
procedimentos de média complexidade,
como ressecções pulmonares em cunha
para diagnóstico de infiltrados pulmonares
inespecíficos, e bulectomias para tratamento do pneumotórax.
Em 1992, o cirurgião torácico italiano
Giancarlo Roviaro surpreendeu a comunidade científica ao descrever a realização de
uma lobectomia pulmonar para câncer de
pulmão através de uma incisão torácica de 4
cm, associada a outras quatro de 1 cm 2. Em
1993, Kirby e Landreneau publicaram nos
Estados Unidos uma série de 35 pacientes
com câncer de pulmão submetidos à lobectomia por CTMI, sem intercorrências maiores. Eles concluíram, nesse trabalho, que a
CTMI é uma técnica viável e potencialmente segura3. Nos anos que se passaram, outros quatro cirurgiões torácicos, os americanos Robert McKenna e Thomas D’Amico,
o chinês Anthony Yim e o espanhol Diego
Gonzales, assumiram o papel de liderar o
aperfeiçoamento e a difusão dessa técnica
cirúrgica em todo o mundo.
A lobectomia pulmonar é considerada minimamente invasiva se
forem respeitados os seguintes critérios4:
•• Cirurgia guiada totalmente pelo monitor de vídeo;
•• Incisão utilitária menor que 8 cm;
•• Ligadura individualizada das estruturas do hilo pulmonar;
•• Linfadenectomia mediastinal ou amostragem tão rigorosa
quanto na cirurgia convencional;
•• Ausência de utilização de afastadores de costelas, instrumentos
responsáveis pela dor no pós-operatório.
Atualmente, a CTMI é considerada a abordagem preferencial para
o tratamento cirúrgico do câncer de pulmão em estágio inicial pela
diretriz do American College of Chest Physicians5. Nessa trajetória
de 23 anos, desde sua primeira publicação até ser considerada o
tratamento padrão para o câncer de pulmão, muitos questionamentos foram realizados. Algo extremamente compreensível quando há
quebra de paradigmas e mudança de conceitos, que outrora eram
considerados verdades absolutas. Por exemplo: a CTMI é uma alternativa segura e eficaz para o tratamento de pacientes oncológicos?
Apresenta menores taxas de complicações pós-operatórias quando
comparada à cirurgia convencional?
Em relação ao questionamento sobre a eficácia e a segurança da
CTMI para o tratamento de pacientes oncológicos, Yan et al.11 publicaram em 2009 uma metanálise na qual não foi observada diferença
significativa no percentual de recorrência local dos pacientes submetidos à lobectomia por CTMI quando comparados aos pacientes
submetidos à cirurgia convencional (p=0,24). Em relação à recorrência sistêmica, os pacientes submetidos à CTMI apresentaram
menor taxa de recorrência (p=0,03). Os resultados desse trabalho
demonstram que a CTMI é uma alternativa pelo menos similar à
cirurgia convencional em relação à eficácia oncológica. Os autores concluíram que a CTMI é um procedimento adequado para o
tratamento de pacientes com câncer de pulmão em estágio inicial.
No contexto dos pacientes oncológicos com indicação de terapia
adjuvante, dois trabalhos publicados em 2007 e 2008 demonstraram que pacientes submetidos à lobectomia por CTMI apresentaram maior aderência ao tratamento adjuvante quando a cirurgia foi
realizada por CTMI12,13. Petersen et al.12 observaram, em sua série,
que 61% dos pacientes submetidos à CTMI receberam mais de 75%
do tratamento planejado. Ao contrário, apenas 40% dos pacientes
submetidos à cirurgia convencional completaram o tratamento adjuvante (p=0,03).
Em relação ao segundo questionamento, Villamizar et al.6 publicaram em 2009 os resultados de um trabalho avaliando a morbidade pós-operatória de pacientes submetidos à lobectomia para
tratamento do câncer de pulmão. Quinhentos e sessenta e oito
pacientes selecionados por propensity match score foram divididos
em dois grupos e comparados: 284 submetidos à lobectomia por
CTMI e 284 submetidos à lobectomia convencional. Foi observado um percentual significativamente menor de fibrilação atrial
(p=0,01), atelectasia (p=0,006), fuga aérea prolongada (p=0,05),
necessidade de transfusão sanguínea (p=0,002), insuficiência renal (p=0,02), duração do dreno de tórax (p=0,0001) e tempo de
hospitalização (p=0,0001) nos pacientes submetidos à lobectomia
por CTMI. Em 2010, Paul et al.7 publicaram os resultados de uma
avaliação mais abrangente sobre a morbidade pós-operatória de
pacientes submetidos à lobectomia para tratamento do câncer de
pulmão. Utilizando o banco de dados da Society of Thoracic Surgeons (STS) entre 2002 e 2007, 6.323 pacientes foram selecionados por propensity match score. Desses, 5.042 foram submetidos
à lobectomia convencional e 1.281 à CTMI. Nesse trabalho, foi
observado um percentual significativamente menor de complicações pulmonares (p=0,0001), cardiovasculares (p=0,0002), necessidade de transfusão sanguínea (p=0,002), duração do dreno
de tórax (p<0,0001) e tempo de hospitalização (p<0,0001) nos
pacientes submetidos à lobectomia por CTMI. Os benefícios da
CTMI também foram observados em pacientes com alto risco cirúrgico, como os idosos e aqueles com função pulmonar limítrofe.
Em relação aos pacientes idosos, Berry et al.8 avaliaram os fatores de risco para morbidade em pacientes com 70 anos ou mais
submetidos à lobectomia para tratamento do câncer de pulmão.
Trezentos e trinta e oito pacientes, 119 submetidos à abordagem
convencional e 219 à CTMI, foram avaliados. Tanto na análise
univariada quanto na multivariada, duas variáveis foram determinantes para complicações no pós-operatório: 1) o tipo de abordagem – pacientes submetidos à CTMI apresentaram menores taxas
de complicações (p<0,0001), e 2) a idade – pacientes com mais
de 75 anos apresentaram maiores taxas de complicações do que
pacientes com menos de 75 anos (p=0,007). Em relação aos pacientes com função pulmonar limítrofe, Ceppa et al.9 em 2012
demonstraram que pacientes submetidos à lobectomia por câncer
de pulmão com volume expiratório forçado no primeiro segundo
(FEV1) < 60% apresentaram menores taxas de complicação quando a cirurgia foi realizada por CTMI. Recentemente, Burt et al.10,
utilizando o banco de dados da STS, avaliaram os pacientes com
função pulmonar limítrofe submetidos à lobectomia e demonstraram que, em pacientes com ppoFEV1< 40% e/ou DLCO<40%
submetidos à lobectomia por CTMI, a mortalidade era significativamente menor quando comparada à cirurgia aberta (Gráfico 1).
Quando foi avaliado o percentual de complicações gerais, os resultados seguiram a mesma tendência, com valores significativamente menores para os pacientes submetidos à lobectomia por CTMI
(Gráfico 2). Em síntese, a CTMI é o maior avanço da especialidade
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
21
nos últimos anos. Em 23 anos de evolução, está demonstrado que
é um método seguro, eficaz e replicável. Guidelines americanos e
europeus consideram a CTMI hoje o tratamento preferencial para
pacientes com câncer de pulmão no estágio inicial. G
Gráfico 1. Percentual de mortalidade pós-operatória de pacientes
submetidos à lobectomia por CTMI (VATS – Video Assisted Thoracoscopic Surgery) e convencional (Open). A. ppoFEV1 – Volume
expiratório forçado no primeiro segundo, pós-operatório predito
em percentual. B. ppoDLCO – Difusão de monóxido de carbono
pós-operatório predito, em percentual.
Gráfico 2. Percentual de complicações pós-operatórias de pacientes submetidos à lobectomia por CTMI (VATS – Video Assisted Thoracoscopic Surgery) e convencional (Open). C. ppoFEV1 – Volume
expiratório forçado no primeiro segundo, pós-operatório predito
em percentual . D. ppoDLCO – Difusão de monóxido de carbono
pós-operatório predito, em percentual.
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22
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
t oxicidade
Foto: Arquivo pessoal
Manejo da toxicidade cutânea relacionada
aos inibidores de tirosino-quinase:
a visão do especialista
N
as últimas décadas, a identificação e a descrição de novas moléculas e cascatas de sinalização intracelulares levaram ao desenvolvimento de medicamentos que interferem
Luiza Kassuga
com a função de receptores, ligantes ou marcadores de superfície celular necessários para o
crescimento e desenvolvimento dos tumores1.
* Médica colaboradora do Serviço de
Dermatologia do Instituto Nacional de
Câncer (Inca), membro efetivo da
Sociedade Brasileira de Dermatologia
(SBD), membro efetivo do Grupo Brasileiro
de Melanoma (GBM) e membro da
International Dermoscopy Society (IDS)
Contato:
Foto: Divulgação
[email protected]
Dolival Lobão
* Chefe do Serviço de Dermatologia do
Instituto Nacional de Câncer (Inca)
e membro efetivo da Sociedade Brasileira
de Cirurgia Dermatológica (SBCD)
Contato:
[email protected]
Foi demonstrado que alterações nos receptores
(RTK), incluindo superexpressão, amplificação ou mutação, têm papel fundamental na patogênese do câncer de pulmão2.
de tirosino-quinase
Os receptores do fator de crescimento
epidérmico (EGFR) pertencem a uma família de RTK conhecida como ErbB, composta por quatro membros: EGFR (HER1/
ErbB1), HER2 (ErbB2), HER3 (ErbB3) e
HER4 (ErbB4). Esses receptores regulam
uma série de processos fisiológicos envolvidos na modulação da proliferação celular,
apoptose, motilidade celular e neovascularização. Sendo assim, são capazes de induzir importantes mecanismos relacionados
com a carcinogênese quando sua atividade
é aberrante2,3.
Os inibidores da tirosino-quinase (TKI),
como o erlotinibe e o gefitinibe, são cada
vez mais utilizados na terapia contra o
câncer de pulmão não pequenas células
(NSCLC – non-small cell lung cancer). São
pequenas moléculas análogas do trifosfato
de adenosina (ATP) que inibem o EGFR por
competir com o ATP pelo sítio de ligação no
domínio intracelular catalítico, impedindo
a autofosforilação e a ativação de diversas
cascatas de sinalização3. Os TKI são administrados por via oral, classicamente indicados para pacientes com NSCLC localmente
avançado ou metastático, refratário à quimioterapia convencional4-6.
Uma vez que os EGFR são largamente expressos nos queratinócitos basais, nas glân-
dulas sebáceas e écrinas, na bainha externa
do folículo piloso e nas células endoteliais,
e os inibidores do EGFR (EGFRI) não são
específicos para as células tumorais, os efeitos adversos cutâneos são muito comuns5-7.
Embora os mecanismos subjacentes da
toxicidade cutânea induzida pelos EGFRI
ainda não sejam totalmente compreendidos, os dados clínicos e experimentais sugerem que a sobrevivência celular anormal,
a proliferação, a migração e a diferenciação
das células epidérmicas, além do recrutamento de células inflamatórias, resultam
nas características fenotípicas da toxicidade
cutânea.5
As reações cutâneas mais comuns são
erupção pápulo-pustulosa, alterações capilares, piora da radiodermite, mucosite,
xerose/fissuras e paroníquia8,9. As intervenções antitoxicidade não influenciam na atividade antitumoral dos EGFRI, bem como
diminuem a necessidade de redução da sua
dose e suspensão da medicação3.
Erupção pápulo-pustulosa
(rash acneiforme)
A erupção pápulo-pustulosa é a reação
cutânea mais comum, ocorrendo em 24%
a 62% dos pacientes em uso do gefitinibe e
em 49% a 67% em uso do erlotinibe6,10. Ela
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
23
se manifesta entre o sétimo e o décimo quinto
dia após o início do tratamento. Inicialmente,
cursa com aumento da sensibilidade da pele,
eritema e edema. Pápulas eritematosas e pústulas surgem principalmente na face, no couro cabeludo e no tronco (Figuras 1A e B), mas
também podem acometer membros superiores
e inferiores (Figura 2). A frequência e a gravidade do rash parecem estar associadas com a
resposta ao tratamento8,11,12.
Figuras 1A e B - Pápulas eritematosas e pústulas no couro
cabeludo (A) e dorso (B)
24
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
As lesões são comumente acompanhadas de
prurido, associado ao aumento de mastócitos e
de seus mediadores em torno dos anexos cutâneos13. A ruptura espontânea ou traumática das
pústulas provoca sangramento e surgimento de
crostas hemáticas. Não são observados comedões nem cistos, e sua fisiopatologia é diferente da da acne7. A histologia revela infiltrado
celular inflamatório superficial ao redor do
infundíbulo dos folículos pilosos hiperceratóticos ou foliculite supurativa neutrofílica com
rompimento do epitélio8. Locais previamente
submetidos à radioterapia podem ser poupados, provavelmente pela destruição dos anexos
cutâneos pela radiação7. Moreno Garcia et al.
relataram associação de níveis elevados de creatinofosfoquinase no plasma com o desenvolvimento das lesões14. As culturas são geralmente
estéreis, mas superinfecção por Staphilococcus
aureus pode ser observada15.
O manejo do rash pápulo-pustuloso se baseia na extensão da erupção e no grau de desconforto do paciente. O Common Terminology
Criteria for Adverse Events (NCICTCAE) é o
sistema mais utilizado para classificar a gravidade dos efeitos adversos nos estudos clínicos16. Nas reações grau 1 (<10% da superfície
corporal acometida e ausência de sintomas),
os pacientes podem ser tratados apenas com
medicações tópicas, tais como cremes de corticoide de baixa potência (ex.: hidrocortisona
1%) e antibióticos (ex.: clindamicina 1-2%, eritromicina 1-2% ou metronidazol 1%). Cremes
hidratantes, para o restabelecimento da barreira cutânea e redução da inflamação, e filtros solares, para proteção contra a fotossensibilidade,
são sempre recomendados7,10,17,18.
Nas reações grau 2 (10-30% da superfície
corporal comprometida com ou sem prurido ou aumento da sensibilidade cutânea) e 3
(>30% da superfície corporal comprometida
com superinfecção localizada), deve-se avaliar redução da dose do TKI ou interrupção
temporária do tratamento. Tetraciclinas orais
(tetraciclina 1.000mg/dia, doxiciclina 200mg/
dia ou minociclina 100-200mg/dia) devem ser
adicionadas ao esquema anterior devido ao
seu efeito anti-inflamatório (inibem a proliferação linfocitária, a migração dos neutrófilos e
a síntese de interleucina 6)19. A minociclina é
menos fotossensibilizante que a doxiciclina. É
necessário corticoide tópico de maior potência
(ex.: betametasona ou clobetasol), associado ou
não a antibiótico7,10,17-20. Corticoide oral pode
ser administrado, porém pode induzir ao surgimento de erupção acneiforme semelhante4,7.
Embora não existam estudos com grupos
controle, há relatos de melhora com o uso da
isotretinoína em baixas doses quando outras
medidas falharam21, mas deve-se atentar para o
ressecamento da pele e os efeitos hepatotóxicos
dos retinoides orais. A vitamina K3 (menadiona) pode ser útil no futuro, porém ainda não
está disponível na maioria dos países17. Shin et
al. relataram três casos de melhora significativa
da erupção acneiforme com o uso do fator de
crescimento epidérmico humano recombinante
em spray22. Inibidores da calcineurina, retinoides e peróxido de benzoíla devem ser evitados
pelo seu potencial irritativo7,10. O uso de maquiagem não comedogênica pode ser útil para
camuflagem7, mas deve ser desaconselhado na
fase aguda do rash pelo seu efeito oclusivo17.
Para o controle do prurido são usados anti-histamínicos. Medicações de ação no sistema
nervoso central, como doxepina, gabapentina e
pregabalina, podem ser necessárias quando anti-histamínicos não são suficientes8. A superinfecção por Staphylococcus aureus deve ser tratada com antibiótico com espectro de ação sobre
as bactérias que colonizam a pele. Infecção por
herpes simples é rara e requer tratamento com
antivirais sistêmicos. Não há associação do uso
de corticoides tópicos com o aumento do risco
de infecção secundária15.
O tratamento profilático pode ser iniciado
um dia antes do EGFRI e consiste no uso de
creme de hidrocortisona 1% 1x/dia (preferencialmente à noite), doxiciclina 200mg/dia,
cremes hidratantes e filtro solar. O objetivo é
diminuir a intensidade dos efeitos adversos
cutâneos, em especial da erupção acneiforme.
Não afeta a atividade antitumoral dos EGFRI
e minimiza a necessidade de modificação da
sua dose19.
Figura 2 - Pápulas e crostas hemáticas nas coxas
posteriores
Alterações capilares
Os cabelos podem sofrer alterações na qualidade, na textura e no padrão de crescimento
a partir do segundo mês de tratamento. Os
fios do couro cabeludo crescem mais lentamente, ficam mais finos, quebradiços e enrolados (Figura 3). Os cílios apresentam tricomegalia e triquiíase (Figura 4). O crescimento
dos cílios em direção aos olhos pode causar
distúrbios da superfície ocular, como ceratite
e úlcera de córnea. As sobrancelhas podem
engrossar e haver um aumento de pelos na
pálpebra superior e na glabela. As mulheres
podem desenvolver hirsutismo na região supralabial, enquanto os homens podem perceber uma menor necessidade de fazer a barba.
A alopecia, quando presente, não costuma ser
grave e se manifesta com padrão androgenético. Poliose (embranquecimento dos fios do
cabelo, cílios ou supercílios) também pode
ser observada7,8.
Os pacientes devem ser orientados a aparar
os cílios periodicamente. Escovações frequentes do cabelo ajudam a moldar os fios. A hipertricose pode ser tratada com métodos depilatórios7. Para a queda de cabelo, o minoxidil
tópico pode ser usado, porém sem resposta
significativa8.
“Para o controle
do prurido são usados
anti-histamínicos.
Medicações de ação
no sistema nervoso
central, como doxepina,
gabapentina e pregabalina, podem ser
necessárias quando
anti-histamínicos não
são suficientes8”
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
25
É importante manter a área irradiada limpa e
seca, mesmo quando ulcerada. É recomendada
a aplicação de cremes hidratantes, e o uso de
corticoides tópicos deve ser avaliado. A infecção
secundária deve ser tratada com antibióticos8.
Mucosite
“Aproximadamente um
terço dos pacientes
desenvolve ressecamento da pele entre a
quarta e a sexta
semanas após o início
do tratamento, que
afeta quase 100% dos
pacientes medicados
por mais de seis meses”
Figura 3 - Cabelos ressecados com aparência quebradiça
Xerose/fissuras
Figura 4 - Aumento do tamanho dos cílios (tricomegalia),
com orientação errática (triquíase)
Intensificação da radiodermite
A radiodermite é o comprometimento da pele
exposta à radiação, caracterizando-se por eritema e descamação, e, quando mais grave, por
necrose e ulceração profunda com sangramento
espontâneo. O uso do EGFRI pode cursar com
piora da radiodermite, pois as alterações celulares pela inibição do receptor EGFR induzem
ao afinamento da pele, ressecamento, foliculite
e alteração da expressão do receptor toll-like,
comprometendo a síntese dos peptídeos antimicrobianos, favorecendo a colonização e a superinfecção microbiana. Dessa forma, o efeito
somatório das duas terapias aumenta a xerose, a
resposta inflamatória dérmica, o afinamento da
epiderme e a necrose da epiderme e da derme
superficial. Além disso, induz ao aumento do
exsudato inflamatório e a formação de crostas.23
26
janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
A mucosa oral pode desenvolver aftas, xerostomia (boca seca) e língua geográfica. O envolvimento genital é menos comum7. Os pacientes
se queixam eventualmente de ressecamento e
sangramento da mucosa nasal.
É importante manter um bom padrão de higiene bucal. As aftas orais devem ser tratadas
com corticoides tópicos (em orabase), antissépticos bucais e anestésicos tópicos. Na suspeita
de infecção fúngica, usar nistatina. Alimentos
e bebidas quentes e condimentados devem ser
evitados. Lubrificantes podem diminuir o desconforto causado pelo ressecamento no nariz7.
Aproximadamente um terço dos pacientes
desenvolve ressecamento da pele entre a quarta
e a sexta semanas após o início do tratamento,
que afeta quase 100% dos pacientes medicados por mais de seis meses. A xerose resulta
da diferenciação anormal dos queratinócitos,
levando à deterioração da camada da córnea e
à redução da loricrina e da retenção da água.
Caracteriza-se por pele seca, com descamação
e prurido, mais pronunciada nas extremidades
(Figuras 5A e B). Quando intensa, pode levar a
eczema asteatótico e fissuras acrais (Figura 6)
intensamente dolorosas8.
Os pacientes devem evitar banhos quentes
prolongados e o uso de cosméticos que aumentem o ressecamento da pele. A prevenção e o tratamento incluem o uso de cremes
hidratantes sem álcool. As fissuras podem ser
tratadas com vaselina semissólida e com cola
de cianoacrilato. Corticoide oclusivo e curativo
hidrocoloide também são indicados. No eczema asteatótico, o uso de corticoide tópico e de
cremes refrescantes à base de mentol minimiza
o prurido8,17.
Paroníquia
As alterações ungueais são observadas
em aproximadamente 17% dos pacientes
em uso dos EGFRI. Podem acometer qualquer parte da unha, mas a inflamação da
borda ungueal (paroníquia) é a mais comum, não raro evoluindo com lesão semelhante ao granuloma piogênico (pseudogranuloma) (Figura 7). Inicialmente,
essas lesões são estéreis, mas podem evoluir com infecção bacteriana ou fúngica.
São extremamente dolorosas, muitas vezes
impedindo a realização de atividades corriqueiras10,17.
Figura 7 - Intensa inflamação das cutículas (paroníquia) com formação do granuloma
Figuras 5A e B - Ressecamento da pele com descamação nos membros superiores (A) e inferiores (B)
Figura 6 - Fissuras nas polpas digitais
O tratamento consiste em curativos
úmidos, placas de amortecimento dentro
dos sapatos, corticoides tópicos (associados ou não a antibióticos e/ou antifúngicos) e controle da dor. Não se deve retirar
as cutículas nem usar sapatos apertados.
Imersão em soluções antissépticas, como
vinagre branco diluído em água ou solução de iodo povidine, é recomendada para
evitar infecção secundária. O pseudogranuloma pode ser cauterizado com ácido
tricloroacético 50% ou com eletrocauterização. As tetraciclinas orais também
podem ser úteis no tratamento da paroníquia, e os anti-inflamatórios não esteroidais aliviam a dor17.
Outros efeitos colaterais
dermatológicos
As telangiectasias são manifestações tardias, principalmente na face e demais áreas
afetadas pelo rash. Seu aparecimento pode
ser explicado pelo aumento das células endoteliais ao redor dos queratinócitos necróticos. Elas desaparecem gradualmente após
a interrupção do tratamento, porém eletrocoagulação, luz intensa pulsada e pulseddye laser podem acelerar o processo24.
A hiperpigmentação parece ser causada
pela inflamação (hiperpigmentação pós-inflamatória). Manifesta-se de um a dois meses após o início da terapia e é agravada pela
fotoexposição. Indivíduos com fototipos
mais altos são mais suscetíveis. Resolução
gradual pode ser observada após o término
do tratamento. É importante orientar o uso
de filtro solar e evitar exposição solar24.
Foram relatadas reações incomuns com
o uso do gefitinibe. Li et al. descreveram
um caso grave de erupção cutânea com
edema, exsudação, crostas, descamação e
ulcerações25. Ko et al. relataram um caso
de vasculite necrotizante (leucocitoclástica)26. Jalatad et al. descreveram um caso
de um homem de 57 anos que abriu um
quadro de vitiligo um mês após o início do
gefitinibe27.
Conclusão
A terapia com os EGRFI aumentou a sobrevida do paciente, com melhor perfil de
efeitos colaterais sistêmicos em relação à
quimioterapia citotóxica convencional8,28.
Apesar disso, as reações cutâneas são frequentes e clinicamente significativas, estando associadas a prejuízos no bem-estar
físico, emocional e social29. Os efeitos físicos e psicológicos da toxicidade dermatológica podem afetar a qualidade de vida, interferindo na capacidade de realização das
atividades diárias e na independência do
paciente30. São fundamentais correta orientação e monitoramento por uma equipe de
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
27
profissionais que trabalhe em conjunto em prol do tratamento do
câncer e da manutenção da qualidade de vida. A abordagem multi-
disciplinar dos pacientes é essencial8, bem como o acompanhamento periódico até a melhora das lesões20. G
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Dermatologic Toxicities on Quality of Life. Câncer. 2010 Aug 15;116(16):39-16-23.
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c urtas
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FDA aprova novas opções terapêuticas para o câncer de pulmão
l O Food and Drug Administration (FDA), órgão do governo americano que controla alimentos, medicamentos e
cosméticos, aprovou recentemente cinco novas opções terapêuticas para pacientes com câncer de pulmão. Além dos já
comentados nivolumabe (Opdivo) e pembrolizumabe (Keytruda), outras três medicações também merecem destaque:
Osimertinibe (Tagrisso)
Uma medicação oral, aprovada na dosagem de 80mg/dia,
indicada para pacientes com mutação detectada no T790M
(EGFR) que progrediram ou que receberam tratamento prévio com inibidores de EGFR.
Com taxas de resposta objetiva de 59% e duração de resposta de 12,4 meses, foram apenas dois anos e meio desde o
desenvolvimento dos primeiros ensaios clínicos do Tagrisso
até sua aprovação pelo FDA.
O oncologista Pasi Jane, que esteve no Brasil participando do III Congresso Internacional Oncologia D’Or e foi um
dos líderes das pesquisas que levaram ao desenvolvimento e
à aprovação do novo medicamento, comemorou a decisão.
“Os pacientes submetidos a esse novo tratamento responde-
ram muito bem. O primeiro paciente no mundo a receber
essa nova droga começou o tratamento em março de 2013.
Isso é muito rápido para uma aprovação de medicamento”,
comentou o pesquisador.
Necitumumabe (Portrazza)
Aprovado em combinação com quimioterapia standard
para pacientes com câncer de pulmão não pequenas células
(CPNPC) metastático de células escamosas que não receberam terapia sistêmica prévia para tratamento da doença
avançada.
Trata-se do primeiro anticorpo monoclonal que bloqueia a
atividade a atividade do EGFR, proteína comumente encontrada no CPNPC escamoso, aprovado em câncer de pulmão.
Alectinibe (Alecensa)
Aprovado em pacientes com CPNPC doença metastática ALK positivos que apresentaram progressão de doença
após tratamento com crizotinibe (Xalkori). O FDA já havia
aprovado recentemente o ceritinibe (Zykadia) no mesmo
cenário.
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
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i nstitucional
Foto: Agência Photocamera
Inauguração
Bruna Carvalho, Carlos Gil Ferreira, Tatiane Montella, Marcela Bulcao, Tatianny Araujo e Rafaela Veloso
Rio de Janeiro ganha
unidade NEOTórax
O
Grupo Oncologia D’Or inaugurou, em novembro, sua nova unidade especializada em oncologia torácica. O NEOTórax – Núcleo de Excelência em
Oncologia Torácica – tem como proposta oferecer ao paciente um tratamento
completo em um único lugar. A nova unidade tem a coordenação dos especialistas Carlos
Gil e Tatiane Montella. O projeto surgiu em um momento importante para o Brasil.
Atualmente, o país registra um aumento da incidência da doença – que é um dos tumores
mais letais que existem - com 27 mil novos casos diagnosticados por ano. Para agravar o
quadro, somam-se uma ausência de políticas específicas para esse tipo de câncer, atrasos
no diagnóstico e uma abordagem terapêutica nem sempre atualizada. Além de oferecer
ao paciente, em um mesmo local, um atendimento multidisciplinar e integrado, o projeto
ainda se dedicará ao desenvolvimento de pesquisas clínicas para que novas opções de
tratamento sejam implementadas no país. “O resultado destes estudos pode nos ajudar
a oferecer novos medicamentos no futuro”, diz a oncologista Tatiane. A junção entre
pesquisa de ponta, treinamento especializado e avaliação constante da qualidade dos resultados torna esta nova unidade a primeira especializada em câncer de pulmão do Brasil.
“Trata-se de mais um novo aliado contra esta doença”, explica o especialista Carlos Gil.
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janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
Mariano Zalis, Tatiane Montella, Marcelo Ibiapina e
João Pantoja
Carlos Gil Ferreira e
Rodolfo Acataussu Nunes
Carlos Terra, Paolla Perdigão
Aureliano Mota Cavalcanti de Souza, Felipe Braga Rui Haddad,
e Tatiane Montella
Carlos Eduardo Teixeira Lima e André Luciano Brandão Pereira
Paulo Perelson e
Mauro Zamboni
Direção, gestão, médicos da Oncologia D´Or e NEOTÓRAX
Patricia Mattos,
Thais Souza e Pedro Pinho
Direção, gestão e equipe Oncologia D´Or
Paulo de Biasi de Cordeiro, Anderson Nassar Guimarães,
Andréia Melo, Carlos Gil Ferreira e Tatiane Montella
Luiz Paulo Loivos e André Moll
Onco&Tórax janeiro/junho 2016
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Direção, gestão e equipe
Oncologia D´Or
Lúcia Fontenelle, Mauro Zamboni,
Eduardo Medeiros, André Moll e
Rodrigo Abreu e Lima
Marcelo Ibiapina, Carlos Gil Ferreira, Hisbello da Silva Campos,
Mariano Zalis e Tatiane Montella
Simone Simon,
Mariano Zalis e
Rodrigo Abreu e Lima
Rui Haddad,
Juliane Musacchio
Juliana Vasconcellos, Gisele Fraga e Thiago Leão
e João Pantoja
Tatiane Montella,
Rui Haddad,
Carlos Gil Ferreira e
Rodrigo Abreu e Lima
Equipe completa NEOTórax
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janeiro/junho 2016 Onco&Tórax
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