CASO INERENTE, CASO “DEFAULT”

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(Versão preliminar, Favor não circular)
CASO INERENTE, CASO “DEFAULT” E AUSÊNCIA DE PREPOSIÇÕES
Mary A. Kato (UNICAMP)
1. O problema
Os complementos nominais e os complementos de verbos como gostar e precisar apresentam
necessariamente uma preposição licenciando casualmente os seus complementos, um
requisito que não precisa ser obedecido quando estes aparecem topicalizados:
(1)
a. Eu conheci o pai *(d)o Pedro na festa.
b. (D)o Pedro, eu conheci o pai __na festa.
(2)
a. João disse que vai precisar *(d)o artigo dele amanhã.
b. (D)o artigo dele, João disse que vai precisar __amanhã.
Nem todo verbo que requer a preposição de pode, porém, dispensá-la facilmente
quando o complemento está na posição de tópico, a menos que um resumptivo associado
apareça na posição-A.
(3)
a. Todo mundo depende *(d)o Pedro para decisões.
b. ??(D)o Pedro todo mundo depende__ para decisões.
c. O Pedro, todo mundo depende dele para decisões.
(4)
a. A Maria sempre ri *(d)o Pedro na frente dos outros.
b. *(D)o Pedro, a Maria sempre ri na frente dos outros.
c. O Pedro, a Maria sempre ri dele na frente dos outros.
O fenômenos da ausência da preposição de complementos verbais já havia sido notado
em estudos sobre relativas no francês por Bouchard (1981) e por Tarallo (1983) no
português brasileiro (PB), por ambos analisada como um processo de apagamento, no
processo da relativização. Bouchard mostra (v. exs. em (7: 219)) que, no francês, somente
1
elementos estritamente subcategorizados podem ter a preposição apagada, para garantir sua
recuperabilidade, o que deixa inexplicada a baixa aceitação de (3b) e (4b) sem preposição.
(5)
a. Le gars que je te parle, il est correct.
the guy that I talked to you , he is ok
b. * La cuillere que je mange est trop grosse.
the spoon that I eat is tôo big
c. Le couteau que je coupe
the knife that I cut (with)
A hipótese da subcategorização explica por que (5c) é boa, em que o verbo couper
subcategoriza um PP instrumental, enquanto (5b) é má, em que entre o verbo manger e la
cuillere não existe essa relação. Essa explicação de Bouchard explica, também, por que, em
PB, o objeto indireto, quando topicalizado ou relativizado, pode dispensar a preposição.
(6)
a. (Para) o moto-boy, eu entreguei os documentos esta manhã.
b. Eu não encontro o moto-boy que eu entreguei os documentos essa manhã.
Para Bouchard, não há movimento no tipo de relativa cortadora, análise esposada
também por Tarallo, em sua tese. Bouchard contrasta a relativa com a interrogativa-Q e
mostra que em francês a preposição não pode ser cortada quando há movimento, havendo
pied-piping obrigatório. O problema é que, no PB, tal “corte” é possível, principalmente com
interrogativas com Q+Nome (D-linked):
(7)
a. *Qu’est-ce que tu coupes le fromage?
what is it that you cut
the cheese (with)
b. Avec quoi est-ce que tu coupes le fromage?
with what is it that you cut the cheese
(8)
A faca (com) que eu cortei o queijo
(9)
a. (Com) Que faca é que você cortou o queijo?
b. (Com) Que faca que você cortou o queijo?
c. (Com) que faca você cortou o queijo?
2
d. *(Com) o que é que você corta o queijo?
e. *(Com) o que você corta o queijo?
Além disso, Bouchard não explica por que a preposição é necessária em posição-A, que não
resulta de movimento:
(10)
a. Je coupe *(avec) le couteau.
b. Eu corto *(com) a faca.
2. Objetivos do trabalho
As seguintes questões pedem uma resposta:
1. Por que há essa assimetria entre posição-A e as outras posições vistas –tópico e
relativas -- que licenciam a ausência da preposição?
2. O que topicalização e relativização têm em comum para licenciar a ausência de
preposição?
3. Que outras posições, além da de tópico e da de relativização, admitem essa ausência?
4. Como lidar na teoria atual com as idiossincrasias lexicais, de verbos que requerem
complementos-PP, mas que podem diferir quanto à sua ausência em determinadas
posições?
O trabalho está organizado nas seguintes seções. A seção 2 trata da noção de caso
“default” assentada na análise de pronomes fortes e fracos (cf Cardinalletti e Starke, 1999),
que explica a ausência da preposição na posição de tópico. A seção 3 mostra que a teoria do
caso “default”, apresentada para a ausência da preposição no tópico dá conta
a) das relativas cortadoras (seção 3.1.) , propondo que nestas a extração se dá da posição de
tópico da sentença relativa;
b) das clivadas (seção 3.2), que envolvem a posição predicativa, uma posição de caso
“default”;
c) das interrogativas com a expressão-Q D-linked por que estas envolvem um movimento de
topicalização antes da expressão-Q sofrer o movimento-Q;
c) das construções de alçamento à direita (Right node raising), analisadas como derivadas de
topicalização seguida de movimento-remanescente do IP para o Spec de TopP.
3
Na seção 4 o problema do condicionamento lexical no licenciamento da preposição ausente é
resolvido via opcionalidade da preposição inerente na numeração.
2. O caso “default” nos DPs tópicos1
Em Kato (1999) utilizei o conceito de “default” para definir o caso dos pronomes
fortes em qualquer língua, podendo este caso ser diferente translingüisticamente. No francês
o “default” é o caso dativo ; no inglês é o acusativo e no PB e no Português europeu (PE) é o
nominativo. O pronome fraco na minha análise recebe, ou checa, o caso estruturalmente
enquanto o “default” é a forma que se manifesta quando não há atribuidor/checador de caso.
Nas línguas de sujeito nulo, o pronome fraco sujeito é o próprio morfema de concordância.
O contraste entre o nominativo “default” e o nominativo checado estruturalmente por
INFL aparece ilustrado abaixo:
(11)
a. MOIdefault, jenom l'ai vu hier.
b MEdefault, Inom saw him yesterday.
c. EUdefault, eunom vi ele ontem
PB
c.EUdefault, ver- idefault -o ontem.
PE
Como no PB o pronome forte e fraco são quase-homófonos , a distinção das formas
entre o forte e fraco não fica tão clara, havendo o perigo dessas formas de redobro serem
interpretadas como repetição. Veja o que acontece quando é o objeto direto que faz cadeia
com o deslocado à esquerda:
(12)
a. LUIdefault, je lacc'ai vu hier.
b HIMdefault, I saw himacc yesterday.
c. ELEdefault, eu vi eleacc ontem
PB
c. ELEdefault, vi –oacc ontem.
PE
Nos casos de complementos preposicionados, o pronome na posição-A é o pronome
fraco oblíquo, atribuído pela preposição (ex. 14a)2. Esta pode ser mantida se há pied-piping
1
Schütze (2001) faz uma proposta semelhante, dando exemplos de línguas germânicas, nas quais a morfologia
casual é visível.
4
para a posição de tópico (ex. 14b). Se a preposição está ausente, a forma do pronome, na
posição do tópico, é a forma “default” (ex.14c), isto é, o nominativo no português.
(13)
a. O Pedro não gosta de mimdat/obl.
b. De mimdat/obl o Pedro não gosta.
c. EUdefault, o Pedro não gosta (de mim)
d. *Mimdat/obl , o Pedro não gosta.
e. *D’EUdefault , o Pedro não gosta.
Essa posição na periferia à esquerda da sentença, seja com resumptivo associado ou com
categoria vazia é um tópico, ou um tópico contrastivo. Pelas construções em (15), parece
claro que em (15b) tivemos movimento do PP todo para a posição de tópico na periferia
esquerda. Já a construção com o tópico com caso “default”, uma explicação possível é que
houve “merge” in-situ do pronome forte, na periferia, com posterior apagamento do DP
associado e sua preposição. Veremos, porém, uma alternativa baseada em movimento
também para essa construção na seção 4.
3. Os outros contextos que licenciam ausência de preposição
3.1.As relativas cortadoras
O PB conta com três diferentes construções para relativas de PP: a) a padrão, b) a
resumptiva e c) a cortadora:
(14)
a. O autor de quem eu gosto
b. O autor que eu gosto dele
c. O autor que eu gosto __
A análise de Kato (1993) parte do paralelismo das construções relativas com as construções
de tópico. Sua proposta é de que a relativa padrão (ex. (16a) extrai o PP de dentro de IP,
2
Vê-se ai que pronome forte não se confunde com pronome tônico. O “default” deve poder receber acento, mas
nem todo pronome tônico é o “default”. Assim, o oblíquo é tônico, mas não é o nosso “default”.
5
enquanto as relativas resumptiva (16b) e cortadora (16c) se obtêm a partir da posição de
tópico em (15b) e (15c)3.
(15)
a. Eu gosto d [esse autor]obl.
a. O autor de que(m) eu gosto
b. Esse autordefault, eu gosto dele.
b. O autor que eu gosto dele
c. Esse autordefault, eu gosto __
c. O autor que eu gosto __
Se a posição de tópico, de onde se fez a relativização não tinha preposição, mas o caso
“default”, a ausência da preposição se deve à origem “default” da extração.
Não temos nada a ver com movimento, como na explicação de Bouchard e de Tarallo. A
posição de tópico, essa sim, pode ter sido obtida por concatenação--caso da resumptiva—ou
por eventual movimento –caso da cortadora, mas a partir daí, ambas se realizam via
movimento, como no caso da relativa padrão.
Logo, o caso da ausência de preposição em relativas é uma conseqüência de sua
extração a partir do tópico com caso “default”.
3.2.. As clivadas
Em Kato (1999) mostrou-se que outro ambiente em que se vê o contraste translingüístico de
pronomes fortes, visto acima no ambiente dos tópicos, é o do predicativo focal. Lembremos
que o predicativo é imune ao filtro do caso, que atua apenas para DPs argumentos.
(16)
a. It’s MEdefault.
b. Cést MOIdefault.
c. Sono stata IOdefault
d. Sou EUdefault.
Se a situação de predicativo da cópula tem caso “default”, nossa previsão é de que ele é um
contexto de opcionalidade da preposição, o que se confirma nas sentenças abaixo:
(17)
a. É (D)ESSE ARTIGO que eu vou precisar amanhã
b. É (D)ESSE ALUNO que a Maria conheceu o pai.
c. É (PARA)ESSE MOTOBOY que eu entreguei os documentos ontem.
3
Ver derivação detalhada em Kato e Nunes (2007)
6
Vejamos, primeiro, a derivação com a preposição em (18)’ e, em seguida, a sem preposição
em (18)”:
(18)’ a1. [IP eu vou precisar desse artigo amanhã]
a2 [CP que
[ eu vou precisar desse artigo amanhã]] merge de que
a2. [CP desse artigo [C’ que[IP eu vou precisar __ amanhã] subida do PP para
[Spec CP]
a3. É [CP desse artigo [C’ que [IP eu vou precisar __ amanhã] merge da cópula
(18)” a1. [IP eu vou precisar (d)esse artigo amanhã]
a2 [CP que
[ eu vou precisar desse artigo amanhã]] merge de que
a2. [CP Esse Artigo [CP que[IP eu vou precisar __ amanhã] adjunção do DP a CP
a3. É [CP Esse Artigo+default [CP que [IP eu vou precisar __ amanhã] merge da cópula
A análise que permite interpretar o constituinte em maiúsculas como o predicativo da
cópula é a proposta de adjunção em Kato e Nunes (2007). Segundo eles a adjunção cria um
contexto de relação ambígua entre o núcleo superior e o inferior. Note que o complemento
movido de dentro de IP e a ele adjungido é ao mesmo tempo o tópico da sentença de baixo e o
predicativo da cópula, o que lhe dá estatuto de foco da sentença raiz.
3.3. As interrogativas-Q no PB
Vimos acima que para Bouchard a preposição no francês é sempre retida em interrogativas-Q,
porque envolvem movimento. Mas vimos também que esse não é o caso no PB, já que as
sentenças abaixo, repetidas de (11a e b) são boas:
(19)
a. (Com) Que faca você cortou o queijo?
b. (Com) Que faca que você cortou o queijo?
c. (Com) Que faca é que você cortou o queijo?
O contraste relevante, pelo menos no PB, é entre o constituinte-Q ser D-linked , ou pesado, ou
não. Se tivermos o constituinte-Q leve, a ausência da preposição não é licenciada, assim como
nos exemplos de Bouchard , em francês:
7
(20)
a. *(Com) O que você corta o queijo?
b.*(Com) O que que você corta o queijo?
c. *(Com) O que é que você corta o queijo?
Comecemos contrastando (19a) com (20a), com as derivações em (19)’ e (20)’,
respectivamente:
(19)’ a1. [IP você cortou o queijo (com) que faca]
a2 [IP [que faca]default [IP você cortou o queijo __] Topicalização de [que faca]
a3. [CP [que facadefault]Q [IP tdefault [IP você cortou o queijo __] movimento-Q
(20)’ a1. [IP você cortou o queijo com o que]
a.2. [CP com o queobl [IP você cortou o queijo__] movimento-Q
A análise que propomos é semelhante àquela feita para as relativas. As perguntas com
a expressão interrogativa-Q D-linked tem esse constituinte adjungido para a posição de
tópico antes de sofrer o movimento-Q, enquanto os não D-linked sofrem direto o movimentoQ. A expressão D-linked tem traços de referencialidade que lhe permite ocupar a posição de
Tópico, o que não é lícito quando temos uma expressão-Q leve.
Passemos agora para a derivação da pergunta clivada “é que” em (19c), com o foco Dlinked e, em seguida a clivada com Q-leve:
(19)’ c1. [IP você cortou o queijo com que faca]
c2. [CP que+F [IP você cortou o queijo com [que faca]+F]] Concatenação do
subordinador que+F
c.3.[CP com [que facaobl]+F que+F [IP você cortou o queijo __]] Movimento-Q
c.4. [IPÉ .[CP com [que facaobl]+F que+F [IP você cortou o queijo __]] Merge da cópula
c.5. [CP .[CP com [que facaobl] [IP é [ tQ que [IP você cortou o queijo __]]
Movimento-Q para a sentença raiz
A partir de (19)’c3, se a cópula não for inserida, deriva-se (19b) com a preposição:
8
(19b) .[CP com [que facaobl]+F que+F [IP você cortou o queijo __]]
Para derivar as perguntas clivadas sem preposição, a derivação deverá incluir uma
etapa entre a2 e a3, com a adjunção de que faca (sem preposição) para a posição de tópico de
IP com caso “default”4. A partir daí, a derivação continua com o merge do que+F e que faca
subindo para o seu Spec. Assim, o movimento de que faca é a partir da adjunção a IP e não
mais do interior do IP original.
(20)’ a1. [IP você cortou o queijo (com) que+F faca]
a2. [IP [que+F faca]default [IP você cortou o queijo __]
adjunção do DP a IP
com caso “default”
a3. [CP que+F [IP que+F facadefault[IP você cortou o queijo __]
merge do que+F
a.4. [CP [que+F facadefault] que+F [IP você cortou o queijo __]]
movimento-Q
“Que faca que você cortou o queijo.”
Se a numeração contiver uma cópula, a derivação prossegue com o “merge” da cópula
e o movimento-Q de que faca para o CP mais alto:
a.5. [CP [que+F facadefault] que+F [IP você cortou o queijo __]]
a.6. É [CP [que+F facadefault] que+F [IP você cortou o queijo __]] merge da copila
a.7. [CP [que+F facadef ] [IP é [CP que+F [IP você cortou o queijo __]]]] movimento-Q
Resumindo, a opcionalidade da preposição não tem a ver com movimento-Q, mas com
a possibilidade ou não de um pouso intermediário numa posição que licencia o caso “default”
Se houver tal pouso, a preposição não aparece. Se o movimento for direto para CP, haverá
necessariamente pied-piping da preposição5.
3.4. Alçamento à direita (Right Node Raising)
4
Aqui estamos colocando a preposição entre parênteses, mas a nossa proposta final é que a preposição nem
aparece na numeração quando o DP se manifesta sem a preposição
5
O PB permite um único caso de abandono de preposição (preposition stranding), com a preposição sem (cf
Perini, 2004):
O homem que a Maria não consegue viver sem é o Pedro.
9
Outro contexto licenciador de ausência de preposição é a construção que chamaremos
“alçamento à direita”. Alguns exemplos podem ser visto abaixo:
(21)
Eu gostei __, mas acabei não comprando o Vaio.
Aqui também, nossa proposta é baseada no licenciamento por caso “default”. A derivação se
assemelha à de uma construção de lacuna parasita (v. Nunes, 2004) até a topicalização do
complemento o Vaio6. A partir daí, temos o movimento remanescente do IP para o Spec de
Top (cf Kayne, 1994).
(21)’ 1. [o Vaiodefault [IP eu gostei __ [ mas não comprei __]]] Topicalização
2. [ToP [IP eu gostei __ [ mas não comprei __]IP] [TopPo Vaiodefault [ tIP ]]
Movimento-remanescente de IP)
4. O problema da opcionalidade da preposição
Até aqui, vimos supondo que o complemento PP de nomes e verbos apresentam a preposição
quando nascem dentro do VP para depois assumirem a forma de um DP em contextos de caso
“default”. Mas, antes de apresentarmos nossa análise, vamos recuperar um pouco da literatura
que tratou dessas preposições e as soluções a elas dadas.
4.1. A noção de preposição dummy
Como no inglês e em outras línguas românicas, nomes transitivos no português sempre
exigem uma preposição para os seus complementos, mesmo quando os verbos
correspondentes não o requeiram. (v. exs. em (22)). Em português, a preposição nesses casos
é de, uma preposição dummy, na terminologia de Longobardi (1991), considerada
semanticamente vazia, cuja única função é a de licenciar casualmente o complemento
nominal.
6
Aqui estamos utilizando a perspectiva de periferia de Rizzi(1997), com o Tópico como um núcleo que se
projeta, mas também seria possível pensarmos nesta operação usando a adjunção.
10
(22) a.
A Maria vendeu [a casa]+accus
b.
a venda * [a casa]-caso
b’
a venda de+gen [a casa]+gen
Segundo Raposo (1992) os verbos como gostar e precisar requerem a preposição dummy
de, dado que esses verbos não têm traços de caso para licenciar seus complementos. Para
Raposo (2002), a inserção da preposição “dummy” na posição argumental é uma operação
pós-sintática. Mas sua proposta não leva em conta a opcionalidade da preposição dummy em
determinados contextos, como vimos acima.
4.2. A noção de caso inerente
A comparação entre a preposição dos complementos nominais, que atribuem o caso
genitivo, e a preposição de verbos como gostar e precisar , que atribuem caso oblíquo, está
também na raiz da proposta de caso “inerente” , em Chomsky (1986), para quem este se
define em função da θ-marcação, em estrutura profunda (E-P), e não em nível pós-sintático,
como propôs Raposo.
A proposta de tratar tais preposições como determinadas tematicamente precisa ser
revista uma vez que na visão corrente não contamos mais com esse nível de representação.
Além disso, não é intuitiva a diferença entre a preposição de de um verbo como gostar
e a preposição de de um verbo como rir em termos temáticos. Outro problema é que o
fenômeno da opcionalidade da preposição afeta outras preposições não-dummy, como, por
exemplo, a preposição a ou para , que marca o objeto indireto, e a preposição com , que
vimos com as interrogativas. O comportamento idiossincrático dos itens lexicais quanto à
opcionalidade da preposição pede um tratamento no nível “lexical”, e para isso a noção de
caso “inerente” pode ser preservada.
4.3. O lugar da inserção da preposição
A criança adquirindo o PE, que só admite a opcionalidade da preposição com verbos
como gostar e precisar terá em seu léxico o conhecimento de que com esses verbos a
preposição pode estar presente ou ausente na numeração. A criança aprendendo o PB paulista,
terá um leque maior de verbos de caso inerente do que a criança portuguesa, mas menor do
que a carioca. Este é um tipo de variação que se encaixa bem na visão de Raposo (1999: p. 1),
11
segundo o qual “ there are no parameters of UG; there is only an "inert" and rigid
computational system reacting to the formal properties of lexical items, which may vary from
language to language”.
Segundo nossa proposta, as diferenças dialetais, ou individuais, estariam registradas no
léxico da seguinte forma para um falante português (PE) , um falante paulista (SP) e o falante
de um dialeto qualquer, que designamos aqui por X.
(23)
PE
SP
dialeto X
rir
__ P +DP
__ P +DP
(P) +DP
depender
__ P +DP
__ P + DP
(P) +DP
conversar
__ P +DP
__(P) +DP
(P) + DP
gostar
__ (P)+DP
__(P) +DP
(P) + DP
precisar
__ (P)+DP
__(P)+DP
(P) + DP
Assim, o falante português aceita um sub-conjunto dos itens do paulista e o paulista aceita um
subconjunto dos itens do falante de X.
Verbos como depender, rir , quando selecionados, requerem também a preposição de
obrigatoriamente , com traço oblíquo, como um item obrigatório na numeração, enquanto
verbos como gostar e precisar selecionam opcionalmente essa mesma preposição, com traço
oblíquo. Nos dois casos o DP argumento entra sem caso valorado:
(24)
a.1. {......depender-caso
de+obl
DPcaso?]
a.2. {.......gostar-caso........de+obl ..DPcaso?}
ou a.3. {.......gostar.......DPcaso?}
Se com gostar a preposição for selecionada (a.2.), a derivação é idêntica para as sentenças
com o verbo depender, para o qual a preposição é obrigatoriamente selecionada. A
preposição valora o caso do DP-argumento como oblíquo , após o qual os traços de caso de
ambos é eliminado.
(25)
a Todo mundo depende do+obl Pedro+obl .
b. Todo mundo gosta do+obl Pedro+obl
O sintagma do Pedro pode, em seguida, ser copiado em adjunção a IP com conseqüente
apagamento da cópia original.
12
(26)
a. [IP Do Pedro [IPtodo mundo depende__.
b. [TopP Do Pedro [todo mundo gosta __
A mesma análise é proposta para verbos que pedem outro tipo de preposição em seu
complemento. Em todos esses casos, o Tópico não pode ser um DP:
(27)
a. *(Em)O Lula, todo mundo confia.
b. *(Em) Santo Antonio, eu acredito
c. *(Por) o meu pai, eu faço qualquer coisa.
Se a preposição não for selecionada para a numeração com verbos como gostar, o
caso do DP não poderá ser valorado porque esse verbo não tem traço de caso para atuar como
a sonda para valorar o seu caso. Se nada for feito, a derivação fracassa. Mas a topicalização
pode atuar, salvando a sentença . Vejamos como.
(28)
a. *Todo mundo gosta-caso [o Pedro]caso?
b. [IP[O Pedro]-nom”default [IPtodo mundo gosta __]
Estamos assumindo que, em contexto que não envolve ilha, o tópico “default” é gerado por
movimento. Ocorre que a ausência de preposição também pode ser observada em tópicos
associados à categoria vazia dentro de ilhas, com verbos como gostar e precisar (cf. Ferreira,
2000):
(29) [esse artigo]i, eu sei de um colega que está precisando __i
O que proponho, seguindo Kato e Nunes (2007) é que, se o DP na numeração é um pronome
nulo, defectivo em caso como propõe Ferreira (2000), a preposição não é selecionada. O
tópico nesse caso é gerado in-situ, na periferia.
(29)’ [TopP esse artigoi [IP eu sei de um colega que está precisando proi]]
Uma sentença simples sem ilha como (28), no entanto, deveria ser ambígua entre ter um pro
ou ter um vestígio de movimento. Se supusermos, como Hornstein (2007) que movimento é
13
menos custoso do que a pronominalização resumptiva 7, vamos continuar a analisar casos
como (30) como resultado de movimento, deixando a solução do pronome nulo para último
recurso, como no caso de ilhas.
(30)
Esse artigo, eu estou precisando para amanhã.
(30)’ [TopPEsse artigoi [TopP eu estou precisando ti para amanhã.
Além disso, casos como o exemplo (4b), aqui repetido como (31) teria o seu efeito de ligação
naturalmente explicado numa derivação por movimento.
(31) O artigo delei, o Joãoi vai precisar __ amanhã.
Conclusões
A proposta apresentada para dar conta da distribuição de ausência de preposição em
complementos verbais do PB pode ser resumida nos seguintes pontos:
a) os verbos são lexicalmente definidos no léxico como tendo a preposição sempre obrigatória
ou podendo sua presença na numeração ser opcional, casos em que a preposição é uma
manifestação de caso inerente;
b) se a preposição não é selecionada, o DP na posição complemento terá caso não-valorado e,
se ai permancecer , a derivação fracassa. Uma forma dela prosseguir é o DP mover-se para a
posição de TopP, onde pode receber caso “default”, que é nominativo no português;
c) todas as demais posições em que a preposição pode estar ausente são casos em que a
derivação inclui um movimento do DP não valorado para a posição de TopP.
d) A posição vazia associada ao tópico pode ser um pronome resumptivo nulo ou visível em
contexto de ilha, mas quando o movimento é possível, a estrutura envolve um vestígio,
supondo-se que movimento é menos custoso do que resunção.
Resumindo, ao contrário da perspectiva de “corte” da preposição, ou de sua inserção
tardia, nosso estudo propõe que não há corte por que a preposição nem aparece na numeração
e, quando aparece na FP, ela já está presente desde o princípio da derivação.
References
7
Custo aqui é computado em termos de quantidade de itens na numeração.
14
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Tarallo, F. (1983) Relativization strategies in Brazilian Portuguese. UPENN: Ph.D.
Dissertation.
Apêndice I Derivação das relativas via alçamento
A completar
Apêndice II: Derivação de construções de Alçamento à direita
A completar
15
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