i UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO JULIANA MAFFAZIOLI PIRES O ALINHAMENTO DOS PROGRAMAS DE DISEASE MANAGEMENT COM A FILOSOFIA LEAN: UM ESTUDO DE CASOS EM OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE RIO DE JANEIRO - BRASIL 2012 ii JULIANA MAFFZIOLI PIRES ALINHAMENTO DOS PROGRAMAS DE DISEASE MANAGEMENT COM A FILOSOFIA LEAN: UM ESTUDO DE CASOS EM OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientadora: Claudia Affonso Silva Araújo Rio de Janeiro – Brasil 2012 iii Pires, Juliana Maffazioli O Alinhamento Dos Programas De Disease Management Com A Filosofia Lean: Um Estudo De Casos Em Operadoras De Plano De Saúde / Juliana Maffazioli Pires —2012 135 pgs. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Rio de Janeiro, 2012 Orientador: Claudia Affonso Silva Araújo 1. Serviços de Saúde 2. Administração – Teses. I Araújo, Claudia, Affonso Silva, (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. iv JULIANA MAFFAZIOLI PIRES O ALINHAMENTO DOS PROGRAMAS DE DISEASE MANAGEMENT COM A FILOSOFIA LEAN: UM ESTUDO DE CASOS EM OPERADORAS DE PLANO DE SAÚDE Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Administração, Pós Graduação Instituto COPPEAD em de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Aprovada em: _______________________________________________________ Profa. Claudia Affonso Silva Araujo, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ) - Orientadora _______________________________________________________ Prof. Kleber Fossati Figueiredo, Ph.D (COPPEAD, UFRJ) _______________________________________________________ Prof. Denizar Vianna Araujo, D.Sc. (UERJ) v Ao meu filho, Pedro Augusto vi AGRADECIMENTOS Aos meus pais, que sempre priorizaram a educação de suas três filhas. Por isso, começo aqui agradecendo à eles essa etapa cumprida. Ao meu marido e melhor amigo, Cesar Augusto por me incentivar e estar sempre ao meu lado nesses dois anos do mestrado, mesmo nos momentos mais complicados. Ao meu filho, Pedro Augusto, que ainda não entende o que é um mestrado, mas desde cedo já ouve “Pedro, agora não, mamãe está estudando”. Às minhas irmãs, que por vezes cuidaram do meu filho para que pudesse cumprir com as atividades do mestrado. À Cristiane, baba do Pedro que cuidou carinhosamente do meu filho durante todo o mestrado. À minha orientadora, Claudia Araújo, pelas incansáveis revisões de texto, conselhos e objetividade, sem as quais não poderia ter chegado até aqui. Aos professores do Coppead, pela dedicação ao curso. Aos funcionários do Coppead, especialmente aos da Secretaria Acadêmica e Biblioteca, que estavam sempre prontos para nos atender e ajudar nos assuntos burocráticos. Aos amigos da Turma 2010, que deixaram os momentos no Coppead mais divertidos. vii RESUMO Pires, Juliana Maffazioli. O Alinhamento dos Programas de Disease Management com a filosofia Lean: um estudo de casos em operadoras de plano de saúde. Rio de Janeiro, 2012. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) – Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. O objetivo do presente estudo foi verificar no contexto brasileiro o alinhamento que existe entre os programas de disease management e os princípios da filosofia lean thinking. Além disso, buscou-se verificar se as práticas de gestão adotadas pelas operadoras de plano de saúde estão de acordo com os fatores críticos de sucesso de tais programas. Para esta finalidade, é estabelecida uma relação entre os cinco princípios do lean e o disease management e são descritos os elementos que devem estar presentes no gerenciamento de doenças crônicas. O estudo de casos mútliplos foi escolhido para essa pesquisa e seis entrevistas em profundidade foram realizadas com gestores de três programas de disease management para o entendimento do fenômeno estudado. O resultado dessa pesquisa revela que programas realizados de forma presencial, com foco no tratamento, estão mais alinhados com o que preza a filosofia lean. Adicionalmente, foi verificado que esse tipo de programa apresenta mais elementos do disease management do que aqueles realizados essencialmente por contatos telefônicos. Palavras-chave: disease management, lean thinking, lean healthcare, serviços de saúde, operadoras de plano de saúde. viii ABSTRACT Pires, Juliana Maffazioli. The Alignment of Disease Management Programs with Lean theory: a case study with health plan companies. Rio de Janeiro, 2012. Master Dissertation in Business Administration –Coppead Gradutate School os Business, The Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. The objective of this study was to verify the alignment whith disease management programs and the lean thinking theory in the Brazilian context. In addition, we sought to determine whether the management practices adopted by health plan companies are in agreement with the success factors of such programs. For this purpose, it is established a relationship between the five lean principles and disease management and also is described the elements that must be present in managing chronic diseases. The result of this research shows that programs conducted with face-to-face care are more aligned with lean philosophy. Additionally, it was found that this type of program has more elements of disease management than those conducted primarily by telephone calls. Key-words: disease management, lean thinking, lean healthcare, healthcare services, health insurance companies. ix LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURAS FIGURA 1: TAXONOMIA PROPOSTA POR BANDÃO DE SOUZA (2009) ................................... 33 FIGURA 2: CADEIA DE VALOR EM HEALTHCARE. ADAPTADO DE PORTER (2010) ............... 39 FIGURA 3: CARACTERIZAÇÃO DOS PROGRAMAS DE GERENCIAMENTO DE DOENÇAS QUANTO À POPULAÇÃO ALVO E INTENSIDADE DE INTERVENÇÃO. ADAPTADO DE MATTKE ET AL (2007). ....................................................................................................... 47 FIGURA 4: ELEMENTOS DO DISEASE MANAGEMENT. ADAPTADO DE EICHERT ET AL (1996) ............................................................................................................................................ 51 FIGURA 5: FRAMEWORK ADAPTADO DE LEMMENS ET AL (2008) ......................................... 54 FIGURA 6: ADAPTADO DE HINES ET AL (2004) ........................................................................ 62 FIGURA 7: FRAMEWORK CONCEITUAL .................................................................................... 63 FIGURA 8: POSICIONAMENTO DOS CASOS NA RELAÇÃO PROPOSTA POR MATTKLE ET AL (2007) .................................................................................................................................109 QUADROS QUADRO1: PRINCÍPIOS DO LEAN THINKING APLICADOS AO SETOR DE SAÚDE................. 44 QUADRO 2: ELEMENTOS DO DISEASE MANAGEMENT .......................................................... 56 QUADRO 3: FATORES CRÍTICOS DE SUCESSO ...................................................................... 61 QUADRO 4: RELAÇÃO DOS ELEMENTOS DO LEAN HEALTHCARE COM OS PRINCÍPIOS DO LEAN THINKING ................................................................................................................. 67 QUADRO 5: CATEGORIAS DE ANÁLISE .................................................................................... 69 QUADRO 6: CASOS ESTUDADOS ............................................................................................. 72 QUADRO 7: PROJETO VERSUS COLETA DE DADOS: DIFERENTES UNIDADES DE ANÁLISE (YIN, 2010, P.115) ............................................................................................................... 72 QUADRO 8: PERFIL DOS ENTREVISTADOS ............................................................................. 74 QUADRO 9: ORGANIZAÇÃO DA ANÁLISE ................................................................................101 QUADRO 10: RELAÇÃO DOS CASOS COM OS PRINCÍPIOS DO LEAN THINKING .................117 QUADRO 11: ELEMENTOS E FATORES DE SUCESSO DO DISEASE MANAGEMENT NOS CASOS ESTUDADOS ........................................................................................................118 x SUMÁRIO 1 2 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 12 1.1 O problema .............................................................................................. 12 1.2 A relevância do assunto ........................................................................... 17 1.3 Delimitações ............................................................................................. 19 1.4 Organização do Estudo ............................................................................ 20 REVISÃO DE LITERATURA .......................................................................... 22 2.1 Delimitação da revisão de literatura ......................................................... 22 2.2 O conceito lean e sua evolução: do lean production ao lean healthcare . 23 2.3 Estudos em lean healthcare ..................................................................... 32 2.4 O lean healthcare e os princípios do lean thinking ................................... 37 2.5 Disease Management .............................................................................. 44 2.5.1 Definição e origem ............................................................................. 44 2.5.2 Escopo dos programas de gerenciamento de doenças crônicas....... 45 2.5.3 Objetivos da criação de programas de disease management e resultados alcançados.................................................................................... 48 2.5.4 Elementos do Disease Management ................................................. 50 2.5.5 Fatores críticos de sucesso ............................................................... 56 2.6 3 4 Framework conceitual .............................................................................. 62 DISCUSSÃO DO MÉTODO DE PESQUISA .................................................. 68 3.1 Definição das perguntas de pesquisa ...................................................... 68 3.2 Tipo de pesquisa ...................................................................................... 69 3.3 Seleção dos casos ................................................................................... 70 3.4 Coleta e tratamento dos dados ................................................................ 72 3.5 Limitações do Método .............................................................................. 75 DESCRIÇÃO DOS CASOS............................................................................ 76 4.1 Empresa Alfa............................................................................................ 76 4.1.1 A empresa ......................................................................................... 76 4.1.2 Como está estruturado o programa ................................................... 77 4.1.3 Objetivo do Programa ........................................................................ 82 4.1.4 Quais os resultados atribuídos ao programa ..................................... 85 xi 4.2 4.2.1 A empresa ......................................................................................... 87 4.2.2 Como está estruturado o programa ................................................... 87 4.2.3 Objetivo do Programa ........................................................................ 92 4.2.4 Quais os resultados atribuídos ao programa ..................................... 93 4.3 5 6 Empresa Ômega ...................................................................................... 87 Empresa Beta .......................................................................................... 95 4.3.1 A empresa ......................................................................................... 95 4.3.2 Como está estruturado o programa ................................................... 95 4.3.3 Objetivo do Programa ........................................................................ 99 4.3.4 Quais os resultados atribuídos ao programa ..................................... 99 ANÁLISE DOS CASOS ................................................................................ 101 5.1 Valor ....................................................................................................... 102 5.2 Identificar a cadeia de valor ................................................................... 105 5.3 Desenvolver um fluxo de valor ............................................................... 108 5.4 Técnicas Puxadas de Produção ............................................................. 113 5.5 Melhoria contínua ................................................................................... 115 5.6 Quadro resumo da análise ..................................................................... 116 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ...................................................... 120 6.1 Resumo da Pesquisa ............................................................................. 120 6.2 Conclusões ............................................................................................ 120 6.3 Implicações teóricas e gerenciais .......................................................... 126 6.4 Campos para pesquisas futuras ............................................................. 128 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 130 12 1 1.1 INTRODUÇÃO O problema É desnecessário afirmar que o atual modelo assistencialista centrado na doença deve dar lugar a outro em que a promoção e a prevenção da saúde tenham sua importância reconhecida, com todos os atores da cadeia de valor da saúde conscientes da necessária desconstrução do atual modelo para partir, decididamente comprometidos, na busca de um novo paradigma. Médicos, gestores públicos e privados, prestadores (clínicas, hospitais, serviços de diagnóstico), governos, indústria, distribuidores de planos de saúde não desconhecem que, a despeito dos custos crescentes, não se está agregando, 1 na mesma proporção, valor em saúde (BORGES, 2010). Conforme relatado por Borges (2010), o foco na doença do presente padrão de assistência à saúde eleva os custos do serviço e não gera valor ao cliente. Como exemplo, este autor relata que mesmo com um aumento dos custos de serviços de saúde no Brasil, que superou em 7% o aumento do IPCA2 no ano de 2009, a insatisfação dos pacientes é crescente devido à precariedade dos serviços prestados. Custos crescentes e qualidade medíocre têm caracterizado os serviços de saúde em diversos países. Os gastos com saúde, em 2007, corresponderam a 9,7% do PIB do planeta; no Brasil, os gastos com saúde representaram 9% do PIB em 2009, um crescimento de 26,8% em relação a 1999; o gasto per capita total com 1 2 www.sissaude.com.br/sis/inicial.php?case=2&idnot=8076. Acessado em 30 de junho de 2011. Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 13 saúde no Brasil, por sua vez, cresceu 102,8% entre 1999 e 2009; em 2009, os planos de saúde arcaram com 41,2% dos gastos privados com saúde no país, enquanto que o governo arcou com 45,7% dos gastos com saúde no Brasil.3. Esta situação de custos crescentes e qualidade questionável não é privilégio brasileiro. Nos EUA, a situação do setor tem inspirado pesquisadores de Harvard a se debruçar sobre a questão e propor novas formas de competir e criar valor na saúde. Neste sentido, se destacam os trabalhos de Clayton Christensen, Regina Herzlinger, Michael Porter e Richard Bohmer. Porter e Teisberg (2004) acreditam que no futuro o objetivo dos serviços de saúde deverá ser o aumento de valor para o cliente e não mais o foco em redução de custos como se caracterizou o setor no passado. Porter e Teisberg (2004) defendem ainda que, para melhores resultados, a concorrência deve estar centrada na prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças que possuam as mesmas características. Por sua vez, Regina Herzlinger (2006) sugere que o setor de saúde, para sair da crise, deve adotar novos modelos de negócio, particularmente aqueles que envolvem a integração vertical ou horizontal de organizações ou atividades atualmente separadas. No entendimento desta autora, a integração das atividades de saúde pode aumentar a eficiência, melhorar o tratamento e economizar o tempo do cliente. Neste sentido, a autora defende a integração vertical dos serviços, juntando sob um mesmo teto o tratamento das doenças crônicas, de tal forma a tornar o tratamento mais eficiente e conveniente para o paciente, já que 3 Dados da Organização Mundial de Saúde 2009: site http://apps.who.int/ghodata/?theme=country#, acessado em 30 de setembro de 2011. 14 este teria que ir a um único lugar (one-stop shopping) e não teria que coordenar seu tratamento com um grupo de profissionais. Sob a mesma perspectiva, Christensen et al (2009) defendem que as instituições de saúde devem migrar para instituições focadas, cujo escopo permita prover melhor tratamento com menos custos fixos. Richard Bohmer, médico e pesquisador da área de operações de Harvard crítica à forma segregada de prover serviços de saúde, o que vai contra a natureza interdisciplinar da medicina. Este autor defende que especialistas que tratam de uma mesma doença deveriam estar reunidos em um mesmo espaço físico, pois acredita que dessa forma poderia reduzir o tempo despendido entre diagnóstico e início do tratamento (Bohmer, 2010). Pode-se observar, portanto, que estas visões se integram e convergem para o entendimento de que, para melhorar a qualidade dos serviços prestados e reduzir os custos no setor de saúde, é necessário criar um novo modelo de negócio, focado em pacientes com doenças de mesmas características. Além destes autores de Harvard, outros pesquisadores têm defendido a necessidade de uma reestruturação do setor, compatível com a fábrica focada, proposta por Skinner (1974). Por exemplo, Zitter (1996) aponta que os serviços de saúde providos e cobrados ao cliente de forma segregada não encorajam os prestadores a melhorarem o serviço oferecido através da priorização do paciente. Além disso, o autor considera que o tratamento pontual da doença eleva os custos totais. 15 Neste contexto, o disease management4, considerado uma nova abordagem para o tratamento da doença crônica, se adequa ao que tem sido prescrito na área acadêmica para “curar” a saúde. Para definir doença crônica, adotou-se neste estudo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), qual seja: “Doenças que têm uma ou mais das seguintes características: são permanentes, produzem incapacidade/deficiências residuais, são causadas por alterações patológicas irreversíveis, exigem uma formação especial do doente para a reabilitação, ou podem exigir longos períodos 5 de supervisão, observação ou cuidados .” Com o objetivo de reunir pacientes com a mesma característica, o disease management pode ser descrito como uma abordagem abrangente no tratamento da doença crônica, com o objetivo de prevenir exacerbações da doença, para minimizar o uso de recursos caros da medicina, como internações e, assim, melhorar a qualidade de vida do paciente. De acordo com Herzlinger e Pinho (2011), sessenta por cento dos custos totais com saúde são provenientes de doze por cento da população portadores de doença crônica ou envolvidos em um tratamento muldisciplinar. Os desafios atuais do setor de saúde, de romper o trade-off custo-qualidade, já foram enfrentados por outros setores, os quais adotaram os preceitos da filosofia lean (enxuta) para superá-los, uma vez que o lean thinking busca, em sua essência, o aumento de valor ao cliente através da redução de desperdício do 4 As expressões disease management e gerenciamento de crônicos serão utilizadas como sinônimos nesta pesquisa. 5 http://www.apcl.pt/PresentationLayer/ctexto_01.aspx?ctextoid=70&ctlocalid=12. Acessado em 17/10/2011 16 processo. Esta filosofia é descrita a partir de cinco princípios: identificar qual o valor para o cliente, identificar a cadeia de valor, desenvolver um fluxo contínuo, utilizar técnicas “puxadas” de produção e ambicionar a perfeição. O estudo do conceito lean aplicado especificamente no setor de saúde, denominado lean healthcare, teve seu primeiro registro no ano de 2002, a partir de uma pesquisa realizada na Inglaterra, pela National Health System (NHS), com objetivo de melhorar o desempenho do serviço prestado baseado nos princípios do lean thinking (BRANDÃO DE SOUZA, 2009). A partir da análise destas teorias, disease management, lean healthcare e lean thinking, observou-se uma convergência de objetivos e de preceitos, que permitem concluir que o disease management seria a operacionalização dos princípios do lean healthcare, cuja gestão adequada permitiria a redução de desperdícios e a criação de valor para os pacientes. Portanto, o presente estudo espera responder o seguinte questionamento: Como os programas de disease management das operadoras de Plano de Saúde do Brasil estão relacionados aos princípios do lean healthcare? Além disso, é objeto dessa pesquisa verificar se as práticas de gestão adotadas pelas operadoras de plano de saúde estão de acordo com os elementos e fatores críticos de sucesso para o gerenciamento de pacientes crônicos. Para responder a esta pergunta geral, faz-se necessário buscar resposta para as seguintes perguntas específicas: • Qual o objetivo do programa de gerenciamento de doença crônica? (identificar valor) • Quais os resultados atribuídos ao programa? Estes resultados são mensurados? (cadeia de valor) 17 • Como acontece o processo do disease management? (desenvolver um fluxo de produção) • Como se inicia o processo do programa de disease management? (produção “puxada”) • Existe um processo de revisão do programa e melhoria? (busca pela melhoria contínua) 1.2 A relevância do assunto Apesar dos custos elevados e crescentes, o que se vê é uma deterioração da qualidade dos serviços de saúde e uma grande massa de desassistidos, principalmente no Brasil, em que os serviços públicos não têm condição de atender adequadamente à população do país que, em 2009, totalizava aproximadamente 194 milhões pessoas, sendo que 10% (19,4 milhões) com idade superior a 60 anos (OMS, 2009). A cada ano, 1,1 milhão de brasileiros chegam aos 60 anos e, de acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) das Nações Unidas, daqui a 40 anos 15 milhões de brasileiros terão mais do que 80 anos, quantidade bastante superior aos 2,8 milhões que já passaram da casa dos 80 em 2009.6 Assim, o envelhecimento da população brasileira, somado à maior expectativa de vida ao nascer, que totalizava 73 anos em 2009, dez anos superior à expectativa 6 Fonte: site do jornal O Globo: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2011/10/03/envelhecimento-1-1milhao-de-brasileiros-chegam-aos-60-anos-cada-ano925500504.asp?nstrack=sid:8414468|met:300|cat:0|order:5, acessado em 04/10/2011. 18 de vida de 1980, indica uma tendência de crescimento dos gastos com saúde no país nos próximos anos e/ou a necessidade de uma revisão do modelo de gestão estabelecido para o setor. No entanto, uma notícia mais recente, veiculada em abril de 2012, apresentou o resultado de um estudo realizado por uma operadora de plano de saúde que revelava que cada um real gasto em prevenção, a empresa de plano de saúde economiza dois reais. A reportagem também chamava a atenção para o número de pessoas participantes desses programas, que em apenas seis meses passou de duzentos mil para quase um milhão de clientes. Conforme relatado pela entrevistada, no início do programa ocorre até um aumento dos custos da operadora, devido à busca por consultas médicas, no entanto, no médio prazo há uma redução na busca por internações e prontos socorros, que correspondem a cinquenta por cento dos custos das operadoras de plano de saúde, além de uma melhora na qualidade de vida do paciente7. Assim, este estudo exploratório é relevante para os profissionais da área de saúde entenderem o que a academia tem sugerido como elementos críticos de sucesso para alcançar os objetivos pretendidos com o gerenciamento de pacientes crônicos. Além disso, este trabalho é relevante para o conhecimento das práticas realizadas no Brasil. Para os acadêmicos, este estudo mostra-se relevante, pois reúne diversos elementos e fatores críticos de sucesso do disease management encontrados na teoria. Além disso, ele apresenta um quadro conceitual que relaciona o lean 7 http://oglobo.globo.com/economia/de-cada-1-gasto-em-prevencao-plano-de-saude-economiza-24526799, acessado em 09/04/12. 19 thinking, o lean healthcare e o disease management, o que representa uma nova abordagem de análise do gerenciamento de doença crônica. 1.3 Delimitações O estudo está delimitado na comparação entre a gestão dos Programas de disease management pelas operadoras de plano de saúde e os princípios do lean healthcare. O objetivo é verificar se a forma como tais programas estão sendo gerenciados está alinhada com os preceitos da filosofia lean que, de acordo com a literatura, permitiriam às organizações superar o trade-off custo-qualidade. Uma delimitação desta pesquisa foi o fato dela ter sido realizada somente com gestores dos programas. Não foram ouvidos médicos e clientes dos programas. No presente estudo, entende-se programa de disease management (gestão de doença) como sendo um sistema coordenado de intervenção médica e comunicação para auxiliar pacientes, com doenças crônicas, a seguir um tratamento e assim prevenir complicações da doença, através da integração dos cuidados necessários (ADOMEIT ET AL, 2001; MILLER, 2006; MATTKE ET AL, 2007; ARAUJO, 2009). A regulamentação do setor de saúde no Brasil é complexa. Os planos de saúde estão sujeitos às normas da Agência Nacional de Saúde (ANS), que classifica as operadoras de plano de saúde em sete modalidades distintas: administradora, cooperativa médica, cooperativa odontológica, autogestão, medicina de grupo, 20 odontologia de grupo e filantropia.8 Dentre as classificações enumeradas, este estudo está restrito à análise da gestão do disease management por operadoras de plano de saúde reconhecidas pela ANS como medicina de grupo. 1.4 Organização do Estudo O estudo está organizado e seis capítulos: Introdução, Revisão de Literatura, Discussão do Método, Apresentação dos casos, Análise dos Casos e Conclusão. O capítulo de Introdução apresenta o objetivo do estudo, sua relevância para a área acadêmica bem como para profissionais da área de saúde. Também nesse capítulo, são consideradas as limitações do estudo, ou seja, seu escopo. O capítulo seguinte traz a revisão de literatura dos temas tratados no estudo: Lean e Disease Management. A literatura de lean segue sua evolução histórica até o surgimento da terminologia lean Thinking e lean Healthcare, onde está centrado o objetivo da pesquisa. Por sua vez, a literatura de disease management, ainda incipiente no campo acadêmico, abrange diversas referências de revistas e da internet. No terceiro capítulo é discutido o método empregado no estudo. Aborda o tipo de método e suas motivações, assim como suas limitações. Aqui são tratados também o procedimento de coleta e tratamento dos dados. 8 http://www.ans.gov.br/texto_lei.php?id=380. Acessado em 17/10/2011 21 O quarto e quinto capítulos estão relacionados aos casos estudados. O quarto apresenta a descrição de como estão organizados os programas de disease management das empresas-alvo do estudo; o quinto capítulo, por sua vez, traz uma análise dos casos, delineando um paralelo da revisão de literatura com o que foi revelado nas entrevistas. Por fim, o sexto capítulo apresenta as considerações finais do estudo, bem como sugestões para pesquisas futuras. 22 2 REVISÃO DE LITERATURA Este capítulo dedica-se à revisão de literatura dos temas pertinentes a esta pesquisa. Primeiramente, é feita uma breve revisão da evolução do conceito lean desde o lean manufacturing até o lean healthcare. Em seguida, o conceito lean healthcare foi estudado com o objetivo de mostrar como os princípios do lean thinking são interpretados na área de saúde, assunto ainda pouco pesquisado no Brasil e no exterior. Após o estudo da filosofia lean, apresenta-se uma revisão teórica sobre o disease management, sempre com foco gerencial. Os tópicos apresentados para esse fenômeno são: definição, origem, escopo, objetivos, elementos do programa e fatores críticos de sucesso. Por fim, foi criado um framework com base no estudo realizado que será o alicerce para a pergunta de pesquisa e condução deste trabalho. 2.1 Delimitação da revisão de literatura Em relação ao referencial bibliográfico da teoria lean, a pesquisa se iniciou a partir das publicações mais importantes do tema como, por exemplo, o livro de Womack et al (1992) “A máquina que mudou o mundo” e o livro de Womack e Jones (1996) “Lean Thinking”. Para a busca de publicações recentes sobre o conceito lean, foram utilizadas as bases de dados disponíveis no Instituto Coppead de Administração, como EBSCO, Proquest, Emerald e ScienceDirect. Em tal procura, foram utilizadas as seguintes palavras-chave, que deveriam estar contidas no resumo do artigo: lean, 23 lean production, lean manufacturing, lean service, lean healthcare e lean hospital. Não houve restrição quanto ao ano de publicação. Com objetivo de encontrar publicações nacionais de lean healthcare, foi utilizada a biblioteca eletrônica Scielo, além de busca no site de buscas Google Acadêmico. Em tais buscas, foram consideradas as seguintes palavras-chave: lean healthcare, lean hospital, hospital enxuto, serviço saúde enxuto. Da mesma forma, não houve restrição de datas para essas pesquisas. A pesquisa sobre o conceito de disease management, por sua vez, iniciou-se a partir de artigos fornecidos por especialista do tema. Nesses estudos, buscaramse outros que estavam relacionados em suas referências bibliográficas, quando considerados interessantes para esse estudo pelo julgamento da autora. A pesquisa também considerou as mesmas bases de dados já citadas acima, mas a palavra-chave que compôs a busca foi: disease management. Por se tratar de um tema recente, essa não foi balizada por nenhuma data. Realizou-se também uma busca no site de pesquisa Google, utilizando sempre o termo disease management entre aspas. Como este estudo concerne à área de Operações de Serviços, autores considerados referência na área, como Wickham Skinner, Robert Johnston e James Fitzsimmons e Mona Fitzsimmons, foram pesquisados, assim como Avedis Donabedian, autor considerado referência na área de saúde. Além disso, autores que têm se dedicado ao estudo específico do setor de saúde, como Michael Porter, Regina Herzlinger, Clayton Christensen. 2.2 O conceito lean e sua evolução: do lean production ao lean healthcare O Sistema Toyota de Produção surgiu na Japão após o fim da 2ª Guerra Mundial. Diante do cenário de dificuldades econômicas decorrentes daquela guerra, o 24 modelo de produção em massa da indústria automobilística americana não se adequava (HOLWEG, 2007). Assim, em 1950, o engenheiro da Toyota, Eiji Toyoda, viajou à fábrica Rouge da Ford, que no momento era considerada a maior e mais eficiente montadora do mundo pela indústria automobilística. Como conclusão da viagem, Eiji Toyoda escreveu para sua empresa que havia percebido que era possível aperfeiçoar o sistema de produção em massa. (WOMACK e JONES, 1992) Embora tenha aparecido no Japão ainda na década de 50, o Sistema Toyota de Produção foi difundido internacionalmente quando Womack e Jones (1992) lançaram o livro “A máquina que mudou o mundo”, onde cunharam como Lean Production os princípios do Sistema Toyota de Produção (HOLWEG, 2007). No entanto, no entendimento de Shah e Ward (2007), o Sistema Toyota de Produção foi difundido ainda em 1984, quando foi criada a NUMMI, uma joint venture entre as empresas Toyota e General Motors nos Estados Unidos. Ainda para os autores, o livro de Womack e Jones relata o sistema lean com detalhes, mas não fornece uma definição específica para o conceito. Apesar de haver consenso de que o objetivo do lean production é eliminar desperdício do processo, seja para aumentar o valor ao cliente ou reduzir custos (PETTERSEN, 2009), não há uma concordância entre os autores sobre a definição de lean production (SHAH e WARD, 2007; PETTERSEN, 2009). Para Pettersen (2009), tal desacordo sobre o conceito gera conflito no campo teórico, e ainda mais na prática, quando as empresas desejam implantar o conceito. O autor revela que existe uma diferença entre as visões acadêmica e profissional do conceito: a primeira entende que o lean production é mais do que uma “caixa de ferramentas” e sugere uma abordagem mais filosófica; já os profissionais enxergam o lean production de forma operacional, caracterizando-o como apenas uma coleção de ferramentas para redução de desperdício do processo. No 25 entanto, Hines et al (2004), apesar de serem estudiosos acadêmicos, julgam que o lean production e suas ferramentas estão em um nível operacional da organização, tendo em vista que seu único objetivo é a redução de desperdícios do processo. No livro a máquina que mudou o mundo, Womack e Jones (1992) consideraram sete tipos de desperdícios presentes nos processos: excesso de produção; excesso de processos ou processos incorretos; transporte de peças desnecessário; movimento de pessoas desnecessário; excesso de estoque; defeitos; e espera. Para os autores, tais elementos, quando presentes em um processo, aumentam a utilização de recursos da empresa, sem gerar valor para o cliente. Pettersen (2009) ressalta ainda que a carência de uma definição formal do conceito lean production encoraja sua abordagem de forma adaptativa em diferentes indústrias. A partir de diversos conceitos reunidos em seu estudo, o autor define lean production como sendo um conjunto de práticas relacionadas ao Just in Time, redução do uso de recursos, estratégia de melhoria e controle de defeitos. Shah e Ward (2007), por sua vez, propõem uma definição que julgam preencher a lacuna entre a perspectiva teórica e prática existente na literatura. “Lean production é um sistema sócio-técnico integrado, cujo principal objetivo é eliminar o desperdício através da redução ou minimização simultânea da variabilidade interna, dos clientes e dos fornecedores.” 9 (SHAH E WARD, 2007, p.791, tradução da autora) No ano de 1996, Womack e Jones renovaram seu conceito no livro lean thinking ao ampliar o conceito além da indústria automobilística. Na ocasião, os autores 9 Língua inglesa 26 propuseram que o lean poderia ser aplicável na indústria de serviço. A hipótese dos autores foi fundamentada em estudos de caso de empresas de tal setor, como companhias aéreas. Nesta obra, Womack e Jones (1996) propuseram cinco princípios que traduzem o conceito lean thinking: identifique o valor, identifique a cadeia de valor, desenvolva um fluxo, utilize técnicas “puxada” de produção e ambicione a perfeição. Para esta pesquisa, será utlizada a definição de todos os princípios descrita na visão de seus criadores, Womack e Jones, autores que cunharam o conceito do lean thinking. Estes autores entendem que valor é significativo quando se atende à necessidade do cliente a preço e momentos específicos. Dessa forma, o primeiro desafio para o lean thinking é identificar quem é o seu verdadeiro cliente e quais são suas necessidades. Além do conceito de valor, é importante ressaltar que o cliente percebe a qualidade de um serviço não só pelo seu resultado, mas também pelo seu processo (FITZSIMMONS E FITZSIMMONS, 2005). Nesse sentido, o segundo princípio do lean thinking pressupõe a eliminação de desperdício do processo, ou seja, aquelas etapas do processo que não agregam valor e consomem recursos da empresa (WOMACK ET AL, 1992) e tempo do cliente (WOMACK E JONES, 1996). Por sua vez, o terceiro princípio implica o desenvolvimento de um fluxo contínuo para as etapas que restaram no processo de valor (WOMACK E JONES, 1996). De acordo com Waring e Bishop (2010), é necessário retirar as fronteiras entre os setores da empresa para garantir que o fluxo de trabalho está alinhado para a criação de valor ao cliente. Para o quarto princípio, Womack e Jones (1996) explicam que o cliente deve ser o “gatilho” para início do processo produtivo. Além disso, o princípio da produção 27 puxada utiliza as ferramentas do Just in time, composta por elementos como: fluxo, controle de estoque e controle de tempo, que em última análise, tem por objetivo eliminar sete desperdícios: superprodução, tempo disponível (espera), transporte, processamento, estoque disponível, movimento, produção defeituosa (Ohno, 1997). Por fim, o último princípio abrange o conceito japonês Kaizen, que significa que uma empresa deve estar sempre envolvida em um processo de melhoria (WOMACK E JONES, 1996). Neste mesmo sentido, Waring e Bishop (2010) afirmam que o lean thinking compreende a ideia de que a organização deve sempre buscar a perfeição. Enquanto o lean production é visto por Hines et al (2004) como sendo uma abordagem operacional, estes autores defendem que o lean thinking deve ser visto como uma estratégia com foco na criação de valor ao cliente, uma vez que houve uma migração do foco da redução de desperdício do processo para a criação de valor ao cliente. Assim, estes autores criticaram o uso constante do conceito de lean thinking no nível operacional nos debates acadêmicos e julgam necessário o entendimento deste conceito como uma estratégia para prover valor ao cliente. Allway e Corbett (2002) acrescentam que para compreender os princípios do Lean Production na indústria de serviços é necessário analisar a organização como um conjunto de processos que, em última análise, tem por objetivo fornecer valor ao cliente sob a forma de serviço. Entregar valor ao cliente é entregar ao cliente exatamente o produto ou serviço que ele necessita com preço apropriado (WOMACK e JONES, 1996; JOOSTEM ET AL, 2009). Diferentemente de Hines et al (2004), que sugerem que o lean thinking é uma estratégia, Arruda e Luna (2006) têm uma visão mais operacional deste conceito e entendem que o lean thinking compreende um conjunto de ferramentas que tem por objetivo eliminar atividades que não agregam valor aos seus processos. Dessa 28 forma, a empresa torna-se mais competitiva, pois ganha eficácia, reduz custos e melhora a qualidade do serviço oferecido ao cliente. Além dos princípios do lean thinking, Womack e Jones (2005) também conceberam o conceito de processo de consumo enxuto (lean consumption), que definiram como “movimento necessário e inevitável”. Assim como a provisão, o consumo também deve ser visto como um processo e, a partir dessa visão, os autores defenderam que menos pode ser mais quando se trata de consumo enxuto, pois seu objetivo é oferecer o valor que o cliente solicita com a maior eficiência possível. Para o consumo enxuto, Womack e Jones (2005) observam que é necessária uma mudança na relação do cliente com a empresa e ambos devem colaborar para reduzir o custo e o tempo desperdiçados no processo de consumo. Por sua vez, Kollberg, Dahlgaard e Brehmer (2007) avaliam a integração de processos de provisão e consumo enxutos como desafiador para as empresas. Ao novo conceito, foram adicionados seis princípios que estão relacionados aos princípios já citados do lean thinking (WOMACK E JONES, 1996). Solucionar totalmente o problema do cliente: os consumidores adquirem produtos e serviços para solucionar seus problemas. Assim, um provedor enxuto, além de resolver o problema do cliente, identifica sua fonte. Dessa forma, o provedor do produto ou serviço reduz seus recursos com reclamações do cliente (WOMACK E JONES, 2005). Não desperdiçar o tempo do cliente: Womack e Jones (2005) defendem que a empresa provedora de bens ou serviços deve analisar o problema sob o ponto de vista do cliente e desenhar um “mapa do consumo”, composto pelas etapas que vão desde a pesquisa até o descarte. 29 Oferecer exatamente o que o cliente deseja: para Womack e Jones (2005), esse princípio está relacionado com a demanda e sugere que empresas enxutas devem possuir sistemas mais ágeis de reabastecimento, para repor com maior frequência os itens vendidos. Prover exatamente o que o cliente deseja está relacionado ao conceito de nível de serviço. Por exemplo, Womack e Jones (2005) revelaram em seu estudo que em um supermercado nos EUA, um produto com demanda estável está disponível apenas 92% das vezes em que um cliente busca por ele. Ao fazer as contas para um cliente típico, que possui uma lista com 40 itens, os autores revelaram que apenas uma vez a cada 28 é que o cliente conseguirá fazer a compra de toda a sua lista. Tal nível de serviço relatado acima é entendido por Bowersox e Closs (2001) como disponibilidade e deve ser medido pelo número de ocorrência de stockout, ou seja, a quantidade que foi entregue ao cliente sobre o total encomendado. Oferecer o que é desejado, exatamente onde é desejado: os consumidores buscam o que precisam em diferentes formatos, com objetivo de minimizar o custo total de consumo, que é medido através do preço e da conveniência, e que por sua vez é traduzido em tempo e energia gastos na obtenção de um produto ou serviço. Em resumo, o provedor enxuto utiliza diferentes formatos de canal para chegar ao consumidor exatamente onde ele deseja (WOMACK E JONES, 2005). Oferecer o que é desejado, onde é desejado exatamente quando é desejado: como descrito por Womack e Jones (2005), oferecer o que o cliente deseja no momento certo representa um grande desafio, pois para garantir tal fornecimento é preciso um fluxo complexo de provisão que envolve todos os elos da cadeia de suprimentos, que necessitam estar com seus interesses alinhados. Adicionar continuamente soluções para reduzir tempo e esforço do consumidor: como concebido por Womack e Jones (2005), o conceito de produção enxuta implica uma redução contínua da base de fornecedores, ou seja, poucos 30 fornecedores devem ser capazes de resolver um número maior das necessidades de produtos ou serviços. Do mesmo modo, Hines et al (2004) já haviam apontado que o valor na percepção do cliente é ampliado quando outros serviços são agregados, uma vez que isso implica um ciclo de consumo mais curto. De acordo com Grönroos (2001), o serviço principal de uma empresa é o motivo pelo qual ela existe; no entanto, outros serviços complementares ao principal são necessários para facilitar o uso do serviço principal ou para aumentar o valor percebido pelo cliente. Truch (2006), por sua vez, observa que quando uma única empresa fornece diversos serviços complementares ela aprende mais sobre seus clientes, fortalece a lealdade de seus consumidores, além de atrair novos consumidores. Em 1998, Bowen e Youngdahl acrescentaram que a filosofia lean da manufatura, assim como outros conceitos da indústria manufatureira, deve ser transferida para o setor de serviços. Os autores consideram que o conceito lean service, ou seja, a aplicação dos princípios lean a este setor, pode beneficiar o rompimento do tradeoff custo-qualidade em serviços, assim como proporcionou à indústria manufatureira. Estes autores citam Theodore Levitt que, na década de 70 (1972, 1976), já defendia que o setor de serviços deve adotar modelos de gestão desenvolvidos na indústria manufatureira, como a produção em massa, para conseguir aumento de produtividade. A partir do estudo de Bowen e Youngdahl (1998), Ahlstrom (2004) pesquisou em campo as contingências d a tradução dos princípios do lean production para o lean service. Nesse trabalho, o autor concluiu que o lean production é aplicável ao setor de serviços e que uma redução de desperdícios no processo pode gerar um aumento de valor percebido pelo cliente. No entanto, para a sua realização é necessário o uso eficiente de sistemas de informação, além de uma descentralização da informação. 31 Diferentemente das pesquisas de Bowen e Youngdahl (1998) e Alhstrom (2004), os demais trabalhos, que trazem a terminologia lean service como transferência da filosofia lean para o setor de serviços, se baseiam nos princípios do lean thinking propostos por Womack e Jones (1996). Dentre estes, pode-se exemplificar com o estudo de Piercy e Rich (2009) que verificaram a aplicabilidade e resultado do lean service no serviço de call center. Da mesma forma, Seddon e O´Donovan (2009) consideram os princípios do lean thinking e as ferramentas vinculadas a cada princípio como sendo universais, ou seja, aplicáveis tanto para o setor de manufatura quanto para o setor de serviços. O estudo do conceito lean thinking aplicado no setor de saúde, denominado lean healthcare, teve seu primeiro registro no ano de 2002, com pesquisa realizada na Inglaterra pela National Health System (NHS) com o objetivo de melhorar o desempenho do serviço prestado baseado nos princípios do lean thinking (BRANDÃO DE SOUZA, 2009). No entendimento de Jones e Mitchel (2006), o lean healthcare pode gerar quatro benefícios para os serviços de saúde: aumento da segurança do paciente através da redução de erros e acidentes; melhora na prestação do serviço; redução do uso de recursos; e organização da dinâmica de trabalho, por meio de criação de procedimentos. Waring e Bishop (2010), por sua vez, defendem que o lean healthcare representa um novo modelo de organização do trabalho em serviços de saúde para gerar processos que aumentam o valor para o cliente. Para os autores, são necessárias a reconfiguração das fronteiras de trabalho e a criação de novas formas de liderança para aumentar o valor para o cliente. O valor no setor de saúde, de acordo com Porter (2010), é definido pela relação entre o resultado alcançado no tratamento do paciente e o custo do tratamento. O autor entende que o valor deve ser medido pelo resultado obtido no tratamento do paciente e não pelo volume de tratamento despendido com ele, pois para ele, 32 maior volume de tratamento nem sempre se traduz em melhor tratamento. Porter (2010) acrescenta que o valor para o paciente não é criado somente a partir do tratamento de uma especialidade, mas pelo conjunto de esforços. 2.3 Estudos em lean healthcare Para a organização deste subcapítulo será utilizada a taxonomia proposta por Brandão de Souza (2009). O autor propôs uma classificação dos estudos em lean healthcare a partir de estudo bibliográfico em que revelou 90 publicações sobre o tema. O autor observou que havia um crescimento recente no número de publicações em lean healthcare, especialmente nos Estados Unidos com 57%, seguido pela Inglaterra com 29% do total das publicações. Mais recentemente, Laganga (2011) aponta que o estudo do lean thinking em serviços de saúde ainda gera interesse dos acadêmicos e o número de pesquisas sobre o tema cresce significativamente. Em sua publicação bibliométrica do tema, Brandão de Souza (2009) contribuiu para os estudos em lean healthcare com a classificação dos principais estudos de lean healthcare em duas categorias: estudos teóricos e estudos de caso. A primeira refere-se aos estudos que não apresentam um caso prático; os estudos de caso, por sua vez; referem-se aos artigos que apresentam alguma aplicação do lean em serviço de saúde. A taxonomia do autor está ilustrada na Figura 1. 33 Figura 1: Taxonomia proposta por Bandão de Souza (2009) Conforme ilustrado na Figura 1, o autor considera que existem dois tipos de estudos teóricos: especulativo e metodológico. No dizer de Brandão de Souza (2009), os estudos especulativos em lean healthcare são pesquisas que têm como interesse informar o uso dos princípios lean na gestão de serviços de saúde, mas, não se preocupam em apresentar algum argumento concreto de que a metodologia provocará resultados positivos implicados pelo lean. Diferentemente dos artigos considerados especulativos, as pesquisas que compreendem os estudos Metodológicos contribuem para o desenvolvimento da teoria do lean healthcare, uma vez que sugerem novas abordagens para implementação dos princípios lean no setor de saúde, sua tradução da manufatura para a realidade do setor de saúde ou então, contribuem através da discussão das barreiras para aplicação dos princípios (BRANDÃO DE SOUZA, 2009). Para a categoria de estudos de caso, Brandão de Souza (2009) inclui cinco tipos de estudos de caso em lean healthcare: tal como manufatura, gerencial e suporte, fluxo de pacientes, organização, além da organização. A categoria denominada “Tal como Manufatura” abrange os estudos de caso realizados em departamentos de hospitais ou outros serviços de saúde que lidam 34 essencialmente com fluxo de materiais. Os exemplos do autor incluem os setores de farmácia e lavanderia que, apesar de estarem localizados dentro de um hospital, são departamentos que operam de forma bastante parecida com uma fábrica. A classificação “Gerencial e suporte” compreendem os artigos em que os princípios lean foram aplicados em áreas de hospitais que trabalham essencialmente com fluxo de informações. O autor observa que o estudo e aplicação do lean nessas áreas gerenciais, como financeira e TI de um hospital, pode ser conduzida da mesma forma que qualquer outro provedor de serviço. Os artigos onde os princípios lean foram utilizados para melhorar o fluxo de pacientes em hospitais ou outros serviços de saúde consistem nas principais aplicações de lean healthcare. No entanto, por causa da preocupação com a ética médica, o autor lembra que lean healthcare nesses estudos não consiste meramente nas reduções de desperdício de internação do paciente, sendo mandatória a proteção do paciente e a qualidade dispensada no cuidado de sua saúde. Os artigos que compreendem os estudos em lean healthcare na classificação “Organização” são caracterizados por Brandão de Souza (2009) como aqueles que focam em um nível mais estratégico e não apenas numa visão operacional, como as demais classificações que compreendem os estudos de caso. Normalmente, tais pesquisas começam com a implementação do lean em uma área da empresa seguido por uma abordagem estruturada por toda organização. Para a classificação “Além da Organização”, o autor relata que não foi encontrado nenhum estudo em lean healthcare que envolva o desenvolvimento dos princípios lean em mais de uma empresa da cadeia de suprimentos do setor de saúde. O autor coloca que os artigos publicados envolvem apenas uma organização 35 (hospitais ou clínicas) tanto no nível estratégico quanto no operacional, mas não na sua interação com as demais empresas de sua cadeia. Na visão de Boyer e Pronovost (2010) a cadeia de suprimentos na medicina envolve diversas partes, como: médicos, hospitais e planos de saúde. Assim como na indústria, os diferentes elementos da cadeia de suprimentos da medicina aclamam que trabalham por um objetivo comum: prover um tratamento excelente ao paciente. No entanto, sabe-se que cada parte age para direcionar mais receita para si própria, ou para sua empresa (BOYER E PRONOVOST, 2010). Apesar da importância do assunto, tendo em vista a necessidade de maior eficiência e redução de desperdícios no setor de saúde, são poucos os estudos realizados no Brasil sobre lean healthcare. A partir de ampla busca junto às principais bases de dados de pesquisa, foram encontrados cinco trabalhos abordando o tema. O estudo de caso realizado por Silberstein (2006) em sua dissertação de mestrado pode ser reconhecido como pioneiro no estudo de Lean Healthcare no Brasil. O autor, por meio de cinco estudos de casos isolados, analisou a aplicabilidade dos princípios lean no contexto dos serviços de saúde. O autor concluiu que nenhum dos casos havia incorporado todos os princípios lean e reconheceu que alguns dos princípios enxutos estão mais presentes que outros como, por exemplo, eliminar atividades que não agregam valor e estabelecer um processo com fluxo contínuo. O estudo de Senff et al (2006) avaliou a aplicabilidade dos princípios da produção enxuta ao serviço de saúde. A pesquisa foi realizada através do estudo de caso no bloco cirúrgico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e os resultados revelaram que, a partir dos princípios enxutos, principalmente, da eliminação de desperdícios, é possível melhorar o processo de atendimento à pacientes no setor estudado do hospital. 36 O artigo de Rotondaro e Muto (2008) também pode ser reconhecido como um estudo de Lean Healthcare no Brasil. Os autores, a partir dos princípios Lean Thinking, relataram um caso de melhoria do serviço prestado na recepção de internação em um Hospital privado na cidade de São Paulo. O projeto constituía em reformular a função de recepção do hospital. Dessa forma, o atendimento do setor deveria ultrapassar a barreira de seu papel que era baseado apenas em uma atividade administrativa dos papéis relacionados à internação dos pacientes e passar a transmiti-las aos setores assistenciais, como hospedagem, nutrição, etc. Assim, tais áreas foram capazes de antecipar a preparação para recepção dos clientes, com objetivo de aumentar sua satisfação com o serviço prestado. Os autores relacionaram a ação realizada na recepção do hospital com os princípios lean thinking: começar pelo cliente; eliminar etapas do processo que não agregam valor ao cliente; busca pelo processo perfeito. O estudo de Fernandes et al (2010) relata que as práticas para melhoria de processos, dentre eles o lean thinking e modelos de controle da qualidade, podem ser adequados à realidade das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) para melhorar a qualidade do serviço prestado e consequentemente reduzir custo. Na pesquisa, os autores não realizaram um estudo de caso, se restringindo a uma reflexão sobre a metodologia em um cenário de UTI. O artigo de Monteiro et al (2010) considera outra abordagem do lean thinking relacionada à gestão de saúde. No estudo, os autores buscaram, por meio de análise do caso do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas, examinar como as técnicas do lean thinking podem reduzir desperdícios presentes no processo logístico de órgãos para transplante. O resultado da pesquisa foi a elaboração de um novo fluxo de valor para o processo logístico de órgãos, destinados a transplante, baseado nos princípios do lean thinking. 37 2.4 O lean healthcare e os princípios do lean thinking Apesar de existir muita pesquisa em lean healthcare, poucas exploram as barreiras que a filosofia encontra quando inserida em um serviço de saúde. Nesse sentido, o estudo de Kollberg et al (2007) é rico ao prover tais barreiras, relacionando-as a cada princípio do lean thinking, já explorados nesse estudo. Além disso, outros autores, de forma mais geral, trazem para a discussão as dificuldades encontradas pelos princípios enxutos quando estudados em um contexto de serviço de saúde. Em relação ao primeiro princípio do lean thinking (identifique o valor), diversos autores defendem que o paciente deve ser reconhecido como o cliente primário, e não seus familiares (JONES E MITCHEL, 2006; KOLLBERG ET AL, 2007). Assim, valor é tudo que é feito para cuidar do paciente, o restante pode ser considerado como desperdício do processo (JONES E MITCHEL, 2006). A partir da perspectiva do paciente, Kollberg et al (2007) defendem que fácil acesso às instalações, respeito aos direitos do paciente, qualidade no tratamento médico e participação do cliente no tratamento são fatores críticos de sucesso. Na visão de Porter (2010) alguns fatores devem ser considerados quando se deseja prover valor ao paciente: menos tratamentos invasivos; redução de episódios de recaída da doença; redução de tratamentos repetitivos; redução da necessidade de tratamentos por longos períodos; e prevenção de doenças. Kollberg et al (2007) julgam que os fatores relacionados ao segundo princípio do lean thinking (identifique a cadeia e valor) devem incluir o mapeamento do processo do paciente para identificação do “desperdício” presente nas diversas etapas do tratamento como, por exemplo, atrasos no atendimento de consultas, tempo de preparação para uma cirurgia ou exame, transporte de pacientes. Radnor et al (2011) acrescentam duplicidade de informações, internações repetidas do paciente devido a uma alta indevida, exames repetidos e falta de 38 equipamento necessário no consultório como exemplos de “desperdício” em processos de serviços de saúde. Kollberg et al (2007) colocam que para identificar tais fontes de desperdício, é necessário verificar todo o caminho percorrido pelo paciente desde o seu primeiro contato com a instituição até o término do tratamento. Da mesma forma, Porter (2010) defende que a cadeia de valor no serviço de saúde se inicia a partir da condição inicial do paciente e termina com a avaliação dos resultados do seu estado final. Para o autor, os estados final e inicial do paciente são mediados por um processo de tratamento que depende da estrutura disponível e da adesão do paciente. Ao longo do tratamento, também há uma etapa onde é necessária a medição dos indicadores do estado de saúde do paciente para que então se obtenham os resultados. É importante ressaltar que os indicadores, e por consequência o estado final do paciente, dependem diretamente da adesão do paciente, que é traduzido pelo seu comprometimento com o tratamento estabelecido. A cadeia de valor de Porter está ilustrada na Figura 2. 39 Figura 2: Cadeia de Valor em Healthcare. Adaptado de Porter (2010) Para Porter (2010), cada etapa da cadeia influencia a etapa seguinte. Por exemplo, o estado inicial do paciente determina a escolha do tratamento a ser seguido que, na Figura 2, é ilustrado pelo quadro processo. Outra variável que é influenciada pela condição inicial do paciente é a estrutura que ele vai requerer para o tratamento. Pela visão tradicional, estrutura compreende a equipe médica, as instalações e os equipamentos. No entanto, Porter (2010) traz uma abordagem mais contemporânea e sugere que estrutura deve ser avaliada em número de unidades organizacionais, presença de times multidisciplinares e mecanismos de integração de tratamento do paciente. Em relação ao fluxo de valor proposta por Porter (2010), podem-se destacar as variabilidades de capacitação e esforço como sendo críticos para o resultado da cadeia. De acordo com Frei (2006), a variabilidade na capacidade do cliente pode variar conforme seu conhecimento, experiências vividas, habilidades físicas. Para a autora, quanto maior o grau de participação do cliente no serviço, maior será a importância dessa variabilidade. No que tange o serviço de saúde, Frei (2006) 40 colocou que um paciente pode ser mais capaz que outro na descrição de seus sintomas e, por consequência, isso afetará o resultado de seu tratamento e sua percepção na qualidade dos cuidados que recebe. Frei (2006) define a variabilidade no esforço como sendo o empenho que o cliente irá dedicar às atividades que lhe cabem no processo de serviço. Para a autora, tal variabilidade tem impacto na qualidade e custo do serviço. Por sua vez, as etapas - Indicadores e Condição Final do paciente estão relacionadas entre si, uma vez que os indicadores são apenas as ferramentas para demonstrar o resultado do tratamento que se traduz no estado de saúde final do paciente (PORTER, 2010) Como já mencionado, o terceiro princípio do lean thinking consiste em criar um fluxo de produtos em um processo de valor. Kollberg et al (2007) sugerem que seja feito um acompanhamento do paciente em todas as etapas do processo, ignorando os diferentes departamentos, fronteiras de atividades e funções. O que os autores indicam como criação de um fluxo de valor contínuo está alinhado com o que Waring e Bishop (2010) também interpretaram do terceiro princípio do lean thinking ao colocar que é necessário retirar as fronteiras entre os setores da empresa para garantir que o fluxo de trabalho está alinhado para a criação de valor ao cliente. No entanto, Brandão de Souza e Pidd (2011) alertam que as organizações de hospitais são segregadas em silos, e tal estrutura impõe uma barreira ao fluxo de pacientes, materiais e informações. Da mesma forma, Herzlinger (2006) já havia considerado essa fragmentação do modelo de negócios no setor de saúde. A autora sugere que modelos de negócios inovadores nesse setor são aqueles que se integraram horizontalmente, ou seja, agrega diversas especialidades. Herzlinger (2006) considera que nesse novo modelo é possível melhorar a eficiência, o tratamento, além de economizar o tempo do paciente. Como exemplo, 41 a autora relata o caso de centros para tratamentos de pessoas portadoras de diabete. Para ela, trazer o conceito de fábrica focada de Skinner (1974) reduz custo através da melhoria de qualidade na vida do paciente. Nesse conceito de one-stop shopping, por exemplo, um paciente crônico deixa de ser responsável por coordenar seu tratamento com diversos especialistas. Além da fragmentação do serviço de saúde, a autora ainda coloca que as seguradoras tendem a analisar seus custos de forma separada, o que se torna uma barreira para o desenvolvimento para novos serviços. Análogo à proposta de Herzlinger (2006) de criar fábricas focadas nos serviços de saúde, além de uma integração horizontal, Kollberg et al (2007) sugerem a criação de times multifuncionais para grupos específicos de pacientes em analogia ao que foi proposto por Womack e Jones (1996), quando propuseram que um produto deve ser manufaturado por uma equipe de pessoas com diferentes habilidades no processo para reduzir o tempo de ciclo produtivo. Outro fator crítico para criação de um fluxo contínuo é a transparência de informações (KOLLBERG ET AL, 2007). Anteriormente, Porter e Teisberg (2004) associaram a criação de valor à transparência de informação, mas os autores alertaram que os serviços de saúde trabalham com informação que não são relevantes para criação de valor como, por exemplo, pesquisa de satisfação dos clientes. Para Porter e Teisberg (2004), informações relacionadas ao tratamento de determinada doença são mais relevantes para criação de valor. Alguns exemplos de informações que podem ser compartilhadas são: quadros informativos do tratamento de pacientes, a programação do dia, tempo de espera e gráficos de desempenho mensal (KOLLBERG ET AL, 2007). Para criar um fluxo contínuo de valor, Jones e Mitchel (2006) consideram que todas as etapas do processo de tratamento do cliente devem ser planejadas verificando as consequências nas atividades predecessoras e sucessoras para que o processo 42 flua de forma suave. Os autores criticam a tendência natural que os hospitais têm em agrupar pacientes que apresentam doenças similares. Eles alegam que lean não foca nas condições de saúde similares dos pacientes e sim em processos similares. A fragmentação do processo de saúde, conforme descrita acima, dificulta que sejam aplicadas técnicas puxadas de produção, que representa o quarto princípio do lean thinking. Os fatores críticos relacionados a este princípio estão relacionados com a perspectiva de qualidade do paciente, como acessibilidade, interação e participação, uma vez que esses indicam o grau de estratégia puxada da unidade de serviço de saúde (KOLLBERG ET AL 2007). Na opinião de Jones e Mitchel (2006), prover um serviço de saúde conforme a demanda é utilizar os recursos disponíveis somente quando necessários e não seguir métricas artificiais de produtividade, como utilização de ativos ou custo por unidade produzida. No que diz respeito ao quinto princípio do lean thinking, busca da melhoria contínua, Jones e Mitchel (2006) entendem que através da padronização de processos se cria uma base para a melhoria contínua nos serviços de saúde. Para Kissoon (2010), as melhorias dos processos no setor de saúde devem ser originadas a partir dos resultados das intervenções médicas, ou seja, dos indicadores clínicos dos pacientes. O Quadro1 resume os princípios do lean thinking aplicados ao setor de saúde encontrados na literatura. 43 Lean Thinking Lean Healthcare Identificar o valor O paciente deve ser reconhecido como cliente primário (JONES E MITCHEL, 2006; KOOLLBERG ET AL, 2007); Valor é tudo que é realizado para cuidar do paciente (KOOLLBERG ET AL, 2007), Fácil acesso às instalações, respeito aos direitos do paciente, qualidade no tratamento médico e participação do cliente no tratamento. Identificar a cadeia de valor Para identificar a cadeia de valor é necessário verificar todo o (eliminar os desperdícios do caminho percorrido pelo paciente desde o seu primeiro contato processo) com a instituição até o término do tratamento (KOOLLBERG ET AL, 2007). Desperdícios no processo de serviço de saúde: Atrasos no atendimento de consultas, tempo de preparação para uma cirurgia ou exame, transporte de pacientes (KOOLLBERG ET AL, 2007); Duplicidade de informações, internações repetidas do paciente devido a uma alta indevida, exames repetidos, falta de equipamento necessário no consultório (RADNOR ET AL, 2011) Desenvolver um fluxo de Acompanhamento do paciente em todas as etapas do processo, produção ignorando os diferentes departamentos, fronteiras de atividades e funções (KOOLLBERG ET AL, 2007; WARING E BISHOP, 2010), criação de times multifuncionais para grupos específicos de pacientes; transparência de informações (KOLLBERG ET AL, 2007); Planejamento de todas as etapas do processo de tratamento do cliente, verificando as consequências nas atividades predecessoras e sucessoras; lean healthcare não deve focar nas condições de saúde similares dos pacientes e sim em processos similares (JONES E MITCHEL, 2006). Utilizar técnicas puxadas de Interação e participação indicam o grau de estratégia puxada da produção unidade de serviço de saúde (KOLLBERG ET AL, 2007); Prover um serviço de saúde conforme a demanda é utilizar os recursos disponíveis somente quando necessários e não seguir métricas artificiais de produtividade, como utilização de ativos ou custo por unidade produzida (JONES E MITCHEL, 2006) 44 Buscar a melhoria contínua Padronização de processos (JONES E MITCHEL, 2006); as melhorias dos processos no setor de saúde devem ser originadas a partir dos resultados das intervenções médicas, ou seja, dos indicadores clínicos dos pacientes (KISSON, 2010). Quadro1: Princípios do lean thinking aplicados ao setor de saúde 2.5 Disease Management 2.5.1 Definição e origem O programa de gerenciamento de doenças (disease management program) pode ser definido como sendo sistema coordenado de intervenção médica e comunicação para auxiliar pacientes com doenças crônicas a seguir um tratamento e assim prevenir complicações da doença através da integração dos cuidados necessários (ADOMEIT ET AL., 2001; MILLER, 2006; MATTKE ET AL., 2007; ARAUJO, 2009). Adoimet et al (2001) acrescentam que os programas de disease management não devem substituir o tratamento do médico, mas apenas se colocar como um cuidado suplementar através de uma ação intermediária junto aos pacientes. Na definição de Ellrodt et al (1997), o programa de disease management é uma abordagem multidisciplinar no tratamento do paciente portador de doença crônica, que abrange todo o processo de serviço de saúde. Para estes aurores, o tratamento da doença em um continuum é a principal diferença do disease management para a abordagem tradicional, que tinha como princípio o tratamento em episódios discretos. Siderov et al (2002) e Lemmens et al (2008) são mais abrangentes e definem o disease management como qualquer programa multifacetado dedicado aos cuidados de populações que sofrem com doenças crônicas. Estes autores ainda acrescentam que a estratégia dos programas do disease management está centrada em melhora no estado de saúde do paciente e redução de custos. Por fim, Gonseth et al (2004) definiram disease management como um programa de intervenção desenhado para gerir 45 pacientes portadores de doença crônica e reduzir suas internações hospitalares através de uma abordagem sistemática no tratamento através de múltiplas modalidades médicas. Apesar das definições dos diversos autores abordarem o tema de uma forma similar, parece não haver consenso entre os acadêmicos quanto à origem dos programas de gerenciamento de doenças. De acordo com Zitter (1997), o disease management teve início nos hospitais americanos na década de 80; por outro lado, Adomeit et al (2001) afirmam que tais programas iniciaram-se em empresas de plano de saúde, nos Estados Unidos, com o intuito de reduzir custos e aumentar a qualidade do serviço prestado. Os planos de saúde teriam visto nesses programas uma oportunidade de unir a sua marca à medicina preventiva. Os autores em seu artigo não colocaram uma data de referência para a origem do conceito. Miller (2006), por sua vez, considera que os programas de disease management foram criados pela indústria farmacêutica com o objetivo de agregar valor aos seus produtos. 2.5.2 Escopo dos programas de gerenciamento de doenças crônicas Os programas de disease management se iniciam pela identificação dos usuários, que podem ser selecionados a partir da utilização de recursos como, por exemplo, número de dias de internação, ou quantidade de exames laboratoriais realizados por um determinado período de tempo. Linden e Milstein (2008) julgam que a identificação de potenciais pacientes para o programa deve levar em consideração aqueles que passaram por alguma internação hospitalar no ano anterior. Para os autores, o passo seguinte é o recrutamento que deve ser realizado através de telefonemas ou até mesmo por correio eletrônico. Embora os programas de disease management incluam diversos componentes, tais programas sempre incluem educação do paciente e suporte, de modo que o paciente possa perceber 46 sinais de descompensação da doença e melhorar a aderência ao programa (GONSETH ET AL, 2004) Apesar de reconhecer que os primeiros programas de gerenciamento de doenças focavam em pacientes com doenças crônicas mais graves, Mattke et al. (2007) argumentam que mais recentemente o escopo dos programas foi ampliado para atender pacientes com condições de doenças menos severas. Estes autores sugerem uma classificação dos programas em duas dimensões: gravidade da doença da população-alvo e intensidade da intervenção do programa. Estas duas dimensões, quando relacionadas, gerariam quatro categorias de programas de disease management: saudáveis, em Situação de Risco, Portador de Doença Crônica e Gravemente Doente. Estas quatro categorias de programas de disease management podem variar quanto ao seu grau de intervenção, que vão desde baixa intensidade de intervenção, caracterizadas por tecnologias de comunicação em massa como mensagens de telefone gravadas e mala-direta, até um elevado grau de intervenção, que inclui consultas médicas periódicas, passando por um grau de intervenção moderado, que conta com telefonemas personalizados. Mattke et al (2007) entendem que a maioria dos programas tendem a colocar uma linha na diagonal para relacionar as duas dimensões. Assim, pacientes gravemente doentes estão associados a um elevado grau de intervenção. A Figura 3 ilustra como essas duas dimensões se relacionam e caracterizam os programas de disease management. 47 Grau de Intervenção Elevada Moderada Baixa Saudável Em situação de Portadores de Gravemente risco doença crônica doente Estado de saúde do paciente Figura 3: Caracterização dos programas de Gerenciamento de doenças quanto à população alvo e intensidade de intervenção. Adaptado de Mattke et al (2007). Apesar dos diversos graus de intervenção dos programas de disease management propostos por Mattke et al (2007), Gonseth et al (2004) afirmam que muitos programas de disease management contam apenas com um acompanhamento telefônico realizado por enfermeiras mas que ainda não se sabe a eficácia desse tipo de prestação de serviço de saúde. Da mesma forma, Lemmens et al (2008) avaliam que é necessária uma intervenção médica direta e constante para alcançar os resultados esperados dos programas do disease 48 management centrados em portadores de doença crônica o que, na visão de Mattke et al (2007), se caracterizaria pelos programas com elevado grau de intervenção. Da mesma forma, para Linden e Mielstein (2008) a intervenção deve ocorrer via telefonemas trimestrais, no entanto, para pacientes mais graves o contato deve acontecer com maior frequência e por meio de consultas pessoais e exames periódicos para avaliar os indicadores clínicos. 2.5.3 Objetivos da criação de programas de disease management e resultados alcançados Em relação à prática atual, Miller (2006) relata que tais programas vêm sendo praticados por muitos planos de saúde com objetivo de redução de custo com pacientes portadores de doença crônica. Por exemplo, um acompanhamento básico, como vigilância do peso em pacientes com insuficiência cardíaca, pode alcançar uma redução de até 25% dos custos com saúde desses pacientes (MILLER, 2006). No entanto, em relação aos custos relacionados aos programas de gerenciamento de pacientes crônicos, diversos autores concordam que não há estudos suficientes para avaliar a eficácia em relação à redução de custos de tais programas e resultado na saúde do paciente. (SIDEROV ET AL, 2002, OFMAN ET AL, 2004, AHMED E VILLAGRA, 2006, LEMMENS ET AL, 2008). Para Ham e Ferrera (2006), os programas de gerenciamento de doenças podem gerar resultados positivos como, por exemplo, a redução nos custos com a saúde, uma vez que, nos Estados Unidos, em torno de 70% dos gastos com saúde são provenientes de doenças crônicas. No entanto, as autoras afirmam que ainda não há uma metodologia padrão para medir os resultados do programa, mas que quatro categorias devem ser avaliadas para determinar a eficácia do programa: estado clínico do paciente, utilização de recursos, resultado financeiro e desempenho operacional. 49 O estado clínico do paciente pode ser avaliado através da comparação de resultados laboratoriais feitos antes e após um período da adesão do paciente ao programa (HAM E FERRERA, 2006). A avaliação do estado clínico do paciente também foi sugerida por Porter (2010) para medição do resultado do fluxo de valor proposto pelo próprio autor. De acordo com Ham e Ferrera (2006), os resultados clínicos servem também para verificar se o paciente está seguindo as recomendações do programa. Os resultados de utilização são analisados sob a ótica do consumo de recursos. Nesse caso, o objetivo é aumentar o consumo dos serviços que podem regredir a evolução da doença, e reduzir o uso de serviços que demonstram que a doença está fora do controle, como emergências e internações hospitalares (HAM E FERRERA, 2006). O resultado financeiro pode ser medido pela redução do custo de cada paciente por mês. Apesar de ser um ótimo indicador para os gestores, Ham e Ferrera (2006) reforçam que medidas financeiras sozinhas não são suficientes para determinar quando um programa de disease management é eficiente. O desempenho operacional, por sua vez, deve ser baseado em indicadores de participação como, por exemplo, a relação de clientes contatados e os que efetivamente seguiram o programa pelo período de 12 meses, como propõem Ham e Ferrera (2006), além de satisfação dos pacientes. Estas quatro categorias propostas por Ham e Ferrera (2006) estão alinhadas com o entendimento de Adomeit et al (2001) de que os programas de disease management podem diminuir os custos de cuidados com a saúde através da redução no número e período de internações e visitas às emergências médicas, ou seja, da redução da utilização de recursos que indicam que a doença está foram de controle. Por exemplo, um estudo feito na Alemanha mostrou que os 50 custos anuais com um paciente diabético que não apresenta as complicações da doença gira em torno de 2000 Euros, enquanto que os custos com o paciente diabético que desenvolve as complicações da doença ultrapassa o valor de 5000 Euros (ADOIMET ET AL, 2001). Araújo (2009) entende que o desempenho do programa deve ser medido através de três indicadores: clínicos, de processo e financeiro. Os indicadores clínicos são analisados através de observações de evolução do quadro de saúde do paciente como, por exemplo, redução da pressão arterial (medida em mmHg) de pacientes com hipertensão arterial sistêmica. Os indicadores de processo são avaliados pela aderência ao tratamento através de medicamentos e realização dos exames complementares. Já o indicador financeiro é medido pelos custos diretos da doença, como custos das internações, honorários médicos, medicamentos. 2.5.4 Elementos do disease management Os autores Eichert et al (1996) entendem que quatro elementos devem compor o disease management: processos clínicos; sistema de Informação; programa de educação ao paciente; e acompanhamento de resultados. Para os autores, tais elementos devem ser vinculados a um processo de melhoria contínua, além de terem como base de sustentação uma estrutura organizacional, conforme ilustra a Figura 4. 51 Figura 4: Elementos do disease management. Adaptado de Eichert et al (1996) Eichert et al (1996) entendem que processos clínicos é composto por diversos elementos, tais como: ferramentas para avaliação de risco da doença dos pacientes; protocolos de atendimentos, que devem ser apoiados por todos os agentes de saúde que interagem com o paciente; mapeamento do paciente por todo o sistema para auxiliar no redesenho do processo com objetivo de melhorar a comunicação; colaboração entre médico-paciente e reduzir desperdícios do processo, através da análise de processos duplicados ou desnecessários; ferramentas de comunicação com o paciente que tem por objetivo aumentar o diálogo entre o provedor e o paciente; equipamentos para diagnóstico, pois beneficia a detecção prematura da doença ou de suas complicações. No que diz respeito aos protocolos de atendimento, Kelly e Bernard (1996) consideram que o uso de procedimentos clínicos é uma base útil para as atividades do disease management. O sistema de informação utilizado no gerenciamento de doenças deve ser capaz seguir a trajetória do paciente através dos diversos segmentos do tratamento continuado da doença crônica. Tal sistema de informação deve possuir 52 capacidade para armazenar, integrar, gerir e compartilhar os dados dos pacientes com os diversos atores do programa (EICHERT et al, 1996). Por sua vez, o programa de educação ao paciente, terceiro elemento proposto por Eichert et al (1996), é explorado pelos autores, uma vez que eles percebem que a doença crônica pode ser melhor gerida se os pacientes estão munidos de informações para guiar suas decisões. Eichert et al (1996) acrescentam que o treinamento não deve se restringir ao paciente, e deve abranger também seus familiares. As principais ações colocadas pelos autores são: palestras sobre a importância da adesão ao programa; treinamentos para autogestão da doença através de mudança de comportamento do paciente; instruções sobre uso das medicações; e palestras informativas a respeito da doença. Para o quarto componente, acompanhamento de resultados, Eichert et al (1996) propõem que resultados clínicos do paciente e financeiros do programa devem ser medidos. Como exemplo, os autores abordam o acompanhamento dos resultados relacionados aos custos, à adesão do paciente ao programa e à satisfação do paciente, este último relacionado à evolução de seu resultado clínico. Por fim, a estrutura organizacional pode ser entendida como a sustentação e o facilitador do disease management, sendo composta por: instalações físicas; mecanismos financeiros; sistemas de informação (EICHERT ET AL, 1996) De outra forma, Hunter e Fairfield (1997) propuseram que cinco elementos são necessários para um programa de disease management. Conhecimento: Informações atualizadas sobre as doenças em termos de prevenção, patologia e opções de tratamento. Para os autores é necessário saber detalhes mais específicos de cada doença para uma melhor eficácia em custo. 53 Medição de resultados: a avaliação de resultados é a lógica dos programas de disease management. Isso significa que se deve medir a satisfação do cliente com o serviço, resultados em custos e disseminá-los. Sistemas de informação: todos stakeholders devem ter acesso a todas as informações para que possam entender as opções de tratamento, custos no longo prazo e resultados. Coletar e partilhar informação devem ser considerados prioridade em um programa de disease management. Ferramentas para influenciar o comportamento: deve incluir palestras educacionais. Melhoria contínua da qualidade: a melhoria contínua permite que o programa seja regularmente aprimorado. Em seu artigo seminal escrito em 1966, “Evaluating the Quality of Medical Care” Avedis Donabedian propôs um modelo que sugere que para a prestação de serviços de boa qualidade é necessário uma estrutura para a prestação do serviço, ou seja, instalações, pessoal, equipamentos adequados. Mas para o autor, isso não é uma condição suficiente. Para ele, é essencial contar com processos bem concebidos e implementados. E juntos, estrutura e processos determinam os resultados clínicos do serviço prestado. Para Donabedian, um dos primeiros autores a discutir qualidade no serviço de saúde e que publicou importantes trabalhos para a literatura de serviços médicos, a estrutura é composta pelos recursos disponíveis, que podem ser físicos, humanos e até financeiros destinados à assistência do paciente. O processo compreende todas as atividades que envolvem os diversos profissionais da saúde e os pacientes. Por último, o resultado é entendido pelo autor como a conseqüência da interação médico-paciente durante o processo. 54 Inspirado nas dimensões propostas por Donabedian (1966). Lemmens et al (2008) propõem um framework que abrange os elementos estrutura, processo e resultado para avaliar os programas de disease management, ilustrado na Figura 5. Figura 5: Framework adaptado de Lemmens et al (2008) O elemento entrada consiste na população-alvo para a qual o programa foi desenhado. Para os autores, as características como, idade, gênero, hábitos de alimentação e fumo devem ser analisados para direcionar o escopo do programa (LEMMENS ET AL, 2008). O elemento processo, por sua vez, é dividido em três partes principais, conforme demonstrado na figura: implementação do programa; 55 processos de mediação; estrutura da organização. A implementação do programa consiste somente na organização do programa de maneira a facilitar o fornecimento dos serviços necessários ao programa de disease management. Além disso, nessa fase também devem ser definidos como serão feitas as avaliações do programa. Alguns exemplos são: aderência dos médicos às instruções e percentual dos pacientes identificados que participam do programa (LEMMENS ET AL, 2008). O processo de mediação é dividido em duas subpartes: intervenção direta dos médicos e interferência do paciente. Para Lemmens et al (2008), a atuação direta dos médicos no processo depende, principalmente, do seu comportamento em relação ao programa. Para os autores, o comportamento do médico é influenciado pelos seus conhecimentos e habilidades. Além disso, o comportamento do médico atua na sua relação com o paciente e, por consequência, nos resultados do programa. A interferência do paciente, por sua vez, está relacionada à sua adesão proativa ao programa, que é influenciada pelo seu conhecimento à respeito da doença e também do seu estado psicológico (LEMMENS ET AL, 2008). Como descrito por Lemmens et al (2008), a adesão do paciente gera uma mudança em seu comportamento em relação aos seus hábitos de saúde, que atua diretamente na sua relação com o médico e nos resultados esperados do programa. Por fim, o último elemento do processo compreende a estrutura da organização, que, para Lemmens et al (2008), deve considerar os recursos disponíveis para a execução do programa, como instalações dedicadas. Os autores consideram que a estrutura do programa deve compreender também outros profissionais da saúde, troca de informação mais efetiva e agendamento de consultas mais eficiente. Conforme já descrito, no framework proposto por Lemmens et al (2008), os processos de mediação influenciam no resultado do programa. Para os autores, 56 tais resultados são traduzidos em melhora na qualidade de vida do paciente, evolução em seu estado clínico e redução de custos diretos. O Quadro 2 resume os principais elementos do disease management encontrados na revisão de literatura. Elementos do disease management Autores Equipe multidisciplinar; programa multifacetado Ellrodt et al (1997), Siderov et al (2002); Gonseth et al (2004); Jordan e Osborne (2006); Lemmens et al (2008) Integração do tratamento (Adomeit et al, 2001; Miller, 2006; Mattke et al 2007; Araujo, 2009). Intervenção médica constante Gonseth et al (2004); Lemmens et al (2008) Processo para identificação dos usuários Zitter et al (1996); Lemmens et al (2008); Linden e Milstein (2008) Programa de Educação ao paciente Eichert et al (1996); Hunter e Fairfield (1997); Gonseth et al (2004); Ham e Ferrera (2006) Instalações dedicadas ao programa Eichert et al (1996); Ellrodt et al (1997); Lemmens et al (2008) Acompanhamento de resultados: avaliação dos indicadores clínicos do paciente; avaliação financeira do programa. Eichert et al (1996); Hunter e Fairfield (1997); Ham e Ferrera (2006); Araújo (2009) Processos clínicos Eichert et al (1996); Sistema de Informação Eichert et al (1996); Zitter (1996); Hunter e Fairfield (1997); Adoimet et al (2001); Araújo (2009); Eisenberg (2009); Brandt et al (2010); Rizk (2010) Processo de Melhoria contínua Eichert et al (1996); Hunter e Fairfield (1997) Conhecimento Hunter e Fairfield (1997); Lemmens et al (2008) Quadro 2: Elementos do disease management 2.5.5 Fatores críticos de sucesso Os objetivos dos programas de disease management incluem redução de custos para as operadoras de plano de saúde e melhora na qualidade de vida do 57 paciente (ADOMEIT ET AL, 2001;OFMAN ET AL, 2004; HAM & FERRERA, 2006; BRANDT ET AL, 2010). Nesse mesmo sentido, a Care Continuum Alliance10, organização fundada por empresas que trabalham para a prevenção das exacerbações da doença crônica, relata que um programa de disease management deve sustentar a relação entre o médico e o paciente, enfatizar a prevenção de complicações através de estratégias de empowerment do paciente. Além disso, deve avaliar os resultados clínicos e econômicos em uma base contínua. Da mesma forma, Ham e Ferrera (2006) afirmam que o programa de disease management deve incentivar os pacientes na administração de sua própria saúde. Araujo (2009), por sua vez, destaca a falta de adesão do paciente como uma das principais barreiras para o desenvolvimento do programa e defende que alguns incentivos sejam oferecidos aos pacientes, como benefícios farmacêuticos, ou assistência 24 horas por telefone. Outro fator fundamental é a adesão do médico ao programa, uma vez que os programas de gerenciamento de doenças podem ser percebidos por esses profissionais como uma interferência na relação entre o médico e o paciente, além de uma imposição de conduta médica através de protocolos de atendimento pré estabelecidos (HUNTER E FAIRFIELD 1997;ARAÚJO, 2009). Jordan e Osborne (2006) avaliam que as incertezas que cercam os benefícios aos pacientes também são obstáculos para o comprometimento dos médicos ao programa. Os autores alertam que tais informações relacionadas aos benefícios, são necessárias para convencer médicos e pacientes do valor do programa de disease management. 10 http://www.carecontinuum.org/dm_definition.asp. Acessado em 10/03/2011 58 A tecnologia de informação também é citada por diversos autores como fator essencial para a realização de programas de disease Management, pois serve para acesso à informação do atendimento ao cliente para a gestão do programa (FAIRFIELD & HUNTER, 1997; ADOMEIT et al, 2001; ARAÚJO, 2009; RIZK, 2010). Eisenberg (2009) reforça que o futuro dos programas de disease Management depende do uso da tecnologia de informação para acompanhamento do estado de saúde dos pacientes e, para tal, o autor aponta diversos dispositivos que foram desenvolvidos para monitorar o estado clínico do paciente de forma remota como, por exemplo, um aparelho que a partir de uma amostra muito pequena mede alterações no sangue que são enviadas ao médico em tempo real. Após estudarem diversos programas de disease management em vários países, Brandt et al (2010) acreditam que 5 características são importantes para um programa de disease management: tamanho; simplicidade; foco no paciente; transparência de informação; e incentivo. Tamanho: programas maiores são mais propensos ao sucesso, uma vez que podem se beneficiar dos ganhos de escala. Além disso, em programas maiores é mais fácil convencer os médicos a seguir um procedimento de tratamento ao paciente. Os autores julgam que programas menores perdem por não terem relevância estatística para análise de dados e lembram que os primeiros programas de gerenciamento de doenças possuíam no máximo 100 pacientes e que não é de surpreender que seus resultados fossem inconclusivos ou até negativos. Simplicidade: um único médico deve ser responsável por todo o tratamento do paciente, assim como o monitoramento do avanço de sua saúde e sua aderência ao programa. Dessa forma, é possível que o médico estabeleça metas claras ao paciente. 59 Foco no paciente: as intervenções devem focar nas necessidades dos pacientes, além de serem replicáveis de forma simples à maioria dos pacientes. O autor relata que um dos programas de gerenciamento de doenças estudado adquiriu um monitor cardíaco de ultima geração para pacientes com problemas cardíacos; no entanto, aqueles que realmente tinham alguma chance de internação por causa do problema cardíaco não estavam familiarizados com a tecnologia e não faziam uso correto do equipamento. Transparência de informação: antes do lançamento do programa, é necessária a definição de métricas para avaliação do que é desejado e mecanismos de coleta das informações necessárias para medi-las. Os autores colocam como exemplo de métricas, taxa de utilização, resultados da evolução do paciente e custos. Incentivos: todos os stakeholders (pacientes, médicos e planos de saúde) de um programa de disease management devem receber incentivos tanto financeiros como não-financeiros. Por exemplo, os pacientes podem ser alertados que a participação no programa lhes trará melhor qualidade de vida, ou então receber uma coparticipação para compra de medicamentos. Zitter (1996) em seu estudo também relaciona seis fatores-chave para o sucesso dos programas de disease management. O primeiro deles está relacionado à doença do paciente. O autor considera essencial compreender o curso da doença, ou seja, suas causas e padrões de manifestação. Outro fator importante no disease management é a segmentação de pacientes. Isso significa que o programa de gerenciamento de doenças deve se iniciar através de uma identificação da população-alvo para a qual o programa será desenhado. Dentre diversos critérios, sugere-se: dados demográficos; gravidade da doença; comportamento em relação à adesão; histórico de custo do paciente; freqüência de uso dos recursos médicos, etc. 60 O terceiro ponto relevante para o programa de disease management é o seu foco em prevenção. Na visão de Zitter (1996), o verdadeiro gerenciamento de doença deve concentrar-se na prevenção, tanto por meio de medicações, como mudanças no comportamento do paciente. O comportamento do paciente é um fator determinante na manifestação da doença crônica. Portanto, de acordo com Zitter (1996), educar o paciente é chave para o sucesso do programa. Em relação à educação, o autor coloca que é essencial que o paciente tenha disciplina com seus medicamentos e, dessa forma, o programa de disease management deve prover estímulos para o paciente seguir o tratamento, como por exemplo: telefonemas, correspondências, vídeos educativos, caixa de remédio com aviso sonoro e folhetos explicativos sobre a importância do uso do medicamento. O autor alerta que os incentivos também devem alcançar os familiares. Proporcionar um tratamento continuado foi proposto por Zitter (1996) como o quinto fator crítico de sucesso do disease management. De acordo com o autor, o programa deve permear todas as ações de prevenção e tratamento do paciente com objetivo de evitar tratamentos mais custosos, como internações hospitalares. Por fim, o último ponto colocado por Zitter (1996) como essencial para o desenvolvimento do disease management é o uso da tecnologia para integrar toda a informação do paciente. De acordo com o autor, tal avanço tecnológico foi fundamental para permitir o armazenamento, de forma agregada, de todos os registros dos pacientes, cujo objetivo é rastrear todo seu tratamento. Da mesma forma, Eichert et al (1996) relacionaram o sistema de informação como um dos quatro elementos fundamentais dos programas de disease management. Os demais elementos colocados pelos autores são: tratamento clínico; avaliação de resultado; e incentivo à mudança de comportamento do paciente. Este último, 61 também compartilhado com Zitter (1996), que considera a educação do paciente como fator crítico de sucesso do disease management. De acordo com Eichert et al (1996), o tratamento inclui diversos componentes que foram denominados pelos autores como um “conjunto de ferramentas” para gerenciar o paciente no sistema. A primeira ferramenta considerada pelos autores são os procedimentos clínicos. No dizer dos autores, tais instruções devem conjugar todo o tratamento do paciente. Além disso, os procedimentos devem ser apoiados por todos os agentes de saúde que interagem com o paciente. O Quadro 3 resume os principais fatores críticos de sucesso de um programa de disease management encontrados na revisão de literatura. Fatores críticos de sucesso para DM Autores Ser capaz de reduzir custos através de uma melhora na qualidade de vida do paciente Adomeit et al, 2001;Ofman et al, 2004; Ham & Ferrera, 2006; Brandt et al, 2010 Adesão do Paciente (incerteza resultados); educação do paciente Eichert et al, 1996; Zitter, 1996; Araujo,2009; Jordan e Osborne, 2006 nos Adesão do medico ao programa Hunter e Fairfield, 1997; Araújo, 2009 Incentivos financeiros ou não financeiros aos stakeholders do programa (pacientes médicos e operadoras de plano de saúde). Jordan e Osborne (2006), Araújo, 2009; Brandt et al, 2010;. Presença da tecnologia de informação Eichert et al, 1996; Zitter, 1996; Hunter e Fairfield , 1997; Adomeit et al, 2001; Araújo, 2009; Eisenberg, 2009; Rizk, 2010 Programas maiores para ganhos de escala e representatividade de avaliação Brandt et al, 2010 O médico deve ser responsável por todo o tratamento do paciente Brandt et al, 2010 O tratamento deve focar no problema do paciente Zitter, 1996; Brandt et al, 2010 Organização e planejamento do controle das métricas que se desejam medir no programa Brandt et al, 2010 Foco na prevenção Zitter, 1996 Padronização do processo Quadro 3: Fatores críticos de sucesso Eichert et al, 1996; Araujo, 2009 62 2.6 Framework conceitual Os autores Hines et al (2004) propuseram um framework em que sugeriram que o lean thinking deve ser entendido como uma estratégia da organização, enquanto o lean production deve ser compreendido apenas como uma caixa de ferramentas para implantação da estratégia lean thinking, conforme ilustrado na Figura 6. Figura 6: Adaptado de Hines et al (2004) No que tange a teoria do disease management estudada, pode-se observar que diversos elementos dessa abordagem apresentam uma relação com os princípios da filosofia lean healthcare, sendo esta uma forma de operacionalização do lean healthcare no serviço de saúde. Para a operacionalização do disease management serão utilizados os elementos e fatores críticos propostos por diversos autores, como sendo necessários para o desenvolvimento de um programa de gerenciamento de pacientes crônicos e alcance dos resultados pretendidos. A partir dessa perspectiva colocada, a Figura 7 apresenta um framework que relaciona essas diferentes abordagens. 63 • • • • • • • • • • • • • • • Equipe multidisciplinar Tratamento Integrado (coordenado por um médico) Procedimento para identificação dos usuários Programa de educação; Adesão do paciente (incertezas nos resultados percebidos) Instalações dedicadas Avaliação dos resultados; planejamento do controle das métricas que se desejam medir no programa (financeiros; clínicos); Padronização de processos (procedimentos; rotinas) Sistema de informação (integração; compartilhamento da informação) Processo de melhoria contínua Conhecimento da doença por parte da equipe Adesão do médico Incentivos financeiros ou não financeiros aos stakeholders do programa (pacientes médicos e operadoras de plano de saúde). Programas maiores para ganhos de escala e representatividade de avaliação Foco no problema do paciente Programa de prevenção Figura 7: Framework conceitual O framework conceitual apresentado na Figura 7 é o guia para dar embasamento à pergunta de pesquisa: Como os programas de disease management das operadoras de Plano de Saúde do Brasil estão relacionados aos princípios do lean healthcare? Além disso, O Quadro 4 resume as relações apresentadas na Figura 7. O primeiro apresenta os elementos do disease management e os princípios do lean thinking propostos por Womack e Jones (1998), mediada pelos elementos do lean healthcare encontrados na teoria. 64 LeanThinking Identificar o valor Lean Healthcare Disease Management O paciente deve ser reconhecido como cliente primário (JONES E MITCHEL, 2006; KOOLLBERG ET AL, 2007); Valor é tudo que é realizado para cuidar do paciente (KOOLLBERG ET AL, 2007), Fácil acesso às instalações, respeito aos direitos do paciente, qualidade no tratamento médico e participação do cliente no tratamento. A estratégia dos programas do disease management está centrada em melhora no estado de saúde do paciente (ADOIMET ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; OFMAN ET AL 2004, HAM E FERRERA, 2006; LEMMENS ET AL, 2008, BRANDT ET AL, 2010); o desempenho operacional deve ser baseado em indicadores que medem a participação do paciente no programa; o programa deve incentivar os pacientes a aderirem e administrarem sua própria saúde (HAM E FERRERA, 2006); medir a adesão do paciente ao tratamento (ARAÚJO, 2009); os resultados do programa devem revelar melhora na qualidade de via do paciente (LEMMENS ET AL, 2008); programa de educação ao cliente deve ser um dos elementos do disease management; as ações devem conter: palestras sobre a importância da adesão ao programa; treinamentos para autogestão da doença através de mudança de comportamento do paciente; instruções sobre uso das medicações; e palestras informativas a respeito da doença (EICHERT ET AL, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997; GONSETH ET AL; 2004; HAM E FERRERA, 2006); foco no paciente deve ser uma característica de um programa de disease management (BRANDT ET AL, 2010). 65 Identificar a cadeia de valor (eliminar os desperdícios do processo) Para identificar a cadeia de valor é necessário verificar todo o caminho percorrido pelo paciente desde o seu primeiro contato com a instituição até o término do tratamento (KOOLLBERG ET AL, 2007). Desperdícios no processo de serviço de saúde: Atrasos no atendimento de consultas, tempo de preparação para uma cirurgia ou exame, transporte de pacientes (KOOLLBERG ET AL, 2007); Duplicidade de informações, internações repetidas do paciente devido a uma alta indevida, exames repetidos, falta de equipamento necessário no consultório (RADNOR, HOLWEG E WARING, 2011) A estratégia dos programas do disease management está centrada em redução de custos (ADOMEIT ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; OFMAN ET AL, 2004; HAM & FERRERA, 2006; LEMMENS ET AL, 2008; BRANDT ET AL, 2010); o disease management pode diminuir os custos de cuidados com a saúde através da redução no número e período de internações e visitas às emergências médicas (ZITTER, 1996; ADOIMET ET AL, 2001); O objetivo é aumentar o consumo dos serviços que podem regredir a evolução da doença, e reduzir o uso de serviços que demonstram que a doença está fora do controle, como emergências e internações hospitalares (HAM E FERRERA, 2006); o indicador financeiro deve medir o custo do paciente com internações (ARAÚJO, 2009); Presença de ferramentas para mapear o paciente em todo o sistema com objetivo de melhorar comunicação, colaboração entre médico-paciente e redução de processos duplicados ou desnecessários (EICHERT ET AL, 1996); avaliação do programa através de indicadores clínicos e financeiros (EICHERT ET AL, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997; HAM E FERRERA, 2006; ARAÚJO, 2009); os resultados são traduzidos em melhora na qualidade de vida do paciente, evolução em seu estado clínico, e redução de custos (ADOMEIT ET AL, 2001; OFMAN ET AL, 2004; HAM & FERRERA, 2006; LEMMENS ET AL, 2008; BRANDT ET AL, 2010). 66 Desenvolver fluxo de valor um Acompanhamento do paciente em todas as etapas do processo, ignorando os diferentes departamentos, fronteiras de atividades e funções (KOOLLBERG ET AL, 2007; WARING E BISHOP, 2010), criação de times multifuncionais para grupos específicos de pacientes; transparência de informações (KOOLLBERG ET AL, 2007); Planejamento de todas as etapas do processo de tratamento do cliente, verificando as conseqüências nas atividades predecessoras e sucessoras; leanhealthcare não deve focar nas condições de saúde similares dos pacientes e sim em processos similares (JONES E MITCHEL, 2006). Sistema coordenado de intervenção médica e comunicação para auxiliar pacientes com doenças crônicas seguir um tratamento e assim prevenir complicações da doença através da integração dos cuidados necessários para essas doenças (ELLRODT ET AL, 1997; ADOMEIT ET AL., 2001; MILLER, 2006; MATTKE ET AL, 2007; ARAUJO, 2009); o disease management pode ser qualquer programa multifacetado dedicado aos cuidados de populações que sofrem com doenças crônicas (SIDEROV ET AL, 2002; JORDAN E OSBORNE, 2006; LEMMENS ET AL, 2008); A organização do programa deve ser implementado de modo a facilitar o fornecimento dos serviços do programa, com estrutura dedicada, que deve compreender outros profissionais da saúde e troca de informação eficiente (EICHERT ET AL, 1996; ELLRODT ET AL, 1997; SIDEROV ET AL, 2002; GONSETH ET AL, 2004; LEMMENS ET AL, 2008); O programa deve possuir ferramentas de comunicação com o paciente para aumentar o diálogo com este; o sistema de informação deve ser capaz de seguir a trajetória do paciente ao longo do tratamento, além de integrar, gerir e compartilhar os dados dos pacientes (EICHERT ET AL, 1996); a estrutura do programa deve contemplar sistemas de informação (EICHERT ET AL,1996; ZITTER, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997; ADOIMET ET AL, 2001; ARAÚJO, 2009; EISENBERG, 2009; BRANDT ET AL, 2010; RIZK, 2010); equipamentos para diagnóstico (EICHERT ET AL, 1996); A estrutura organizacional pode ser entendida como a sustentação e o facilitador do disease management, sendo composta por: instalações físicas; mecanismos financeiros; sistemas de informação (EICHERT ET AL, 1996); Transparência na informação deve ser uma característica do disease management (BRANDT ET AL, 2010); Abordagem no tratamento do paciente que abrange todo o processo de serviço de saúde; tratamento da doença em um continuum (ELLRODT ET AL, 1997).Os processos clínicos são compostos por diversos elementos: ferramentas para avaliação de risco da doença dos pacientes; protocolos de atendimentos; mapeamento do paciente por todo o sistema; ferramentas de comunicação com o paciente (EICHERT ET AL, 1996). 67 Utilizar técnicas puxadas de produção Buscar a melhoria contínua Interação e participação indicam o grau de estratégia puxada da unidade de serviço de saúde (KOLLBERG, DAHLGAARD E BREHMER, 2007); Prover um serviço de saúde conforme a demanda é utilizar os recursos disponíveis somente quando necessários e não seguir métricas artificiais de produtividade, como utilização de ativos ou custo por unidade produzida (JONES E MITCHEL, 2006) Padronização de processos (JONES E MITCHEL, 2006); as melhorias dos processos no setor de saúde devem ser originadas a partir dos resultados das intervenções médicas, ou seja, dos indicadores clínicos dos pacientes (KISSON, 2010). O programa se inicia a partir da identificação dos usuários (ZITTER ET AL, 1996; LEMMENS ET AL, 2008; LINDEN E MILSTEIN, 2008); A identificação de potenciais pacientes para o programa deve levar em consideração aqueles que passaram por alguma internação hospitalar (LINDEN E MILSTEIN, 2008). População alvo para o qual o programa foi desenhado (ZITTER ET AL, 1996; LEMMENS ET AL, 2008); Pacientes com doenças crônicas (ADOMEIT ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; MILLER, 2006; MATTKE ET AL, 2007; ARAUJO, 2009). Processo de melhoria contínua da qualidade são elementos necessários em um programa de disease management (EICHERT ET AL, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997); o desempenho do programa deve ser medido através de três indicadores: clínicos, de processo e financeiro (ARAUJO, 2009); Para Eichert et al (1996) apenas resultados clínicos e financeiros devem ser medidos; Ainda na etapa de organização do programa devem ser pensados nos indicadores de avaliação; os programas de disease management devem contemplar protocolos de atendimentos predeterminados (LEMMENS ET AL, 2008) Quadro 4: Relação dos elementos do lean healthcare com os princípios do lean thinking 68 3 DISCUSSÃO DO MÉTODO DE PESQUISA Este capítulo tem como objetivo apresentar as características da metodologia de estudo de caso adotada nesta pesquisa. Além disso, neste capítulo, serão explicados os passos realizados na condução da pesquisa. 3.1 Definição das perguntas de pesquisa O objetivo do presente estudo é verificar no contexto brasileiro o alinhamento que existe entre os programas de disease management e os princípios da filosofia lean thinking. Além disso, buscou-se verificar se as práticas de gestão adotadas pelas operadoras de plano de saúde estão de acordo com os elementos e fatores críticos de sucesso de tais programas Assim, a pergunta geral desta dissertação é: Como os programas de disease management das operadoras de Plano de Saúde do Brasil estão relacionados aos princípios do lean healthcare? Além da pergunta primária, outras cinco perguntas específicas são importantes para auxiliar na sua resposta, bem como na coleta de dados: • Qual o objetivo do programa de gerenciamento de doença crônica? (identificar valor) • Quais os resultados atribuídos ao programa? Estes resultados são mensurados? (cadeia de valor) • Como acontece o processo do disease management? (desenvolver um fluxo de produção) • Como se inicia o processo do programa de disease management? (produção “puxada”) 69 • Existe um processo de revisão do programa e melhoria? (busca pela melhoria contínua) O Quadro 5 a seguir demonstra como foi organizada a pesquisa a partir do modelo proposto na no capítulo de revisão bibliográfica. Categoria de Análise Perguntas específicas (Princípios do lean thinking) Valor • Qual o objetivo do programa de gerenciamento de doença crônica? (identificar valor) A cadeia de valor • Quais os resultados atribuídos ao programa? Estes resultados são mensurados? (cadeia de valor) Fluxo de valor • Como acontece o processo do disease management? (desenvolver um fluxo de produção) Técnicas puxadas de • produção Melhoria contínua Como se inicia o processo do programa de disease management? (produção “puxada”) • Existe um processo de revisão do programa e melhoria? (busca pela melhoria contínua) Quadro 5: Categorias de Análise 3.2 Tipo de pesquisa Como destacado por Yin (2010), o método de pesquisa a ser utilizado deve se adequar à pergunta de pesquisa. Para este autor, o estudo de caso deve ser utilizado quando se busca responder questionamentos do tipo “como” e “por que” sobre algum evento contemporâneo, pois o estudo permite a observação direta dos eventos e das pessoas envolvidas. 70 O uso do estudo de caso como método de pesquisa é vantajoso quando uma investigação está em seu estágio primário, uma vez que fornece hipóteses que podem ser testadas em um estudo com abordagem quantitativa (HILL E TURNER, 1984 apud FLYVBJERG, 2006). Além disso, os resultados de um estudo de caso podem gerar grande impacto, já que o processo de pesquisa é livre de rígidos questionários e modelos necessários para a pesquisa quantitativa (VOSS ET AL, 2002). Dessa forma, adotou-se nesta pesquisa a metodologia de estudo de casos, pois o tema tratado é um assunto com pouco conhecimento estruturado. Apesar de haver na literatura acadêmica muitos estudos sobre lean healthcare e sobre disease management, nas pesquisas realizadas nas bases de dados, não foi encontrado qualquer estudo que abordasse a relação entre ambas as teorias. Por esse motivo, optou-se por um estudo exploratório em profundidade para entender o fenômeno. 3.3 Seleção dos casos Na visão de Eisenhardt (1989) a seleção dos casos deve se iniciar a partir da definição de uma população, assim como realizada em pesquisas quantitativas para teste de hipóteses. Para a autora, a partir da definição da população é possível controlar as variações externas, além de auxiliar na definição dos limites para generalização das descobertas. Yin (2010) observa que para o estudo de casos múltiplos não há necessidade de uma quantidade representativa de número casos. O autor sugeriu que a escolha dos casos deve levar em consideração o acesso suficiente para entrevistar as pessoas, documentos ou até fazer observações de campo. Além disso, devem ser escolhidos os casos que possuam maior probabilidade de esclarecimento das questões da pesquisa. O autor também acrescenta que estudos com casos 71 múltiplos são preferidos aos estudos de único caso, uma vez que considera que existem vantagens na análise de dois ou mais casos. Nesse estudo, o foco da pesquisa são empresas operadoras de plano de saúde que operam no Brasil. Para delimitar o escopo da pesquisa, buscou-se incluir apenas as empresas classificadas pela ANS como Medicina de Grupo. Optou-se por não mesclar outras modalidades de operadoras, classificadas como por exemplo, cooperativas ou de autogestão por, provavelmente, possuírem interesses diferentes entre si. Dessa forma, foram verificadas no site da ANS as maiores empresas operadoras de plano de saúde, em termos do número de vidas seguradas no final do ano de 2010. Dentre as dez maiores, cinco empresas estão inseridas na classificação Medicina de Grupo pela ANS, sendo que quatro dessas cinco empresas possuem programas de gerenciamento de pacientes crônicos e foram contatadas através de rede de conhecimento, sendo que apenas três se dispuseram a participar do estudo. O tempo e o tamanho do programa, medido pelo número de clientes participantes, não foram considerados relevantes para os objetivos deste estudo, priorizando-se a diversidade, que vai de encontro com Merkens (2004), que sugere que uma investigação qualitativa não deve envolver somente casos favoráveis ao conhecimento, mas também deve-se considerar casos adversos. A pedido dos gestores das empresas participantes, o nome das mesmas foi mantido em sigilo. Assim, o nome da empresa e de seu respectivo programa de gerenciamento de doenças crônicas foi denominado de Alfa, Ômega e Beta. No Quadro 6 a seguir são apresentados algumas características dos três casos estudados. 72 Empresa Nº aproximado de Pacientes atendidos Forma do serviço Tempo do programa Alfa 11.000 Presencial 12 anos 650 Ligações telefônicas, visitas eventuais 1 ano 5.200 Ligações telefônicas, visitas eventuais 1,5 ano Ômega Beta Quadro 6: Casos estudados 3.4 Coleta e tratamento dos dados De acordo com Yin (2010), existem duas fontes de coleta de dados: o indivíduo e a organização; dois tipos de projeto: sobre o indivíduo ou sobre a organização. Dessa forma, têm-se quatro combinações de tipos de estudos que estão ilustrados no Quadro 7. Fonte de coleta de dados indivíduo Políticas pessoais Resultados da Organização Comportamento individual Atitudes Individuais Percepções individuais organização Registros do empregado Entrevista com o superior do indivíduo; com outros empregados Sobre um De uma organização Sobre uma De um indivíduo Como a organização funciona Por que a organização funciona Quadro 7: Projeto versus coleta de dados: diferentes unidades de análise (YIN, 2010, p.115) 73 A partir da análise proposta por Yin (2010), a presente dissertação está inserida no tipo de estudo em que a fonte de coleta de dados é o indivíduo, em que o caso é sobre a organização. O autor alerta que nesse tipo de estudo o roteiro de pesquisa deve conter perguntas sobre a organização e não sobre o indivíduo. Os casos estudados tiveram como fonte de informação gestores dos programas de gerenciamento de pacientes crônicos da empresa operadora de plano de saúde, por avaliar que essas pessoas contribuiriam com maior quantidade de informações relevantes para esse estudo. Não foi relevante para a pesquisa a formação do entrevistado, e sim o cargo que ocupava em relação ao programa. As entrevistas com tais gestores foram presenciais, com duração de quarenta minutos em média. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas. O número de entrevistados em cada empresa deveu-se ao número de pessoas envolvidas na gestão do programa. Devido ao programa na empresa Alfa ser dividido em unidades, há mais pessoas envolvidas na gestão do programa, onde cada gestor é responsável por uma unidade e o diretor que responde por ambas. Na empresa Ômega, as pessoas envolvidas no programa são a gestora técnica e o diretor que, além do programa Ômega Crônicos, é também responsável por outros programas de promoção de saúde da empresa. Por fim, na empresa Beta, apenas um gestor foi entrevistado, uma vez que ele é responsável por toda equipe do programa, respondendo a uma diretoria que não está diretamente envolvida na gestão e acompanhamento do programa, como dos demais casos estudados. O Quadro 8 apresenta o perfil dos entrevistados. 74 Organização Empresa Alfa Empresa Ômega Empresa Beta Programa Perfil do entrevistado Alfa Crônicos Médico; doze anos no programa; cinco no cargo atual Médico; doze anos no programa e no cargo atual; responsável pela implantação do programa Médico; oito anos no programa; cinco no cargo atual Diretor do programa no Rio de Janeiro Médico; sete anos na empresa; dois no cargo atual Diretor médico do núcleo de prevenção Enfermeira; um ano no programa e no cargo atual Gestora do Programa Ômega Administrador, e ano e meio no programa e no cargo atual Gerente do Programa Beta Ômega Crônicos Beta Crônicos Cargo Gestora Técnica da Unidade I Gestora Técnica da Unidade II Quadro 8: Perfil dos Entrevistados As entrevistas com os gestores foram realizadas entre o segundo semestre de 2011 e início de 2012. Outras fontes, como websites e panfletos coletados nas entrevistas foram utilizadas para o desenho dos casos. O roteiro de entrevista, elaborado sobre os aspectos relevantes dos princípios do lean thinking para o setor de saúde, resumidos no Quadro 4. Como muitos elementos se sobrepõem em mais de um princípio da filosofia lean, o roteiro de entrevista, para facilitar o processo de coleta de dados, foi organizado da seguinte forma: como está estruturado o programa; objetivos do programa; resultados atribuídos ao programa. É importante relatar que os casos foram estudados unicamente pelo ponto de vista dos gestores dos programas, não levando em consideração a visão dos clientes ou dos médicos. Por fim, para o tratamento dos dados coletados e auxílio na análise das entrevistas, utilizou-se o software Excel. Os áudios das entrevistas 75 foram ouvidos, juntamente com a leitura de suas transcrições para classificação dos casos nas categorias de análise apresentadas previamente no Quadro 5. 3.5 Limitações do Método A pesquisa pelo estudo de caso tem como principal limitação sua pequena base para generalização científica (FLYVBJERG, 2006; YIN, 2010). Porém, tão pouco é objetivo deste estudo generalizar os resultados para os demais programas de gerenciamento de pacientes crônicos, tanto administrados por operadoras de plano de saúde quanto por empresas que se dedicam a tal serviço. Outra limitação do método está relacionada ao viés introduzido pelo pesquisador durante a coleta e análise dos casos estudados. Tal viés acontece pela dificuldade em separar as variáveis envolvidas nos eventos estudados. Além disso, tal viés pode também ser introduzido pelos entrevistados, uma vez que suas respostas são fornecidas baseadas em suas percepções, que por definição são opiniões subjetivas. Dessa forma, a presente pesquisa não tem por objetivo generalizar os resultados aqui encontrados para todos os programas de gerenciamento de pacientes crônicos geridos por operadoras de plano de saúde no Brasil. 76 4 DESCRIÇÃO DOS CASOS Os três casos investigados nesse estudo estão descritos sob a perspectiva dos gestores dos programas de gerenciamento de doenças das empresas. A descrição de cada caso inicia-se com um breve resumo que contem as características da empresa investigada e do seu programa de gerenciamento de doença crônica. 4.1 Empresa Alfa 4.1.1 A empresa O programa de gerenciamento de pacientes crônicos da empresa Alfa foi criado no final de década de noventa com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos clientes, através da orientação e prevenção das exacerbações provenientes da doença crônica. Atualmente, o programa é o único serviço médico ambulatorial certificado por órgão internacional. O programa Alfa Crônicos possui seis unidades, mas o caso estudado restringiu-se às duas unidades do programa localizadas na cidade do Rio de Janeiro, denominadas no presente estudo como Unidade I e Unidade II. No momento da pesquisa, estas duas unidades, juntas, totalizavam dezesseis mil pacientes atendidos. O programa Alfa Crônicos contempla apenas prevenções secundárias e terciárias. A prevenção secundária trata pacientes que já possuem alguma patologia como, por exemplo, cardiopatia ou diabetes, requerendo um acompanhamento que previna e controle a exacerbação da doença; a prevenção terciária, por sua vez, reabilita pacientes que estão em um estágio mais avançado da doença, com foco em reabilitação. 77 4.1.2 Como está estruturado o programa O programa Alfa Crônicos está estruturado em unidades físicas. Cada centro possui um gestor técnico responsável e, no caso do Rio de Janeiro, por possuir mais de uma unidade, também conta com um Diretor Médico, que responde pelas duas unidades. Cada centro do Alfa Crônicos possui uma equipe médica multidisciplinar, que inclui as especialidades de cardiologia, endocrinologia, pneumologia e, mais recentemente, nefrologia. Todos os médicos do programa devem ter uma especialização em cardiologia. Além disso, especialidades não médicas, como nutricionistas, equipes de enfermagem, educadores físicos e psicólogos, também fazem parte da equipe de cada unidade. Na visão da Gestora Técnica da Unidade II, a definição de gerenciamento de pacientes crônicos abrange o acompanhamento presencial do paciente por uma equipe multidisciplinar amparada por uma estrutura completa. Nas instalações de cada unidade são providos todos os exames, que são conhecidos como não invasivos necessários para o tratamento do paciente. Conforme opinião do Diretor, toda essa gama de serviços em um único espaço torna o processo mais rápido, além de ser um atrativo para o cliente. Conforme relatado, o conceito utilizado foi: “ter tudo que o paciente precisa em um único lugar”. Para este gestor, a dificuldade em realizar exames em outros locais e retornar ao especialista com os resultados, como é feito na medicina tradicional, prejudica o tratamento, uma vez que as marcações de exames levam tempo e o paciente raramente retorna com os resultados para uma avaliação do médico. Na visão da gestora da Unidade I, o programa de gerenciamento de crônicos representa uma quebra de paradigmas no tratamento de pacientes que convivem com essas patologias. Esta gestora destaca que o programa de sua empresa possui o diferencial de reunir em um único espaço diversos serviços de saúde focados para o tratamento da doença crônica. 78 Em cada unidade do Alfa Crônicos também há disponível uma academia para reabilitação cardíaca, onde um preparador físico e um cardiologista estão disponíveis para o acompanhamento dos exercícios do paciente. É importante ressaltar que toda essa estrutura é exclusiva aos pacientes do programa. Os três entrevistados consideram que essa multidisciplinaridade é fundamental a um programa de gerenciamento de crônicos. Um ponto importante colocado pelo Diretor foi que toda essa disponibilidade de recursos também é vantajosa, pois reduz o tempo de atendimento do médico, cabendo a este somente as atividades que lhe dizem respeito. Por exemplo, ele relatou a seguinte passagem: se o paciente está com o colesterol alto, o médico não precisa prescrever uma restrição alimentar padronizada ao paciente. Ele encaminha o paciente ao nutricionista que ficará responsável por uma dieta personalizada, com itens que o paciente tem preferência e acesso, dentro das restrições que são necessárias. Além disso, o Diretor relatou que a presença do psicólogo também é importante para auxiliar no tratamento dos pacientes que já sofreram infarto, retirando esta atribuição do médico cardiologista, e para ajudar pacientes diabéticos, que em geral têm dificuldade em aceitar a doença e fazer uso regular do medicamento. Este entendimento é compartilhado pela gestora da Unidade II, que também ressalta que o apoio de uma equipe não médica, como nutricionistas, psicólogos e preparadores físicos, é essencial no tratamento dessa população de crônicos. Para ela, o serviço do programa Alfa Crônicos pode ser definido da seguinte forma: “um serviço ambulatorial de gestão em cardiopatas e diabéticos por uma equipe multidisciplinar”. Por fim, para o Diretor do programa, a multidisciplinaridade nas unidades contribui para o tratamento do paciente, uma vez que os especialistas de cada unidade discutem de forma informal os casos atendidos na unidade. Por exemplo, se o médico avalia que o índice de colesterol de um paciente não está reduzindo, ele 79 conversa com o preparador físico para aumentar sua frequência de atividades na academia. Ou então, o médico conversa com outro médico que realizou o exame do paciente para discutirem juntos os resultados. Sobre esse ponto, o Diretor falou da seguinte forma: “Essa ideia de ter todos no mesmo lugar é para isso, todos estão cuidando do seu Joaquim, todo mundo em cima do seu Joaquim. É assim que você consegue o resultado melhor.” Em relação ao processo, a Gestora Técnica da Unidade I relatou que o programa de gerenciamento do paciente se inicia a partir da identificação do paciente cujo quadro clínico se enquadra no perfil de cliente do Alfa Crônicos. Tal perfil é constituído, principalmente, por pessoas que já tiveram algum infarto ou acidente vascular cerebral, cuja causa esteja associada à diabete. Esse paciente pode ser identificado pelos gestores da operadora, que identificam, com o auxílio de um software, o perfil do paciente através do seu histórico de utilização de serviços médicos ambulatoriais, como consultas e exames realizados na rede credenciada. Outra forma de identificar o paciente com perfil para o programa é através da internação hospitalar, já que há uma central que monitora diariamente as internações hospitalares, identificando as internações por diabetes ou infarto e indicando ao programa aqueles que ainda não fazem parte. Além disso, o paciente pode ainda ser encaminhado pelo seu médico, ou então por familiares que conhecem o programa. É importante ressaltar que a adesão do paciente ao programa é totalmente voluntária. Nas palavras do Diretor: “ele tem que vir porque ele está encantado”. Quando inseridos no programa Alfa Crônicos, os pacientes são identificados de acordo com a gravidade da doença. Há três classificações: amarelos (baixa gravidade), laranjas (média gravidade) e por fim, os vermelhos (elevada gravidade). Cada classificação possui uma frequência de visitas à unidade do programa. Por exemplo, pacientes do grupo amarelo, devem comparecer ao 80 serviço a cada 90 dias, pacientes laranjas a cada 60 dias e vermelhos devem ir ao centro uma vez ao mês. Para todas as visitas dos pacientes à unidade do programa, a recepção liga para lembrar o agendamento na véspera. Ainda assim, caso o paciente não compareça no dia de seu agendamento, o programa conta com o “gerente do cliente” que é responsável por entrar em contato com esse paciente e reagendar a consulta e entender os motivos pelo não comparecimento. Após um contato inicial com o paciente e adesão voluntária desse ao programa de gerenciamento da doença, um fluxograma de tratamento é desenhado a partir da primeira consulta que acontece com o especialista em cardiologia da unidade. De acordo com a gestora da unidade I, o tratamento das doenças segue um padrão aprovado por comissão Internacional. Dessa forma, todas as rotinas médicas seguem tais modelos, que já têm sua eficácia comprovada internacionalmente e cujos resultados são reconhecidos pela sociedade cardiológica. Além disso, em busca da melhoria contínua dos processos do programa, trimestralmente são realizadas reuniões entre os gestores e médicos das duas unidades do Rio de Janeiro. Nesses encontros, são definidos pontos de melhorias e seus planos de ação. No entendimento do Diretor, não há problema em relação à adesão do médico às rotinas de atendimento estabelecidas pelo programa, pois é sabido que estas rotinas são eficazes no tratamento do paciente. Da mesma forma, conforme relatado pela gestora da Unidade I, não há resistência dos médicos em seguir tais rotinas, uma vez que os médicos já fazem uso desses procedimentos em seus consultórios particulares. Segundo o Diretor Médico, o índice de adesão do paciente ao programa é superior a 92%. Para ele, a estrutura e a facilidade para realização dos exames e consultas em um único espaço são um facilitador à adesão do paciente. No entendimento da gestora da Unidade I, esta alta adesão ao programa se deve ao fato de que o 81 paciente, ao iniciar o tratamento através do programa Alfa Crônicos, é esclarecido sobre sua doença, sobre os riscos que corre, sobre os cuidados que deve ter. Assim, ele se sente responsável pela sua saúde e entende que o acompanhamento preventivo multidisciplinar e uso correto da medicação são importantes para melhorar sua qualidade de vida. A gestora da Unidade II, por sua vez, acredita que a humanização do serviço prestado pela empresa Alfa é fator fundamental para adesão do paciente ao programa. Para ela, esta humanização está presente em pequenos detalhes, como na posição da mesa do consultório, que não fica entre o médico e paciente, e na atitude dos colaboradores no processo, que vão à recepção buscar o paciente pelo nome, cumprimentar com abraço, etc. Para estimular ainda mais a adesão ao programa, são realizadas palestras informativas para as famílias para que essas possam participar do tratamento do paciente, pois, como relatou a gestora da Unidade I: “Ás vezes não adianta a gente esclarecer só o paciente, pois quem vai cozinhar em casa é a esposa ou é a mãe, então é importante que toda a família esteja envolvida no processo de tratamento e adesão do paciente.” Para destacar a importância da adesão do paciente ao programa, a gestora da Unidade I relatou que os pacientes que são percebidos pelos médicos como com alguma dificuldade cognitiva são encaminhados ao psicólogo do programa para que este auxilie nesse processo. Outro exemplo da importância do psicólogo ocorre no processo de adesão dos pacientes que ela chamou de “rebeldes”, pois já passaram por uma situação real de risco de vida, como um derrame, ou alguma cirurgia de alta complexidade, e estão desmotivados para aderir hábitos que preservem sua qualidade de vida. Da mesma forma, a gestora da Unidade II caracterizou pacientes diabéticos como “rebeldes”, por terem dificuldades em 82 aceitar a doença, enfatizando a importância da presença do psicólogo na equipe multidisciplinar. Além de todo este esforço, a equipe de enfermagem do programa procura ainda aqueles pacientes que não retornaram nos últimos seis meses e se eles ainda assim não retornarem dentro de um período de um ano são retirados do programa. Quando questionados sobre a participação do cliente no tratamento, todos os entrevistados consideram fundamental essa participação. Para tal, o programa conta com o que eles chamam de “enfermeiro do diabético”. Esse profissional é responsável por ensinar o paciente a fazer uso correto da medicação, que pode chegar a 15 tipos diferentes de insulina. Além disso, também há acompanhamento da enfermagem por telefone, que verifica se os pacientes estão realizando o uso das diferentes medicações corretamente. Um exemplo citado pelo Diretor Médico é o caso dos pacientes que já passaram por uma troca de válvula do coração e precisam fazer uso de anticoagulante, além de acompanhar regularmente esse índice. Para isso, o programa conta com enfermeiros que telefonam ao paciente para monitorar esse indicador médico e manter o cardiologista informado. Para o Diretor Médico “isso é disease management”. 4.1.3 Objetivo do Programa O programa Alfa Crônicos foi desenvolvido a partir da necessidade do cliente. Quando se estipularam as doenças que seriam gerenciadas no programa, diabete e insuficiência cardíaca, definiram-se também as especialidades médicas e nãomédicas (enfermagem, nutrição, etc) necessárias para atender as necessidades desse paciente. Conforme relatado pela gestora técnica da Unidade I, as doenças cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral, são as maiores causadoras de morte no Brasil. Então, a partir desse grupo de doenças, associada 83 à diabete, foi definido o grupo de pacientes elegíveis ao programa, uma vez que ele significaria uma redução de custos diretos com internações e uma melhora na qualidade de vida de tais pacientes, através do controle das exacerbações da doença. Para o Diretor, o programa foi elaborado com o objetivo de reduzir custos para a empresa. Quando se pensou no escopo do programa, há mais de dez anos, foi avaliado que a maior fonte de custos da empresa provinha dos clientes diabéticos e cardíacos, pois eram os pacientes que mais sofriam internações hospitalares. Da mesma forma, a gestora técnica da Unidade II destacou que, como a empresa Alfa tem origem privada, o objetivo de um programa de gerenciamento de crônicos é a redução de custos. No entanto, ela relatou que se pensou também que a empresa não estava oferecendo nenhum serviço para esses clientes tão custosos. O programa Alfa Crônicos abrange, por exemplo, o tratamento da doença cardíaca e suas consequências em um único centro, com objetivo de redução dessas exacerbações da doença e do tempo que o cliente perde tratando as decorrências da doença. A gestora da Unidade I relatou o processo de um paciente crônico que autogerencia o seu caso. Como relatado na entrevista, um paciente que tem anos de doença cardiológica pode evoluir para o crescimento do coração, que causa diversas outras consequências para a sua saúde. Dessa forma, o paciente que autogerencia seu caso procura um especialista em gastroloenterologia, pois seu estômago está rechaçado e ele não consegue se alimentar bem. O paciente busca um pneumologista, pois não consegue respirar uma vez que seu pulmão está encharcado de líquido. Procura um especialista angiologista porque suas pernas incham. Então, nessa autoadministração, o paciente corre por todos esses especialistas e não resolve a causa de todas essas decorrências, que é a doença cardíaca. Segundo a gestora, no tempo que decorre entre essas diversas consultas, exames e retornos de exames, os pacientes podem adoecer e internar. 84 Sobre esse tema, o Diretor informou que uma operadora de plano de saúde deve ter entre 25 a 35 pacientes sadios pagando um plano para suportar um paciente diabético, uma vez que este utiliza muito mais dos recursos da empresa. Apesar de não ser o objetivo de a empresa atrair clientes com doenças crônicas de outras operadoras, uma vez que o paciente diabético já é cliente da empresa Alfa, ele deve ser convidado ao Alfa Crônicos, com objetivo de reduzir o seu custo. No entanto, este objetivo de reduzir custo não é acompanhado por uma diminuição na qualidade do serviço prestado, conforme afirma o Diretor: “a melhor medicina é mais barata que a pior medicina”. Para este, a melhor medicina é interpretada como sendo a que previne e não a que apenas cuida dos sintomas, onde se gasta muito com exames, medicamentos e internações, porém não trata a doença do paciente. Da mesma forma, para a gestora da Unidade II o objetivo de redução de custos para a empresa não significa prestar um serviço de má qualidade, e sim prestar um serviço em que o paciente perceba os resultados na qualidade de vida e não precise passar por procedimentos cirúrgicos de alta complexidade, que são onerosos para as operadoras de plano de saúde. Para ela, o sucesso do programa Alfa Crônicos está justamente nessa capacidade de reduzir internações dos pacientes portadores de doença crônica da empresa ao mesmo tempo em que oferece um serviço de qualidade a este paciente, focado na prevenção. Como já foi dito, as gestoras das unidades do Alfa Crônicos concordam que o programa de gerenciamento de crônicos acarreta benefícios mútuos para a empresa e para o paciente. Para a primeira, representa uma redução nos seus custos oriundos das internações com pacientes crônicos, enquanto que para o paciente significa uma melhora na qualidade de vida, através da redução de recaídas da doença e conseqüentes internações hospitalares. 85 Conforme colocado por todos os entrevistados, a adesão do paciente é um fator crítico de sucesso para cumprir os objetivos do programa. Nesse sentido, a gestora da Unidade I explicou que a adesão do paciente é fundamental, pois se ele não comparece nas consultas, não usa a medicação corretamente, o tratamento do programa não atinge o objetivo de reduzir ou até eliminar as internações desse paciente. 4.1.4 Quais os resultados atribuídos ao programa Para avaliar os resultados e a qualidade do programa, o Alfa Crônicos trabalha com três indicadores de processo: médicos, econômicos e de qualidade. Os indicadores médicos, como índice da pressão arterial para pacientes hipertensos, índice de glicose para pacientes diabéticos, índice do colesterol em pacientes cardíacos, seguem o padrão americano HEDIS11. Tais indicadores são avaliados em uma amostra aleatória e têm como objetivo monitorar o tratamento dispensado aos pacientes. Caso estes índices não estejam dentro do padrão americano predeterminado, a equipe verifica o que deve melhorar no cuidado do paciente através de reuniões entre todos os colaboradores envolvidos no tratamento dos pacientes para discutir as alterações ocorridas. Em relação aos indicadores econômicos, foi relatado pelo Diretor que esses são mais difíceis de serem mensurados, uma vez que uma pessoa não pode ser comparada com outra, e nem é possível deixar pacientes de fora do programa somente para confrontar seu custo com os custos daqueles inseridos no 11 The Healthcare Effectiveness Data and Information Set (HEDIS) is a tool used by more than 90 percent of America's health plans to measure performance on important dimensions of care and service.http://www.ncqa.org/tabid/59/default.aspx, acessado em 16 de janeiro de 2012. 86 programa. No entanto, mesmo que não seja possível mensurar os resultados econômicos, os gestores acreditam que investir em prevenção é a garantia de sobrevivência para as operadoras de plano de saúde. Na visão da gestora da Unidade II, a operadora que não tratar tais pacientes pode não conseguir sobreviver no longo prazo, pois deixar esse paciente chegar ao limite de precisar de cirurgias e tratamentos complexos no fim da vida, gera custos enormes, pois a medicina está cada vez mais cara. Apesar da dificuldade na mensuração dos resultados econômicos do programa, para o Diretor um dos grandes vilões de custos de uma operadora de plano de saúde é a internação hospitalar de seu cliente, podendo corresponder a cinquenta por cento dos custos da empresa. Por isso, o indicador econômico avaliado pelo programa de gerenciamento de pacientes crônicos está relacionado ao número de internações dos clientes atendidos no Alfa Crônicos por ano. Para tal indicador, eles comparam seus índices de internação com a população de clientes da operadora, considerando a média de idade dos pacientes do Alfa Crônicos do Rio de Janeiro, que atualmente é de 56 anos. Esse índice de internação de pacientes da empresa Alfa é de 3%, enquanto que o índice para pacientes inseridos no programa Alfa Crônicos é de apenas 0,1%. Por sua vez, o indicador de qualidade avalia alguns pontos do programa como, por exemplo, tempo médio da consulta médica, quantos pacientes o médico atendeu no período de um mês, além de pesquisas de satisfação do cliente, que incluem questionamentos sobre sua relação com o médico. 87 4.2 Empresa Ômega 4.2.1 A empresa O programa Omega de gerenciamento de crônicos foi criado com objetivo de melhorar a qualidade de vida dos pacientes que sofrem de doença crônica, mal que acomete mais de trinta por cento da população e tende a crescer devido aos maus hábitos alimentares da população. O programa Ômega Crônicos atende pacientes que sofrem das seguintes doenças crônicas: insuficiência renal crônica, insuficiência cardíaca, doenças pulmonares crônicas, diabetes e hipertensão. No entanto, mais da metade dos pacientes que aderiram ao programa são diabéticos ou sofrem de hipertensão. Apesar de o programa abranger todo território nacional, em 2012 o programa estava concentrado na cidade de São Paulo, com aproximadamente noventa e cinco por cento dos pacientes do programa, conforme relatou o Diretor do programa. 4.2.2 Como está estruturado o programa Os pilares do programa Ômega Crônicos são educação e motivação e seu escopo consiste em telefonemas e visitas médicas esporádicas aos clientes cadastrados no programa. É importante ressaltar que, para participar do programa, o paciente deve estar sendo acompanhado por seu médico. A operação do programa Ômega é realizada por outra empresa, que será denominada empresa X, a qual utiliza o 88 sistema e método da empresa norte americana Healthways12, que inclui treinamento dos enfermeiros, utilização de banco de dados, seleção dos pacientes através de software inteligente. A empresa Ômega restringiu o programa de disease management aos clientes do plano Premium da empresa. Dessa forma, para selecionar uma base de clientes elegíveis ao programa, a Ômega enviou à empresa X as informações de utilização dos serviços de saúde credenciados plano do período de dois anos. A partir dessa informação, foram identificados cerca de cinco mil pacientes elegíveis ao Ômega Crônicos. Para um paciente ser dito elegível, dependia do seu nível de utilização do plano e essa utilização devia estar associada a exames que demonstravam algum comportamento de paciente crônico. Por exemplo, o diretor do programa relatou que se um cliente realiza pelo menos três exames de hemoglobina glicada no ano, ele é convidado a conhecer o programa. No entanto, após a primeira seleção de pacientes, verificou-se que em torno de mil e setecentos pacientes tinham elevado nível de utilização do plano de saúde, mas não sofriam de doença crônica. Esses clientes foram denominados pela empresa de “Falso-Positivo”. Conforme relatado pela coordenadora, esse elevado nível de utilização deve-se ao fato do cliente autogerenciar sua saúde e ir a diversos médicos distintos, que pedem os mesmos exames. Na visão dela, esse autogerenciamento não traz benefícios para a empresa, como redução de custo, nem para o paciente, traduzido em uma melhora na saúde. 12 www.healthways.com. Acessado em 28 de fevereiro de 2012. 89 Por fim, dos pacientes que realmente sofriam de doença crônica, apenas seiscentos aderiram ao tratamento através do programa, o que representava doze por cento dos elegíveis. Essa baixa adesão foi surpresa até para a Empresa X que, por sua experiência de dez anos em gerenciamento de programas de doentes crônicos, havia estimado que cinquenta por cento dos elegíveis fossem aderir ao programa. No entendimento da coordenadora, essa baixa adesão devese ao segmento de mercado Premium que a empresa Ômega atende, composto por clientes que não gostam de ser incomodados, desconfiam que o gerenciamento seja algum tipo de espionagem e não querem divulgar suas informações pessoais. Alguns artistas, jogadores de futebol e grandes empresários brasileiros são clientes da empresa Ômega. Outro problema para alcançar uma adesão satisfatória ao programa deve-se à dificuldade em falar com esse cliente, que muitas vezes possui secretários particulares para tratar de tais assuntos. Na opinião do diretor, as empresas empregadoras dos clientes da empresa Omega podem realizar um papel relevante na adesão dos clientes, incentivandoos a participar do programa. No entanto, ele não acredita que incentivos financeiros possam contribuir para a adesão do cliente ao programa, pois, na sua visão, o sucesso do programa depende basicamente da motivação do paciente. No lançamento do programa, em 2010, foi realizado um evento com os médicos credenciados da operadora, cujas especialidades estavam relacionadas às doenças atendidas pelo Ômega Crônicos. Tal evento tinha como objetivo apresentar aos médicos o escopo do programa, a parceria com a empresa X e deixar claro que o programa não tinha o objetivo de tomar o paciente que estava sob seus cuidados, mas sim trabalhar em parceria. Segundo a coordenadora do programa, tal evento foi relevante, pois é frequente a indicação de pacientes ao programa por esses profissionais e, conforme relatou, essa recomendação é 90 importante porque a seleção pelo nível de utilização dos recursos do plano não é totalmente eficaz. Após esse primeiro levantamento de pacientes no início do programa, a empresa Ômega realiza acompanhamento diário das internações de todos os seus clientes. Além disso, a equipe de auditoria hospitalar fica responsável por verificar os casos de pacientes que internaram por motivo de descompensação da doença crônica. No entanto, esses pacientes não são convidados a participar do programa, uma vez que a empresa Ômega ainda está em fase de avaliação do programa e decidiu que somente os pacientes elegíveis no primeiro levantamento iriam participar do programa. Como mencionado anteriormente, o programa é sustentado por dois pilares: motivação e educação. Para a motivação dos pacientes na adesão ao programa, a empresa X utiliza o modelo de psicologia denominado Modelo Transteórico, que é preparado para atingir cada paciente de forma individual. O Modelo Transteórico é um modelo de mudança comportamental embasado em mais de vinte e cinco anos de pesquisa. De acordo com tal modelo, a mudança é um processo que ocorre ao longo do tempo e envolve cinco estágios: pré-contemplação, contemplação, preparação, ação, e manutenção. Na opinião do diretor, após aderir ao programa, o papel do cliente é fundamental porque, a partir daí, ele tem que estar motivado a gerenciar sua própria saúde. Por isso, o diretor conclui que o programa Ômega Crônicos é voltado para a educação do paciente, e não para a intervenção médica. A educação no programa Ômega Crônicos prioriza o empowerment do paciente. Nesse sentido, ele é esclarecido sobre sua condição e o que deve fazer para viver com melhor qualidade de vida. O pilar “educação” também compreende um direcionamento aos pacientes. Por exemplo, ela citou que o enfermeiro do programa solicita que o paciente diabético procure um oftalmologista para realizar 91 exames de fundo de olho, ou então, que pacientes cardíacos procurem um psiquiatra, uma vez que é comum a depressão em pacientes com essa doença. A empresa X, responsável por operar o programa Ômega Crônicos, possui em sua estrutura uma equipe multidisciplinar que conta com médicos cardiologistas, endocrinologistas, clínicos, além de especialidades não médicas, como nutricionistas, psicólogos e enfermeiros. Apesar da presença de uma equipe multidisciplinar, a operação do programa acontece essencialmente através do contato telefônico dos enfermeiros com os pacientes. Como explicou a coordenadora: “o caso é da enfermeira, o médico do caso é o médico pessoal do paciente”. Os demais profissionais são apenas consultados em casos mais graves ou para auxiliar o paciente ou a própria enfermeira em alguma dúvida. Por exemplo, ela citou a contagem de carboidratos para pacientes diabéticos, que é acompanhada pelos nutricionistas. O primeiro contato com o paciente acontece através de uma carta, que apresenta a proposta do programa e informa que um profissional enfermeiro da Empresa X entrará em contato por telefone com esse paciente. A partir da adesão do paciente ao programa, ele é classificado de acordo com a gravidade de sua doença e a frequência de contatos é função de tal classificação. Cada ligação ao paciente segue uma rotina de perguntas e avaliações que devem ser realizadas. Toda a informação coletada é armazenada no banco de dados da Empresa X e compartilhada com os pacientes através de um portal na internet, em que o paciente pode acessar e verificar sua evolução, os registros feitos pelos enfermeiros e médicos durante atendimento. Além disso, baseado no modelo Transteórico, são disponibilizados no portal metas que os pacientes devem cumprir. Por exemplo, uma meta pode ser caminhar três vezes por semana. No portal também estão disponíveis material de orientação para dieta, sugestão de 92 exercício de alongamento, etc. Os médicos particulares também têm acesso às informações de seus pacientes no portal, sendo que estas são apresentadas de forma mais consolidada. Além do contato por telefone, os pacientes classificados no nível três, que são os mais graves, podem receber visitas pontuais voltadas para educação e nunca para o cuidado, como relatou a coordenadora. Um exemplo de visita ocorre quando a enfermeira percebe que o paciente pode não estar fazendo uso correto da insulina, então ela marca uma visita para ensinar-lhe o procedimento correto. 4.2.3 Objetivo do Programa O objetivo do Ômega Crônicos é redução de custos e melhora da qualidade de vida dos pacientes crônicos através da mudança de hábitos desses pacientes. Por esse motivo, o programa preza a motivação e educação de seus pacientes. Conforme relatou a coordenadora do programa: “programa de educação voltado para melhoria da qualidade de vida”. Segundo ela, o objetivo é fazer com que o paciente realmente mude seus hábitos e seja disciplinado, com exames e consultas médicas necessárias para acompanhamento da doença. Tal visão é compartilhada pelo diretor, que definiu o programa Ômega Crônicos como um “programa de educação em saúde, acompanhado por indicadores clínicos.” Conforme o diretor, o programa foi motivado pelo alinhamento que um programa de gerenciamento de crônicos tem com a estratégia da empresa, que, segundo ele, é prestar a melhor assistência médica. Ainda de acordo com o diretor, outro fator que estimulou a origem do programa foi a necessidade que a empresa sentiu de controlar de forma consistente e sistemática os clientes que tinham antecedente familiar de doença crônica, ou que já tivessem manifestado essa doença. Para o diretor, o objetivo do programa é uma evolução no quadro clínico 93 dessa população de clientes e o resultado financeiro decorre dessa melhora através da redução de custos oriundos desses pacientes. Para o diretor, os fatores críticos para atingir objetivos do programa incluem a metodologia de abordagem ao paciente, conteúdo técnico do programa e tecnologia de acesso ao paciente. Segundo ele, uma das dificuldades inicial do programa Ômega Crônica foi o fato de a empresa X negligenciar as características dos clientes da empresa Ômega, que se diferencia principalmente por uma elevada utilização dos recursos da operadora, sem que isso signifique a existência de uma doença crônica, constituindo o grupo de “falsos positivos”, como já relatado pela coordenadora do programa. Assim, o primeiro ano do programa serviria de aprendizado para ambas as empresas com objetivo de revisarem a metodologia de abordagem desses clientes. 4.2.4 Quais os resultados atribuídos ao programa Conforme já relatado, no momento do estudo do caso, o programa Ômega Crônicos ainda estava em fase de avaliação e, por esse motivo, ainda não tinha resultados econômicos mensurados. A coordenadora do programa apenas informou que a empresa X, quando completar um ano e meio do programa, fornecerá um indicador que avaliará o retorno sobre o investimento para a empresa Ômega. Apesar de ainda não existirem indicadores financeiros, a empresa realiza uma comparação do custo médio mensal do grupo de pacientes do programa, que mostra uma queda de dezesseis por cento no custo médio mensal em comparação ao custo deste grupo antes de aderir ao programa. No entanto, na 94 visão do diretor, essa avaliação é superficial para validar os resultados do programa. Outra forma utilizada pelo programa Omega Crônicos para mensurar os resultados do programa é o acompanhamento semestral de alguns indicadores clínicos dos pacientes, como índice de massa corpórea, pressão arterial e nível do colesterol. Tais índices, conforme relatou a coordenadora, apresentaram uma evolução satisfatória no primeiro semestre de 2011. Apesar dos primeiros indicadores clínicos demonstrarem uma evolução positiva no quadro clínico desses pacientes, na opinião do diretor, o programa Ômega Crônicos ainda não alcançou resultados satisfatórios. Para ele, a baixa adesão de sua cartela de clientes é um dos complicadores para o programa alcançar plenamente seus objetivos. Segundo o diretor, a dificuldade de medir o resultado de programas de gerenciamento de pacientes crônicos, além de uma ausência de incentivos pela ANS, constitui uma barreira para o investimento em prevenção pelas operadoras de plano de saúde. Por outro lado, ele afirma que investir em soluções de prevenção nos dias de hoje é necessário para garantir a sobrevivência no longo prazo das operadoras de plano de saúde. Ainda na opinião do diretor, apesar de o programa ainda não ter demonstrado resultados positivos significativos para a empresa Omega como um todo, ele acredita na necessidade do gerenciamento de pacientes crônicos para sobrevivência da empresa, seja pela maneira atual, ou através de outra abordagem que se mostre melhor no gerenciamento desta população. 95 4.3 Empresa Beta 4.3.1 A empresa A empresa Beta começou com um programa de gerenciamentos de crônicos no ano de 2006, no entanto, este era descentralizado nas oito filiais, em que cada uma gerenciava o programa com empresas distintas que se utilizavam de métodos distintos, em que algumas faziam visitas aos pacientes e outras acompanhavam os pacientes apenas por telefone. Então, a partir do ano de 2011 a empresa Beta unificou o gerenciamento do programa na sede do Rio de Janeiro. Para operar o programa, a empresa contratou a Empresa Y, que desenvolveu um software de gestão de pacientes crônicos, que tem um conteúdo técnico para um profissional de enfermagem fazer o monitoramento de uma doença crônica. Além disso, existe um contrato de cinco anos entre ambas para transferência do seu conhecimento e acompanhamento dos resultados do programa durante esse período de cinco anos. 4.3.2 Como está estruturado o programa Diferentemente da empresa Ômega, onde a operação é realizada pela empresa X, a empresa Beta apenas utiliza a tecnologia desenvolvida pela empresa Y e opera com sua estrutura e recursos próprios o programa Beta Crônicos. A operação do programa Beta é baseada em ligações telefônicas aos pacientes. No entanto, caso a condição do paciente exija uma visita, podem acontecer visitas dos enfermeiros à casa do cliente. A operação de ligações telefônicas trabalha de dois modos distintos: monitoramento ativo, onde os enfermeiros ligam para regularmente para 96 acompanhar o paciente; e o monitoramento receptivo, em que o paciente que faz parte do programa tem um canal para entrar em contato caso ocorra alguma urgência relacionada à sua doença crônica. O atendimento receptivo também é realizado por enfermeiros, mas, quando este sente necessidade, aciona equipes de médicos localizadas na região geográfica do paciente, terceirizadas pela empresa Beta. Além disso, é oferecida ao cliente do programa a visita de ambulância caso o médico julgue necessário. O acompanhamento do programa Beta Crônicos também inclui o envio de informativos mensais sobre seu estado de saúde, informativos técnicos sobre sua doença além de folders com orientações. Além das equipes de enfermagem, o programa Beta Crônicos também possui um médico e uma nutricionista, que o gerente denominou de equipe multidisciplinar, a disposição dos enfermeiros para sanar suas dúvidas e passar orientações aos pacientes. Toda a equipe do programa Beta Crônicos tem acesso, através do software, à informação do paciente e todos podem alimentar o programa com informações colhidas com os pacientes. Segundo o gerente, esse compartilhamento de informação é essencial, pois incentiva que diferentes enfermeiros liguem para o mesmo paciente, de tal forma que este não fique fiel ao profissional, mas sim ao programa. O programa Beta Crônicos, devido à restrição do software da empresa Y, realiza o gerenciamento de apenas cinco patologias: dislipidemia, que é o colesterol elevado; diabete; hipertensão; doenças pulmonares; doenças cardiovasculares. Segundo relato do gerente do programa Beta, essas cinco doenças abrangem oitenta por cento das doenças crônicas que acometem os pacientes. Além da restrição de doenças, a empresa Beta determinou que para fazer parte do programa, o paciente deve ter acima de cinquenta e nove anos. No momento 97 desse estudo, o programa Beta Crônicos realizava o acompanhamento de cinco mil e duzentos pacientes. A seleção dos pacientes é feita com base em registro de internação nos últimos doze meses por motivos de alguma das doenças abrangidas pelo programa. Segundo o gerente, essa atividade é realizada pelo setor de atuária, que periodicamente colhe essa informação da base de dados da empresa e passa ao gerente do programa. O gerente também informou que para participar do programa, o cliente deve estar sendo acompanhado por seu médico de confiança, informação que eles identificam no primeiro contato com esse paciente. Segundo o gerente, a internação, no momento da pesquisa, ainda era uma condição necessária para fazer parte do programa, uma vez que eles queriam atingir os casos mais graves. No entanto, ele informou que no futuro poderiam ampliar o escopo de pacientes elegíveis ao programa, retirando essa condição e captando pacientes somente pelo nível de utilização do plano. Para a inclusão de um novo paciente do programa, um técnico de enfermagem liga para o cliente e realiza uma série de perguntas de um questionário inteligente do software, que no final da entrevista é capaz de informar se o paciente possui uma doença crônica e qual é a doença. Então, o primeiro passo do programa é realizar uma visita de enfermagem na residência desse novo paciente com objetivo de orientá-lo sobre alguns controles que podem realizar em casa, como a glicemia, e também para verificar sua condição socioeconômica e que recursos ele tem em casa, como aparelho de pressão, balança, etc. Quando o paciente é incluído no programa, e após uma primeira abordagem, o programa o inclui em cinco perfis distintos já cadastrados no software. Segundo o diretor, esse método de segmentação dos clientes utilizado pela empresa Y foi tem origem americana. E, segundo o diretor, tal classificação dos pacientes é 98 importante para agilizar o processo, pois ele indica ao enfermeiro como ele deve se comunicar com esse paciente. Além disso, uma vez que o paciente adere ao programa, ele recebe alguns benefícios, como ambulância disponível vinte e quatro horas para emergências. Normalmente, tal benefício é dado somente a clientes que pagam um preço premium, mas, para o programa Beta Crônicos, tal vantagem é concedida a qualquer cliente, independente do seu nível de plano de saúde. Além disso, os pacientes do Beta Crônicos têm um canal de comunicação gratuito vinte e quatro horas com os enfermeiros do programa (monitoramento receptivo). Segundo relatado pelo gerente, tais benefícios auxiliam na fidelização dos clientes. Como toda a estrutura do programa está centralizada na cidade do Rio de Janeiro e a abrangência do programa é nacional, tais serviços de ambulância e visitas pontuais de enfermagem são realizados por empresas terceirizadas regionalmente. No programa, esses são os únicos serviços que são providos por empresas parceiras e, na visão do gerente, é necessário acompanhar seus desempenhos para garantir a qualidade e fidelização do cliente no programa Beta Crônicos. Pois segundo o gerente, já houve caso em que a ambulância demorou pra chegar e o cliente disse que deixaria o programa pois quando ele precisou deste serviço de emergência a empresa não cumpriu com o combinado e, para ele, somente o acompanhamento telefônico não interessava. 99 4.3.3 Objetivo do Programa Nas palavras do gerente: “o objetivo do programa é redução de custo, não tem que inventar outra coisa. Eu não posso ter um associado com doença crônica e não dar atenção a ele, não cuidar dele”. Dessa forma, a função do programa Beta Crônicos é fazer com que o paciente crônico tenha pleno conhecimento de sua doença e saber em que estágio da doença se encontra. Para isso, o objetivo do programa é orientar esse paciente para que ele tenha a melhor qualidade de vida possível. Para isso, segundo o gerente, o enfermeiro contratado deve ter poder de argumentação e ser capaz de convencer ao paciente de mudar de atitudes através das ligações telefônicas. Segundo o gerente, encontrar enfermeiros capacitados e que tenham esse perfil de trabalhar em um ambiente de Call Center é um desafio enfrentado pelo programa para atingir seus objetivos. 4.3.4 Quais os resultados atribuídos ao programa Segundo o relato do gerente, tem havido um retorno positivo dos pacientes em relação ao programa, o que se reflete nos resultados do programa, pois o cliente que não vê resultado, não adere ao programa e prefere continuar com o mesmo estilo de vida. Em relação ao resultado financeiro, o indicador prêmio de risco é o índice financeiro que mede o resultado do programa. Conforme descrito pelo gerente, o prêmio de risco é toda despesa variável da operadora de plano de saúde dividido pela sua carteira de clientes. Segundo o gerente, tal indicador teve uma redução de vinte e cinco por cento na empresa após esse período do programa. 100 Os indicadores clínicos, que são, por exemplo, índice de colesterol, circunferência do abdômen, peso, taxa de glicose, etc. ainda não são acompanhados pelo programa Beta Crônicos, no entanto, conforme relatado pelo diretor, o software utilizado já é preparado para realizar tal análise e eles estão se preparando para iniciar esse processo. Por fim, apesar da redução do prêmio de risco da empresa Beta, o gerente preferiu não afirmar que o programa trouxe resultados financeiros satisfatórios para a empresa Beta pois, segundo ele, em um ano de programa não é possível assegurar esse retorno. 101 5 ANÁLISE DOS CASOS Este capítulo tem por objetivo verificar o grau de alinhamento dos programas estudados com os princípios lean thinking. Além disso, faz parte deste tópico analisar os casos estudados à luz dos elementos e fatores de sucesso do disease management defendidos por diversos autores. Os três programas estudados apresentam características diferentes. Por exemplo, há diferenças nos objetivos do programa, na sua estrutura, na forma de prover o serviço, assim como na maneira de avaliar os resultados. Essa diversificação encontrada é interessante para o enriquecimento do trabalho. Conforme descrito no capitulo 3, dedicado à metodologia de pesquisa, a análise dos casos será organizada conforme as categorias de análise apresentadas no Quadro 9. Categoria de Análise Descrição Valor O que o cliente deseja daquele serviço A cadeia de valor Eliminação das atividades que não agregam valor ao cliente Desenho do fluxo de valor após a eliminação Fluxo de valor das atividades que não agregam valor ao cliente Técnicas puxadas de produção Melhoria contínua Quadro 9: Organização da análise O cliente como gatilho para o início do fluxo de valor Busca contínua por melhorias no fluxo de valor 102 5.1 Valor Conforme descrito por diversos autores, um programa de disease management deve ter sua estratégia centrada na melhora do estado de saúde e qualidade de vida do paciente (ADOIMET ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; OFMAN ET AL 2004, HAM E FERRERA, 2006 e LEMMENS ET AL, 2008, ARAUJO, 2009, BRANDT ET AL, 2010). Nos três casos analisados, observou-se a preocupação com a melhora na qualidade de vida do paciente como descrito pelos autores. O programa Alfa Crônicos, assim como colocado por estes autores, foi criado com objetivo de reduzir custos para a empresa. No entanto, a preocupação com a qualidade de vida do paciente é recorrente no discurso dos entrevistados. Por exemplo, conforme colocado pela gestora da Unidade II, o serviço prestado pelo programa tem que fazer com que o paciente perceba os resultados em qualidade de vida e não precise se submeter a procedimentos cirúrgicos. Para ambas as gestoras do programa Alfa crônicos, o benefício à melhora na qualidade de vida do paciente é traduzido por uma redução nas recaídas da doença e consequentes internações hospitalares. Igualmente ao programa Alfa, o programa Ômega Crônicos foi criado com objetivo de melhorar a qualidade de vida do dos pacientes que sofrem de doença crônica através de mudança de comportamento desses pacientes. Conforme colocou a coordenadora do programa: “um programa de educação voltado para a melhoria da qualidade de vida”. Alinhado com o entendimento dos autores anteriormente mencionados, o diretor também colocou que o objetivo do programa é a melhora do estado clínico dessa população de pacientes. Assim como os demais casos, no programa Beta foi possível verificar que o objetivo do programa é orientar esse paciente para que ele possa viver com a melhor qualidade de vida possível. Para isso, segundo o gerente, o enfermeiro contratado deve ter poder de argumentação e ser capaz de convencer ao paciente de mudar de atitudes através das ligações telefônicas. 103 A partir da revisão de literatura sobre disease management e o primeiro princípio do lean thinking, observou-se que a criação de valor pode também ser traduzida pela capacidade do programa em prover incentivos para que os pacientes adiram ao programa e administrem sua própria saúde (HAM E FERRERA, 2006, LEMMENS ET AL, 2008; ARAÚJO, 2009). Para incentivar a adesão dos pacientes, os gestores do programa Alfa consideram que uma estrutura que propicia todo o tratamento do paciente em um único espaço, serviços humanizados e o esclarecimento da doença, de seus riscos e os cuidados necessários são elementos motivadores para a adesão, pois facilitam o acesso e a compreensão do paciente quanto à importância, para sua qualidade de vida, do uso correto dos medicamentos e do acompanhamento por uma equipe multidisciplinar. O Programa Alfa realiza ainda palestras informativas para os familiares com o intuito de estimular a adesão do paciente. A presença do psicólogo na equipe que trata o paciente também é um elemento para o processo de motivação. O apontamento da gestora do programa Alfa em relação à estrutura integrada para o tratamento vai de encontro com que Truch et al (2004) apontaram sobre o aumento da percepção de valor do cliente quando os serviços são agrupados, uma vez que isso implica em um ciclo de consumo mais curto. Nesse sentido, Grönroos (2001) também ressalta que serviços complementares aumentam o valor percebido pelo cliente. O programa Beta também se mostrou preocupado com a facilidade de acesso dos pacientes às instalações físicas do programa e coloca à disposição dos pacientes ambulâncias, para buscá-los na residência em caso de emergência, e um número de telefone gratuito com atendimento vinte e quatro horas por dia. 104 Sob outra forma, o programa Ômega Crônicos trata motivação à adesão de forma mais abrangente, sendo esse um dos pilares do programa. Em relação à motivação, como já apresentado, o Modelo Transteórico é utilizado para auxiliar no processo de adesão e mudança de comportamento dos pacientes. No site da internet utilizado para trocas de informações com os pacientes são estabelecidas metas para os pacientes, como por exemplo, caminhar duas vezes por semana. Estas iniciativas mencionadas pelos gestores dos programas Alfa e Beta encontram respaldo na literatura revisada. A facilidade de acesso é apontada por Kollberg et al (2007) como um dos fatores relacionados ao lean healthcare. Por outro, a humanização dos serviços prestados, como mencionado pelos gestores do programa Alfa Crônicos, não consta na literatura revisada como um dos fatores motivadores. Além dos estímulos à adesão, a presença de um programa de educação (EICHERT ET AL, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997; GONSETH ET AL; 2004; HAM E FERRERA, 2006) é um elemento que também está alinhado com o princípio valor do lean healthcare. Nesse sentido, o programa Alfa Crônicos conta com o “enfermeiro do diabético”, um profissional que é responsável por ensinar o paciente a fazer uso correto da medicação. Também nessa linha, as palestras aos familiares já citadas acima são de cunho educacional. Por sua vez, o programa Ômega Crônicos trata educação o segundo pilar do programa, juntamente com a motivação, já mencionado anteriormente. Tal pilar educação do programa Ômega Crônicos prioriza o empowerment do paciente, uma vez que ele está motivado para aderir às mudanças. Diferentemente do programa Ômega Crônicos, o programa Beta Crônicos não faz uso de nenhum modelo que tenha sido desenvolvido para facilitar o processo de mudança de hábito do paciente. O programa apenas faz uso de uma metodologia 105 de abordagem para os diferentes perfis de pacientes, identificados quando estes respondem no questionário inicial para adesão ao programa. Assim como Eichert et al (1996) e Zitter (1996) falaram da importância da educação em um programa de disease management, foi possível verificar tal preocupação e iniciativa nos programas Alfa e Omega. 5.2 Identificar a cadeia de valor Os três casos analisados indicam que os programas de DM têm sido implementados pelas operadoras de plano de saúde com o objetivo principal de reduzir custos para a empresa, assim como sugeriram diversos autores (ADOMEIT ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; OFMAN ET AL, 2004; HAM & FERRERA, 2006; LEMMENS ET AL, 2008; BRANDT ET AL, 2010). No Alfa, esta redução advém da diminuição do número de internações hospitalares, que decorre de um acompanhamento multidisciplinar desta população; no Omega e Beta, o foco é a mudança de hábitos e atitudes dos pacientes portadores de doenças crônicas para a redução de custos com os serviços de saúde. Tal verificação nos casos está alinhada com que Lemmens et al, 2008 afirmaram que os resultados dos programas de disease management refletem uma melhora na qualidade de vida do paciente e redução dos seus custos diretos. No programa Alfa, observou-se também a preocupação em reduzir o tempo gasto pelo doente, concentrando todos os serviços necessários em um único espaço, através de uma equipe multidisciplinar, possibilitando que o paciente tenha acesso aos diversos serviços necessários para o tratamento de sua doença. Além disso, a concentração de diversos profissionais em um único local permite a troca de ideias entre os profissionais, alinhando melhor as diversas etapas do tratamento e evitando a redundância dos tratamentos. Tal integração no tratamento mostra-se em consonância com os princípios do consumo enxuto propostos por Womack e 106 Jones (2005): solucionar totalmente o problema do cliente; adicionar continuamente soluções para reduzir tempo e esforço do cliente. Estes resultados, portanto, estão alinhados com o que os acadêmicos colocaram em relação à estratégia dos programas de disease management, que deve estar centrada em redução de desperdícios, como elevados custos com a saúde, redundância de tratamentos, internações hospitalares, procedimentos cirúrgicos, tempo gasto nos tratamentos (SIDEROV ET AL, 2002 e LEMMENS ET AL, 2008). Em consonância com a literatura revisada, observou-se, nos três programas, a preocupação em reduzir o uso de serviços que demonstram que a doença está fora do controle, como emergências e internações hospitalares (ZITTER, 1996; ADOIMET ET AL, 2001; HAM E FERRERA, 2006). Nos três casos analisados, apesar dos esforços em redução de custos, os gestores consideram difícil analisar os resultados financeiros de tais programas. O Alfa acompanha a quantidade de internações dos pacientes do programa, como uma tentativa de avaliar os resultados financeiros; o programa Omega, por sua vez, tenta comparar os custos dos pacientes do programa antes e depois de ingressar no programa; o Beta mede o resultado financeiro através do acompanhamento do prêmio de risco dos clientes da empresa. O procedimento adotado pelo Alfa está alinhado com o que propõe Araújo (2009), que afirma que o indicador financeiro deve medir o custo do paciente com internações. A avaliação dos custos por paciente como faz o programa Omega é apontado por Ham e Ferrera (2006) como sendo um ótimo indicador para os gestores, no entanto, os autores alertam que tal análise não é suficiente para determinar a eficiência financeira de um programa de disease management. Por outro lado, a mensuração de outros custos diretos da doença, como com honorários médicos e medicamentos, defendidas por Ham e Ferrera (2006), não é realizada pelos programas analisados, por não serem considerados irrelevantes pelos gestores. 107 Outras formas de avaliar os resultados de programas de DM, apontadas pela literatura, como o acompanhamento dos indicadores clínicos dos pacientes e de indicadores de processo (aderência do paciente ao tratamento), são adotadas pelos programas pesquisados (LEMMENS ET AL, 2008; ARAÚJO, 2009). No programa Alfa, há o acompanhamento semestral dos indicadores clínicos dos pacientes. Da mesma forma, o programa Omega também realiza semestralmente este acompanhamento para avaliar a evolução da população do programa. No entanto, no programa Beta, não foi verificado a realização deste acompanhamento, apesar do gerente relatar que existe essa demanda. Araujo (2009) observa que é necessária a presença de ferramentas para mapear o paciente em todo o sistema com objetivo de melhorar comunicação, colaboração entre médico-paciente e redução de processos duplicados ou desnecessários (EICHERT ET AL, 1996). Nos programas de disease management, a tecnologia de informação também é citada por diversos autores como fator essencial, pois serve para facilitar o acesso à informação do paciente, assim como para a gestão do programa (EICHERT ET AL, 1996; ZITTER ET AL, 1996; HUNTER & FAIRFIELD, 1997; ARAÚJO, 2009; ADOMEIT ET AL, 2001;LEMMENS ET AL, 2008; EISENBERG; 2009; RIZK, 2010). Assim como os acadêmicos afirmaram na teoria, os três programas de disease management pesquisados utilizam a tecnologia de informação para o gerenciamento dos pacientes e de suas informações, facilitando o acesso dos profissionais envolvidos às informações relativas à evolução do paciente. A partir dessa análise, nota-se um alinhamento dos programas de disease management estudados com a proposição de Womack e Jones (1996), quando os autores afirmam que o segundo princípio pressupõe os esforços na tentativa de reduzir etapas no processo que não agregam valor ao cliente e consomem recursos da empresa. 108 5.3 Desenvolver um fluxo de valor Diversos autores concordam que um programa de disease management é um sistema coordenado de intervenção médica e comunicação para auxiliar pacientes com doenças crônicas seguir um tratamento e assim prevenir complicações da doença através da integração dos cuidados necessários. (ELLRODT ET AL, 1997; ADOMEIT ET AL, 2001; MILLER, 2006; MATTKE ET AL., 2007; ARAUJO, 2009), ou seja, um programa multifacetado dedicado aos cuidados de populações que sofrem com tais enfermidades (EICHERT ET AL, 1996; ELLRODT ET AL, 1997; SIDEROV ET AL, 2002; GONSETH ET AL, 2004; JORDAN E OSBORNE, 2006; LEMMENS ET AL, 2008). A partir da definição de disease management colocada por diversos autores, verificou-se que o programa Alfa Crônicos é mais abrangente, uma vez que ele é um programa de intervenção médica e comunicação, enquanto o programa Omega e Beta se enquadram apenas em um programa de comunicação. Ainda que de formas distintas, nos três casos estudados, os programas tem como objetivo a prevenção das complicações decorrentes da doença crônica. De acordo com Mattke et al (2007), as dimensões gravidade da doença e intensidade de intervenção são duas dimensões que devem ser positivamente relacionadas, ou seja, quanto maior a gravidade do paciente, maior deve ser o grau de intervenção do programa. Da mesma forma, Linden e Mielstein (2008) defendem que para casos mais graves o contato deve acontecer por meio de consultas médicas pessoais e exames periódicos. Tal relação somente foi observada no programa Alfa, que opera com elevado grau de intervenção os pacientes portadores de doença crônica mais grave. No entanto, essa recomendação destes autores não foi observada nos programas Omega e Beta, que independente da gravidade do paciente, trabalha apenas com um baixo grau 109 de intervenção caracterizados por ligações telefônicas personalizadas. Tal modelo de programa não é acreditado por Gonseth et al (2004) como sendo eficaz. A Figura 8 representa o posicionamento dos casos no gráfico proposto por Mattkle et al (2007). Grau de intervenção Elevada Moderada Alfa Baixa Omega Saudável Beta Em situação de Portadores de Gravemente risco doença crônica doente Estado de saúde do paciente Figura 8: Posicionamento dos casos na relação proposta por Mattkle et al (2007) 110 Como se observa na Figura 8, o programa Beta e Alfa estão posicionados mais à direita do programa Omega, pois consideram na seleção para o programa, pacientes que já passaram por internações hospitalares. Por sua vez, os programas Omega e Beta estão abaixo da linha pontilhada, pois acompanham os pacientes de seus programas através de um baixo grau de intervenção (ligações telefônicas). Pode-se dizer que programas situados abaixo da linha pontilhada, estão subdimensionando recursos necessários para o tratamento dos pacientes crônicos, o que pode gerar desperdício de recursos, como tempo e dinheiro de suas empresas. Observa-se que a causa deste desalinhamento dos programas Beta e Omega ocorre devido à falta de uma estrutura e uma equipe multidisciplinar dedicadas ao tratamento destes pacientes. Apesar de os três programas analisados se dedicarem ao tratamento de doentes crônicos, somente no programa Alfa pode-se afirmar que haja o efetivo tratamento destes doentes através de uma equipe multidisciplinar integrada em um mesmo ambiente físico, composta por profissionais médicos e não médicos necessários para um tratamento do paciente, como já comentado anteriormente. Nos programas, Omega e Beta Crônicos, apesar de se falar em equipe multidisciplinar, esta não é responsável pelo tratamento do paciente diretamente, mas sim por sanar possíveis dúvidas que ocorrem durante os contatos telefônicos realizados por enfermeiros. De qualquer forma, mesmo que em diferentes graus de envolvimento de outros profissionais de saúde, foi possível observar a presença de equipe multidisciplinar, conforme destacado por Ellrodt et al (1997), Siderov et al (2002); Gonseth et al (2004) Lemmens et al (2008). De acordo com a literatura, a estrutura do disease management deve contemplar instalações dedicadas ao programa (EICHERT ET AL, 1996; ELLRODT ET AL, 1997; LEMMENS ET AL, 2008). De forma similar, Porter (2010) considerou em 111 seu estudo, que o fluxo de valor do serviço de saúde deve ter uma estrutura dedicada que integre o tratamento do paciente. Observou-se que apenas o programa Alfa Crônicos é organizado em instalações dedicadas com recursos para realização de consultas médicas e realização de exames para diagnóstico e avaliação. Os outros dois programas analisados não possuem instalações projetadas para prover atendimento aos pacientes, utilizando apenas uma estrutura semelhante à de um call center para a operação do programa via telefone. Dessa forma, apenas o Alfa Crônicos está alinhado com a literatura revisada, disponibilizando instalações para o programa e, consequentemente, facilitando a troca de informações entre os diversos profissionais de saúde envolvidos no tratamento do paciente crônico, conforme destaca Lemmens et al (2008). Importante ressaltar que, de acordo com a literatura, ter estrutura física, com equipamentos para diagnóstico e equipe multidisciplinar, é considerado importante para detectar a exacerbação de complicações decorrentes de doenças crônicas prematuramente. Assim, os programas Omega e Beta não estariam usufruindo de todos os benefícios potenciais de um programa de DM que conta com instalações próprias para o tratamento presencial. Apesar das diferentes formas de operar o programa, nos três casos é evidenciado o uso da tecnologia de informação para facilitar a troca e integração dos registros dos pacientes ao longo do tratamento. Tais dados são compartilhados entre os profissionais envolvidos no cuidado ao paciente. No caso dos programas Omega e Beta, os registros são de ligações anteriores, e de dados clínicos dos pacientes, que são armazenados com objetivo de permitir o acompanhamento da evolução do paciente em cada contato realizado. Dessa forma, os três casos estudados contemplam em seu escopo o uso da tecnologia e informação da mesma forma 112 que diversos autores colocam como essencial para a gestão de um programa de disease management. (EICHERT ET AL, 1996; ZITTER ET AL, 1996; HUNTER E FAIRFIELD, 1997; ADOMEIT ET AL, 2001; LEMMENS ET AL, 2008; ARAÚJO, 2009; EISENBERG; 2009; RIZK, 2010; BRANDT ET AL, 2010). Essa preocupação com a tecnologia de informação dos programas de disease management estudados remete ao que Waring e Bishop (2010) afirmaram sobre a necessidade de eliminar barreiras de comunicação entre os diversos setores para a criação de um fluxo de valor. No entanto, apenas o programa Omega compartilha essas informações com os pacientes, que tem acesso através de uma conta no portal de internet. Tal preocupação, foi colocada por Eichert et al, 1996 como um dos elementos dos processos clínicos de um programa de disease management e Brandt et al, 2010 que prescreveram transparência na informação. Além disso, o programa Omega ainda compartilha a informação do paciente com o médico particular deste. Esta descoberta no caso Omega é interessante, pois não foi encontrada na bibliografia estudada. Os três programas estudados operam com protocolos de atendimento padronizados para a realização de consultas médicas e orientação de exames como no caso do Alfa Crônicos. No caso do Omega e Beta Crônicos, os telefonemas aos pacientes seguem um padrão de perguntas, avaliações e recomendações que devem ser realizadas naquele contato. Este recurso no tratamento foi já dito anteriormente por Eichert et al, 1996, como sendo um dos elementos do processo clínico de um programa de disease management. Outro elemento do processo clínico do programa de disease management é a presença de uma ferramenta para avaliação de risco da doença dos pacientes (EICHERT ET AL, 1996). Nos casos estudados, observou-se essa preocupação 113 no caso Alfa e Beta. No programa Alfa, o paciente na primeira consulta com o cardiologista é avaliado e classificado de acordo com sua gravidade, o que definirá o seu escopo de tratamento no programa. Por sua vez, no programa Beta, o conteúdo primeiro contato telefônico com o paciente é um questionário padronizado, que uma vez completo indica o grau de risco daquele paciente. A estrutura organizacional de um programa de disease management composta por instalações físicas, mecanismos financeiros e sistemas de informação deve dar suporte e facilitar a operação do programa (EICHERT ET AL, 1996). Nos casos estudados, observou-se que a presença de instalações físicas e sistemas de informações. Nessa pesquisa, mecanismos financeiros não foi objeto de estudo, no entanto, observou-se uma preocupação dos gestores dos programas em encontrar formas de avaliar a efetividade de redução de custos relacionados aos cuidados dessa população de pacientes. 5.4 Técnicas Puxadas de Produção O princípio da produção puxada se aproveita das ferramentas do Just in time, composta por elementos como: fluxo, controle de estoque e controle de tempo. Sob outra análise, uma produção puxada visa eliminar sete desperdícios: superprodução, tempo disponível (espera), transporte, processamento, estoque disponível, movimento, produção defeituosa (OHNO, 1997). Dentre os casos estudados, o caso Alfa destaca-se por estar mais alinhado à produção puxada do que os demais. O fato de integrar os serviços de saúde necessários em um único espaço faz com que os elementos do Just in time, como fluxo, e controle de tempo sejam relevantes. Além disso, como já mencionado anteriormente, o paciente no programa Alfa é avaliado quanto à gravidade da doença na primeira consulta e, a partir de então, 114 seu processo de tratamento é desenhado. Esse fato é relevante para eliminar o desperdício de sobreprodução de exames, por exemplo, para pacientes de baixa gravidade. Outro ponto relevante no programa Alfa que demonstra essa compatibilidade com produção puxada é o fato da visita do paciente ao programa consolidar todas as consultas e exames necessários. Isso permite eliminar desperdícios de movimento, processamento e espera. Outro ponto que foi verificado no programa Alfa é que a presença de uma equipe multidisciplinar está alinhada com a produção puxada, já que isso reduz o tempo de consulta com o médico, deixando assuntos como dieta, por exemplo, para o nutricionista. Verifica-se, portanto, uma preocupação com o controle de tempo e redução de desperdícios de processamento. Em alinhamento com Womack e Jones (1996) que propuseram que um produto deve ser manufaturado por uma equipe de pessoas com diferentes habilidades no processo para reduzir o tempo de ciclo produtivo. Sob outra perspectiva de produção puxada, os autores Zitter et al (1996) e Lemmens et al (2008) afirmam que o programa de disease management deve ser desenhado para um público alvo específico. Nesse sentido, percebe-se que os três programas estudados estão alinhados com estes autores, uma vez que eles foram projetados para o atendimento de determinadas enfermidades crônicas. Além disso, a segmentação do processo por tipo de doença permite a redução de desperdícios em processamento e espera. Em relação ao princípio de produção puxada no lean healthcare, Kollberg et al (2007) observam que esse princípio é descrito pelo grau de interação e participação do paciente no tratamento. Nesse sentido, os três programas estudados estão alinhados com a proposição destes autores, uma vez que todos os programas incentivam e consideram essencial a adesão e participação do paciente ao programa e utilizam ferramentas para tal objetivo. 115 Uma produção puxada por definição é aquela que se inicia a partir da necessidade do cliente, ou seja, o cliente é o “gatilho” para início do processo produtivo (WOMACK E JONES, 1996; OHNO, 1997). Nesse sentido, o disease management se inicia a partir da identificação dos usuários (ZITTER ET AL, 1996; LEMMENS ET AL, 2008; LINDEN E MILSTEIN, 2008), que devem ser portadores de doenças crônicas (ADOMEIT ET AL, 2001; SIDEROV ET AL, 2002; MILLER, 2006; MATTKE ET AL., 2007; ARAUJO, 2009). Outros autores acrescentam que a seleção dos pacientes deve considerar aqueles que já passaram por internações hospitalares relacionadas à doença crônica (LINDEN E MILSTEIN, 2008). Nos casos estudados, a identificação da população alvo foi a primeira etapa realizada no desenvolvimento do programa, sendo o tratamento desenhado a partir da necessidade do cliente. Os programas Alfa e Omega identificam a população de portadores de doenças crônicas através do perfil de uso dos recursos credenciados da empresa. Além disso, o programa Alfa também seleciona pacientes com histórico de infarto ou acidente vascular cerebral associada à diabete, assim como o Beta, que opta somente por pacientes que passaram por internações hospitalares relacionadas à doença crônica. Os programas estudados, portanto, estão alinhados com o que sugerem Linden e Milstein (2008). 5.5 Melhoria contínua Os autores Hunter e Fairfield (1997) consideram que a melhoria contínua deve ser um dos elementos do programa de disease management. Assim, todos os elementos do programa de disease management devem estar vinculados a um processo de melhoria contínua (EICHERT ET AL, 1996). Alinhado com a proposição desses autores, verificou-se que o programa Alfa realiza encontros trimestrais entre os gestores e médicos das unidades para discutirem melhorias para os programas. Esse fato não foi observado nos demais casos pesquisados. 116 Sob outra perspectiva, a melhoria contínua em lean healthcare foi interpretada por Jones e Mitchel (2006) como a padronização de processos dos serviços. Nesse sentido, os três casos pesquisados estão alinhados com uma preocupação na padronização dos processos. Para tal, o programa Alfa utiliza rotinas médicas reconhecidas pela sociedade de cardiologia e os programas Omega e Beta, por sua vez, utilizam-se de padrão de sequência no acompanhamento dos pacientes. Para Kissoon (2010), as melhorias dos processos no setor de saúde devem ser originadas a partir dos resultados dos indicadores clínicos dos pacientes, resultantes das intervenções médicas. Nos programas Alfa e Omega, como já mencionado, verificou-se uma preocupação com a avaliação dos indicadores clínicos dos pacientes para avaliar a efetividade do programa. No entanto, somente no programa Alfa verificou-se que os resultados clínicos são utilizados para discutir mudança no tratamento do paciente. 5.6 Quadros resumos da análise Para melhor entendimento da análise, foram desenvolvidos o Quadro 10, que resume os principais achados da filosofia lean nos casos e o Quadro 11, que apresenta um cruzamento dos elementos e fatores de sucesso com os casos estudados. Valor Identificar a cadeia de valor Programa Alfa Programa Omega Melhora da qualidade de vida; Incentivos à adesão (tratamento integrado); Programa de Educação. Redução de custos (internações hospitalares); Avaliação dos resultados financeiros; Indicadores clínicos Integração do Melhora da qualidade de vida; Incentivos à adesão (motivação); Programa de Educação Redução de custos (custos diretos); Avaliação dos resultados financeiros; Indicadores clínicos; Uso da tecnologia de informação Programa Beta Melhora da qualidade de vida; Incentivos à adesão (benefícios). Redução de custos (prêmio de risco); Avaliação dos resultados financeiros; Uso da tecnologia de informação 117 tratamento; Uso da tecnologia de informação Tratamento e comunicação integrada; elevado Comunicação grau de intervenção; integrada; baixo grau Equipe de intervenção; Desenvolver um multidisciplinar; compartilhamento da Instalação dedicada fluxo de valor informação com os ao programa pacientes; rotina de (tratamento); rotina de tratamento. tratamento; Avaliação da gravidade do paciente. Integração do tratamento; Avaliação da gravidade do paciente; Consultas e exames consolidados Programa projetado para um público alvo em cada visita às instalações; Equipe (doenças crônicas); Técnicas puxadas multidisciplinar; incentivos à adesão de produção Programa projetado do paciente; processo de identificação de para um público alvo (doenças crônicas); potenciais clientes. incentivos à adesão do paciente; processo de identificação de potenciais clientes. Processo estruturado Padronização no para melhoria contínua; tratamento. Melhoria contínua Padronização no tratamento. Quadro 10: Relação dos casos com os princípios do lean thinking Comunicação Integrada; baixo grau de intervenção; Instalação dedicada ao programa (call center); rotina de tratamento; Avaliação da gravidade do paciente. Programa projetado para um público alvo (doenças crônicas); processo de identificação de potenciais clientes. Padronização no tratamento. Além da relação identificada entre os princípios do lean e os programas estudados, o Quadro 11 aponta como os casos estão alinhados aos elementos e fatores de sucesso do disease management propostos na teoria. Elementos e fatores de sucesso do disease management Programa Alfa Equipe multidisciplinar. Para o tratamento dos pacientes X Tratamento Integrado (coordenado por X Programa Omega Programa Beta 118 um médico) Intervenção médica constante X Procedimento para identificação dos usuários X X X Programa de educação; Adesão do paciente (incertezas nos resultados percebidos) X X X Instalações dedicadas para o tratamento dos pacientes X Avaliação dos resultados; planejamento do controle das métricas que se desejam medir no programa (financeiros; clínicos) X X X Padronização de processos (procedimentos; rotinas) X X X Sistema de informação (integração; compartilhamento da informação) X X X - - - - - - Processo de melhoria contínua X Conhecimento da doença por parte da equipe Adesão do médico Incentivos financeiros ou não financeiros aos stakeholders do programa (pacientes médicos e operadoras de plano de saúde) X Programas maiores para ganhos de escala e representatividade de avaliação - - - Foco no problema do paciente X X X X X X Programa de prevenção X Quadro 11: Elementos e fatores de sucesso do disease management nos casos estudados O item “Programas maiores para ganhos de escala e representatividade de avaliação” não foi relevante para a análise, uma vez que não foi objeto desta pesquisa avaliar os resultados dos programas, assim como confrontá-las com o tamanho do programa. No entanto, verificou-se no caso Omega um descontentamento do diretor em relação à baixa adesão de clientes ao programa, 119 o que para ele tornava a avaliação financeira do programa irrelevante para a empresa, que possui mais de trezentas mil vidas seguradas. Da mesma forma, os itens “Conhecimento da doença por parte da equipe” e “Adesão do Médico” também não foram objeto de pesquisa, uma vez que não tinham relação com os preceitos lean. No entanto, no caso Alfa, foi verificado que existe uma preocupação com o conhecimento, uma vez que somente contratam médicos que tenham pelo menos mestrado na área de cardiologia. 120 6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Este capítulo apresenta as conclusões geradas a partir do trabalho realizado. O capítulo começa com um resumo que retorna ao problema investigado. Em seguida são apresentadas as perguntas de pesquisa acompanhadas da discussão sobre os casos apresentados. Depois são apresentadas as limitações do estudo, assim como suas implicações gerenciais e sugestões para pesquisas futuras. 6.1 Resumo da Pesquisa Este trabalho teve por objetivo analisar como a gestão de programas de disease management está alinhada aos preceitos do lean thinking, cujo objetivo está centrado em uma redução de desperdícios, associado à criação de valor para os clientes. Para tal finalidade, a revisão de literatura trouxe os principais aspectos das teorias de lean thinking, lean healthcare e disease management, criando-se uma relação entre elas, que serviu como base para a pesquisa de campo. O estudo de casos múltiplos foi escolhido, pois permite uma comparação entre os casos estudados, enriquecimento a pesquisa. Três programas de disease management, gerenciados por empresas de plano de saúde, foram estudados. A descrição e análise do fenômeno foram realizadas com base na perspectiva dos gestores desses programas, obtidas através de entrevistas em profundidade com tais dirigentes. 6.2 Conclusões O objetivo geral desta pesquisa foi responder ao seguinte questionamento: Como os programas de disease management das operadoras de Plano de Saúde do 121 Brasil estão relacionados aos princípios do lean healthcare? Além disso, buscouse verificar se as práticas de gestão adotadas pelas operadoras de plano de saúde estão de acordo com os elementos e fatores críticos de sucesso de tais programas. Por ser ampla, a pergunta geral foi desmembrada em cinco perguntas específicas, que abrangem os princípios do lean thinking e que, portanto, auxiliam na resposta à pergunta geral. Tais perguntas, e os principais achados da pesquisa, estão apresentados a seguir. Qual o objetivo do programa de gerenciamento de doença crônica? Nos três casos de programas de gerenciamento de crônicos, os dirigentes mostraram-se preocupados com a melhora de qualidade de vida dos seus clientes (criação de valor). No entanto, percebe-se que o grande incentivador para criação e manutenção de programas de disease management por operadoras de plano de saúde ainda recai sobre um objetivo de redução de custos. O que se pode inferir nos casos estudados é que a melhora na qualidade de vida dessa população de pacientes é o meio pelo qual eles encontraram para alcançar o verdadeiro objetivo, que é a redução de internações, exames desnecessários, consultas médicas excessivas. Apesar de o foco principal incidir sobre os custos oriundos dessa população de crônicos, os entrevistados, principalmente os gestores do programa Alfa, demonstraram preocupação com a melhora da qualidade de vida dos pacientes crônicos. Esse envolvimento pode ocorrer pelo fato de estarem mais próximos ao programa, já que seus postos de trabalho estão localizados dentro das unidades dos programas, gerando maior convívio com os pacientes. Essa reflexão não é uma crítica, uma vez que os três casos pesquisados são empresas privadas que visam lucro. Além disso, o perfil dos entrevistados era 122 composto essencialmente por gestores de tais programas. A percepção poderia ser outra caso os entrevistados fossem médicos do corpo clínico dos programas, que poderiam ter uma visão menos de negócios e mais humanística dos programas. Por exemplo, o objetivo de redução de custos ficou mais evidenciado no programa Beta, único em que o gestor não tem formação na área médica, e isto pode estar relacionado à formação do entrevistado. Quais os resultados atribuídos ao programa? Estes resultados são mensurados? Apesar de não terem resultados comprovados, os gestores dos programas estudados atribuem dois resultados principais aos seus programas, que são: redução de custos e melhora na qualidade de vida dos pacientes. A avaliação dos resultados financeiros relativos ao programa é a mais divergente entre os três casos estudados. Para o programa Alfa, a análise de redução de custos está relacionada à redução no número de internações hospitalares decorrentes de complicações da doença crônica. Os gestores entrevistados do caso Alfa estão satisfeitos e consideram esse o principal benefício trazido pela iniciativa. Por sua vez, a melhora da qualidade de vida é avaliada pelos indicadores clínicos dos pacientes, que também demonstram resultados satisfatórios. O programa Omega, como é muito recente, não teve tempo ainda de avaliar os benefícios financeiros relativos ao programa, limitando-se a comparar dados do grupo de pacientes antes e depois da adesão ao programa, o que, na visão do diretor entrevistado, é superficial para uma conclusão. Os resultados referentes à qualidade de vida dos pacientes, assim como no programa Alfa, são mensurados através de indicadores clínicos dos pacientes. Por outro lado, o programa Beta foi o único que não avalia a evolução clínica dos pacientes do programa de gerenciamento de crônicos, apesar de o gerente ter 123 relatado na entrevista que essa avaliação era necessária. Por sua vez, a avaliação dos resultados financeiros é realizada através do prêmio de risco desses pacientes. Esta avaliação tem demonstrado um resultado positivo através da queda desse índice, o que pode indicar uma melhora na qualidade de vida desse grupo de pacientes. Nos três casos, observou-se que os resultados convergem para uma redução de custos (desperdícios financeiros) e melhora na qualidade de vida dos pacientes. No entanto, não existe um padrão entre os casos no modo de mensuração dos resultados financeiros e cada caso encontrou uma forma de avaliar esse resultado. Por sua vez, o resultado relacionado à melhora de qualidade de vida do paciente é avaliado da mesma forma nos casos Alfa e Omega, enquanto que o programa Beta não realiza tal medição. Como acontece o processo do disease management? O programa Alfa se diferencia dos outros casos estudados por ser um programa de gerenciamento de crônicos essencialmente de tratamento, enquanto os programas Omega e Beta podem ser interpretados como programas de acompanhamento. Tal diferenciação é essencial no que tange o processo do programa. No caso do programa Alfa, a integração dos recursos necessários para o tratamento do paciente crônicos, como uma equipe multidisciplinar e equipamentos para realização de exames, pode ser considerado o diferencial para o tratamento completo do paciente crônico. Dessa forma, o paciente em uma única visita ao centro realiza exames, consultas de avaliação sem ter o desperdício de tempo entre essas etapas do processo. Esse tempo, que é perdido nos tratamentos tradicionais, foi dito pelos gestores como essencial para a boa manutenção da qualidade de vida dessa população. No programa Alfa, verificouse também a padronização dos processos de consultas e solicitação de exames, que segue padrão internacional. 124 Os outros dois casos, Omega e Beta, por serem programas de acompanhamento telefônico, não contam com um processo de tratamento da doença crônica, que permanece sendo realizado pelos participantes do programa, pela maneira tradicional. Os processos desses programas consistem em contatos telefônicos periódicos com os clientes na tentativa de fazerem com que adotem estilo de vida compatível com sua situação de saúde e, também, como foco em orientação para que, dessa forma, evitem desperdícios de consultas médicas e exames desnecessários. Por fim, a tecnologia de informação, como meio para integrar a informação, foi verificada nos três casos, sendo utilizada sempre com o mesmo objetivo: compartilhar informação com todos que estão envolvidos no processo do programa, sendo este de tratamento (programa Alfa), ou de acompanhamento (programas Omega e Beta). No entanto, apenas o programa Omega comprometese com o compartilhamento da informação com o paciente. Como se inicia o processo do programa de disease management? Nos três casos estudados, o programa se inicia através da identificação de pacientes portadores de doença crônica dentro do quadro de clientes de suas empresas. Nos casos Alfa e Beta, verificou-se que tal busca é mais rigorosa, uma vez que são selecionados pacientes que passaram por internações hospitalares anteriores. Por sua vez, o programa Omega, em sua primeira seleção, considerou apenas o perfil de consumo dos serviços credenciados do plano, o que demonstrou ser um problema para a empresa, pois seus usuários, mesmo sadios, têm um perfil de elevado consumo. Para os gestores, isso está relacionado ao segmento premium de mercado em que atuam. Nos programas Alfa e Beta, também se verificou que o programa se inicia através de um mapeamento do perfil do paciente para que esse possa seguir pelo 125 processo mais adequado ao seu estado. Isso é interessante, pois evita desperdícios de consultas e telefonemas com aqueles pacientes menos graves. Existe um processo de revisão do programa e melhoria? Em relação a este princípio, apenas o programa Alfa consta com um processo coordenado para revisão periódica do programa, que tem por objetivo a melhoria dos processos internos e de tratamento ao paciente. Os demais casos, por serem mais recentes, ainda não estruturaram uma forma de rever os processos com o intuito de melhorá-los. No entanto, a padronização, considerada necessária para a melhoria de processos, foi identificada de forma consistente nos três casos. No programa Alfa, como já dito, os procedimentos seguem padrão internacional. Por sua vez, os programas Omega e Beta realizam o acompanhamento dos pacientes por meio de processo padronizado, ou seja, as ligações são feitas com objetivos de contato predeterminados. Em suma, pode-se afirmar que existe um alinhamento entre os programas estudados e a filosofia lean. No entanto, o programa Alfa, caracterizado por um tratamento presencial integrado está mais alinhado com os princípios do lean thinking, enquanto que os programas Omega e Beta demonstraram menor relação com a filosofia lean. A diferença entre o caso Alfa e Omega acontece principalmente em relação ao fluxo de valor (3º princípio) em que a realização de um tratamento presencial e integrado é o diferencial para o contexto lean. O programa Alfa também se mostrou mais coerente com a relação grau de intervenção e gravidade da doença. Os outros casos (Omega e Beta) não apresentaram tal alinhamento, uma vez que conduzem o tratamento de pacientes portadores de doença crônica com baixa intervenção (contatos telefônicos). Este desalinhamento encontrado pode estar 126 impactando os resultados esperados do programa, como redução e custos e melhora na qualidade de vida. Além de um alinhamento entre grau de intervenção e estado de saúde do paciente, o programa Alfa apresentou mais elementos do disease management que os demais casos estudados. No entanto, o principal diferencial entre o caso Alfa e os demais é a presença de uma estrutura com uma equipe multidisciplinar para a integração do tratamento e intervenção constante destes pacientes crônicos. Tais elementos mostram-se relevantes para a construção de um fluxo de valor que reduza os desperdícios pretendidos com a criação de programas de gerenciamento de pacientes crônicos. Apesar da maioria dos estudos em disease management focarem em redução de custos como principal fonte de desperdício, é interessante ressaltar que outros desperdícios podem ser tão ou mais importantes que redução de custos. Por exemplo, pôde-se verificar nos casos estudados, uma preocupação com redução de tempo entre o diagnóstico e início do tratamento, uso excessivo de medicamentos, internações e exames desnecessários. 6.3 Implicações teóricas e gerenciais A contribuição teórica desse estudo reside no modelo proposto, que aponta, através da teoria da filosofia lean thinking, que o disease management é uma forma de operacionalização do lean no setor de serviços de saúde. Este estudo, com foco em criação de valor e redução desperdícios de processo, vai de encontro com que os autores de Harvard, como Porter, Herzlinger, Christensen e Bohmer sugerem para o setor de saúde. 127 Além do aspecto, este trabalho também elucida a visão de gestores de programas de disease management no contexto brasileiro, e mostra como tais programas nacionais estão alinhados com os elementos propostos na literatura sobre o tema. Outra contribuição teórica presente neste estudo foi a realização de um trabalho em que a filosofia lean foi abordada no contexto “além da organização” na qual o autor Brandão de Souza (2009) afirmava não ter encontrado tal perfil de estudo em sua pesquisa. Este estudo pode ser classificado dessa forma, uma vez que envolve o estudo lean com diversos elementos que Boyer e Pronovost (2010) propuseram como sendo partes da cadeia de suprimentos dos serviços de saúde, como médicos e planos de saúde. A relação existente entre o disease management e a filosofia lean, de maneira que os resultados sejam um aumento de valor para o cliente através de uma redução de desperdícios, é importante para o campo prático, pois revela que empresas operadoras de plano de saúde que desejem um desenvolvimento sustentável deverão optar por uma busca de redução de custos, mas que gere valor para o seu cliente. Independente dos objetivos pelo qual uma empresa operadora de plano de saúde opte pelo gerenciamento de pacientes crônicos é necessário o alinhamento dos objetivos com os resultados mensurados, e o alinhamento desses com a estratégia da empresa. Nos casos estudados, verificou-se que apesar de os benefícios econômicos do programa serem de difícil mensuração e avaliação, os gestores acreditam que tal iniciativa é essencial para a sobrevivência das empresas desse setor no longo prazo, uma vez que as pessoas portadoras dessas enfermidades estão vivendo mais e, portanto, gerando mais custos para os planos de saúde. Dessa forma, o 128 programa seria a maneira pela qual as operadoras de plano de saúde encontraram para pagar menos pela saúde desses clientes. 6.4 Campos para pesquisas futuras A pesquisa realizada investigou os programas de disease management sob a ótica dos gestores dos programas. Sugere-se promover um estudo sob a ótica dos pacientes, com objetivo de compreender como estes percebem o valor de um programa de disease management como, por exemplo, qualidade de vida, que foi encontrado nos três casos estudados. Outro estudo interessante é investigar se há diferença significativa de percepção de valor entre clientes de programas como o da empresa Alfa, onde o programa é presencial, e aqueles submetidos a acompanhamento por telefone, como os da empresa Omega e Beta. Por ser um serviço em que a coparticipação do cliente é essencial, sugere-se também analisar formas de aumentar a adesão do paciente aos programas de gerenciamento de doenças crônicas e investigar como esta adesão influencia os resultados clínicos do programa. Outra pesquisa que poderia complementar esse estudo seria verificar os princípios do lean thinking em programas pertencentes a empresas enquadradas em outra classificação da ANS, como por exemplo, empresas de autogestão ou cooperativa, para comparar com os resultados deste estudo. Além disso, este estudo permite a formulação das seguintes proposições para pesquisas futuras: P1 - O desalinhamento dos programas em relação ao grau de intervenção e gravidade do paciente impacta na adesão do paciente. 129 Sugere-se que este estudo seja realizado com pacientes destes diferentes programas com objetivo de verificar se as diferentes formas de prover o serviço impacta na adesão do paciente. P2 – Os indicadores clínicos dos programas presenciais são mais significativos do que dos programas realizados por contato telefônico Para esse estudo, recomenda-se a avaliação da diferença dos indicadores clínicos de pacientes antes e após adesão ao programa e verificar se essa diferença é mais significativa naqueles pacientes submetidos à programas presenciais. P3 – A adesão do paciente influencia no resultado do programa Além de verificar como a adesão influencia o resultado do programa, sugere-se também analisar formas de aumentar a adesão do paciente aos programas de gerenciamento de doenças crônicas. 130 REFERÊNCIAS ADOMEIT, A.; BAUR, A.; SALFELD, R. A New Model for Disease Management. The McKINSEY Quarterly, n.4, 2001. AHLSTROM, PAR. Lean Service Operations: Translating Lean Production Principles to Service Operations. International Journal of Services Technology and Management, v.5, n.5, p.545-564, 2004. AHMED, T.; VILLAGRA, V. 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