Pseudoartrose mandibular em uma paciente com picnodisostose submetida a distração osteogênica relato de caso Pseudoartrose mandibular em uma paciente com picnodisostose submetida a distração osteogênica: relato de caso e revisão da literatura Mandibular pseudoarthorsis in a patient with pycnodysostosis submitted to bone distraction: case report and literature review Ciro Paz Portinho1, Marcus Vinícius Martins Collares2, Gustavo Juliani Faller3, Davi Sandes Sobral4, Pedro Simas Sarmento5, Eduardo Ioschpe Gus6, Vinícius Souza Silva Oliveira7, Samuel Cândido Orige7, Antônio Carlos Pinto Oliveira8, Rinaldo De Angeli Pinto9 RESUMO SUMMARY Introdução: A picnodisostose (PYCD) é uma doença genética rara, também conhecida como síndrome da mucopolissacaridose tipo IV ou síndrome Maroteaux-Lamy. Esta doença é causada por um defeito em um gene que codifica a enzima catepsina K (tal enzima é secretada pelos osteoclastos durante a reabsorção óssea). É caracterizada por osteoesclerose, deformidades no crânio e na face, baixa estatura e acro-osteólise. Relato do caso: Paciente de 7 anos, sexo feminino, pais nãoconsanguíneos, apresentando Sequência de Pierre-Robin com disfunção alimentar e respiratória, alargamento de fontanelas, exoftalmia, baixa estatura, braquidactilia, acro-osteólise das falanges distais e história de fraturas nos membros inferiores. Foi submetida à distração osteogênica mandibular aos dois anos de idade. Houve melhora das funções respiratória e alimentar; no entanto, a paciente permaneceu sem definição do ângulo mandibular – o que é característico da PYCD – e pseudoartrose na osteotomia mandibular direita. Conclusão: Embora a melhoria funcional tenha ocorrido com a distração, a morfologia óssea permaneceu alterada em função das anormalidades metabólicas gerada pela PYCD. Background: Pycnodysostosis (PYCD) is a rare genetic disease, also known as mucopolysaccharidosis syndrome type VI or Maroteaux-Lamy syndrome. It is due to a defect in the gene encoding cathepsin K (such enzyme is secreted by osteoclasts during bone resorption), and characterized by osteosclerosis, craniofacial deformities, short stature, acroostolysis. Case report: A 7-year-old girl, non-consanguineous parents, presenting Pierre-Robin Sequence, with airway obstruction and failure to thrive, laryngomalacia, cranial sutures widening, exophtalmia, short stature, brachydactyly, acro-osteolysis of distal phalanges, and history of fractures in lower limbs. She underwent laryngoplasty and mandibular distraction. There was an improvement in breathing and feeding; nonetheless, the patient has remained without mandibular angle contour definition – which is characteristic of PYCD – and pseudoarthrosis in the osteotomy of right mandible. Conclusion: Although a functional improvement has occurred with distraction (associated to larynx procedures), bone morphology remained anomalous due to metabolic disarrangement caused by PYCD. Descritores: Mucopolissacaridose VI. Osteogênese por distração. Pseudo-artrose. Síndrome de Pierre Robin. Descriptors: Mucopolysaccharidosis VI. Osteogenesis, distraction. Pseudarthrosis. Pierre Robin Syndrome. 1. C irurgião crânio-maxilo-facial (CMF). Médico do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (SCP-HCPA) e do Serviço de Cirurgia CMF do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre (CHSCPA). Mestre em Medicina pela FAMED - UFRGS. 2. Cirurgião CMF. Chefe da Unidade de Cirurgia CMF do SCP-HCPA e do CHSCPA. Doutor em Medicina. Professor da FAMED-UFRGS. 3. Cirurgião CMF. Médico do CMF do CHSCPA. Mestrando da FAMED - UFRGS. 4. Otorrinolaringologista. Pós-graduado em Medicina do Sono e em Cirurgia CMF pelo SCP-HCPA. Mestrando da FAMED - UFRGS. 5. Otorrinolaringologista. Pós-graduado em Cirurgia CMF pelo SCP-HCPA. 6. Cirurgião plástico. Ex-residente do SCP-HCPA. 7. Médico residente do SCP-HCPA. 8. Cirurgião plástico. Médico do SCP-HCPA. Mestre em Medicina (UFRGS). 9. Cirurgião plástico. Chefe do SCP- HCPA. Professor da FAMED-UFRGS. Correspondência: Ciro Paz Portinho Rua Chiriguano, 117 – Vila Assunção – Porto Alegre, RS, Brasil CEP 91900-570 E-mail: [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 111-3 111 Portinho CP et al. realizada nesta época demonstrou indefinição do ângulo mandibular (Figura 1) – o que é característico da PYCD – e pseudoartrose na osteotomia mandibular direita (Figura 2). Além disso, a paciente permanecia com fontanelas ainda abertas, quadro anormal para a idade. A paciente foi recolocada em avaliação pré-operatória com vistas a tratamento da pseudoartrose. INTRODUÇÃO A picnodisostose (PYCD) é uma doença genética rara (prevalência de 1:1.000.000), também conhecida como síndrome da mucopolissacaridose tipo IV ou síndrome Maroteaux-Lamy1,2. A doença foi descrita inicialmente por Maroteaux e Lamy, em 1962. É uma displasia esquelética osteopetrótica, de herança autossômica recessiva3. A consanguinidade dos pais é descrita classicamente2. Esta doença é causada por um defeito num gene que codifica a enzima catepsina K. Este gene está localizado no cromossomo 1q21. Tal enzima é secretada pelos osteoclastos durante a reabsorção óssea; ela degrada o colágeno ósseo. Assim, o turnover ósseo está prejudicado. Os pacientes com PYCD têm ossos frágeis e escleróticos. A vascularização óssea está prejudicada, o que aumenta o risco de osteomielite e pseudoartrose1. A PYCD é caracterizada por uma fronte proeminente, dolicocefalia, alargamento e atraso no fechamento das fontanelas, nariz proeminente, maxila e mandíbula hipoplásicas, dentição anormal, perda do ângulo mandibular, displasias de clavícula, baixa estatura e fraturas de repetição1,2,4. Embora a baixa estatura seja característica, a deficiência de GH tem sido relatada apenas em parte dos casos de PYCD4. Figura 1 – Imagem tomográfica tridimensional da paciente após cinco anos da distração. A mandíbula permaneceu com avanço satisfatório, mas não houve formação de ângulo mandibular, um achado característico da picnodisostose. Nesta paciente, há também alargamento e não fusão de suturas do craniano, outro achado compatível com a doença. RELATO DO CASO Uma paciente de dois anos, do sexo feminino, filha de pais não-consanguíneos, apresentava Sequência de PierreRobin com disfunção alimentar e respiratória, alargamento de fontanelas, exoftalmia, hipertelorismo, baixa estatura, braquidactilia e acro-osteólise das falanges distais, baqueteamento em dedos das mãos e dos pés. A paciente tinha quatro irmãos, dos quais um apresentava fenótipo semelhante, com baixa estatura, fraturas de repetição e história de infecções respiratórias de repetição. Em avaliação com a equipe de Genética em 2004, evidenciou-se cariótipo 46,XX. A avaliação radiológica, realizada na idade cronológica de 5 anos e 2 meses, demonstrou que a idade óssea era de aproximadamente 4 anos e 2 meses (desvio-padrão: 11,65 meses). Foi submetida a traqueostomia em outra instituição com 9 meses em decorrência de obstrução respiratória alta. Iniciou acompanhamento com a equipe de Otorrinolaringologia, que evidenciou a base da língua volumosa e a epiglote retroposicionada. A paciente foi submetida a distração osteogênica mandibular aos seis anos de idade, havendo melhora das funções respiratória e alimentar. Permaneceu com o aparelho até por três meses, aguardando calcificação óssea. Quatro meses após retirar o distrator, foi submetida a uma supraglotoplastia. A paciente foi acompanhada por um ano após a retirada do distrator e depois teve perda de seguimento. Retornou novamente aos sete anos. Apresentava história de fraturas repetidas nos membros inferiores e alterações no contorno mandibular. Não teve recidiva do quadro obstrutivo respiratório nem alimentar. Uma tomografia computadorizada Figura 2 – Imagem tomográfica tridimensional da paciente em período pós-operatório tardio. A mandíbula apresenta pseudoastrose na região da osteotomia da distração mandibular. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 111-3 112 Pseudoartrose mandibular em uma paciente com picnodisostose submetida a distração osteogênica PYCD. A cicatrização óssea está prejudicada nestes pacientes e pode haver necessidade de acompanhamento periódico para a detecção e tratamento de complicações como a pseudoartrose aqui relatada. DISCUSSÃO O tratamento da mandíbula hipoplásica na PYCD pode ser controverso. Estes pacientes apresentam um risco de complicação pós-operatória que parece ser maior do que a população de pacientes não-sindrômicos com micrognatia ou retrognatia. O metabolismo ósseo está prejudicado, assim como a vascularização. Há relatos de cicatrização óssea após mais de 12 meses de acompanhamento5,6. A osteomielite pode ocorrer por processos inflamatórios orais ou como complicação cirúrgica2. Teissier et al.3 utilizaram um alongamento ósseo com enxertos e não com distração. No entanto, a técnica é mais invasiva e necessita de fixação interna rígida. Em nosso relato de caso, pode-se revisar o paciente após 1 ano da distração, sendo que um dos lados teve consolidação completa. Isso evidencia que a distração pode funcionar, sendo um método menos invasivo do que a osteotomia mandibular com enxertos ósseos, procedimento que requer uma área doadora. Na falha terapêutica da distração, pode-se optar por debridamento e nova distração ou enxerto ósseo no gap mandibular. REFERÊNCIAS 1.Karakurt L, Yilmaz E, Belhan O, Serin E. Pycnodysostosis associated with bilateral congenital pseudoarthrosis of the clavicle. Arch Orthop Trauma Surg. 2003;123(2-3):125-7. 2.Quezado R, Montenegro Jr RM, Araripe FFA, Corrêa RV, Montenegro RM. Picnodisostose: relato de dois casos. Arq Bras Endocrinol Metab. 2003;47(1):95-101. 3.Teissier N, Jacquemont ML, Blancal JP, Elmaleh-Bergès M, Van Den Abbeele T, Bennaceur S. Severe snoring in a child with pycnodysostosis treated with a bilateral rib graft. Cleft Palate Craniofac J. 2009;46(1):93-6. 4.Muto T, Yamazaki A, Takeda S, Tsuji Y, Shibata T. Pharyngeal narrowing as a common feature in pycnodysostosis: a cephalometric study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2005;34(6):680-5. 5.Kato H, Matsuoka K, Kato N, Ohkubo T. Mandibular osteomyelitis and fracture successfully treated with a vascularised iliac bone graft in a patient with pycnodyosostosis. Br J Plast Surg. 2005;58(1):263-6. 6.Norholt SE, Bjerregaard J, Mosekilde L. Maxillary distraction osteogenesis in a patient with pycnodysostosis: a case report. J Oral Maxillofac Surg. 2004;62(8):1037-40. CONCLUSÃO A distração levou à melhoria funcional do quadro de obstrução respiratória, mas a morfologia óssea permaneceu alterada em função das anormalidades metabólicas decorrentes da Trabalho realizado na Unidade de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial – Serviço de Cirurgia Plástica – Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Serviço de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial – Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre. Serviço de Cirurgia Crânio-Maxilo-Facial – Hospital Mãe de Deus, Porto Alegre, RS. Artigo recebido: 12/12/2009 Artigo aceito: 5/3/2010 Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(2): 111-3 113