Memória, Cogniçãoe Demências

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Memória, Cognição e Demências
Contribuição de Dr. Thiago
As queixas de memória são muito comuns na prática geriátrica e geralmente encerram uma pergunta tão delicada
quanto difícil de ser respondida: eu tenho ou terei Alzheimer? Esta pergunta é muito angustiante para pacientes e
familiares, sendo, muitas vezes, mais angustiante que a própria queixa em si.
Considerar o que fazer e que tipo de
ajuda procurar diante de uma queixa de memória é, em geral, muito difícil. Para tentar auxiliar a todos nesta difícil tarefa,
cabem algumas considerações iniciais sobre o que é memória e cognição, o que são, como são diagnosticadas e como são
tratadas as demências e suas causas e, em particular, o que é a Doença de Alzheimer.
Memória
A memória é o recurso de que dispomos para armazenar informações. Tudo o que pode ser classificado
como informação é, de alguma forma, armazenado em nossa memória. Nesse ponto, é útil fazermos uma analogia entre
a memória biológica e a memória de um computador.
No computador, existem diferentes tipos de informação. Há
informações vitais para o seu funcionamento mais básico, e estas
estão gravadas nos circuitos mais protegidos e,
normalmente, não podem ser apagadas.
O segundo tipo de informação, também muito importante, se refere às
operações do dia-a-dia, constituindo o que se chama do sistema operacional do seu computador (como o Windows ou o
Linux, por exemplo), os seus programas de uso diário, como este em que escrevo este texto, ou o próprio texto, que
gravarei para não perder. Todos são armazenados no disco rígido, um tipo de memória um pouco mais frágil, mas que,
esperamos, permita armazenar nossos dados por um tempo indefinido.
O terceiro tipo de informação é aquela de
que o computador precisa para o trabalho imediato, para fazer as operações diárias, e depois pode descartar. Este próprio
texto fica em uma área temporária da memória do computador, até que eu resolva que ele merece ser gravado e
publicado – e mesmo agora que ele está sendo lido, se encontra neste mesmo tipo de memória no seu
computador.
Uma das maneiras de se classificar a memória humana é muito semelhante à memória do computador e
podemos pensá-los na mesma ordem.
Em primeiro lugar, temos a memória remota, aquela que armazena os dados
mais fundamentais, como os fatos mais antigos e solidificados; os dados aqui colocados são considerados muito
importantes pelo nosso cérebro, e podem durar uma vida toda, como os dados de nossa história pessoal ou o nome de
nossos filhos.
Em segundo lugar vem a memória recente, aquela em que armazenamos dados importantes mas não
necessariamente fundamentais. Aqui os dados podem durar horas ou dias (por vezes mais), mas são considerados por
nosso cérebro como de importância questionável e, por isso, temporários. Dados que passam a ser considerados
fundamentais passarão para a memória remota; os outros serão em algum momento apagados. Os dados da memória
remota passaram por aqui um dia, mas foram reclassificados. Outros, como o que comemos no almoço de ontem ou uma
notícia sem muita importância, geralmente não serão reclassificados e, por isso, os esqueceremos.
Finalmente temos
a chamada memória operacional, aquela que utilizamos para guardar os dados que precisam ser mantidos somente
durante sua utilização. São usados e, quase de imediato, esquecidos, como aquele número de telefone que nos
disseram e que se vai da memória assim que terminamos de discar.
Quando uma informação se torna consciente, ela
está sendo armazenada nesta memória operacional, seja vinda de fora (um fato novo como o número de telefone que
lemos na agenda) ou um fato remoto, lido ou evocado de dentro da memória recente ou remota (e é esse transporte da
informação de uma das memórias de armazenamento, recente ou remoto, para a memória operacional que no dá a
sensação de algo que subitamente “vem à mente”, ou foi lembrado. Lembrar – ou evocar – é
ler de uma memória de armazenamento e colocar na memória operacional ou consciente.
Uma vez realizadas as
operações com um dado novo, nosso cérebro decidirá se a informação será retida ou não e, em geral, o faz muito bem.
Para isto ele tem os seus critérios: dados colocados na memória durante um momento de emoção costumam ser
importantes e, por isso, geralmente são aprendidos; dados que se relacionam com fatos já na memória, também.
É
por isto que costumamos lembrar o que estávamos fazendo em um momento de emoção: o que estávamos fazendo ou
vestindo quando soubemos que passamos no vestibular não é de fato importante, mas, tendo acontecido em um
momento de forte emoção, é lembrado.
Também é importante se estamos prestando atenção no dado que será
armazenado ou não. A atenção é a capacidade de focalizar ou concentrar nossas operações mentais no dado que está
sendo considerado. Dados que motivam maior atenção costumam ser importantes e, por isso, memorizados.
A
memória é, por fim, uma funções cognitivas ou superiores do cérebro humano. Alterações na memória e nas funções
cognitivas são algumas das características definidoras das Síndromes Demenciais, que discutiremos mais tarde.
Cognição
Embora um pouco difícil de definir, a cognição, ou o conjunto das funções cognitivas, pode ser entendida
como o conjunto daquilo que nos torna humano. De fato, as palavras cognição e conhecimento têm a mesma origem, e
os cientistas deviam estar pensando nelas quando classificou o ser humano como o Homo sapiens, ou o “homem
que sabe”.
Demências: definições e causas
O diagnóstico de demência é um diagnóstico clínico e
preciso, que envolve a constatação de pelo menos dois déficits cognitivos adquiridos, sendo um deles um déficit de
memória. Importante destacar que o déficit cognitivo deve ser adquirido, ou seja, uma deficiência nova. Uma alteração de
muito longa data ou mesmo de nascença exclui-se do critério de demência. Muitas pessoas idosas nos procuram com o
temor de uma síndrome demencial ou mesmo da Doença de Alzheimer por uma dificuldade de memória que tiveram a vida
toda.
Segundo, as síndromes demenciais representam uma alteração intensa: são capazes de atrapalhar a pessoa
nas atividades normais do dia-a-dia. Portanto, não estamos considerando soença uma alteração muito leve que não cause
transtornos.
Finalmente, exclui-se do diagnóstico de demência a alteração potencialmente causada pela depressão
(pseudodemência). Se a alteração, ainda que importante, é causada por depressão, ou se depressão e demência
coexistem, o médico especializado deverá investigar. Normalmente uma distinção difícil, muitas vezes só será possível no
decorrer de um acompanhamento criterioso.
Em geral, a investigação diagnóstica para uma síndrome demencial
envolverá um ou mais testes cognitivos feitos no consultório por médico ou psicólogo especializados e alguns exames
laboratoriais.
A avaliação e o diagnóstico precoce e competente das doenças que causam as síndromes demenciais é
fundamental hoje em dia, não só pelo peso que um diagnóstico da Doença de Alzheimer representa, mas pelo fato de que
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existem síndromes potencialmente curáveis quando diagnosticadas em seu início, e mesmo a Doença de Alzheimer tem
atualmente tratamentos que ajudam em muito o paciente.
Déficit Benigno da Memória / MCI
Esta é
uma doença, recentemente descrita, que merece atenção. Embora não seja considerado normal em idade nenhuma, o
déficit benigno da memória (Mild Cognitive Impairment ou MCI em inglês) não é uma demência, uma vez que é leve,
não causa comprometimento para as atividades da vida diária e não envolve a perda de outras funções cognitivas além
da memória. Como o prejuízo da memória é leve e em geral não progressivo, o portador consegue se ajustar para
funcionar perfeitamente em seu dia-a-dia (ex., com o uso de lembretes caso necessário). Sua importância reside em
dois fatos: em primeiro lugar, é facilmente confundida com um quadro inicial da Doenç de Alzheimer por leigos ou
profissionais que não estejam habituados a diagnosticar o quadro; em segundo, porque seus portadores apresentam
realmente um risco maior de desenvolver a doença de Alzheimer no futuro do que a população em geral. Como a diferença
entre um quadro de MCI e uma Doença de Alzheimer inicial é muito tênue, todo portador de MCI deve realizar um
acompanhamento periódico no médico geriatra, neurologista ou psiquiatra experientes.
Mitos
Antigamente não se viam tantos casos da doença: o estilo de vida moderno está produzido uma legião de portadores de
Alzheimer.
Atualmente vemos um grande número de casos da Doença de Alzheimer. Embora o estilo de vida não
esteja entre elas, existem várias razões para este fenômeno. Vamos a elas:
- Envelhecimento Populacional: nunca pudemos esperar viver tanto como hoje em dia: um número cada vez maior de
pessoas chega às idades mais avançadas, de modo que uma parcela cada vez maior da população é idosa. Como a Doença
de Alzheimer é ligada a (mas não causada pela) idade, sendo rara antes dos 60 anos de idade e chegando a acometer
cerca de 40% das pessoas maiores de 85 anos, quanto mais nossa população puder envelhecer, mais casos de
Alzheimer acontecerão. Trata-se de um subproduto (mais casos da doença) de uma grande conquista das populações do
mundo (mais pessoas poderem viver mais);
- Precisão do diagnóstico: nos últimos anos os critérios para o diagnóstico da Doença de Alzheimer têm-se refinado e
um número maior de médicos é capaz de fazer seu diagnóstico de forma precisa; isto significa que menos casos
deixarão de ser diagnosticados ou perderão muito tempo sem diagnóstico, de forma que teremos contato com um
número maior de pessoas sabidamente portadoras da Doença de Alzheimer.
- Maior sensibilização: até poucas décadas atrás, um segmento muito grande da sociedade (incluindo profissionais de
saúde) acreditava que era normal para o idoso perder memória e grande parte de seu funcionamento intelectual; a partir
deste conceito incorreto, idosos portadores da Doença de Alzheimer evoluíam sem nenhuma suspeita de que algo errado
pudesse estar acontecendo.
- Melhor tratamento: embora a maior causa de demências, a Doença de Alzheimer, ainda seja uma doença
necessariamente incurável e progressiva, novos tratamentos podem levar a uma lentificação neste processo. O bom
tratamento médico, ainda, levará a uma maior sobrevida com a máxima qualidade possível. Unidos, estes fatores
significam que os portadores da doença vivem por mais tempo, ajudando a tornar a doença mais comumente observada.
Resumindo, devido ao envelhecimento da população, existem de fato mais casos da doença, e cada vez
menos pacientes ficam sem diagnóstico, podendo viver mais e melhor a partir do diagnóstico precoce e do tratamento
adequado.
Existem tratamentos?
Esta é uma pergunta fundamental e para respondê-la precisamos
entender que demências é uma síndrome, ou seja, um conjunto de sintomas e não um diagnóstico. Primeiramente
precisamos diagnosticar que causa está levando à síndrome demencial. Existem causas potencialmente reversíveis se
identificadas a tempo, mas a maioria das síndromes demenciais não é reversível. Dentre as causas irreversíveis, a mais
comum é a Doença de Alzheimer, seguida pelas demências vasculares (em que a causa do problema é algum tipo de
alteração na circulação cerebral) e em terceiro lugar pela demência mista (que é a associação entre a Doença de Alzheimer
e uma demência vascular). Além destas, existem diversas outras causas mais raras.
Todas as demências
irreversíveis são passíveis de um tratamento sintomático ou comportamental, com melhora importante de sintomas e de
situações desgastantes para o paciente e sua família. Além disto, existem tratamentos específicos que, embora não curem
nem impeçam a progressão da doença, podem afetar a velocidade de progressão e ajudar o paciente a manter sua
funcionalidade por um período mais longo. Isto é verdade especialmente da Doença de Alzheimer, mas o tratamento
adequado depende de um diagnóstico preciso da síndrome demencial e seu subtipo.
Diante de um diagnóstico
preciso de demência, em primeiro lugar precisamos definir com que tipo de demência estamos lidando. A partir desta
definição, o médico poderá elaborar um plano de tratamento adequado.
Dr. Thiago Monaco
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