1 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS Arabie Bezri Hermont TEMPO E ASPECTO NO DEL Rio de Janeiro 2005 2 ARABIE BEZRI HERMONT TEMPO E ASPECTO NO DEL UFRJ V. I 3 Arabie Bezri Hermont TEMPO E ASPECTO NO DEL 1 v. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Lingüística, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Lingüística. Orientador: Celso Vieira Novaes Rio de Janeiro 2005 4 Hermont, Arabie Bezri. Tempo e aspecto no DEL / Arabie Bezri Hermont. Rio de Janeiro, 2005. xviii, 273 f. Tese (Doutorado em Lingüística) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, 2005. Orientador: Celso Vieira Novaes. 1. Déficit especificamente lingüístico. 2. Sintaxe. 3. Lingüística – Teses. I.Novaes, Celso Vieira (Orient.). II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduação em Letras. III. Título. 5 Arabie Bezri Hermont TEMPO E ASPECTO NO DEL Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2005 ______________________________ (Celso Vieira Novaes, doutor, UFRJ) ______________________________ (Christina Abreu Gomes, doutora, UFRJ) ______________________________ (Márcia Maria Damaso Vieira, doutora, UFRJ) ______________________________ (Renata Mousinho Pereira da Silva, doutora, Faculdade de Medicina/UFRJ) ______________________________ ( Ricardo Joseh Lima, doutor, UERJ) ______________________________ (Lílian Ferrari, doutora, UFRJ) - suplente ______________________________ (Mônica Maria Rio Nobre, doutora, Letras – Vernáculas/UFRJ) - suplente 6 Para Clarisse. Com certeza, você é o meu capítulo mais brilhante! 7 AGRADECIMENTOS Não poderia ser de outra forma: depois de nove anos, em primeiro lugar, devo e quero agradecer ao Professor Celso Vieira Novaes, que me orientou desde o mestrado, e agora no doutorado, nos caminhos da neurolingüística. Agradeço-lhe pela orientação, pela amizade, pelas descobertas e vivências propiciadas durante todo este período em que estive sob sua “guarda”. O meu período de estudos no curso de doutorado na instituição UFRJ começou no primeiro semestre de 2002. Mas, com certeza, a minha formação para o doutorado teve suas raízes bem antes. Portanto, passo aqui a agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma, me ajudaram a chegar a esta etapa e a vencê-la. Agradeço aos professores da minha graduação que me encontraram e me fizeram enxergar os segredos da lingüística. Em especial, ao Professor Marco Antônio de Oliveira, meu professor orientador de Iniciação Científica. Obrigada por ter me ajudado a enveredar pelo reino da lingüística. Obrigada também aos professores das diversas áreas do curso da pós-graduação da Letras da UFRJ, que muito me acrescentaram: em especial à Professora Marília Facó e à Professora Miriam Lemle, na ocasião do mestrado, e à Professora Lilian Ferrari, agora no doutorado. Agradeço ainda à Professora Letícia Maria Sicuro Corrêa, da PUC Rio, que me abriu novos horizontes sobre o campo interessantíssimo da aquisição da linguagem. De forma muito especial, quero agradecer ao amigo Ricardo Joseh Lima. Muito obrigada pelas inúmeras trocas de informações, pelos textos indicados, pelas aulas iluminadoras acerca do minimalismo, pelo incentivo constante! Obrigada à Professora Márcia Maria Damaso Vieira pelos textos sugeridos na ocasião do exame de qualificação. Em muito me ajudaram! 8 Quero, ainda, agradecer aos colegas, sem os quais não sobreviveríamos. Nely, obrigada pela amizade e pelo companheirismo constante na construção dos testes e no diagnóstico das crianças DEL. Patrícia, obrigada por tudo: pela acolhida em sua casa, pelas trocas de idéias e pela amizade. Obrigada também ao Alessandro Boechat, pelos textos sugeridos! Obrigada Marisa Silveira, pelas trocas de idéias acerca do DEL. Rosana do Espírito Santo, obrigada pelas revisões feitas! De forma muito especial, quero agradecer à criança VA e a toda sua família, por terem me recebido de forma tão amável e colaborado incansavelmente durante todo o processo de aplicação de testes. Quero agradecer também às crianças que serviram de controle e a seus pais por terem concedido a oportunidade de aplicação de testes. Agradeço ainda à psicóloga Ana Cecília Araújo de Morais Coutinho por ter aplicado os testes de QI na criança DEL investigada nesta pesquisa, de forma ética e criteriosa. Agradeço também às amigas da Escola Municipal Honorina Rabello, por terem colaborado direta e indiretamente na realização deste trabalho. Em especial, agradeço às diretoras Janaína, Simone, Patrícia e Ivone e à professora Noêmia. Agradeço ainda às profissionais da Escola Estadual Marechal Deodoro, por terem permitido a aplicação de testes em algumas crianças sem problemas de linguagem. Certa vez, alguém me disse que, no período de doutorado, o doutorando deve “trancar sua vida no armário” e viver somente as questões do trabalho a ser desenvolvido. Bom, comigo isso foi quase impossível. Ainda que tenha respirado tese, textos de Chomsky, textos sobre tempo e aspecto, textos sobre DEL, textos sobre testes, os próprios testes e a redação do meu texto, muitas mudanças em minha vida ocorreram e, para eu dar conta de tudo isso, tive que contar com a ajuda de algumas pessoas, que aqui agradeço: minha mãe, obrigada pelo exemplo incansável de perseverança e por me apoiar em todos os momentos difíceis nestes quatro anos. Obrigada Dona Edith, por ter me concedido um “escritório” para desenvolver meu trabalho. Obrigada Anice, por ter me ajudado na apresentação final do trabalho. 9 Obrigada Elma, por cuidar, com tanto carinho, da minha filha nos momentos em que não pude estar presente. Olinta, obrigada por tudo! Quero agradecer, por fim, ao meu marido, que jura que sabe tudo sobre Chomsky, Minimalismo e DEL. Obrigada por me ouvir e por me encorajar durante todo este período de tanto trabalho. 10 RESUMO HERMONT, Arabie Bezri. Tempo e aspecto no DEL. Orientador: Celso Vieira Novaes. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 2005. Tese. Esta tese teve como objetivo principal entender como as categorias funcionais, tempo e aspecto, estão representadas na gramática da criança com déficit especificamente lingüístico. Para realizarmos o objetivo que nos propusemos a cumprir, fizemos um estudo descritivo detalhado, apresentando várias propostas que visam a explicar o status das categorias funcionais na gramática mental das crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Apresentamos, ainda, várias propostas que visam a dar explicações para os fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala da criança DEL. Elaboramos testes de eliciação de tempo e aspecto e aplicamo-nos em uma criança diagnosticada como sendo DEL. Os resultados obtidos após a eliciação nos mostraram que, nas sentenças produzidas por tal criança, ora há presença de morfemas de tempo e de aspecto verbal, ora há somente um desses morfemas. Desta forma, obtivemos muitos dados em que evidenciamos, na fala da criança DEL pesquisada nesta tese, sentenças com somente morfemas de tempo e sentenças com somente morfemas de aspecto. Sugerimos que, nos moldes de Wexler (1998), na gramática da criança DEL há uma propriedade caracterizada por uma restrição de checagem (ou valoração) única de traços. Desta forma, acreditamos ter dado uma explicação para os dados obtidos: ora há somente valoração dos traços de tempo verbal, ora há somente valoração de traços de aspecto verbal. Derivando destes achados, propusemos que a categoria Tempo deva ser dividida, na árvore sintática, em tempo e aspecto. 11 ABSTRACT HERMONT, Arabie Bezri. Tense and aspect in the SLI. Orientador: Celso Vieira Novaes. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 2005. Tese. This thesis had as its main goal understanding the way the functional categories, tense and aspect, are represented in the grammar of the child with Specific Language Impairment. To fulfil the goal we had stated, we took a detailed descriptive study on different proposals that aimed at explaining the status of functional categories in the children’s mental grammar within normal phase of language acquisition. We still present some other proposals that aimed at explaining the linguistic phenomena that occurred in the SLI child’s speech. We elaborated tense and aspect elicitation tests and applied them on a SLI diagnosed child. The results we got after the elicitation showed that in the sentences produced by the SLI child there are sometimes either verbal aspect and tense, or, some other times just one of these morphemes. This way we got a wide range of data in which we found, in the speech of the SLI child researched in this thesis, sentences with just tense morphemes and sentences with just aspect morphemes. We suggest that, according to Wexler (1998), in the grammar of the SLI child there is a propriety characterized by a unique checking constraint (or valuation). Thus thinking, we believe that we have explained the obtained data in a way which either shows there is just valuation of the verbal tense features or just valuation of the verbal aspect features. As a derivation of these findings, we propose that the tense category should be split, in the syntactic tree, into tense and aspect. 12 LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - VERBOS FINITOS E NÃO FINITOS E SUA RELAÇÃO COM QUANTIFICADORES, PARTÍCULAS DE NEGAÇÃO E ADVÉRBIOS EM INGLÊS E FRANCÊS, SEGUNDO ESTUDO DE POLLOCK (1989)........................ ................................................................................59 QUADRO 2 – RELAÇÃO FINITUDE VERSUS CASO, NO ESTUDO DE WEXLER (1998) ..........................................................................................................99 QUADRO 3 – RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM .......................................106 QUADRO 4 – RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE ASPECTO POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM.............................................................................................................115 QUADRO 5 - RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS DEL.....................................................................................................................................147 QUADRO 6 – RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES......................................................................................................179 QUADRO 7 – RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES....................................................................................................................181 QUADRO 8 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES....................................................186 13 QUADRO 9 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES......................................................................................................188 QUADRO 10 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – VA E CONTROLES.......................................................195 QUADRO 11 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – VA E CONTROLES......................................................................................................196 QUADRO 12 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA E CONTROLES................................................................................................................200 QUADRO 13 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA E CONTROLES....................................................................................................................201 QUADRO 14 – RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – DA E CONTROLES................................................................................................................205 QUADRO 15 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – DA E CONTROLES ...................................................205 QUADRO 16 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – DA E CONTROLES.......................................................205 QUADRO 17 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – DA 14 ECONTROLES.................................................................................................................206 QUADRO 18 – SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRETÉRITO PERFEITO/ ASPECTO PERFECTIVO, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR.............................................................................................................................229 QUADRO 19– SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRESENTE/ ASPECTO HABITUAL, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR.............................................................................................................................229 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................................18 1 DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO.......................................................21 1.1 CRIANÇAS COM DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO – CRIANÇAS DEL..........................................................................................................21 1.2 EXEMPLOS DE FALA PRODUZIDA POR UMA CRIANÇA DEL FALANTE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO.............................................................32 1.2.1 O reconto feito pela criança..........................................................................32 1.2.2 Algumas respostas dadas pela criança.........................................................34 1.2.3 Uma entrevista feita com a criança..............................................................34 1.3 QUAL É A ORIGEM DO DEL?....................................................................................37 2 QUADRO TEÓRICO......................................................................................................42 2.1 O PROGRAMA MINIMALISTA..................................................................................42 2.2 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE CATEGORIAS FUNCIONAIS – TEMPO E CONCORDÂNCIA.......................................................................................54 2.2.1 Aspecto verbal.................................................................................................73 3. CARACTERIZAÇÃO DAS GRAMÁTICAS DE CRIANÇAS EM FASE DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM...................................85 3.1 MODELO DE FIXAÇÃO DE PARÂMETROS............................................................85 3.2 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS PRECISAM SER ADQUIRIDAS...................................................................................88 3.3 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS NÃO PRECISAM SER ADQUIRIDAS.........................................................................94 3.4 ABORDAGENS QUE TRATAM DA AQUISIÇÃO DE ASPECTO VERBAL........109 4 CATEGORIAS FUNCIONAIS NA GRAMÁTICA MENTAL DE CRIANÇAS DEL.................................................................................116 4.1 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO COGNITIVO MAIS GERAL...................118 4.2 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO....................................................................120 4.2.1 DEL: Déficit na produção/articulação.............................................................120 16 4.2.2 DEL: Déficit De Processamento Perceptual Ou Hipótese de superfície.............................................................................................................121 4.3 DEL: DÉFICIT LINGÜÍSTICO ESTRUTURAL.......................................................125 4.3.1 DEL: utilização de mecanismos compensatórios..........................................125 4.3.2 DEL: déficit especificamente de concordância..............................................130 4.3.3 DEL: dificuldade com estruturas complexas computacionalmente............134 4.3.4 DEL: comprometimento de princípio de economia......................................137 4.3.5 DEL: omissão de concordância e/ou tempo..................................................141 4.4 REITERANDO OS NOSSOS OBJETIVOS................................................................149 5 METODOLOGIA..........................................................................................................151 5.1 A AMOSTRA...............................................................................................................151 5.1.1 A criança DEL selecionada para esta pesquisa...............................................152 5.1.1.1 Os critérios usados para seleção de VA............................................................154 5.1.2. As crianças sem problemas de linguagem.......................................................156 5.2 OS TESTES .................................................................................................................158 5.2.1 Os testes de eliciação de tempo e de aspecto...................................................159 5.2.1.1 Os contextos criados na elaboração dos testes de eliciação de tempo e aspecto.............................................................................................................159 5.2.1.2 A eliciação de tempo e aspecto.......................................................................161 5.2.1.3 Como interpretar os resultados........................................................................174 5.2.2 Os testes de produção de concordância..........................................................175 6 RESULTADOS...............................................................................................................178 6.1 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E ASPECTO VERBAL..................................................................................178 6.1.1 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e aspecto PROGRESSIVO..........................................................179 6.1.2 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO IMPERFEITO e aspecto PROGRESSIVO............................186 6.1.3 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO PERFEITO e aspecto PERFECTIVO.....................................195 6.1.4 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e aspecto HABITUAL..................................................................199 6.1.5 Outros dados advindos de testes com DEL ratificam os 17 resultados encontrados para VA......................................................................204 6.2 RESULTADOS OBTIDOS APÓS APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE CONCORDÂNCIA VERBAL.....................................................................................208 7. DISCUSSÃO DOS DADOS..........................................................................................211 7.1 UM DIÁLOGO COM OS AUTORES QUE VISAM A EXPLICAR O DÉFICIT LINGÜÍSTICO DO INDIVÍDUO DEL.......................................................................211 7.2 A CISÃO DE TEMPO.................................................................................................215 7.3 ASPECTO ANTES DE TEMPO NA GRAMÁTICA DO DEL?................................222 7.4 A RESTRIÇÃO DE CHECAGEM ÚNICA PARA EXPLICAR OS DADOS DO DEL.............................................................................................................................223 7.5 TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO PARA O SURGIMENTO DE FORMAS ESPERADAS E NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E DE ASPECTO VERBAL...........................................................................227 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................234 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................242 10 ANEXOS...................................................................................................................................250 18 INTRODUÇÃO Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo de desenvolvimento de pesquisas nas áreas que investigam o status das categorias funcionais na gramática mental de indivíduos adultos. Muitos desses estudos têm recebido contribuições de análises de gramáticas de crianças em fase de aquisição de linguagem. E isso tem sido feito em pelo menos duas vertentes: estudo da gramática da criança em fase normal de aquisição da linguagem e estudo da gramática da criança com Déficit Especificamente Lingüístico ou criança DEL. As crianças DEL demonstram dificuldade na aquisição da linguagem, embora não tenham outros comprometimentos, tais como auditivo, neurológico ou de inteligência. A idéia é que tais crianças tenham, como o próprio nome aponta, problemas exclusivamente na aquisição da linguagem. Por isso, estudos da gramática do indivíduo DEL podem contribuir para um melhor entendimento das teorias que visam a estudar a organização da linguagem e seu desenvolvimento, perspectiva na qual se insere a Teoria Gerativa. Esta pesquisa adotará, como quadro teórico, os pressupostos da Teoria Gerativa, a qual assume que o conhecimento lingüístico pode ser explicado levando-se em conta a natureza da mente e, ao trabalhar a questão da linguagem, aponta a existência de um conhecimento inato, codificado biologicamente, que é a Gramática Universal. Além do pressuposto inatista, a gramática gerativa assume que a mente é organizada em módulos e que a faculdade da linguagem é um desses módulos. A faculdade da linguagem, por sua vez, é vista como modular, sendo a sintaxe, um módulo constituinte da faculdade da linguagem. Outro pressuposto da gramática gerativa é que ela seria regida pelo critério da universalidade, no sentido de que há princípios gerais que explicam a organização das línguas naturais. Mas, se a Gramática Universal estabelece que há princípios universais, indica também que há parâmetros a serem escolhidos. Chomsky tem afirmado em diversos escritos 19 que os parâmetros são motivados por diferenças morfológicas, o que tem estimulado o desenvolvimento dos estudos sobre as categorias funcionais. O que se pensava em relação às categorias funcionais, como sendo um conjunto de traços ocupando um mesmo nódulo na gramática mental, passou a ser encarado, depois de Pollock (1989), como algo que poderia ser dividido: ou seja, os traços de tempo e de concordância estariam separadamente representados. Detendo-nos um pouco mais em estudos acerca da categoria flexional tempo, podemos indicar que ela seria aquela que resguardaria noção de tempo verbal, mas também de aspecto verbal. Tempo, nesta perspectiva, situaria o momento de ocorrência de uma dada situação no passado, no presente ou no futuro. Já aspecto verbal estaria ligado a diferentes formas de verificar a constituição temporal interna da situação, ou seja, sua duração: se conclusa ou se inconclusa. O objetivo desta tese, portanto, é entender como as categorias, tempo e aspecto, estão representadas nas gramáticas de crianças com déficit especificamente lingüístico, contribuindo, então, para a discussão a respeito da representação de tais categorias na gramática de indivíduos adultos sem problemas de linguagem. Para tanto, faremos um estudo de caso, no qual verificaremos as categorias ora delineadas na fala de uma criança diagnosticada como DEL. A hipótese estabelecida nesta tese é que a camada flexional é dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra de natureza aspectual. Este trabalho está organizado da seguinte forma: no primeiro capítulo, apresentamos a caracterização do déficit especificamente lingüístico, trazendo abordagens que sugerem a hipótese da hereditariedade da dificuldade em adquirir linguagem. No capítulo 2, explicitaremos o quadro teórico, no qual este trabalho se baseia. Nele, apresentaremos pressupostos básicos acerca dos Princípios & Parâmetros dentro do Programa Minimalista e faremos um histórico dos estudos acerca das categorias funcionais sob a perspectiva 20 gerativista. No capítulo 3, apresentaremos abordagens que visam a dar uma caracterização das gramáticas de crianças em fase de aquisição de linguagem. No capítulo 4, apresentaremos várias propostas que visam a explicar o déficit gramatical das crianças DEL. No capítulo 5, apresentaremos a metodologia para a realização da nossa pesquisa. Em seguida, no capítulo 6, apontaremos os resultados dos testes aplicados e, no capítulo 7, apresentaremos uma discussão acerca dos dados obtidos em nossa pesquisa, fazendo uma proposta de cisão da categoria tempo na árvore sintática, em tempo e aspecto. Apresentaremos também uma explicação para a ocorrência e não ocorrência de morfemas relativos à flexão de tempo e de aspecto na gramática de crianças DEL. Por fim, no capítulo 8, faremos as considerações finais. 21 1 DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO Este capítulo tem o objetivo de apresentar uma visão geral a respeito das “crianças com déficit especificamente lingüístico” ou crianças DEL. Serão apontadas algumas características a respeito dos indivíduos que têm tal dificuldade de linguagem e, em seguida, serão apresentados alguns trechos de falas da criança DEL investigada neste estudo, para que seja possível uma melhor compreensão do que vem a ser a fala de uma criança DEL. Na seção posterior, serão revisadas algumas evidências que sustentam a sugestão de causa genética para a dificuldade em adquirir linguagem por parte de algumas crianças em fase de aquisição de linguagem. 1.1 CRIANÇAS COM DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO – CRIANÇAS DEL SLI - Specific Language Impairment -, traduzido para o português como Déficit Especificamente Lingüístico – doravante DEL -, diz respeito à dificuldade de algumas crianças ao adquirir a língua. Os estudos sobre DEL são feitos há cerca de 150 anos e o déficit já teve várias denominações. O DEL já foi conhecido como afasia congênita, desenvolvimento atrasado da fala, afasia infantil, afasia do desenvolvimento ou, ainda, disfasia do desenvolvimento. Este último termo surgiu porque o prefixo “a-” de “afasia” implicava ausência de linguagem, o que não correspondia aos fatos, e o prefixo “dis-” designaria somente problemas de linguagem. O termo, cuja abreviação é DEL, é mais usado nos dias de hoje, fazendo alusão ao fato de que as crianças com tais problemas de linguagem teriam, em princípio, problemas exclusivamente lingüísticos. 22 Conforme apontado, os estudos sobre DEL não são novos. Já em 1822, Gall (17581828) publicou uma descrição de crianças que tinham problemas de linguagem, mas que não pareciam ter problemas de outra natureza. There are many children... who do not speak to the same degree as other children althougt they understand well or are far from being idiotic. In these cases the trouble lies not in the vocal organs, as ignorant sometimes insist, and still less in the apathetic state of the subject. Such children, on the contrary, show great physical vivacity. They not only skip about but pass from one idea to another with great rapidity. If one holds them and pronounces a word in their ear, they repeat it distinctly. 1(GALL in LEONARD, 1998, P.5-6) Outro trabalho pioneiro que é bastante indicado na literatura sobre DEL foi realizado por um neurologista alemão, Albrecht Liebmann (in Clahsen et al., 1997b, p. 151 e Leonard, 1998, p.6), que observou, em 1901, uma desordem ou atraso na aquisição da linguagem que é caracterizada por vários problemas no desenvolvimento normal da morfossintaxe em sujeitos que não pareciam ter déficits não lingüísticos claros. Liebmann (op. cit.) denominou esta síndrome de Agrammatismus infantilis, pois ocorria freqüentemente em crianças e elaborou uma classificação básica dos sintomas lingüísticos, além de distinguir três tipos de comprometimento. O primeiro tipo dizia respeito ao déficit ligado à dificuldade motora propriamente dita. O segundo tipo relacionava-se às crianças que poderiam compreender poucas palavras. O terceiro tipo apontado por Liebmann envolvia crianças que perdiam completamente a habilidade de compreender linguagem. Ainda neste último caso, o neurologista indicou que as crianças com tal dificuldade lingüística combinavam palavras não flexionadas para formar pequenas sentenças. Um outro estudo que apresentou caracterizações acerca da noção de DEL data de 1964 e foi feito por Benton, o qual apontou DEL como afasia infantil e indicou o distúrbio como sendo: The relative specific failure of the normal growth of language functions... the disability is called a 'specific' one because it cannot readily be ascribed to those 1 Há várias crianças... que não falam na mesma proporção que as outras crianças, embora elas entendam bem ou estejam longe de ser idiotas. Nestes casos, o problema reside não nos órgãos vocais, como o ignorante algumas vezes insiste, e ainda menos em estado de apatia do sujeito. Tais crianças, pelo contrário, demonstram grande vivacidade física. Elas não só pulam, como também passam de uma idéia para outra com grande rapidez. Se alguém as chama e fala uma palavra em seu ouvido, elas repetem-na distintamente. (Tradução nossa.) 23 factors which often provide the general setting in which failure of language development is usually observed, namely, deafness, mental deficiency, motor disability or severe personality disorder.2 (BENTON, 1964 in TOMBLIN, 1997, p. 91) Avançando um pouco mais na discussão, podemos apresentar Benson e Geschwind (1985) que estudaram os sintomas mais freqüentes na fala do indivíduo DEL: output verbal esparso (menos que 50 palavras por minuto), considerável esforço para produzir palavras, articulação pobre de sons da fala, uma tendência a produzir frases de comprimento pequeno (freqüentemente uma palavra), perda de alguma melodia (disprosódia) e qualidades flexionais da linguagem, além de uma tendência a usar somente palavras de conteúdo significativas. Um traço saliente é o agramatismo, ou seja, uma tendência a omitir terminações sintáticas, tais como tempo verbal e plurais. Enfim, o que se percebe, nos estudos sobre DEL, é que há uma percepção de que o desenvolvimento lingüístico que ocorre na criança DEL difere daquele que ocorre com crianças sem problemas de linguagem. Ainda que os sintomas citados acima sejam comuns e aceitos pelos estudiosos da área, o critério de diagnóstico não é claramente definido. De um modo geral, o critério específico para diagnosticar uma criança DEL é feito pela exclusão. Ou seja, a criança DEL tem dificuldade em relação à aquisição de linguagem, embora não deva ter problema de retardamento mental ou autismo, problemas nas habilidades motoras ou, ainda, surdez. Além disso, é consenso que a criança DEL deva ter seu quociente de inteligência (QI) não verbal3 igual ou superior a 85. Se a criança não tiver nenhum dos distúrbios assinalados, tiver o QI indicado e, além disso, tiver dificuldade na aquisição de linguagem, ela pode ser caracterizada como DEL. 2 “A falha específica da aquisição normal das funções da linguagem... A falta de habilidade é chamada de "específica" porque não pode ser prontamente descrita por aqueles fatores que freqüentemente fornecem pistas para a configuração de uma falha do desenvolvimento da linguagem, tais como surdez, deficiência mental, não habilidade motora ou severa desordem na personalidade”. (Tradução nossa). 3 O QI (quociente de inteligência) não verbal, em contraposição ao QI verbal, é aquele que mede a inteligência de um indivíduo em atividades que não requerem a linguagem. 24 Abaixo, explicitaremos cada um dos critérios normalmente usados para o diagnóstico do DEL, baseando-nos em Leonard (1998). Vários comprometimentos neurológicos podem levar um indivíduo a ter problemas de linguagem. Portanto, para que se faça um diagnóstico do DEL de forma adequada, descarta-se a criança que tem problemas de tal natureza. Dessa forma, a criança, para ser considerada DEL, não pode ter tido traumatismos ou lesões cerebrais. Além disso, a criança DEL não deve ter sintomas de interação social recíproca comprometida ou restrições de atividades listadas como critérios para o diagnóstico de autismo. As crianças com anormalidades na estrutura e função orais não são incluídas na categoria DEL. Conforme Leonard (op. cit., p 18) nos indica, um screening das habilidades orais constitui uma parte regular da bateria de diagnóstico de DEL. Os movimentos orais devem incluir arredondamento e fechamento de lábios, abaixamento de lábio inferior, projeção da língua para fora da boca e movimento da língua de um lado para outro. Vale dizer que todos estes movimentos já são bem controlados por crianças em fase normal de aquisição de linguagem aos três anos e meio. A classificação de um indivíduo DEL também deve descartar qualquer problema de sensibilidade auditiva. Por isso, muitos pesquisadores e profissionais da saúde que trabalham no diagnóstico do DEL pedem para o paciente fazer uma verificação da audição. De um modo geral, o exame requer que a criança detecte tons puros apresentados em 20 decibéis em cada ouvido, na freqüência de 500, 1000, 2000 e 4000 hertz. Um dos critérios principais para que seja feito um diagnóstico apropriado do indivíduo DEL está relacionado à marcação do QI não verbal, que, conforme já dito, não deve ser inferior a 85. Entretanto, muitos trabalhos que investigam habilidades não lingüísticas em crianças DEL parecem apresentar dados indicando que tais crianças têm um desempenho, às vezes, inferior ao desempenho de crianças sem problemas de linguagem da mesma idade ou de crianças que têm, em sua fala, o mesmo número de palavras por minuto (MLU: Mean 25 Lenght Utterance4). Para os investigadores que implementam testes dessa natureza, o comprometimento lingüístico deve-se a um comprometimento maior, nas habilidades cognitivas. Em contraposição, para outros pesquisadores, há a visão que os dois sistemas podem até estar comprometidos, mas isso não ocorreria porque eles são integralmente relacionados. Nesta perspectiva, os dois sistemas seriam considerados independentes. É importante dizer que, a despeito de haver um consenso de que existem crianças com o déficit especificamente lingüístico, não há consenso em relação a um perfil homogêneo da criança DEL. Antes, a classificação de DEL pode (e certamente o faz) apresentar um alto grau de heterogeneidade dentro da categoria. Isso porque a criança com DEL ora apresenta problemas relativos à produção lingüística, com compreensão preservada, ora apresenta as duas habilidades comprometidas. Em outros momentos, em relação a crianças sem problemas de linguagem, algumas crianças DEL são mais atrasadas na aquisição de morfemas gramaticais e outras crianças podem apresentar os mesmos problemas lingüísticos, mas de forma mais branda. Esta variabilidade pode ser refletida em vários outros domínios da linguagem. Segundo Leonard (op. cit., p. 23), DEL é uma terminologia para classificação de crianças com problemas de linguagem. Entretanto, para o autor, tal denominação deve mudar até o momento em que as categorias de diagnóstico do DEL sejam refinadas. Para Leonard, há subgrupos de DEL. Dentro deste espírito, van der Lely e Stollwerck (1996) vão além. Em seu artigo, identificam um grupo de crianças DEL, que elas denominam de crianças DEL Gramatical. A dificuldade dessas crianças estaria relacionada à morfologia flexional. Tais indivíduos, por exemplo, omitiriam, freqüentemente, marca de tempo e concordância entre sujeito e verbo. Para Leonard (op. cit., p. 184), um dos pontos que pode desencadear a constatação de vários subtipos de crianças DEL, dentro de uma categoria maior de crianças com problemas 4 Na subseção 5.1.2, apresentaremos mais esclarecimentos do que vem a ser MLU. 26 lingüísticos, estaria relacionado à marcação do QI em 85 ou mais. Ou seja, algumas crianças DEL podem ter QI 85, outras 90. Entretanto, uma fronteira de inteligência tem que ser demarcada e, conforme nos assinala o autor, os participantes de pesquisas classificados como sendo DEL que tiverem a marcação de QI de no mínimo 85 estão seguramente livres de serem associados ao retardamento mental. Do ponto de vista das categorias de diagnóstico, a variação entre 70 e 84 constitui um tipo de “marcação de fronteira” da inteligência. Um diagnóstico de retardamento mental leve requer um QI oscilando entre 55 e 69. Embora os comprometimentos da linguagem sejam, de um modo geral, heterogêneos, algo em comum nesses comprometimentos da linguagem é que as crianças apresentam sinais de problemas logo no começo de sua aquisição da linguagem. É fato comum pais de crianças DEL queixarem-se que sua criança é lenta para começar a falar. Indicam também que não observam, em seus filhos, uma evolução da linguagem freqüentemente observada em crianças entre 18 e 24 meses. Esse atraso no início da aquisição da linguagem e no desenvolvimento da linguagem persiste na pré-escola e nos anos escolares seguintes. Há inclusive evidências de resíduos de dificuldades relacionadas à linguagem na fase adulta, conforme nos traz Tomblin, Freese e Records (1992). Segundo Leonard (op. cit., p. 183), nem todas as crianças que começam a falar mais tarde serão diagnosticadas como sendo DEL, mas, de acordo com pesquisas, cerca de 1/4 à metade de tais crianças serão diagnosticadas como DEL em idade escolar. Na verdade, a população de crianças DEL em idade escolar perfaz um total de cerca de 7% das crianças. Este não é um universo pequeno e muitos pesquisadores, quando vão em busca de crianças DEL para serem investigadas, procuram-nas inicialmente em escolas. Um dos fatores que ajudam na detecção das crianças DEL em ambientes escolares é que, muitas vezes, essas crianças também apresentam problemas na aquisição de leitura e de escrita (cf. Leonard, 1998). 27 Para Rice e Wexler (1995), uma idade boa para diagnosticar-se o DEL é por volta de cinco anos, pois, nesta ocasião, espera-se que o desenvolvimento morfológico das crianças já corresponda ao da gramática do adulto. A fim de dar mais dados acerca da linguagem do indivíduo DEL, abaixo, passamos a explicitar sobre as características fonológicas, lexicais e morfossintáticas da fala da criança DEL. De acordo com Leonard (op. cit., p. 71), durante os anos escolares, se as crianças têm problemas nas habilidades lexicais e morfossintáticas, elas quase sempre demonstram uma dificuldade nos aspectos fonológicos também. Se, por outro lado, elas são identificadas por seus problemas fonológicos inicialmente, a maioria também terá problemas em outros domínios da linguagem. Para o autor, as crianças DEL, embora adquiram os fonemas de um modo geral mais tardiamente que as crianças em fase normal de aquisição de linguagem, elas adquirem os fonemas /n/, /m/, /b/ e /w/ primeiramente em relação aos fonemas /s/ e /v/, por exemplo. Em Leonard (op. cit., p. 74), há a apresentação de alguns processos fonológicos que ocorrem na fala de crianças em fase normal de aquisição de linguagem, a saber: redução de grupos de consoantes (por exemplo, snow é falado como [no]), apagamento de consoante final (por exemplo, boat é falado como [bo]), transformação de uma líquida em glide5 (por exemplo, read é falado como [wid]); um som pré-vocálico surdo é sonorizado (por exemplo, two é falado como [du]); preferência por sons oclusivos (por exemplo, food é falado como [pud]); assimilação da velar (por exemplo, dog é falado como [gog]); apagamento de sílaba fraca no início da palavra (por exemplo, away é falado como [we]). Segundo o autor, todos estes processos são presentes, uns mais outros menos, na fala da criança DEL, sendo que alguns processos podem continuar na fala do DEL até a fase adulta. 5 Glide é um termo em inglês usado em FONÉTICA para indicar um som de TRANSPOSIÇÃO quando os ÓRGÃOS DA FALA se movimentam em direção a uma ARTICULAÇÃO ou se afastam dela (...). Como não são nem CONSOANTES nem VOGAIS, os glides costumam ser denominados semiconsoantes ou semivogais (têm uma QUALIDADE vocálica e uma DISTRIBUIÇÃO consonantal). São exemplos o [“i”] e o [“u”] de poleiro, coisa e pauta. (Crystal, 2000, p.126). 28 Em relação às habilidades lexicais, conforme já apontado, as crianças DEL apresentam, em suas falas, as primeiras palavras muito tardiamente, relativamente às crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Em van der Lely (1997), a criança DEL por ela investigada, aos cinco anos, falava apenas três palavras: “mamãe”, “papai” e um nome próprio. De acordo com Leonard (op. cit., p. 44), para as crianças DEL, a combinação de duas ou mais palavras ocorre por volta dos 37 meses, sendo que o mesmo ocorre por volta dos 17 meses para as crianças sem problemas de linguagem. De um modo geral, as crianças DEL compreendem e produzem mais nomes que verbos e, de forma geral, compreendem melhor que produzem tais palavras. Leonard (op. cit.) apresenta ainda pesquisas nas quais as crianças DEL são mais lentas ou mesmo mais incapazes que crianças em fase normal de aquisição de linguagem para encontrar a palavra adequada em situação de teste que visava a levar a criança a nomear determinados objetos em um quadro. O autor indica também que as crianças DEL apresentam mais cedo verbos indicando ações intransitivas em detrimento de ações transitivas. As crianças DEL ainda omitem mais sujeitos do que objetos de sua sentença. Em relação aos aspectos morfossintáticos, inúmeros trabalhos foram realizados, principalmente nas últimas décadas. Os objetivos, de um modo geral, dentre outros, eram os de verificar, na fala do DEL, ordem de palavras, o uso da flexão de concordância e da flexão de tempo em verbos, além do uso de verbos auxiliares e de pronomes. No que diz respeito à ordem de palavras, Paul e Fisher (1985, in Leonard, (1998)) realizaram um teste de compreensão com sentenças ativas e passivas. As crianças DEL saíram-se melhor nas tarefas em que se tinha que compreender as sentenças ativas. Em relação à flexão de concordância e de tempo em verbos e ao uso de verbos auxiliares, podemos citar Rice, Wexler e Cleave (1995). Neste trabalho, ficou evidenciado que as crianças DEL revelaram um desempenho inferior ao das crianças em fase normal de 29 aquisição de linguagem no uso de tempo passado de verbos regulares, de concordância para terceira pessoa do singular, e de cópulas e auxiliares, do tipo “be”. Se por um lado o tema que diz respeito ao comprometimento de uso de tempo verbal no passado, na fala da criança DEL, é quase ponto pacífico, há propostas de explicações para o fenômeno que são bastante distintas entre si. No capítulo 4, apresentaremos, de forma detalhada, várias abordagens que nos falam sobre a aquisição de tempo passado por parte de crianças DEL. Somente a título de complementar a descrição sobre DEL, feita nesta seção, apresentaremos sucintamente algumas delas. Gopnik e Crago (1991), além de verificarem problemas no uso de tempo passado na fala do DEL, verificaram comprometimento também de aspecto verbal. Para as autoras, os indivíduos DEL não teriam as regras regulares de flexão. Jakubowicz e Nash (2001) igualmente consideram que as crianças DEL têm mais problemas com estruturas com tempo verbal no passado do que com tempo verbal no presente. Para elas, as primeiras seriam mais difíceis de serem produzidas por crianças DEL do que aquelas em que o tempo verbal está no presente. Vale dizer que o trabalho das autoras foi baseado em estudo de dados em língua francesa. Temos ainda a abordagem de van der Lely (1998), que apresenta uma proposta de explicação para o déficit lingüístico de crianças DEL, no qual um comprometimento no uso de tempo verbal no passado estaria ligado a uma falha em um dos princípios de economia, mais precisamente no segundo princípio de economia do Último Recurso6. Rice e Wexler (1995), Wexler, Schütze e Rice (1998), Wexler, Schaeffer e Bol (2004) consideram que o problema lingüístico dos indivíduos DEL está ligado a uma extensão do período crítico, período dentro do qual a criança deveria adquirir linguagem sem esforço, como ocorre com a aquisição de língua materna por parte de crianças sem problemas de linguagem. A criança DEL, neste caso, estenderia o processo por um tempo 6 Veremos os conceitos de Princípios de Economia no capítulo 2. 30 mais longo ou indefinidamente. Conforme dito, tais abordagens serão mais bem detalhadas no capítulo 4. Há um autor para o qual as crianças DEL não apresentam problemas de flexão de tempo passado em verbos: Clahsen (1989) e outros trabalhos em que se insere. Para ele, as crianças DEL apresentariam problemas concernentes à concordância e toda sua abordagem gira em torno deste ponto de vista. Contrariamente a Clahsen (op. cit.), Rice e Öetting (1993) elaboraram um teste e aplicaram-no em crianças DEL e em crianças com o mesmo MLU das crianças DEL, a fim de verificar o uso de plural em nomes, marcado por “-s”, e o uso da flexão de terceira pessoa no singular, igualmente marcado por “-s”. Embora as crianças DEL tenham se saído um pouco pior que as crianças controle, ambos os grupos tiveram um desempenho acima da chance, 83% para as crianças DEL e 93% para as crianças controle. Ou seja, para Rice e Öetting (op. cit.), as crianças DEL não teriam problemas com concordância. Ainda no que concerne à flexão verbal, Leonard (1998, p. 67) nos traz que a flexão verbal -ing parece ser adquirida pelas crianças DEL desde muito cedo e na mesma proporção que as crianças sem problemas de linguagem. Podemos ainda assinalar que algumas pesquisas foram desenvolvidas a fim de verificar o uso de pronomes e a designação de caso. Wexler, Schütze e Rice (1998) e Loeb e Leonard (1988) constataram um uso de formas acusativas no lugar de formas com caso nominativo. Por exemplo, as crianças em fase inicial de aquisição de linguagem e as crianças DEL produziram, em cada uma das pesquisas, sentenças como Her liking mummy, no lugar de She likes mummy. Vale ainda dizer que grande parte do uso inapropriado de morfemas gramaticais por parte de crianças DEL diz respeito à omissão e não à substituição, ainda que estes últimos possam ocorrer, talvez em escala menor. No Brasil, temos conhecimento de apenas dois trabalhos que versam sobre a gramática do DEL. O primeiro pretendeu realizar uma avaliação preliminar do DEL em crianças falantes 31 do português: uma tese de mestrado, de Silveira (2002). Com base na análise de manifestações de DEL em diferentes línguas, a autora fez uma previsão do que poderia vir a ser problema lingüístico para o DEL falante do português e, em seguida, elaborou e aplicou alguns testes em quatro crianças com suspeita de DEL. Na pesquisa ora explicitada, a autora avaliou a compreensão de relativas, passivas, reflexivos, interrogativas QU, o reconhecimento e a produção de formas flexionadas em gênero e número, o processamento da concordância de gênero e número no DP e o efeito de informação relativa a gênero no processamento sintático. A avaliação de todas as habilidades de processamento sintático revelou que o desempenho das crianças com suspeita de DEL foi, de uma maneira geral, inferior ao das crianças sem queixas de problemas de linguagem, com as quais as crianças com suspeita de DEL foram comparadas. O outro trabalho sobre crianças DEL falantes do português brasileiro é o de Macacchero (2004), que fez um estudo sobre as categorias tempo e aspecto na fala de tais crianças e evidenciou alguns problemas no que diz respeito à produção de tais constituintes. Ou seja, as crianças DEL investigadas neste trabalho tiveram um desempenho pior que as crianças sem problemas de linguagem na produção dos morfemas relativos às categorias tempo e aspecto verbal. Na próxima seção, apresentaremos dados advindos de fala espontânea por parte de uma criança diagnosticada como DEL, falante do português, e que foi selecionada para fins desta tese. 1.2 EXEMPLOS DE FALA PRODUZIDA POR UMA CRIANÇA DEL FALANTE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO A fim de tornar mais clara a nossa exposição sobre o que vem a ser DEL, apresentamos trechos da fala da criança DEL pesquisada neste trabalho. Inicialmente, apresentaremos um reconto, feito pela criança, de uma história anteriormente contada pela 32 pesquisadora (a história contada à criança está no anexo D e denomina-se “Beco Barroso e o gato”). Posteriormente, exibiremos partes dos testes que aplicamos nesta pesquisa e trechos de uma entrevista feita com a criança, a fim de demonstrarmos o desempenho na produção de tempo verbal por parte da criança DEL investigada. 1.2.1 O reconto feito pela criança: “O cachorro mora na casa. Está muito com fome. O cachorro está comendo. O cachorro está brincando. O cachorro joga o osso pro alto. O Zeca invém uma coisa na mão. O Zeca pediu que é um cachorro. O Beco tem medo do gato. O gato arranha o cachorro. Beco esconde atrás do Zeca. O gato come a comida do Beco. O gato (algo que não dá para entender). O Beco tá muito triste tá do gato. O Zeca só tá brincando mais o gato. O Zeca não tá dando mais carinho para Beco. Zeca mandou o Beco saí para fora. Correu para caminhão para tomar leite. O gato pulou no caminhão. O homem fechou a porta. O Beco tá muito feliz o gato foi embora. O Zeca tá caçando o gato para todo. Não achou. O Beco falou assim ia brincar com Zeca e não ficar triste. Mesmo assim, não adiantou nada. Começou puxa o Zeca para fora. Correndo atrás do caminhão. O Zeca ficou feliz. O gato tratou do Beco e Beco foi falando agora tinha dois amigo.” Não apresentaremos aqui os problemas fonológicos da criança neste reconto, tendo em vista que as características dessa natureza serão mais bem traçadas no capítulo destinado à metodologia. Podemos, entretanto, adiantar que a criança tem a estrutura oral normal e todos os pontos de articulação preservados. Passemos a verificar os aspectos morfossintáticos. Neste reconto, podemos observar que houve omissão de vários itens, tais como: a) preposição, como em “O Zeca invém uma coisa na mão” e “O Beco tá muito triste tá do gato”. O mais provável era ouvirmos “O Zeca invém com uma coisa na mão” e “O Beco tá muito triste com o gato”, respectivamente; b) elemento QU-, como em “O Beco tá muito feliz o gato foi embora”, “O Beco falou assim ia brincar com Zeca e não ficar triste” e “...Beco foi falando agora tinha dois amigo”. O mais provável era ouvirmos, respectivamente, “Beco tá muito feliz que o gato foi embora”, “O Beco falou que ia brincar com Zeca e não era para ele ficar triste” e “O Beco foi falando que agora ele tinha dois amigos”; 33 c) artigo, como em “Correu para caminhão”, em que esperaríamos ouvir “Correu para o (ou “pro”) caminhão”. Ocorre também omissão de sujeito, como em “Correu para caminhão” em que o sujeito é “o gato”. Em outro caso, omitiu-se não só o sujeito, como também o auxiliar, como em “Correndo atrás do caminhão”. Verificamos, por fim, uma perda de linha melódica na fala da criança. Nesta fala da criança, em específico, conseguimos verificar dificuldades na flexão de tempo, como no caso citado acima “Correndo atrás do caminhão”, em que o auxiliar seria a marcação morfológica de tempo e, em “Começou puxa o Zeca para fora”, em que a criança deveria ter colocado o verbo “puxar” no infinitivo e, no caso, ela o flexionou no presente. Na próxima subseção, verificaremos um pouco mais acerca de tal fenômeno. 1.2.2 Algumas respostas dadas pela criança DEL A fim de demonstrarmos alguns problemas na produção de tempo passado verbal, apresentamos algumas respostas dadas pelo menino DEL investigado nesta pesquisa em situação de teste de eliciação7. Por exemplo, na bateria 5 dos testes de eliciação de tempo pretérito imperfeito com aspecto progressivo, foi dado o seguinte estímulo: a pesquisadora apresentava uma série de gravuras e dizia que elas se referiam a um acampamento feito pelos sobrinhos do Pato Donald no dia anterior ao da aplicação dos testes. Em seguida, a pesquisadora fazia algumas perguntas, do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Em alguns casos, o menino respondia com o verbo principal no gerúndio, por exemplo, “Olhando a flor”, no lugar de “O patinho estava olhando a flor”, omitindo, portanto, o auxiliar, que seria aquele constituinte que resguardaria a noção de tempo passado. Em outras situações, o menino 7 Eliciação é um tipo de teste que visa a provocar o surgimento de uma dada expressão lingüística. Na subseção 5.2.1.2, traremos, com mais detalhes, as características deste teste. 34 respondia com o auxiliar no tempo presente, como por exemplo: “Tá olhando a borboleta”, no lugar de “O patinho estava olhando a borboleta” (cf. capítulo 6). Até agora, apresentamos dados que nos apresentam problemas com flexão verbal por parte do menino investigado nesta tese, dados estes obtidos a partir de reconto de história e de observação de gravuras. A seguir, apresentaremos dados que nos acenam dificuldades com flexão verbal por parte da mesma criança, mas que foram obtidos em uma situação natural: a de um bate-papo. 1.2.3 Uma entrevista feita com a criança DEL Ainda com o intuito de demonstrar a dificuldade com flexão verbal, apresentamos, abaixo, uma parte da entrevista feita com a criança DEL investigada neste trabalho. Importante dizer que “E” significa “entrevistadora” e “C” significa “criança”: E: O que aconteceu ontem na sua casa? C: Eu e a Viviane saiu. E: O que aconteceu? C: Fomo lá no B e chegou, almoçamos e saiu, almoçamo na casa da minha vó. Ver minha irmãzinha. E: Como chama sua irmãzinha? C: Greiciele. E: Você gosta dela? C: Gosto. E: Ela é boazinha? C: É. E: Com qual irmã você combina mais? C: Greiciele. E: Que idade que ela tem? C: Três anos. Ela bate gente. E: Ela é pequenininha, né? E: E o que que aconteceu com sua mãe ontem? C: Ficou só em casa. E: O que que ela ficou fazendo dentro de casa? C: Arrumou casa, lavou vasilha e fez comida. E: Sua mãe trabalha, hein? C: É. E: Você ajuda ela? C: Balança a cabeça, dizendo que não. 35 E: Quem ajuda ela mais? C: Ajudou mais minha irmã. O meu pai às vezes faz comida. (...) E: E o que seu pai fez ontem? C: Saiu pescar peixe na lagoa azul. E: Pegou? C: Não. E: Nada? C: (Não com a cabeça) E: Onde que é, hein? C: Perto de casa. E: E agora, o que o Leandro (o irmão) está fazendo agora? (a parte em negrito quer dizer que foi acentuada pela entrevistadora) C: Saiu. Ficou dia inteiro na rua. E: Eu estava falando de ontem. Estou falando de agora. C: Agora, eu não sei. E: Mas o que que você imagina? C: Assistindo televisão. E: E a Viviane? C: Deve tá arrumando casa... arrumando a casa... E: E o seu pai? C: Pai? E: O que que ele tá fazendo agora? Você não tem idéia não? C: Não sei. Deve tá dormindo. Ele não começou a trabalhar. E: O seu pai trabalha de quê? C: Servente. E: Restaurante, escola? C: Ele trabalhava na construção, mas acabou. E: Mas ele tá sem serviço agora? C: Tá. E: E o que que sua mãe tá fazendo agora? C: Agora, tá ali fora. E: E você, o que que você está fazendo agora? C: Agora? E: É. C: Estou brincando com esqueleto8. Neste trecho da entrevista, percebemos que houve algumas dificuldades na flexão de tempo, como em “Fomo lá no B e chegou, almoçamos e saiu, almoçamo na casa da minha vó. Ver minha irmãzinha” e, na resposta à pergunta “Quem ajuda ela mais?”, obteve-se “Ajudou mais a minha irmã”. No primeiro caso, talvez o que tenha sido problemático seja a possível 8 Em uma etapa anterior a esta entrevista, a pesquisadora, a fim de conseguir mais falas espontâneas por parte de VA, havia entregado-lhe dois bonecos – “He Man” e seu rival “Esqueleto”, personagens de desenho animado, apreciado pelo público masculino infantil. A solicitação era que ele desenvolvesse uma encenação com os dois bonecos. Mas o menino se negou a fazer o que era pedido-lhe. Partiu-se, então, para a entrevista, mas o boneco ainda estava na mão da criança. 36 omissão de uma preposição “para” anterior a “ver” ou talvez o que a criança queria ter dito é “fomos ver minha irmãzinha”, havendo, então, a omissão de “fomos”. No segundo caso, em que o menino falou “Ajudou mais a minha irmã”, claramente, houve uma resposta não esperada, no pretérito perfeito, para uma pergunta feita com verbo no presente do indicativo, com aspecto habitual. Na literatura a respeito de flexão verbal na gramática do DEL, este tipo de forma verbal quase não ocorre: ou seja, quase não há substituição de presente por passado. Ainda que este exemplo tenha sido dado aqui, VA, nos testes feitos para esta pesquisa, quase não apresentou formas em que houve trocas de presente por passado. A despeito disso, a criança DEL parece ter preservado o conceito semântico de tempo, pois soube adequar sua fala, situando-a corretamente no momento em que a entrevistadora disse “ontem” e “agora”. Pudemos constatar, ainda nesta entrevista, que, além de ter sido estimulada a falar a todo momento, a criança DEL investigada neste estudo usa poucas palavras em suas respostas. Os dados de fala espontânea trazidos aqui serviram apenas para dar uma idéia de como a criança diagnosticada como DEL fala. Nos capítulos destinados aos resultados de testes aplicados na investigação implementada para esta tese, poderemos verificar mais dados quantitativos e qualitativos acerca da flexão verbal na fala da criança DEL. Passemos, neste momento, a explicitar um pouco mais sobre a caracterização geral do indivíduo DEL, apresentando algumas informações que nos dizem sobre a causa do déficit. 1.3 QUAL É A ORIGEM DO DEL? Há vários estudos que procuram esclarecer qual é a causa do DEL. Tomblin (1997), por exemplo, reserva uma seção em seu artigo indicando vários estudos que tentaram verificar 37 a relação entre desenvolvimento de linguagem com determinados eventos ligados à gestação ou ao nascimento, tais como observação de gravidez cuja mãe era fumante ou que teve uma infecção ou outra complicação na gravidez: uso de medicamentos durante a gravidez, asfixia no momento do nascimento do bebê e nascimento de bebês prematuros. Nenhuma das pesquisas evidenciou relação de causa e conseqüência nos dados obtidos. Em Galaburda, Sherman, Rosen, Aboitiz e Geschwind (1985), há uma explicação acerca da neurobiologia do DEL. Os autores apresentam resultados de uma pesquisa que indica que, de um modo geral, há uma simetria entre os planos temporais9 de cada hemisfério, quando, de um modo geral, esperar-se-ia o plano temporal esquerdo (localizado no hemisfério responsável pela linguagem) ser maior que o plano temporal da direita. Mas tal resultado não é conclusivo, pois, em Leonard (1998), há a apresentação de outras pesquisas apontando que tal simetria pode ocorrer também em indivíduos sem problemas de linguagem. Interessante apontar ainda que meninos, de um modo geral, são mais afetados por DEL que meninas. Uma explicação comum é que meninos teriam habilidades verbais mais pobres que as meninas. Mas Tomblin (1997) cita uma pesquisa de linguagem feita por Seigel (1982), que estudou um grupo de crianças durante toda a pré-escola. A pesquisadora não encontrou diferenças lingüísticas significantes entre homens e mulheres em seu teste. Contrapondo-se ao resultado apresentado por Seigel, podemos apontar que, durante a década de 80, Geschwind e Behan (1982) e Galaburda, Sherman, Rosen, Aboitiz e Geschwind (op. cit.) realizaram testes em que bebês foram expostos a testosterona, hormônio masculino, na última etapa fetal. Posteriormente, foram feitas avaliações em que se verificavam a relação entre o uso, em excesso, do hormônio por parte da mãe na ocasião da gravidez e o desempenho lingüístico do filho em fase de aquisição de linguagem. Feitas as avaliações, foram encontrados problemas de linguagem na fala destas crianças, o que nos sugere a 9 O plano temporal é localizado na porção acima do lobo temporal de cada hemisfério, dentro da fissura sylvian. 38 possibilidade de haver maior probabilidade de o distúrbio lingüístico ora estudado ser mais recorrente entre indivíduos do sexo masculino. Corroborando com os últimos achados, podemos ainda citar o trabalho realizado por Tallal, Towsend, Curtiss e Wulfeck (1991), em que há constatação de que meninos gravemente afetados pelo déficit lingüístico teriam uma mãe também afetada. Isso poderia ser evidência para uma transmissão de genes responsáveis pelo distúrbio lingüístico feita de mãe para criança do sexo masculino. Há ainda outras fortes sugestões nos levando a acreditar que o distúrbio tem motivação hereditária e genética. Apresentaremos, a seguir, alguns trabalhos que sustentam a hipótese de hereditariedade da dificuldade em adquirir linguagem por parte de algumas crianças em fase de aquisição de linguagem. Já em 1959, Ingram (1959 in Palmour, 1997) observou que 24% de pais e 23% de irmãos de 75 crianças com comprometimento lingüístico tinham dificuldade com a linguagem. Embora esse estudo não tenha usado o critério objetivo para diagnóstico e não tenha criado um grupo controle paralelo, outros estudos, tais como os de Lewis (1992) e Tallal et al. (1989), que tomaram aquelas providências, chegaram à mesma conclusão. Durante dois anos, Tomblin (1997) estudou famílias de indivíduos DEL e testou diretamente todos os membros de primeiro grau da família. A pesquisadora e sua equipe testaram 245 sujeitos de 42 famílias e constataram que 22% têm comprometimento de linguagem. Isto sugere que membros de famílias com pessoas DEL têm mais chances de ser DEL que a população em geral. Outro trabalho que merece destaque e que é mencionado de forma recorrente na literatura diz respeito àquele desenvolvido por Gopnik e Crago (1991). As pesquisadoras verificaram o déficit especificamente lingüístico em 16 pessoas de 30 de uma mesma família. As 14 pessoas restantes tinham habilidades lingüísticas normais e serviram de controle. O 39 experimento realizado pelas pesquisadoras indica que o distúrbio de linguagem deve ser associado a fator genético. Em Tomblin et al. (op. cit.), foi encontrado um alto índice de membros de uma mesma família diagnosticados como sendo DEL. E no trabalho de van der Lely e Stollwerck (1996), já apontado na seção 1.1, foi constatado que há uma incidência significantemente maior de um ou mais parentes de primeiro grau (pai, mãe, irmãos e irmãs) com história de comprometimento de linguagem na família de criança DEL Gramatical do que nas famílias de crianças controle. Para a primeira amostra, observaram-se 77,8% de história positiva de comprometimento de linguagem (de fala, de leitura e/ou de escrita). Já para as crianças sem problemas de linguagem, a porcentagem foi de 28,5%. O que não foi conclusivo neste último trabalho foi a natureza do déficit lingüístico encontrado nos parentes das crianças. Acrescentam-se a tudo isto os estudos acerca de crianças gêmeas com DEL. O pressuposto é que, se o déficit é geneticamente transmitido, os gêmeos idênticos (ou nos termos técnicos, monozigóticos), que compartilham 100% de seus genes, devem ter o comprometimento lingüístico mais similar que os gêmeos não idênticos (ou dizigóticos), que dividem 50% dos genes. Tanto em Tomblin (1997) quanto em Palmour (1997), há resultados de pesquisas indicando resultados consonantes com tal previsão. Apesar de termos citado vários estudos que nos acenam para a possibilidade de o DEL ser um déficit que ocorre freqüentemente em famílias, em Leonard (1998), há menção a trabalhos que não encontraram histórico de déficits lingüísticos na família de várias crianças consideradas DEL. O autor remete-se a Tomblin e Buckwalter (1994), que discutem duas possíveis interpretações para o fato de se acharem crianças DEL com e sem histórico de déficit lingüístico nas famílias respectivas. Uma possível hipótese, segundo Leonard (op. cit.), seria a de que deve haver diferentes causas de DEL, algumas baseadas em fatores genéticos e outras não. A segunda hipótese é que deve haver uma predisposição ao DEL em todos os casos, mas há uma penetração incompleta. Ou seja, outros fatores devem ter que estar 40 presentes para que o déficit lingüístico ocorra. Corroborando para a possibilidade de haver mais de uma causa para o DEL, conforme nos aventa Leonard (op. cit., p. 152), temos o fato de verificarmos um grupo bastante heterogêneo. Para o autor, possivelmente há subtipos de DEL, que hoje são englobados em uma só categoria. Leonard (op. cit., p. 153) sugere, inclusive, a possibilidade de o DEL ser conseqüência de uma combinação de gene e meio ou de vários genes. Entretanto, à medida que a área relacionada a estudos sobre genética é desenvolvida, mais clara fica a possibilidade de o DEL realmente ter causa genética. Até 2001, nenhum gene havia sido designado para a determinação de tal distúrbio lingüístico. Mas uma recente publicação parece acenar para uma evidência mais forte para tal proposição: em Lai et al. (2001), há evidências de que a mutação do gene FOXP2 provocaria o déficit especificamente lingüístico. A mutação desse gene, segundo os autores, tem sido encontrada entre indivíduos que apresentam um conjunto heterogêneo de distúrbios verbais: lentidão no processo de aquisição de linguagem e evidências, na fala, de não utilização, no nível mental gramatical, de regras produtivas de palavras. A fim de verificar a origem do DEL, alguns grupos de pesquisadores têm empreendido seus esforços. Em van der Lely (2005), há menção a estudos que indicam a localização do DEL nos cromossomas 16q e 19q, sendo o primeiro ligado a déficits fonológicos e o segundo associado a déficits de expressão. Em suma, neste capítulo, verificamos que o déficit especificamente lingüístico é estudado, sob outras denominações, há um bom tempo. As crianças que apresentam tal déficit têm, de um modo geral, dificuldades no início da aquisição da linguagem, apresentando problemas que dizem respeito à fonologia, ao léxico e à área da morfossintaxe, ao longo da vida escolar e podendo chegar inclusive à fase adulta. No que diz respeito a problemas morfossintáticos, as crianças DEL, por exemplo, omitem, com freqüência, marca de tempo. 41 Verificamos, também, que o diagnóstico para a caracterização do DEL é feito por exclusão: a criança não deve ter problemas neurológicos e auditivos, nem deficiência na estrutura oral. Não deve ter distúrbios de comportamento que a levem a ser diagnosticada como autista e deve ter um QI não verbal mínimo 85. Apresentamos ainda abordagens que sugerem que a categoria DEL, tal como é entendida hoje, é constituída por subtipos do déficit. O DEL Gramatical seria aquele relacionado à dificuldade de algumas crianças na produção, compreensão e julgamento de morfologia flexional. Por fim, vimos também que a causa do DEL ainda é objeto de muito estudo e resultados de pesquisas não são totalmente conclusivos. Mas várias abordagens já convergem para evidências que o DEL é um déficit lingüístico derivado de uma herança genética. 42 2 QUADRO TEÓRICO Neste capítulo, faremos uma explanação sobre alguns aspectos importantes do Programa Minimalista, propostos em Chomsky (199510, 1998, 1999 e 2001). Em seguida, faremos um histórico acerca de estudos sobre as categorias funcionais, referindo-nos principalmente a tempo e concordância. Por fim, apresentaremos definições de aspecto verbal e algumas propostas, esboçadas dentro da perspectiva da Teoria Gerativa, que sugerem a inserção de uma projeção aspectual na árvore sintática. 2.1 O PROGRAMA MINIMALISTA Iniciamos esta seção com a abordagem que diz respeito aos Princípios e Parâmetros (P&P) e à Gramática Universal (GU). Depois, apresentamos alguns aspectos relativos às computações e às representações mentais de natureza lingüística. Uma pesquisa em aquisição ou perda da linguagem que adote os Princípios e Parâmetros como base teórica para suas análises estará admitindo a presença de uma Gramática Universal, em que se pressupõe um conhecimento da linguagem inconsciente e inato. O conhecimento lingüístico inconsciente é justificado pelo fato de um falante nativo de uma língua ser capaz de indicar se uma sentença está ou não de acordo com os padrões estruturais de uma sentença. Este falante também é capaz de produzir uma sentença de forma que as outras pessoas vão compreendê-lo. Entretanto, o indivíduo não tem consciência das regras para formar e interpretar sentenças. 10 Na verdade, Chomsky (1995) reúne textos que já circulavam ou haviam sido publicados anteriormente. Desta forma, o capítulo 1 é Chomsky (1993); o capítulo 2 é Chomsky (1989), o qual já circulava sem ter sido publicado, ou Chomsky (1991), que é Chomsky (1989) publicado; o capítulo 3 é Chomsky (1992); e o capítulo 4 foi publicado em Chomsky (1995). 43 Um fato interessante que nos leva à observação da hipótese de o conhecimento de uma língua ser considerado inato deve-se à observação de que uma criança, com aproximadamente um ano e meio, consegue produzir estruturas de duas a três palavras e, por volta de um ano após, já é capaz de produzir sentenças com alto grau de complexidade. Logo, este é um processo que ocorre rapidamente, além de ser uniforme: acontece desta forma com todas as crianças, de modo geral, sem que elas tenham noção explícita das regras gramaticais. Ou seja, a criança já tem um conhecimento lingüístico internalizado. A esse conhecimento inconsciente e lingüisticamente internalizado, a gramática gerativa designa o nome de “competência”. Isto é, o falante nativo de uma língua tem, no nível mental, dispositivos que possibilitam inúmeras combinações, a fim de formar palavras, sintagmas, sentenças. Mas o real uso da linguagem, por parte desta pessoa, somente seleciona algumas combinações. Com isso, pode-se declarar que o que realmente um falante produz ou entende em termos lingüísticos, em uma ocasião concreta, é denominado “desempenho”. A competência é o conhecimento lingüístico de um falante e o desempenho, o uso real que esse falante faz desse conhecimento. Assim, conduz-se ao pensamento que a teoria da gramática é regida pelo critério da universalidade, no sentido de que há princípios gerais que explicam a organização das línguas naturais. O gerativismo aponta-nos a Gramática Universal que corresponde às propriedades essenciais que constituem a base de todas as línguas humanas e é determinada por uma faculdade inata, codificada biologicamente. Mas, se a Gramática Universal estabelece que há princípios universais, indica também que há parâmetros a serem escolhidos. Desta forma, as várias línguas ou as Gramáticas Particulares são constituídas a partir da fixação de parâmetros. Isto posto, podemos apresentar algumas noções do Programa Minimalista. Ele se insere no modelo teórico dos Princípios e Parâmetros e estuda os aspectos da mente relacionados à produção e à compreensão da linguagem. 44 Na perspectiva dos Princípios e Parâmetros, a mente de uma pessoa possuiria aspectos dedicados a uma Faculdade da Linguagem. Quando uma pessoa nasce, sua Faculdade da Linguagem encontrar-se-ia no estado inicial, que teria, desde então, uma complexidade organizativa rica e uniforme para toda organização estrutural. A esse aspecto inicial é que se chama de Gramática Universal, já explicitada. Durante o crescimento dessa pessoa, sua Faculdade da Linguagem desenvolver-se-ia até atingir um estado final, mais ou menos rígido, sujeito a modificações posteriores mais ligadas a ganhos e perdas de itens lexicais. Muitos estudos em aquisição da linguagem têm dado sustentação empírica à hipótese de a linguagem ser um órgão inato. Tais investigações sugerem que há um período crítico para a aquisição da sintaxe, no sentido que a criança adquirirá a gramática da língua de sua comunidade lingüística até mais ou menos nove, dez anos. Depois dessa idade, a criança que aprender uma língua não terá a competência da mesma forma que um falante nativo a tem. Um exemplo clássico é o da menina Genie (Curtiss, 1981), que foi privada do input da fala até os 13 anos. Após este longo período de privação, foi exposta à língua e conseguiu adquirir vocabulário, mas sua sintaxe era pouquíssimo desenvolvida. Isso sugere que a aquisição da sintaxe é determinada por um “programa de aquisição da linguagem” inato, que passa por uma mudança no início da puberdade. A partir de agora, apresentaremos aspectos centrais do Programa Minimalista para a Teoria da Linguagem que tem sido desenvolvido desde Chomsky (1995) e tem sido retomado em Chomsky (1998, 1999, 2001). Nestes trabalhos, a linguagem é considerada um sistema perfeito com um design ótimo, no sentido que gramáticas de uma língua natural criam estruturas que são designadas à interface, mais especificamente aos sistemas da fala e do pensamento. A fim de tornar esta discussão mais clara, apresentaremos a concepção de uma gramática de uma língua. Um componente de uma gramática seria o léxico, ou seja, a lista de todas as palavras de uma língua e suas propriedades lingüísticas. Essas palavras seriam 45 escolhidas e combinadas por uma série de computações sintáticas que seriam feitas na sintaxe ou no componente computacional, formando uma estrutura sintática. Esta estrutura sintática é enviada para Spell-out e serve como input para dois outros componentes da gramática. Um deles é o componente semântico, que gera uma representação semântica dessa estrutura sintática. A representação semântica também é denominada forma lógica. O outro componente é o componente fonológico, que gera uma representação fonológica dessa estrutura sintática. Esta representação também é chamada de forma fonológica. A representação semântica faz interface com o sistema do pensamento ou sistema conceptualintencional e a representação fonológica faz interface com o sistema da fala ou o sistema articulatório-perceptual. O diagrama a seguir resume o que foi dito até agora: Léxico componente semântico representação semântica SPELL-OUT Sintaxe ou componente computacional componente fonológico representação fonológica SISTEMA CONCEPTUALINTENCIONAL SISTEMA ARTICULATÓRIOPERCEPTUAL Avançando um pouco mais na discussão, poderíamos apontar que, no léxico, nós teríamos as palavras e as categorias funcionais e, dele, retiraríamos os itens lingüísticos de forma aleatória para formar a Numeração11, que vem a ser um conjunto de itens lexicais. Tais itens, quando entram na Numeração, têm um conjunto de traços fonológicos, traços semânticos e um complexo de traços formais. Por exemplo, no que diz respeito aos traços fonológicos, temos [+alto], [+silábico], etc. Em relação aos traços semânticos, temos, por exemplo, [+animado] e, quanto aos traços formais, podem ser intrínsecos ou opcionais. 11 Há propostas que criticam a presença de Numeração, pois ela assemelhar-se-ia à Estrutura Profunda da Teoria da Regência e Ligação, uma estrutura indesejável para o Programa Minimalista. Aqueles que preferem a manutenção da existência da Numeração defendem a idéia que a Numeração não estaria no sistema computacional, sendo assim, nenhum custo a mais seria demandado e, portanto, os princípios de economia estariam sendo respeitados. 46 Os traços intrínsecos já viriam explicitamente marcados do léxico; os traços opcionais seriam acrescentados no momento em que um dado item lingüístico fosse acrescentado na numeração. Por exemplo, o nome “avião” teria, como propriedades intrínsecas, o traço categorial [nominal], o traço de pessoa [3ª pessoa] e o traço de gênero [- humano]. Ou seja, o item lingüístico sempre vai ser assim: um nome, na 3ª pessoa e que não é humano. Como propriedades opcionais, teríamos, para o nome “avião”, os traços não categoriais de número: o nome “avião” pode se encontrar no singular ou no plural, além dos traços de caso: o nome “avião” pode ter caso nominativo ou acusativo. Vejamos, agora, um verbo, por exemplo “construir”. Temos como propriedades intrínsecas: o traço categorial, que é [verbal], e o traço casual, que é [atribuir acusativo]. Isto é, “construir” sempre será um verbo e designará caso acusativo. Mas terá como propriedades opcionais os traços ϕ12: de número e de pessoa. O verbo pode ocorrer sob a forma do plural ou do singular, pode estar na 1ª, na 2ª ou na 3ª pessoa. No caso do português, não há variação de gênero no verbo. Terá também, como traços opcionais, os traços de tempo, ou seja, o verbo pode ocorrer na sua forma no passado, no presente ou no futuro. Um item lingüístico selecionado no léxico é indicado, na Numeração, por um índice, o qual explicitará o número de vezes que esse item lingüístico será acessado por uma operação Selecionar (do inglês, Select) do sistema computacional. Importante dizer que um item lingüístico só entra na Numeração se ele tiver um efeito no output. Ou seja, o índice nunca poderá ser “zero”. Tal restrição seria uma condição de economia. Exemplificando: da escolha aleatória no léxico, pode-se obter a Numeração seguinte, com os traços e índices para cada item lexical, os quais “alimentarão” o componente computacional. Num: {Maria 1, José 1, Beija 1, T 1} 12 São chamados traços (fi) e correspondem a traços de concordância de gênero, pessoa e número. 47 Uma vez estabelecida esta Numeração, ocorre a operação Selecione, que retirará o item lexical desse componente e reduzirá o seu índice até chegar a zero. A operação Selecione atuaria, primeiramente, no item “Maria”, reduzindo seu índice como se pode verificar: Num = {Maria 0, José 1, beija 1, T 1}. A operação Selecione atuaria nos outros itens até reduzir o índice desses a zero e, enfim, tais itens, cada um a seu turno, estariam disponibilizados para o componente computacional. Os itens lexicais entrariam, então, no componente computacional e esse trabalharia com, basicamente, duas operações: Merge (em português, concatenar) e Move (em português, mover). A primeira operação viria a agregar elementos lingüísticos e, portanto, formaria objetos sintáticos. A segunda operação seria mais complexa que aquela, pois movimentaria um determinado elemento lingüístico, gerando uma cópia, que, por sua vez, estaria em uma cadeia e seria idêntica ao elemento movimentado, só que em posição distinta da posição deste na estrutura sintática. Abaixo, exemplificaremos as duas noções, aproveitando o exemplo já dado em “Maria beija José”. Observemos, novamente, a numeração da sentença mencionada: Num = {Maria 0, José 1, beija 1, T 1}. A primeira atuação é, conforme já dito, da operação Selecione. Teremos, portanto: a) Selecione beija b) Selecione José A concatenação destes dois elementos resulta em: c) Concatenar (beija, José) que, por sua vez, resulta na seguinte estrutura: V'13 V DP beija José 13 No Minimalismo (Chomsky, 1995, cap. 3), as projeções intermediárias não são mais concebidas. Colocaremos, entretanto, as projeções intermediárias neste trabalho, por uma questão de costume e pelo fato de uma grande parte de trabalhos ainda usar este tipo de notação. 48 O próximo passo seria a seleção do DP Maria da numeração, que seria concatenado à estrutura já criada: beija José. Teríamos, neste momento, a seguinte estrutura: VP Esp14 V' V Maria DP beija José Procedendo à numeração, o próximo passo seria a seleção de T(empo) da numeração, formando, então, a seguinte estrutura: T' SV15 T Esp V' V Maria DP beija José Mas o DP Maria move-se para uma outra posição de especificador, posição na qual o DP terá uma relação local com o núcleo de TP, a saber T. O verbo beija, por sua vez, move-se para o nódulo T16. Teremos, então, nesta etapa, a atuação da operação move (que, veremos, foi trocada de nome por Attract e, mais recentemente, por Agree) e obteremos a seguinte representação: 14 Esp significa especificador. Ainda neste capítulo veremos que existe uma projeção intermediária entre SV e TP, a saber vP. Não incorporamos esta noção nesta etapa, a fim de facilitar o raciocínio aqui desenvolvido. 16 Ainda neste capítulo apresentaremos as razões para o movimento de tais itens lexicais. 15 49 TP Esp T' T VP Esp V' V Maria beija DP José Vimos, portanto, que, na abordagem minimalista, a construção da sentença ocorre de forma dinâmica feita pela operação concatenação (merger), que integra novos elementos dentro da estrutura, e pela operação mover (move), que movimenta elementos que já se encontram na estrutura. Neste ponto, a estrutura pode ser submetida a Spell-out. Dessa maneira, Spell-out alimenta a interface com os sistemas conceptual-intencional e articulatórioperceptual. Vale ainda dizer que, nos últimos escritos de Chomsky, a noção de movimento foi substituída pela noção de atração. Ou seja, se o movimento é provocado pela atração de um núcleo funcional, que, em última instância, é um feixe de traços, o conceito principal é o de atração, que é desencadeado por um traço do lugar de pouso do elemento movido. Mais recentemente ainda, a noção foi substituída por Agree, que pressupõe a transmissão de traços por parte da categoria que tem traços valorados a uma categoria que ainda não tem os traços correspondentes valorados. Enfim, o que teríamos é a seguinte seqüência: 50 Léxico Numeração Seleção Merge Agree (antes Move e, depois, Attract) Spell-out Forma Fonológica Forma Lógica Dito tudo isso, podemos depreender que é a morfologia de uma dada língua que desencadearia o movimento de elementos categoriais ou os traços para valoração de suas propriedades. Dentro desta perspectiva, cada língua particular seria um mecanismo que geraria um conjunto infinito de expressões, que podemos chamar de Descrições Estruturais (DEs) e cada língua estaria encaixada em sistemas de desempenho que permitiriam que as suas expressões fossem usadas para articular, interpretar, referir, perguntar etc. Desta forma, cada DE seria um complexo de instruções para estes sistemas da desempenho, fornecendo informação relevante para o seu funcionamento. Os sistemas de desempenho, por sua vez, agrupar-se-iam em dois tipos gerais, já citados: articulatório-perceptual (A-P) e conceptual-intencional (C-I). Assim, uma língua particular é um procedimento gerativo que constrói pares (π, λ) que são interpretados, respectivamente, nas interfaces articulatório-perceptual (A-P) e conceptual-intencional (C-I), como instruções para os sistemas de desempenho. π seria uma representação de forma fonológica e λ, uma representação de forma lógica. E cada uma é formada por “objetos legítimos” que podem receber uma interpretação. 51 Todas as operações até agora assinaladas estariam a serviço do Spell-out, que extrairia de uma dada derivação Σ elementos relevantes para o sistema articulatório-perceptual (π), deixando o resíduo ΣL para ser mapeado pelo sistema conceptual-intencional (λ). Conforme dito, cada par (π, λ) construído pelo componente computacional deve ser interpretado nas interfaces como instruções para os sistemas de desempenho. Se forem considerados legítimos, receberão uma interpretação, satisfazendo, então, à Condição da Interpretação Plena. Se isso ocorrer nos dois níveis de representação (articulatório-perceptual e conceptual-intencional), diz-se que a expressão convergiu; do contrário, fracassou (crash). A Condição de Interpretação Plena impediria, por exemplo, símbolos sem traços fonológicos na forma fonológica e elementos sem papel-temático, na forma lógica. A Condição de Interpretação Plena também determina quais as derivações são convergentes, contudo existem condições de economia que devem selecionar desse conjunto de derivações somente as ótimas. As outras serão canceladas e tal feito dever-se-á a qualquer operação ilegítima que ocorra no sistema computacional, como, por exemplo, a ocorrência de incompatibilidade de traços durante o processo de checagem. Este processo de impedimento de formação de uma expressão lingüística chama-se cancelamento. O outro processo que impede a formação de uma dada expressão lingüística é o fracasso (crash). Por exemplo, quando cada expressão gerada pelo sistema computacional é enviada ao componente fonológico, a fim de se obter uma representação fonológica, se houver traços ilegíveis (isto é, que não podem ser processados no sistema articulatório-perceptual), ocorrerá o fracasso. Isso significa dizer que, se a sintaxe não especifica se o que se quer é a primeira pessoa do singular no presente ou terceira pessoa do singular no presente do verbo “ser”, portanto, ou “sou” ou “é”, o sistema articulatório-perceptual não poderá determinar qual forma será pronunciada. Se cada estrutura gerada pelo componente sintático da gramática é enviada ao componente fonológico, essa estrutura também é enviada ao componente semântico, a fim de 52 ser convertida em uma representação semântica apropriada. Neste contexto, faz-se mister apresentar a diferença entre traços interpretáveis e traços não interpretáveis. Os primeiros têm importância na computação de representações semânticas e não devem ser apagados (e nem o podem) do sistema. Já os traços não interpretáveis17, ou seja, que não têm interpretabilidade semântica e que devem estar circunscritos ao componente computacional, como, por exemplo, AGR (na acepção de Chomsky, 1995), devem ser eliminados do sistema, a fim de que a estrutura possa convergir, caso contrário ocorrerá um fracasso (crash). Falta-nos ainda nos remeter aos princípios de economia. No Programa Minimalista, o movimento de elementos lingüísticos só se dá por necessidade e isso ocorre em função de seus traços. O primeiro Princípio de Economia é a Condição de Ligação Mínima (MLC), que constitui uma restrição de economia, impondo que uma operação de movimento só deve ocorrer se criar um elo menor. Ou seja, nas palavras de Chomsky (1995), “o movimento de A ocorre se não há B mais próximo do alvo que satisfaria a relação de checagem com K tanto quanto A faria”. O segundo Princípio de Economia seria o Último Recurso (Last Resort), que indica que um movimento de F leva um traço de F ao alvo K somente se F entra em uma relação de checagem com um sub-rótulo de K. O Último Recurso deve ser pensado compreendendo dois princípios: a) a operação mover é permitida somente se satisfaz uma relação de checagem de traços; b) o movimento ocorre se o alvo não tem os traços checados. Portanto, tal princípio indica que operações de movimento são obrigatórias. O terceiro Princípio de Economia é denominado Procrastinar, que nos diz que, caso não haja necessidade que uma estrutura chegue às interfaces, o movimento não se constituirá. Tal condição de economia, associada à propriedade de um traço [+/- interpretável], é 17 Apresentaremos mais informações sobre traços interpretáveis e não interpretáveis ainda neste capítulo. 53 responsável pelo movimento visível de elementos nas diversas línguas naturais e é aí que reside a noção de parametrização. Neste contexto, indicamos que a Teoria Gerativa pressupõe que a aquisição da linguagem é interpretada como um processo de fixação de parâmetros a partir do estado inicial. A aquisição da linguagem pela criança consiste, segundo Raposo (1992, p.55), em dois aspectos: “a aprendizagem das formas lexicais da língua, com propriedades fonológicas, sintáticas e semânticas determinadas pelo ‘dicionário mental’ e a atribuição aos vários parâmetros da Gramática Universal do valor que possuem nessa língua”. Neste sentido, o modelo de Princípios e Parâmetros afasta-se do modelo da Teoria Padrão e da Teoria Padrão Estendida, dos anos 60 e 70 respectivamente, em que a criança era um pequeno lingüista construindo hipóteses sobre as regras da sua língua que fossem compatíveis com os dados gramaticais a que vai sendo exposta gradativamente. A criança, nestes modelos, iria eliminando aquelas regras que se revelassem incompatíveis com os dados novos. Já no modelo dos Princípios e Parâmetros, “as opções são dadas pelos parâmetros, sendo, portanto, limitadas, visto que estes são em número finito. A ligação dos parâmetros numa dada posição é determinada pelos dados lingüísticos primários simples ao alcance da criança. Ou seja, a informação lingüística contida nesses dados permite à criança decidir qual a posição a atribuir a cada parâmetro”. (Raposo, 1992, p. 55) De acordo com Chomsky (1995, cap. 2), os parâmetros da GU estão relacionados não com o sistema computacional, mas sim com o léxico. E isso poderia ser interpretado da seguinte forma: cada parâmetro deve referir-se a propriedades de elementos específicos do léxico ou a categorias de itens lexicais. Desta forma, existiria apenas uma língua humana e a aquisição da linguagem seria essencialmente uma questão de determinar as idiossincrasias lexicais. Ou seja, os elementos substantivos, que seriam os nomes, verbos etc., seriam retirados de um vocabulário universal invariante e só os elementos funcionais seriam parametrizados. 54 A seguir, apresentaremos um histórico de estudos acerca das categorias funcionais – tempo e concordância-, amplamente investigadas sob o arcabouço da teoria gerativa. Também será foco na seção 2.2.1 o estudo sobre aspecto verbal, categoria menos vista na literatura existente acerca de categorias funcionais, mas que será objeto de investigação, ao lado de tempo, neste trabalho, conforme já delineado. 2.2 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE CATEGORIAS FUNCIONAIS – TEMPO E CONCORDÂNCIA Em Chomsky (1965, 1972), datas respectivas às fases das propostas da Teoria Padrão e da Teoria Padrão Estendida, considerava-se que a estrutura de uma sentença simples seria constituída por um SN e um SV, ambos ligados a um nó, denominado S. A formalização seria a seguinte: S → SN SV. Mas, a fim de acomodar dados em que havia a presença de um auxiliar, a proposta para a descrição da sentença passou a ser a seguinte: S → SN Aux SV. Em Aux, haveria informação de tempo e de concordância. Em 1976, Joseph Emonds propôs a denominação de INFL18 para Aux e indicou uma marcação binária para o nó, tal como se faz com as categorias lexicais. Então, uma sentença finita teria INFL [+T, +AGR] e aquela no infinitivo teria INFL [-T, -AGR]. A regra sintagmática passou a ser S → SN INFL SV e seria considerada válida para todo tipo de sentença. Com o advento da Teoria da Regência e Ligação (Chomsky, 1981), começa-se a pensar em uma proposta de integração da categoria INFL no esquema X-barra. Chomsky propôs que INFL fosse analisado da mesma maneira como um material lexical, isto é, adotar- 18 INFL é a abreviatura de Inflexion, que significa flexão. Vamos adotar a abreviatura INFL, por estar consagrada na literatura. 55 se-ia INFL como núcleo da sentença. Daí teríamos IP19 → I SV, e o SN sujeito ocuparia a posição de especificador de I. A posição de I passou a ser local de aterrissagem de um movimento. A idéia geral é que tanto auxiliares (como should, can etc.) finitos quanto o to característico de formas não finitas em inglês ocupassem o núcleo de IP. Portanto, em formas flexionadas, como aquela da sentença em She doesn't eat, o auxiliar does carregaria a flexão de tempo presente na terceira pessoa do singular -s e ocuparia o núcleo de IP. O mesmo ocorreria com o to de uma sentença com o verbo na forma não finita. Sob esse ponto de vista, um auxiliar, como should ou como does, seria um I finito, enquanto o to seria um I não finito. É importante acrescentar que a noção de o SN sujeito ocupando a posição de especificador de um IP mudou na década de 90. Em 1991, Koopman e Sportiche sugeriram que o sujeito não ocuparia a posição de especificador de IP e, sim, seria interno ao VP. Somente após o movimento é que o SN sujeito viria a ocupar a posição de especificador de IP. Chomsky (1995, cap. 2) adotou tal proposta e esta passou a ser conhecida como Hipótese do Sujeito Interno ao VP. Essa proposta implica dois aspectos: o especificador de IP nunca seria preenchido com itens lexicais, pois tais posições só seriam locais de pouso de sintagmas. Além disso, o movimento do sujeito para o especificador de IP seria motivado pela necessidade de receber caso. Em 1989, Pollock propôs uma grande mudança na concepção da árvore sintática e de IP, mudança esta que também foi adotada em Chomsky (1995, cap. 2). Pollock (1989) realizou um estudo de comparação de movimento de verbos nas formas finitas e não finitas em inglês e em francês, estudo este iniciado a partir de reflexões acerca do trabalho de Emonds (1976) sobre flexão verbal em línguas como o inglês e em línguas como o francês. Pollock (op. cit.) investigou as diferenças sistemáticas entre tais línguas observando a posição do verbo em relação ao advérbio, aos quantificadores e às partículas de negação. 19 Em Chomsky (1986, p. 3), o autor substituiu INFL por um símbolo de uma única letra, a saber: I. Daí as notações IP e I. 56 No que diz respeito à posição do verbo em relação ao advérbio, observou-se uma diferença entre a língua inglesa e a francesa. Temos um exemplo de sentença gramatical, em língua inglesa20: (1) John often kisses Mary (João beija freqüentemente Maria) freqüentemente beija em que observamos que a ordem é advérbio/verbo, e temos como agramatical: (2) *John kisses often Mary beija freqüentemente em que a ordem é verbo/advérbio. Em francês, a sentença gramatical seria: (3) Jean embrasse souvent Marie (João beija freqüentemente Maria) beija freqüentemente na qual verificamos a ordem verbo/ advérbio, e a agramatical seria: (4) *Jean souvent embrasse Marie freqüentemente beija cuja ordem é advérbio/ verbo. Isto é, nas sentenças gramaticais na língua inglesa, o verbo está à direita do advérbio e, em francês, o verbo está à esquerda do advérbio. Pollock indicou que, em francês, o verbo iria movimentar-se para INFL, mas em inglês o verbo não sairia da sua posição original, dentro do SV21. Pollock (op. cit.) então apontou que, no caso das sentenças em francês, a flexão seria considerada forte. No caso do inglês, a flexão seria fraca. Ou seja, a ordem verbo/advérbio em francês dever-se-ia ao movimento de V para INFL em língua francesa ocasionado por um traço forte nesta categoria funcional, que atrairia o verbo. Já a ordem advérbio/verbo em inglês dever-se-ia ao não movimento de V para INFL, pois a postulação era a de que, nessa língua, INFL teria traço fraco, incapaz de atrair o verbo. 20 Enumeraremos, neste capítulo, somente as sentenças que foram usadas em Pollock (1989), a fim de facilitar a exposição das idéias. 21 Considera-se que o verbo seja gerado à direita dos advérbios, das partículas negativas e dos quantificadores. 57 O comportamento citado na relação verbo/advérbio é observado também na relação verbo/quantificador e verbo/partícula de negação. Observemos os seguintes exemplos, apontados em Pollock, que dizem respeito à relação verbo/quantificador: 5) Mes amis aiment tous Marie. (Meus amigos amam todos Maria) amam todos 6) *Mes amis tous aiment Marie. todos amam 7) My friends all love Mary. (Meus amigos todos amam Maria) todos amam 8) * My friends love all Mary. amam todos Temos a gramaticalidade na sentença em francês (5), em que verificamos que houve movimento do verbo, pois encontramos a ordem verbo/quantificador. Mas há a agramaticalidade na sentença (6), também em língua francesa, em que a ordem é quantificador/verbo. O oposto é observado em sentenças em língua inglesa: a ordem quantificador/verbo é que torna possível a gramaticalidade em uma sentença, como em (7), sendo que, quando ocorre a seqüência verbo/quantificador, nessa língua, há a agramaticalidade, como em (8). Por fim, podemos observar que a gramaticalidade de uma sentença é possibilitada pela ordem verbo/ partícula de negação, em língua francesa, como observado em (9). Tal seqüência, entretanto, não é permitida em língua inglesa, tornando a sentença agramatical, como verificado em (10). (9) Jean n' aime pas Marie (João não ama Maria) ama não (10) *John likes not Mary ama não Em toda essa explanação, foram considerados somente verbos em língua francesa em sua forma finita. Pollock observou que os verbos não finitos em francês comportam-se como os verbos lexicais em inglês tanto na forma finita quanto na forma não-finita, como se pode observar em: (11) Ne pas sembler heureux est une condition por écrire des romans não parecer (Não parecer feliz é uma condição para escrever romances.) (12) *Ne sembler pas heureux est une condition por écrire de romans. parecer não 58 Ou seja, em estruturas com partícula de negação, o verbo, em sua forma não finita, aparece à direita de tal partícula. Temos, então, em francês: (13) Partícula de negação + Verbo não finito (14) * Verbo não finito + Partícula de negação Pollock observou que, em sentenças com verbos na forma não finita em francês, é possível encontrar as seguintes estruturas: (15) Quantificador + verbo não finito (16) Verbo não finito + Quantificador (17) Advérbio + verbo não finito (18) Verbo não finito + Advérbio Sentenças exemplificando (17) e (18) seguem abaixo: (19) Souvent paraître triste pendant son voyage de noce, c'est rare Freqüentemente parecer (Freqüentemente parecer triste em viagem de núpcias é raro.) (20) Paraître souvent triste pendant son voyage de noce, cést rare. Parecer freqüentemente (Parecer freqüentemente triste em viagem de núpcias é raro.) A distribuição de verbos, quantificadores, partículas de negação e advérbios em sentenças cujo verbo está na forma finita e na forma não finita em inglês e em francês é resumida no quadro abaixo: 59 QUADRO 1 VERBOS FINITOS E NÃO FINITOS E SUA RELAÇÃO COM QUANTIFICADORES, PARTÍCULAS DE NEGAÇÃO E ADVÉRBIOS EM INGLÊS E FRANCÊS, SEGUNDO ESTUDO DE POLLOCK (1989) LÍNGUA INGLÊS FRANCÊS SENTENÇAS COM VERBO NA SENTENÇAS COM VERBO NA FORMA FINITA FORMA NÃO FINITA 1. Adv + Verbo 2. Quantificador + Verbo 3. Partícula de Negação + Verbo 1. Verbo + Adv 2. Verbo + Quantificador 3. Verbo + Partícula Negação 1. Partícula de Negação + Verbo de 2. Quantificador + Verbo Verbo + Quantificador 3. Partícula de Negação + Verbo Verbo + Partícula de Negação FONTE: POLLOCK, Jean-Yves (1989). Diante do que foi exposto, Pollock percebe que há mais de um lugar que serve de pouso para verbos: antes e depois de advérbios, de quantificadores e de partículas de negação. Portanto, o autor sugere que, no sistema lingüístico, haveria traços formais de núcleos funcionais distintos. INFL não seria um único nódulo com traços de tempo e de concordância, mas cada um deles constituiria um nódulo distinto. Tal apontamento é denominado de SPLITINFL, que é a hipótese da flexão cindida. A estrutura seria a seguinte: 60 IP22 NP I' I NEGP NEG AGRP AGR VP ADV V Podemos observar que, se Pollock sugere que AGR (concordância) seria dominado por T(empo), há outros autores apontando o oposto. Belletti (1990) assinala que, em um determinado número de línguas, pode-se obter evidência relevante para considerar-se T(empo) sendo dominado por AGR. Isto porque, de acordo com a autora, o elemento de concordância seria externo ao elemento de tempo na morfologia verbal. Essa sugestão estaria baseada em estudos sobre a flexão italiana, que é bastante similar à portuguesa23. Vamos, então, utilizar um exemplo em português: “Nós amamos”. O verbo seria formado pela raiz (ama-), pela partícula indicadora de tempo (-va), que seria adjungida à raiz. Posteriormente, a partícula indicadora de concordância (-mos) seria também adjungida. De acordo com a ordem de formação do verbo, AGR, então, dominaria Tempo. Resumindo, o que se tem nesta fase da teoria é T dominando AGR, que dominaria VP, de acordo com Pollock, e AGR dominando T, que, por sua vez, dominaria VP, de acordo com Belletti. Chomsky (1995, cap. 2) nota que, na realidade, parece haver dois tipos de concordância Verbo-SN: um com o sujeito e outro com o verbo. Seguindo as linhas básicas de 22 Apesar de ter sido apontado IP, esta projeção corresponde, na acepção de Pollock (1989), ao TP (sintagma de tempo). Manteremos, aqui, a notação indicada pelo autor. 23 Nesta fase da teoria, o pressuposto é que os movimentos ocorreriam, havendo incorporação de partículas. O Programa Minimalista, mais tarde, indicou que os movimentos ocorreriam para que houvesse a checagem de traços e, mais recentemente, a idéia é que haja valoração de traços, conforme ainda veremos nesta seção. 61 Pollock, Chomsky sugere que se podem encontrar dois elementos AGR: o elemento de concordância com o sujeito, AGRs; e o elemento de concordância com o objeto, AGRo. A seguir, apresentamos a estrutura sugerida por Chomsky (op. cit.): AGRsP NP AGRs’ AGRs TP T AGRoP AGRo VP ADV V Desta forma, teríamos AGRs mais próximo do sujeito e mais distante do verbo. AGRs faria concordância com o sujeito e AGRo faria concordância com o objeto. Em Chomsky (1995, cap. 3), há a proposta de que tanto as categorias AGR quanto a categoria T(empo) teriam traços, cuja função era a de checar as propriedades dos verbos e dos sintagmas nominais. Os verbos e os sintagmas nominais iriam movimentar-se a fim de checar traços. O movimento seria percebido na Forma Fonológica quando os traços fossem fortes e não o seria percebido foneticamente quando os traços fossem fracos. A adoção da noção de traço forte e fraco possibilitou a Chomsky (op. cit.) explicar as diferentes ordens de palavras nas diversas línguas, pois havia subida visível de um determinado elemento quando era forçada pela presença do traço forte. Em todas as línguas naturais, por exemplo, o verbo deveria mover-se indo para o AGRo, depois para T, em seguida para AGRs. Esse movimento seria resultante da necessidade de checagem de traços (diferentemente, portanto, da idéia de incorporação dos 62 afixos às raízes dos verbos, conforme vimos anteriormente). Em português, tal movimento seria visível. Em inglês não. Resumindo: tanto para Pollock (1989) quanto para Belletti (1990), existiriam dois nódulos para flexão, um para T e outro para AGR. Para Pollock, T dominaria AGR. Para Belletti, AGR dominaria T. Já para Chomsky, haveria AGRs e AGRo, sendo T um nódulo intermediário. O que há de comum nessas propostas é que todos os autores defendem a hipótese que as categorias funcionais têm grande importância na determinação da ordem das palavras nas diversas línguas naturais. Segundo a versão proposta em Chomsky (1995), há a sinalização que AGR já não seria mais um nódulo constituindo um sintagma. Ao contrário de T, AGR não teria interpretabilidade semântica na Forma Lógica e, portanto, há sugestões que tal categoria não deveria ser o núcleo de uma projeção. O que Chomsky (op. cit.) fez foi re-classificar os traços flexionais em interpretáveis, por um lado, e não interpretáveis, por outro. Os traços interpretáveis seriam legíveis para a interface semântica e os não-interpretáveis não o seriam. Quais traços seriam interpretáveis? Os traços ϕ (traços fi, que são de número, pessoa e gênero) de N, pois diferenciam os sentidos. Por exemplo: [homem, plural] tem uma interpretação distinta de [homem, singular]. Os traços de tempo de verbo também são considerados interpretáveis, já que há uma natureza claramente distinta entre presente, passado e futuro. Já os traços ϕ de verbos não seriam interpretáveis. Não interessam, para a interpretação semântica, por exemplo, o número e pessoa de Ele foi e Eles foi. Igualmente o traço de caso é não interpretável, pois o pronome ele pode vir à superfície com o caso nominativo ou acusativo, sem nenhuma distinção na interpretação semântica. Os traços ϕ de nomes não precisam ser movidos para serem checados, o que não deve ocorrer com os traços ϕ de verbos, pois estes devem ser checados e apagados. Dessa forma, o nó AGR perde a função de checar traços. 63 Assim, em 1995, Chomsky afirma que, se AGR existe como lugar dos traços ϕ, essa noção tem uma função restrita e um estatuto único, sem impacto particular nos processos computacionais centrais. Ele sugere que as funções aparentes de AGR pudessem talvez ser integradas dentro do sistema esboçado, através de uma assimilação de AGR com T. Chomsky assinala que tal afirmação pode-nos levar de volta a um tipo de análise como a que era convencional antes da teoria altamente produtiva do I desdobrado, teoria esta feita por Pollock (1989), mas a proposta de Chomsky (1995) teria sido agora bastante modificada. Em 1998, Chomsky ratifica a idéia que AGR teria somente uma noção relacional com o verbo, em que número e pessoa constituiriam tais propriedades relacionais. AGR resguardaria uma relação com o verbo somente. Se concordância não pode ser interpretada de forma independente do verbo - como o pode T (que guarda a noção de passado, de presente e de futuro) -, AGR não precisa constar na Forma Lógica. Isto está baseado no Princípio de Economia proposto no Programa Minimalista: só é projetado aquilo que tem conteúdo. Diante do exposto, o que era primordialmente INFLP, que passou a ser IP, que, por sua vez, foi desmembrado em AGRsP, TP e AGRoP, passa agora a ser, na árvore sintática, TP, local onde tempo é marcado. No núcleo de TP, há também os traços ϕ: pessoa, número e gênero e, no especificador de TP, há um traço de EPP, que atrai o sujeito, que está em uma posição inferior na árvore sintática. Explicando um pouco mais sobre EPP: significa Extended Projection Principle (Princípio da Projeção Estendida). Originalmente, o princípio indicava que cada constituinte de T deve ser expandido em uma projeção de TP, que tem um especificador. Em trabalhos mais recentes (Chomsky, 1998), diz-se que o fato de T ser expandido em TP, com um especificador, é conseqüência de T carregar um traço [EPP], que deve ser um traço universal. Se um T finito carrega traços de pessoa e número, seu traço de EPP requer que o sujeito tenha traços ϕ correspondentes aos traços ϕ do verbo. 64 Para evoluirmos na explicitação do histórico acerca de estudos sobre as categorias funcionais, vamos nos deter, agora, na divisão do SV, uma proposta denominada VP Shell. Assim como houve razões de observação empírica para a proposta da cisão do nódulo de flexão, há sugestão de divisão do SV em duas projeções: uma que seria o SV mesmo e outra, projeção superior na árvore sintática, denominada vP, cujo núcleo é v, considerado uma categoria funcional. Iniciemos o raciocínio24. Numa primeira acepção, teríamos, por exemplo, para uma sentença como A bola rolou para baixo, a seguinte árvore sintática25: SV DP V' V A bola rolou SP para baixo O SV será, então, concatenado com o constituinte T para formar um T' e o traço de [EPP] e os traços ϕ de T provocarão o levantamento do sujeito “a bola” para o especificador de TP e de “rolou” para T. Teremos, então, a seguinte árvore: 24 O raciocínio e os exemplos aqui trazidos foram parafraseados de Radford (2004, p. 338-340). Reiteramos: sabemos que, no atual momento da literatura relativa à sintaxe gerativa, não são mais considerados os rótulos intermediários nas árvores. Ou seja, uma estrutura X’ não deveria entrar nas representações, pois trariam informações redundantes, as quais não são desejáveis para o Programa Minimalista. Entretanto, neste trabalho, manteremos tal notação, até para seguirmos grande parte de trabalhos em sintaxe contemporânea, que ainda são desenvolvidos desta mesma forma. 25 65 TP DP T' T SV DP V' V SP A bola rolou para baixo Entretanto, a sentença A bola rolou para baixo poderia ter a contraparte como sendo Eles rolaram a bola para baixo. Como fica, dentro da teoria, a árvore desta sentença? Vamos partir da derivação no ponto formado até VP, na penúltima árvore. Mas, agora, assume-se que este VP é o complemento de um verbo leve causativo abstrato (que será representado como ∅), isto é, um verbo nulo com a mesma interpretação causativa que tem o verbo fazer (por exemplo: Eles fizeram rolar a bola para baixo). Supõe-se que o verbo leve forme uma estrutura que pode ser parafraseada literalmente como fazer + rolar a bola para baixo. A estrutura v' resultante é concatenada ao sujeito Eles, ao qual é designado o papel temático de agente do verbo leve causativo. Forma-se, então, o complexo vP apresentado a seguir: vP Esp v' v SV DP V' V Eles ∅+ rolaram a bola SP para baixo 66 Na seqüência, o vP é concatenado ao constituinte T e o sujeito Eles levanta-se para o especificador de TP. Por fim, o núcleo de vP “∅+ rolaram” levanta-se para o núcleo de TP. O TP resultante, por sua vez, é concatenado ao complementizador declarativo nulo (cuja notação é ∅) e a estrutura final é: CP C TP Esp T' T vP Esp v' v SV DP V' V ∅ Eles ∅+ rolaram a bola SP para baixo A noção do VP shell é estendida a todos os verbos transitivos. Desta forma, em estruturas desta natureza, os sujeitos nascem originalmente no especificador de vP. São, portanto, argumentos externos do verbo leve. Somente em estruturas cujos verbos não atribuem caso acusativo (como, por exemplo, em: Eu saí) é que o sujeito nasce no especificador de VP. Exposto tudo isso, podemos indicar “v” como uma das categorias funcionais, no atual momento da teoria gerativa. Ainda dentro da perspectiva dos últimos trabalhos de Chomsky, a idéia é a de que não há mais movimentos de traços, antes há a adoção da concepção de uma combinação entre probe (sonda) e goal (alvo) para que uma concordância se estabeleça. Para que um dado 67 constituinte possa servir de sonda, ele deve c-comandar26 o alvo com o qual vai estabelecer concordância de traços e deve estar ativo, ou seja, deve ter os traços ϕ não valorados (Chomsky, 1998). A proposta é que os traços continuem nos dois lugares, mas o valor dos traços está somente em um deles, no início da derivação. Quando um lugar sem marcação se encontra com um marcado, este valora aquele. Para exemplificar, tomemos a sentença: “O gato tomou o leite”, para a qual temos a seguinte árvore: 26 A relação de c-comando é importante para que se entenda qual constituinte pode servir de sonda na relação de concordância com um alvo. C-comando é uma relação estrutural entre dois constituintes. Para que um constituinte X c-comande um constituinte Y, X tem que estar mais alto que Y na estrutura ou deve ser irmão de Y. Mais especificamente, um constituinte X c-comanda seu constituinte-irmão e qualquer constituinte Z que está contido em Y. 68 CP Esp C’ C TP Esp T’ [traço de EPP] T vP [traço ϕ - int] [passado] Esp O menino v’ [3 pessoa, plural] [sem caso nominativo] v VP [traço ϕ - int] Esp V’ V Tom[affT] DP o leite [3 pessoa, singular [affAGR] [sem caso acusativo] 69 Comecemos o raciocínio que nos permite entender como a sentença se formou. Primeiramente, o determinante “o” e o nome “leite” foram retirados da numeração e concatenados, formando um DP objeto “o leite”. Em seguida, o radical “tom-” entrou na derivação com os traços de afixos de tempo (affT) e de concordância (affAGR) não valorados. Vale dizer que não temos nada a ser colocado no especificador de VP, que, de um modo geral, fica reservado a um advérbio. Como o verbo “tomou” é transitivo, o sujeito nascerá no especificador de vP. O próximo passo é a introdução do verbo leve v, que tem traços ϕ não-interpretáveis. Neste momento, temos o seguinte: o DP objeto tem traços ϕ interpretáveis, mas não tem caso valorado. O oposto ocorre com v: este constituinte tem caso acusativo a valorar e não tem os traços ϕ valorados. Como v c-comanda o DP objeto e tem os traços ϕ não valorados, v serve de sonda. O alvo é o DP objeto que valora os traços ϕ de v. A valoração envolve uma operação denominada Cópia de Traço. Em conseqüência da aplicação da operação de Cópia de Traço, os valores de número e pessoa de “o leite” são copiados em v. Um segundo reflexo da relação de concordância entre v e o DP objeto é que este último constituinte passa a ter caso acusativo. O passo seguinte é concatenar o DP “O menino” com o v. “O menino” tem traços ϕ interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Por meio de Agree, o DP “O menino” funciona como sonda, valorando o afixo de concordância não interpretável, em v, pois o radical “tom-” já se levantou para lá carregando todos os traços de afixos. Ou seja, o DP “O menino” valora o afixo de concordância como terceira pessoa do singular e elimina o traço de concordância não interpretável. Quando T é retirado da numeração, ele tem traços ϕ não-interpretáveis, além de um traço de tempo especificado como passado. T, que c-comanda o DP sujeito no especificador de vP e tem traços ϕ não valorados, serve de sonda. T procura um alvo que tenha os mesmos traços ϕ que ele, mas que sejam valorados. T encontra “O menino”, cujos traços ϕ são 70 interpretáveis e que valorarão os traços ϕ não valorados de T. Em conseqüência da aplicação da operação de Cópia de Traço, os valores de número e pessoa de “O menino” são copiados em T, de modo que os traços de pessoa e número de T não valorados passam a ser valorados. O próximo passo da relação de concordância entre T e especificador de vP é que o DP sujeito “O menino” passa a ter caso nominativo. Isso deve-se ao seguinte: caso não valorado no alvo é valorado como nominativo pela sonda que carrega tempo finito. Isso se a sonda e o alvo correspondem entre si no que diz respeito aos traços ϕ (no caso, pessoa e número). Em seguida, temos que T também concorda com o verbo por meio de Agree, valorando o afixo de tempo como passado. Mas ainda não chegamos ao fim. Devemos dizer que “O menino” movimenta-se para especificador de TP, local onde há um traço de EPP, princípio este que determina a subida do sujeito para que a projeção seja completa. Depois de Spell-out, em direção à forma fonológica, a operação Redução de cadeia apaga a cópia de baixo do DP “O menino”. Por fim, os itens de vocabulário são inseridos pela morfologia e [tom- + passado +3 pessoa do singular] é realizado como “tomou”. Como pode ser observado, as formas verbais entram na derivação como um radical mais traços de afixos de tempo e de concordância não valorados. Notamos, nesta explanação, a mudança de afixação para checagem e de checagem para valoração. Na afixação, V e N já viriam com os traços (ϕ e de caso) e obteriam tais traços nas categorias funcionais (AGR e T) ou as categorias funcionais iriam até eles. Na perspectiva da checagem, todas as categorias (lexicais e funcionais) já viriam com traços e subiriam para um nódulo mais alto na árvore para checar tais traços e casos. Na valoração, não haveria a redundância de marcação de traços em dois lugares. É possível fazer com que a marcação esteja somente em um lugar. Os traços estariam nos dois lugares, no início da derivação, mas o valor somente estaria em um deles. Enquanto um elemento não tem seus 71 traços valorados, ele está ativo. Depois que os traços de um determinado constituinte são valorados, ele está congelado. Essa operação de valoração chama-se Agree. Uma outra mudança fundamental trazida nos últimos escritos de Chomsky (1999 e 2001) está relacionada à concepção de que as estruturas sintáticas são construídas em fases, sendo uma delas o complexo vP e a outra o CP. Ou seja, quando vP está completo, aí temos uma fase. Posteriormente, quando CP está completo, temos outra fase da mesma estrutura sintática. Ao final de cada fase, cada parte da estrutura sintática já formada se submete a uma transferência aos componentes fonológicos e semânticos. A partir da formação de cada fase, não há mais como operações sintáticas atuarem em tal estrutura sintática. Neste sentido, podese afirmar que cada domínio de fase (isto é, um alvo que é c-comandado pelo núcleo daquela fase) é impenetrável para qualquer outra operação sintática. Chomsky (2001, p.5) refere-se a esta condição como PIC: Phase Impenetrability Condition (Condição da Impenetrabilidade da Fase). Desta forma, conforme Chomsky (2001, p.13) pontua, a relação sonda/alvo deve ser local, a fim de minimizar a tarefa de procura por parte da sonda pelo alvo apropriado. Esta afirmação sugere uma explanação de processamento: as fases devem ser tão pequenas, quanto possível, a fim de minimizar o trabalho da memória. A partir de todos esses apontamentos, verificamos que os estudos sobre a construção de estruturas sintáticas e de categorias funcionais vêm sofrendo várias transformações. Uma delas é a proposição advinda de vários estudos, quase todos baseados em evidência empírica, que projeções de diversas naturezas são divididas: daí o split de INFL, o split de VP e o split de CP, sobre o qual explicaremos brevemente a seguir. Rizzi (1997) propõe que a projeção CP (sintagma complementizador) seja dividida em quatro partes, a saber: força, configurando ForceP; tópico, resultando em TopP; foco, derivando FocP; e finitude, dando surgimento a FinP. O CP denota uma categoria particular de palavra que introduz oração, tais como “que” (por exemplo, em “Eu quero que você faça 72 algo”), “se” (como em “Eu tenho minhas dúvidas se ela consegue realizar algo”) e “para” (como em “Eu torço para ela entrar na faculdade”). A projeção ForceP teria a função clássica conferida a CP, que é a de ter o papel de designar à sentença a força declarativa, interrogativa, imperativa ou exclamativa. A projeção FocP teria, como núcleo, um constituinte que teria sido movido para a frente da sentença a fim de ganhar foco, como, por exemplo, em “Doce, eu não comprei”, em que o objeto sai de sua posição e vai para o início da sentença, a fim de ter uma ênfase especial. Partindo de uma perspectiva de discurso, o foco seria uma notícia nova, ou seja, uma informação que não foi previamente mencionada no discurso e assumida não ser familiar por parte do ouvinte. Entre a projeção de força (a mais alta) e a projeção de foco, teríamos, segundo Rizzi, a camada de Tópico. Nesta projeção, ao contrário da projeção de foco, teríamos uma notícia velha, que é aquela informação que já foi mencionada no discurso e, portanto, é assumido ser conhecido pelo ouvinte. Um exemplo: Falante 1: “Você viu Jornal Nacional ontem?” Falante 2: “Jornal Nacional, eu não dou mais conta de assistir.” [Tópico] Por fim, a quarta projeção funcional de CP seria FinP, o sintagma da finitude, que indicaria se uma sentença é finita ou não finita. Outra mudança percebida em toda esta explanação que, provavelmente, é uma das mais significativas é a não consideração de AGRP, ou seja, um nódulo específico para o sintagma de concordância. Na perspectiva de indicar uma nova divisão da projeção relacionada à flexão, que, nos dias atuais, está ligada a T, alguns trabalhos nos acenam para a possibilidade de aspecto verbal ser uma categoria, cuja projeção estaria contida em TP. A fim de aprofundarmos neste assunto, passamos, na seção seguinte, à explanação do que vem a ser aspecto verbal e à apresentação de algumas propostas de trabalhos que versam sobre a inclusão de uma projeção aspectual na árvore sintática. 73 2.2.1 Aspecto verbal De acordo com Chomsky (1998, p.15), os itens lexicais pertencem a duas categorias principais: a substantiva e a funcional. Até agora, temos estudado as categorias funcionais, pois elas são o foco de nosso estudo. Segundo Chomsky e toda explanação feita na seção anterior, no atual momento da teoria gerativa, as categorias funcionais centrais são C (expressando modo e força), T (expressando tempo e estrutura de evento) e v (o verbo light, que é o núcleo de construções transitivas). Reflitamos sobre a categoria funcional T, que expressa tempo e estrutura de evento. De um modo geral, a literatura trata amplamente de tempo verbal. Mas o que vem a ser estrutura de evento? Evento está relacionado a aspecto verbal e passamos, a partir de agora, a trazer conceitos e uma distinção entre as duas categorias que parecem estar contidas em T: tempo e aspecto verbais. Segundo Comrie (1976, p. 5), tempo é uma “categoria dêitica, isto é, localiza situações no tempo”. Já aspecto “está relacionado ao tempo interno da situação”. De acordo com o autor, pode-se diferenciar entre tempo interno à situação como sendo relativo a aspecto e tempo externo à situação como sendo tempo verbal. A fim de completar o conceito de Comrie, trazemos também os conceitos propostos por Travaglia (1981), em que o autor diferencia aspecto de tempo da seguinte forma: Tempo situa o momento de ocorrência da situação a que nos referimos em relação ao momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente) e posterior (futuro) a esse momento. É uma categoria dêitica, uma vez que indica o momento da situação relativamente à situação de enunciação. Neste caso, há uma datação. Já a categoria aspecto não é uma categoria dêitica, pois se refere à situação em si. O aspecto são as diferentes maneiras de ver a constituição temporal interna da situação, sua duração. (Travaglia, 1981, p.32) E o autor complementa o raciocínio: Aspecto é uma categoria verbal de TEMPO27 (...), através da qual se marca a duração da situação e/ou fases, sendo que estas podem ser consideradas sob 27 Travaglia (1981, p.31), antes de apresentar o conceito de aspecto e de diferenciar aspecto de tempo, indica três sentidos básicos de tempo: "Tempo 1: categoria verbal (correspondente às épocas: passado, presente, futuro). Tempo 2: flexão temporal. O autor se refere, aqui, aos agrupamentos de flexões da conjugação verbal: pres. do 74 diferentes pontos de vista, a saber: o do desenvolvimento, o do comportamento e o da realização da situação. (Travaglia, op. cit., p.33) Ainda segundo Comrie (op. cit., p. 25), pode-se apontar o seguinte diagrama, com a classificação de oposições aspectuais: Aspecto verbal Perfectivo Imperfectivo Habitual Contínuo Não progressivo Progressivo De acordo com Comrie (op. cit. p. 17), perfectividade indica a visão de uma situação como um todo único, sem distinção das várias fases separadas que fazem aquela situação, enquanto o imperfectivo dá atenção à estrutura interna da situação. Um exemplo trazido pelo autor (op. cit., p 3), traduzido para o português: “Ele leu” e “Ele estava lendo”. A diferença, nestas duas sentenças, efetivamente, não é de tempo, pois as duas encontram-se no passado. A diferença básica é de aspecto, sendo a primeira sentença marcada pelo aspecto perfectivo e a segunda marcada pelo aspecto imperfectivo. Em algumas línguas, há somente uma única categoria para expressar imperfectividade, mas há outras nas quais a imperfectividade é subdividida em uma variedade de categorias distintas. O autor aponta os aspectos habitual e contínuo28 como sendo duas subdivisões do imperfectivo. ind., pret. imp. do ind., fut. do pres., fut do sub. etc. Tempo 3: a idéia geral e abstrata de tempo sem consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da fase. 28 Em nota de rodapé (op. cit. p.26), Comrie assinala que outros autores usam outra terminologia para "contínuo", a saber "durativo". 75 Um traço comum em situações marcadas pela habitualidade é que ela descreve uma situação caracterizada pela repetição de uma dada situação por um período de tempo extenso, tão extenso que tal situação não pode ser referida como uma propriedade incidental do momento, mas, precisamente, como um traço característico de todo o período29. O aspecto contínuo é definido, de acordo com Comrie (op. cit., p. 26), como imperfectivo em que não há habitualidade. Ou seja, ele faz uma definição por exclusão. De acordo com o diagrama anterior, o aspecto contínuo pode ser subdividido em progressivo e não progressivo. Como Comrie não traz exatamente uma definição de progressivo, recorremos a algumas definições, tais como: Chama-se progressiva uma forma verbal que indica que uma ação está se realizando (não acabada); em particular, progressivo é o nome da forma verbal do inglês, composta pelo verbo be e da forma -ing (I am going). No português, a forma progressiva é composta de estar e da forma -ndo. (Dubois et al. 1998, p. 488). Em Crystal (2000, p. 212), encontramos um trecho que pode complementar a definição anterior: “Geralmente, o contraste é entre “progressivo” e “contínuo” (Ex.: I am going – “Estou indo”) e o não-progressivo30 ou “simples” (Ex.: I go – “Eu vou”). Vale dizer que Travaglia (1981) não indica progressivo como um aspecto. Para ele, esta é uma noção não-aspectual, mas geralmente é ligada a aspecto. De acordo com Travaglia (op. cit., p. 46), “seu constante aparecimento nos estudos aspectuais se explica pelo fato que elas (as noções não-aspectuais)31 estão ligadas a algum tipo de aspecto, podendo ser ou não conseqüência do mesmo.” Para o autor (op. cit., p. 48), “Progressividade é a indicação de que a situação tem um desenvolvimento gradual.” A despeito de seu ponto de vista, o autor não explica claramente o porquê de “progressivo” não poder ser uma terminologia adequada para designar aspecto. Do nosso ponto de vista, o aspecto que mais se aproxima do que aqui 29 Há que se chamar atenção, como fazem quase todos os autores que caracterizam o aspecto habitual, para a possível confusão que possa existir entre habitual e iterativo. Este é marcado por uma situação repetitiva, mas descontínua e limitada. Por exemplo, em "A menina saltitava como um cabritinho" (Travaglia, 1981), há aspecto iterativo, pois a ação é descontínua e limitada, mas não há habitualidade na ação. 30 O negrito é feito pelo autor. 31 Nesta explicitação, Travaglia não se refere especificamente ao progressivo, mas sim a todas as noções não aspectuais, usualmente tratadas como aspecto. Daí o plural. 76 estamos denominando de progressivo, para Travaglia, é o aspecto cursivo, que se caracteriza por apresentar a situação em pleno desenvolvimento, ou seja, concebida como já tendo passado seus primeiros momentos e ainda não tendo atingido seus últimos momentos. A situação é apresentada na fase do meio de seu desenvolvimento. Alguns exemplos dados como cursivo pelo autor: “Estamos fazendo um bolo para mamãe”, “Os rapazes continuam jogando apesar da chuva” e “O presidente estava falando desde as cinco horas”. É importante dizer que os trabalhos relativos a aspecto verbal não são fartos como o são aqueles sobre tempo e concordância. Muitos deles se dedicam a verificar a categoria em uma língua específica, outros fazem uma comparação entre várias línguas, mas poucos discutem a categoria. Aqueles que o fazem usam nomes diferenciados para caracterizar os vários tipos de aspecto verbal. Um exemplo já foi dado acima: Comrie usa progressivo e Travaglia usa cursivo. Em algumas obras, encontramos uma nomenclatura para uma dada noção aspectual e, para esta mesma noção, em outras obras, encontramos outras denominações. Em outros casos, ora encontramos uma diversidade de designação de aspectos, ora um número reduzido. Algo é certo: se há, nos estudos de aspecto verbal, pontos que convergem, há muitos outros que apresentam diferenças entre si. Avançando na nossa discussão acerca da categoria funcional T, na qual residiriam noções de tempo e de estrutura de evento, conforme nos pontua Chomsky (1998), a seguir, apresentaremos algumas propostas feitas por autores que sugerem a inserção da categoria verbal como uma projeção na árvore sintática. Hendrix (1991), por exemplo, ao estudar a morfossintaxe de duas línguas célticas, o bretão e o galês, mostra-nos que a morfologia aspectual pode ser integrada dentro da teoria Xbarra (o quadro teórico que o autor usou, na ocasião, era Chomsky, 1986). Hendrix (op. cit.) mostra como a categoria, e sua sugerida projeção, poderia ter papel fundamental em vários processos sintáticos, quais sejam: o levantamento de verbo, o move alpha, a construção de 77 negação e a marcação de caso. O autor desenha sua árvore sintática e a projeção de T domina a projeção de AGR, que, por sua vez, domina a projeção de ASP(ecto). Uma abordagem que, em princípio, visa a dar explicação distinta da de Chomsky (1993) para a ordem de palavras em línguas germânicas é feita por Solà (1996). Sem nos determos nas idéias gerais do texto, passemos a algumas de suas explicações, em que há a proposta de inserção, na árvore sintática, de várias outras categorias funcionais além de tempo. No trecho que se segue, podemos verificar o ponto de vista de Solà: Finally, there is another aspect of the minimalist program that sooner or later has to be revised: it rather crucially relies (for minimality effects, for instance) on the existence of their functional categories (AGRS, T, AGRO). On the one hand, most languages seem to display a richer ontology of inflectional paradigms (which includes Mood and Aspect, at least)32. (Solà, 1996, p.221) Solà, então, propõe uma árvore em que sejam inseridas as seguintes categorias funcionais: modo, tempo relativo, aspecto e telicidade, como ocorrem na estrutura a seguir: CP C MoodP Mood TP T ReltP Relt AspP Asp TelP Tel VP De acordo com o autor (p. 227), complementizador seria o lugar de if, that e complementizador nulo, próprios de sentenças declarativas. Em modo, teríamos can, may, 32 Tradução: “Finalmente, há outro aspecto do programa minimalista que mais cedo ou mais tarde tem que ser revisado: crucialmente conta-se (para efeitos minimalistas, por exemplo) com a existência de três categorias funcionais (AGRs, T e AGRo). Por um lado, a maior parte das línguas parecem exibir uma ontologia mais rica de paradigmas flexionais (que incluem modo e aspecto, pelo menos).” (Tradução nossa.) 78 will. Em tempo, teríamos todos os morfemas que são ligados a modais e verbos como is/was, has/had. O tempo relativo seria ocupado unicamente pelo auxiliar have. Em aspecto, estariam os morfemas –ed e –ing. Por fim, em telicidade, teríamos partículas tais como up, de He ate it up (Ele devorou) e down de He wrote it down (Ele o depreciou por escrito). No desenvolvimento de seu raciocínio, Solà propõe que verbos em inglês, em sua forma no passado, sejam particípios. Então, worked de He worked seria um particípio passado da mesma forma que worked em John has worked. Por isso, o primeiro não se movimentaria mais que o segundo33. Em relação aos verbos irregulares, o autor indica que, dos 135 verbos, 75% têm a forma no passado igual à da forma no particípio. O autor evidencia ainda, por meio de indicação de alguns dados, que há uma forte tendência em substituir a forma no passado pela forma do particípio. Desta maneira, ele acredita que toda forma no passado é uma forma de particípio. A proposta de Solà é que particípios são flexionados para aspecto e têm o traço [-progressivo]. Mas como seria a interpretação diante de sentenças como John has/had left e John left? Para o autor, no primeiro caso, o tempo estaria no auxiliar que é explícito e, no segundo caso, haveria um auxiliar de tempo nulo [+passado]. E em relação ao presente? Para Solà (op. cit.), um morfema no presente só existe se pode fazer oposição a um morfema no passado. Assim, as formas como arrives e arrived são caracterizadas pelo aspecto [-progressivo] e a diferença entre elas seria um morfema de tempo nulo, que, no primeiro caso, seria [-passado] e, no segundo caso, seria [+passado]. Desta forma, Solà propõe que, em inglês, os verbos lexicais seriam flexionados para aspecto e, portanto, um nódulo Asp(ecto) seria inserido na árvore sintática. Em 1999, Cinque realizou um amplo estudo, relacionando várias classes de advérbios com núcleos funcionais, dentre eles: modo, tempo e aspecto. O autor verificou que vários 33 No momento em que o autor propôs isto ele estava preocupado em demonstrar que a diferença entre a ordem de palavras em língua inglesa e em língua francesa não se deve a traços fortes e fracos, conforme preconizava a teoria de Chomsky (1993 in Chomsky, 1995). Para o autor, a idéia essencial é que uma palavra flexionada movimenta-se explicitamente se e somente se ela contém morfologia explícita do alvo do movimento, e que não há movimento coberto. 79 tipos de advérbios em línguas distintas estão dispostos em uma seqüência rigidamente ordenada. Cinque também verificou que há a possibilidade de haver um núcleo para cada advérbio. Tal constatação foi interpretada da seguinte forma: um AdvP ocupa a posição de um especificador de um determinado núcleo funcional que com aquele se relaciona. Tal interpretação é ainda baseada em uma relação semântica transparente entre cada classe de advérbio e o morfema núcleo contíguo à sua direita. Por exemplo, o advérbio again (outra vez), em várias línguas, foi encontrado, em uma escala hierárquica, no mesmo lugar que o núcleo funcional “aspecto repetitivo” deveria ocupar. Na verdade, Cinque encontra a seguinte hierarquia de núcleos funcionais, derivada de estudo em várias línguas: “Mood (ato de fala)> Mood (avaliação) > Mood (evidencial)> Mod (epistêmico)> Tempo (passado) > Tempo (futuro)> Mood (irrealis)> Mod (necessidade)> Mod (possibilidade)> Aspecto (habitual) > Aspecto (repetitivo) > Aspecto (freqüentativo) > Mod (volicional) > Aspecto (celerativo) > Aspecto (continuativo) > Aspecto (perfectivo) > Aspecto (retrospectivo) > Aspecto (aproximativo) > Aspecto (durativo) > Aspecto (genérico/progressivo) > Aspecto (prospectivo) > Aspecto (completivo I) > Aspecto (completivo) > Voz > Aspecto (celerativo) > Aspecto (repetitivo) > Aspecto (freqüentativo) > Aspecto (completivo).” (Cinque, 1999, p. 106) Cinque (op.cit., p. 128-130) usa a noção para caracterizar cada projeção funcional com dois valores: um não marcado (“default”) e outro marcado. “Marcado” seria o membro com aplicação mais restrita. É menos freqüente, mais complexo conceptualmente e é expresso por uma morfologia explícita. O membro não marcado tem uma aplicação mais ampla, mais freqüente, mais básica conceptualmente e, de um modo geral, é expresso por um morfema zero. No que diz respeito ao tempo passado e aos aspectos por nós estudados, Cinque assinala o seguinte: o caso em que os pontos de tempo são coincidentes, ou seja, em que o tempo de fala, de referência e tempo de evento34 são coincidentes, o valor é default. Quando 34 Estes termos estão baseados no estudo feito por Reichbach (1947 in Cinque, 1999), o qual propôs e discutiu uma teoria de tempos baseada nas entidades primitivas temporais, que são denominadas como “speech time”, S, que é um índice referente ao tempo da fala; o tempo do evento, E; e o tempo de referência, R. 80 não há coincidência entre os tempos referidos, o valor é marcado. Portanto, o presente é default (não marcado) e o passado tem valor marcado. No que diz respeito aos núcleos aspectuais, Cinque (op. cit.) considera a presença do traço relevante (que é tipicamente associado à morfologia explícita) para representar o valor marcado do núcleo e sua ausência para representar o valor default. Decorre desta acepção a afirmativa que, em todas as línguas naturais, haveria um arranjo com todas as projeções funcionais disponíveis, pois os núcleos funcionais estariam lá, com seus valores marcados e não marcados. Portanto, uma sentença como “Prices rise” teria a mesma estrutura funcional que uma sentença aparentemente mais complexa, como “Prices must not have been raised”. Isto porque, no caso da segunda sentença, os valores seriam marcados e, no caso da primeira sentença, o valor é não marcado, sendo que todas as categorias funcionais estariam presentes na estrutura sintática. De acordo com o autor (op. cit., p. 132), tal proposta parece ir contra o espírito minimalista de Chomsky (1995), pois, como este argumenta (op. cit., p. 240), a “postulação de uma categoria funcional tem que ser justificada ou pelas condições de output (interpretação fonética e semântica) ou pelos argumentos internos à teoria”. Cinque afirma, então, que cada projeção teria uma interpretação semântica específica e assinala que, se os núcleos necessariamente vêm com os traços marcados e ainda há os default, então é concebível que para todas as sentenças seja requerida a estrutura funcional em sua integridade. O autor declara que, por mais custoso que seja para as propostas do Programa Minimalista, sua proposta é ainda mais adequada que aquela feita por Giorgi & Pianesi (1997, cap.1), cujas idéias passamos a apresentar. Giorgi & Pianesi (1997), doravante G & P, desenvolvem seu trabalho propondo que os componentes universais da gramática são (op. cit., p. 137) (a) o inventário de traços entre os quais uma criança seleciona aqueles relevantes de sua língua e (b) a ordem de checagem é norteada pela “Restrição do Ordenamento Universal”, que postula que traços são checados 81 obedecendo-se a uma ordem. Ou seja, a checagem do traço 1 precede a checagem do traço 2. Portanto, para os autores, a estrutura funcional, em si, não é universal. Ela é uma conseqüência do ordenamento de traços. Os autores ainda adotam o Feature Scattering Principle (O Princípio de Divisão de Traços). Assim, para os autores, que concordam com Cinque (1994), se um advérbio, ou melhor, um feixe de traços, identificado no léxico, está presente no arranjo, deve ser projetado. Os traços, então, podem ser “difundidos” e um núcleo adicional pode ser obtido. Tal núcleo pode ser um lugar de pouso para movimento. Entretanto, a despeito de tanto G&P e Cinque adotarem uma proposta de desmembramento de traços funcionais, incluindo aí os de aspecto, os primeiros apontam que um feixe de traços associados com um único morfema pode ser projetado por mais de um núcleo. Mas posições de especificadores extras somente seriam requeridas se fossem usadas para localizar outros feixes de traços contidos no arranjo inicial. Isto implicaria dizer que, se não há especificadores para serem projetados do arranjo inicial, nenhum núcleo extra poderia ser criado. Vale dizer ainda que, no sistema de G & P, haveria uma convenção geral que interpretaria a ausência de uma certa projeção como correspondente ao valor default do núcleo relevante. Para Cinque (op. cit., p. 133), a idéia de G&P, embora lhe pareça atraente, é mais custosa que a proposta de ter sempre todas as noções funcionais estruturalmente representadas. Para Cinque, se a estrutura funcional está sempre presente, pode-se “ler” o valor default (e o valor marcado) de uma vez por todas e nenhuma convenção, por conseguinte, seria necessária para os casos defaults. Investigações sobre o status das categorias funcionais tempo e aspecto, principalmente ligadas às áreas que estudam a aquisição e perda da linguagem sob a perspectiva da teoria gerativa, no português brasileiro, são raras. Entretanto, alguns trabalhos têm surgido, como é o caso de Novaes (2004), que investigou a fala de dois pacientes afásicos agramaticais e 82 detectou uma dissociação entre tempo e concordância verbais. No texto, é relatado que os pacientes investigados não apresentavam, em suas falas, problemas de concordância, mas sim de tempo. A análise do autor avança, detectando, além de déficits de tempo, problemas com aspecto verbal. Tal achado levou Novaes a sugerir que aspecto deve estar dissociado de tempo na árvore sintática e que pode substituir o nódulo anteriormente ocupado por AGR. Um trabalho recente sobre afasiologia lingüística foi desenvolvido e, nele, apontou-se, também, o aspecto como um nódulo na árvore sintática que substituiria AGR. Braga (2004) observou que a paciente por ela pesquisada quase não produzia verbos. Quando o fazia, usava, na maior parte das vezes, o presente e o pretérito perfeito do indicativo, além da locução ‘ir + infinitivo’ usada no Brasil para expressar futuro. Em relação ao pretérito perfeito e ao pretérito imperfeito, a paciente tinha uma preferência por usar o primeiro. Segundo Braga (2004), a paciente parece manter a noção de Tempo passado, encontrando dificuldade apenas com a produção de traços imperfectivos. Uma sugestão de Braga (op. cit.) é que o nódulo de flexão seja constituído por pelo menos três outros nódulos. O mais baixo hierarquicamente seria para checagem de finitude, já que a paciente produz verbos na forma finita, mas nem sempre produz o pretérito imperfeito. O nódulo seguinte seria para checagem de tempo, que, de alguma forma, parecia estar preservado na gramática mental da paciente estudada. O último nódulo, de acordo com Braga, seria para checagem de aspecto. Este último, de acordo com a análise da autora, parecia estar comprometido. Resumindo: neste capítulo, vimos os pressupostos teóricos delineados pelo quadro da teoria gerativa. Vimos que a faculdade da linguagem é considerada um órgão inato e inconsciente. Indicamos também a gramática de uma língua seria formada pelo léxico e pelo componente computacional e interagiria com os sistemas de desempenho, que se subdividem em sistema articulatório-perceptual (sistema da fala) e sistema conceptual-intencional (sistema do pensamento). Apresentamos as operações concatenar e mover e verificamos que, 83 no Programa Minimalista, há a pressuposição de princípios de economia, em que o movimento de elementos lingüísticos só se dá por necessidade e isso ocorre em função dos traços de tais elementos lingüísticos. Em seguida, apresentamos um histórico dos estudos sobre as categorias funcionais tempo e concordância sob a perspectiva da gramática gerativa. Vimos que o que antes era concebido como um único nódulo – INFL – pode ser pensado como dividido em várias projeções. Na história da literatura gerativa, INFL já foi concebido como dividido em Tempo e Concordância. Após 1995, concordância perdeu o seu status na representação dentro da árvore sintática, mas outros trabalhos visam a demonstrar que a adoção de divisão de várias outras categorias é pertinente. Dentro desta perspectiva, vimos a proposição de divisão não só de INFL, mas também do sintagma complementizador e do sintagma verbal. Por fim, apresentamos abordagens acerca de aspecto verbal, trazendo conceitos importantes, focando-nos naqueles que serão necessários para melhor compreensão do desenvolvimento de nossa pesquisa, quais sejam: perfectivo e imperfectivo e, dentro desta última categoria, progressivo e habitual. Trouxemos, também, várias propostas que sugerem a inserção de uma projeção aspectual na árvore sintática, portanto propostas que nos acenam para a possibilidade de uma divisão do nódulo tempo, em pelo menos duas projeções, tempo propriamente dito e aspecto. Nesta tese, conforme já anunciado, estudamos o status das categorias tempo e aspecto na fala de um menino diagnosticado como DEL. Conforme apresentaremos no capítulo 6, na observação da fala eliciada desse indivíduo, podemos detectar dados que nos sugerem a dissociação entre as duas categorias. No próximo capítulo, veremos alguns estudos que investigaram a aquisição de categorias funcionais, tempo e concordância, primeiramente, e aspecto verbal, em seguida, por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. 84 3 CARACTERIZAÇÃO DAS GRAMÁTICAS DE CRIANÇAS EM FASE DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM Neste capítulo, traremos alguns conceitos importantes nos estudos sobre aquisição de linguagem sob uma perspectiva gerativista. Inicialmente, apresentaremos um modelo de parâmetros e suas implicações para uma teoria de aquisição de linguagem possível a partir dos estudos baseados na Gramática Universal. Depois, apresentaremos duas vertentes que visam a entender e a explicar como a criança adquire a língua, quais sejam: (a) a vertente que entende que a criança precisa adquirir as categorias funcionais e (b) a vertente que entende que as crianças já nascem com todas as categorias funcionais, as quais já estariam disponíveis desde muito cedo na gramática mental das crianças. Por fim, traremos alguns trabalhos que tratam sobre a aquisição de aspecto verbal por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. 3.1 MODELO DE FIXAÇÃO DE PARÂMETROS A aquisição da língua, por parte de uma criança, envolve as tarefas de aprender o léxico e de fixar os parâmetros dessa língua. A aprendizagem do léxico está relacionada à construção de um vocabulário da língua em questão, ao aprendizado de quais são os significados das palavras e que formas essas palavras podem ter (por exemplo, se são regulares ou irregulares no que diz respeito à morfologia). Como já esboçamos na seção 2.1, a faculdade da linguagem inata incorpora (a) um conjunto universal de princípios e (b) um conjunto de parâmetros gramaticais que impõe restrições à quantidade de variação gramatical permitida em línguas naturais. Desde que os princípios universais não devem ser aprendidos, pois eles são inatos, a tarefa da criança deve 85 ser a de fixar parâmetros. Essa concepção é baseada na Teoria dos Princípios e Parâmetros de Chomsky (1981). Um dos problemas que surge da acepção do modelo de fixação de parâmetros na aquisição de linguagem é entender como as crianças chegam à fixação adequada de um determinado parâmetro e quais tipos de evidência elas usam na fixação de parâmetros. Dentro deste contexto é que se coloca o “Problema de Platão”: como as crianças adquirem uma língua a partir de tão pouca evidência? Conforme Chomsky (1981, p.8-9) nos traz, há dois possíveis tipos de evidências que poderiam estar disponíveis para a criança em fase de aquisição de linguagem: a evidência positiva e a evidência negativa. A evidência positiva compreenderia um conjunto de expressões observadas ilustrando um determinado fenômeno lingüístico particular. Por exemplo, se o input lingüístico da criança é constituído por estruturas nas quais os núcleos antecedem seus complementos, isto dá a tais crianças uma evidência positiva que as capacita a fixar o parâmetro de posição de núcleo adequadamente. A evidência negativa poderia ser de dois tipos: a direta e a indireta. A evidência negativa direta deve vir de correções de erros das crianças por parte de seus pais, de falantes da mesma língua etc. Ao contrário do que se pode imaginar, a correção tem um papel insignificante no processo de aquisição de língua. Primeiro, porque a correção é relativamente rara: os adultos simplesmente não corrigem todos os erros que as crianças fazem. Em segundo lugar, as crianças não se importam muito com as correções. Muitas vezes, logo após serem corrigidas, elas voltam a produzir aquele erro anteriormente cometido. Muitos estudos, como o de Hyams (1986, p. 91), afirmam o mesmo. Hyams aponta que: “Negative evidence in the form of parental disapproval or overt corrections has no discernible effect on the child’s developing syntactic ability”35. 35 “Evidência negativa advinda de desaprovação por parte de pais ou correções explícitas não têm efeito discernível no desenvolvimento da habilidade sintática da criança.” (Tradução nossa.) 86 A evidência negativa indireta está relacionada à não ocorrência de certos tipos de estrutura. Isto é, a criança não fixa o parâmetro apropriado à sua língua ouvindo estruturas que não existem nessa mesma língua. Se isso ocorresse, a criança necessitaria de processar uma grande quantidade de estruturas, as gramaticais e as agramaticais, até achar aquela adequada à sua língua, o que demandaria muito tempo e contrastaria com a velocidade rápida com a qual se adquire uma língua. Deste modo, assume-se que a criança não precisa de evidência lingüística negativa para adquirir sua língua. Antes, necessita de uma quantidade mínima de evidência positiva para identificar o parâmetro adequado. Considerações como estas levaram Chomsky (1986, p.55) a concluir que “There is good reason to believe that children learn language from positive evidence only.36”. O advento da teoria dos Princípios e Parâmetros, conforme se pode depreender, deu grande impulso aos estudos em aquisição da linguagem. Isso porque tal arcabouço permitia o mapeamento dos estágios da aquisição de uma língua por meio da observação dos estágios pelos quais a criança ia passando. Nesta acepção, a criança parte de uma base pré-moldada à experiência (que corresponde aos princípios) e vai adequando os dados da língua que está adquirindo a essa base (que seriam os parâmetros). A partir do trabalho de Borer (1984), a visão de parâmetros passa a ter ligação exclusiva com as categorias funcionais. O raciocínio, de alguma forma já explicitado no capítulo anterior, é o seguinte: se as línguas naturais variam no que diz respeito à sua morfologia, então os elementos responsáveis pelos aspectos morfológicos é que devem estar relacionados aos parâmetros. Em outras palavras, os elementos morfológicos, que em tese são as categorias funcionais, são aqueles responsáveis pela diferença de fixação de parâmetro. Por exemplo, são as categorias funcionais as responsáveis pela fixação, nas diversas línguas naturais, da ordem sujeito-verbo ou da colocação do verbo em primeira, ou em segunda, ou 36 Há boa razão para acreditar-se que as crianças aprendem a língua de evidência positiva somente.” (Tradução nossa.) 87 em última posição em uma sentença. Como as categorias funcionais pertencem a uma classe fechada, constituem um conjunto pequeno de elementos. Portanto, a criança deve, ao adquirir uma língua, fazer escolhas dentro de um conjunto muito pequeno de opções, o que explicaria a rapidez do processo de aquisição da língua. A partir de Borer (op. cit.), surgiram inúmeros estudos em aquisição de linguagem, adotando a noção de que as categorias funcionais são portadoras dos parâmetros das línguas. Se há consenso no que diz respeito ao que foi dito até agora nesta seção, há inúmeras controvérsias em relação às hipóteses que viriam a explicar como as crianças adquirem as categorias funcionais. De um modo geral, podemos apontar duas grandes vertentes. Uma vertente que acredita que as crianças vão adquirindo as categorias funcionais obedecendo a um processo de maturação e uma segunda vertente que indica que as crianças não precisam adquirir tais categorias, pois estas já estariam disponíveis desde o nascimento. Passemos à explicitação de algumas abordagens que constituem tais vertentes. 3.2 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS PRECISAM SER ADQUIRIDAS A vertente que indica que as crianças em fase de aquisição de linguagem precisam adquirir as categorias funcionais sugerem que tal processo acompanha um amadurecimento da gramática mental. Esta vertente é também conhecida como maturacional e as várias abordagens que a compõem têm, em comum, um calendário maturacional, geneticamente determinado, de acordo com o qual as categorias funcionais iriam sendo adquiridas. Logo, o desenvolvimento da linguagem, dentro desta perspectiva, é determinado por fatores maturacionais inerentes, similares a fatores conhecidos por restringir o desenvolvimento de outros fenômenos biológicos. 88 Essa vertente possui pelo menos duas correntes: a versão forte e a versão fraca. A versão forte (Radford, 1990 e 1992; Guilfoylle e Noonan, 1988; Tsimpli, 1991; dentre outros) seria caracterizada por propostas que sugerem que, no início da aquisição da linguagem, não há nenhuma categoria funcional e apenas as categorias lexicais (SN, SV, SA) estariam disponíveis. Na versão fraca (como por exemplo, Rizzi (1994)), alguma(s) categoria(s) faria(m) parte da Gramática Universal, desde cedo. Apresentaremos, a seguir, com mais detalhes, as propostas de Radford (1990, 1992), de Guilfoylle e Noonan (1988) e de Tsimpli (1991). Para Radford (1990 e 1992), as estruturas sintáticas encontradas na fala de crianças em fase de aquisição de linguagem diferem das estruturas sintáticas presentes na fala de um adulto em dois aspectos. Para o autor, primeiramente, enquanto na fala dos adultos há projeções de núcleos lexicais e de núcleos funcionais, na fala das crianças há somente projeção de núcleos lexicais. Ou seja, há somente sintagmas verbais, nominais, preposicionais e adjetivais. Em segundo lugar, para o autor, na fala dos adultos há redes de constituintes em que há relações temáticas e não temáticas, enquanto que, na fala das crianças, há somente relações temáticas, isto é, há conjunto de constituintes irmãos tematicamente relacionados. Ou seja, para a criança, uma sentença como “Homem dirige carro”, toda a estrutura seria uma estrutura lexical na qual há somente projeções de um SN e de um SV, sendo que o V marcaria tematicamente seu constituinte irmão SN “carro”, designando a ele o papel temático de “paciente” e o SN “homem” receberia o papel temático de “agente”. Portanto, segundo esta acepção, na gramática das crianças no início da aquisição da linguagem, haveria somente as projeções lexicais de V dentro de SV e não haveria as projeções funcionais não temáticas, tais como AGRP, TP e CP. Para Radford, as crianças passariam a adquirir as categorias funcionais ao mesmo tempo. Para as autoras Guilfoylle e Noonan (1988) e Tsimpli (1991), as categorias funcionais iriam surgindo uma a uma. Passemos a tais abordagens. 89 Guilfoylle e Noonan (op. cit.), a fim de explicar os fenômenos relacionados à aquisição de categorias funcionais por parte da criança em fase normal de aquisição da linguagem, indicam a “Hipótese da Construção da Estrutura”. Para as autoras, as categorias funcionais emergem depois das categorias lexicais. Nos estágios iniciais da aquisição, as crianças teriam nomes, verbos, adjetivos e preposições, mas não teriam INFL, complementizadores, determinantes e caso. Como resultado, a gramática da criança, em fase normal de aquisição da linguagem, diferiria daquela do adulto. Mas isto não implica, segundo Guilfoylle e Noonan (op. cit.), que as crianças não devam ter as “ferramentas” para acessar elementos necessários à gramática final e completa tal como é a do adulto. De acordo com Guilfoylle e Noonan (op. cit.), as estruturas nunca violarão princípios da GU, mas alguns princípios devem aplicar-se no vácuo. Por exemplo, o Princípio da Projeção Estendida declara que todos os IPs devem ter sujeitos. Este princípio atuaria no vácuo em estágios iniciais da aquisição porque INFL não estaria presente. Esta visão de aquisição, de acordo com as autoras, é restritiva, pois considera a gramática da criança como subconjunto da gramática do adulto. A gramática da criança variará exatamente dentro daquilo que é possível de ser variado nas línguas do mundo: nas estruturas geradas pela base, mas não nos princípios que se aplicam a essas estruturas. Para as autoras, conforme já dito, haveria dois estágios no início da aquisição da linguagem. No primeiro, somente as categorias lexicais estariam presentes na fala das crianças. No segundo, surgiriam as categorias funcionais, obedecendo a quatro estágios (op. cit., p. 36): estágio 1 - somente SVs são projetados; estágio 2 – IP’s emergem e, por conseguinte, auxiliares são gerados sob I; estágio 3 – a relação transformacional entre V e I é descoberta: marcação de concordância e exemplos de verbos principais ocorrem em segunda posição em línguas que os requerem nesse local; estágio 4 – tanto IP quanto CP surgem. Por fim, as autoras fazem considerações acerca de duas questões pertinentes no estudo da aquisição da linguagem, a saber: (1) o motivo pelo qual as crianças parecem adquirir a 90 gramática lexical primeiro que a gramática funcional e (2) a possibilidade ou não da emergência da gramática funcional ser completamente independente dos dados de entrada na gramática mental da criança. Em resposta à primeira pergunta, as autoras apontam que parece que as crianças adquirem primeiramente o léxico justamente porque não há muita variação do conjunto de palavras nas línguas naturais. O mesmo não ocorre com as categorias funcionais, pois variam em suas propriedades de língua para língua. Em relação à segunda pergunta, as autoras indicam que a entrada dos dados é importante para aquisição das categorias funcionais, mas antes deve ocorrer uma maturação para que haja a emergência de tais categorias. Tal proposta, segundo as autoras, é interessante porque explica o motivo pelo qual somente após um determinado tempo é que as crianças parecem ter adquirido as categorias funcionais, pois, em princípio, a criança sempre teve contato com os dados de categorias funcionais. Uma outra autora que se insere na abordagem de maturação para a explicação de como a criança adquire a língua diz respeito a Tsimpli (1991). A autora sugere que há um amadurecimento das categorias funcionais e considera que a estrutura da sentença na fala da criança não tem projeção funcional alguma. Para Tsimpli (op. cit.), a cada momento, uma nova categoria funcional amadurece e é adicionada à estrutura da sentença. Isto implica que o desenvolvimento da linguagem é essencialmente um processo de construção da estrutura. Mesmo diante da possibilidade da presença de marcas de categorias funcionais em algumas palavras de várias línguas naturais, Tsimpli (op. cit.) sustenta seu ponto de vista. A autora utiliza exemplos em grego, em que há morfemas de AGR na fala de crianças em fase normal de aquisição de linguagem e indica que, a despeito do surgimento de tal morfema na fala desses sujeitos, isto deve-se, provavelmente, à necessidade de, nesta língua, haver um morfema de concordância junto a uma raiz verbal, caso contrário não há como se falar tal forma. O surgimento de concordância na fala da criança não se deveria, naquele momento, segundo Tsimpli, a um amadurecimento de elementos funcionais. 91 As propostas de Radford (op. cit.), de Guilfoylle e Noonan (op. cit.) e de Tsimpli (op. cit.) convergem para uma análise análoga: a de que as categorias funcionais não existem na gramática mental das crianças logo no início da aquisição da linguagem e a de que tais categorias amadurecem ao longo do desenvolvimento da aquisição da linguagem. Para o primeiro autor, as categorias emergem em paralelo, ou seja, ao mesmo tempo. Para as outras autoras, as categorias funcionais emergem uma a uma. Conforme já pontuado no início desta seção, uma versão mais fraca defensora da hipótese maturacional pode ser exemplificada por Rizzi (1994), o qual indica uma Teoria do Truncamento (Truncation Theory). Para o autor, a aquisição das categorias funcionais deve ocorrer em duas fases. Na primeira etapa, que seria fruto da Gramática Universal, a categoria IP, cindida ou não, já estaria presente. Somente em uma segunda etapa é que a categoria CP seria adquirida. O que se propõe, dentro desta perspectiva, é que, se determinada categoria funcional não está presente na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem, então nenhuma categoria funcional que se situa acima dela estará presente. Vários autores se opõem à corrente maturacional, apontando que há problemas conceituais e empíricos. No que diz respeito aos problemas conceituais, argumentações (por exemplo, de Hyams, 1986 e 1996) indicam que a corrente maturacional parece ir contra a teoria dos Princípios e Parâmetros, em que há adoção do ponto de vista que todas as categorias funcionais já estariam disponíveis para as crianças antes mesmo da experiência lingüística. Em uma tentativa de contrapor-se a tal ponto de vista, Guilfoylle e Noonan (op. cit.) chegam a admitir que, na verdade, o que é passível de amadurecimento são as estruturas que compõem uma gramática e não os princípios da GU. Logo, os princípios nunca seriam violados em um dado momento da aquisição da linguagem, não contrariando, portanto, os pressupostos da teoria gerativa, a de que os princípios são inatos. No que diz respeito aos problemas empíricos, as abordagens da corrente maturacional parecem não dar conta de explicar a produção de algumas sentenças no estágio inicial de aquisição de linguagem por 92 parte de crianças alemãs, em que parece haver a presença de CP’s, conforme nos trazem Poeppel e Wexler (1993). Em contraponto à vertente que indica que as crianças devem adquirir as categorias funcionais, temos uma vertente que aponta que as crianças já teriam as categorias funcionais disponíveis desde o nascimento. Na próxima seção, trataremos algumas abordagens que compõem tal vertente. 3.3 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS NÃO PRECISAM SER ADQUIRIDAS As abordagens apresentadas nesta seção defendem a hipótese que as crianças não precisam adquirir as categorias funcionais, pois estas já estariam disponíveis antes mesmo de ter experiência lingüística. A despeito de terem este ponto em comum, tais abordagens se dividem em pelo menos dois grupos bastante distintos no que diz respeito às suas propostas de explicação para a aquisição de língua. O primeiro grupo, aqui representado por Pinker (1995 e 1999) e Yang (2002), defende a hipótese continuísta, em oposição à hipótese maturacional. O segundo grupo também acredita que as crianças têm as categorias funcionais disponíveis desde o nascimento, mas a gramática de tais indivíduos passaria por um processo de maturação e, somente após tal amadurecimento, é que o desempenho lingüístico das crianças passaria a ser semelhante ao do adulto. Apresentaremos Wexler (1996 e 1998) como pertencente a este grupo. Comecemos nossa exposição com Pinker e Yang. Para esses autores, as crianças já teriam as categorias funcionais desde o nascimento e, a cada entrada de novos dados, a gramática da criança seria levada a uma reestruturação, daí a idéia de continuidade. A motivação para o movimento de um estágio para o outro viria de um “desencadeador” 93 presente no meio lingüístico que levaria a criança a reestruturar sua gramática e, assim, passar para o próximo estágio da gramática. Para Pinker (1995, 1999), por exemplo, o sistema computacional para o tempo passado, consiste de dois componentes: o primeiro seria o componente “regra”, seguindo a tradição da lingüística gerativa, em que verbos regulares em língua inglesa são flexionados após a aplicação de uma regra fonológica default, que adiciona –d à raiz verbal. Segundo o autor, a formação do passado de verbos irregulares naquela língua seria feita via associação/memorização de pares entre uma raiz verbal e seu tempo passado. As possibilidades de ocorrência de associação seriam condicionadas à freqüência de verbos irregulares que a criança ouve. Aí então ela memorizaria tais verbos de acordo com tempo e experiência. Para Pinker, as crianças memorizariam as formas verbais irregulares no tempo passado por uma rota de associação de pares, tais como “feed-fed”, “bring-brought”, “shootshot” etc. Para Yang (2002), a criança, desde muito cedo, teria acesso a várias gramáticas especificadas pela GU e cada gramática teria um peso. Por exemplo, uma criança teria, pelo menos, duas gramáticas: a G1, a gramática alvo usada no meio lingüístico, e a G2, a gramática competidora. Cada uma teria um peso associado. Inicialmente, as duas gramáticas não seriam diferenciadas, isto é, teriam pesos comparáveis. No início da aquisição, a criança produziria tanto sentenças de uma gramática, quanto de outra. Mas, com o passar do tempo, o peso de G2 diminuiria gradualmente, pois, pelo menos para alguns dados de input, ela seria incompatível. Logo, em um período intermediário da aquisição, haveria uma produção maior de sentenças de G1, mas com algumas ocorrências de G2. Quando a aquisição da linguagem cessasse, G2 teria sido eliminada completamente e G1 seria a única gramática a que a criança teria acesso. Portanto, para Yang, a aquisição da linguagem dar-se-ia em trocas ativas de possibilidades lingüísticas, baseadas na associação peso/probabilidade. A aquisição cessaria 94 quando os pesos de todas as gramáticas estivessem estabilizados e, por conseguinte, tais gramáticas não seriam mais trocadas. A maior tarefa que se impõe a essas abordagens é responder por que as crianças, em seu output lingüístico, demonstram diferenças em relação à fala dos adultos se as gramáticas infantis já têm as categorias funcionais tal como os adultos possuem. Para os defensores da corrente continuísta, há um elemento desencadeador na troca de um estágio a outro da gramática. Pode-se perguntar, ainda, com que freqüência este “desencadeador” deve estar presente no meio lingüístico para facilitar o acesso ao estágio posterior. Em complemento a essa pergunta, pode-se ainda indagar por que, de repente, a criança prestaria “atenção” a certos dados - presentes no input lingüístico e até então ignorados - que “desencadeariam” a passagem de um estágio a outro. Estas são questões que se fazem aos defensores da hipótese continuísta. A seguir, apresentaremos uma proposta para a aquisição de categorias funcionais, que também defende que as crianças já têm, no início da aquisição da linguagem, as categorias funcionais: Wexler (1996 e 1998). Tal abordagem difere-se daquelas feitas por Pinker e Yang porque acredita que a gramática da criança passa por um processo de maturação. Mas a proposta de Wexler contrapõe-se às propostas originalmente de maturação, feitas por Radford, Guilfoylle e Noonan e Tsimpli, porque, para estas últimas, as crianças não teriam nenhuma categoria funcional disponível no início da aquisição da linguagem. Wexler defende uma maturação das categorias funcionais sim, mas que não parte de um pressuposto de uma total ausência de tais categorias da gramática mental das crianças. Apresentaremos as idéias deste autor com mais detalhes, pois os dados obtidos para fins desta tese serão, pelo menos em parte, analisados à luz do arcabouço trazido por Wexler (1996) e, principalmente, por Wexler (1998). Para Wexler (1996), as crianças conhecem a existência de categoria funcional de tempo desde muito cedo. Para o autor, as crianças conhecem ainda a relação de itens 95 flexionais com traços morfológicos e sintáticos, a possibilidade de movimento de verbo quando o verbo é finito e a proibição disso quando o verbo não está na forma [+finito]. O autor apresenta este ponto de vista, baseando-se em estudo de dados encontrados em Pierce (1989, 1992 in Wexler, 1996) e em Poeppel e Wexler (1993). Pierce, por exemplo, trabalhou com sentenças faladas por três crianças francesas e procurou verificar se o verbo está no infinitivo ou não. Além disso, observou também se o verbo precede ou segue pas. Foi verificado o seguinte: de um modo geral, as crianças enunciaram sentenças com verbo [-finito] quando este estava à direita de pas e com verbo [+ finito] quando este estava à esquerda de pas, coincidindo com a gramaticalidade nas sentenças em língua francesa. Esses resultados sustentam a hipótese proposta por Wexler e, portanto, vão de encontro com as propostas feitas por Radford, Guilfoylle e Noonan e Tsimpli, para os quais as crianças desde muito cedo não teriam a categoria tempo. Poeppel e Wexler (1993), por sua vez, realizaram uma pesquisa com o intuito de verificar a relação finitude e ordem de palavras e, em seu texto, indicaram que uma criança alemã com dois anos e um mês sempre pronunciou verbos [+ finito] na segunda posição em sentenças principais e [-finito] no final dessas sentenças, como a língua alemã exige. Dessa forma, os autores afirmam que a criança parece conhecer o movimento de verbo em algumas situações, como também a criança parece saber que tal movimento é proibido em outras circunstâncias. Entretanto, os autores observaram que crianças com menos de dois anos produzem verbos [+finito] e [-finito] em orações principais e, na verdade, os verbos [-finito] deveriam ocorrer em orações subordinadas. Os dois estudos apresentados em Wexler (1996) parecem convergir para um determinado ponto: as crianças mais jovens ora produzem verbos [+finito], ora produzem verbos [-finito] em orações principais. A esta etapa da aquisição da linguagem, Wexler denominou de “Estágio do Infinitivo Opcional” ou “Estágio OI”. Wexler (op. cit., p. 129) indica que, a despeito de as crianças saberem a diferença entre verbos e todas as condições 96 morfossintáticas associadas ao movimento de verbo, há algo na gramática da criança distinto da gramática do adulto, que tem relação com o que ele denomina de processo de maturação. Os processos de maturação viriam ser aqueles que não dependem diretamente de uma aprendizagem. São, antes, guiados por um programa genético. No caso do uso de verbos no infinitivo, a criança utilizaria tais formas até chegar à maturidade no que diz respeito a esse fenômeno. Ou seja: tempo verbal é opcional até que ocorra a maturação. Normalmente, a opcionalidade de tempo é encontrada até quatro a seis anos. Wexler (1996, p. 131) acrescenta ainda que o verbo não finito de uma oração subordinada tem o seu tempo dependente do tempo do verbo finito da oração principal, que, por sua vez, é determinado pelo contexto. Por isso, na fala de um adulto, não ocorreria verbo no tempo não finito em orações principais porque, nestas, não há tempo mais alto na hierarquia gramatical para o infinito ser dependente. Wexler (op. cit.) assume, então, que as crianças que fazem uso da opcionalidade flexional estão usando verbo no tempo não finito como se ele pudesse ser fixado pelo contexto. Portanto, de acordo com o autor, a propriedade especial das crianças que utilizam a opcionalidade flexional diz respeito a uma interpretação realmente pragmática. Com os adultos, a propriedade seria de ordem estrutural. Em 1998, Wexler, com base em trabalhos anteriores, defende duas hipóteses, a saber: VEPS (Very Early Parameter-Setting), que aponta que os parâmetros básicos são realizados corretamente em estágios muito jovens, quando a criança tem 18 meses; e VEKI (Very Early Knowledge of Inflection), que sugere que as crianças com 18 meses já conhecem propriedades fonológicas e gramaticais de alguns elementos importantes de sua língua. Mas o autor também amplia sua discussão, pois, nesta ocasião, o autor verifica que as crianças em fase de aquisição de linguagem, além de tempo, omitem concordância verbal. A despeito de as crianças em fase de aquisição de linguagem revelarem os conhecimentos previstos por VEPS e VEKI, muitas vezes, a gramática da criança parece ser diferente daquela do indivíduo adulto. Isso porque, às vezes, a produção de tempo e de 97 concordância por parte das crianças ocorre de forma similar à produção dos morfemas correspondentes às categorias tempo e concordância por parte dos adultos. Mas, às vezes, as crianças parecem omitir ora tempo, ora concordância e ora tempo e concordância. Para explicar tal situação, o autor, baseado em Schütze e Wexler (1996), propõe ATOM, que é um Modelo de Omissão de Concordância e Tempo no Estágio OI. O modelo é construído com base na análise de dados de fala espontânea de crianças em fase de aquisição de linguagem, na qual é verificada a relação finitude versus caso estrutural designado a sujeitos de sentenças. O autor constatou o seguinte: QUADRO 2 RELAÇÃO FINITUDE VERSUS CASO, NO ESTUDO DE WEXLER (1998) Finito Infinito “he” e “she” 255 = 95% 139 = 54% “him” e “her” 14 = 5% 120 = 46% FONTE: WEXLER, Kenneth (1998). Ou seja, as crianças designaram caso nominativo corretamente em 95% das vezes em que o verbo estava flexionado, mas designaram caso acusativo ao sujeito da sentença em 5% das vezes em que o verbo estava na forma não finita. As mesmas crianças designaram caso nominativo corretamente em 54% das vezes em que o verbo não estava flexionado e designaram caso acusativo ao sujeito da sentença em 46% das vezes em que o verbo estava na forma não finita. A partir da observação dos dados encontrados, o autor, para validar ATOM, também se vale do arcabouço da Morfologia Distribuída37. Wexler assume, então, que a criança conhece também os princípios da morfologia como instanciados pela Morfologia Distribuída, proposta por Halle e Marantz (1993 in Wexler, 1998). Na Morfologia Distribuída, especificam-se os traços para cada conjunto de morfemas “em competição” para um determinado nódulo. No caso estudado, cada nódulo seria projeção de concordância e de 37 Na Morfologia Distribuída, a proposta é que o processo de formação das palavras ocorra durante a derivação. 98 tempo. Os morfemas devem ser corretamente distribuídos sobre os nódulos relevantes. Esta correspondência de morfemas e nódulos é feita de acordo com a especificação dos morfemas e a especificação dos nódulos. A especificação dos morfemas deve ser a mesma (ou similar tanto quanto possível) da especificação do nódulo. Um morfema altamente especificado tem prioridade, na correspondência, em relação a um morfema menos especificado que o anterior, desde que o morfema não tenha um traço que não exista no nódulo. Sob a acepção que concordância é que designa caso nominativo ao sujeito de uma sentença, Wexler (op. cit.) passa, então, a analisar os dados, à luz dos pressupostos da Morfologia Distribuída. As sentenças produzidas pelas crianças com designação de caso apropriado e de tempo finito são gramaticais e perfizeram um total de 95%. Seriam sentenças como He likes ice cream e, de acordo com a previsão de Wexler, na gramática mental da criança, haveria a seguinte representação: [+AGR, +T], em que concordância e tempo seriam especificados. A explicação dada por Wexler (op. cit.) para os 54% de uso da forma verbal no infinitivo com os pronomes “he” e “she” é que, se há tais pronomes, mesmo faltando o morfema caracterizador de tempo, deve haver concordância na gramática mental da criança, pois houve a designação do caso nominativo, ou seja, temos as formas “he” e “she” (e não “him” e “her”, cujos casos são acusativos). As sentenças seriam similares a He like ice cream e a representação mental seria [+AGR, -T]. Neste caso, teríamos, como especificação de tempo [+ passado], cujo morfema é –ed, competindo com [-passado], cujo morfema é Ø. Se tempo estivesse especificado para passado, o morfema de –ed seria inserido, pois ele é mais especificado que o morfema de tempo presente. Se tempo estivesse marcado para presente, o morfema de presente Ø seria inserido. Como na sentença há concordância, teríamos que ter a marca de –s. Como não há o morfema de concordância –s, que é o morfema de concordância que só ocorre no presente, temos certeza de que não há marcação de tempo presente na sentença. De acordo com a metodologia utilizada por Wexler (1998) para explicar os 99 fenômenos ora aqui trazidos, o mais provável é que, como não há especificação de tempo na representação, um outro morfema Ø menos especificado38 (coincidindo com a representação fonética do morfema de presente) seja inserido, derivando uma sentença com verbo não marcado corretamente para tempo. Para as sentenças em que houve 46% de uso de sentenças com verbo na forma infinita com os pronomes “him” e “her”, as sentenças seriam similares a Him like ice cream e a representação mental seria, de acordo com a proposta do autor, [-AGR, -T]. A explicação para o não surgimento de morfema relativo a tempo é a mesma feita para a última situação explicitada. Em relação ao não surgimento de morfema relativo à concordância, Wexler assinala o seguinte: para situações em que há [+AGR], tem-se: He = [+Nom, +3ª p, + singular, + masc.]. Já para situações em que há [-AGR], tem-se: Him = [ +3ª p, + singular, + masc.]. Como não há especificação de concordância, entrará o morfema cujo conjunto de traços é menos especificado. Daí o surgimento de Him like ice cream no lugar de He like ice cream, pois, para a primeira sentença, não há a representação mental para concordância. A explicação para a célula no quadro anterior que indica 5% de produção, por parte de crianças no período OI, de sentenças com formas verbais flexionadas e sujeitos com caso acusativo, reside na falta de concordância, pois tal categoria é que designaria caso nominativo39. Depois de toda esta explicação ainda se faz pertinente a pergunta: mas por que a especificação para caso nominativo ora ocorreria e ora não ocorreria? E por que o verbo ora 38 Embora neste texto não seja dito claramente como Wexler o faz em outros textos, este morfema corresponde àquele de forma não finita. 39 Pode-se perguntar por que as crianças demonstram mais erros de tempo que de concordância. Para Wexler e seus companheiros de pesquisa, o mais provável é que concordância seja estabilizado antes que tempo na gramática mental da criança. Em Bromberg e Wexler (1996 in Wexler, Schaeffer e Bol, 2004), há indicações que o estágio do sujeito nulo (que depende da omissão de T) termina depois do estágio do sujeito não nominativo (que depende da omissão de concordância), de acordo com os autores. 100 ocorreria flexionado para tempo e ora tal fenômeno não ocorreria? A proposta de ATOM, por si só, não consegue explicar o porquê de ora haver só e somente tempo e ora haver só e somente AGR na gramática mental das crianças e, mesmo assim, o sujeito da sentença localizar-se à esquerda da partícula negativa indicando que o sujeito se movimentou. O ponto central do texto de Wexler (1998) é uma nova proposta para explicar o produto do modelo ATOM, que, em suma, é a omissão de tempo ou a omissão de concordância da fala das crianças em fase de aquisição de linguagem. Essa nova proposta é uma sugestão de que deve haver uma restrição no momento de checagem (para usar a terminologia utilizada por Wexler (op. cit.)) do DP sujeito na gramática mental da criança. Para explicar como se dá essa restrição, Wexler (op. cit.) adota as propostas de Chomsky (1995), que nos indica que os DP-sujeitos (que têm um traço [+interpretável]) de uma sentença passariam a movimentar-se a fim de checar o traço D [-interpretável] em Tempo. Wexler, admitindo a presença da projeção de AGR na árvore sintática, assume que tanto T quanto AGR têm um traço D [-interpretável]. Se tanto AGR quanto T têm um traço-D [-interpretável], um traço D [+interpretável] deve levantar-se para checar aqueles [-interpretáveis]. De acordo com Wexler, dentro do sintagma verbal, há um DP sujeito com traços [+interpretáveis]. Portanto, este DP sujeito é que deve levantar-se para apagar os traços nas categorias funcionais, que têm traços [-interpretáveis], os quais, como já vimos, devem ser apagados a fim de que a derivação não fracasse. De acordo com Wexler, na gramática do adulto, o DP sujeito, então, sobe primeiramente para o especificador de Tempo e checa o traço D [-interpretável]. Depois, ele sobe para o especificador de AGR e checa o traço D [-interpretável]. O que parece ser problemático para a criança, segundo Wexler (op. cit.), é o fato que duas checagens são requeridas. Wexler (op. cit.) explica o fenômeno de omissão ora de concordância, ora de tempo apontando que, na gramática mental da criança em fase de aquisição de linguagem, o DP- 101 sujeito, que tem traço [+interpretável], e portanto não deve ser eliminado, não deve conseguir checar mais de um traço D [-interpretável] em cada derivação de uma sentença. Para explicar tal restrição, o autor lança mão de dois argumentos: um que diz respeito à escolha de numeração com violações mínimas na gramática mental da criança e outro (ligado ao anterior) que sugere que, na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem, nem sempre o traço D [+interpretável] de um DP sujeito é considerado desta forma, ou seja, às vezes ele pode ser “enxergado” como [-interpretável]. Wexler desenvolve seu raciocínio da seguinte maneira: as crianças em fase de aquisição de linguagem sabem, desde muito cedo, que os traços das categorias funcionais são [-interpretáveis] e também sabem que uma derivação com traços [-interpretáveis] não converge. Wexler, então, indica que uma das demandas da Restrição de Checagem Única deve estar relacionada a uma preservação mínima do significado e, deste modo, o autor coloca que, para a criança, haverá duas representações, uma com a categoria concordância (com seu núcleo e especificador) e outra com tempo (igualmente com seu núcleo e seu especificador). Na gramática do indivíduo em fase de aquisição de linguagem, ou AGR ou T terá os traços [interpretáveis] checados, derivando na fala da criança, obviamente, a omissão de morfema de uma ou outra categoria. Desde que não haverá nenhum traço [-interpretável], a derivação AGR [D] [VP DP V...] ou a derivação T [D] [VP DP V...] convergirá. Isto é o que Wexler denomina de Violações Mínimas, ou seja, diante da possibilidade de duas numerações com violações mínimas (como as apontadas acima), a gramática da criança deve escolher uma. Há ainda um outro ponto crucial para o entendimento de toda esta proposta. De acordo com Wexler (op. cit., p. 68-69), as crianças, algumas vezes, podem entender que o traço [+interpretável] do DP sujeito é [-interpretável]. Portanto, para um traço [-interpretável], uma única checagem basta, já que ele é apagado após tal procedimento. Mas por que, em alguns momentos, as crianças entendem que os traços do DP sujeito são [- interpretáveis]? O autor (op. cit., p. 69) propõe que isso, provavelmente, deve-se ao 102 resultado de um possível déficit entre a interface e pragmática. Ele lança mão de vários trabalhos (Maratsos, 1976; Karmiloff-Smith, 1979; Hickmann et al., 1996; Kail e Hickmann, 1992 in Wexler 1998), os quais que já demonstraram que as crianças, no período OI, muitas vezes omitem determinante, embora não seja clara a relação entre omissão de determinante e interpretabilidade. O que é fato é que as crianças freqüentemente usam o artigo definido no lugar do indefinido, ou seja, elas tratam uma informação nova como sendo velha, considerando que o ouvinte já sabe do que se trata a informação. Portanto, as crianças, em fase normal de aquisição de linguagem, não interpretam especificidade corretamente; possivelmente tais crianças não sabem que traços de D de um DP sujeito são sempre interpretáveis. Logo, se o efeito da Restrição da Checagem Única deve-se a um mal entendimento das características interpretativas de D, então deve-se esperar que a necessidade de dupla checagem (em tempo e em concordância), que ocorre na gramática mental do adulto, não ocorrerá na gramática mental da criança. Para Wexler (op. cit.), a Restrição de Checagem Única seria uma propriedade do período OI e definitivamente não seria uma propriedade da gramática do adulto. A Restrição da Checagem Única não seria também um resultado direto de subespecificação de traços; antes seria uma restrição mais fundamental no sistema computacional da sintaxe. Wexler (op. cit.), então, questiona: qual é a natureza do “déficit” da criança que causa a Restrição da Checagem Única? Ele responde que uma possibilidade é que a sintaxe da criança simplesmente deve declarar tal restrição, dando conseqüência a uma sintaxe mais restrita que a gramática do adulto. O movimento da sintaxe OI para a sintaxe do adulto seria, portanto, um amadurecimento com possibilidades representacionais adicionadas com o tempo e não a atuação de propriedades que não existem na GU. Wexler também apresenta a seguinte questão: como a criança omite concordância ou tempo em alguns momentos e, em outros, a criança produz os morfemas correspondentes a tais flexões? Ao que ele responde: provavelmente, o que ocorre é que a Restrição de 103 Checagem Única força a omissão algumas vezes. Além disso, o autor lembra que não há nada na sintaxe minimalista que força a existência de tempo ou de concordância. Talvez, segundo Wexler, tempo tenha uma motivação semântica e, para o autor, o que deve ficar claro é que tudo o que converge para a criança no período OI converge na gramática do adulto também. As violações derivadas da atuação da Restrição da Checagem Única explicariam, de um modo natural, a propriedade “opcionalidade” de OI sem recorrer a mecanismos de opcionalidade que não existem na gramática do adulto. Na estrutura que falta concordância ou tempo, não há violação sintática, segundo o autor; o que ocorre é uma convergência com uma categoria funcional faltando. O que provavelmente está envolvido, segundo Wexler, é uma violação de propriedades conceituais, que requer concordância e tempo na sentença. Em suma, nesta seção, verificamos oito propostas para a aquisição de categorias funcionais por parte de crianças em fase de aquisição de linguagem, algumas de forma mais resumida e outras de forma mais detalhada, de acordo com os interesses desta pesquisa. A seguir: 104 QUADRO 3 RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM HIPÓTESE INDICA QUE AS CRIANÇAS PRECISAM ADQUIRIR AS CATEGORIAS FUNCIONAIS. PRESSUPOSTOS AUTOR (ES) A aquisição de Radford categorias (1990) funcionais obedeceria a um processo maturacional. Guilfoylle e Noonan (1988) Tsimpli (1991) Rizzi (1994) ABORDAGEM Versão forte: na fala das crianças, há somente projeção de núcleos lexicais. Não há a categoria TP, não há o nódulo AGRP e não há a projeção CP. As crianças adquirem todas as categorias funcionais ao mesmo tempo. Versão forte: as categorias funcionais emergem depois das categorias lexicais. Inicialmente, as crianças têm, em sua gramática mental, somente nomes, verbos, adjetivos e preposições. Com o decorrer de um processo de maturação, ocorre o surgimento das categorias funcionais, uma a uma. Primeiro IP, depois CP. A proposta não implica violação dos princípios, pois eles estariam lá, só que atuariam no vácuo. À medida que as estruturas que compõem uma gramática vão amadurecendo é que tais categorias funcionais surgem na fala das crianças. Versão forte: na fala da criança não há indícios de que haja alguma projeção funcional. Quando há o surgimento de uma dada categoria funcional, provavelmente é porque, naquela língua, não se consegue falar a palavra sem que haja a inserção da marca morfológica daquela categoria funcional. As categorias funcionais surgiriam uma a uma. Versão fraca: a criança já teria, desde o início, a projeção IP. Nada acima estaria presente na gramática mental. Após processo de amadurecimento é que surgiria a projeção CP. 105 HIPÓTESE INDICA QUE AS CRIANÇAS NÃO PRECISAM ADQUIRIR AS CATEGORIAS FUNCIONAIS PRESSUPOSTOS AUTOR As categorias Pinker (1995, funcionais já 1999) estariam dispostas na gramática mental da criança desde o nascimento. Yang (2002) ABORDAGEM Versão continuísta Para a flexão verbal de tempo passado, há dois componentes: (1) a regra, que é aquela que permitiria a formação de tempo passado em verbo do paradigma regular em inglês e (2) a memorização de pares entre sua raiz e sua flexão de passado; este último sendo responsável pela formação de passado em verbos do paradigma irregular, em língua inglesa. Versão continuísta A criança tem acesso a várias gramáticas. Cada gramática tem um peso. Com o passar do tempo e a exposição ao meio lingüístico, a gramática competidora perde peso e a gramática alvo ganha peso. A aquisição cessa quando os pesos estão estabilizados e as gramáticas não mais são trocadas. 106 HIPÓTESE INDICA QUE AS CRIANÇAS NÃO PRECISAM ADQUIRIR AS CATEGORIAS FUNCIONAIS PRESSUPOSTO AUTOR As categorias Wexler funcionais já (1996 e 1998) estariam dispostas na gramática mental da criança desde o nascimento, mas o uso regular de categorias funcionais depende de um amadurecimento guiado por fatores genéticos. ABORDAGEM Wexler, em 1996: a criança passa pelo “Estágio do Infinitivo Opcional” ou Estágio OI. Nesta etapa, a criança ora produz, ora omite tempo verbal. Desta forma, ela oscila no uso de formas finitas e formas não finitas até que se finde um processo maturacional, que é guiado por programas genéticos. Wexler, em 1998: o autor reitera seu ponto de vista, que é baseado em análise empírica, que as crianças desde muito cedo já têm os parâmetros básicos e as propriedades gramaticais de sua língua realizados corretamente. O autor adota a explicação já desenvolvida em Schütze e Wexler (1996) para as sentenças em que ora ocorre flexão de tempo e ora ocorre flexão de concordância. O modelo, conhecido como ATOM, é conseqüência da atuação de uma Restrição de Checagem Única, que vem a ser uma propriedade do Estágio OI. Tal propriedade indica que a gramática da criança, em alguns momentos, impede que o DP-sujeito cheque seus traços mais de uma vez durante a derivação de uma sentença. E isto deve ocorrer devido ao fato de a gramática da criança “enxergar”, algumas vezes, o DPsujeito como tendo traços [-interpretáveis]. Quando tal gramática enxerga o DP-sujeito como tendo traços [+interpretáveis], a checagem dupla pode ocorrer e a sentença tem tempo e concordância, tal como a fala do adulto com a gramática intacta. 107 3.4 ABORDAGENS QUE TRATAM DA AQUISIÇÃO DE ASPECTO VERBAL Trabalhos que visam a descrever e a analisar a aquisição de aspecto verbal não são tão numerosos como aqueles que visam a fazer o mesmo para as categorias tempo e concordância. Entre aqueles estudados para fins desta tese, verificamos que uma parte dos trabalhos em aquisição de aspecto verbal da década de 70 e 80 se organizou a fim de provar a validade da hipótese estabelecida por Jakobson (1957), que propõe que aspecto verbal é adquirido antes de tempo verbal. Trabalhos mais recentes tendem a questionar a proposta de Jakobson e convergem seus objetivos na investigação da pertinência da hipótese. A seguir, apresentaremos duas abordagens que visam a defender a hipótese que a emergência de aspecto é anterior ao surgimento de tempo: Bronkart e Sinclair (1973) e Bloom, Lifter e Hafitz (1980). Em seguida, apresentaremos Hodgson (2004) e Vinnitskaya e Wexler (2001), que nos apontam que não é tão clara a possibilidade de aspecto verbal ser uma categoria estável na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem, conforme preconizam os dois primeiros trabalhos. Para o entendimento das propostas a serem apresentadas, é interessante que se tenha em mente que há duas formas de conceber aspecto: há o significado lexical e há o significado gramatical. De acordo com Comrie (1976), aspecto lexical é determinado pelas propriedades lexicais do sintagma verbal inteiro e aspecto gramatical é determinado pelo sistema verbal da linguagem, que inclui morfologia de tempo e de aspecto. Aspecto lexical refere-se a propriedades semânticas, exibidas pelo verbo e seus argumentos em uma sentença. Estas propriedades são definidas como contrastando, por exemplo, durativo/não durativo e télico/atélico. Um predicado é durativo quando pressupõe que uma ação está em andamento e é não durativo quando o início e o término de uma dada situação ocorrem no mesmo instante ou são separados por um lapso de tempo curto. Um predicado é télico quando o evento que 108 ele denota atinge seu ponto de culminância, ou seja, quando ele vincula a completude de um evento. Um predicado é atélico quando o evento que ele denota não atinge seu ponto de culminância. Já aspecto gramatical é, normalmente, marcado por auxiliares e por morfologia derivacional ou flexional. Por exemplo, em espanhol, uma leitura perfectiva é obtida pelo uso do morfema -ó (usado no tempo pretérito), enquanto uma leitura imperfectiva é obtida com o uso do morfema –aba e –ía (usado no pretérito imperfeito). Passemos agora à explicitação dos trabalhos de Bronckart e Sinclair (1973) e Bloom, Lifter e Hafitz (1980), para os quais a emergência de flexões verbais na fala das crianças seria uma influência da semântica verbal e não exatamente da aquisição da morfologia de tempo. Bronckart e Sinclair (1973), em um estudo experimental do uso das formas verbais do francês por parte de crianças com idade variando entre dois anos e onze meses a oito anos e sete meses, verificou a relação semântica dos verbos e o surgimento de flexões verbais. Usando brinquedos, os pesquisadores pediam às crianças que falassem o que estava acontecendo. Embora fosse solicitado que as crianças somente falassem depois de elas terem tido a oportunidade de ver o que tinha acontecido, aquelas de até seis anos usaram diferentes formas para diferentes tipos de ação: ações que obtinham um resultado muito claro eram quase sempre descritas com passado composto, nos remetendo, portanto, à idéia de perfectividade. Outras ações que nos acenavam a idéia de imperfectividade foram usadas, na fala das crianças, por verbos que permitiam a expressão de imperfectividade. Ações sem um objetivo explícito e ações que não tinham chegado ainda a algum resultado eram descritas no presente. Ou seja, para ações cuja semântica do verbo era de natureza télica, as crianças tendiam a colocar a flexão de aspecto perfectivo. Para aquelas situações em que o verbo mais adequado era de natureza atélica, as crianças tendiam a usar morfologia de aspecto imperfectivo. Logo, para os autores, não seria o tempo que estaria “guiando” o uso de flexão verbal e, sim, a semântica do verbo. Bronkart e Sinclair (op. cit.) concluíram, então, que 109 crianças mais jovens usam flexões verbais em francês para codificar distinções de aspecto e não de tempo. Bloom, Lifter e Hafitz (1980) apresentaram um estudo refletindo dados de aquisição em língua inglesa e seus principais achados foram semelhantes àqueles encontrados por Bronkart e Sinclair (op. cit.). Nos resultados das pesquisas dos autores, percebeu-se uma tendência a haver produção de verbos flexionados, nos quais ocorria correspondência dos valores aspectuais dos verbos e das flexões usadas. Por exemplo, verbos como play, ride e write (respectivamente: “brincar”, “montar” e “escrever”), tidos como durativos, apareciam quase que exclusivamente com –ing. Os verbos que expressavam uma situação não durativa, como por exemplo, find, fall e break (respectivamente, “encontrar”, “cair” e “quebrar”), por sua vez, ocorriam quase que exclusivamente com –ed (marca de passado de verbos regulares) e com marcas de passado de verbos irregulares. Com base nos resultados assinalados, Bloom et al. (op. cit.) indicam que o uso seletivo de diferentes morfemas era amplamente determinado pelo significado aspectual inerente de cada verbo. Os resultados tanto de Bronckart e Sinclair (op. cit.) quanto de Bloom et al. (op. cit.) são, portanto, consistentes com a hipótese de aquisição de aspecto antes do tempo por parte das crianças em fase de aquisição de linguagem. A despeito de tais achados, trabalhos mais recentes têm apresentado resultados que não convergem para a mesma explicação. O foco não está exatamente na verificação de aquisição mais tardia de tempo, mas sim na dificuldade de se perceber, com clareza, se as crianças entendem e produzem realmente (e em qual extensão) a categoria aspecto verbal. Hodgson (2004) apresenta um estudo que visa a investigar o conhecimento de aspecto verbal por parte de crianças falantes do espanhol. A autora verifica se as crianças são capazes de acessar significado aspectual da morfologia verbal e aplica os testes em adultos, que serviriam de controle. 110 A pesquisadora realizou, dentre outros, alguns testes de compreensão. Uma das baterias de testes dizia respeito a testes de compreensão de significados perfectivos em situações perfectivas. Uma outra bateria de testes tinha o objetivo de verificar a habilidade das crianças em mapear a morfologia do perfectivo e do imperfectivo em situação télica. Em relação aos resultados obtidos após a aplicação dos testes de compreensão de aspecto gramatical perfectivo em situação télica, verificou-se que as crianças de três e quatro anos não conseguiram um desempenho similar ao dos adultos. Já as crianças acima de cinco anos, em contrapartida, tiveram um resultado semelhante ao dos adultos. Para a autora, tal resultado é uma sugestão que crianças mais jovens não fazem uma distinção entre o evento completo e o evento em curso, o que indica que tais crianças ainda não conhecem a semântica da morfologia perfectiva. No que diz respeito aos resultados obtidos após a aplicação dos testes da outra bateria, verificou-se o seguinte: quando uma situação télica era descrita usando um tempo perfectivo, as crianças de três e quatro anos não demonstraram um desempenho bom, já as crianças mais velhas sim. Novamente, estes resultados indicam que as crianças mais jovens têm dificuldade para determinar o significado perfectivo da morfologia perfectiva. Quando uma situação télica era descrita usando-se o tempo imperfectivo, as crianças de três e quatro anos novamente não se saíam bem, comparativamente aos adultos, portanto, um indicativo que essas crianças têm também dificuldades para mapear significado imperfectivo para morfologia imperfectiva. Hodgson (op. cit.) conclui que crianças de três e quatro anos não distinguem o significado perfectivo/imperfectivo. Sendo assim, para a autora, não é correta a acepção que aspecto é adquirido antes de tempo na gramática mental da criança em fase de aquisição de linguagem, já que o conhecimento aspectual não parece estar totalmente estável. Em contraposição aos achados de Hodgson (op. cit.), Vinnitskaya e Wexler (2001) também realizaram um teste de compreensão em russo40 em que as crianças obtiveram um 40 O estudo sobre aspecto verbal em línguas como o russo é interessante porque, nesta língua, há morfemas distintos para tempo e para aspecto verbal. 111 desempenho similar ao dos adultos no uso apropriado de verbos com aspecto perfectivo em situações em que assim o exigia e no uso adequado de verbos com aspecto imperfectivo em ocasiões em que tal deveria ocorrer. Entretanto, quando os autores realizaram testes de produção, o mesmo resultado não foi alcançado. Nestes últimos testes, as crianças usaram o imperfectivo em situações em que os adultos usaram o perfectivo. Os testes eram desenvolvidos da seguinte maneira: o pesquisador apresentava um quadro e falava uma sentença no tempo presente, tal como: “O urso está comendo uma maça agora”. Em seguida, o pesquisador, pedia à criança que completasse a sentença que começava com “Ontem...”, mostrando um quadro em que a maça já tinha sido comida pelo urso. A fim de explicar o desempenho das crianças nas tarefas apresentadas, Vinnitskaya e Wexler (op. cit.) indicam que as crianças devem conhecer as distinções aspectuais desde muito cedo (daí o grande acerto em tarefas de compreensão). O que elas não devem entender é a relação pragmática do uso de aspecto. Ou seja, as crianças devem assumir, equivocadamente, que o ouvinte sabe que o evento é uma situação completa. Se o ouvinte sabe disso, de acordo com os autores, o aspecto imperfectivo é quase que natural. Ou seja, se a informação sobre a completude da situação é nova, deve-se usar o perfectivo. Mas, se a criança parte do princípio que o ouvinte entende que a informação sobre completude da informação é velha, pode-se usar o imperfectivo. Logo, a explicação dos autores para o desempenho das crianças nos testes diz respeito à relação entre o que a criança acredita que o ouvinte sabe e o que não sabe. A explicação reside, então, de acordo com os autores, na pragmática. Desta forma, os dois últimos trabalhos se contrapõem aos dois primeiros, pois há evidências que, na gramática mental das crianças mais jovens, não há estabilidade na produção de aspecto e, portanto, não há como se afirmar que as crianças, em fase de aquisição de linguagem, adquirem aspecto antes de tempo verbal. 112 Resumindo, nesta seção, vimos quatro abordagens que visam a explicar a aquisição de aspecto gramatical por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Todas elas são apresentadas no quadro resumo que se segue. 113 QUADRO 4 RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE ASPECTO POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM HIPÓTESE ASPECTO ANTES DE TEMPO AUTOR (ES) Bronckart e Sinclair (1973) Bloom, Lifter e Hafitz (1980) ASPECTO, NO INÍCIO DA AQUISIÇÃO, NÃO É UMA CATEGORIA ESTÁVEL NA FALA DAS CRIANÇAS Hodgson (2004) Vinnitskaya e Wexler (2001) ABORDAGEM Os autores estudaram a relação semântica (se télico, se atélico) dos verbos e o surgimento de flexões verbais de perfectivo e de imperfectivo, em fala de crianças em fase de aquisição de língua francesa. Observaram que as crianças usam flexões verbais para codificar distinções de aspecto e não de tempo. Os autores verificaram que a semântica dos verbos em inglês influencia o surgimento de flexões verbais. Verbos durativos ocorrem mais com flexões do tipo –ing. Verbos não durativos ocorrem mais com a flexão –ed e marcas de passado de verbos irregulares. A autora verifica se as crianças em fase de aquisição de língua espanhola têm aspecto verbal a partir do aspecto lexical. Em um dos testes, a pesquisadora investigou se as crianças poderiam distinguir a informação aspectual (perfectivo/imperfectivo) quando usados em situação télica. Foi verificado que as crianças mais novas (de três e quatro anos) não conseguem fazer distinção entre evento completo e evento incompleto. Esta constatação vai contra a hipótese que as crianças adquirem aspecto antes de tempo. Os autores desenvolveram testes de produção e de compreensão para verificar aspecto em fala de crianças em fase de aquisição de língua russa. Nos testes de compreensão, as crianças demonstraram ter conhecimento de aspecto, mas, nos testes de produção, nas situações em que os adultos usam o perfectivo, as crianças usaram o imperfectivo. A explicação dada reside na pragmática: as crianças tratam a informação nova como informação dada, portanto o imperfectivo, no lugar de perfectivo, é possível, de acordo com os autores. 114 4 CATEGORIAS FUNCIONAIS NA GRAMÁTICA MENTAL DE CRIANÇAS DEL Há várias abordagens que visam a dar explicações para o fenômeno DEL. Podemos vislumbrar pelo menos três tipos maiores de hipóteses. A primeira seria aquela para a qual o DEL deve-se a um comprometimento cognitivo de caráter geral, o que afetaria outros sistemas cognitivos, dentre eles o lingüístico. A segunda estaria relacionada a idéias que indicariam que o DEL seria um déficit de caráter processual. A terceira hipótese, na qual esta tese se insere, aponta que o DEL deve-se a um comprometimento estrutural. Para as correntes que se inserem na primeira hipótese, a linguagem não seria um sistema cognitivo autônomo e modular e, portanto, o déficit lingüístico apresentado pelas crianças DEL seria causado por um comprometimento no processamento cognitivo geral. Uma das pesquisadoras dessa linha é Johnston (1997). No que diz respeito aos defensores da segunda hipótese, temos grupos de pesquisas que supõem que, na verdade, não há problemas lingüísticos propriamente ditos. Os aparentes déficits lingüísticos seriam considerados como decorrentes ou de um problema de produção articulatória, conforme nos traz Fletcher (1990), ou de um problema de processamento perceptual, como nos trazem Leonard (1989 e 1998) e Leonard e Bortolini (1998). A terceira hipótese engloba uma série de pesquisadores, cujo ponto em comum é que o déficit do DEL pode ser explicado em termos estruturais. Neste grupo, temos os trabalhos de Gopnik (Gopnik, 1990; Gopnik e Crago, 1991; Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda, 1997), para a qual o déficit especificamente lingüístico deve-se a uma impossibilidade de haver construção de uma gramática mental normal. A idéia é que as crianças DEL não teriam acesso a regras regulares de flexão e, por isso, é proposto um modelo de déficit de estabelecerem-se regras. Outra abordagem que se insere nesta terceira hipótese é feita por Clahsen (1989), Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Gölner (1997). Esses autores indicam que os 115 problemas dos indivíduos DEL estão restritos à incapacidade de se estabelecer concordância entre dois constituintes de uma estrutura sintagmática. Há duas autoras, Jakubowicz e Nash (2001), cuja idéia para explicação do DEL é a de que o déficit estudado deve-se a uma possível complexidade computacional, derivada pela inserção de mais um nódulo na árvore sintática. Uma abordagem distinta das anteriores, também pertencente à terceira hipótese, é aquela apontada em van der Lely (1998), a qual indica que o problema lingüístico de crianças DEL está ligado a uma falha em um dos princípios de economia, mais precisamente no segundo princípio de economia do Último Recurso. Tal princípio obrigaria o movimento, mas, estando comprometido, não haveria a obrigatoriedade do movimento sintático na gramática mental do indivíduo DEL. Assim, ora ocorreria o movimento, ora não. Apresentaremos ainda as idéias de Wexler, que também se encaixam na terceira hipótese. Para Rice e Wexler (1995) e para Wexler, Schütze e Rice (1998), o problema lingüístico dos indivíduos DEL está ligado a uma extensão do período crítico, período dentro do qual a criança deveria adquirir linguagem sem esforço, como ocorre com a aquisição de língua materna por parte de crianças sem problemas de linguagem. A criança DEL, neste caso, estenderia o processo por um tempo mais longo ou indefinidamente. A seguir, explicitaremos cada uma das propostas indicadas. Comecemos por Johnston (1997), que apresentou, em seu artigo, vários estudos que verificaram alguns níveis de cognição não-verbal (às vezes ao lado de testes que verificaram níveis de cognição verbal) por parte de crianças DEL. 4.1 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO COGNITIVO MAIS GERAL Johnston (1997) afirma que, no DEL, há déficits de processamento de informação, particularmente nas áreas de percepção, processamento e atenção. A autora apresenta vários 116 argumentos baseados em pesquisas para defender seu ponto de vista, o qual aponta que os problemas morfológicos apresentados pelas crianças DEL devem ser estudados sob um modelo de aquisição de linguagem mais amplo, ou seja, devem ser refletidos, observando-se as interfaces entre fatores sintáticos, semânticos, cognitivos e perceptuais. Johnston explicita que, em tarefas de percepção de formas geométricas para a resolução de problemas, as crianças DEL obtiveram um desempenho pior que as crianças sem problemas de linguagem. Em outras tarefas em que as crianças DEL e crianças controle tinham que resolver, percebeu-se que tanto as primeiras quanto as segundas conversavam na realização das atividades. Mas as crianças DEL apenas conversavam, segundo a autora, ao mesmo tempo em que mantinham a execução de uma determinada atividade como, por exemplo, em (Johnston, op. cit., p.163): “Oh, oh, well, put these down for – put these down first, and, and then, and, okay and – put these down first, and – first41.” Já as crianças sem problemas de linguagem, de acordo com a autora, “lexicalizavam” sua conversa, ou seja, falavam para o colega exatamente o que estavam realizando. Um exemplo: “I know, but, I, maybe, we can, I got a good idea we can do. We can straw it like that so that thing doesn´t, come off the string42”. Vale dizer que Johnston entende que os déficits lingüísticos, neste caso, provavelmente, devem ocorrer devido a uma limitação no repertório. Em outras tarefas, como, por exemplo, de percepção de arranjos de figuras geométricas em que uma delas estava na vertical e outra disposta em um ângulo que podia variar de 45º a 135º, as crianças DEL realizavam a tarefa de percepção da segunda coluna mais lentamente que as crianças controle. Neste caso, Johnston interpreta tais evidências como sendo de limitações de processamento. Aliam-se a isso outros dados obtidos de pesquisas que visavam a verificar a capacidade de atenção por parte da criança DEL. Tais indivíduos parecem, de acordo com análises da autora, ter deficiência em orientações quando 41 “Oh, oh, bem, ponha estes para baixo primeiro, e, e então, e, okay e – ponha estes para baixo primeiro, eprimeiro”. (Tradução nossa.) 42 “Eu sei, mas, eu, talvez, pudéssemos, eu tive uma boa idéia que podemos fazer. Nós podemos planejá-la de forma que ela não dê errado.” (Tradução nossa.) 117 são trocados de meio ambiente e quando têm que codificar um determinado estímulo percebido. No que diz respeito à relação dos déficits de cognição mais geral com a linguagem, a autora indica que há possíveis conseqüências de mecanismos de processamento ineficientes ou lentos para a aquisição da linguagem. Johnston aponta que se se assume que fontes mentais são necessárias para acessar informação estocada e mantê-la para análises comparativas, então um processamento lento ou ineficaz poderia fazer aumentar as demandas de fonte de tarefas de aquisição de língua. Isto levaria a criança a ficar mais vulnerável a erros ou a fazer análises incompletas. Em relação aos problemas morfológicos especificamente, Johnston admite que as crianças DEL realmente têm problemas com morfemas flexionais, auxiliares, artigos etc. A autora adota a explicação dada por Leonard (1998) que indica que os problemas morfológicos dos indivíduos DEL são de superfície. Isto é, os morfemas gramaticais em inglês são pouco acentuados e, por isso, os falantes teriam dificuldade de perceber eventos acústicos breves (esta abordagem será ainda trazida, com mais detalhes, neste capítulo). Desta forma, para a autora, o problema seria uma disfunção perceptual. Dentro deste contexto é que Johnston defende que os debates sobre a morfologia de déficit especificamente lingüístico devem ser estudados levando-se em conta os múltiplos fatores. Isto porque os dados sugerem que estudos cujas explicações para o déficit são baseados na dificuldade perceptual não conseguem explicar, sozinhos, a diferença na aquisição da morfologia gramatical por parte de crianças DEL. Devem entrar no debate sobre o assunto estudos em que se levem em conta aspectos sintáticos, semânticos, perceptuais e cognitivos. Mas, se há abordagens em que vários aspectos são demandados, conforme nos indica Johnston, outras limitam-se a dar explicações de caráter processual, as quais serão apresentadas na próxima seção. 118 4.2 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO Como representantes da corrente que encara o DEL como sendo um déficit processual, temos Fletcher (1990) e Leonard (1989 e 1998) e Leonard e Bortolini (1998). Comecemos com a exposição do que nos traz Fletcher. 4.2.1 DEL: déficit na produção/articulação A explicação para o DEL como sendo problema na produção da fala está ligada à hipótese apresentada por Fletcher (1990), que afirma que o que se interpreta como um déficit sintático na gramática mental do indivíduo DEL não passa de uma falha na habilidade de produzir a forma de superfície correta. De acordo com Fletcher, as pessoas DEL falantes do inglês proferem frases como “Yesterday, I walk”, no lugar de “Yesterday, I walked”. Diante de dados dessa natureza, Fletcher afirma que o problema lingüístico do DEL não é exatamente com as propriedades gramaticais ligadas a tempo e, sim, com a dificuldade na produção do som alveolar final. Contrapondo-se a tal acepção, é demonstrada, em Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997), uma pesquisa que foi realizada com os propósitos de investigar não só a fala das crianças DEL, como também a de seus familiares. Na pesquisa, foram obtidos dados que nos revelam que traços de marca dialetal presentes nas falas dos pais poderiam influenciar a fala dos filhos DEL. Por exemplo, em palavras monomorfêmicas que terminavam com alveolares, tanto crianças DEL quanto seus pais omitiam o som final. O mesmo não ocorria com terminações que indicavam tempo verbal passado e que eram representadas na fonética por uma alveolar. As crianças DEL apagavam tais terminações, mas os pais não o faziam. Acrescenta-se a isto a dificuldade de os indivíduos DEL falantes do inglês produzirem o 119 tempo verbal no passado de formas irregulares, que não necessariamente terminam em alveolares. Portanto, os dados de Gopnik et al. (op. cit.) parecem nos indicar que o distúrbio lingüístico do indivíduo DEL não deve ser explicado unicamente por dificuldades em se produzirem determinadas formas de superfície. A despeito de tais colocações feitas por Gopnik et al. (op. cit.), outros estudos com crianças DEL tentam demonstrar que o déficit lingüístico do indivíduo DEL é de produção e de processamento do input. Defensores desta idéia são Leonard (1989 e 1998) e Leonard e Bortolini (1998), cujos trabalhos serão apresentados na próxima seção. 4.2.2 DEL: déficit no processamento perceptual ou hipótese de superfície Leonard (1998), baseado em pesquisas anteriores, propõe uma abordagem de limitação de morfemas gramaticais na linguagem das crianças DEL. Essa abordagem tem sido denominada como “Hipótese do Déficit no Processamento Perceptual” ou “Hipótese de Superfície”. A ênfase da abordagem reside nas propriedades físicas da morfologia gramatical. Na verdade, esta hipótese, segundo o próprio autor, é uma tentativa de formalizar e expandir as idéias de Fletcher. Leonard (op. cit., p 250) esclarece a diferença entre percepção de um material lingüístico e o processamento de tal material. A percepção de um material lingüístico está ligada ao registro adequado desse material. Já o processamento pressupõe um relacionamento de operações mentais desempenhadas no material que já foi registrado. A Hipótese de Superfície aponta-nos que as crianças DEL são capazes de perceber, por exemplo, consoantes fracas em final de palavras e que estejam em sílabas curtas, mas tais indivíduos teriam uma capacidade de processamento limitada, ou seja, haveria uma redução 120 da velocidade do processamento do material registrado. Isso tudo seria agravado em função de tais formas lingüísticas terem um papel morfológico43. Segundo Leonard (op. cit., p. 251), as palavras cujas flexões constituem somente uma pequena parte da palavra inteira são as mais prováveis de ocorrerem, na fala do DEL, em sua forma de raiz. De acordo com o autor, há pelo menos três razões para isso. A primeira indica que, devido à baixa de processamento, haverá exemplos nos quais o material lingüístico não será completamente registrado porque o material anterior ainda está sendo processado quando aquele aparece no input. A segunda razão tem relação com o fato de palavras flexionadas cujas flexões são breves dividirem a maior parte de seu conteúdo fonético com as formas da raiz do que com as flexões propriamente ditas. Portanto, de acordo com Leonard, as palavras com flexão breve são as mais prováveis de ocorrerem sob sua forma de raiz. Por fim, ainda segundo o autor, as palavras com flexões breves parecem mais com o verbo em sua raiz que as palavras com flexões mais longas. De um modo geral, quando ocorre o processamento de formas flexionadas, ocorre também a localização do paradigma específico de palavras que, no caso do inglês (língua na qual a maior parte dos estudos de Leonard tem sido feita), tem a forma de raiz. Logo, mesmo que as operações de processamento estejam enfraquecidas, a forma raiz de uma determinada palavra está disponível para a substituição da palavra flexionada. Ainda de acordo com Leonard (op. cit., p. 252), os morfemas breves de classe fechada são processados de forma incompleta e, por isso, não teriam efeito no paradigma na gramática subjacente. De um modo geral, quando ocorre o processamento incompleto proposto pela Hipótese de Superfície, o mais comum é a omissão da forma lingüística requerida, que, no inglês, vem sob a forma de raiz. Mas substituições de outras formas que não aquelas 43 Para a Hipótese de Superfície, central é a proposta de Pinker (1984), para a qual as raízes verbais com flexões ou outros morfemas de classe fechada (auxiliar, artigos) requerem operações adicionais que aquelas raízes nuas, sem flexão verbal. Logo, palavras flexionadas requerem mais tempo na memória de trabalho que as mesmas palavras sem flexão. E é lógico, há um limite de tempo para o qual o material pode permanecer na memória de trabalho antes que seja perdido. 121 requeridas também podem ocorrer, embora sejam menos comuns. De acordo com Leonard, ainda que a análise morfológica seja incompleta, ela tem um tempo de duração. Neste período, algum morfema em uma célula paradigma pode ter sido localizado e, embora não seja a forma apropriada, deve ter força suficiente para aparecer no lugar da forma adequada, antes de ser expulsa pelo processamento sintático. Vários trabalhos embasaram a proposta feita em Leonard (1998). Um dos estudos que colaborou para a proposição acima é o de Leonard (1989), no qual se evidenciou que várias propriedades acústicas contribuem para o déficit do DEL, sendo a breve duração a característica acústica mais forte. Nesse trabalho, observou-se que, em língua inglesa, uma grande parte de morfemas de classe fechada tem breve duração: “-s”, na terceira pessoa do singular; “-ed”, como marca de passado; o possessivo “'s”; artigos; cópulas; auxiliar “be”; infinitivo “to” e complementizador “that”. Todos estes morfemas representaram problemas para as crianças DEL. No artigo de Leonard e Bortolini (1998), é indicado que crianças DEL italianas usam, de forma correta, nos contextos obrigatórios, a 1ª pessoa do singular e do plural e a 3ª pessoa do singular. O mesmo não ocorre com o uso da 3ª pessoa do plural, em que as crianças DEL substituem tal forma pela 3ª pessoa do singular. A explicação dada pelos autores estaria relacionada ao processamento sintático e ao contorno prosódico. Ou seja, eles verificaram que as crianças DEL tendem a omitir sílabas fracas não finais. No caso das 1ª pessoa do singular e do plural e da 3ª pessoa do singular, há uma seqüência de sílaba forte e de uma sílaba fraca. Por exemplo, a 3ª pessoa do singular do verbo “ver” seria “vede”, em que a primeira sílaba é mais forte que a segunda. Neste caso, a criança DEL não apresentaria problemas, conforme sugeriram as análises feitas pelos autores mediante os dados obtidos em testes com crianças DEL italianas. Já no caso da 3ª pessoa do plural, a seqüência de sílabas é forte-fraco-fraco, como em “védono” (eles vêem). Segundo os autores, as crianças DEL italianas não teriam problemas com flexões verbais, pois elas usam 122 determinadas formas verbais sem problemas, mas teriam dificuldades com sílabas em que não haveria possibilidade de ser prolongada, que seria o caso da primeira sílaba fraca (após a sílaba forte) do verbo acima apontado para a 3ª pessoa do plural. Portanto, segundo os autores, as crianças DEL parecem ter problemas com sílabas fracas, cujos posicionamentos não permitem prolongamento. Isso porque, com o processamento do resto da sentença estando comprometido, tais sílabas permanecem vulneráveis à omissão na produção do input, pois elas são fracas e têm um papel morfológico (o que implica em passos extras a serem dados durante o processamento). Enfim, o que os autores alegam é que os morfemas de breve duração serão problemáticos para as crianças quando tais morfemas não se encontrarem no padrão de seqüência de sílaba forte - sílaba fraca durante a produção. Para tal colocação, os próprios autores (Leonard e Bortolini, op. cit.) reconhecem que há necessidade de reverem-se as condições exatas sob as quais sílabas fracas não finais são as mais problemáticas para as crianças DEL. Além disso, no caso de se fazer uma análise do DEL sob a ótica de problemas de processamento, a duração e a localização dos morfemas breves são fatores muito importantes em tal análise, pois esses morfemas devem ser percebidos e analisados antes que um novo material fonológico entre no fluxo da fala. Caso contrário, os morfemas breves devem ser esquecidos totalmente porque o tempo para processamento deve ter se esgotado. Se Fletcher e Leonard e seus colegas defendem um ponto de vista para o problema DEL como sendo de superfície, pois ocorreria no processamento do input lingüístico, há uma corrente que afirma que o DEL é um déficit lingüístico estrutural. Apresentaremos as abordagens que pertencem a tal corrente na próxima seção. 123 4.3 DEL: DÉFICIT LINGÜÍSTICO ESTRUTURAL Como representantes da corrente que encara o DEL como sendo um déficit lingüístico estrutural, temos Gopnik e Crago (1991) e Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997); Clahsen (1989), Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Gölner (1997); Jakubowicz e Nash (2001); van der Lely e Stollwerck (1996) e van der Lely (1998); Rice e Wexler (1995) e Wexler, Schütze e Rice (1998). Iniciemos pelos trabalhos nos quais Gopnik se insere. 4.3.1 DEL: utilização de mecanismos compensatórios A seguir será apresentada uma abordagem que defende que, na gramática do DEL, não há regras produtivas de formação de palavras. Este ponto de vista é de Gopnik e seus colegas de pesquisa, conforme poderemos verificar nesta subseção. Gopnik e Crago (1991) e Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997) partem, em suas pesquisas, do seguinte pressuposto: uma explicação teórica lingüística deve assumir que a gramática subjacente produz tudo na linguagem e não somente as formas de superfície tidas como erradas, ou seja, a criança não teria duas gramáticas - uma que produziria os erros verificados, por exemplo, na fala do DEL, e outra que produziria as formas corretas. Então, para esses autores, a produção, por parte do indivíduo DEL, tanto de formas incorretas, tal como a cups, quanto de formas adequadas como a cup, seriam produzidas pela mesma gramática, que, no caso, estaria comprometida. Para validar a hipótese, Gopnik e Crago (op. cit.) aplicaram uma bateria de testes em 16 indivíduos DEL de uma família de 30 membros (cf. cap. 1). Em alguns testes, Gopnik e Crago (op. cit.) verificaram que os indivíduos DEL erraram sistematicamente mais que os indivíduos sem déficits de linguagem. Eram tarefas em que se verificava a concordância de número e pessoa, tempo e aspecto verbais e morfologia derivacional. 124 No que diz respeito aos erros de concordância de número em relação a nome, as pessoas DEL, falantes do inglês, produziam sentenças como “The boy eats three cokie”. Cometiam também erros de concordância de pessoa em relação a verbo, tal como em: “The boy kiss a pretty girl”. Tinham dificuldade com as flexões de tempo e de aspecto, conforme podemos evidenciar nas sentenças faladas por um DEL: “Yesterday the girl pet a dog”, em que falta a flexão de passado “-ed”, e “The little girl is play with her doll”, em que falta a flexão de aspecto progressivo, “-ing”. Nas tarefas em que o objetivo era verificar a habilidade em usar regras para a derivação de outras palavras, ao sujeito DEL era solicitado que completasse uma frase em que algo estava faltando. O comando era o seguinte: “Agora você vai ouvir uma sentença com uma parte faltando. Por favor, complete a parte que falta”. Eram dadas duas sentenças e a parte que faltava estava na segunda. Um exemplo: “There is a lot of sun. It is very ____(sunny)”. A parte que faltava deveria ser relacionada lexicalmente àquela presente na primeira sentença. O resultado do desempenho dos indivíduos DEL apontava para uma dificuldade sistemática dessas pessoas em realizar a tarefa de forma correta. As autoras sugerem que os indivíduos DEL, a despeito de acertarem algumas vezes nas tarefas solicitadas, parecem estar recorrendo a regras explícitas para resolver o problema ao invés de regras internalizadas implícitas44. Por exemplo, diante do desempenho no teste que visava a verificar se os indivíduos DEL sabem fazer plural, as autoras fizeram a seguinte pontuação (p. 20): “mesmo quando os disfásicos45 lidavam com alguns itens corretos, eles pareciam não utilizar um conjunto de regras inconsciente e internalizado para a construção de plural, mas sim uma regra que se aplicasse a todos os casos”. Elas citam um exemplo de uma mulher adulta que, diante do item que ela teria que pluralizar, após longa pausa, disse para si 44 É interessante notar que, apesar de o resultado em termos de explicação para a produção lingüística por parte do DEL ser semelhante, em 1990, Gopnik coloca o foco de suas explicações para os dados lingüísticos do DEL em uma abordagem que indica que, na gramática subjacente dos indivíduos com o déficit ora estudado, haveria uma cegueira para os traços. Nos textos apresentados nesta seção, o foco nas explicações dos déficits do DEL reside na incapacidade de regras produtivas atuarem na gramática dos indivíduos DEL. 45 Para as autoras, nesta ocasião, as pessoas com DEL eram denominadas “disfásicas”. 125 mesma: adicione um “s”. Para os itens “sas” e “zash”, ela simplesmente prolongava a sibilante -sasssss. No teste de marcação de tempo, diante dos resultados obtidos para verbos regulares e irregulares, em que os indivíduos acertavam mais vezes a marcação no passado dos últimos verbos do que dos primeiros, as autoras sugerem que o desempenho dos indivíduos DEL deve-se ao uso sistemático de uma forma lexical específica não analisável e que foi aprendida e não a uma regra subjacente de formação de passado. Em relação ao teste de derivação morfológica, as autoras também indicam que os indivíduos DEL não parecem ser capazes de entender que o principal ponto do teste seria manipular uma regra gramatical subjacente. Os indivíduos sem problemas de linguagem realizaram o teste sem hesitar, mas os indivíduos DEL, quando muito, indicavam palavras que estavam relacionadas semanticamente à primeira sentença e não derivadas morfologicamente. Diante do exposto, as autoras assinalam que os dados obtidos na pesquisa dos indivíduos DEL pertencentes a uma mesma família indicam que pessoas com o déficit lingüístico parecem ter dificuldades de aprender a língua pela construção de paradigmas. Se com o trabalho de Gopnik e Crago (op. cit.) temos fortes sugestões indicando uma base genética para a anormalidade no desenvolvimento da linguagem, pois tal problema foi evidenciado em uma grande quantidade de indivíduos DEL de uma mesma família, no artigo de Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997), os autores apresentaram dados obtidos em testes de linguagem aplicados em indivíduos com DEL falantes de várias línguas. A investigação foi realizada, a fim de sustentar a hipótese de que há um gene responsável pela anomalia e que, embora os sujeitos com comprometimento da linguagem algumas vezes pareçam produzir a forma de superfície “correta”, outras análises de seu desempenho demonstram que essas formas são produzidas não por um sistema organizado hierarquicamente de regras abstratas operando em categorias gramaticais, mas sim por estratégias de compensação específicas. 126 A pesquisa realizada por Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997) englobou dados do inglês, do japonês e do grego. Vale dizer que o japonês é uma língua primariamente sem concordância obrigatória. Já o grego é uma língua rica em afixação morfológica que requer o uso obrigatório de regras de concordância a cada momento em que um nome, adjetivo, pronome ou verbo é usado. Os indivíduos DEL gregos, de acordo com a hipótese dos autores, produziriam itens agramaticais, mas nunca produziriam raízes totalmente não marcadas como se vêem em inglês, pois isso resultaria em formas inexistentes. A pesquisa, em Gopnik et al. (1997), foi conduzida a fim de observarem-se tempo e concordância, dentre vários outros elementos da sentença. Os resultados gerais da pesquisa de Gopnik et al. (op. cit.) demonstraram que as pessoas DEL falantes do inglês, japonês e grego estão comprometidas no que diz respeito aos componentes lingüísticos investigados. Eles não reconhecem que tempo é obrigatório; eles não constroem regras morfológicas produtivas e eles não têm a concordância necessária entre os elementos em uma sentença. Os sujeitos DEL não perderam o conceito semântico de passado de acordo com os autores, pois os indivíduos DEL usaram mecanismos de linguagem para indicar passado, tais como advérbios temporais do tipo “semana passada” ou “o outro dia”, mas os dados da fala espontânea não dão evidências que sujeitos DEL têm conhecimento sintático em que há uma categoria de tempo obrigatória abstrata, a qual deve ocorrer em todos os verbos que estão semanticamente em contextos de passado em todas as três línguas. Nos testes em que se visava a verificar se há ou não comprometimento das regras morfológicas na gramática mental dos indivíduos DEL, por exemplo, procurou-se observar se tais sujeitos usam regras morfológicas para gerar novas palavras polimorfêmicas ou se elas são meramente listadas como itens lexicais não analisáveis. Para realizar tal pesquisa, os autores elaboraram uma série de testes usando palavras sem sentido que eram apresentadas aos sujeitos como nomes, verbos ou adjetivos em um contexto em que eles tinham que marcar tais elementos com traços de número ou de tempo. Por exemplo, no que diz respeito à 127 concordância de número, foi apresentada, ao indivíduo DEL, uma ilustração de uma figura sem sentido e a pesquisadora falava: This is a wug. These are ___? Falantes DEL, nas três línguas, falharam na aplicação correta das regras gramaticais apropriadas para gerar palavras novas, enquanto crianças sem problemas de linguagem conseguiram realizar as tarefas adequadamente. No que diz respeito aos testes de julgamento de gramaticalidade que visavam a verificar a capacidade de realizar concordância, as crianças sem problemas de linguagem obtiveram êxito, pois faziam o julgamento de sentenças gramaticais como sendo corretas e encontravam o erro nas agramaticais, corrigindo-as. Entretanto, os indivíduos DEL parecem não ter dado conta de perceber os erros de concordância porque freqüentemente trocavam propriedades de sentenças que já estavam corrigidas ou que eram irrelevantes. Por exemplo, um indivíduo DEL, ao se deparar com a sentença The boy eats three cookie, trocou-a por The boys eat four cookie. Neste exemplo, o indivíduo DEL trocou por algo irrelevante. Os mesmos erros foram detectados em japonês e em grego (p. 135). Em suma, tanto para Gopnik e Crago (op. cit.) quanto para Gopnik et al. (op. cit.), a conclusão é a de que os sujeitos DEL parecem ser incapazes de adquirir regras inconscientes automáticas, antes utilizam mecanismos compensatórios, que seriam a memória. A despeito disso, há autores que apresentam uma hipótese para a explicação do DEL convergindo para uma análise ainda mais restritiva. Clahsen e seus companheiros de pesquisa, por exemplo, explicam o déficit do indivíduo DEL como sendo restrito à concordância. Esta será a abordagem da seção seguinte. 128 4.3.2 DEL: déficit especificamente de concordância Clahsen (1989)46, Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Göllner (1997) sugerem uma caracterização de DEL, indicando que os problemas gramaticais específicos dessas crianças são déficits especificamente mais restritos de um sistema gramatical normal. Segundo os autores, os déficits gramaticais que ocorrem no sistema lingüístico de crianças DEL têm como causa a dificuldade em estabelecer relações de concordância na gramática. Clahsen (1989) assume que as crianças DEL constroem gramáticas possíveis. A partir de dados obtidos em pesquisa, Clahsen (op. cit.) verificou que o problema lingüístico das crianças DEL está relacionado à concordância sujeito-verbo. Tais crianças usam, por exemplo, formas não flexionadas, além de utilizarem, em suas falas, sufixos de verbos regulares e formas de verbos irregulares usadas na gramática do indivíduo normal, mas, em todos os casos, há erros na concordância sujeito-verbo. De acordo com Clahsen (op. cit.), os resultados sugerem que as crianças DEL não têm déficit morfológico geral, pois as dificuldades evidenciadas estariam restritas à concordância sujeito-verbo. Outras pesquisas, como a de Clahsen e Hansen (1997), foram desenvolvidas e, a partir de estudo dos dados obtidos, os autores chegaram à conclusão que realmente concordância verbal corresponde ao déficit lingüístico do DEL. Mais recentemente, Clahsen, Batke e Göllner (1997) afirmaram que concordância é comprometida na linguagem de crianças DEL e os autores, para dar sua explicação ao fenômeno, baseiam-se no sistema de traços morfossintáticos proposto por Chomsky (1995), que faz uma distinção de traços interpretáveis e traços não interpretáveis (cf. cap. 2). Os autores sugerem que uma possibilidade é que todos os traços não interpretáveis estejam afetados na gramática dos sujeitos DEL. E, sob uma visão mais restrita, apontam que os traços 46 Clahsen (1989) utiliza, em seu texto, o termo "crianças disfásicas". Nós aqui fizemos a opção por tratá-las como crianças DEL, pois é um termo mais usado na literatura atual. 129 não interpretáveis de verbos, isto é, os traços de concordância de verbos é que devem estar afetados. Clahsen et al. (op. cit.) investigaram dados produzidos por crianças DEL e por crianças em fase normal de aquisição de linguagem, falantes do inglês e do alemão. No estudo da fala das crianças falantes do inglês, os autores verificaram a relação finitude verbal e designação de caso nominativo. No estudo da fala das crianças falantes do alemão, os autores verificaram a relação finitude verbal e produção de DP´s sujeito com traços φ completamente especificados, ou seja, concordância no DP no que diz respeito aos traços de gênero, número e pessoa. Ambas as investigações tinham como objetivo provar que tempo está preservado na gramática da criança DEL e que o déficit gramatical se circunscreve à concordância verbal. As crianças DEL falantes do inglês demonstraram, nos dados obtidos em testes, terem preservado T, mas, no que concerne à produção de concordância verbal, tais crianças apresentaram comprometimento. O que fundamentou a afirmação que T estaria preservado na gramática mental do DEL foi a análise da fala das crianças DEL comparada à análise da fala das crianças sem problemas de linguagem, no que diz respeito à relação finitude e estrutura de sujeitos. Os autores encontraram o seguinte, na fala das crianças em fase normal de aquisição de linguagem: em orações finitas produzidas por crianças normais, somente 2% dos sujeitos de sentença têm caso não-nominativo, enquanto em sentenças com formas não flexionadas 19% dos sujeitos aparecem com caso não-nominativo. Portanto, designação de casos e finitude de formas verbais parecem estar correlacionadas na gramática das crianças sem problemas de linguagem. As crianças DEL produziram 217 formas com sujeitos nominativos e nenhum sujeito não nominativo, mesmo em sentenças com formas verbais não flexionadas. No que diz respeito ao uso de verbo não flexionado, as crianças DEL são similares às crianças normais no estágio opcional do infinitivo, ou seja, produzem formas verbais não flexionadas. 130 Em contraste, em relação à marcação de caso, as crianças DEL parecem estar num estágio mais avançado. De acordo com Chomsky (1995), tempo é que designa caso nominativo ao verbo e, se na fala das crianças DEL falantes do inglês o sujeito está com caso nominativo corretamente designado, há, de acordo com Clahsen et al. (op. cit.) uma sugestão que tempo está preservado no DEL. Mas, como nos dados da pesquisa também há evidência de não produção de concordância verbal por parte de crianças DEL, os autores acreditam ter encontrado uma boa explicação para os dados encontrados em sua investigação. Ou seja, a hipótese de déficit de concordância, segundo os autores, dá uma boa explicação para a dissociação observada entre marcação de caso em sujeito correta e marcação de concordância sujeito-verbo comprometida nos dados de testes realizados por crianças DEL falantes do inglês. A fim de avançar na explicação dada, Clahsen et al.(op. cit.) realizam investigações centradas nas ligações entre traços formais de sujeitos e de verbos produzidos por crianças em fase normal de linguagem e por crianças DEL, ambos os grupos falantes de alemão. A hipótese de déficit de concordância para o DEL, feita por Clahsen et al. (op. cit.), está centrada no déficit relacionado a traços não interpretáveis, propostos por Chomsky (1995). Ou seja, o que estariam comprometidos, na fala do DEL, seriam os traços φ de verbo, que não teriam interpretabilidade semântica. Já aqueles têm interpretabilidade semântica, tais como os traços de tempo e os traços φ de nomes, não representariam problema na fala do DEL. Baseando-se nisto, os autores verificaram que as crianças DEL falantes do alemão produzem mais DP's sujeitos completamente especificados que as crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Além disso, essas mesmas crianças DEL, quando usam DP's sujeitos completamente especificados, produzem menos formas verbais flexionadas corretamente para pessoa e número comparadas àquelas sem problemas de linguagem. De acordo com Clahsen et al. (op. cit.), estes dados mostram uma evidência para uma possível dissociação entre conteúdo de traços de DP's sujeitos e traços de verbos. Ao que 131 parece, segundo os autores, não são os traços não interpretáveis, mas sim os traços de concordância não interpretáveis opcionais que causam problemas para crianças DEL. Os autores usam tal evidência para sustentar, mais uma vez, a hipótese de déficit de concordância. Em suma, na pesquisa realizada por Clahsen et al. (op. cit.)., as crianças DEL falantes de inglês e de alemão demonstram ter problemas com traços de concordância de verbos, enquanto a categoria tempo parece estar preservada. Além disso, as crianças DEL falantes de inglês não produzem nenhum sujeito não nominativo, mesmo em sentenças com formas verbais não flexionadas; segundo os autores, isso mostra que tempo designando nominativo está ativo na gramática de DEL. Por fim, foi ainda observado que os traços ϕ dos DPs-sujeitos estão presentes na gramática DEL, mesmo em sentenças nas quais os traços de concordância (não interpretáveis) dos verbos estão ausentes. Todos esses resultados, conjuntamente, sustentam, segundo Clahsen et al., a hipótese do déficit de concordância, em que se considera que os traços ϕ dos verbos estão comprometidos na gramática DEL. A despeito de considerarmos a explicação dos autores interessante no que diz respeito à sua adequação aos pressupostos do Programa Minimalista, proposto por Chomsky (1995), os dados encontrados nas pesquisas nas quais Clahsen se insere não são consoantes com os dados encontrados nas pesquisas dos demais autores apresentados neste capítulo. Ou seja, nas outras pesquisas, os indivíduos DEL apresentam déficit de produção e de compreensão de tempo verbal. 4.3.3 DEL: dificuldade com estruturas complexas computacionalmente Uma vertente francesa que visa a explicar o déficit lingüístico do DEL é liderada por Jakubowicz. Em Jakubowicz e Nash (2001), por exemplo, foi desenvolvido um trabalho de investigação da aquisição da linguagem em crianças sem problemas de linguagem e em 132 crianças DEL, todas falantes do francês. O objetivo da pesquisa das autoras era verificar se as crianças DEL e as crianças em fase normal de aquisição de linguagem têm dificuldade com categorias funcionais que implicam complexidade computacional. O raciocínio das autoras é o seguinte: categorias funcionais mais básicas, ou seja, aquelas que estariam sempre presentes e seriam necessárias sintaticamente seriam mais usadas nas falas das crianças acima mencionadas. Em oposição, a computação sintática seria mais complexa quando a categoria funcional estivesse presente em algumas sentenças, mas não em outras. Como categorias funcionais menos complexas, as autoras apresentam INFL, que estaria em todas as orações simples. Já categorias funcionais mais complexas expressariam informação semântica adicionada ao esqueleto funcional obrigatório. Por exemplo, o tempo no passado, que é motivado semanticamente e não está em todas as sentenças. A justificativa para tais afirmações baseia-se no seguinte: para as autoras, o INFL seria a única categoria funcional obrigatória na sentença e, em línguas germânicas (excluindo o inglês), o INFL teria valor morfológico de tempo. Já em línguas românicas, grupo no qual o francês se inclui, o INFL teria um valor pronominal. Em línguas germânicas, o INFL seria temporal e deveria ser identificado por morfemas que denotam tempo presente ou passado. O tempo passado, nesta língua, seria caracterizado pela presença de um morfema, já o presente seria caracterizado pela ausência do morfema. De qualquer forma, as árvores estruturais no presente e no passado em línguas germânicas seriam idênticas. Em línguas românicas ocorreria algo distinto, segundo as autoras. O INFL, sendo pronominal, seria identificado por uma morfologia pessoal. As autoras denominam esse nódulo de Pessoa (PersP), que, em termos clássicos, seria chamado de AGR. INFL, então, seria identificado pela morfologia pessoal e pelo clítico nominativo no francês falado. De acordo com as autoras, a morfologia de pessoa seria suficiente para expressar o tempo no presente, mas não o seria suficiente para expressar tempo no passado. 133 Observando-se as formas no presente e no passado simples do francês, respectivamente, teríamos “il parl-∂” e “il parl-a”. Neste caso, de acordo com as autoras, o clítico nominativo checaria pessoa e o morfema checaria tempo passado. Entretanto, o morfema passado não checaria pessoa e, por este motivo, o morfema de passado não teria papel sintático no nível flexional. Esta é uma justificativa para as autoras trabalharem com o passado composto, pois, nesta estrutura, há um verbo avoir (haver) ou étre (ser) no presente (que é o que dá a denotação de passado) e um verbo no particípio passado, cuja terminação nos indica o evento (e não o tempo) no passado. As autoras sugerem que o auxiliar de um passado composto, em língua francesa, teria o núcleo sintático separado do verbo lexical e de pessoa e seria localizado em uma subárvore flexional na sentença, preferivelmente que em sua parte léxico-aspectual, onde auxiliares e outros verbos são gerados. Dessa forma, o francês diferiria de línguas germânicas por ter dois esqueletos estruturais distintos para presente e passado, que seriam representados, respectivamente, por (p. 326): IP = PersP Nom. Clítico PERSº IP=PersP PERS’ Nom. Clít. vP PERSº PERS’ PASTP Pastº vP Avoir Na pesquisa de Jakubowicz e Nash (op. cit.), foram usados tempos verbais no presente e no passado composto e as autoras faziam a previsão que tempo presente deve desenvolver- 134 se mais cedo e não deve ser omitido ou mal usado por crianças DEL, já o passado composto deve desenvolver-se mais tarde e deve ser omitido ou mal usado por crianças DEL. Os resultados dos testes de produção e de compreensão confirmaram as previsões das autoras, pois as crianças em fase normal de aquisição de linguagem produziram e compreenderam bem frases cujo tempo estava no presente e no passado. Já as crianças DEL obtiveram um desempenho relativamente bom em tarefas cujas sentenças estavam no presente, mas tal desempenho não se repetiu em tarefas com frases com tempo verbal no passado. Ou seja, as crianças DEL, de um modo geral, não produziram o morfema de tempo passado em tarefas que assim o exigiam. Diante dos resultados, as autoras apontaram que as crianças DEL produzem e compreendem bem sentenças no presente porque a morfologia de pessoa é suficiente para expressar tempo presente. Mas, quando se tem que inserir um segundo nódulo funcional para passado e, portanto, ocorre uma complexidade computacional, há uma falha na gramática mental dos indivíduos DEL e de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Esta é uma abordagem muito específica, pois não prevê o déficit, que ocorre também em línguas germânicas. Se nestas línguas as árvores estruturais no presente e no passado são idênticas, conforme as autoras nos apontam, como vislumbrarmos a hipótese da complexidade computacional como uma hipótese que dá conta, também, de explicar os dados lingüísticos obtidos com crianças DEL falantes de línguas germânicas? 4.3.4 DEL: comprometimento de princípio de economia Uma outra linha que estuda o distúrbio lingüístico do indivíduo DEL é aquela proposta por van der Lely e Stollwerck (1996) e por van der Lely (1998). Vamos, a seguir, apresentar as duas abordagens, sendo que a primeira se insere na perspectiva da Teoria de Regência e Ligação e a segunda já apresenta adequações às propostas do Programa Minimalista. 135 Segundo van der Lely e Stollwerck (1996), as crianças DEL teriam um déficit de linguagem em relações estruturais de dependência sintática entre constituintes ou o que elas denominam de Déficit Representacional de Relações Dependentes (RDDR). Nesta abordagem, especificamente, as autoras apresentam resultados de testes aplicados em crianças DEL em que foi investigada a capacidade, por parte das crianças ora estudadas, de designar referentes a anáforas e a pronomes caracterizados pela Teoria de Ligação. Além disso, as autoras estenderam a análise que fizeram para os dados encontrados nestes testes para o desempenho das crianças DEL em tarefas de designação de tempo, de concordância e de papel temático a argumentos em sentenças passivas. As autoras baseiam-se na proposta de Giannelli e Manzini (1995 in van der Lely e Stollwerck, 1996), que é denominada “Growth of Grammatical Complexity”. Tal abordagem propõe que o desenvolvimento da gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem estaria ligado ao amadurecimento de relações complexas. Para Giannelli e Manzini, o primeiro estágio da aquisição de linguagem estaria restrito a “relações locais”. Portanto, segundo essa acepção, relações binárias seriam permitidas na gramática subjacente da criança em fase de aquisição de linguagem (por exemplo, [Asp, V] ou [D, N]), mas relações mais complexas (como [T, Asp, V] ou [D, Agr, N]) não seriam permitidas nesta etapa da aquisição da linguagem. Baseando-se nestas idéias, uma sugestão de van der Lely e Stollwerck (op. cit.) é que as crianças DEL devem gerar uma árvore mais simplificada quando tal árvore é suficiente (mas não como a do adulto) para dar conta de todos os constituintes da sentença. As crianças DEL, nesta perspectiva, devem gerar duas árvores coordenadas, adjacentes para a produção de oração principal e de oração subordinada, como, por exemplo (van der Lely e Stollwerck, op. cit., p.280): 136 VP NP Moggli + IP V' NP I' says Baloo Bear is VP V’ Washing NP Himself De acordo com as autoras, esta proposta não afirma que alguma categoria funcional está perdida em si e, de fato, devido aos dados, seria difícil fazer tal afirmação, pois as crianças DEL demonstram poder produzir a maior parte das formas morfológicas e sintáticas, tais como marcação de tempo. As crianças DEL, segundo as autoras, somente parecem ter uma gramática que também permite representações alternativas nas quais, por exemplo, marcação de tempo não é obrigatória. Tal proposta, para van der Lely e Stollwerck (op. cit.), não é consistente com as teorias de aquisição que propõem a ausência de todas as categorias funcionais (como Radford, 1990) ou de uma categoria funcional particular (Clahsen et al., 1993; de Villiers e Roeper, 1995)47. Entretanto, conforme van der Lely e Stollwerck mesmas percebem, os dados advindos da fala dos sujeitos DEL sugerem que sua gramática é mais avançada ou mais complexa que a maior parte das relações binárias proposta por Giannelli e Manzini. Além disso, um problema que se coloca é como esta proposta pode dar conta da aparente opcionalidade da gramática do DEL: sentenças com presença ou ausência de marcação de tempo são produzidas e julgadas como gramaticais pelas crianças DEL. Uma possível explicação dada pelas autoras é que a opcionalidade está presente no input. Com base na evidência do input, a criança poderia concluir que infinivos na matriz são possíveis de ocorrer na linguagem do adulto, como, por 47 Para Radford (1990), no início da aquisição da linguagem, haveria, na gramática mental das crianças, ausência de todas as categorias funcionais, como demonstrado no capítulo 3. Para Clahsen et al. (1993, 1994), haveria ausência de CP; para de Villiers e Roeper (1995), a criança deve “escolher” uma sub-representação mais econômica, tal como um SN no lugar de um DP. 137 exemplo, em “Oh, to live in Guadalupe!” e em respostas, como “John go”, a perguntas como “Where did John go?”. Enfim, a explanação das autoras sugere que a maturação das habilidades sintáticas inatas, que capacitam a criança normal gerar sentenças com dependências complexas, como aquelas produzidas pela gramática do adulto, não funciona na gramática mental da criança DEL. De alguma forma, também, as autoras sugerem que as crianças DEL conseguem produzir e julgar, como corretas, sentenças com dependências complexas que ocorrem em contextos nos quais já há pistas semânticas e pragmáticas. Mas, quando o contexto só exige habilidades estritamente sintáticas, a criança pode incorrer em erros. A proposta do Déficit Representacional das Relações Dependentes vem passando por algumas modificações. Em van der Lely (1998), a própria autora nos aponta o redimensionamento pelo qual a hipótese vem passando, conforme nos sugere o trecho a seguir: “Although the detailed characterization of the RDDR is developing, and thus changing, the basic notion that the deficit is in the computation system remais” 48 (p. 178). A autora acrescenta algo indicando que vem adequando as explanações acerca dos dados de falas de crianças DEL ao arcabouço teórico mais moderno da Teoria Gerativa, o Programa Minimalista. Para defender seu ponto de vista, van der Lely caracteriza a gramática do DEL como aquela em que o movimento sintático seria opcional. Esta proposta foi baseada em outra feita por Manzini em comunicação pessoal, em 1998 (in van der Lely, 1998). Para van der Lely (op. cit.), todas as formas de flexão estão presentes na gramática do indivíduo DEL, mas uma opcionalidade do movimento ocorre e tal opcionalidade deve-se, provavelmente, a um comprometimento do segundo princípio de economia do Último Recurso (Last Resort). O primeiro seria aquele que prevê que uma operação de movimento só ocorre se há traços a serem checados. O segundo princípio força movimento (e, portanto, checagem) somente se o 48 "Embora a caracterização detalhada do RDDR esteja em desenvolvimento e, portanto, em mudança, a noção básica que o déficit está no sistema computacional permanece". (Tradução nossa.) 138 alvo não tem traços checados. Como a autora pontua, os dados de suas pesquisas sugerem que há checagem de traços, pois, em alguns casos, há realização de tempo e concordância na fala das crianças DEL. De acordo com a autora, não há checagem feita erroneamente, pois ela cita que em nenhum dos dados lingüísticos das crianças DEL havia frases como “I likes John”. Tal resultado sugeriria mais um motivo para concordar-se que houve checagem de traços. Para van der Lely (op. cit.), o problema relacionado ao distúrbio lingüístico do DEL estaria no segundo princípio do Último Recurso. Este seria um princípio que obrigaria o movimento e, estando comprometido, conforme sugere a autora, não haveria a obrigatoriedade do movimento sintático na gramática mental do indivíduo DEL. Desta forma, ora ocorreria o movimento, ora não; por conseguinte, ora haveria sentenças com tempo marcado na fala da criança DEL, ora não. 4.3.5 DEL: omissão de Concordância e/ou de Tempo Outra proposta para a explicação do déficit do DEL ao adquirir categorias funcionais é realizada por Wexler e seus colegas. Os autores propõem uma hipótese que unifica explicações para o comportamento lingüístico na aquisição de categorias funcionais por parte da criança em fase normal de aquisição de linguagem e por parte da criança DEL. Iremos, a seguir, apresentar duas abordagens nas quais Wexler se insere. Rice e Wexler (1995) realizaram um estudo, afirmando que, se as crianças em fase normal de aquisição de linguagem passam pelo estágio OI, as crianças DEL são caracterizadas por um estágio com as mesmas características do estágio OI, só que por um período mais prolongado, período este denominado pelos autores como sendo estágio EOI: Extended Optional Infinitive. Para os autores, o início do estágio OI é caracterizado por um período em que a criança aceita opcionalmente frases com sentenças cujos verbos são finitos e sentenças cujos verbos são não finitos. Mas há um período em que tal oscilação cessa. 139 Entretanto, para as crianças DEL, isso não ocorreria da mesma forma, pois elas aceitariam tal opcionalidade de marcação de tempo nas sentenças por um período maior ou mesmo indefinido. As análises de Rice e Wexler (op. cit.) basearam-se em dados produzidos por crianças DEL e por crianças controle (nesta última amostra, entraram crianças com a mesma idade das crianças DEL e crianças com o mesmo MLU49 das crianças DEL. As crianças com o mesmo MLU das crianças DEL, quase sempre, são mais novas que estas.). O objetivo da pesquisa era verificar se os marcadores de finitude em língua inglesa eram ou não omitidos na fala das crianças investigadas. Para tanto, foram considerados, no estudo, os morfemas -ed, -s, BE e DO. Esses morfemas têm um traço em comum: o traço de finitude, pois o morfema –ed carrega os traços de tempo passado e o morfema –s marca concordância na terceira pessoa do tempo presente. Além disso, em inglês, a marcação de tempo pode vir à superfície separadamente do verbo lexical principal em certos contextos. Em tais situações, as formas BE e DO carregam finitude. Em suma, finitude pode ser encontrada tanto em verbos principais lexicais, quanto em verbos principais e auxiliares BE e formas DO. Portanto, finitude foi considerada, na pesquisa de Rice e Wexler (op. cit.), toda marcação de tempo e de concordância. Os resultados da pesquisa de Rice e Wexler (op. cit.) indicam que as crianças DEL e as crianças controle mais jovens marcaram, com menos freqüência que as crianças controle mais velhas, a terceira pessoa do singular no tempo presente, ou seja, omitiram freqüentemente o morfema –s em verbos lexicais. De forma similar, as crianças DEL e aquelas mais jovens do grupo controle usaram menos vezes o morfema –ed, marcador de tempo em verbos lexicais. Os autores acrescentam ainda que as crianças DEL e as crianças mais jovens do grupo controle omitiram os morfemas de flexão –ed e –s, mas nunca usaram uma forma verbal distinta daquela que seria permitida pela gramática do indivíduo adulto. Por 49 MLU, conforme já assinalamos no capítulo 1, significa Mean Lenght Utterance e está relacionado ao número de morfemas ou de palavras produzidos por um indivíduo no período de um minuto. 140 exemplo, uma sentença como “They walks” não é prevista na fala das crianças e o morfema de passado surgirá somente em situações em que o tempo verbal passado é requerido. Ainda nesta perspectiva, apresentamos outro resultado da pesquisa de Rice e Wexler: as formas de BE e DO foram, de um modo geral, omitidas na fala das crianças DEL e das crianças controle mais novas. Entretanto, quase todos os erros diziam respeito a uma omissão, não tendo, por exemplo, um uso errado destas formas. Em suma, os dados dos pesquisadores apresentam evidências, indicando que a abordagem EOI para o desempenho lingüístico dos indivíduos DEL é bastante similar ao desempenho das crianças mais novas em fase de aquisição de linguagem. Isso porque tanto as crianças controle mais jovens quanto as crianças DEL omitem o morfema que marca tempo em verbos lexicais mais vezes que as crianças controle mais velhas. A despeito de as crianças DEL apresentarem tais dificuldades, elas também apresentam sentenças com traços de tempo especificados. Tal evidência leva os autores a afirmarem que as crianças DEL sabem que existe uma distinção entre formas finitas e formas não finitas. Além disso, sabem que, quando uma forma é finita, esta deve conter traços de concordância e de tempo. Por fim, as crianças DEL parecem também saber que deve haver concordância entre sujeito e verbo, já que, em algumas situações, elas produzem sentenças com tal relação. Em 1998, Wexler, Schütze e Rice avançam na discussão, realizando uma pesquisa com crianças DEL e crianças com desenvolvimento normal de linguagem, a fim de validar suas explicações para os dados lingüísticos verificados na fala de crianças DEL e daquelas sem problemas de linguagem. As análises são bastante similares àquela apontada no capítulo 3, quando apresentamos Wexler (1998). Na verdade, os dados obtidos na pesquisa foram discutidos com o objetivo de validar o modelo de Wexler (1998) e de estender a explicação para o estágio OI às crianças DEL. 141 Os autores apresentam resultados de pesquisa indicando que as crianças DEL produzem certas formas pronominais, como him, em him run, forma esta que não deve ocorrer na fala do adulto com gramática normal. Os autores encontraram ainda, na fala das crianças DEL, sentenças em que os verbos ora são flexionados, ora não são flexionados. Resumindo, os dados encontrados pelos pesquisadores formam um conjunto constituído por sentenças com sujeitos com caso nominativo, em que o verbo pode ocorrer na sua forma flexionada ou não, e por sentenças com sujeitos com caso acusativo, em que os verbos quase nunca ocorrem em sua forma finita. A proposta do artigo dos autores era apresentar evidências para a consideração de tanto a gramática dos indivíduos DEL quanto a gramática daqueles que apresentam normalidade no desenvolvimento da linguagem serem regidas pelos mesmos princípios. Para tal, os autores desenvolveram a caracterização da noção de caso morfológico e flexões verbais. Os dados obtidos na pesquisa de Wexler et al. (op. cit.) foram explicados pelo modelo no qual ou os traços de concordância ou os traços de tempo são opcionalmente omitidos da estrutura da sentença. Para elucidar o seu raciocínio, Wexler et al. (op. cit.) apresentam um par de exemplo, a saber: She liked X She like. Na primeira sentença, pode-se declarar que há presença de traços de tempo, já que o morfema de tempo passado –ed encontra-se na forma verbal. Na segunda sentença, os traços faltosos são de tempo, pois claramente –ed é o sufixo de tempo passado e o pronome tem caso nominativo, que, de acordo com os autores, é designado por AGR. Já em sentenças como aquela mencionada anteriormente, him run, o caso designado ao sujeito é acusativo e isto não ocorreria, de acordo com Wexler et al. (op. cit.), exclusivamente porque, em inglês, esta é a forma default. Conforme apontado pelos autores e por Wexler (1998), isto ocorreria porque a designação de caso acusativo dar-se-ia pela Morfologia Distribuída, em que o pronome com mais especificação de traços entraria. Um pronome He teria como especificação [+NOM, +3ª pessoa, +singular, +masculino] e Him 142 teria como especificação [ , +3ª pessoa, +singular, +masculino]. Como não haveria concordância para designar caso na sentença him run, a segunda forma seria inserida. Daí a opcionalidade de ora haver concordância e ora não haver. Ainda nesta sentença, não haveria traços de tempo, conforme se pode constatar na observação do verbo run. Desta forma, os autores acreditam terem explicado o porquê de, tanto na fala das crianças DEL quanto na fala das crianças mais jovens em fase normal de aquisição de linguagem, haver oscilação no uso da flexão temporal dos verbos e na designação de caso ao sujeito da sentença. Resumindo, as formas previstas para ocorrerem na fala das crianças DEL e das crianças mais jovens em fase de aquisição de linguagem, de acordo com Wexler et al. (op. cit.), seriam [+AGR, + T] em sentenças como She likes; [+AGR, -T], em sentenças como, por exemplo, She like, em que há designação de caso nominativo ao sujeito e há omissão de morfema de tempo; [-AGR, -T], em sentenças como em her like em que não há designação de caso nominativo ao sujeito e não há produção de morfema de tempo; e em menor proporção [-AGR, +T], em sentenças como em her liked, em que se percebe a produção de morfema de tempo, mas não há designação de caso nominativo ao sujeito. De fato, os autores encontraram em sua pesquisa sentenças desta natureza e tal resultado vai ao encontro daquele apresentado por Wexler (1998), que citamos no capítulo 3. Conforme verificamos, no trabalho de Wexler et al. (op. cit.), há uma procura por expandir a explicação para o comportamento lingüístico da criança em fase de aquisição de linguagem para o comportamento lingüístico do indivíduo DEL. Ainda que percebamos a vantagem da proposta, faz-se importante chamarmos a atenção para o fato de que a proposta ora apresentada parece ainda considerar AGR como um nódulo na sintaxe. Como já colocado no capítulo 2, Chomsky (1995, 1998) não mais considera concordância como um nódulo constituindo um sintagma, conforme as propostas de Wexler (1998) e Wexler et al. (1998) pressupõem. 143 A seguir, apresentamos um quadro com um resumo de todas as abordagens explicitadas neste capítulo. 144 QUADRO 5: RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS DEL HIPÓTESE Comprometimento cognitivo geral Comprometimento processual Comprometimento lingüístico estrutural AUTOR(ES) PROPOSTA PARA EXPLICAR O DÉFICIT GRAMATICAL DO DEL Johnston (1997) Há mecanismos de processamento ineficientes ou lentos para a aquisição da linguagem. Então, há aumento de demanda das fontes de tarefas de aquisição da linguagem. A autora adota a abordagem de Leonard (1998) para explicar o comportamento morfológico dos indivíduos DEL. Fletcher (1990) A dificuldade dos indivíduos DEL pronunciarem morfemas cujos traços são ligados a tempo está relacionada à dificuldade na produção do som alveolar final. Leonard e seus “Hipótese de Déficit no Processamento Perceptual” ou “Hipótese de companheiros Superfície”. A hipótese está relacionada ao processamento sintático e ao contorno prosódico. Os morfemas breves de classe fechada são de pesquisa processados de forma incompleta e, por isso, não têm efeito no paradigma na gramática subjacente do indivíduo DEL. Gopnik e seus Os indivíduos DEL parecem ter dificuldades de aprender a língua pela companheiros construção de paradigmas, ou seja, parecem ser incapazes de adquirir regras inconscientes automáticas, antes utilizam mecanismos de pesquisa compensatórios, que seriam a memória. 145 HIPÓTESE AUTOR(ES) Comprometimento lingüístico estrutural Clahsen, Batke e Göllner (1997) Jakubowicz e Nash (2001) Van der Lely (1998) Wexler, Schütze e Rice (1998) PROPOSTA PARA EXPLICAR O DÉFICIT GRAMATICAL DO DEL Os problemas gramaticais das crianças DEL são ligados à dificuldade em estabelecer relações de concordância na gramática. Os autores afirmam que a gramática das crianças DEL têm os traços não interpretáveis de concordância omissos ou subespecificados e os traços interpretáveis estariam preservados. Categorias funcionais mais básicas, ou seja, aquelas que estão sempre presentes e necessárias sintaticamente, como o tempo verbal presente, são mais prováveis de serem encontradas na fala das crianças DEL do que categorias funcionais que se encontram em algumas sentenças, mas não em outras, tais como o passado, o qual resguardaria a noção semântica que deve ser adicionada à árvore sintática. A última abordagem de van der Lely explicitada nesta tese indica que o DEL deriva de um comprometimento do Segundo Princípio de Economia do Último Recurso (Last Resort), que é aquele responsável por forçar movimento de traços somente se o alvo não tiver os traços checados. Estando o princípio comprometido, a obrigatoriedade do movimento de traços também fica comprometida; daí o comportamento lingüístico do DEL, em que ora há marcação de tempo e ora não há. As crianças DEL parecem desconhecer a obrigatoriedade de marcação de tempo e de concordância em sentenças por um período maior ou indefinido em relação às crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Os pesquisadores desenvolveram uma caracterização da noção de caso morfológico e de flexões verbais. Baseando-se em Wexler (1998), os pesquisadores apontam que a gramática da criança DEL é caracterizada por uma restrição da checagem única, em que o traço-D é checado somente uma vez, ou no nódulo de tempo ou no nódulo de concordância. Daí a explicação para o fato de a criança DEL ora omitir tempo, ora omitir concordância da estrutura da sentença. 146 4.4 REITERANDO OS NOSSOS OBJETIVOS Apresentamos, até este momento, toda a revisão da literatura que consideramos adequada para fins desta pesquisa. Inicialmente nos propusemos a dar uma caracterização geral do que vem a ser uma criança DEL, trazendo abordagens que nos mostram como é a fala deste indivíduo e evidências que nos sugerem que o déficit lingüístico ora estudado deve ter uma base genética. Vimos, também, os pressupostos do quadro teórico no qual esta tese se baseia, ou seja, os pressupostos teóricos da gramática gerativa. Trouxemos as idéias básicas dos Princípios e Parâmetros dentro do espírito do Programa Minimalista, proposto a partir de Chomsky (1995), e realizamos um histórico que pretendeu explicitar o desenvolvimento de estudos acerca das categorias funcionais, tempo e concordância. Em relação a tais categorias, fazemos um destaque para a não consideração de concordância como um nódulo constituindo um sintagma, no atual momento da teoria. Concordância, a partir de Chomsky (1995), passa a resguardar somente uma noção relacional com o verbo, em que número e pessoa constituiriam tais propriedades relacionais. Apresentamos ainda um estudo acerca de aspecto verbal, trazendo diferentes abordagens que propõem a inclusão da categoria aspecto verbal como um nódulo na árvore sintática. Em seguida, trouxemos vários estudos relacionados à aquisição de tempo e de concordância por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Verificamos que há abordagens que pressupõem que as categorias funcionais precisam ser adquiridas no período de aquisição de linguagem e há abordagens que sugerem que as categorias funcionais já estariam disponíveis na gramática mental da criança desde o nascimento. Entre aquelas que compõem o segundo grupo, há propostas que acreditam que, mesmo as categorias funcionais estando disponíveis desde muito cedo na gramática da criança, o efetivo uso de tais categorias dependeria de uma amadurecimento guiado por fatores genéticos. 147 Apresentamos, também, alguns estudos que visam a explicitar a aquisição de aspecto verbal por parte das crianças em fase de aquisição de linguagem. Alguns estudos demonstrados nesta tese sugerem que as crianças adquirem aspecto antes de tempo verbal. Outros trabalhos, os mais recentes, investem em pesquisas que nos têm apontado que nem tempo nem aspecto parecem ser estáveis na gramática de uma criança com três a quatro anos, portanto, em fase de aquisição de linguagem. Por fim, trouxemos várias vertentes que visam a explicar a gramática do indivíduo DEL gramatical. Algumas acreditam que o déficit do DEL deve-se a um déficit cognitivo mais geral. Outras sugerem que o déficit do DEL deve-se a uma dificuldade de processamento sintático e, constituindo um terceiro grupo, há aquelas que afirmam que o déficit do DEL deve-se a um déficit estrutural. Nossa pesquisa insere-se nesta última perspectiva. Isso posto, afirmamos que toda esta literatura embasou a nossa pesquisa no que diz respeito à metodologia e à forma como escolhemos para fundamentar a explicação concernente aos dados encontrados após a aplicação de testes elaborados para esta pesquisa. Neste momento, reiteramos os objetivos principais da investigação empreendida nesta tese: entender como as categorias, tempo e aspecto, estão representadas nas gramáticas de crianças DEL, contribuindo, então, para a discussão a respeito da representação de tais categorias na gramática de indivíduos adultos sem problemas de linguagem. Para tanto, faremos um estudo de caso, no qual verificaremos as categorias ora delineadas na fala de uma criança diagnosticada como DEL. Lembramos, ainda, que a hipótese estabelecida nesta tese é que a camada flexional é dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra de natureza aspectual. 148 5 METODOLOGIA Este capítulo consiste de duas seções. Na primeira, apresentaremos a amostra com a qual estamos trabalhando. Na seção seguinte, apresentaremos os testes usados nesta pesquisa. 5.1 A AMOSTRA Para cumprirmos os objetivos desta pesquisa, resolvemos fazer um estudo de caso, com um menino considerado DEL, o qual denominaremos VA. Selecionamos também duas crianças com desenvolvimento normal de linguagem, que, aqui, chamaremos de crianças controle. O objetivo de selecionarmos crianças sem distúrbio lingüístico é promovermos, para fins de análise, uma comparação. Ou seja, as crianças sem problemas de linguagem serviriam de parâmetro para verificarmos o que as crianças de uma determinada idade dão ou não conta de realizar em termos lingüísticos. As crianças controle foram selecionadas obedecendo-se ao seguinte padrão: uma deveria ter a mesma idade do menino DEL e a outra deveria ter o mesmo MLU (mesmo número de palavras por minuto) que o menino DEL investigado em nossa pesquisa. Além disso, as crianças controle deveriam ser do mesmo sexo e deveriam pertencer à mesma classe sócio-cultural que o menino DEL. A seguir, apresentaremos o menino DEL que selecionamos para esta pesquisa. Após essa subseção, apresentaremos como foi feita a seleção das crianças controle. 5.1.1 A criança DEL selecionada para esta pesquisa O menino DEL selecionado para nossa pesquisa é VA e tinha, na ocasião da aplicação dos testes, acabado de completar 13 anos. 149 VA é o filho mais velho da família. Tem um irmão e duas irmãs. VA pertence a uma família com histórico de problemas de linguagem. Seu irmão (de dez anos) e pelo menos uma de suas irmãs (a que tem nove anos) têm problemas lingüísticos. O pai das três crianças, além de sua avó paterna, da bisavó paterna e do irmão da bisavó, também apresentam (ou apresentaram, no caso dos dois últimos) problemas de linguagem. Estas informações foram obtidas com a mãe das crianças. O fato de termos encontrado três crianças irmãs com problemas lingüísticos e com histórico familiar em que tal distúrbio de linguagem é presente reforça a idéia de que o DEL é geneticamente determinado e isso nos dá maior segurança na seleção de VA para fins de nossa pesquisa. VA pertence à classe social popular, mora e sempre morou em favelas da periferia de Belo Horizonte. Atualmente mora em uma casa com dois cômodos e sua rua não tem asfalto. Mas há televisão e luz em sua residência. Sua mãe não trabalha fora e seu pai exerce trabalhos em setor de construção, entretanto sua ocupação não é permanente: quando acaba a construção de uma determinada obra, fica sem trabalho. Atualmente, é vendedor ambulante: vende palmitos na porta de um mercado de frutas e legumes. A mãe de VA tem a primeira etapa do ensino fundamental concluída (no interior de Minas) e seu pai não sabe ler e escrever, embora tenha freqüentado escola. VA já fez tratamento com fonoaudiólogos. À época dos primeiros testes desta pesquisa, em junho de 2004, o menino não estava fazendo terapia com fonoaudiólogo e não estava matriculado em escola, mas estava freqüentando uma escola especializada em problemas de linguagem. Em 2005, VA esteve matriculado em escola regular, além de ainda ter continuado a obter atendimento em escola especializada para distúrbios de linguagem. VA começou sua vida escolar aos nove anos de idade. Tinha muitos problemas de articulação de fala e, hoje, já melhorou, ainda que mantenha alguns deles. É um menino que tem grande dificuldade no processo de alfabetização, mas não a tem no processo de aprendizado de matemática, por exemplo. Além disso, tem bom desempenho em outras 150 atividades, por exemplo, em jogo de futebol. Sua antiga professora nos relatou que é um menino que, apesar de um pouco agressivo, é esforçado. A professora nos disse ainda que as dificuldades que VA apresenta assemelham-se às de outros meninos considerados em desenvolvimento normal de linguagem. Ela acrescenta também que acredita que as dificuldades de VA são decorrentes de sua entrada tardia na escola, o que o levou a ficar ao lado de crianças mais novas, desmotivando-o no processo ensino-aprendizagem, algumas vezes. O fato de o menino não ter freqüentado a escola, em 2004, nos leva a pensar que o aprendizado de VA é interrompido vez por outra. A despeito dos problemas de relacionamento e da dificuldade no processo de alfabetização, VA sempre se mostrou solícito nas sessões de exame fonoaudiológico e de exame psicológico feitas para fins desta pesquisa e nas sessões de aplicação de testes lingüísticos. Seus irmãos não apresentam os problemas escolares da mesma forma que VA os apresenta. O irmão, de dez anos, é um menino amável, sabe escrever, ler e tem facilidade com raciocínio matemático. Conta histórias e é uma criança preocupada em acertar sempre. Ele foi para a escola, pela primeira vez, aos sete anos. A irmã de VA, de nove anos, é uma menina gentil, sabe ler e escrever. Conta histórias interessantes e tem uma fala fluente. Também foi à escola, pela primeira vez, aos sete anos. Tais crianças foram examinadas pela mesma fonoaudióloga que examinou VA para fins desta pesquisa. A profissional informou que os irmãos de VA não necessariamente têm problemas sintáticos, pois, nos testes aplicados, isto não pôde ser constatado, mas claramente têm alguns problemas fonológicos. Ainda que os resultados que indicam um não comprometimento sintático nos irmãos de VA não sejam conclusivos, o que podemos verificar é que possivelmente há, dentro de uma mesma família, grupos heterogêneos de comprometimento da linguagem, tal como nos traz a literatura (cf. Leonard, 1998). 151 5.1.1.1 Os critérios usados para seleção de VA Os critérios para a seleção do menino DEL pesquisado neste trabalho foram os de exclusão. VA não apresentou quadro clínico de lesão cerebral, nem problemas auditivos. Não há descrição de nenhuma infecção recente no ouvido e não há anormalidades orais. VA também não apresenta problemas social, comunicativo, emocional ou comportamental que o caracterizaria como sendo autista. O menino foi conduzido a várias seções de avaliação psicológica, ocasião em que foi aplicado o WISC (WECHSLER, 1991), um teste psicológico que visa a verificar não só o QI verbal, quanto o não verbal. Em laudo fornecido pela psicóloga, que é especialista no teste, há a confirmação que o QI verbal de VA é 89 e o QI não verbal é 85. Além disso, o menino passou por uma avaliação fonoaudiológica. O resultado do trabalho com a fonoaudióloga teve um parecer que indicava VA como sendo DEL. Alguns testes que verificavam as áreas da fonética e da sintaxe foram aplicados na criança. No que diz respeito aos testes de natureza fonética aplicados pela fonoaudióloga, foi verificado que o menino DEL selecionado para esta pesquisa apresenta algumas omissões e algumas trocas de sons. Apesar disso, não há nenhum problema de natureza motora que impeça VA de articular corretamente os fonemas. Ou seja, apesar de ter alguns problemas na articulação dos sons em um contínuo, VA tem os pontos articulatórios relativos a esses sons, exceto em casos em que há necessidade de articulação do tepe ou, mais comumente conhecido, do “r” brando, como em prato ou coroa, quando a criança diz [‘pato] e [ko‘oua]. Como critério para a constatação de déficit sintático, foi aplicado um teste que visava a eliciar50 a produção de sentenças com determinados tempos (passado e presente) e aspectos (perfectivo e imperfectivo) verbais. Estes testes são de Macacchero (2004) e encontram-se no anexo A. VA demonstrou ter dificuldade de produzir o tempo verbal esperado. 50 Explicitaremos, na seção 5.2, o que vêm a ser testes de eliciação. 152 Ainda como critério para constatação de déficit sintático no menino DEL pesquisado nesta tese, foi verificada a compreensão de sentenças relativas de sujeito e relativas de objeto. Usamos os dados obtidos após a aplicação de testes com sentenças com movimento de QU como critério de constatação de déficit sintático por ser um bom parâmetro, já que a literatura sobre o comportamento lingüístico do DEL nos aponta que as crianças com DEL, de um modo geral, têm mais dificuldade na produção e compreensão de tais sentenças que as crianças em fase normal de aquisição de linguagem. VA, de um modo geral, não apresentou um bom desempenho na compreensão de sentenças com movimento de elemento QU, especialmente quando tal elemento estava em posição de objeto, ou seja, VA apresentou maior dificuldade na compreensão de sentenças relativas de objeto. As sentenças usadas neste teste (que foram retiradas de Hermont (1999)) e o desempenho de VA nas tarefas de compreensão de sentenças com QU estão no anexo B. Com base em critérios psicológicos, fonoaudiológicos e lingüísticos, VA foi considerado um menino DEL, servindo, portanto, para fins desta pesquisa. 5.1.2 As crianças sem problemas de linguagem Selecionamos duas crianças sem problemas de linguagem, a fim de que elas fossem usadas como controle. Seguimos alguns critérios comumente usados por diversos autores para a seleção de crianças controle. A seguir, apresentaremos os principais critérios observados na literatura. De acordo com Leonard (1998) e Rice e Wexler (1996), de um modo geral, as crianças DEL são comparadas, em situação de testes, a crianças sem problemas de linguagem, que formam pelo menos dois grupos: a) grupo de controle baseado em idade cronológica, em que são reunidas crianças sem problemas de linguagem com mesma idade cronológica da criança DEL e 153 b) grupo de controle baseado em desempenho lingüístico, em que são reunidas crianças sem problemas de linguagem com níveis de desempenho em testes de vocabulários ou de gramática comparáveis aos níveis de desempenho em testes de vocabulários ou de gramática da criança DEL. No que diz respeito a este último grupo, podemos assinalar que uma forma de comparar as crianças DEL a crianças sem problemas de linguagem e que estão no mesmo estágio de desenvolvimento gramatical que as crianças com DEL é através da observação do MLU (Mean Lenght Utterance, que significa “tamanho significativo de pronúncia”). De acordo com Rice e Wexler (op. cit.), o MLU é calculado tomando-se 50 ou 100 palavras na fala espontânea produzida pela criança e verificando-se o número de morfemas51 por pronúncia na amostra da fala da criança (ou seja, verifica-se o total de morfemas que a criança produz e divide-o pelo número de palavras que a criança produz). O MLU pode também ser especificado simplesmente verificando-se o número de palavras produzidas por minuto na amostra da fala da criança. Esta última opção foi feita em nosso trabalho. Dito tudo isso, assinalamos que as crianças controle com as quais trabalhamos nesta tese consistem de duas crianças, uma de treze e outra de dez anos. A criança sem problemas de linguagem com treze anos foi escolhida por ter a mesma idade do menino DEL selecionado para esta pesquisa. Esta criança tem o mesmo nível social, econômico e cultural do menino DEL investigado em nosso estudo. Ela estudava na mesma escola onde VA já estudou, mora em rua sem asfalto e tem, basicamente, os mesmos eletrodomésticos em casa que a família de VA tem em sua residência. Entretanto, a criança controle de treze anos tem um nível de escolaridade melhor que o de VA, pois o menino DEL investigado nesta tese tem dificuldade no processo de alfabetização, conforme já dito. 51 Rice e Wexler esclarecem que morfemas são unidades gramaticais: isto é, um item “cats” é uma única palavra, mas é constituída por dois morfemas: a raiz nominal “cat” e o sufixo plural “-s”. Embora o MLU seja geralmente computado em termos do número significativo (isto é, média) de morfemas por pronúncia para línguas como o inglês, na qual algumas palavras não carregam flexões explícitas, para línguas como o italiano ou espanhol, nas quais todas as palavras consistem, tipicamente, de uma raiz mais um afixo ou flexão, o MLU é geralmente computado simplesmente em termos de palavras. Quando isto é feito, a abreviação MLU(W) – isto é, tamanho significativo de pronúncia medida em termos de palavras – é usado, para que ocorra maior clareza. 154 A criança de dez anos escolhida para também fazer parte do grupo controle tinha o mesmo MLU que VA. No anexo C, estão as falas de VA e da criança controle. Foram observados o número de palavras usadas em contação de histórias e o tempo que as crianças gastaram para contar tais histórias. Mediante os resultados, puderam-se verificar os MLU’s de ambas as crianças, que coincidiram: 1,7 palavra por segundo. A criança com mesmo MLU do menino DEL investigado nesta tese tem o mesmo perfil social, econômico e cultural de VA. Assim como a criança controle de 13 anos, a criança de 10 anos tem o nível de escolaridade adequado para sua idade: está na quarta série. As crianças controle foram selecionadas em ambiente escolar e, na ocasião da seleção da amostra, pedimos às professoras que nos indicassem crianças que não tivessem nem problema de aprendizagem nem de fala. Em entrevista, as respostas dadas pelas mães e pelas professoras indicavam que ambas as crianças passaram pelo processo de alfabetização com facilidade e não há dados disponíveis que indiquem padrões de erros na fala, tanto nas informações dadas por mães e por professoras, quanto nas entrevistas feitas com as crianças para fins desta pesquisa. Vale dizer que as professoras apontaram que as crianças selecionadas não tinham problemas de aprendizagem, mas também não eram aquelas que mais se destacavam nas tarefas escolares. As crianças controle realizaram os mesmos testes lingüísticos realizados por VA (cf. anexos A e B) e obtiveram um desempenho de 100% nas tarefas em que se esperavam respostas no pretérito perfeito, no presente habitual e não habitual e no presente, com aspecto progressivo. Estas mesmas crianças controle deram, cada uma, quase o total de respostas esperadas (90%), no caso das tarefas em que se esperavam as perífrases “auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio”. Por fim, estas crianças obtiveram um desempenho de 100% nas tarefas de compreensão de sentenças relativas de sujeito e de sentenças relativas de objeto. 155 5.2 OS TESTES Para esta pesquisa, tínhamos, inicialmente, o objetivo de verificar a presença e a adequação na produção de verbos no tempo presente e passado e de aspecto imperfectivo e perfectivo em trechos de falas espontâneas e em testes de eliciação. Entretanto, como VA fala pouco, não gosta de contar histórias e nem de conversar muito, não foi possível proceder à análise de tempo e aspecto verbal a partir de falas espontâneas. Portanto, os dados com os quais trabalhamos nesta tese relacionam-se àqueles obtidos após a aplicação de testes de eliciação, os quais passaremos a explicar na próxima subseção. Vale dizer, contudo, que coletamos algumas falas espontâneas por parte de VA e da criança controle de dez anos, a fim de verificarmos o MLU de cada um destes componentes da amostra da pesquisa empreendida para esta tese. Era ainda objetivo inicial desta pesquisa verificar a concordância verbal na fala da criança DEL. Entretanto, ao observarmos os resultados obtidos após a aplicação de testes, não pudemos realizar a análise do desempenho do menino DEL na produção de concordância verbal (conforme veremos no capítulo 6). Contudo, os resultados deste teste serviram-nos, de alguma forma, para a análise de tempo e aspecto na fala do menino DEL investigado nesta tese. Portanto, colocaremos, ao final deste capítulo, a demonstração de como tais testes foram elaborados. 5.2.1 Os testes de eliciação de tempo e de aspecto Inicialmente, apresentaremos os recursos usados para a elaboração dos testes. Depois, apresentaremos as baterias de testes e as expectativas que tínhamos para cada uma delas e, por fim, indicaremos a forma como interpretamos os resultados obtidos. 156 5.2.1.1 Os contextos criados na elaboração dos testes de eliciação de tempo e aspecto Para realizarmos os testes que verificassem tempo e aspecto, na fala da criança DEL e das crianças controle, tentamos garantir que, em cada bateria, houvesse um tema de interesse das crianças. Um dos temas de algumas baterias estava ligado a três histórias do cachorro Beco Barroso (Eboli, 197?). Os livros foram indicados pela fonoaudióloga que aplicou os testes no menino DEL pesquisado em nosso trabalho. A profissional, na ocasião, nos afirmou que, em seu consultório, os pacientes demonstram gostar bastante das histórias do Beco Barroso. Além disso, as frases dos textos são curtas, o que facilita no momento da aplicação de testes por não tomar muito tempo e, portanto, não cansar as pessoas que estão realizando o teste. Podemos citar ainda, como nossa aliada, a “voz” no texto, que é a do cachorro, o que também é desejável, pois não houve narrador e, por conseguinte, não houve discurso indireto, em que a leitura de verbos no passado seria comum por parte da pesquisadora. Desta forma, a criança não memorizou falas da pesquisadora. As histórias de Beco Barroso estão no anexo D. Para procedermos à elaboração das outras baterias de testes, perguntamos às crianças sobre o que elas gostariam de falar e, a fim de que as respostas não fossem evasivas, levamos alguns recursos para que os meninos pudessem escolher. Dentre os recursos, levamos uma caixa com vários bonecos que poderiam representar pessoas da família e que com eles pudesse ser feito um teatro52. Levamos também bonecos de super-heróis e de vilões, tais como “He-Man” e “Esqueleto”. Levamos revistas de esportes (futebol, principalmente) e revistas em quadrinho da Turma da Mônica e do Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas etc. Todas as crianças foram unânimes na escolha das revistas em quadrinhos. Afirmaram que gostariam de conversar, em situação de teste, tanto sobre os personagens da Turma da Mônica, quanto sobre os personagens que vamos aqui denominar da Turma do Pato Donald. 52 Percebemos, em conversa, que este tipo de tarefa pertence mais ao universo feminino. Meninos não gostam de brincar de boneca, de um modo geral, ainda mais na idade em que estão. 157 Desta forma, as outras baterias foram constituídas por, predominantemente, testes com personagens da Turma da Mônica e da Turma do Pato Donald. Grande parte dos testes com os personagens da Turma da Mônica basearam-se em gravuras de Ferreira (2003) e grande parte dos testes com os personagens da Turma do Pato Donald basearam-se em revistas em quadrinhos e em almanaques. Para algumas baterias de testes, entretanto, tivemos que recorrer a outros temas, desconhecidos, a fim de obterem-se formas verbais desejadas e que seriam difíceis de serem produzidas naqueles outros contextos. Este foi o caso de testes de eliciação, por exemplo, de pretérito perfeito, em que precisávamos formar um contexto no qual a criança, primeiramente, iria perceber uma ação em andamento e, em seguida, a mesma ação findada. Muitas vezes, não encontramos nas histórias do Beco Barroso, da Turma da Mônica e da Turma do Pato Donald o número de situações para a eliciação desejada. Daí a escolha de outros temas. 5.2.1.2 A eliciação de tempo e aspecto Eliciação é um tipo de teste que visa a provocar o surgimento de uma dada expressão lingüística. Este tipo de estratégia é usado quando o que se quer examinar ocorre com baixa freqüência na fala espontânea (Crain e Thornton, 2000, p. 141). Escolhemos este tipo de estratégia para a elaboração de nossos testes, em primeiro lugar, porque as crianças DEL não falam muito, antes têm muita dificuldade para falar com fluência. Com a técnica da eliciação, poderíamos conseguir (e na verdade só assim conseguimos) um grande número de dados em poucos encontros. Em segundo lugar, escolhemos a técnica da eliciação para ser a estratégia usada em nossos testes porque desejávamos verificar se a criança DEL investigada em nosso trabalho consegue dar respostas adequadas no que diz respeito a tempo e a aspecto investigados neste trabalho. 158 Como o próprio nome da estratégia indica, há uma eliciação, uma provocação daquilo que se deseja ouvir. Este tipo de estratégia para a elaboração dos testes é também interessante porque elimina algumas das dificuldades que podem surgir ao interpretarem-se dados da fala da criança advindos de fala espontânea (Crain e Thornton, op. cit.). Às vezes, levantamos hipóteses, nem sempre possíveis de serem comprovadas, a respeito do significado possível dado pela criança. Este é um problema freqüente no estudo de dados de fala espontânea. Vale dizer que quase a totalidade das pesquisas que trata de aquisição de categorias funcionais (principalmente de aspecto), por parte de crianças sem problemas de linguagem e por parte de crianças DEL, realiza testes de eliciação. Os testes elaborados para fins desta pesquisa tinham como objetivo a eliciação de formas verbais no presente e nos pretéritos perfeito e imperfeito. A fim de determinarmos quais aspectos verbais entrariam em nossos testes, recorremos à obra de Travaglia (1981), que nos traz uma ampla abordagem sobre um assunto ainda pouco explorado em nosso país, que é o aspecto verbal em língua portuguesa. Nesta obra, o autor estabelece um quadro com as noções aspectuais que se expressam no Português e um quadro correspondente de aspectos, determina os tipos de situações indicadas pelos verbos que afetam a atualização da categoria de aspecto e estuda a relação do aspecto com as categorias verbais de tempo. Além disso, há uma ampla seleção de exemplos, quase todos baseados em dados lingüísticos obtidos de falantes da língua portuguesa do Brasil, sem se ater a nenhum dialeto. A categorização feita pelo autor, a demonstração da relação entre os vários aspectos e tempos verbais e a farta apresentação de exemplos nos deu condições de elaborar as sentenças a serem eliciadas em nossa pesquisa. O principal objetivo da nossa pesquisa era investigar se há dissociação entre tempo verbal e aspecto verbal na gramática mental, partindo do estudo da análise da fala de criança DEL. Tínhamos também como objetivo verificar o status dos aspectos perfectivo e 159 imperfectivo na gramática mental dos indivíduos DEL. Portanto, um melhor entendimento acerca de perfectividade e imperfectividade se fez necessário. Conforme já assinalamos no capítulo 2 desta tese e de acordo com Travaglia (1981, p. 76), o perfectivo é caracterizado por apresentar a situação como completa, isto é, em sua totalidade. O todo da situação é apresentado como único, inanalisável, com começo, meio e fim englobados juntos. Já o imperfectivo, ainda segundo Travaglia (op. cit., p. 78), é caracterizado por apresentar a situação como incompleta, isto é, não temos o todo da situação e, por isso, normalmente ela é apresentada em uma de suas fases de desenvolvimento. Aqui, ao contrário do que ocorre no perfectivo, é como se a situação fosse vista de dentro, enfocando-se não o seu todo. Observando a categoria maior de aspecto imperfectivo, escolhemos trabalhar com duas outras categorias, a saber “aspecto progressivo” e “aspecto habitual”. Ambas são caracterizadas por terem a fase ainda não conclusa, embora sejam marcadas por diferenças entre si. Segundo o autor já mencionado (op. cit., p.92), o aspecto progressivo53 caracteriza-se por apresentar a situação em pleno desenvolvimento, ou seja, concebida como já tendo passado seus primeiros momentos e ainda não tendo atingido seus últimos momentos. Em outras palavras, a situação é apresentada na fase do meio de seu desenvolvimento. Exemplos são dados na obra: “José lia um romance, quando sua irmã chegou.”, “Estamos fazendo um bolo para mamãe”, “O presidente estava falando desde as 5 horas”. Já o aspecto habitual é o aspecto que apresenta a situação como tendo duração descontínua ilimitada. Ou seja, a situação é apresentada como sofrendo interrupções na sua duração, o que cria a idéia de repetição. Daí poder-se-ia pensar em aspecto iterativo. Entretanto, a ação tem seus limites não precisos, os limites entre o início e fim da situação não 53 Na verdade, o autor não usa a terminologia “progressivo” e, sim, “cursivo”. Usaremos “progressivo” no lugar de “cursivo” por ser o primeiro o termo mais usado na literatura. 160 são conhecidos. Por isso há a noção de habitualidade. Um exemplo dado pelo autor: “Sempre que chegavam visitas, mamãe fazia biscoitos”. O pretérito perfeito marca o aspecto perfectivo. O presente e o pretérito imperfeito, ambos do indicativo, marcam o imperfectivo. Segundo Travaglia (op. cit., p. 128 e 129), o aspecto cursivo, que nesta tese denominamos progressivo, é expresso pelo presente do indicativo em descrições principalmente na linguagem oral mais formal ou na escrita, que é sempre mais formal que a fala. Entretanto, embora o presente do indicativo marque o aspecto progressivo, os falantes preferem marcar esse aspecto através da perífrase “ESTAR + GERÚNDIO”, pois há uma tendência para se interpretar a frase com o presente do indicativo como marcada pelo aspecto habitual, caso em que a progressão praticamente se anula. Por isso, escolhemos eliciar, em tarefas de testes, o aspecto progressivo sob a forma de perífrases. Ainda de acordo com Travaglia (op. cit., p. 130), muito freqüentemente, o “habitual” é marcado pelo presente do indicativo. Apresentamos um exemplo dado pelo autor: “Acordo cedo, tomo uma xícara de café, faço a barba, vou ao banheiro”. Entretanto, conforme nos acena Travaglia, a habitualidade expressa pelo presente do indicativo, de um modo recorrente, é reforçada por um elemento adverbial (adjunto ou oração) que torna a habitualidade mais clara e patente. Ao mesmo tempo, este elemento enfraquece a progressão, cortando a possibilidade de se interpretar a frase como tendo aspectos durativo e progressivo. Exemplos disso são: “Todas as manhãs, tomo um banho frio”, “Normalmente, ele já está no escritório às 9 horas”, “Eu sempre venho a este restaurante”. Por isso, em nossos testes, fizemos a opção por usar advérbios de tempo em tarefas de eliciação do aspecto habitual, sempre que necessário. Vale dizer que Travaglia (op. cit., p 136) também nos aponta que o pretérito imperfeito expressa tanto o aspecto progressivo, quanto o aspecto habitual. Mas, em nossa pesquisa, eliciamos o tempo pretérito imperfeito somente com o aspecto progressivo. 161 Decidimos, então, elaborar os testes de eliciação de tempo e aspecto da seguinte forma: a) Presente, com aspecto progressivo, sob a forma de perífrase; b) Presente, com aspecto habitual, sob a forma de tempo simples; c) Pretérito imperfeito, com aspecto progressivo, sob a forma de perífrase; d) Pretérito perfeito, aspecto perfectivo, sob a forma de tempo simples. A seguir, apresentamos os testes que visam a verificar, na fala das crianças, tempo e aspecto. Fizemos testes com diferentes comandos e diferentes usos de gravuras. Todos os testes de eliciação de tempo e de aspecto podem ser vistos, na íntegra, no anexo E. Presente progressivo a) 30 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que está acontecendo aqui?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1, 5 e 6. b) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que Cebolinha está fazendo aqui?”. Fez parte deste tipo de teste a bateria 2. c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por meio de preenchimento de lacunas, do tipo: “Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento. Aqui, o Chico Bento __________ (está trazendo flores para Rosinha.)”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 3 e 4. A seguir, descreveremos os testes: 162 Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história “Beco Barroso e o gato” e pergunta eliciadora: “O que está acontecendo aqui?”. Expectativa: era a de eliciar uma resposta com tempo presente/ aspecto progressivo, sob a forma auxiliar (no presente) + gerúndio. Além disso, uma resposta esperada, nesta situação de teste, era a produção de uma sentença contendo um sujeito. Bateria 2 – Tipo de estímulo: Demonstração de uma gravura da Turma da Mônica. A pesquisadora falava: “Nesta gravura, todas as crianças estão brincando. Agora, me responda: o que cada uma delas está fazendo?” Em seguida, era perguntado: “O que o Titi está fazendo?”, “O que a Magali está fazendo? etc.” Expectativa: era a de termos uma resposta com sujeito + auxiliar (no presente) + gerúndio, ou auxiliar (no presente) + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. Bateria 3 - Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. Aqui a entrevistadora dizia: “Agora, você vai observar algumas gravuras da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. Um exemplo: “Aqui a Mônica e o Cebolinha estão dando as mãos. Aqui a Mônica ______________”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Expectativa: era a de obtermos uma resposta em que tempo presente (sob a forma de auxiliar) e aspecto (sob a forma de gerúndio) estivessem presentes. Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.” 163 Um exemplo: Aqui o casal está atravessando a rua e aqui o Franjinha ________”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Expectativa: era a de obtermos uma resposta em que o tempo presente (sob forma de auxiliar) e aspecto (sob forma de gerúndio) estivessem presentes. Bateria 5 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Os sobrinhos do Pato Donald estão no acampamento. Agora vamos ver algumas coisas que estão acontecendo lá.”. Em seguida, era feita uma contextualização com base em uma gravura, do tipo: Este patinho quer construir uma cabana. O que está acontecendo aqui?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no presente e gerúndio. Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Agora vou te contar uma história da Galinha Ruiva e outras menores com outros personagens e vou fazer umas perguntas sobre ela.”. Depois a pesquisadora perguntava: “O que está acontecendo aqui?”. A pergunta era feita com base nas gravuras das histórias. Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no presente e gerúndio. Pretérito Imperfeito Progressivo a) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 5 e 6. 164 b) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que Cebolinha estava fazendo aqui?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1 e 2. c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo” por meio de preenchimento de lacunas. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 3 e 4, A seguir, descreveremos os testes: Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história e pergunta eliciadora, do tipo: “O que o Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca estava cozinhando?”. Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo com a forma sujeito + auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. Bateria 2 – Tipo de estímulo: apresentação de uma gravura com vários tipos de ações. A pesquisadora falava que a gravura era de uma festa da Turma da Mônica que havia ocorrido algum tempo atrás. Em seguida a pesquisadora perguntava: “O que cada pessoa estava fazendo nesta gravura?” Aí ela ia dirigindo as perguntas, como por exemplo: “O que o Rolo estava fazendo?”, “O que as moças estavam fazendo?” etc”. Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo com a forma sujeito + auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. 165 Bateria 3 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você vai continuar a observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da festa da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.” Um exemplo: “Enquanto esta criança estava correndo, este homem ________”. A resposta esperada, neste caso, era: “estava trabalhando”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Expectativa: Neste tipo de teste, esperávamos uma resposta em que o tempo pretérito imperfeito (sob forma de auxiliar) e aspecto progressivo (sob forma de gerúndio) estivessem presentes. Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas mediante pergunta. A pesquisadora dizia: “Agora você vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura”. Um exemplo: “Aqui as crianças estavam levando presentes para a Mônica. E aqui? A Mônica ________” Em seguida, a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito com a forma auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio. Bateria 5 - Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Ontem os sobrinhos do Pato Donald foram para a floresta, para um acampamento. Aqui temos algumas gravuras do que aconteceu no acampamento.”. Em seguida, era feita uma pergunta, com base em uma dada gravura, do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no pretérito imperfeito e gerúndio. 166 Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: Você conhece o Zé Carioca? Ele é um papagaio que adora futebol. Um tempo atrás, foram feitas umas gravuras com o Zé Carioca. Em algumas gravuras, ele era jogador, em outras, juiz, médico, torcedor etc. Nesta gravura, por exemplo, o que estava acontecendo aqui?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no pretérito imperfeito e gerúndio. Pretérito Perfeito/ Perfectivo a) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de perguntas do tipo: “Você sabe o que é fazer embaixada? Aqui o menino está fazendo embaixada com a bola. O que aconteceu aqui?”. Fez parte deste tipo de teste a bateria 2. b) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de perguntas com o advérbio “ontem” do tipo: “Ontem, quando o Pato Donald foi escovar os dentes, o que aconteceu?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 5 e 6. c) 30 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de preenchimento de lacuna, do tipo: “A Mônica ganhou uma maçã. Ela ficou feliz e veio andando com a maçã na mão. Aí veio a Magali e _______ (pegou a maçã)”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1, 3 e 4. A seguir, descreveremos os testes: Bateria 1 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de gravuras com dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: “Aqui os pintinhos estão quebrando a 167 casca do ovo.”. Em seguida, mostrava o segundo quadro e dizia: “Aqui os pintinhos já_______”. A criança deveria preencher a lacuna faltosa, oralmente. Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito perfeito. Bateria 2 – Tipo de estímulo: Contextualização acerca de assuntos diversos e demonstração de uma gravura com dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A pesquisadora falava o que estava acontecendo no primeiro quadro e, mediante a demonstração do segundo quadro, perguntava: “Aí o que aconteceu?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse com um sujeito e uma forma verbal no pretérito perfeito. Bateria 3 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui ele já _________”. Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito perfeito. Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui os homens foram colher mangas. Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui eles _________”. 168 Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito perfeito. Bateria 5 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia anterior. Em seguida, era feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem o Pato Donald foi escovar dentes. Aí o que aconteceu?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse à pergunta com uma sentença com sujeito e forma verbal no pretérito perfeito. Bateria 6 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia anterior. Em seguida, era feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem, o Pato Donald estava lendo um livro debaixo da árvore. Aí o que aconteceu?”. Expectativa: era a de que a criança respondesse à pergunta com uma sentença com sujeito e forma verbal no pretérito perfeito. Presente habitual a) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de perguntas, do tipo: “O que o Cebolinha faz todos os dias?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1 e 2. b) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de uma contextualização de uma profissão e posterior pergunta. Exemplo: A mãe do Cascão é dona de casa. O que ela faz? Fez parte deste tipo de teste a bateria 3. c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio do comando: “Me fale o que estas crianças fazem todas as manhãs.”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 5 e 6. 169 d) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de preenchimento de lacunas, do tipo: “Esta mulher é lavadeira. Todos os dias, ela _____ (lava roupas)”. Fez parte deste tipo de teste a bateria 4. A seguir, descrevemos os testes: Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história e pergunta eliciadora com o adjunto adverbial “todos os dias”. Por exemplo: “O que Beco Barroso faz todos os dias na loja?”. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo presente e aspecto habitual. Bateria 2 – Tipo de estímulo: pergunta sobre hábitos de personagens da Turma da Mônica com a demonstração de gravuras em que há várias ações desencadeadas todos os dias por tais personagens. Em seguida, a pesquisadora falava: “Agora vou te mostrar umas gravuras que mostram coisas que Cebolinha faz todos os dias”. Então, a pesquisadora solicitava a resposta à pergunta: “O que o Cebolinha faz aqui?”. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal com o tempo no presente e aspecto habitual. Bateria 3 – Tipo de estímulo: pergunta sobre as atividades realizadas por diversos profissionais. Em seguida, a entrevistadora falava inicialmente: “A mãe do Cascão é dona de casa.”. Após a demonstração de uma gravura, ela perguntava: “O que ela faz?” Na gravura havia a mãe do Cascão exercendo a atividade de varrer. Expectativa: era a de que as crianças respondessem usando uma única forma verbal no tempo presente e com aspecto habitual. 170 Bateria 4 – Tipo de estímulo: preenchimento de lacunas. A pesquisadora mostrava algumas gravuras e falava uma frase que indicava que aquela situação apresentada na gravura ocorria sempre. Em seguida ela pedia um preenchimento de lacuna. Dois exemplos de eliciação com as respectivas respostas esperadas: “Todos os dias, a professora _____ (dá aula)”; ou “Nas noites escuras, o fantasma ____ (assusta as pessoas)”. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo presente e com aspecto habitual. Bateria 5 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças, indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz sempre. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo presente e com aspecto habitual. Bateria 6 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças, indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz todos os dias. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo presente e com aspecto habitual. Todos os testes de eliciação de tempo e de aspecto podem ser encontrados no anexo E. 171 5.2.1.3 Como interpretar os resultados Para interpretarmos o desempenho da criança DEL investigada nesta tese, utilizamos dois tipos de critérios. O primeiro diz respeito a uma classificação de base estatística que fundamentou o segundo: uma análise de caráter qualitativo, mais ampla e próxima da realidade observada nos resultados dos testes aplicados. A análise de caráter qualitativo levou em conta o número de respostas esperadas que foram dadas pelas crianças controle e pelo menino DEL nos testes de eliciação de tempo e aspecto. Além disso, para que pudéssemos proceder à discussão das respostas dadas pelas crianças, mas que não foram aquelas esperadas pela pesquisadora, observamos e analisamos as respostas alternativas dadas pelas crianças controle e por VA. 5.2.2 Os testes de produção de concordância verbal Os testes relativos à concordância verbal foram elaborados com a criança DEL investigada em nossa pesquisa e com sua mãe. O objetivo de termos feito o teste também com sua mãe era o de garantir que as dificuldades com concordância verbal que porventura surgissem não fizessem parte de uma variação dialetal. Além disso, sua mãe seria um bom controle já que o déficit lingüístico parece estar ligado à família do pai. Mediante uma autorização por escrito por parte da mãe de VA, conseguimos fotografar VA e sua mãe, a fim de elaborarmos os testes. Os testes foram realizados da seguinte maneira: selecionamos vinte verbos. Em seguida, VA foi fotografado exercendo a ação expressa pelo verbo. Depois, a pesquisadora e aplicadora de testes e VA foram fotografados exercendo a mesma ação. Depois, uma terceira pessoa foi fotografada fazendo aquilo que VA já tinha feito e, por fim, duas outras pessoas foram fotografadas exercendo a 172 mesma ação. O objetivo era eliciar verbos nas primeiras e terceiras pessoas no singular e no plural. Um exemplo: para o verbo “comer”, havia uma fotografia com VA comendo um biscoito. Em outra fotografia, havia a pesquisadora e VA comendo o biscoito. Na terceira fotografia, havia a mãe de VA (ou uma outra pessoa) comendo biscoito. Na quarta fotografia, havia a mãe e o irmão de VA (ou duas outras pessoas) comendo o biscoito. O mesmo procedimento foi feito para a aplicação de testes com a mãe de VA: uma foto com ela comendo um biscoito, uma foto em que a aplicadora de testes e a mãe de VA estavam comendo biscoitos, uma foto com VA comendo biscoitos e uma foto com VA e seu irmão comendo biscoitos. Os verbos eliciados foram: comer (biscoito), beber (água), abrir (gaveta), escrever, carregar (uma cadeira), ler (um livro), empurrar (uma mesa), limpar (uma mesa), segurar (um copo), pentear, subir (escadas), descer (escadas), bater palmas, levantar-se (da cadeira), socar (a parede), puxar (uma corda), chutar (uma bola), cheirar (um perfume), varrer, calçar. Os dados acerca de concordância verbal foram eliciados a partir da observação de fotografias, que foram colocadas ao acaso. Ou seja, a primeira foto poderia ser a correspondente à frase “Eu estou bebendo água” e a segunda foto poderia ser correspondente à frase “Nós estamos penteando cabelo”. O procedimento era o seguinte: pedíamos a VA e à mãe do menino que nos falasse o que estavam vendo. A resposta poderia ser dada no tempo presente ou no passado, com forma simples (por exemplo: “eu como biscoitos” ou “eu comia biscoitos”) ou sob forma de perífrase (“eu estou comendo” ou “eu estava comendo”). Aqui não nos interessava o tempo e o aspecto. Queríamos ver como era a concordância verbal do menino DEL e de sua mãe. Antes de introduzirmos o teste, fizemos a aplicação de um teste piloto, descrito abaixo: a) Foto: VA está comendo um biscoito. (Frase esperada: eu estou comendo um biscoito) VA: comendo. 173 Entrevistadora: Quem está comendo? VA: Eu. Entrevistadora: Então fale, de agora em diante, a frase toda, tá bom? b) Foto: VA e a entrevistadora estão comendo biscoitos. (Frase esperada: Nós estamos comendo biscoitos) VA: Eu e você estamos comendo. c) Foto: uma menina da escola está comendo um biscoito. (Frase esperada: A menina está comendo biscoito) VA: A menina tá comendo. d) Foto: A mãe de VA e uma menina da escola estão comendo biscoitos. (Frase esperada: Elas estão comendo biscoito) VA: A menina e minha mãe tá comendo. e) Foto: VA está tomando água. (Frase esperada: Eu estou tomando suco) VA: Tomando. f) Foto: VA e a entrevistadora estão tomando água. (Frase esperada: Nós estamos tomando água) VA: Eu e você tá tomando. g) Foto: Uma menina da escola está tomando água. (Frase esperada: a menina está tomando água) VA: Tá tomando, comendo. h) Foto: A mãe de VA e uma menina da escola estão tomando água. (Frase esperada: Elas estão tomando água.) VA: Tomando. i) Foto: VA está escrevendo algo em um papel. (Frase esperada: eu estou escrevendo.) VA: Estou escrevendo. j) Foto: VA e a entrevistadora estão abrindo uma gaveta. (Frase esperada: Nós estamos abrindo uma gaveta) VA: Tá abrindo gaveta. 174 6. RESULTADOS Este capítulo tem o objetivo de apresentar os resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo verbal e de aspecto verbal, além de concordância verbal. Primeiramente, apresentaremos os resultados dos testes de eliciação de tempo e aspecto verbais. Posteriormente, apresentaremos os resultados concernentes à eliciação de concordância verbal. Vale dizer que todas as baterias 1 foram aplicadas em junho de 2004 e o restante das baterias foi aplicado em novembro e em dezembro de 2004, em vários encontros com a criança DEL e com as crianças controle. 6.1 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E ASPECTO VERBAL A seguir, apresentaremos os resultados obtidos após a aplicação de testes que visavam a eliciar tempo no presente e aspecto progressivo; tempo no pretérito imperfeito e aspecto progressivo; tempo no pretérito e aspecto perfectivo; tempo no presente e aspecto habitual, nesta ordem. Inicialmente, indicaremos a porcentagem de respostas esperadas para cada uma das formas verbais eliciadas dadas por parte das crianças controle e do menino DEL. Depois, verificaremos quais foram as respostas alternativas dadas pelas crianças controle e pela criança DEL. Em seguida, também apontaremos possíveis influências do tipo de teste empreendido nos resultados obtidos. Além disso, verificaremos, ainda que de forma não conclusiva, se há ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta pesquisa. 175 6.1.1 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e aspecto PROGRESSIVO Em relação aos testes de eliciação de tempo presente e de aspecto progressivo, obtivemos o seguinte quadro: QUADRO 6 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada: Presente progressivo Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para para tempo aspecto DEL – VA 86,6% 68,4% Controles 100% 96,7% Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo presente e aspecto progressivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com o esperado 100% das vezes em relação a tempo e 96,7% das vezes em relação a aspecto. Já para o menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao desempenho na produção de tempo eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado, ainda que menor que o desempenho na produção de tempo eliciado por parte das crianças controle. Mas, em relação aos resultados relativos à produção do aspecto progressivo esperado, constatamos que a criança DEL selecionada para nossa pesquisa apresentou um resultado bem abaixo daquele encontrado para as crianças sem problemas de linguagem. A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação, faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle 176 e pelo menino DEL. Vale dizer que grande parte das respostas dadas pelo menino DEL são respostas possíveis de serem dadas. O que nós estaremos destacando, então, nesta pesquisa, é a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta daquela eliciada, e a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas crianças controle nas mesmas circunstâncias. À frente de cada resposta não esperada dada pelas crianças, há um número, o qual corresponde à pergunta feita (cf. anexo E). Após a apresentação de cada resposta não esperada dada pelas crianças, há, em parênteses, a explicitação da categoria faltosa, de acordo com o que foi eliciado. Por exemplo, em uma resposta do tipo “comendo” no lugar de “está comendo”, apontamos que faltou o tempo eliciado. Para uma resposta do tipo “tá na gangorra” no lugar de “tá gangorrando”, indicamos que faltou o aspecto eliciado. Vale dizer que, em determinados casos, o aspecto progressivo poderia estar presente, mas não sob a forma de gerúndio e, sim, sob a forma única no presente do indicativo, conforme salientamos na seção 5.2.1.2. Mas, como estávamos eliciando um gerúndio, indicamos, sempre que surgiu uma forma verbal no presente do indicativo em substituição a uma forma no gerúndio, que faltou o aspecto eliciado e um sinal de interrogação, demonstrando a possibilidade de tal forma corresponder ao aspecto eliciado. Além disso, repetimos, nestes quadros, o tipo de pergunta feita (já apontado no capítulo 5), a fim de facilitarmos a leitura na verificação da influência do tipo de teste na resposta encontrada. 177 QUADRO 7 RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES Bateria 1– Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história e pergunta eliciadora: “O que está acontecendo aqui?”. Expectativa: eliciar uma resposta com tempo presente/ aspecto progressivo, sob a forma auxiliar (presente) + gerúndio. Além disso, uma resposta esperada, nesta situação de teste, era a produção de uma sentença contendo um sujeito. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Uma das crianças controle, em uma das respostas, fez opção distinta daquela esperada. Já VA fez opção por quatro respostas diferentes daquelas esperadas. Resposta não esperada dada por criança controle de mesma idade: (1) O Zeca gosta dos dois amigos dele. (faltou aspecto progressivo ?) Respostas não esperadas dadas por VA: (4) O Zeca vê o gato na mão. (faltou aspecto progressivo ?) (6) O Beco vê o gato. (faltou aspecto progressivo ?) (7) O Beco tava com medo do gato. (faltou tempo presente e aspecto progressivo) (10) O Beco tá com raiva. (faltou aspecto progressivo) Das nove questões eliciadas, somente uma resposta não continha sujeito: “(2) tá comendo ração”. Observação: todas as outras respostas dadas por VA e pelas crianças controle continham sujeito, auxiliar e gerúndio. 178 Bateria 2 – Tipo de estímulo: Demonstração de uma gravura da Turma da Mônica. A pesquisadora falava: “Nesta gravura, todas as crianças estão brincando. Agora, me responda: o que cada uma delas está fazendo?” Em seguida, era perguntado: “O que o Titi está fazendo?”, “O que a Magali está fazendo? etc.” Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (6) tá na gangorra. (faltou aspecto progressivo) (8) Escorregador (faltou um verbo). Expectativa: era a de termos uma resposta com sujeito + auxiliar (no presente) + gerúndio, ou auxiliar (no presente) + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. Bateria 3 - Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. Aqui a entrevistadora dizia: “Agora, você vai observar algumas gravuras da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. Um exemplo: “Aqui a Mônica e o Cebolinha estão dando as mãos. Aqui a Mônica ______________”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Observação: todas as respostas das crianças controle continham auxiliar (no presente) + gerúndio. Todas as outras respostas dadas por VA também continham o auxiliar (no presente) e o gerúndio. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por seis respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (1) Tá com o urso na mão. (faltou aspecto progressivo) (4) Lá vai. (faltou aspecto progressivo ?) (5) Tá com caixa na mão. (faltou aspecto progressivo) Expectativa: Neste tipo de teste, esperávamos uma resposta em (6) Tá com coração na mão. (faltou aspecto que tempo presente (sob a forma progressivo) de auxiliar) e aspecto (sob a forma de gerúndio) estivessem (9) Tá na sombrinha. (faltou aspecto progressivo) presentes. (10) Olhando o neném. (faltou tempo) Observação: todas as respostas das crianças controle apresentavam auxiliar no tempo presente + gerúndio. 179 Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.” Um exemplo: Aqui o casal está atravessando a rua e aqui o Franjinha ________”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Uma das crianças controle, em uma resposta, fez opção distinta daquela esperada. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Resposta não esperada dada por uma criança controle da mesma idade: (1) tá com o cachorro na calçada. (falta aspecto progressivo) Respostas não esperadas dadas por VA: Expectativa: Neste tipo de teste, (3) Bateu na lata. (faltou tempo presente e aspecto esperávamos uma resposta em progressivo) que o tempo presente (sob forma de auxiliar) e aspecto (sob forma (5) Comendo. (faltou tempo) de gerúndio) estivessem presentes. Observação: todas as outras respostas dadas por VA e pelas crianças controle continham auxiliar no presente e gerúndio. Bateria 5 – Tipo de estímulo: A Tanto VA, quanto as crianças controle pesquisadora falava: “Os responderam, cada uma, a dez perguntas de sobrinhos do Pato Donald estão eliciação. Todas as crianças controle deram no acampamento. Agora vamos respostas correspondentes àquelas esperadas. Já ver algumas coisas que estão VA fez opção por uma resposta diferente daquela acontecendo lá.”. Em seguida, era esperada. feita uma contextualização com base em uma gravura, do tipo: Resposta não esperada dada por VA: Este patinho quer construir uma cabana. O que está acontecendo (1) Tá com os galhos no ombro. (faltou aspecto aqui?”. progressivo) Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no presente e gerúndio. Observação: Das dez questões apresentadas por VA, três respostas não apresentaram sujeito. Todas as outras respostas e todas as respostas dadas pelas crianças controle continham sujeito, auxiliar no tempo presente e gerúndio. 180 Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Agora vou te contar uma história da Galinha Ruiva e outras menores com outros personagens e vou fazer umas perguntas sobre ela.”. Depois a pesquisadora perguntava: “O que está acontecendo aqui?”. A pergunta era feita com base nas gravuras das histórias. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por oito respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (2) Ela tá com os ovo. (faltou aspecto progressivo) (4) Ela tá com a receita do bolo na mão. (faltou Expectativa: era a de que a aspecto progressivo) criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no presente e (5) É uma festa. (faltou tempo e aspecto) gerúndio. (6) A menina tá com papagaio. (faltou aspecto progressivo) (7) Pato tá com papagaio na mão. (faltou aspecto progressivo) (8) Falando microfone. (faltou tempo) (9) O pato tá com livro. (faltou aspecto progressivo) (10) O menino tá com a flecha. (faltou aspecto progressivo) Observação: todas as respostas dadas pelas crianças controle continham sujeito, auxiliar no tempo presente e gerúndio. Uma observação a ser feita: consideramos como resposta não esperada aquelas em que a criança descreve a gravura, como, por exemplo, “A menina tá com papagaio na mão”, pois, na mesma gravura, havia explicitamente uma ação ocorrendo. Ademais, as crianças controle, de um modo geral, descreveram as ações, conforme verificamos após a aplicação dos testes. Ao observarmos as possíveis influências desencadeadas, nos resultados obtidos, pelos diversos tipos de testes empreendidos, constatamos que o teste que eliciava a forma verbal com pergunta estímulo e aquele que eliciava a forma verbal a partir de solicitação de preenchimento de lacunas não deram conseqüência a resultados distintos do ponto de vista quantitativo, pois, fazendo uma média entre as respostas não esperadas para cada um dos dois 181 tipos de testes, verificamos que não há diferenças. Ou seja, havia três baterias de testes com a pergunta estímulo “O que está acontecendo aqui?” (baterias 1, 5 e 6) e uma bateria de testes, cuja pergunta já incluía um sujeito, do tipo “O que o Titi está fazendo aqui?” (bateria 2). Somando as respostas dadas e que não eram esperadas, nas quatro baterias, temos uma média de 3,7 respostas não esperadas por cada bateria. Em relação às respostas não esperadas obtidas após a aplicação dos testes de preenchimento de lacunas (baterias 3 e 4), encontramos uma média de 4. Portanto, para eliciação de tempo presente/ aspecto progressivo, não verificamos influência de tipo de teste nos resultados obtidos. Vale dizer que, em relação à segunda bateria, em que a pergunta estímulo propiciava o surgimento de uma resposta com somente o gerúndio, verificamos que as crianças controle não fizeram esta opção em situação de teste. Tentamos, por fim, verificar se havia ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta pesquisa. Ou seja, queríamos verificar se há influência, nos resultados obtidos, o fato de o verbo ser, por exemplo, télico, mas que, nos testes, era eliciado em uma atividade contínua, como é o caso do verbo no presente com aspecto progressivo. Por exemplo, queríamos verificar se eliciarmos uma forma tal como “está nascendo” resultaria na forma esperada ou a criança, sendo influenciada pelo aspecto lexical do verbo (que é télico), iria dizer “nasceu”. De um modo geral, não percebemos tal influência. Mesmo assim, nas baterias de testes que visavam a eliciar o tempo presente com aspecto progressivo, pode-se especular tal influência. Na bateria 1, nas perguntas 4 e 6, VA respondeu com uma forma verbal atélica (usando o verbo “vê” nas duas situações), no lugar de dois verbos de natureza télica, que são, respectivamente, “pular” e “segurar”. Talvez, nesses dois casos, o não uso da forma eliciada tenha sido conseqüência da influência da telicidade, que impediu a produção de auxiliar no 182 presente + gerúndio. Mas, na tentativa de responder à pergunta feita no presente, foi dada uma resposta no presente. 6.1.2 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO IMPERFEITO e aspecto PROGRESSIVO A seguir, apresentamos os resultados relativos aos testes que visavam a eliciar o pretérito imperfeito/ aspecto progressivo. QUADRO 8 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada: Pretérito Imperfeito Progressivo Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para para tempo aspecto DEL – VA 53,3% 91,7% Controles 98,75% 96,25% Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com o esperado 98,75% das vezes em relação a tempo e 96,25% das vezes em relação a aspecto. Já para o menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao desempenho na produção de aspecto eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado, ainda que pouco menor que o desempenho das crianças controle na produção de aspecto eliciado. Mas, em relação aos resultados relativos à produção do tempo pretérito imperfeito esperado, constatamos que a criança DEL de nossa pesquisa apresentou um resultado bem abaixo daquele encontrado para as crianças sem problemas de linguagem. Estabelecendo uma comparação do desempenho na produção do tempo presente por parte de VA, apresentado na seção anterior, e o desempenho na produção do tempo pretérito 183 imperfeito por parte da mesma criança, verificamos que o menino deu mais respostas esperadas em relação a tempo nas tarefas de eliciação na primeira situação do que na segunda. Também contrariamente ao que foi apresentado na seção anterior, em relação aos resultados relativos à produção do aspecto progressivo, constatamos que a criança DEL de nossa pesquisa apresentou um resultado mais próximo àquele encontrado para as crianças sem problemas de linguagem nas tarefas de eliciação de tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo do que nas tarefas de eliciação de tempo presente e aspecto progressivo. Logo, no que diz respeito ao comportamento lingüístico da criança DEL investigada nesta pesquisa, verificamos que ora ela produz mais respostas com o tempo eliciado e produz, nas mesmas situações, menos aspecto verbal eliciado e ora o quadro inverte-se: ou seja, a criança DEL produz mais respostas com o aspecto verbal eliciado e produz, nessas mesmas situações, menos tempo verbal eliciado. A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação, faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle e pelo menino DEL. Vale dizer que grande parte das respostas não esperadas dadas pelo menino DEL são respostas em que o auxiliar surge sob a forma de presente e não de pretérito imperfeito, conforme eliciado. Algumas vezes (em menor número), o que ocorre é a omissão do auxiliar. A exemplo do que realizamos na seção anterior, o que nós estaremos destacando, nesta pesquisa, é a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta daquela eliciada, e a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas crianças controle nas mesmas circunstâncias. 184 QUADRO 9 RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história e pergunta eliciadora, do tipo: “O que o Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca estava cozinhando?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo com uma resposta com sujeito + auxiliar (pretérito imperfeito) + gerúndio ou auxiliar (pretérito imperfeito) + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. (4) Tá levantando o bolo para alto. (faltou tempo pretérito imperfeito) (5) Tá vestindo a bota. (faltou tempo pretérito imperfeito) Outras respostas que em outras baterias (exceto a segunda) seriam consideradas não esperadas: (2) comendo. (3) olhando. (7) comendo bolo. Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças controle continham auxiliar no pretérito imperfeito+ gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito. Além disso, todas as outras respostas esperadas dadas por VA eram também constituídas por auxiliar no pretérito imperfeito e gerúndio. 185 Bateria 2 – Tipo de estímulo: apresentação de uma gravura com vários tipos de ações. A pesquisadora falava que a gravura era de uma festa da Turma da Mônica que havia ocorrido já há algum tempo. Em seguida a pesquisadora perguntava: “O que cada pessoa estava fazendo nesta gravura?” Aí ela ia dirigindo as perguntas, como por exemplo: “O que o Rolo estava fazendo?”, “O que as moças estavam fazendo?” etc. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por sete respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (2) Tá olhando. (faltou tempo pretérito imperfeito) (4) Tá correndo atrás do gato. (faltou tempo pretérito imperfeito) (5) Com a panela na mão (faltou verbo) Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito com uma resposta com sujeito + auxiliar (pretérito imperfeito) + gerúndio ou auxiliar (pretérito imperfeito) + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada. (6) Tá namorando. (faltou tempo pretérito imperfeito) (7) Tá brincando. (faltou tempo pretérito imperfeito) (9) Tá batendo tambor. (faltou tempo pretérito imperfeito) (10) Tá dormindo. (faltou tempo pretérito imperfeito) Outra resposta que em outras baterias (exceto a primeira) seria considerada não esperada: (1) tocando. Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças controle continham auxiliar no pretérito imperfeito+ gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito. 186 Bateria 3 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você vai continuar a observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da festa da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.”. Um exemplo: “Enquanto esta criança estava correndo, este homem ________”. A resposta esperada, neste caso, era: “estava trabalhando”. Em seguida a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. A criança controle da mesma idade deu uma resposta distinta daquela esperada. A criança controle, com o mesmo MLU de VA, deu duas respostas distintas daquelas esperadas. Já VA fez opção por oito respostas diferentes daquelas esperadas. Expectativa: Neste tipo de teste, esperávamos uma resposta em que o tempo pretérito imperfeito (sob forma de auxiliar) e aspecto progressivo (sob forma de gerúndio) estivessem presentes. Respostas não esperadas dadas por VA: Respostas não esperadas dadas por crianças controle: Da mesma progressivo) idade: (7) soltou (faltou aspecto Com mesmo MLU: (6) Comiam e (9) trombavam. (em que faltaram os aspectos progressivos ?54) (1) Tá servindo bolinho. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (2) Tá tampando nariz. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (3) Tá correndo. imperfeito) (faltou tempo no pretérito (4) Tá carinhando o gato. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (5) amarra o sapato dele. (faltou tempo no pretérito imperfeito e aspecto progressivo ?) (6) tá comendo. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (7) soltou o balão. (faltou aspecto progressivo) (9) batendo a cabeça na outra. (faltou tempo) 54 Nas duas respostas dadas com uma só forma verbal no pretérito imperfeito, colocamos uma interrogação, pois pode ser que os traços de aspecto progressivo estejam presentes, só que não sob a forma de gerúndio, que era a forma eliciada. O mesmo raciocínio foi feito para a resposta “amarra”. 187 Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas mediante pergunta. A pesquisadora dizia: “Agora você vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.”. Um exemplo: “Aqui as crianças estavam levando presentes para a Mônica. E aqui? A Mônica ________” Em seguida, a criança deveria completar a lacuna, oralmente. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (7) tá soprando a vela. (faltou o tempo pretérito imperfeito) (8) tá levando o brinquedo. (faltou tempo pretérito imperfeito) Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças controle continham auxiliar no pretérito imperfeito + Expectativa: eliciar uma resposta gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito. O com tempo pretérito imperfeito mesmo foi verificado para as respostas esperadas com uma resposta com auxiliar dadas por VA. (pretérito imperfeito) + gerúndio . 188 Bateria 5 - Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Ontem os sobrinhos do Pato Donald foram para a floresta, para um acampamento. Aqui temos algumas gravuras do que aconteceu no acampamento.”. Em seguida, era feita uma pergunta, com base em uma dada gravura, do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por sete respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (2) Olhando a flor. (faltou tempo) (3) Tá olhando a borboleta. (faltou tempo no pretérito Expectativa: era a de que a imperfeito) criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no pretérito (4) Tá querendo pegar o pato. (faltou tempo no pretérito imperfeito) imperfeito e gerúndio. (5) Tá lendo livro. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (8) Tá brincando de bola. (faltou tempo no pretérito imperfeito) (9) Tá comendo. imperfeito) (faltou tempo no pretérito (10) Ele tá indo nadar no dinheiro. (faltou tempo no pretérito imperfeito) Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças controle continham sujeito + auxiliar no pretérito imperfeito+ gerúndio. O mesmo foi verificado para as outras respostas esperadas dadas por VA. 189 Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Você conhece o Zé Carioca? Ele é um papagaio que adora futebol. Um tempo atrás, foram feitas umas gravuras com o Zé Carioca. Em algumas gravuras, ele era jogador, em outras, juiz, médico, torcedor etc. Nesta gravura, por exemplo, o que estava acontecendo aqui?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por seis respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (1) Os homem tá jogando bola. (faltou tempo no pretérito) Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença (2) Tá com bandeira do Brasil na mão. (faltou aspecto com sujeito, auxiliar no pretérito progressivo) imperfeito e gerúndio. (6) Carioca e outro pegou o Pelé no colo. (faltou aspecto progressivo) (7) Tá batendo chutinho. (faltou tempo no pretérito) (9) Tá enchendo ela. (faltou tempo no pretérito) (10) Tá brigando o jogador (faltou tempo no pretérito) Observação: Todas as sentenças dadas pelas crianças controle continham sujeito+ auxiliar no pretérito+ gerúndio, exceto em um dos casos em que a resposta encontrada foi auxiliar no pretérito + gerúndio. Interessante notar que houve uma diferença nos resultados averiguados após a aplicação das baterias que eliciavam o pretérito imperfeito e aspecto progressivo em relação aos resultados obtidos após a aplicação das baterias que visavam a eliciar o tempo presente e aspecto progressivo. Neste último caso, obtivemos muitos resultados em que não foi produzido o aspecto eliciado e cujas sentenças havia uma descrição da gravura, tal como “A menina tá com o papagaio na mão”, no lugar de “A menina está empinando, soltando papagaio”. Após a aplicação das baterias em se eliciava o tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo, não houve respostas daquela natureza. Tal achado pode sugerir-nos que os resultados de aplicação de testes de eliciação de tempo presente e aspecto progressivo que pareciam descrever a gravura mostrada não são meras descrições e, sim, uma demonstração da dificuldade, por parte do menino DEL, em produzir tanto o tempo quanto o aspecto 190 solicitado, já que, nos testes de eliciação de pretérito imperfeito e aspecto progressivo, o mesmo desempenho por parte de VA não foi verificado. Da mesma forma como foi averiguado nas baterias de testes apresentadas na seção anterior, não verificamos as influências nos resultados obtidos desencadeadas pelos diversos tipos de testes empreendidos. Tínhamos três tipos de testes: aquele de preenchimento de lacuna (baterias 3 e 4), aquele comandado pela pergunta: “O que estava acontecendo aqui?” (baterias 5 e 6) e aquele com a pergunta estímulo do tipo “O que Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca estava cozinhando?”, em que tal pergunta servia como âncora para a resposta e, portanto, não havia necessidade de a criança falar sequer o auxiliar (baterias 1 e 2). A média encontrada, para as respostas não esperadas, para cada tipo de teste, foi, respectivamente: 5; 6,5; e 4,5. Logo, para eliciação de tempo pretérito imperfeito/ aspecto progressivo, não verificamos interferência forte de tipo de teste nos resultados obtidos. Ao verificarmos se houve ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta pesquisa, constatamos que não houve, de um modo geral, tal interferência. Em quase todas as respostas não esperadas dadas pela criança DEL, o problema, conforme já apontado, não residia na não produção aspectual, mas, sim, na não produção do tempo esperado. Se fizermos uma leitura bastante atenta, podemos apontar uma possível influência do aspecto lexical de verbos em uma resposta dada por VA. Na pergunta 6 da bateria 6, percebemos a influência da telicidade do verbo eliciado “estavam carregando o Pelé”, que foi substituído pela criança DEL por “pegou o Pelé no colo”. Ou seja, a criança preferiu o uso de uma forma com aspecto perfectivo a uma forma com aspecto progressivo. 191 6.1.3 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO PERFEITO e aspecto PERFECTIVO Passemos aos resultados apresentados pelas crianças em tarefas de eliciação de tempo verbal no tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo: QUADRO 10 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – VA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Pretérito Perfeito Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para para tempo aspecto DEL – VA 91,7% 91,7% Controles 100% 100% Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito perfeito e aspecto perfectivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com o esperado 100% das vezes tanto em relação a tempo quanto em relação a aspecto. O menino DEL selecionado para esta pesquisa também obteve um resultado bastante próximo ao esperado, ainda que pouco menor que o desempenho na produção de tempo e de aspecto eliciados por parte das crianças controle. A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação, faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelo menino DEL e pelas crianças controle. 192 QUADRO 11 RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – VA E CONTROLES Bateria 1 – Tipo de estímulo: preenchimento de lacuna mediante demonstração de gravuras com dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. Um exemplo: a pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: “Aqui os pintinhos estão quebrando a casca do ovo.”. Em seguida, mostrava o segundo quadro e dizia: “Aqui os pintinhos já_______”. A criança deveria preencher a lacuna faltosa, oralmente. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. VA fez opção por uma resposta diferente daquela esperada. Resposta não esperada dada por VA: (4) Tá chegando na escola. (faltou tempo no pretérito e aspecto perfectivo) Observação: todas as outras respostas Colocamos “já” à frente da lacuna a ser dadas por VA e todas as respostas dadas pelas crianças controle estavam de acordo preenchida em 50% das vezes. com a forma verbal esperada previamente. Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito perfeito. Bateria 2 – Tipo de estímulo: Tanto VA, quanto as crianças controle contextualização acerca de assuntos responderam, cada uma, a dez perguntas diversos e demonstração de uma gravura de eliciação. Todas as crianças controle com dois quadros: um com a atividade em deram respostas correspondentes àquelas andamento e outro com a atividade já esperadas. VA fez opção por uma findada. A pesquisadora falava o que estava resposta diferente daquela esperada. acontecendo no primeiro quadro e, mediante a demonstração do segundo Resposta não esperada dada por VA: quadro, perguntava: “Aí o que aconteceu?”. (9) O lobo tá pulando com um pé só. (faltou tempo no pretérito perfeito e aspecto Expectativa: era a de que a criança perfectivo) respondesse com um sujeito e uma forma verbal no pretérito perfeito. Resposta dada por VA sem sujeito: (8) Caiu (mediante o estímulo: Aqui o menino está tranqüilo, pescando, ouvindo música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O que aconteceu?) Observação: todas as respostas dadas pelas crianças controle continham um verbo no pretérito perfeito. Vale dizer que a criança com a mesma idade de VA respondeu à pergunta (9) sem usar sujeito. Sua resposta ao estímulo “O elefante pisou no pé do lobo. Aí o que aconteceu?”, foi “machucou o pé”. 193 Bateria 3 – Tipo de estímulo: preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. Um exemplo: a pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui ele já _________”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle e VA deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Colocamos “já” à frente da lacuna a ser preenchida em 100% das vezes. Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito perfeito. Bateria 4 – Tipo de estímulo: preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. Um exemplo: a pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui os homens foram colher mangas. Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui eles já _________”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: (7) Ta dando fruto. (faltou tempo no pretérito e aspecto perfectivo) Colocamos “já” à frente da lacuna a ser preenchida em 50% das vezes. (8) Tá grande. (faltou tempo no pretérito e aspecto perfectivo) Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, Todas as outras respostas de VA e das no pretérito perfeito. crianças controle foram dadas sob a forma verbal de pretérito perfeito. 194 Bateria 5 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia anterior. Em seguida, era feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem o Pato Donald foi escovar dentes. Aí o que aconteceu?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por uma resposta diferente daquela esperada. Expectativa: era a de que a criança Resposta não esperada dada por VA: respondesse à pergunta com uma sentença com sujeito e forma verbal no pretérito (3) Tá comendo biscoito. (faltou tempo no perfeito. pretérito perfeito e aspecto habitual) Observação: todas as outras respostas dadas por VA e pelas crianças controle continham uma forma verbal no pretérito perfeito. Vale dizer que VA, na questão (2), e a criança controle da mesma idade, na questão (3), não responderam à questão com sujeito. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle e VA deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Bateria 6 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia anterior. Em seguida, era feita a posterior pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem, o Pato Donald estava lendo um livro debaixo da árvore. Aí o que aconteceu?”. Observação: todas as respostas dadas pelas crianças controle e por VA continham um Expectativa: era a de que a criança sujeito e uma forma verbal no pretérito respondesse à pergunta com uma sentença perfeito, conforme era esperado com sujeito e forma verbal no pretérito previamente. perfeito. Não verificamos influências, nos resultados obtidos, desencadeadas pelos diversos tipos de testes empreendidos. Tínhamos, basicamente, dois tipos de testes: um que demandava o preenchimento de lacunas (baterias 1, 3 e 4) e um que solicitava resposta mediante à pergunta: “O que aconteceu?” (baterias 2, 5 e 6), sendo que nas duas últimas tínhamos um advérbio marcador de passado. No primeiro tipo de teste, obtivemos três erros; no total, uma média de um erro para cada teste. No segundo tipo de teste, obtivemos dois erros em três baterias, uma média de 0,6 de respostas não esperadas por teste. Conforme constatamos, no lugar de todas as respostas não esperadas dadas pelas crianças, surgiram formas com um auxiliar no presente, acompanhado de um gerúndio. Mas, 195 observando as gravuras usadas nos testes de eliciação, verificamos que havia a possibilidade de uma leitura de tais gravuras que levasse as crianças a produzirem a forma alternativa. Um exemplo: no primeiro caso, em que esperávamos uma resposta “já chegou” para o estímulo: “Aqui o menino está indo para a escola. Aqui ele _____”, o menino, na gravura, estava próximo à porta da escola e não dentro da escola. Portanto, nos casos em que houve substituição de tempo pretérito perfeito e aspecto perfectivo por tempo presente e aspecto progressivo, parece ter havido influência da gravura usada nos testes. Logo, tais gravuras do teste, nos casos apontados, é que devem ser revistas. 6.1.4 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e aspecto HABITUAL Por fim, apresentaremos os resultados dos testes de eliciação de tempo presente/ aspecto habitual feitos pelas crianças DEL e crianças controle: QUADRO 12 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Presente habitual Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para para tempo aspecto DEL – VA 93,3% 76,6% Controles 100% 100% Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo presente e aspecto habitual, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com o esperado 100% das vezes tanto em relação a tempo quanto em relação a aspecto. Já para o menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao desempenho na produção 196 de tempo eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado. Em relação aos resultados relativos à produção do aspecto habitual esperado, constatamos que a criança DEL de nossa pesquisa apresentou um resultado um pouco menor do que aquele encontrado para as crianças sem problemas de linguagem. A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação, faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle e pelo menino DEL. Vale novamente dizer que o que nós estaremos destacando, nesta pesquisa, é a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta daquela eliciada, e a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas crianças controle nas mesmas circunstâncias. QUADRO 13 RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA E CONTROLES Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da história e pergunta eliciadora com o adjunto adverbial “todos os dias” ou similar. Por exemplo: “O que Beco Barroso faz todos os dias na loja?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por uma resposta diferente daquela esperada. Expectativa: era a de que as crianças Resposta não esperada dada por VA: respondessem com uma única forma verbal (3) Olhando o cachorro (faltou tempo e no tempo presente e aspecto habitual. aspecto habitual). Observação: todas as outras respostas dadas pelas crianças controle e por VA continham uma única forma verbal no presente e aspecto habitual. 197 Bateria 2 – Tipo de estímulo: pergunta sobre hábitos de personagens da Turma da Mônica com a demonstração de gravuras em que há várias ações realizadas todos os dias por tais personagens. A pesquisadora falava: “Agora vou te mostrar algumas gravuras que mostram coisas que o Cebolinha faz todos os dias”. Em seguida, a pesquisadora solicitava a resposta à pergunta: “O que o Cebolinha faz aqui?”. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por uma resposta diferente daquela esperada. Resposta não esperada dada por VA: (8) Tá dormindo. (faltou aspecto habitual) Expectativa: era a de que as crianças Observação: todas as outras respostas respondessem com uma única forma verbal dadas por VA e pelas crianças controle com o tempo no presente e aspecto habitual. continham uma única forma verbal no presente e aspecto habitual. Bateria 3 – Tipo de estímulo: pergunta Tanto VA, quanto as crianças controle sobre as atividades realizadas por diversos responderam, cada uma, a dez perguntas profissionais. A entrevistadora falava de eliciação. Todas as crianças controle inicialmente: “A mãe do Cascão é dona de deram respostas correspondentes àquelas casa.”. Após a demonstração de uma esperadas. Já VA fez opção por uma gravura, ela perguntava: “O que ela faz?” resposta diferente daquela esperada. Na gravura havia a mãe do Cascão exercendo a atividade de varrer. Resposta não esperada dada por VA: Expectativa: era a de que as crianças (3) Tá cuidando dos animais. (faltou aspecto respondessem usando uma única forma habitual) verbal no tempo presente e com aspecto habitual. Observação: todas as outras respostas dadas pelas crianças controle e por VA continham uma única forma verbal no tempo presente e aspecto habitual. Bateria 4 – Tipo de estímulo: Tanto VA, quanto as crianças controle preenchimento de lacunas. A pesquisadora responderam, cada uma, a dez perguntas mostrava algumas gravuras e falava uma de eliciação. Todas as crianças controle e frase que indicava que aquela situação VA deram respostas correspondentes apresentada na gravura ocorria sempre. Em àquelas esperadas. seguida ela pedia um preenchimento de lacuna. Dois exemplos de eliciação com as respectivas respostas esperadas: “Todos os dias, a professora _____ (dá aula)”; ou “Nas noites escuras, o fantasma ____ (assusta as pessoas)”. Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo presente e com aspecto habitual. 198 Bateria 5 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças, indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz sempre. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por nove respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal (1) Tá lendo um livro. (faltou aspecto no tempo presente e com aspecto habitual. habitual) (2) Tá varrendo. (faltou aspecto habitual) (3) Tá dormindo. (faltou aspecto habitual) (4) Tá brincando. (faltou aspecto habitual) (5) Tá escrevendo. (faltou aspecto habitual) (6) Tá assistindo. (faltou aspecto habitual) (7) Comer pizza. (faltou tempo e aspecto habitual) (8) Tá conversando. habitual) (faltou aspecto (9) tá sentada na cadeira, conversando com o pato. (faltou aspecto habitual) Observação: todas as respostas dadas pelas crianças controle continham uma única forma verbal com tempo presente e aspecto habitual. 199 Bateria 6 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças, indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz todos os dias. Tanto VA, quanto as crianças controle responderam, cada uma, a dez perguntas de eliciação. Todas as crianças controle deram respostas correspondentes àquelas esperadas. Já VA fez opção por duas respostas diferentes daquelas esperadas. Respostas não esperadas dadas por VA: Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal (6) Bandeira. (faltou verbo) no tempo presente e com aspecto habitual. (10) Inventar mágica. (faltou tempo e aspecto) Observação: todas as respostas dadas pelas crianças controle continham uma única forma verbal com tempo presente e aspecto habitual. Ao observarmos as possíveis influências desencadeadas, nos resultados, pelos diversos tipos de testes empreendidos (nas baterias 1, 2, 3, 4 e 6), constatamos que não houve interferência de tipo de teste nos resultados obtidos. Pode-se questionar por que o desempenho de VA na realização das tarefas solicitadas na bateria 5 é distinto do desempenho do menino na realização das tarefas solicitadas na bateria 6, já que são da mesma natureza. Em princípio, não há diferença na natureza das duas baterias de testes. Sendo assim, consideramos que o grande número de respostas não esperadas dadas por VA na realização dos testes da bateria 5 corresponde mesmo ao desempenho da criança em tarefas deste tipo. Ao observarmos se havia ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta pesquisa, constatamos que não houve interferência em nenhum teste. 200 6.1.5 Outros dados advindos de testes com DEL ratificam os resultados encontrados para VA Evidentemente, no desenvolvimento de uma pesquisa como a nossa, não buscamos e nem encontramos somente uma criança DEL. Sempre procuramos por mais fontes de informação. Entretanto, como não estamos filiados a nenhum órgão que pudesse nos garantir as entrevistas necessárias à investigação, ficamos, na maior parte das vezes, vulneráveis à permissão ou à vontade das pessoas que podem nos garantir o acesso às crianças que pesquisamos nesta tese. Durante o período em que procurávamos por crianças DEL, encontramos outro menino diagnosticado como sendo DEL, de seis anos, e conseguimos aplicar as quatro primeiras baterias de cada tipo de teste. Depois, a mãe da criança não quis mais participar do processo de investigação que nos propusemos a realizar neste trabalho e ficamos, portanto, com parte dos dados. Fizemos a opção por trabalhar somente com os dados de VA, pois seus dados seriam discutidos na integralidade. Entretanto, a fim de ratificar os dados encontrados para VA, apresentamos os dados parciais obtidos em situação de testes que visavam a eliciar tempo e aspecto verbal com tal criança DEL, denominada aqui DA. Aplicamos, também, os testes em crianças controle, com mesma idade e mesmo MLU, que tinham, respectivamente, seis e quatro anos. As duas crianças controle tinham o mesmo nível socioeconômico e eram do mesmo sexo que DA. Vale dizer que, nas tabelas a seguir, fizemos opção por colocar os resultados das crianças controle em separado, pois gostaríamos de chamar a atenção para o desempenho da criança controle com mesmo MLU de DA, que, por ter quatro anos e, portanto, estar ainda em fase de aquisição de linguagem, apresenta dados que, muitas vezes, se aproximam daqueles produzidos pela criança DEL em situação de testes. 201 QUADRO 14 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – DA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Total de respostas esperadas para tempo DEL – DA 75% Controle DA (mesma 92,5% idade) Controle DA (mesmo 87,5% MLU) Presente Progressivo Total de respostas esperadas para aspecto 97,5% 95% 85% QUADRO 15 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO – DA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Total de respostas esperadas para tempo DEL – DA 67,5% Controle DA (mesma 97,5% idade) Controle DA (mesmo 62,5% MLU) Pretérito imperfeito progressivo Total de respostas esperadas para aspecto 95% 95% 80% QUADRO 16 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO – DA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Total de respostas esperadas para tempo DEL – DA 100% Controle DA (mesma 100% idade) Controle DA (mesmo 100% MLU) Pretérito Perfeito Perfectivo Total de respostas esperadas para aspecto 100% 100% 100% 202 QUADRO 17 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – DA E CONTROLES Crianças Forma verbal eliciada Total de respostas esperadas para tempo DEL – DA 85% Controle DA (mesma 100% idade) Controle DA (mesmo 100% MLU) Presente habitual Total de respostas esperadas para aspecto 75% 97,5% 87,5% A partir da análise dos quadros apresentados acima e daqueles já apresentados com o desempenho de VA em tarefas de eliciação de formas verbais, podemos estabelecer um paralelo entre os resultados obtidos após a aplicação de testes que visavam a eliciar tempo e aspecto verbal por parte de DA e por parte de VA. Ambas as crianças, DA e VA, demonstraram ter um bom desempenho em tarefas em que se eliciava a forma verbal no pretérito perfeito/ perfectivo. DA deu as respostas de acordo com o esperado 100% das vezes em relação a tempo e a aspecto e VA deu as respostas esperadas 91,7% das vezes em relação a tempo e a aspecto. Igualmente, DA e VA apresentaram um desempenho similar no que diz respeito às tarefas em que o objetivo era eliciar o tempo verbal presente com aspecto habitual. DA deu as respostas de acordo com o esperado 85% das vezes em relação a tempo e 75% das vezes em relação a aspecto. Já VA deu as respostas esperadas 93,3% das vezes em relação a tempo e 76,6% das vezes em relação a aspecto. É importante destacar que as duas crianças DEL demonstraram ter se saído melhor na produção do tempo esperado do que na produção do aspecto habitual eliciado. Na maior parte das vezes em que respostas não esperadas foram dadas, a forma verbal presente/ habitual foi substituída por uma auxiliar no presente (“tá”), acompanhado de um gerúndio. 203 Em relação à produção de tempo presente com aspecto progressivo, observamos um desempenho em direção contrária por parte de DA e de VA. Enquanto DA deu as respostas de acordo com o esperado 75% das vezes em relação a tempo e 97,5% das vezes em relação a aspecto, VA deu as respostas esperadas 86,6% das vezes em relação a tempo e 68,4% das vezes em relação a aspecto. Logo, ainda que ambos os meninos tenham se saído bem na produção de morfema de uma das categorias e tenham apresentado um resultado mais aquém na produção de morfemas da outra categoria, eles apresentaram resultados inversos. Algo, portanto, parece nos sugerir que, na gramática do DEL, o surgimento de um morfema relacionado a uma categoria, na fala da criança com o problema lingüístico ora estudado, implica, em grande parte das vezes, no não surgimento do morfema relativo à outra categoria. Ou seja, parece haver evidências nos sugerindo que, quando o tempo eliciado é adequadamente produzido pela criança DEL, o aspecto esperado não necessariamente ocorrerá e vice-versa. Vejamos a comparação entre os dados obtidos após a aplicação dos testes de eliciação de tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo nas duas crianças. DA deu as respostas esperadas 67,5% das vezes em relação a tempo e 95% das vezes em relação a aspecto. VA, por sua vez, deu as respostas esperadas 53,3% das vezes em relação a tempo e 91,7% das vezes em relação a aspecto. Novamente, os dados obtidos de aplicação de testes nos sugerem que, na fala da criança DEL, ora surgem morfemas relacionados a tempo, ora surgem morfemas relacionados a aspecto de forma adequada e recorrente. Os dados também nos sugerem que, quando se trata de tempo pretérito imperfeito, há uma maior chance de a criança DEL e de a criança mais jovem em fase normal de aquisição de linguagem não produzirem a forma verbal adequada do que quando se elicia a forma verbal no presente. A seguir, vamos apresentar os resultados obtidos após a aplicação dos testes que visavam a eliciar a concordância verbal. 204 6.2 RESULTADOS OBTIDOS APÓS APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE CONCORDÂNCIA VERBAL Conforme já apresentado no capítulo 5, os testes de concordância foram aplicados somente na criança DEL investigada nessa pesquisa – VA - e em sua mãe. No momento da aplicação dos testes, os dois participantes demonstraram ter entendido a natureza da tarefa a ser executada. A mãe de VA deu todas as respostas no presente progressivo, sob a forma de auxiliar + gerúndio (exceto na primeira pessoa do singular dos verbos “ler” e “beber”, situações nas quais usou pretérito imperfeito progressivo, sob a forma de auxiliar + gerúndio). Todas as respostas da mãe de VA obedeceram ao seguinte paradigma (exceto nos dois casos acima citados), que será mostrado com o verbo “comer”: “Eu tô comendo”, “Ele tá comendo”, “Nós tá comendo” e “Eles tá comendo”. Portanto, a fala da mãe de VA demonstra que, em seu dialeto, não é comum a marcação de plural no verbo. Vale dizer que todas as sentenças da mãe de VA continham sujeito. No que diz respeito à fala de VA, percebemos algumas semelhanças e algumas diferenças em relação às respostas dadas por sua mãe. As semelhanças estão ligadas às respostas dadas para a primeira pessoa do plural e para as terceiras pessoas do singular e do plural com uma forma no “auxiliar tá + gerúndio”, ou seja, usou sempre o auxiliar no singular. Em relação às diferenças, podemos verificar que, em 65% das vezes, VA não usou o sujeito na sentença produzida, sendo que sua mãe usou tal constituinte 100% das vezes. Além disso, VA usou, para primeira pessoa no singular, seis verbos no gerúndio: ao invés de falar “Eu tô comendo” ou “Tô comendo”, por exemplo, o menino falava “comendo”. Para os verbos beber, carregar, ler, empurrar, limpar e pentear, o mesmo ocorreu. 205 Em dois casos em que se deveria usar a primeira pessoa do singular, o menino usou “tá + gerúndio”. Evidentemente, se formos fazer uma análise destas respostas num universo de 80 sentenças, que é o total de sentenças que deveriam ser eliciadas, teremos uma porcentagem muito pequena de concordância verbal não esperada para fins de análise em nossa pesquisa. Isso porque as concordâncias para primeira e terceira pessoa do plural eram marcadas por características próprias do dialeto ao qual a criança DEL pertencia. Não havia a marcação –mos e –m, respectivamente. Portanto, não podíamos verificar se concordância estava ou não presente na gramática mental de VA. Mas, se fizermos o cálculo no universo em que deveria ocorrer o morfema para a concordância em primeira pessoa (total de 20 sentenças), teremos 30% de uso de gerúndio no lugar de “tô + gerúndio” e 10% de “tá + gerúndio” no lugar da última forma mencionada. O uso de “tá + gerúndio” pode nos remeter a alguma dificuldade da criança DEL em realizar concordância corretamente, mas não podemos chegar a esta conclusão sem que haja uma expansão dos testes, pois podemos estudar concordância, na fala de VA, somente na primeira pessoa do singular, já que, para as outras pessoas do discurso, faz parte do dialeto da criança usar o auxiliar “tá”, fato que impossibilita a nossa análise. O teste de concordância, após ter sido aplicado, nos serviu mais como um outro indicador da dificuldade da criança DEL investigada em nossa pesquisa em produzir tempo e aspecto progressivo do que exatamente nos trouxe dados que nos permitissem um estudo conclusivo acerca de concordância. Ou seja, não podemos dizer nem que sim nem que não a uma possível pergunta sobre a possibilidade de DA ter intacta sua habilidade de realizar concordância entre sujeito e verbo. Em suma, neste capítulo, verificamos os dados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo e aspecto verbal por parte das crianças controle e por parte da criança DEL 206 investigada em nosso trabalho. Verificamos também os resultados obtidos após a aplicação de testes que visavam a eliciar concordância verbal. Estes últimos testes foram aplicados na criança DEL e em sua mãe. No que diz respeito à produção de tempo e de aspecto, constatamos que as crianças parecem não ter muitos problemas ao produzir as formas verbais no pretérito perfeito/aspecto perfectivo e no presente/aspecto habitual. Em relação à eliciação de formas perifrásticas, ou seja, no presente com aspecto progressivo, sob a forma auxiliar + gerúndio, e no pretérito imperfeito com aspecto progressivo, também sob a forma auxiliar + gerúndio, verificamos que a criança DEL investigada em nossa pesquisa ora demonstra em sua fala a presença de tempo verbal sem aspecto progressivo, ora apresenta o contrário. Em comparação com dados parciais obtidos por meio de aplicação de testes de eliciação de tempo e aspecto verbal em outra criança DEL, verificamos o mesmo. Por fim, após a aplicação de testes de eliciação de concordância verbal, não pudemos chegar a nenhum resultado conclusivo, pois, devido ao dialeto ao qual a criança DEL pertence (ratificado pelos dados obtidos após aplicação dos mesmos testes em sua mãe), não conseguimos um número adequado de respostas não esperadas para que pudéssemos proceder à análise. Passemos, no capítulo seguinte, a discutir os dados. 207 7 DISCUSSÃO DOS DADOS Iniciaremos este capítulo apresentando uma reflexão acerca da relação entre os dados obtidos em situação de testes para fins desta pesquisa e as abordagens trazidas no capítulo 4, que visam a explicar o déficit gramatical do indivíduo DEL. Em seguida, apresentaremos uma proposta derivada da análise dos dados obtidos nesta pesquisa, proposta esta que sugere a cisão do nódulo tempo em tempo e aspecto. Posteriormente, discutiremos, ainda que de forma não conclusiva, o status da categoria aspecto na gramática do DEL à luz das abordagens trazidas na seção 3.4. Por fim, apresentaremos algumas explicações para os dados obtidos, em situação de testes, por parte da criança DEL investigada nesta tese. 7.1 UM DIÁLOGO COM OS AUTORES QUE VISAM A EXPLICAR O DÉFICIT LINGÜÍSTICO DO INDIVÍDUO DEL Comecemos esta seção remetendo-nos à abordagem de Johnston (1997), já apresentada no capítulo 4. A autora indica que os problemas morfológicos apresentados pelas crianças DEL devem ser estudados sob um modelo de aquisição de linguagem mais amplo, ou seja, tais problemas morfológicos devem ser refletidos, observando-se as interfaces entre fatores sintáticos, semânticos, cognitivos e perceptuais. Isto porque a autora defende o ponto de vista que, no DEL, devem ocorrer déficits de cognição mais geral que afetariam a linguagem. Defenderemos a hipótese que o déficit lingüístico pode co-ocorrer com algum outro déficit, mas que ele é independente de outro déficit. Temos, na literatura, dados indicando-nos que o DEL pode co-existir com um QI alto (cf. van der Lely, 1997) e, em nossa pesquisa, após a aplicação de testes de psicologia, verificamos um QI não verbal 85 para VA, fato que nos afasta de um retardamento mental por parte da criança DEL investigada nesta 208 pesquisa. Portanto, caminhamos em direção a uma explicação para o déficit gramatical evidenciado na fala do DEL, indicando um déficit mais estritamente lingüístico. Os nossos dados obtidos em situação de testes com a criança VA também não são consonantes com as propostas feitas por Fletcher (1990) e Leonard (1989, 1998) e Leonard e Bortolini (1998), para os quais as crianças DEL teriam dificuldade em produzir sílabas mais fracas. Talvez isso poderia vir a ser vislumbrado, nos dados de nossa pesquisa, na omissão do morfema –va do auxiliar no passado “estava”, caso em que houve um grande número de respostas não esperadas dado por VA (e também por DA). Mas as pesquisas destes autores não estão ligadas somente à questão de omissão de uma sílaba mais fraca e, sim, a uma questão maior, que é a de déficit de processamento: quanto maior a informação lingüística para a criança DEL, maior será a carga computacional sintática e, portanto, maior a tendência à omissão de morfemas. Dentro desta perspectiva, como explicar o grande número de respostas dadas pela criança DEL de nossa investigação substituindo o presente habitual, que era eliciado sob a forma de uma única palavra, por uma forma perifrástica, em que o auxiliar e gerúndio surgiam? Dentro deste mesmo contexto, podemos afirmar que nossos dados não são consonantes também com a proposta feita por Jakubovicz e Nash (2001), para as quais as crianças DEL têm mais problemas com estruturas com tempo verbal no passado do que com tempo verbal no presente. Isso porque, em língua francesa, que é a língua na qual a reflexão das autoras foi baseada, no passado composto, há a inserção de mais um nódulo na árvore sintática, o que seria uma sobrecarga computacional para a criança DEL. Da mesma forma como foi apontado no parágrafo anterior, como explicar o surgimento de auxiliar + gerúndio no lugar de uma só forma verbal? Indo em direção às abordagens que visam a dar uma explicação relacionada a regras produtivas da língua para o déficit apresentado pela pessoa DEL, verificamos que nossos dados podem até servir de sustentação empírica para a hipótese de Gopnik e Crago (1991) e 209 Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997), para os quais a criança DEL usa a memória ao invés de regras gramaticais produtivas. Mas adotamos o ponto de vista que é sempre preferível uma explicação mais restrita lingüisticamente do fenômeno ora estudado. Dentro desta proposição, encontram-se as três grandes propostas: a de Clahsen (1989), Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Göllner (1997); a de van der Lely e Stollwerck (1996) e a de van der Lely (1998); e a de Rice e Wexler (1995) e a de Wexler, Schütze e Rice (1998). No que diz respeito à proposta de Clahsen e seus companheiros de pesquisa, afirmamos que nossos dados não são coerentes com os dados que sustentam a proposição feita principalmente por Clahsen et al. (1997). Isto porque Clahsen e seus companheiros nos apontam para um déficit gramatical do DEL relacionado a traços [-interpretáveis] de concordância, afirmando-nos, portanto, que a criança tem um problema circunscrito à concordância verbal, mas não o tem com morfemas cujos traços são [+interpretáveis], como os de tempo verbal. Se por um lado não obtivemos dados suficientes após a aplicação de testes de produção de concordância verbal com a criança VA e, por conseguinte, não pudemos proceder à análise relativa ao assunto, podemos vislumbrar, de nossos dados, dois problemas na fala do DEL relacionados a morfemas cujos traços são [+interpretáveis]: a não obrigatoriedade de produção de morfemas de tempo verbal em situações em que esta era esperada e a não obrigatoriedade de produção dos morfemas de aspecto verbal em situações em que esta era esperada. Logo, a proposta de Clahsen para explicar o déficit gramatical do DEL não é adequada para explicar os dados obtidos após a aplicação de testes, implementados nesta pesquisa. Caminhando em direção à abordagem feita por van der Lely, mais especificamente aquela feita em 1998, achamos interessante a proposta, pois esta visava não só a explicar o déficit do DEL com tempo verbal, mas também estendeu sua análise a várias outras esferas da gramática com as quais as crianças DEL também apresentariam problemas, a saber: sentenças 210 com passivas adjetivas e verbais, perguntas com elementos QU para sujeito e para objeto, dentre outros. A autora explica tudo isso sob os moldes de uma limitação ou comprometimento da atuação do Segundo Princípio de Economia do Last Resort, o qual seria aquele que obriga o movimento sintático. Mas, se tal princípio está comprometido, não há condições para que tal movimento seja realizado. A despeito da relevância e da abrangência desta explanação, acreditamos que os dados obtidos em situação de teste de eliciação de tempo e aspecto com a criança VA estão bem mais relacionados à proposta feita por Wexler (1998) (cf. cap. 3) e por Wexler, Schütze e Rice (1998) (cf. cap. 4) do que com a proposta realizada por van der Lely (op. cit.). Isto porque, se fizermos uma leitura mais detalhada de nossos dados, verificaremos que, se nas pesquisas de Wexler há alternância de uso de tempo e de concordância, em nossos dados, há alternância de uso de tempo e de aspecto verbal na fala da criança DEL investigada em nossa pesquisa. Realizando um paralelo entre a proposta feita por Wexler (1998) e por Wexler et al. (1998) e a observação dos nossos dados, podemos verificar uma semelhança. Iniciemos o raciocínio: o sistema de flexão proposto por Wexler e seus companheiros é constituído por tempo e concordância. Apesar de concordância verbal não ser mais considerada uma projeção na árvore sintática nos últimos escritos de Chomsky, os autores, de certa forma, sustentam sua argumentação com base em uma literatura clássica que adota tal proposta e nos dados de suas pesquisas, que nos apontam para uma dissociação clara entre as duas categorias funcionais que constituem o sistema flexional em seu quadro teórico. Isso porque as crianças sem problemas de linguagem e em fase normal de aquisição de linguagem e as crianças DEL demonstram muitas vezes, em seu output lingüístico, formas verbais em que há tanto morfemas de tempo quanto morfemas de concordância. Mas estas mesmas crianças ora apresentam somente formas verbais com morfema de tempo, ora apresentam somente formas verbais com morfema de concordância e ora apresentam formas verbais destituídas tanto de morfemas de tempo quanto de morfemas de concordância. 211 Observando nossos dados, verificamos que as formas verbais produzidas pela criança DEL de nosso estudo apresentaram, às vezes, morfemas de tempo e de aspecto verbal. Mas, em outras ocasiões, VA apresentou, em seu output lingüístico, formas verbais com somente morfema de tempo. Em outras situações, ainda, apresentou formas verbais com somente morfema de aspecto verbal e, por fim, em outras ocasiões e em menor número, apresentou formas verbais sem morfemas de tempo e sem morfemas de aspecto, conforme verificamos no capítulo 6. Desenvolveremos melhor estas idéias nas seções posteriores, nas quais apresentamos uma proposta de cisão da projeção de tempo, em tempo verbal e em aspecto verbal, e uma proposta que visa a explicar o déficit do DEL, associando-nos à proposta feita por Wexler (1998), de que na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem, e por extensão na gramática do indivíduo DEL, atuaria uma propriedade denominada “Restrição de Checagem Única”. 7.2 A CISÃO DE TEMPO A partir das averiguações feitas no capítulo 6, verificamos que a criança DEL pesquisada nesta tese, ao participar de tarefas de eliciação de tempo verbal e de aspecto verbal, apresentou o seguinte quadro no que diz respeito à produção de presente/progressivo e de pretérito imperfeito/progressivo, respectivamente: - bom desempenho de tempo esperado, configurado na produção do auxiliar “está” e desempenho pior no que diz respeito à produção esperada de aspecto, que deveria surgir sob a forma de gerúndio (por exemplo, foram recorrentes formas como “tá com o urso na mão”, no lugar de “tá abraçando o coelhinho”, em que o gerúndio estaria marcando o aspecto progressivo); 212 - bom desempenho de aspecto esperado, configurado na produção de gerúndio e desempenho pior na produção esperada de tempo, que deveria surgir sob a forma de “estava” (por exemplo, foram recorrentes formas como “tá servindo bolinho” - no presente - no lugar de “tava servindo bolinho”). Se ora a criança produz tempo corretamente e aspecto na forma não esperada (ou nem mesmo o produz) e ora faz o oposto, temos dados que nos sugerem que aquilo que é considerado por Chomsky (1998, p.15), como uma única projeção, em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e estrutura de evento”, provavelmente deve ser representado na gramática mental como duas projeções dissociadas. Ou seja, a camada flexional parece ser dividida em pelo menos duas projeções: a de tempo e a de aspecto. Portanto, há sugestões advindas de dados empíricos obtidos nesta tese nos acenando para a possibilidade de confirmação da hipótese estabelecida na introdução: a de que a camada flexional é dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra de natureza aspectual. Passamos, agora, a adotar a proposta de cisão de Tempo, em tempo verbal e em aspecto verbal. Desta forma, estamos ratificando, com base empírica, trabalhos que já vêm fazendo tal proposição, tais como aqueles delineados no capítulo 2, a saber: Hendrix (1991), Solà (1996), Cinque (1999), Giorgi e Pianesi (1997), Novaes (2004) e Braga (2004). Talvez estejamos também indo em direção a estudos que cada vez mais propõem a cisão de categorias até então concebidas como uma única projeção: temos a cisão de VP, em vP e VP, e a cisão de CP. A seguir, apresentamos as representações em árvore e a derivação de tipos de sentenças eliciadas nesta pesquisa, adotando a projeção aspectual. Portanto, apresentaremos uma árvore que representaria uma sentença com uma só forma verbal e uma árvore com uma perífrase (auxiliar + gerúndio), como aquelas eliciadas em nosso trabalho, já com a adoção da projeção aspectual, proposta nesta seção. 213 Vejamos, primeiramente, a derivação para a sentença “O menino tomou o leite” (uma derivação desta sentença já foi apresentada no capítulo 2, sem a projeção de aspecto). CP Esp C’ C TP Esp T’ Traço de EPP T AspP Traço ϕ [-int] passado Esp Asp’ Traço de EPP Asp vP Traço ϕ [-int] perfectivo Esp v’ O menino [3 p.pl] com caso nominativo v VP traços ϕ [-int] Esp V’ V Tom[affAGR] [aff Asp] [aff Tempo] DP o leite [3ª p, sing] [sem caso acusativo] Inicialmente, o determinante “o” e o nome “leite” foram retirados da numeração e concatenados, formando um DP “o leite”. Em seguida, o radical “tom-” entrou na derivação com afixos de tempo (affT), de concordância (affAGR) e de aspecto (affAsp) com traços não valorados. O próximo passo é a introdução do verbo leve v, que tem traços φ não 214 interpretáveis. Neste momento, temos o seguinte: o DP objeto “o leite” tem traços φ interpretáveis, mas não tem caso valorado. O oposto ocorre com v: este constituinte tem caso acusativo a valorar e não tem os traços φ valorados. Como v c-comanda o DP objeto e tem os traços φ não valorados, v serve de sonda. O alvo é o DP objeto, o qual valora os traços φ de v, ou seja, os valores de número e de pessoa de “o leite” são copiados em v. O DP objeto “o leite”, por sua vez, passa a ter caso acusativo. O passo seguinte é concatenar o DP “o menino” com o v. “O menino” tem traços φ interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Por meio de Agree, o DP “O menino” funciona como sonda, valorando o afixo de concordância não interpretativo em v, como terceira pessoa do singular. Quando Asp é retirado da numeração, ele tem traços φ não interpretáveis, mas tem um traço de aspecto especificado como perfectivo. Asp, que c-comanda o DP sujeito no especificador de vP e tem traços φ não valorados, serve de sonda. Asp procura um alvo que tenha os mesmos traços φ que ele, mas que sejam valorados. Asp encontra “O menino”, cujos traços φ são interpretáveis e que valorarão os traços φ não valorados de Asp. Os traços de pessoa e número de Asp passam, então, a ser valorados, mas Asp não atribui caso nominativo a DP sujeito, porque caso nominativo só é atribuído por uma sonda que carrega tempo finito. Asp, por fim, concorda com o verbo (que já está em v), por meio de Agree, eliminando o traço não interpretável de aspecto e valorando o afixo de aspecto como perfectivo. O sujeito “O menino” é atraído para o especificador de AspP, pois aí há o traço de EPP. O próximo passo é a retirada de T da numeração. T entra na derivação com traços φ não interpretáveis e com um traço de tempo especificado como passado. O DP sujeito “O menino”, que, neste momento, se encontra no especificador de AspP, serve de alvo para T. O DP “O menino”, cujos traços φ são interpretáveis (e, portanto, não se apagaram na relação de valoração com Asp), valorará os traços φ não valorados de T e o DP sujeito passa a ter caso 215 nominativo, atribuído pelo traço de tempo finito em T. T também concorda com o verbo por meio de Agree, valorando o afixo de tempo como passado. O DP sujeito que já se movimentou para o especificador de Asp, onde há um traço de EPP, apagando aí este traço, se movimenta para o especificador de T, onde também há um traço de EPP. Agora, passemos à derivação de uma sentença com perífrase, como “O menino está comendo biscoitos”. 216 CP ESP C’ C TP Esp T’ [Traço de EPP] T Está AspP Traço ϕ [-int] [aff AGR] Esp [Traço de EPP] Asp’ Asp vP Traço ϕ [-int] progressivo Esp O menino v’ [3 pessoa plural] sem caso nominativo v VP Traço ϕ [-int] Esp V’ V Com [affAsp] DP biscoitos [3ª pessoa, plural] [sem caso acusativo] 217 Primeiramente, o DP “biscoitos” é retirado da numeração. Em seguida, é concatenado ao radical “com-”, que entrou na derivação com afixo de aspecto (affAsp), com traço não valorado. A próxima etapa é a introdução do verbo leve v, que tem os traços φ não interpretáveis. O DP objeto “biscoitos”, que tem os traços φ interpretáveis valoram os traços φ não interpretáveis de v. Desta relação, o DP objeto “biscoitos” passa a ter caso acusativo, atribuído por “comendo”, em v. O passo seguinte é concatenar o DP “o menino” com v. “O menino” tem traços φ interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Neste caso, não haverá valoração de afixo de concordância, pois este afixo não está especificado no radical “com-”. A valoração de afixo de concordância acontecerá na relação do sujeito “O menino” com o auxiliar “está”. Em seguida, Asp é retirado da numeração e tem, além de traços φ não interpretáveis, o traço de Asp especificado como progressivo. Asp, que c-comanda o sujeito no especificador de vP e tem traços φ não valorados, serve de sonda. Asp procura um alvo que tenha os mesmos traços φ que ele, mas que sejam valorados. Asp encontra “O menino”, cujos traços φ são interpretáveis e que valorarão os traços φ não valorados, mas Asp não atribui caso nominativo ao DP sujeito. Asp concorda com o verbo por meio de Agree, valorando o afixo de aspecto como progressivo. O próximo passo é a retirada de T na numeração. Vale dizer que o auxiliar origina-se aí. T entra na derivação com traços φ não interpretáveis e com um traço de tempo especificado como presente. Além disso, T é retirado da numeração com o traço de afixo de concordância não valorado. O DP sujeito “O menino”, que, neste momento, se encontra no especificador de AspP serve de alvo para T. O DP “O menino”, cujos traços são interpretáveis (e, portanto, não se apagaram na relação de valoração com Asp) vai para os especificador de T. Não há necessidade de haver valoração de tempo como presente porque o auxiliar “está” já entra na derivação com o status de tempo presente, com o afixo de tempo 218 presente. Ainda aí haverá a valoração do afixo de concordância no auxiliar. Ou seja, o sujeito “O menino” valora o afixo de concordância, como sendo de terceira pessoa do singular. 7.3 ASPECTO ANTES DE TEMPO NA GRAMÁTICA DO DEL? Trouxemos, no capítulo 3 desta tese, estudos relativos à aquisição de tempo e de concordância, por um lado, e pesquisas que dizem respeito à aquisição de aspecto, por outro lado. Em relação às pesquisas que visam a explicar como as crianças adquirem as categorias tempo e concordância, assinalamos que há pelo menos três linhas: uma que sugere que a aquisição da linguagem obedeceria a um processo maturacional (Radford, 1990, 1992; Guilfoylle e Noonan, 1988; Tsimpli, 1991; Rizzi, 1994). Uma segunda linha que nos indica que as categorias funcionais já estariam disponíveis desde o início do processo de aquisição de linguagem, ao contrário da linha anterior (Pinker, 1995, 1999; Yang, 2002). E uma terceira linha que sugere que a criança, ao adquirir a linguagem, além de passar por um processo de maturação, tem, desde muito cedo, os parâmetros básicos, demonstrando conhecer as propriedades fonológicas e gramaticais de alguns elementos importantes de sua língua (Wexler, 1996 e 1998). As explicações para os dados obtidos na fala da criança DEL investigada nesta tese foram analisadas, pelo menos em parte, segundo esta terceira linha, conforme será demonstrado na seção posterior. Isso porque, nos dados obtidos após a aplicação dos testes realizados para esta pesquisa, a criança DEL, a despeito de às vezes não demonstrar tempo e aspecto em uma mesma forma verbal, quando usava os morfemas relativos a tais categorias, usava-os de forma correta. Para dar continuidade a este raciocínio, façamos, antes, uma breve revisão do que as pesquisas relativas à aquisição de aspecto apresentam. Há abordagens que, nesta tese, foram agrupadas em duas vertentes. A primeira indica que as crianças em fase de aquisição de 219 linguagem adquirem aspecto antes de tempo (Bronkart e Sinclair, 1973; Bloom, Lifter e Hafitz, 1980). A segunda abordagem sinaliza que não é possível afirmar que as crianças adquirem aspecto antes de tempo, pois, em sua fala, não se encontra regularidade no uso correto de perfectivo e imperfectivo (Hodgson, 2004; Vinnitiskaya e Wexler, 2001). Ao analisar os dados obtidos em nossa pesquisa, não podemos afirmar que aspecto parece ter sido adquirido antes de tempo na gramática do DEL. Também não podemos afirmar que o menino DEL investigado nesta tese não produz corretamente morfemas de aspecto. Isso porque VA, nas situações em que usou morfema de aspecto, de um modo geral, usou-o corretamente. O que nos parece mais relevante, nos resultados obtidos após a aplicação dos testes, é que o menino DEL, em várias situações, não consegue produzir tempo e aspecto na mesma forma verbal. Isso foi evidenciado em várias situações em que o menino deveria produzir perífrases verbais e não conseguiu, conforme apresentamos no capítulo 6. Diante do exposto, declaramos que, a fim de analisar os dados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo e aspecto verbal, por parte de VA, escolhemos para subsidiar parte de nossas explanações, a proposta de Wexler (1998) - que explica os dados de fala de crianças em fase normal de aquisição de fala – e a proposta de Wexler, Schütze e Rice (1998) – que explica os dados de fala de crianças DEL. Este assunto será mais bem detalhado na próxima seção. 7.4 A RESTRIÇÃO DE CHECAGEM ÚNICA PARA EXPLICAR OS DADOS DO DEL Conforme temos apontado, parece que há, na gramática da criança DEL, algo que a impede de produzir tempo e aspecto numa mesma forma verbal. Vimos que, quando a forma verbal eliciada é constituída por um auxiliar + gerúndio, essa constatação pode ser feita. Tal 220 resultado nos sugere, portanto, que há uma restrição no momento da checagem (para usar os termos de Wexler, 1998, p. 59). Originalmente, a Restrição de Checagem Única seria a propriedade que daria conseqüência a ATOM, nos moldes de Wexler (1998), em que ora tempo, ora concordância estaria ausente da fala do indivíduo DEL. Diante da análise de nossos dados, verificamos algo paralelo: ora a criança DEL omite tempo verbal de sua fala, ora esta mesma criança omite aspecto verbal de sua fala. Se considerarmos aspecto verbal como uma projeção, cujo núcleo é ASP e cujo especificador é dotado de traços de EPP, tal como proposto para T, podemos indicar que a Restrição de Checagem Única parece ser uma propriedade que atua em vários níveis da gramática da criança DEL, em nosso caso em específico, e talvez na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem. Propomos então que a Restrição da Checagem Única, que talvez, no atual momento da literatura da gramática gerativa, deva ser denominada Restrição da Valoração Única, seja uma propriedade da gramática da criança DEL. Mas, como o próprio Wexler (1998) pontua, tal restrição não seria um resultado de subespecificação de traços. Antes seria uma restrição mais fundamental no sistema computacional. Ao adotarmos a proposta de Restrição de Checagem Única feita por Wexler, para explicar os dados relativos a tempo e a aspecto presentes ou ausentes na fala de VA, incluímos, nas nossas argumentações, a idéia da possibilidade de a criança DEL ter as seguintes representações a serem escolhidas para valoração de traços: Asp [D] [VP DP V...] ou T [D] [VP DP V...]. Ou seja, ora a criança DEL valoraria os traços de aspecto e não valoraria os traços de tempo e ora ocorreria o oposto. Desta forma, na gramática do DEL, não haveria uma derivação que fracassaria, pois a criança DEL deve escolher entre uma ou outra representação. 221 Sua gramática seria regida por uma propriedade de Restrição de Checagem Única e não implicaria nenhuma violação da gramática universal. Portanto, de acordo com Wexler e assumido aqui também, a criança DEL não está exatamente omitindo a projeção de tempo ou a de aspecto. O que ocorre, em alguns casos, é que a criança DEL escolhe uma dada representação e valora seus traços. Em outras situações, a criança consegue selecionar as duas representações e valorar tanto os traços de aspecto quanto os traços de tempo. Portanto, a propriedade de Restrição de Checagem Única seria própria do período em que a gramática da criança estaria passando por um processo de maturação. O processo de amadurecimento, nesta perspectiva, estaria relacionado ao amadurecimento de possibilidades representacionais que seriam adicionadas com o tempo. Nada teria a ver, então, com a atuação de propriedades que não existem na GU. Cessado o processo de maturação, a criança sempre selecionaria as duas representações e atribuiria os valores de tempo e de aspecto de forma regular. Este período de uso regular do sistema flexional pode ocorrer ou não na gramática do DEL, conforme já explicitamos anteriormente. A motivação para que ocorra a atuação da propriedade de Restrição de Checagem Única deve ser alvo de mais investigações. Poderíamos aqui formular pelo menos três hipóteses. A primeira hipótese estaria relacionada ao fato de o desenvolvimento sintático ser afetado não por algo que ocorra no sistema computacional, mas sim por algum problema no próprio sistema conceptual da criança. Em outras palavras, a criança DEL poderia ter os conceitos semânticos de tempo e de aspecto não desenvolvidos. A segunda hipótese estaria relacionada ao fato de o desenvolvimento sintático estar ligado ao amadurecimento das propriedades de interface conceptual-intencional. Ou seja, o desenvolvimento sintático estaria ligado ao amadurecimento da constituição de representações, no nível lingüístico, que dizem respeito a conceitos semanticamente 222 motivados: tempo (se passado, se presente, se futuro) e aspecto (se ação conclusa, se ação inconclusa). Para validar essas hipóteses, teríamos que ter indícios que nos acenassem para um comprometimento de conceitos semânticos propriamente ditos. Em princípio, descartamos esta possibilidade, pois o menino DEL investigado neste trabalho obteve, no teste de QI não verbal, um índice que o afasta de um retardamento mental. Ainda seria motivo para se adotar as primeira e segunda hipóteses o surgimento de dados que nos indicassem um comprometimento de conceitos semânticos ligados a tempo e a aspecto. VA não demonstrou ter perdido, por exemplo, o conceito semântico de passado, pois o menino DEL investigado nesta pesquisa usou ou entendeu alguns mecanismos de linguagem que indicam passado, tais como advérbios temporais do tipo “ontem” ou “agora” (cf. subseção 1.2.3). Portanto, caminhamos até agora na validação de um déficit especificamente lingüístico, pois, em nossos dados obtidos após aplicação de testes de eliciação de tempo e de aspecto, há sugestões que o menino DEL pesquisado para fins desta tese tem limitações sintáticas. Tais limitações seriam derivadas de algo que estaria atuando no sistema computacional, onde haveria uma propriedade restringindo a possibilidade de haver a valoração de traços em duas projeções da camada flexional, ou seja, em tempo e em aspecto. A terceira hipótese que poderíamos fazer aqui para explicar a motivação para que ocorra a Restrição da Checagem Única está relacionada à própria explicação dada por Wexler (1998) para a atuação de tal propriedade na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem. Para o autor, conforme já explicitado, na gramática mental da criança, deve haver algo que permita a ela “enxergar” o traço D de um DP sujeito ora como [+interpretável], tal como ocorre na gramática do adulto com a gramática normal, possibilitando, portanto, checagem dupla, ora o traço D de um DP sujeito é “enxergado” como [-interpretável], não 223 possibilitando a checagem dupla. Ou seja, uma vez checado, o traço [-interpretável] deve ser apagado. Não adotamos essa explicação dada por Wexler (op. cit.), pelo menos por dois motivos, que passamos a demonstrar. O primeiro reside na necessidade de haver mais investigações acerca da relação entre definitude/indefinitude e interpretabilidade de traços. Ou seja, até que ponto o fato de uma criança considerar uma informação nova como velha está ligada à interpretabilidade ou não de traços no DP e, por conseguinte, ao movimento cíclico do DP sujeito? O segundo motivo reside em uma dúvida acerca da proposta de Wexler. Como é que traços não interpretáveis de um DP sujeito valorariam os traços não interpretáveis de tempo (e de concordância, no caso de Wexler (1998), e de aspecto, no nosso caso em específico)? Consideramos, então, que há lacunas a serem preenchidas na explicação dada por Wexler (op. cit.) como motivadora da atuação da Restrição da Checagem Única no sistema computacional. Portanto, sugerimos que investigação de causas para a atuação da propriedade da Restrição da Checagem Única é tema para futura pesquisa. Isto posto, partimos agora para uma tentativa de explicar os dados não esperados obtidos após a aplicação dos testes de eliciação de tempo e aspecto verbal com a criança VA e as crianças controle. Devemos inicialmente dizer que Wexler usa, para a proposição de ATOM (Modelo de Omissão de Tempo ou de Concordância), os pressupostos da Morfologia Distribuída. Tentaremos, aqui, usar o arcabouço da Teoria Minimalista trazida em Chomsky (1995, 1998), que foi apresentado no capítulo 2 e das representações de sentenças em árvores sintáticas apresentadas na seção 7.2, quando inserimos a projeção aspectual. 224 7.5 TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO PARA O SURGIMENTO DE FORMAS ESPERADAS E NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E DE ASPECTO VERBAL Conforme já dito, a criança DEL de nosso estudo apresentou um melhor desempenho na produção de tempo do que de aspecto nos testes de eliciação de tempo presente/aspecto progressivo. Esta mesma criança apresentou um melhor desempenho na produção de aspecto progressivo do que de tempo quando o tempo eliciado era tempo pretérito imperfeito. A partir daí, verificamos que a criança ora tem, em seu output lingüístico, morfemas de tempo e, portanto, consideramos que houve a valoração dos traços de tempo; ora ela apresenta morfemas de aspecto e, por conseguinte, consideramos que houve a valoração de traços de aspecto. Mas temos um outro resultado, que não foi explicado até o momento: as crianças controle de VA deram as respostas esperadas no teste de eliciação de tempo passado/aspecto perfectivo em 100% das vezes. VA, por sua vez, deu as respostas esperadas em 91,7% das vezes, sendo que há ainda a possibilidade de as sentenças não esperadas terem surgido de uma leitura da gravura que permitia uma leitura de ação ainda em progresso. Portanto, podemos tratar, aqui, de um bom desempenho na produção de tempo passado/aspecto perfectivo por parte de VA. Mas como tal resultado é possível se estamos verificando que, em testes de eliciação de tempo presente ou passado, com o aspecto progressivo sob a forma de gerúndio, há uma dissociação na produção de tempo de um lado e de aspecto de outro, por parte da criança DEL? Vejamos, agora, o quadro resultante após a aplicação de testes de eliciação de tempo presente com aspecto habitual. As crianças controle de VA deram 100% das respostas esperadas nos testes e VA deu 93,3% das vezes as respostas esperadas relacionadas a tempo e 225 76,6% das vezes as respostas de acordo com o esperado para aspecto habitual. Novamente a pergunta feita ao final do parágrafo anterior é aqui também pertinente. A sugestão feita nesta tese é a seguinte: a despeito do alto número de respostas dadas pela criança DEL investigada em nossa pesquisa nos dois testes de eliciação de tempo passado/aspecto perfectivo e tempo presente/aspecto habitual, na gramática de VA ora deve haver omissão de aspecto, ora deve haver omissão de tempo. Vejamos o porquê desta proposição. O morfema de tempo passado/aspecto perfectivo acumula tanto traço de tempo quanto traço de aspecto. O mesmo ocorre com o morfema de tempo presente/aspecto habitual. A fim de dar mais embasamento para a afirmação de tal proposta, recorremos a Mattoso Câmara Júnior (1970) que nos mostra o sistema flexional do português brasileiro, aqui trazido somente para as terceiras pessoas (singular e plural), já que somente estas pessoas foram usadas nos testes de eliciação de tempo e de aspecto nesta pesquisa. A seguir, apresentamos o sistema flexional para as primeira, segunda e terceira conjugações. Para exemplificar, usamos os verbos cantar, vender e dormir, respectivamente. Apresentamos o radical, a vogal temática (VT), o morfema de tempo (que acumula outras noções, tais como modo e aspecto) e o morfema de concordância (que acumula noções de número e pessoa - NP). Devemos dizer que a organização das informações sob a forma de quadro é proposta nossa e não do autor. 226 QUADRO 18 SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRETÉRITO PERFEITO / ASPECTO PERFECTIVO DO PORTUGUÊS, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR Primeira Segunda Terceira conjugação Conjugação conjugação Radical VT Modo 3 sg. Cant- NP Radical VT Modo NP Radical VT Modo Tempo Tempo Tempo Aspecto Aspecto Aspecto NP -o- -Ø- -u 3sg.Vend - E -Ø- -u 3sg.Dorm- -i- -Ø- - u 3 pl. Cant - -a- - ra - -m 3pl.Vend - E -ra- -m 3pl.Dorm - -i- - ra - -m QUADRO 19 SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRESENTE / ASPECTO HABITUAL DO PORTUGUÊS, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR Primeira Segunda Terceira conjugação conjugação conjugação Radical 3 sg. Cant- VT Modo NP Radical VT Modo NP Radical VT Modo Tempo Tempo Tempo Aspecto Aspecto Aspecto NP -a- -Ø- -Ø 3sg.Vend - -e- -Ø- -Ø 3sg.Dorm- -e- -Ø- -Ø 3 pl. Cant - -a- -Ø- -m 3pl.Vend - -e- -Ø- -m 3pl.Dorm - -e- -Ø- -m Para Mattoso Câmara Júnior (op. cit.), no morfema usado para expressar modo e tempo, é impossível dissociar-se cada uma das categorias. Ainda de acordo com o autor, o morfema de tempo acumularia a noção de modo (se indicativo, subjuntivo, ou imperativo), mas também acumularia, junto ao tempo pretérito, a noção de aspecto concluso e, junto ao tempo presente, a noção de aspecto inconcluso do processo verbal referido. Desta forma, adotamos o ponto de vista que os morfemas de tempo pretérito perfeito acumulam noções de aspecto perfectivo. Igualmente, os morfemas de tempo presente acumulam, no caso específico sobre o qual estamos tratando neste momento, noções de aspecto habitual. Portanto, não é fácil, nos casos em que se elicia pretérito perfeito/aspecto perfectivo, de um lado, e 227 presente/aspecto habitual, de outro lado, verificarmos a dissociação das duas categorias – tempo e aspecto – a partir da fala da criança DEL, para a qual estamos fazendo uma proposta de uma gramática que ora permite a produção de tempo, ora permite a produção de aspecto. Mas como nos casos em que se elicia presente/aspecto progressivo e pretérito imperfeito/aspecto progressivo percebemos a omissão ora de tempo e ora de aspecto, fazemos a mesma afirmação para a produção de pretérito perfeito/aspecto perfectivo e presente/aspecto habitual: ora deve haver omissão de tempo, ora deve haver omissão de aspecto. O que não se pode garantir é a natureza da categoria que está sendo omitida, se tempo ou aspecto, pois, se o morfema de tempo passado/aspecto perfectivo acumula tanto traço de tempo passado quanto traço de aspecto perfectivo e se o morfema de tempo presente/aspecto habitual acumula tanto traço de tempo presente quanto de aspecto habitual, não sabemos qual traço foi realmente valorado e qual traço não foi valorado na gramática da criança DEL. Passemos, neste momento, à análise das formas verbais alternativas àquelas esperadas. Nos testes de eliciação de tempo presente/aspecto progressivo, obtivemos algumas sentenças em que não havia a produção do aspecto progressivo. As sentenças eram do tipo “O Beco tá com raiva”, com o auxiliar no presente e nenhuma forma de gerúndio. Nestas estruturas, identificamos morfema de tempo e não identificamos morfema de aspecto. Na gramática da criança DEL, a representação a ser valorada escolhida (conforme explicitado no capítulo 3 e assumido na seção 7.4) seria T [D] [VP DP V...]55. Em outros casos, foram obtidas sentenças em que não havia nenhuma manifestação morfológica de tempo. Eram sentenças como “olhando o neném”, com o verbo no gerúndio, sem auxiliar. Desta forma, a sugestão, de acordo com a proposta de Restrição de Checagem Única, é que a representação a ser valorada escolhida pela criança seria ASP [D] [VP DP V...]. 55 Conforme já explicitado no capítulo 6, obtivemos duas sentenças do tipo “O Zeca vê o gato na mão”, com o verbo no presente. Neste caso, reafirmamos que tal forma poderia ocorrer em situação de teste e, nesta pesquisa, estamos analisando as opções feitas por VA e a relação da opção feita pelo menino DEL e as opções feitas pelas crianças controle. Além disso, não podemos afirmar se, neste caso, não há morfema relativo a aspecto progressivo, pois, conforme já demonstrado no capítulo 5, é possível a obtenção de aspecto progressivo em uma forma verbal do presente do indicativo. 228 No que diz respeito aos testes de eliciação de tempo pretérito imperfeito com aspecto progressivo, grande parte das respostas dadas estava relacionada à ausência de morfema de tempo no pretérito imperfeito, mas havia presença de morfema de aspecto progressivo. Eram sentenças como “tá servindo bolinho”, em que surge o auxiliar, mas com o tempo presente, além do gerúndio, marcador de aspecto progressivo. Neste caso, a sugestão, de acordo com a Restrição da Checagem Única, é que a representação a ser valorada escolhida pela criança seja: ASP [D] [VP DP V...]. Também é indicada tal representação para algumas poucas ocorrências de sentenças como “batendo a cabeça na outra”. Em outros casos, tivemos o surgimento de sentenças com o verbo no pretérito perfeito, tal como “Carioca e outro pegou o Pelé no colo”. Nestes casos, a representação a ser valorada escolhida seria: T [D] [VP DP V...]. Em relação aos testes de eliciação de tempo presente com aspecto habitual, verificamos que a maior parte das respostas não esperadas dada por VA eram do tipo “tá dormindo”, ou seja, com o auxiliar no presente e uma forma no gerúndio, e uma única forma “tá sentada”, com o auxiliar e um particípio. Nestes casos, de acordo com a proposta da Restrição da Checagem Única, a representação a ser valorada escolhida pela criança seria: T [D] [VP DP V...]. Obtivemos somente um caso em que o presente foi substituído pelo pretérito. Desta forma, podemos dizer que parece ser verdadeira a afirmação que as crianças DEL, de um modo geral, não trocam presente por passado. Obtivemos, também, no conjunto total de dados, dois nomes (“escorregador” e “bandeira”) e um sintagma preposicional (“com a panela na mão”). Portanto, nestes casos, não verificamos o surgimento de formas verbais, o que nos impossibilitou de verificar a dissociação de tempo e de aspecto. Tudo isso posto, falta-nos explicar porque surgem tanto formas com auxiliar no presente + gerúndio (como “tá servindo bolinho”) quanto formas com somente gerúndio 229 (como “batendo a cabeça na outra”) quando o objetivo era eliciar o tempo pretérito imperfeito/aspecto progressivo. No quadro teórico usado por Wexler (1998), Schütze e Wexler (1996) e Wexler, Schütze e Rice (1998), que é a Morfologia Distribuída, provavelmente a indicação seria que o surgimento de “tá” no lugar de “tava” dever-se-ia ao fato de o morfema “-va”, do pretérito imperfeito, ser mais marcado que o morfema de presente “Ø”. Ou seja, para o primeiro, provavelmente a especificação seria: -va [+passado] e, para o segundo, seria Ø [ ]. Com a projeção de tempo não estando presente na derivação, ocorreria a inserção do último morfema. Mas esta proposta não explicaria o fato de ter surgido, além de uma forma “auxiliar no presente + gerúndio”, uma forma com somente o gerúndio no lugar do “auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio”. Poderíamos aqui sugerir que a inserção de “tá” não se deve a uma questão estrutural. Talvez este elemento seja inserido, obtendo-se uma interpretação ancorada no discurso. Uma prova disso é que, na maior parte das respostas dadas com “tá” substituindo “tava”, em que se poderia observar a presença de sujeito na sentença, o sujeito não estava lá. Por exemplo, nas respostas às perguntas feitas nas baterias 5 e 6 de eliciação de pretérito imperfeito/aspecto progressivo, surge o “tá” sem que o sujeito o preceda. Sabemos que o sujeito ocupa a posição de especificador de um TP e, nas tarefas de eliciação de tempo presente com aspecto progressivo, a criança DEL produziu o tempo, configurado por “tá”, e o sujeito, de um modo geral, precedia o auxiliar. Caso houvesse tempo estrutural nas respostas não esperadas, dadas por VA, em tarefas de eliciação de tempo pretérito imperfeito com aspecto progressivo, mesmo surgindo uma forma no presente substituindo o pretérito imperfeito, o sujeito deveria ocorrer. Se o surgimento de “tá” não é uma opção gramatical estrutural, ora ele pode ocorrer, ancorado no discurso, ora ele não deve ocorrer e uma só forma verbal no gerúndio poderia ocorrer, também ancorada no discurso. 230 E como explicar o surgimento da forma no gerúndio, que acompanha o auxiliar no presente, no lugar do surgimento de uma única forma verbal com um morfema acumulando tempo presente e aspecto habitual? Provavelmente, tal ocorrência deveu-se ao fato de tempo ter sido inicialmente contemplado no auxiliar. Como não havia maneira de produzir uma sentença como “tá dorme”, sendo que, em “dorme”, somente teríamos o morfema com traços de aspecto habitual, a única solução seria o surgimento de um gerúndio, que é um morfema que resguarda somente noção aspectual. Em suma, neste capítulo, apresentamos uma análise dos dados obtidos após a aplicação dos testes de eliciação de tempo e de aspecto no menino considerado DEL e investigado nesta pesquisa. Inicialmente, comparamos as propostas apresentadas no capítulo 4, feitas por vários autores, que visam a explicar os fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala dos indivíduos DEL. Verificamos que os dados obtidos nesta tese poderiam ser mais bem explicados adotando-se, pelo menos em parte, a proposta de Wexler (1998) e de Wexler, Schütze e Rice (1998). Ou seja, parece haver algo na gramática da criança DEL que a impede de valorar traços de tempo e de aspecto em uma mesma forma verbal. Daí a adoção da propriedade de Restrição de Checagem Única para explicar a alternância de morfemas relativos a tempo e a aspecto na fala de VA. Derivando destes achados, propusemos que a projeção de Tempo, considerada por Chomsky (1998, p.15), como uma única projeção, em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e estrutura de evento”, provavelmente deve ser representada na gramática mental como duas projeções dissociadas. Ou seja, a camada flexional parece ser dividida em pelo menos duas projeções: a de tempo e a de aspecto. Por fim, demos algumas explicações para as formas verbais esperadas e não esperadas que surgiram na fala de VA após a aplicação dos testes. 231 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta tese teve como objetivo principal entender como as categorias funcionais, tempo e aspecto, estão representadas nas gramáticas de crianças com DEL. Para cumprirmos o objetivo estabelecido nesta tese, realizamos um estudo descritivo sobre o quadro teórico que embasa esta tese, que é a teoria da gramática gerativa. Apresentamos também propostas que visam a explicar o status das categorias funcionais na gramática mental das crianças em fase normal de aquisição de linguagem e trouxemos abordagens que visam a dar explicações para os fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala da criança DEL. Realizamos um estudo de caso e, para isso, analisamos, na fala da criança diagnosticada como sendo DEL, as categorias tempo verbal e aspecto verbal. Elaboramos e aplicamos testes de eliciação de verbos no tempo presente com aspecto progressivo, pretérito imperfeito com aspecto progressivo, sendo as duas formas verbais uma perífrase, composta por auxiliar e gerúndio. Eliciamos ainda, sob forma de uma só palavra, verbos no tempo pretérito perfeito, portanto, com aspecto perfectivo e tempo presente com aspecto habitual. Verificamos, nos resultados obtidos da eliciação de tempo presente e tempo pretérito imperfeito, ambos com aspecto progressivo, uma dissociação de tempo verbal, de um lado, e de aspecto verbal, de outro lado. Isso porque a criança DEL apresentou sentenças em que morfemas de tempo e de aspecto estavam presentes, mas também apresentou sentenças em que havia somente um dos morfemas. Constatamos também um bom desempenho, por parte da criança DEL ora investigada, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito perfeito e aspecto perfectivo e de tempo presente com aspecto habitual. No que diz respeito ao quadro advindo da fala da criança DEL em situação de testes de eliciação, verificamos um paralelismo entre os dados obtidos nesta pesquisa e as propostas feitas por Wexler, Schütze e Rice (1998), em que se analisou a fala de crianças DEL, e por 232 Wexler (1998), em que se analisou a fala de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Para estes autores, as crianças ora omitem de sua fala o tempo verbal, ora omitem a concordância verbal e, para Wexler (1998), tal desempenho lingüístico se deve a uma propriedade de Restrição de Checagem Única que atuaria na gramática da criança no período de aquisição de linguagem. Ou seja, haveria algo, na gramática da criança, que a impediria de checar (usando o termo utilizado pelo autor) os traços tanto em tempo quanto em concordância. Antes, sua gramática permitiria somente a escolha de uma representação para checagem de traços: ou a de tempo ou a de concordância. Da mesma forma como Wexler analisou seus dados percebendo que havia uma restrição no nível mental para a ocorrência simultânea de morfemas relativos a tempo e concordância, verificamos que há uma restrição para que haja ocorrência simultânea de morfemas de tempo e de aspecto na fala da criança DEL. Ou seja, nesta tese, pudemos verificar que a alternância tempo e aspecto se faz presente na gramática mental da criança DEL e, portanto, sugerimos que a propriedade de Restrição de Checagem Única se estende à relação de categorias funcionais: tempo verbal e aspecto verbal. No que diz respeito ao bom desempenho nas tarefas de eliciação de tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo e tempo presente/ aspecto habitual, sugerimos que, neste caso, a criança ainda está tendo um bom desempenho em tempo em detrimento de aspecto e viceversa. O raciocínio é o seguinte: se quando há duas palavras na forma verbal eliciada, uma marcando tempo e outra marcando aspecto, a criança DEL demonstra, de um modo geral, ter em seu output lingüístico uma só categoria, provavelmente ocorre o mesmo nos casos de eliciação de pretérito perfeito e aspecto perfectivo e de tempo presente e aspecto habitual. Ou seja, nas situações em que há eliciação de uma só palavra, na qual haveria um morfema que acumula tanto a noção de tempo quanto a noção de aspecto, conforme é o caso das duas formas em questão, ora o morfema apareceria porque os traços de tempo foram valorados, ora o morfema apareceria porque os traços de aspecto foram valorados. Daí o aparente 233 desempenho alto na produção das duas formas verbais: pretérito perfeito/ aspecto perfectivo e presente/ aspecto habitual, por parte da criança DEL investigada nesta tese. Conforme já exposto, adotamos a Restrição da Checagem Única para explicar a alternância de tempo verbal e de aspecto verbal na fala da criança DEL pesquisada nesta tese. Assumimos que a gramática da criança DEL não está exatamente omitindo a projeção de tempo ou a de aspecto. Antes, tais projeções estariam sempre disponíveis na gramática mental da criança DEL, tanto é assim que há inúmeros exemplos em que a criança produz sentenças com morfemas tanto de tempo quanto de aspecto. O que parece ocorrer é que o déficit sintático da criança DEL está ligado a uma propriedade da gramática que impede, em algumas situações, a dupla valoração de traços semanticamente motivados: os traços de tempo e os traços de aspecto. A adoção da Restrição de Checagem Única para explicar os dados obtidos nesta tese é desejável principalmente pelo seguinte motivo: há uma extensão de uma explicação para a gramática da criança em fase de aquisição de linguagem para os fenômenos que ocorrem na gramática dos indivíduos DEL. Isso é interessante, pois a criança DEL não apresenta, em seu output lingüístico, estrutura que não esteja presente no output lingüístico da criança em fase normal de aquisição de linguagem e mesmo de indivíduos adultos. Após a averiguação dos dados e da sugestão de dissociação, na fala da criança DEL, de produção de morfemas relativos a tempo, de um lado, e de morfemas de aspecto, por outro lado, propusemos que a projeção de Tempo, considerada por Chomsky (1998, p.15), como uma única projeção, em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e estrutura de evento”, provavelmente deve ser representada na gramática mental de um indivíduo adulto como duas projeções dissociadas. A camada flexional, então, parece ser dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra específica de aspecto. Desta forma, pensamos haver evidências para a confirmação da hipótese estabelecida nesta tese. 234 Há, entretanto, alguns pontos derivados das explicações feitas para os dados obtidos em nossa pesquisa que ficam em aberto para futuras investigações. Um deles está relacionado à explicação para a motivação da atuação da propriedade de Restrição de Checagem Única, conforme delineamos na seção 7.4. Qual seria o motivo para que haja restrições na valoração dupla de traços semanticamente motivados em algumas situações? Apresentamos algumas suposições naquela seção que podem servir de ponto de partida para futuras pesquisas. 235 9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELLETTI, Adriana. Generalized verb movement. Turin: Rosenberg & Sellier, 1990. BENSON, D. F.; GESCHWIND, N. The aphasias and related disturbances. In: MESULAN, M-M. Principle of behavioral neurology. 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Presente Progressivo A examinadora fazia a pergunta para a criança e mostrava uma figura correspondente ao que se esperava obter na resposta da criança. Era perguntado o seguinte: o que está acontecendo aqui? As respostas esperadas eram: Pretérito Imperfeito Progressivo A moça está penteando o cabelo. A examinadora falava que iria mostrar gravura de coisas que já haviam acontecido há muito tempo. Em seguida, fazia a pergunta para a criança e mostrava uma figura correspondente ao que se esperava obter na resposta da criança. Era perguntado o seguinte: o que estava acontecendo aqui? As respostas esperadas eram: A moça estava rindo. A moça está coçando a cabeça. A moça estava comendo um sanduíche. O menino está mamando na mamadeira. A moça estava descendo a escada. O neném está mamando no peito da mãe. A menina estava chupando sorvete. As crianças estão brincando. A moça estava amarrando o biquíni. O menino está chorando. A menina estava pulando corda. A moça está tomando banho. A menina estava dando a bola ao O cachorro está pulando. cachorro. A moça está correndo. O neném estava engatinhando. As crianças estão dormindo. O neném estava alcançando a tomada. As crianças estavam lendo um livro. 244 Pretérito Perfeito/Perfectivo Presente Habitual Para os testes com o tempo verbal no As perguntas feitas nesta bateria foram: Pretérito Perfeito, foram usadas duas figuras em cada quadro apresentado ao menino DEL: a primeira com a ação incompleta e a segunda com a ação terminada. O menino deveria preencher a lacuna, oralmente. Aqui a menina vai calçar o sapato; aqui O que a mãe faz quando a criança não ela já... obedece? ... Aqui os pintos estão quebrando os ovos; O que cachorro bravo faz quando a aqui eles já... pessoa chega perto? ... Aqui o cachorro está comendo; aqui ele O que as pessoas fazem quando estão já... cansadas? ... Aqui o navio está chegando no farol; aqui O que as crianças fazem quando vão à ele já... praça?... Aqui o sorvete está inteiro; aqui alguém... O que você faz todo dia? Aqui o menino caiu; e aqui o que Presente não-habitual aconteceu com o seu joelho... Aqui o pintor está começando a pintar o quadro; aqui ele já... A boneca é um presente; a moça vai fazer o embrulho; aqui ela já... Aqui é noite e o menino está dormindo; Para a aplicação destes testes, foram contadas as histórias de “Beto e Bia no dia-a-dia” e “Bia tagarela” de Cozzi, Tânia et al. (in Macacchero, 2004). O que o pai de Beto e Bia faz aqui? aqui ele já... O que é que Bia faz na história? O cano está furado; a moça chamou o O que Beto e Bia fazem na pia? bombeiro; aqui ele já... O que Beto faz aqui? O que Bia faz aqui? VA deu 100% das respostas esperadas nas tarefas em que se solicitava a produção de tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo. O menino também demonstrou ter se saído bem nas tarefas em que se esperava a produção de tempo presente/ aspecto habitual e não habitual, pois deu 80% das respostas esperadas. Nas tarefas de produção de tempo presente e aspecto progressivo, o menino respondeu às perguntas, usando somente a forma no gerúndio, em 40% das vezes. Nos testes em que esperavam respostas com tempo pretérito imperfeito, com 245 aspecto progressivo, o menino respondeu com o auxiliar no presente, acompanhado de uma forma no gerúndio, em 40% das vezes. Diante destes resultados, há uma sugestão de que a criança DEL investigada neste trabalho tem dificuldades na produção de tempo verbal. As crianças controle deram, cada uma, o total das respostas esperadas nas tarefas em que se esperavam respostas no pretérito perfeito, no presente habitual e não habitual e no presente, com aspecto progressivo. Estas mesmas crianças controle deram, cada uma, quase o total de respostas esperadas (90%), no caso das tarefas em que se esperavam as perífrases “auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio”. 246 ANEXO B – TESTES DE COMPREENSÃO USADOS PARA DIAGNÓSTICO DE DEL Os testes de compreensão de sentenças relativas de sujeito e relativas de objeto aplicados no menino VA e nas crianças controle foram retirados de Hermont (1999). O teste consistia na demonstração de gravuras e na fala de uma sentença. A fala da sentença era simultânea à demonstração da gravura e a criança deveria responder se a sentença correspondia ou não ao desenho. Abaixo estão as sentenças, cujas gravuras foram apresentadas às crianças, sendo (V) verdadeiro (ou seja, a gravura correspondia à sentença falada) e (F) falso (isto é, a gravura não correspondia à sentença falada). À frente da sentença apresentada à criança, colocamos a palavra “ERROU”, quando o desempenho do menino DEL investigado nesta tese não foi correspondente ao esperado. Vale dizer que as crianças controle obtiveram um desempenho de 100% nas tarefas de compreensão de sentenças relativas de sujeito e de sentenças relativas de objeto. 1) 2) 3) 4) RS(V) o homem que empurra o menino está usando camisa vermelha RS (V) a menina que está fotografando a enfermeira é loura. RS(V) o guarda que ameaça o índio está usando calça azul. ERROU RS (V) a mulher que enxuga a criança tem cabelo preto. 5) 6) 7) 8) RS ( F) o menino que empurra o homem está usando camisa vermelha. RS (F) a enfermeira que está fotografando a menina é loura. ERROU RS (F) o índio que ameaça o guarda está usando calça azul. RS ( F) a criança que enxuga a mulher tem cabelo preto. 9) RO (V) a criança que a mulher enxuga é loura. ERROU 10) RO (V) o velho que o menino puxa tem cabelo castanho. ERROU 11) RO (V) o médico que o paciente briga tem cabelo preto. 12) RO (V) o aluno que a professora xinga tem cabelo castanho. 13) RO (F) a mulher que a criança enxuga é loura. ERROU 14) RO (F) o menino que o velho puxa tem cabelo castanho. 15) RO (F) o paciente que o médico briga tem cabelo preto. ERROU 16) RO (F) a professora que o aluno xinga tem cabelo castanho. ERROU VA acertou mais nas tarefas de compreensão de sentenças relativas de sujeito do que na compreensão de sentenças relativas de objeto. De acordo com a literatura, as crianças DEL 247 têm mais dificuldade de compreender sentenças relativas de objeto do que sentenças relativas de sujeito. Desta forma, temos mais uma sugestão que o menino VA, investigado nesta tese, tem problemas lingüísticos que o levam a ser classificado como DEL. 248 ANEXO C – FALAS ESPONTÂNEAS DE VA E DA CRIANÇA COM MESMO MLU QUE VA A seguir, apresentamos as falas espontâneas do menino VA, considerado DEL e pesquisado nesta tese, e da criança controle com o mesmo MLU, que tinha dez anos. Devemos ressaltar que a primeira fala de VA foi estimulada com o tema “He Man e esqueleto” (a criança tinha, em mãos, os bonecos “He Man” e o “esqueleto”) e a segunda fala relacionava-se a uma história em quadrinhos anteriormente contada ao menino. A fala da criança controle apresentada aqui é um reconto de uma das histórias contada em situação de teste. Vale dizer que VA, principalmente na primeira fala, é estimulado pela pesquisadora constantemente, pois o menino se recusava a contar histórias e a inventá-las. Por fim, temos que esclarecer que o MLU das duas crianças foi medido em segundos, tendo em vista que algumas falas de VA não inteiravam um minuto. VA He man e o esqueleto. Em 18 segundos (18 palavras): Esqueleto queria acabar o mundo inteiro. Aí o He Man lutou com o esqueleto. Aí ele venceu. A pesquisadora intervém e solicita ao menino que amplie sua história. Em 14 segundos (37 palavras): Aí esqueleto foi embora. Aí esqueleto veio de novo. Aí um dia o esqueleto acabou vencendo o He Man. Aí metade do mundo já tinha acabado. Aí o He Man voltou, lutou, lutou e venceu de novo. 54 palavras em 31 segundos = 1,74 palavra por segundo. História do Cascão O Cascão tava brincando, né? Aí começou a feder. Todo mundo foi embora. Aí ficou Cebolinha. Aí tava triste... Aí Cebolinha falou: “- Vou chamar para brincar.” Aí falou assim: Vou pegar a minha bola, tá lá em casa. Pegou a bola, brincou, brincou. Aí ele cansou. Aí ele foi guardou a bola. Aí o Cascão falou assim: pega seu carrinho para nós brincar. Aí pegou o carrinho para brincar. Brincou, brincou, brincou. Aí saiu e o Cascão mandou pegar a revista. Aí ele foi e pegou. Aí ficou vendo revista. Aí guardou revista. Aí o Cascão chamou ele para ir na casa dele. Chegou na casa dele mostrou o pneu. Aí Cebolinha entrou dentro do pneu. Aí o Cascão empurrou ele. O Cebolinha bateu na lata de lixo. Aí o Cascão... O Cebolinha foi 249 embora para tomar banho.E aí Cebolinha falou assim: - amigo que é amigo gosta do jeito que é. Aí o Cascão falou assim: você é limpinho, mas é amigo. 163 palavras em 94 segundos = 1,73 palavra por segundo. Criança Controle com mesmo MLU da criança DEL – 10 anos Reconto da história “Beco Barroso” Um dia tinha uma loja de animais que tinha muitos cachorros. Um deles chamava Beco Barroso. Na loja, um dia tinha uma pessoa querendo comprar. E ele vivia na loja cheia de cachorros. Ele gostava da loja, brincava muito. E pensava que sempre vinha um menino para comprar os amigos e ele. E ele, passou um menino e ele pensou que ia ser ele. Falava: tem que ser ele. Não, ele gostou foi do Boxer. E o menino comprou o Boxer. Aí ele pensava que poderia ser o próximo. Aí tinha muitos cachorros amigos dele. Aí chegou uma menininha. Aí ela queria o Pompom, muito bonitinho. Tomara que venha logo o meu menino, falou o Beco Barroso. Chegou um homem e foi lá e comprou o cão pastor. Claro, só podia ser ele. Aí apareceu uma linda pessoa. Uma menina, ela comprou um... foi embora com seu cachorro. Qual é o nome deste cachorro? Entrevistadora: -Ah, tem uns que não têm nome não. Criança: - Eu posso inventar nome? Entrevistadora: -Pode... Criança: - Pelúcia, a menina chamava Pelúcia. Aí foi apareceu um menino. Aí sobrou o Beco Barroso e o Malhado. O menino gostou do Malhado. Aí o Beco Barroso ficou muito triste. O dono estava quase fechando a loja, aí apareceu um menino mau. E o cachorro não queria ficar com ele. Ele gritou forte: pare com isso. Ele foi, o dono da loja, tava tarde, ele queria fechar. Apareceu um menino querendo comprar um cachorrinho. É o meu menino! É o meu menino! Claro que é. Aí foi, o menino gostou do Beco Barroso e foi lá e comprou ele. O dono da loja contou: esse dinheiro não dá, diz o dono da loja. O menino ficou muito triste. Vende ele, vende ele, disse ele. Aí o menino falou: não posso comprá-lo. Aí foi o dono da loja deixou. Aí o menino e o Beco Barroso ficaram felizes para sempre. 309 palavras em 3 minutos (180 segundos) – 1,71 palavras por segundo. 250 ANEXO D – HISTÓRIAS CONTADAS NAS PRIMEIRAS BATERIAS DE TESTES DE ELICIAÇÃO A seguir, apresentamos as histórias contadas às crianças. São baseadas nas histórias de Jean Bethell, tradução para o português feita por Eboli (197 ?). BECO BARROSO Como vai você?… Meu nome é Beco Barroso. Vivo numa loja de bichos. Todos são meus amigos. Aqui nós brincamos à beça. Gosto da loja dos bichos, mas não quero ficar aqui. Quero viver numa casa com um menino. Estou esperando um menino que goste de mim. Tomara que ele venha logo. Aí vem um menino. Será que vai gostar de mim? Tomara que sim. Não, ele gostou do Boxer. O Boxer é bonitão mesmo. O menino comprou o Boxer e vai com ele para casa. Estão muito felizes. Adeus, Boxer. Tomara que o MEU menino venha logo. Aí vem alguém! Será a minha vez? Tomara que sim. Não, é uma menina. Ela gostou do Pompom. O Pompom é bonitinho. A menina comprou o Pompom! E vai com ele para casa. Como parecem felizes! Adeus, Pompom. Tomara que o MEU menino venha logo. Alguém está chegando! Talvez seja o MEU menino! Não, é um homem! Acho que já sei o cão que ele quer. Isso mesmo, o Cão Pastor. Não podia ser outro. O homem comprou o Pastor. Parecem felizes. Adeus, Pastor. Tomara que o MEU menino venha logo! Todos os dias a lojinha fica cheia de meninos e meninas. Todos os dias vão embora cachorros com seus meninos e meninas, e todos parecem felizes! Onde está o MEU menino? Será que ele não vem me buscar? Hoje só ficamos nós dois na lojinha. Eu, Beco, e meu amigo Malhado. Ainda estamos esperando. Aí vem alguém! É um menino! Quem sabe? Quem sabe? Quem sabe é o MEU menino? Não, ele gostou do Malhado. O menino comprou o Malhado. Já está levando o Malhado para casa. Adeus, Malhado. Adeus, Malhadinho. Agora, todos os amigos se foram. Estou sozinho. Não é bom ficar sozinho. Eu queria tanto que o MEU menino viesse! Aí vem alguém! É um menino! Até que enfim! Não, este não pode ser o MEU menino. Este menino me quer. Mas eu não o quero. Está querendo me levar para casa, mas eu não quero ir com ele. Pare com isso (gravura: o menino puxa o rabo e as orelhas de Beco Barroso). Solteme! Pare com isso! Toma! (Beco Barroso morde o nariz do menino.) Este menino é doido. 251 Mas eu estou contente. Que alívio! Mas eu não quero ficar sozinho. Tomara que o MEU menino venha logo me buscar. Já é muito tarde. O dono da loja quer ir embora e eu vou ficar sozinho a noite toda. Acho que o MEU menino não virá nunca mais. Alguém está vindo! Não quero nem olhar. Pode ser, pode ser... É o MEU! – É um menino! É o MEU! –É um menino! Claro que é ele. Estou feliz! Você demorou um bocado! Já vai comprar-me. Depois vamos para casa. Vamos. Vamos. Vamos embora! Por que não vamos logo para casa? O dono da loja está contando o dinheiro. “Esse dinheiro não dá...”, diz ele. O MEU menino ficou muito triste. “É todo o dinheiro que eu tenho”, diz ele. Não pode comprar-me. Não pode levar-me para casa. “Por favor”, diz ele, “Beco é tão pequenino!” O homem olha para mim. Olha para o menino. Pensa, pensa, pensa. E então ri. “Está bem”, diz ele. “Beco é um cachorrinho pequeno. E eu quero vendê-lo antes de fechar a loja. Está bem, pode levá-lo”. Oba! Oba! Oba! Ganhei enfim um amigo! “Vamos, Beco”, diz o meu amigo. “Vamos para casa”. Adeus, loja de bichos! Adeus, dono da loja! Eu agora tenho uma casa e o MEU menino! Acho que todos os cachorrinhos do mundo deveriam ter um menino-amigo. Você não acha? BECO BARROSO E O GATO Olá! Sou o Beco Barroso! Vocês se lembram de mim? Esta é a minha casa, gosto tanto daqui! Estão vendo? É a minha cama. Aqui está o meu prato. E olhem quantos brinquedos eu tenho. Gosto muito de brincar. Sou um cachorrinho feliz! Aí vem o Zeca. Zeca é o meu amigo, vocês sabem. Acho que todos os cachorros precisam de um menino, vocês não acham? Zeca precisa de mim também. Sou o seu melhor amigo. O que é que você tem aí nas mãos, Zeca? Será um cachorro? Não, Zeca. Você não precisa de dois cachorros. EU sou o seu cachorro. EU, Beco! Mas o que será isso? Que poderá ser? Xi! É um GATO! Oi, gato... Ui! Pare com isso! Zeca, eu não gosto deste gato. Leve-o embora. Dá o fora, gato! Sai do meu prato! Pare com isso! Larga o meu brinquedo! Aí não! Não e não! Sai da minha cama! Chega! Dá cá o meu patinho. Zeca, por favor! Leve este gato embora daqui. Você não precisa dele. Você tem a mim. Eu sou o SEU cachorro. E você é o MEU menino. Olhe para mim, Zeca. Olhe! Sou EU – Beco Barroso! Puxa, ele me mandou embora! Zeca me mandou embora! Ele não gosta mais de mim. Ele gosta daquele Gato. Eu queria tanto que aquele gato desse o fora... Lá está o Gato. Onde será que ele vai? Vai saindo porta afora. Já vai tarde, Gato. Lá vai ele pela rua. E já vai tarde. Está subindo no caminhão. No caminhão da leiteria. Entrou no caminhão e está lambendo o leite. Epa!... O homem não viu o Gato! Xi!... Ele fechou a porta do caminhão! O caminhão está indo embora. Adeus, Gato! Já vai tarde... Não há mais gato por aqui. Estou feliz. Zeca voltará a ser meu amigo. Aí vem ele. Perdeu alguma coisa? Está procurando o gato. Eu sei onde ele está. Mas não digo nada. Zeca procura, procura, procura... Mas nada de encontrar o Gato. Puxa, ele está triste mesmo! Não fique triste, Zeca. Brinque comigo. Eu vou alegrar você, está bem? Mas Zeca ainda está triste. Ele quer mesmo o Gato. Zeca é meu amigo. Eu não quero vê-lo triste. Vou dizer onde foi o Gato. 252 Anda, Zeca, vem cá. Vou te mostrar onde o Gato está. Por aqui, Zeca. Vamos até ele. Vamos, Zeca. Confie em mim. O caminhão, o caminhão! Ele está lá dentro do caminhão! Vamos correndo, temos que alcançar o caminhão. PÁRA! PÁRA! Pára o caminhão! Vamos, Zeca, depressa, abra a porta! Lá está ele, o malandro! O malandro do gato... Zeca ficou tão feliz! O gatinho também! Não precisam mais de mim...Ué, O que é isto, Zeca? Olhem! Zeca também gosta de mim. Eu... O que é isto, Gato? Olha só, o Gato gosta de mim também. Agora tenho dois amigos. EU BEM DISSE A VOCÊS: SOU UM CACHORRINHO FELIZ! BECO BARROSO NO CAMPING Olá! Meu nome é Beco Barroso! Este é meu amigo Zeca. Vejam só! O Zeca e seu pai vão fazer camping. Ah... eu vou também fazer camping. Espero que eles me levem. O camping é legal! Come-se cada coisa boa... Puxa! Aquilo parece ótimo! O Zeca e o pai já estão prontos para partir. Eu também. Esperem por mim! Eu... algo errado? Eu não posso ir ao camping com vocês? Por que não? Eu me comporto. E vou ajudar. Eh... esperem por mim! Deixem-me ir com vocês! Eu não quero ficar em casa! Quero ir ao camping. E vou mesmo! Puxa, que viagem longa! Tomara que cheguemos logo. Enfim, chegamos! Espero que eles gostem de me ver. Ou será que vão se zangar? Xi... ficaram zangados! Não se zanguem. Eu vou me comportar. Vou ajudar a levantar a barraca. Epa, vejam só... Vou ajudá-los. Vou puxar esta caixa. Cuidado, Zeca! Cuidado com os ovos! Ih! Olha o que aconteceu! Agora vamos pescar. Vou ajudar na pescaria. Zeca, você pegou um peixe. Não deixe ele fugir! Vou segurar para ele. Ora... escapuliu! Acho que eles estão zangados comigo. Puxa, ainda estão zangados comigo! Por que será? Eu só queria ajudar... Olhe o bolo! Quem deu esta dentada? Não, Zeca! Juro que não fui eu! Já é hora de dormir. Eu também quero dormir na barraca... Aqui fora é muito escuro... Ah... eles não gostam de mim. Epa, venham ver! É um urso! Foi ele quem comeu o bolo. E eles disseram que tinha sido eu. Por mim... pode comer tudo que eu nem ligo! Eles puseram a culpa em mim... Puxa, vejam só! Que faço agora? Preciso avisar o Zeca e o pai. Preciso acordá-los. Acorda, Zeca! Por favor, acordem! Sou eu, Beco, Beco Barroso. Vejam! Ursos! Dois brutos ursos! Caiam fora, ursos malandros! Vou ajudar o Zeca. Adeus, ursos! E não se atrevam a voltar! Espero que eles não estejam zangados agora. Eu só queria ajudar. O que é que há?! Fiz alguma coisa errada? Ah, eles gostam de mim! Até que enfim: fiz alguma coisa certa. 253 ANEXO E – TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E DE ASPECTO Nas tarefas de eliciação, criávamos oportunidades para que as crianças produzissem as formas verbais em estudo. Tais oportunidades se davam a partir de perguntas feitas pela pesquisadora. A seguir, apresentamos as perguntas, seguidas de menção às histórias e às gravuras a que estávamos nos referindo. Apresentamos também as respostas esperadas. 254 TEMPO PRESENTE/ ASPECTO PROGRESSIVO 1ª bateria: tema – Beco Barroso e o gato Contação da história, apresentação posterior de gravuras do livro e pergunta eliciadora: O que está acontecendo aqui? Pergunta 1 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Beco Barreiro está lambendo o menino (Beco Barroso e o gato, capa). Pergunta 2 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Beco Barroso está comendo (Beco Barroso e o gato, p. 5). Pergunta 3 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Beco Barroso está jogando o osso para cima (Beco Barroso e o gato, p.7). Pergunta 4 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Beco Barroso está pulando na perna de Zeca. (Beco Barroso e o gato, p.11). Pergunta 5 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Beco Barroso está correndo atrás do gato. (Beco Barroso e o gato, p. 19). Pergunta 6 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Zeca está segurando o gato. (Beco Barroso e o gato, p.9). Pergunta 7 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Zeca está brincando com o gato/Beco Barroso está olhando o gato. (Beco Barroso e o gato, p.17). Pergunta 8 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele está latindo. (Beco Barroso e o gato, p. 18). Pergunta 9 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Zeca está brincando com o gato/O Beco está chorando. (Beco Barroso, p. 23). Pergunta 10 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele está bebendo o leite. (Beco Barroso e o gato, p. 31). 56 2ª bateria: tema – Turma da Mônica, do livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 96 Comando dado pela pesquisadora: Nesta gravura, todas as crianças estão brincando. Agora me responda: o que cada uma delas está fazendo?56 Pergunta 1 O que o Titi está fazendo? ________________ Resposta esperada: está empinando papagaio. Pergunta 2 O que o menino (Do contra) está fazendo? ____________ Resposta esperada: está rodando pião. Pergunta 3 O que o Pelezinho está fazendo? ____________ Resposta esperada: está andando de patins. Pergunta 4 O que a Magali está fazendo? _______________ Resposta esperada: está pulando amarelinha. Pergunta 5 O que o menino está fazendo? _______________ Resposta esperada: está chutando a bola. Pergunta 6 O que a Mônica está fazendo?_________ Resposta esperada: está gangorrando. Pergunta 7 O que a menina está fazendo?____________ Resposta esperada: está abraçando a boneca. Pergunta 8 O que o Xaveco está fazendo? __________ Resposta esperada: está escorregando. Pergunta 9 O que a menina está fazendo? ___________ Resposta esperada: está brincando de bambolê (Página 97). Pergunta 10 O que o Zé Lelé está fazendo?________ Resposta esperada: está tocando viola (Página 98). Conforme explicitado no capítulo 5, uma forma verbal no gerúndio era a mais provável de ocorrer na fala das crianças. Colocamos, entretanto, como respostas esperadas neste teste, a perífrase “presente + gerúndio” para tornar a leitura mais clara. 255 3ª bateria: tema – Turma da Mônica 4ª bateria: Tema - (Livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 46) Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai observar algumas gravuras da Turma da Mônica. Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai Eu vou falar algumas frases e você vai completar observar esta gravura da Turma da Mônica. Eu de acordo com o que você está vendo nas gravuras. vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura. Pergunta 1 Pergunta 1 Aqui a Mônica e o Cebolinha estão dando as mãos. Aqui o casal está atravessando a rua e aqui o Aqui a Mônica _________________________ Franjinha _________ Resposta esperada: está Resposta esperada: está abraçando o coelhinho. passeando com o cachorro. Pergunta 2 Pergunta 2 Aqui Cebolinha está entregando o coelhinho para a Aqui o gatinho está andando no fio e aqui os Mônica. passarinhos ____________ Resposta esperada: estão Aqui o Anjinho _________________________ cantando. Resposta esperada: está sorrindo. Pergunta 3 Aqui este homem está olhando o movimento pela Pergunta 3 Aqui a sereia está cantando e aqui o indiozinho janela e aqui este homem _________ Resposta ______________ Resposta esperada: está voando. esperada: está caminhando na calçada. Pergunta 4 Pergunta 4 Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento. Aqui a Tina está saindo da loja com um vaso de flor e Aqui o Chico Bento_____________________ Resposta esperada: está chegando/ está trazendo aqui o Cascão _______ Resposta esperada: está flores. correndo. Pergunta 5 Aqui a mãe está abrindo a porta. Pergunta 5 Aqui o neném ___________________ Resposta Aqui o garçon está chamando as pessoas para entrar no restaurante e aqui a Magali __________ Resposta esperada: está passando batom. esperada: está comendo. Pergunta 6 Aqui a Mônica está carregando os pais dela. Pergunta 6 Aqui a Mônica _______________ Resposta esperada: Aqui o Cebolinha está passeando na praça e aqui esta está abraçando/apertando a almofada. moça ________ Resposta esperada: está lendo. Pergunta 7 Aqui o Rolo está mexendo no computador. Pergunta 7 Aqui o Astronauta ___________ Resposta esperada: Aqui o carro de bombeiros está andando rápido na rua está desenhando um coração. e aqui o avião _______ Resposta esperada: está Pergunta 8 voando. Aqui a cachorrinha está chamando o Bidu. Aqui o Franjinha _________________ Resposta Pergunta 8 esperada: está olhando/namorando a menina. Aqui este homem está pilotando a moto e aqui este Pergunta 9 homem ________ Resposta esperada: está Aqui a Thuga está pensando no Piteco. Aqui o Cascão e a Maria Cascuda __________ correndo/está caçando borboletas. Resposta esperada: estão namorando/passeando no rio. Pergunta 9 Aqui os carros estão andando na rua e aqui a velhinha Pergunta 10 ___________ Resposta esperada: está dormindo. Aqui, a Tina está ouvindo música e pensando no namorado. Pergunta 10 Aqui o bombeiro está consertando o encanamento e Aqui, a médica _________ Resposta esperada: está fazendo exames. aqui esta mulher _________ Resposta esperada: está estendendo roupa. 256 5ª bateria: Tema - Acampamento com Pato Donald e seus sobrinhos 6ª bateria: Outros temas - (1) a Galinha Ruiva e (2) crianças se divertindo Comando dado pela pesquisadora: Os sobrinhos do Pato Donald estão no acampamento. Agora vamos ver algumas coisas que estão acontecendo lá. Pergunta 1 Comando dado pela pesquisadora: agora, vou te mostrar gravuras da história da galinha ruiva e mostrar gravuras de outras histórias. Depois, vou te fazer algumas perguntas. Pergunta 1 Este patinho quer construir uma cabana. O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: ele está carregando as varas. Pergunta 2 O outro patinho quer brincar. O que ele está acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho está empinando papagaio. Pergunta 3 Quando a fome aperta, eles vão à cantina. Mas lá tem uma mulher doida. O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: os patinhos estão correndo com um vidro cheio de coisas de comer. Pergunta 4 E o que está acontecendo aqui? Resposta esperada: a dona está correndo atrás dos patinhos, está xingando. Pergunta 5 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: os patinhos estão carregando uvas. Pergunta 6 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Os patinhos estão molhando, aguando a árvore. Pergunta 7 O patinho mandou o avião na cabeça do Tio Donald. Mas foi sem querer. O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O Tio Donald está correndo atrás do patinho, está querendo pegar o patinho. Pergunta 8 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele está olhando a paisagem. Pergunta 9 Olhe o que está acontecendo durante a noite. O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Está chovendo. Pergunta 10 E o que está acontecendo aqui? Resposta esperada: o esquilo está fugindo da chuva. O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A galinha está plantando o milho. Pergunta 2 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A galinha está quebrando os ovos. Pergunta 3 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A galinha está colocando o bolo no forno. Pergunta 4 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A galinha está fazendo o bolo, está misturando o bolo. Pergunta 5 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: As crianças estão comemorando um aniversário, estão cantando parabéns. Pergunta 6 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: As crianças estão empinando papagaio. Pergunta 7 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O pato está soltando papagaio. Pergunta 8 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:o homem está entrevistando as crianças. Pergunta 9 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho está lendo um livro. Pergunta 10 O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho está atirando. 257 A seguir, apresentamos dois exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação de tempo presente/ aspecto progressivo. A gravura pertencia à bateria 2 e a pergunta feita pela pesquisadora foi: “O que cada criança está fazendo?”. 258 A gravura pertencia à bateria 3 e a pesquisadora solicitou a produção da forma verbal da seguinte maneira: Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento. Aqui o Chico Bento_____________________ .” A resposta esperada era “está chegando/ está trazendo flores”. 259 Pretérito Imperfeito/ Aspecto Progressivo 1ª bateria: tema – Beco Barroso no Camping 2ª bateria: Tema- (Livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 100) Contação da história, apresentação posterior de Teste de preenchimento de lacuna – perífrase gravuras do livro e pergunta eliciadora, do tipo: O que Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca estava cozinhando?57 Comando feito pela pesquisadora: aqui temos uma gravura de uma festa da Turma da Mônica, que já aconteceu uns tempos atrás. O que cada pessoa estava fazendo nesta gravura?58 Pergunta 1 Pergunta 1 O que Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca O que o Rolo estava fazendo? _________ Resposta estava cozinhando? Resposta esperada: Beco estava esperada: estava tocando violão. olhando para a comida... (Beco Barroso no camping, capa) Pergunta 2 O que as moças estavam fazendo? _________ Pergunta 2 O que os ursos estavam fazendo enquanto Beco Resposta esperada: estavam ouvindo a música. estava se escondendo? Resposta esperada: Eles Pergunta 3 estavam comendo. (Beco Barroso no camping, p. 45) O que o neném estava fazendo? ________ Resposta esperada: estava engatinhando. Pergunta 3 O que Beco Barroso estava fazendo enquanto a mãe Pergunta 4 estava levando o bolo no carro? Resposta esperada: O que o cachorro estava fazendo? ___________ ele estava olhando, ele estava querendo comer o bolo. Resposta esperada: estava correndo atrás do gato. (Beco Barroso no camping, p. 7) Pergunta 5 O que o moço estava fazendo?__________ Resposta Pergunta 4 O que Zeca estava fazendo enquanto Beco Barroso esperada: estava carregando a panela na cabeça. estava pulando para pegar o bolo? Resposta esperada: Pergunta 6 Ele estava levantando o bolo. (Beco Barroso no O que o casal estava fazendo?____________ Resposta esperada: estava namorando. camping, p. 9) Pergunta 7 Pergunta 5 O que Zeca estava fazendo enquanto Beco Barroso O que as crianças estavam fazendo?_________ estava brincando com as minhocas? Resposta Resposta esperada: estavam brincando. esperada: Estava calçando as botas. (Beco Barroso no Pergunta 8 O que o Cascão estava fazendo?________ Resposta camping, p. 27) esperada: estava batendo/jogando bola. Pergunta 6 O que o Zeca e o pai estavam fazendo enquanto Beco Pergunta 9 Barroso estava comendo? Resposta esperada: eles O que o menino estava fazendo? __________ estavam cozinhando. (Beco Barroso no camping, p. Resposta esperada: estava tocando tambor. 33) Pergunta 10 O que o rapaz estava fazendo? ________ Resposta Pergunta 7 O que o urso estava fazendo enquanto Zeca e o pai esperada: estava dormindo. estavam dormindo? Resposta esperada: estava entornando o suco/ comendo o bolo. (Beco Barroso no camping, p.41/42/47) Pergunta 8 O que o Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca estava pescando? Resposta esperada: estava atrapalhando a pescaria/estava pulando. Pergunta 9 O que Beco estava fazendo enquanto o urso estava chegando? Resposta esperada: ele estava chorando. 57 Conforme explicitado no capítulo 5, uma forma verbal no gerúndio era a mais provável de ocorrer na fala das crianças. Colocamos, entretanto, como respostas esperadas neste teste, a perífrase “pretérito imperfeito + gerúndio” para tornar a leitura mais clara. 58 Idem. 260 (Beco Barroso no camping, p. 40) Pergunta 10 O que o Zeca estava fazendo enquanto o Beco Barroso estava puxando a caixa? Resposta esperada: estava arrumando as coisas. (Beco Barroso no camping, p. 24) 261 3ª bateria: tema - livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 100 Teste de Preenchimento de lacunas – perífrase 4ª bateria: tema – gravuras da Turma da Mônica Teste de Preenchimento de lacunas – perífrase Comando feito pela pesquisadora: agora, você vai Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai continuar a observar essa gravura. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas o que estava acontecendo na festa. frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. Pergunta 1 Enquanto esta criança estava correndo, este homem ________ Resposta esperada: estava trabalhando. Pergunta 2 Enquanto o Cascão estava jogando bola, o Cebolinha e esta menina ________ Resposta esperada: estavam tampando o nariz. Pergunta 3 Enquanto o Dudu estava roubando um docinho, a Magali _________ Resposta esperada: estava chupando um picolé. Pergunta 4 Enquanto a vovó estava arrumando a mesa, o Franjinha ____________ Resposta esperada: estava fazendo carinho no gato. Pergunta 5 Enquanto o menino estava dormindo, o outro menino __________ Resposta esperada: estava amarrando o sapato. Pergunta 6 Enquanto o moço estava tocando a buzina do carrinho, as crianças __________ Resposta esperada: estavam comendo sanduíche. Pergunta 7 Enquanto este menino estava comprando balão, estes outros dois _________ Resposta esperada: estavam chorando. Pergunta 8 Enquanto o pai da Mônica e o pai do Cebolinha estavam trazendo o banco, o neném _______ Resposta esperada: estava engatinhando. Pergunta 9 Enquanto o menino estava brincando de cabra cega, estes meninos _________ Resposta esperada: estavam brigando. Pergunta 10 Enquanto um balão estava voando, o Anjinho ________ Resposta esperada: estava pegando o balão. Pergunta 1 Aqui as crianças estavam levando presentes para a Mônica. E aqui? A Mônica_______ Resposta esperada: estava soprando velinha, estava cantando parabéns. Pergunta 2 Aqui o sanfoneiro estava tocando uma música bem legal. E aqui? As crianças _________ Resposta esperada: estavam dançando. Pergunta 3 Aqui o Cebolinha estava assoviando. E aqui? O Cascão _________ Resposta esperada: estava rindo. Pergunta 4 Aqui o Cebolinha estava soprando a velinha. E aqui? A Magali ___________ Resposta esperada: estava pedindo bolo. Pergunta 5 Aqui o Horácio estava saindo do ovo. E aqui? A pequena dinossaura _________ Resposta esperada: estava rindo/ estava cantando. Pergunta 6 Aqui as crianças estavam saindo de dentro do bolo. E aqui? A Magali _________ Resposta esperada: estava fazendo bolo. Pergunta 7 Faça de conta que as duas festas estavam acontecendo ao mesmo tempo. Aqui a menina estava fazendo o bolo. E aqui? O Chico Bento ___________ Resposta esperada: estava cantando parabéns, estava soprando a vela. Pergunta 8 Era aniversário do Cascão. Aqui as crianças estavam cantando parabéns. E aqui? O moço _________ Resposta esperada: estava dando presente para o Cascão. Pergunta 9 Aqui, a Mônica estava dando presente para a Magali. E aqui? A Magali ______ Resposta esperada: estava olhando para o bolo. Pergunta 10 262 5ª bateria: tema – Turma do Pato Donald Comando: Ontem os sobrinhos do Pato Donald foram para a floresta, para um acampamento. Aqui temos algumas gravuras do que aconteceu no acampamento. Vamos ver o que estava acontecendo lá? Pergunta 1 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho estava tirando retrato. Pergunta 2 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho estava pesquisando/ olhando a natureza. Pergunta 3 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Patinho estava lendo e observando uma flor. Pergunta 4 Em uma determinada hora, estava dando a maior confusão. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada:O urso estava tentando pegar o Donald. Pergunta 5 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho estava lendo. Pergunta 6 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho estava pedindo silêncio. Pergunta 7 O pateta e os sobrinhos do Mickey estavam de férias na floresta. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Pateta estava vendo TV. Pergunta 8 O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada:Os sobrinhos do Mickey estavam jogando bola. Pergunta 9 O Pateta estava brincando de homem das cavernas. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Pateta estava colocando comida no prato. Pergunta 10 O Tio patinhas é muito rico. Ele adora seu dinheiro. Ele adora entrar na sala onde está o seu dinheiro e adora fazer coisas engraçadas. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele estava mergulhando em seu dinheiro. Aqui a Magali estava roubando o bolo da festa. E aqui? As crianças _________ Resposta esperada: estavam correndo atrás da Magali. 6ª bateria: Tema – Zé Carioca e futebol Comando: Você conhece o Zé Carioca? Ele é um papagaio que adora futebol. Um tempo atrás, foram feitas umas gravuras com o Zé Carioca. Agora, eu vou te mostrar as gravuras. Às vezes, o Zé carioca era jogador, outras vezes, juiz, médico, torcedor. Pergunta 1 Nesta gravura, por exemplo, o que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: Os homens estavam jogando futebol. Pergunta 2 E o que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava vendo o jogo com um binóculo. Pergunta 3 Neste jogo, o Zé Carioca era o médico. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele estava enfaixando o jogador. Pergunta 4 Neste jogo, estava caindo uma tempestade. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: As pessoas estavam se afogando. Pergunta 5 Neste jogo, o Zé Carioca era um torcedor. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé carioca estava gritando de felicidade. Pergunta 6 Você conhece o Pelé? Ele foi o maior jogador de futebol do Brasil. Quando o Pelé fez o gol nº 1000, o Zé Carioca estava lá. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava carregando o Pelé. Pergunta 7 Neste jogo, o Zé Carioca era o jogador. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava dando uns chutes. Pergunta 8 O time do Zé Carioca estava perdendo. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava rezando. Pergunta 9 Neste jogo, a bola furou. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava enchendo a bola. Pergunta 10 Neste jogo, estava a maior confusão. O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava brigando com o outro jogador. 263 A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação de tempo pretérito imperfeito/ aspecto progressivo. A gravura pertencia à bateria 1 e a pergunta feita pela pesquisadora foi: “O que o urso estava fazendo enquanto Zeca e o pai estavam dormindo? As respostas eram “estava entornando o suco/ comendo o bolo”. 264 A gravura pertencia à bateria 5 e o comando dado pela pesquisadora foi: em uma determinada hora, estava dando a maior confusão. O que estava acontecendo aqui? A resposta esperada era: Ourso estava tentando pegar o Donald”. 265 Pretérito Perfeito/ Aspecto Perfectivo 1ª bateria: tema – Gravuras da história do Beco Barroso no camping e outras gravuras 2ª bateria: Tema: assuntos diversos Comando dado pela pesquisadora: agora eu vou te Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai mostras algumas gravuras. Depois, vou te fazer observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas umas perguntas e você me responde, tá? frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. Pergunta 1 Aqui os pintinhos estão quebrando a casca do ovo. Aqui os pintinhos já _______ (nasceram). Pergunta 2 O menino estava dormindo. Mas já amanheceu. Aqui o menino já _____________ (acordou). Pergunta 1 Aqui o menino ia dar leite para o gato e aí o que aconteceu? Resposta esperada: o leite caiu. Pergunta 2 O menino estava doente, de cama e a mãe dele deu remédio e aí o que aconteceu? Resposta esperada: ele sarou. Pergunta 3 Você sabe o que é fazer embaixada? Aqui ele estava fazendo embaixada com a bola. O que aconteceu aqui? Resposta esperada: a bola caiu. Pergunta 4 A menina veio para jogar bola com ele. E aí o que aconteceu? Resposta esperada: o menino não quis brincar com a menina. Pergunta 5 Aqui a galinha estava brincando com os pintinhos. Aí veio o cachorro. E o que aconteceu? Resposta esperada: ela cobriu os pintinhos. Pergunta 6 A Mônica contou que, no final do arco-íris, tinha um pote cheio de ouro. Aí o que a turma fez? Resposta esperada: eles correram atrás do pote. Pergunta 7 Cebolinha estava dirigindo o carro. Aqui o que aconteceu? Resposta esperada: o carro caiu na lama. Pergunta 8 Aqui o menino está tranqüilo, pescando e ouvindo Pergunta 3 Aqui o menino estava pescando. Aqui ele já ___________ (pescou). Pergunta 4 Aqui o menino saiu de casa para ir à escola. Aqui ele _______ (chegou). Pergunta 5 Aqui o menino estava lavando o seu pé na bacia. Aqui ele ___________ (já lavou). Pergunta 6 Aqui o menino puxava a corda da barraca para ela não cair. Aqui ela já ____ (caiu). (Beco Barroso no camping, p.21 e 22) Pergunta 7 Aqui Zeca queria calçar as botas. Aqui Zeca já ___________ (calçou). (Beco Barroso no camping, p. 27 e 28) Pergunta 8 Aqui Beco Barroso queria assustar os ursos. Aqui ele __________(assustou). (Beco Barroso no camping, p. 51 e 52) Pergunta 9 Aqui o pai queria dar um pedaço de bolo para o música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O que cachorro. Aqui ele já ________ (deu). (Beco Barroso aconteceu? Resposta esperada: ele caiu no rio. no camping, p. 54 e 55) Pergunta 10 Pergunta 9 Aqui Zeca e seu pai estavam com sono. (Beco O elefante pisou no pé do lobo. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: o lobo machucou o pé. Barroso no camping, p. 37) aqui Zeca e seu pai Pergunta 10 A mãe do Cebolinha fez um bolo. A turma comeu _____________ (dormiram). (Beco Barroso no camping, p. 47) muito. E o que aconteceu aqui? Resposta esperada: sobraram dois pedaços, a mãe guardou os pedaços. 266 3ª bateria: Tema – Turma da Mônica Teste de Preenchimento de lacunas – observação de fichas 4ª bateria: Tema - diversos Teste de Preenchimento de lacunas – observação de fichas Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. você está vendo nas gravuras. Pergunta 1 Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Aqui ele já Pergunta 1 Aqui os homens foram colher mangas. Aqui eles já ______ Resposta esperada: já caiu. ________. Resposta esperada: colheram. Pergunta 2 Aqui os meninos queriam carregar o Cebolinha. Aqui eles já _____ Resposta esperada: carregaram. Pergunta 3 Aqui o Cebolinha queria subir no poste. Aqui ele já ____ Resposta esperada: subiu. Pergunta 4 Aqui a Tina queria vestir um vestido bonito. Aqui ela já _______ Resposta esperada: vestiu. Pergunta 5 Aqui o Cascão queria muito fazer um gol. Aqui ele já _______ Resposta esperada: fez. Pergunta 6 Aqui o indiozinho queria pegar água. Aqui ele já ______ Resposta esperada: pegou. Pergunta 7 Aqui o Chico Bento queria colocar o espantalho na horta. Aqui ele já _____ Resposta esperada: colocou. Pergunta 8 Aqui o Cascão queria muito fazer um chapéu de papel. Aqui ele já ________ Resposta esperada: fez. Pergunta 9 Aqui a Mônica queria muito pôr a carta no correio. Aqui ela já _____ Resposta esperada: pôs. Pergunta 10 Aqui a Mônica queria muito calçar os patins. Aqui ela Pergunta 2 É dia de aula. O menino acordou, tomou banho, tomou café e________. Resposta esperada: foi para escola. Pergunta 3 Aqui os filhotes estão na barriga da gata. E aqui eles já ________. Resposta esperada: nasceram. Pergunta 4 Aqui é o pé de um menino. Ele calçou a meia e aqui ele já ________. Resposta esperada: já calçou. Pergunta 5 Aqui o homem plantou a semente. E aqui ______ Resposta esperada: a planta já nasceu. Pergunta 6 Aqui o picolé está inteiro. Aqui alguém ________ Resposta esperada: já comeu, mordeu. Pergunta 7 Aqui o homem regou as plantas. Aqui elas já ______ Resposta esperada: cresceram. Pergunta 8 Estas duas gravuras mostram a mesma pessoa. Aqui ele era pequeno. Aqui ele já _________ Resposta esperada: cresceu. Pergunta 9 Os três estavam brincando de “macaco mandou” e o Cascão mandou todos trazerem uma coisa verde. Xaveco ______ Resposta esperada: trouxe uma bola verde. Pergunta 10 A Mônica ganhou uma maçã. Ela ficou feliz e veio andando com a maçã na mão. Aí veio a Magali e _________ Resposta esperada: pegou a maçã. já _______ Resposta esperada: calçou. 267 5ª bateria: tema – Turma do Pato Donald Comando dado pela pesquisadora: 6ª bateria: Tema – Turma do Pato Donald ontem Comando dado pela pesquisadora: ontem aconteceram várias coisas. Agora, eu vou te aconteceram várias coisas. Agora, eu vou te mostrar algumas gravuras e você me responde, tá? mostrar algumas gravuras e você me responde, tá? Pergunta 1 Ontem, o Pato Donald estava lendo um livro debaixo da árvore. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: A jaca caiu nele. Pergunta 2 Ontem, os homens foram conversar com o Zé Carioca. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Eles bateram na cabeça do Zé Carioca. Pergunta 3 Ontem, quando o Zé Carioca estava no gol, o que aconteceu? Resposta esperada: Ele recebeu uma bola muito forte e caiu. Pergunta 4 Ontem, o Zé Carioca foi jogar futebol e quis ser goleiro. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: O jogador fez um golaço. Pergunta 5 Ontem , Peninha foi trabalhar. Aí aconteceu um acidente. O que aconteceu? Resposta esperada: As pilhas de folhas caíram nele. Pergunta 6 Ontem, este homem foi para pescaria. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Ele pescou um peixe grande. Pergunta 7 Ontem, o Peninha foi fazer mágica. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Ele tirou um gato da cartola e o gato arranhou o Peninha. Pergunta 8 O Pato Donald estava jogando futebol. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Ele fez um gol. Pergunta 9 O Donald e seu primo gostam da Margarida. Ontem eles se encontraram. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Eles brigaram. lanche. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: O Pergunta 10 Ontem, o Peninha entrou na cidade mal-assombrada. pássaro levou o lanche. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: um fantasma Pergunta 1 Ontem, o Pato Donald foi escovar dentes. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: A pasta de dentes estourou. Pergunta 2 Ontem, o que o Mickey fez? Resposta esperada: Ele assou biscoitos. Pergunta 3 E o seu sobrinho? O que ele fez? Resposta esperada: Ele comeu os biscoitos. Pergunta 4 E o que aconteceu ontem na estrada? Resposta esperada: O caminhão caiu. Pergunta 5 Este avião estraga sempre. Ontem, o que aconteceu? Resposta esperada: O avião estragou, a hélice do avião quebrou. Pergunta 6 Ontem, a vovó passou com o carro em uma pedra, o que aconteceu? Resposta esperada: O sorvete das crianças caiu. Pergunta 7 Ontem, o que o Tio Patinhas fez? Resposta esperada: Ele nadou. Pergunta 8 Ontem, os ladrões entraram na casa do Tio Patinhas. Aí o que aconteceu? Resposta esperada:o Tio Patinhas correu. Pergunta 9 O Tio Patinhas é muito pão-duro. Ontem, quando o garçom trouxe a conta, o que aconteceu? Resposta esperada: Ele brigou com o garçom. Pergunta 10 O Pato Donald estava na caverna. Preparou seu assustou o Peninha. 268 A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação de tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo. A gravura pertencia à bateria 3 e a sentença que visava provocar o preenchimento de lacuna falada pela pesquisadora foi: Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Aqui ele já ______ . A resposta esperada era “caiu”. A gravura pertencia à bateria 2 e a pergunta feita foi: Aqui o menino está tranqüilo, pescando e ouvindo música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O que aconteceu? A resposta esperada era: “ele caiu no rio”. 269 Tempo Presente/ Aspecto Habitual 1ª bateria: Tema – Beco Barroso 2ª bateria: Tema - (Livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 32) Contação de história, pergunta eliciadora com o adjunto adverbial “todos os dias” ou similar. Comando dado pela pesquisadora: Agora vou te mostrar umas gravuras que mostram coisas que Cebolinha faz todos os dias. Perguntas de 1 a 5. Pergunta 1 O que Beco Barroso faz todos os dias na loja? Resposta esperada: ele brinca com os outros cachorros. (Beco Barroso, p. 3) Pergunta 2 O que este homem (dono da loja) faz todos os dias? Resposta esperada: ele vende. (Beco Barroso, p. 52) Pergunta 3 Faça de conta que todos os dias este menino vai à loja de animais. Então o que o menino faz, todos os dias, parado na vitrine? Resposta esperada: Brinca com o cachorro. (Beco Barroso, p. 12) Pergunta 4 O que o Beco Barroso faz todas as vezes que entra alguém na loja? Resposta esperada: Ele abana o rabo/ele fica feliz. (Beco Barroso, p. 12) Pergunta 5 O que as pessoas normalmente fazem quando compram cachorros? Resposta esperada: pagam o dono/ dão dinheiro ao dono da loja. (Beco Barroso, p.14) Pergunta 6 O que Beco Barroso faz todas as vezes que as outras pessoas compram os outros cachorros? Resposta esperada: chora. (Beco Barroso, p.23) Pergunta 7 O que os cachorros fazem todas as vezes que as pessoas entram na loja? Resposta esperada: Pulam nas pessoas. (Beco Barroso, p. 27) Pergunta 8 O que meninos malvados fazem com os cachorros? Resposta esperada: Puxam as orelhas dos cachorros. (Beco Barroso, p. 37) Pergunta 9 Há pessoas que gostam muito de cachorros. O que estas pessoas fazem quando os cachorros chegam perto delas? Resposta esperada: fazem carinho. (Beco Barroso, p. 18 e 28) Pergunta 10 O que as pessoas fazem quando compram os cachorros? Resposta esperada: Colocam coleira, pagam pelo cachorro. (Beco Barroso, p. 54) Pergunta 1 O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada: __________ escova os dentes. Pergunta 2 O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada: __________ lava as mãos. Pergunta 3 O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada: __________ toma banho. Pergunta 4 O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada: __________ corta as unhas. Pergunta 5 O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada: __________ penteia os cabelos. As questões de 6 a 8 referem-se a outro quadro, localizado no livro: O Aurélio com a Turma da Mônica - Página 48. Comando dado pela pesquisadora: este quadro mostra o dia a dia no sítio do Chico Bento. Fale para mim o que cada um faz. Pergunta 6 O pai do Chico Bento é muito trabalhador. O que ele faz todos os dias? Resposta esperada: capina. Pergunta 7 A mãe do Chico Bento trabalha muito no sítio. O que ela faz todos os dias? Resposta esperada: dá comida para as galinhas. Pergunta 8 O Chico Bento, pelo contrário, não gosta muito de trabalhar. O que ele faz enquanto todos trabalham? __________ Resposta esperada: dorme. Pergunta 9 As perguntas 9 e 10 referem-se à página 60. 9) Algumas pessoas têm profissão. O que a babá faz? (página 60) _________ Resposta esperada: passeia com o neném. Pergunta 10 O que a atleta faz? _________ Resposta esperada: corre. 270 3ª bateria: Tema - Gravuras relativas à profissão (Livro: O Aurélio com a Turma da Mônica – Páginas 58, 59 e 61) 4ª bateria: tema – Gravuras do livro: O Aurélio com a Turma da Mônica Pesquisadora: agora, você vai observar algumas Comando dado pela pesquisadora: as pessoas, de gravuras deste livro. Eu vou falar algumas frases e um modo geral, têm uma profissão. O que estas você vai completar de acordo com o que você está pessoas fazem? vendo nas gravuras. Pergunta 1 A mãe do Cascão é dona de casa. O que ela faz? Pergunta 1 Todos os dias, a professora _______ Resposta _________ Resposta esperada: varre a casa. (Página esperada: dá aula. (Página 14) 59) Pergunta 2 Todos os dias, a mamãe ________ Resposta esperada: Pergunta 2 Este homem é médico. O que ele faz? ________ Resposta esperada: examina o menino. (Página 59) Pergunta 3 Este homem é veterinário. O que ele faz? ___________ Resposta esperada: cuida dos animais. (Página 59) Pergunta 4 Este homem é carteiro. O que ele faz? __________ Resposta esperada: entrega a carta. (Página 59) Pergunta 5 Este rapaz trabalha no escritório. O que ele faz? ___________ Resposta esperada: mexe no computador. (Página 59) Pergunta 6 Este homem é garçom. O que ele faz? ___________ Resposta esperada: traz a comida. (Página 59) Pergunta 7 Esta menina é artista. O que ela faz? ___________ Resposta esperada: pinta um quadro. (Página 59) Pergunta 8 Este homem é pedreiro. O que ele faz? __________ Resposta esperada: conserta o telhado/constrói a casa. (Página 58) Pergunta 9 Este homem é faxineiro. O que ele faz? ___________ Resposta esperada: limpa o chão. (Página 61) Pergunta 10 Esta mulher é telefonista. O que ela faz? ____________ Resposta esperada: atende o telefone. (Página 61) dá comida para a filhinha/ faz comida. (Página 13) Pergunta 3 Nas noites escuras, o fantasma __________ Resposta esperada: assusta as pessoas. (Página 13) Pergunta 4 Quando faz calor, as pessoas _______ Resposta esperada: tomam banho. (Página 33) Pergunta 5 Esta mulher é lavadeira. Todos os dias, ela _______ Resposta esperada: lava roupa. (Página 41) Pergunta 6 Antes de ir para o trabalho, o papai _______ Resposta esperada: faz a barba. (Página 41) Pergunta 7 Todas as noites, as crianças ________ Resposta esperada: dormem. (Página 40) Pergunta 8 Quando os carros estragam. as pessoas levam o carro ao mecânico. Aí o mecânico _________ Resposta esperada: conserta o carro. (Página 63) Pergunta 9 Na escola, na hora do recreio, as crianças ________ Resposta esperada: brincam. (Página 64) Pergunta 10 Quando a Mônica vai à casa da vovó, a vovó ______ Resposta esperada: conta história. (Página 66) 271 5ª bateria: Tema - diversos Pergunta 1 Aqui estão as gravuras de coisas que cada uma das crianças faz sempre. Me fale o que cada uma delas faz sempre. Pergunta 1: Me fale o que esta criança faz. Resposta esperada: Estuda, lê. Pergunta 2: Me fale o que esta criança faz. Resposta esperada:Varre a casa. Pergunta 3: Me fale o que esta criança faz. 6ª bateria: Tema - diversos Pergunta 1 Me fale o que este menino faz todos os dias. Resposta esperada: ele estuda, escreve. Pergunta 2 Me fale o que esta menina faz todos os dias. Resposta esperada: Ela telefona. Pergunta 3 Me fale o que estas crianças fazem quando a professora vai tirar retrato. Resposta esperada: eles Resposta esperada: Dorme. sorriem. Pergunta 4: Me fale o que esta criança faz. Pergunta 4 Me fale o que estas crianças fazem todas as manhãs. Resposta esperada: Brinca com as plantas, abraça as Resposta esperada: elas vão para a escola. plantas. Pergunta 5 Pergunta 5: Me fale o que esta criança faz. Me fale o que estas crianças fazem na escolinha. Resposta esperada: escreve, estuda. Resposta esperada: elas pintam. Pergunta 6: Me fale o que esta criança faz. Pergunta 6 Me fale o que estas crianças fazem na escola todo Resposta esperada: Vê televisão. mês de julho. Resposta esperada: Enfeitam a sala com Pergunta 7 bandeirinhas. Nas férias, o Pato Donald gosta de ir à praia. Me fale Pergunta 7 o que ele faz lá. Resposta esperada: come pizza. Me fale o que estas crianças fazem nas férias. Resposta esperada: Elas nadam. Pergunta 8 Pergunta 8 Aqui, há um pato e uma pata. Nesta gravura, estão Me fale o que estas meninas fazem todas as manhãs. sendo retratadas coisas que os dois fazem ao final da Resposta esperada: Elas brincam de roda. tarde. Me fale o que o pato faz. Resposta esperada: Pergunta 9 fuma cachimbo. Me fale o que esse menino faz todas as manhãs. Pergunta 9 Resposta esperada: Ele vende jornais. Me fale o que a pata faz. Resposta esperada: descansa Pergunta 10 Os patinhos gostam de fazer coisas diferentes. Me na cadeira de balanço. Pergunta 10 fale uma das coisas que eles fazem nas férias. Nas férias, a Margarida gosta de ir ao campo. Me fale o que ela faz lá. Resposta esperada: anda pelos Resposta esperada: eles brincam, fazem mágica. campos, colhe flores. 272 A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação de tempo presente/ aspecto habitual. As gravuras pertenciam à bateria 3 e as perguntas eram: 1. A mãe do Cascão é dona de casa. O que ela faz? _________ . 2. Este homem é médico. O que ele faz? ________ . 3. 4. 5. 6. 7. Este homem é veterinário. O que ele faz? ___________. Este homem é carteiro. O que ele faz? __________ . Este rapaz trabalha no escritório. O que ele faz? ___________. Este homem é garçom. O que ele faz? ___________. Esta menina é artista. O que ela faz? ___________.