Tempo e aspecto no DEL

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1
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE LETRAS
Arabie Bezri Hermont
TEMPO E ASPECTO NO DEL
Rio de Janeiro
2005
2
ARABIE BEZRI HERMONT
TEMPO E ASPECTO NO DEL
UFRJ
V. I
3
Arabie Bezri Hermont
TEMPO E ASPECTO NO DEL
1 v.
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de PósGraduação em Lingüística, na Faculdade de Letras da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do título de
Doutora em Lingüística.
Orientador: Celso Vieira Novaes
Rio de Janeiro
2005
4
Hermont, Arabie Bezri.
Tempo e aspecto no DEL / Arabie Bezri
Hermont. Rio de Janeiro, 2005.
xviii, 273 f.
Tese (Doutorado em Lingüística) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de
Letras, 2005.
Orientador: Celso Vieira Novaes.
1. Déficit especificamente lingüístico. 2. Sintaxe.
3. Lingüística – Teses.
I.Novaes, Celso Vieira (Orient.). II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pós-Graduação
em Letras. III. Título.
5
Arabie Bezri Hermont
TEMPO E ASPECTO NO DEL
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2005
______________________________
(Celso Vieira Novaes, doutor, UFRJ)
______________________________
(Christina Abreu Gomes, doutora, UFRJ)
______________________________
(Márcia Maria Damaso Vieira, doutora, UFRJ)
______________________________
(Renata Mousinho Pereira da Silva, doutora, Faculdade de Medicina/UFRJ)
______________________________
( Ricardo Joseh Lima, doutor, UERJ)
______________________________
(Lílian Ferrari, doutora, UFRJ) - suplente
______________________________
(Mônica Maria Rio Nobre, doutora, Letras – Vernáculas/UFRJ) - suplente
6
Para Clarisse. Com certeza, você é o meu
capítulo mais brilhante!
7
AGRADECIMENTOS
Não poderia ser de outra forma: depois de nove anos, em primeiro lugar, devo e quero
agradecer ao Professor Celso Vieira Novaes, que me orientou desde o mestrado, e agora no
doutorado, nos caminhos da neurolingüística. Agradeço-lhe pela orientação, pela amizade,
pelas descobertas e vivências propiciadas durante todo este período em que estive sob sua
“guarda”.
O meu período de estudos no curso de doutorado na instituição UFRJ começou no
primeiro semestre de 2002. Mas, com certeza, a minha formação para o doutorado teve suas
raízes bem antes. Portanto, passo aqui a agradecer a todas as pessoas que, de alguma forma,
me ajudaram a chegar a esta etapa e a vencê-la.
Agradeço aos professores da minha graduação que me encontraram e me fizeram
enxergar os segredos da lingüística. Em especial, ao Professor Marco Antônio de Oliveira,
meu professor orientador de Iniciação Científica. Obrigada por ter me ajudado a enveredar
pelo reino da lingüística.
Obrigada também aos professores das diversas áreas do curso da pós-graduação da
Letras da UFRJ, que muito me acrescentaram: em especial à Professora Marília Facó e à
Professora Miriam Lemle, na ocasião do mestrado, e à Professora Lilian Ferrari, agora no
doutorado.
Agradeço ainda à Professora Letícia Maria Sicuro Corrêa, da PUC Rio, que me abriu
novos horizontes sobre o campo interessantíssimo da aquisição da linguagem.
De forma muito especial, quero agradecer ao amigo Ricardo Joseh Lima. Muito
obrigada pelas inúmeras trocas de informações, pelos textos indicados, pelas aulas
iluminadoras acerca do minimalismo, pelo incentivo constante!
Obrigada à Professora Márcia Maria Damaso Vieira pelos textos sugeridos na ocasião
do exame de qualificação. Em muito me ajudaram!
8
Quero, ainda, agradecer aos colegas, sem os quais não sobreviveríamos. Nely,
obrigada pela amizade e pelo companheirismo constante na construção dos testes e no
diagnóstico das crianças DEL. Patrícia, obrigada por tudo: pela acolhida em sua casa, pelas
trocas de idéias e pela amizade. Obrigada também ao Alessandro Boechat, pelos textos
sugeridos! Obrigada Marisa Silveira, pelas trocas de idéias acerca do DEL. Rosana do
Espírito Santo, obrigada pelas revisões feitas!
De forma muito especial, quero agradecer à criança VA e a toda sua família, por terem
me recebido de forma tão amável e colaborado incansavelmente durante todo o processo de
aplicação de testes. Quero agradecer também às crianças que serviram de controle e a seus
pais por terem concedido a oportunidade de aplicação de testes.
Agradeço ainda à psicóloga Ana Cecília Araújo de Morais Coutinho por ter aplicado
os testes de QI na criança DEL investigada nesta pesquisa, de forma ética e criteriosa.
Agradeço também às amigas da Escola Municipal Honorina Rabello, por terem
colaborado direta e indiretamente na realização deste trabalho. Em especial, agradeço às
diretoras Janaína, Simone, Patrícia e Ivone e à professora Noêmia. Agradeço ainda às
profissionais da Escola Estadual Marechal Deodoro, por terem permitido a aplicação de testes
em algumas crianças sem problemas de linguagem.
Certa vez, alguém me disse que, no período de doutorado, o doutorando deve “trancar
sua vida no armário” e viver somente as questões do trabalho a ser desenvolvido. Bom,
comigo isso foi quase impossível. Ainda que tenha respirado tese, textos de Chomsky, textos
sobre tempo e aspecto, textos sobre DEL, textos sobre testes, os próprios testes e a redação do
meu texto, muitas mudanças em minha vida ocorreram e, para eu dar conta de tudo isso, tive
que contar com a ajuda de algumas pessoas, que aqui agradeço: minha mãe, obrigada pelo
exemplo incansável de perseverança e por me apoiar em todos os momentos difíceis nestes
quatro anos. Obrigada Dona Edith, por ter me concedido um “escritório” para desenvolver
meu trabalho. Obrigada Anice, por ter me ajudado na apresentação final do trabalho.
9
Obrigada Elma, por cuidar, com tanto carinho, da minha filha nos momentos em que não pude
estar presente. Olinta, obrigada por tudo!
Quero agradecer, por fim, ao meu marido, que jura que sabe tudo sobre Chomsky,
Minimalismo e DEL. Obrigada por me ouvir e por me encorajar durante todo este período de
tanto trabalho.
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RESUMO
HERMONT, Arabie Bezri. Tempo e aspecto no DEL.
Orientador: Celso Vieira Novaes. Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 2005. Tese.
Esta tese teve como objetivo principal entender como as categorias funcionais, tempo
e aspecto, estão representadas na gramática da criança com déficit especificamente
lingüístico. Para realizarmos o objetivo que nos propusemos a cumprir, fizemos um estudo
descritivo detalhado, apresentando várias propostas que visam a explicar o status das
categorias funcionais na gramática mental das crianças em fase normal de aquisição de
linguagem. Apresentamos, ainda, várias propostas que visam a dar explicações para os
fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala da criança DEL. Elaboramos testes de eliciação de
tempo e aspecto e aplicamo-nos em uma criança diagnosticada como sendo DEL. Os
resultados obtidos após a eliciação nos mostraram que, nas sentenças produzidas por tal
criança, ora há presença de morfemas de tempo e de aspecto verbal, ora há somente um desses
morfemas. Desta forma, obtivemos muitos dados em que evidenciamos, na fala da criança
DEL pesquisada nesta tese, sentenças com somente morfemas de tempo e sentenças com
somente morfemas de aspecto. Sugerimos que, nos moldes de Wexler (1998), na gramática da
criança DEL há uma propriedade caracterizada por uma restrição de checagem (ou valoração)
única de traços. Desta forma, acreditamos ter dado uma explicação para os dados obtidos: ora
há somente valoração dos traços de tempo verbal, ora há somente valoração de traços de
aspecto verbal. Derivando destes achados, propusemos que a categoria Tempo deva ser
dividida, na árvore sintática, em tempo e aspecto.
11
ABSTRACT
HERMONT, Arabie Bezri. Tense and aspect in the SLI. Orientador: Celso Vieira Novaes.
Rio de Janeiro: UFRJ/CLA/FL, 2005. Tese.
This thesis had as its main goal understanding the way the functional categories, tense and
aspect, are represented in the grammar of the child with Specific Language Impairment. To
fulfil the goal we had stated, we took a detailed descriptive study on different proposals that
aimed at explaining the status of functional categories in the children’s mental grammar
within normal phase of language acquisition. We still present some other proposals that aimed
at explaining the linguistic phenomena that occurred in the SLI child’s speech. We elaborated
tense and aspect elicitation tests and applied them on a SLI diagnosed child. The results we
got after the elicitation showed that in the sentences produced by the SLI child there are
sometimes either verbal aspect and tense, or, some other times just one of these morphemes.
This way we got a wide range of data in which we found, in the speech of the SLI child
researched in this thesis, sentences with just tense morphemes and sentences with just aspect
morphemes. We suggest that, according to Wexler (1998), in the grammar of the SLI child
there is a propriety characterized by a unique checking constraint (or valuation). Thus
thinking, we believe that we have explained the obtained data in a way which either shows
there is just valuation of the verbal tense features or just valuation of the verbal aspect
features. As a derivation of these findings, we propose that the tense category should be split,
in the syntactic tree, into tense and aspect.
12
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - VERBOS FINITOS E NÃO FINITOS E SUA RELAÇÃO
COM QUANTIFICADORES, PARTÍCULAS DE NEGAÇÃO E
ADVÉRBIOS EM INGLÊS E FRANCÊS, SEGUNDO ESTUDO
DE POLLOCK (1989)........................ ................................................................................59
QUADRO 2 – RELAÇÃO FINITUDE VERSUS CASO, NO ESTUDO
DE WEXLER (1998) ..........................................................................................................99
QUADRO 3 – RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO
DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS
EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM .......................................106
QUADRO 4 – RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE
ASPECTO POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO
DE LINGUAGEM.............................................................................................................115
QUADRO 5 - RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO
DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS
DEL.....................................................................................................................................147
QUADRO 6 – RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO
– VA E CONTROLES......................................................................................................179
QUADRO 7 – RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – VA E
CONTROLES....................................................................................................................181
QUADRO 8 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E
ASPECTO PROGRESSIVO – VA E CONTROLES....................................................186
13
QUADRO 9 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO
– VA E CONTROLES......................................................................................................188
QUADRO 10 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E
ASPECTO PERFECTIVO – VA E CONTROLES.......................................................195
QUADRO 11 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO
– VA E CONTROLES......................................................................................................196
QUADRO 12 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA
E CONTROLES................................................................................................................200
QUADRO 13 - RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – VA E
CONTROLES....................................................................................................................201
QUADRO 14 – RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – DA
E CONTROLES................................................................................................................205
QUADRO 15 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E
ASPECTO PROGRESSIVO – DA E CONTROLES ...................................................205
QUADRO 16 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E
ASPECTO PERFECTIVO – DA E CONTROLES.......................................................205
QUADRO 17 - RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – DA
14
ECONTROLES.................................................................................................................206
QUADRO 18 – SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRETÉRITO PERFEITO/
ASPECTO PERFECTIVO, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA
JÚNIOR.............................................................................................................................229
QUADRO 19– SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRESENTE/
ASPECTO HABITUAL, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA
JÚNIOR.............................................................................................................................229
15
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................18
1
DÉFICIT
ESPECIFICAMENTE
LINGÜÍSTICO.......................................................21
1.1 CRIANÇAS COM DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO –
CRIANÇAS DEL..........................................................................................................21
1.2 EXEMPLOS DE FALA PRODUZIDA POR UMA CRIANÇA DEL
FALANTE DO PORTUGUÊS BRASILEIRO.............................................................32
1.2.1 O reconto feito pela criança..........................................................................32
1.2.2 Algumas respostas dadas pela criança.........................................................34
1.2.3 Uma entrevista feita com a criança..............................................................34
1.3 QUAL É A ORIGEM DO DEL?....................................................................................37
2 QUADRO TEÓRICO......................................................................................................42
2.1 O PROGRAMA MINIMALISTA..................................................................................42
2.2 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE CATEGORIAS FUNCIONAIS –
TEMPO E CONCORDÂNCIA.......................................................................................54
2.2.1 Aspecto verbal.................................................................................................73
3. CARACTERIZAÇÃO DAS GRAMÁTICAS DE
CRIANÇAS EM FASE DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM...................................85
3.1 MODELO DE FIXAÇÃO DE PARÂMETROS............................................................85
3.2 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS
PRECISAM SER ADQUIRIDAS...................................................................................88
3.3 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS
NÃO PRECISAM SER ADQUIRIDAS.........................................................................94
3.4 ABORDAGENS QUE TRATAM DA AQUISIÇÃO DE ASPECTO VERBAL........109
4 CATEGORIAS FUNCIONAIS NA GRAMÁTICA
MENTAL DE CRIANÇAS DEL.................................................................................116
4.1 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO COGNITIVO MAIS GERAL...................118
4.2 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO....................................................................120
4.2.1 DEL: Déficit na produção/articulação.............................................................120
16
4.2.2 DEL: Déficit De Processamento Perceptual Ou Hipótese
de superfície.............................................................................................................121
4.3 DEL: DÉFICIT LINGÜÍSTICO ESTRUTURAL.......................................................125
4.3.1 DEL: utilização de mecanismos compensatórios..........................................125
4.3.2 DEL: déficit especificamente de concordância..............................................130
4.3.3 DEL: dificuldade com estruturas complexas computacionalmente............134
4.3.4 DEL: comprometimento de princípio de economia......................................137
4.3.5 DEL: omissão de concordância e/ou tempo..................................................141
4.4 REITERANDO OS NOSSOS OBJETIVOS................................................................149
5 METODOLOGIA..........................................................................................................151
5.1 A AMOSTRA...............................................................................................................151
5.1.1 A criança DEL selecionada para esta pesquisa...............................................152
5.1.1.1 Os critérios usados para seleção de VA............................................................154
5.1.2. As crianças sem problemas de linguagem.......................................................156
5.2 OS TESTES .................................................................................................................158
5.2.1 Os testes de eliciação de tempo e de aspecto...................................................159
5.2.1.1 Os contextos criados na elaboração dos testes de eliciação de tempo e
aspecto.............................................................................................................159
5.2.1.2 A eliciação de tempo e aspecto.......................................................................161
5.2.1.3 Como interpretar os resultados........................................................................174
5.2.2 Os testes de produção de concordância..........................................................175
6 RESULTADOS...............................................................................................................178
6.1 RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO E ASPECTO VERBAL..................................................................................178
6.1.1 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo
PRESENTE e aspecto PROGRESSIVO..........................................................179
6.1.2 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo
PRETÉRITO IMPERFEITO e aspecto PROGRESSIVO............................186
6.1.3 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo
PRETÉRITO PERFEITO e aspecto PERFECTIVO.....................................195
6.1.4 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo
PRESENTE e aspecto HABITUAL..................................................................199
6.1.5 Outros dados advindos de testes com DEL ratificam os
17
resultados encontrados para VA......................................................................204
6.2 RESULTADOS OBTIDOS APÓS APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO
DE CONCORDÂNCIA VERBAL.....................................................................................208
7. DISCUSSÃO DOS DADOS..........................................................................................211
7.1 UM DIÁLOGO COM OS AUTORES QUE VISAM A EXPLICAR O DÉFICIT
LINGÜÍSTICO DO INDIVÍDUO DEL.......................................................................211
7.2 A CISÃO DE TEMPO.................................................................................................215
7.3 ASPECTO ANTES DE TEMPO NA GRAMÁTICA DO DEL?................................222
7.4 A RESTRIÇÃO DE CHECAGEM ÚNICA PARA EXPLICAR OS DADOS DO
DEL.............................................................................................................................223
7.5 TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO PARA O SURGIMENTO DE FORMAS
ESPERADAS E NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE
TEMPO E DE ASPECTO VERBAL...........................................................................227
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................234
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................242
10 ANEXOS...................................................................................................................................250
18
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, houve um crescimento expressivo de desenvolvimento de pesquisas
nas áreas que investigam o status das categorias funcionais na gramática mental de indivíduos
adultos. Muitos desses estudos têm recebido contribuições de análises de gramáticas de
crianças em fase de aquisição de linguagem. E isso tem sido feito em pelo menos duas
vertentes: estudo da gramática da criança em fase normal de aquisição da linguagem e estudo
da gramática da criança com Déficit Especificamente Lingüístico ou criança DEL.
As crianças DEL demonstram dificuldade na aquisição da linguagem, embora não
tenham outros comprometimentos, tais como auditivo, neurológico ou de inteligência. A idéia
é que tais crianças tenham, como o próprio nome aponta, problemas exclusivamente na
aquisição da linguagem. Por isso, estudos da gramática do indivíduo DEL podem contribuir
para um melhor entendimento das teorias que visam a estudar a organização da linguagem e
seu desenvolvimento, perspectiva na qual se insere a Teoria Gerativa.
Esta pesquisa adotará, como quadro teórico, os pressupostos da Teoria Gerativa, a qual
assume que o conhecimento lingüístico pode ser explicado levando-se em conta a natureza da
mente e, ao trabalhar a questão da linguagem, aponta a existência de um conhecimento inato,
codificado biologicamente, que é a Gramática Universal. Além do pressuposto inatista, a
gramática gerativa assume que a mente é organizada em módulos e que a faculdade da
linguagem é um desses módulos. A faculdade da linguagem, por sua vez, é vista como
modular, sendo a sintaxe, um módulo constituinte da faculdade da linguagem.
Outro pressuposto da gramática gerativa é que ela seria regida pelo critério da
universalidade, no sentido de que há princípios gerais que explicam a organização das línguas
naturais. Mas, se a Gramática Universal estabelece que há princípios universais, indica
também que há parâmetros a serem escolhidos. Chomsky tem afirmado em diversos escritos
19
que os parâmetros são motivados por diferenças morfológicas, o que tem estimulado o
desenvolvimento dos estudos sobre as categorias funcionais.
O que se pensava em relação às categorias funcionais, como sendo um conjunto de
traços ocupando um mesmo nódulo na gramática mental, passou a ser encarado, depois de
Pollock (1989), como algo que poderia ser dividido: ou seja, os traços de tempo e de
concordância estariam separadamente representados.
Detendo-nos um pouco mais em estudos acerca da categoria flexional tempo, podemos
indicar que ela seria aquela que resguardaria noção de tempo verbal, mas também de aspecto
verbal. Tempo, nesta perspectiva, situaria o momento de ocorrência de uma dada situação no
passado, no presente ou no futuro. Já aspecto verbal estaria ligado a diferentes formas de
verificar a constituição temporal interna da situação, ou seja, sua duração: se conclusa ou se
inconclusa.
O objetivo desta tese, portanto, é entender como as categorias, tempo e aspecto, estão
representadas nas gramáticas de crianças com déficit especificamente lingüístico,
contribuindo, então, para a discussão a respeito da representação de tais categorias na
gramática de indivíduos adultos sem problemas de linguagem. Para tanto, faremos um estudo
de caso, no qual verificaremos as categorias ora delineadas na fala de uma criança
diagnosticada como DEL.
A hipótese estabelecida nesta tese é que a camada flexional é dividida em pelo menos
duas projeções: uma específica de tempo e outra de natureza aspectual.
Este trabalho está organizado da seguinte forma: no primeiro capítulo, apresentamos a
caracterização do déficit especificamente lingüístico, trazendo abordagens que sugerem a
hipótese da hereditariedade da dificuldade em adquirir linguagem. No capítulo 2,
explicitaremos o quadro teórico, no qual este trabalho se baseia. Nele, apresentaremos
pressupostos básicos acerca dos Princípios & Parâmetros dentro do Programa Minimalista e
faremos um histórico dos estudos acerca das categorias funcionais sob a perspectiva
20
gerativista. No capítulo 3, apresentaremos abordagens que visam a dar uma caracterização das
gramáticas de crianças em fase de aquisição de linguagem. No capítulo 4, apresentaremos
várias propostas que visam a explicar o déficit gramatical das crianças DEL. No capítulo 5,
apresentaremos a metodologia para a realização da nossa pesquisa. Em seguida, no capítulo 6,
apontaremos os resultados dos testes aplicados e, no capítulo 7, apresentaremos uma
discussão acerca dos dados obtidos em nossa pesquisa, fazendo uma proposta de cisão da
categoria tempo na árvore sintática, em tempo e aspecto. Apresentaremos também uma
explicação para a ocorrência e não ocorrência de morfemas relativos à flexão de tempo e de
aspecto na gramática de crianças DEL. Por fim, no capítulo 8, faremos as considerações
finais.
21
1
DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO
Este capítulo tem o objetivo de apresentar uma visão geral a respeito das “crianças
com déficit especificamente lingüístico” ou crianças DEL. Serão apontadas algumas
características a respeito dos indivíduos que têm tal dificuldade de linguagem e, em seguida,
serão apresentados alguns trechos de falas da criança DEL investigada neste estudo, para que
seja possível uma melhor compreensão do que vem a ser a fala de uma criança DEL. Na seção
posterior, serão revisadas algumas evidências que sustentam a sugestão de causa genética para
a dificuldade em adquirir linguagem por parte de algumas crianças em fase de aquisição de
linguagem.
1.1 CRIANÇAS COM DÉFICIT ESPECIFICAMENTE LINGÜÍSTICO – CRIANÇAS
DEL
SLI - Specific Language Impairment -, traduzido para o português como Déficit
Especificamente Lingüístico – doravante DEL -, diz respeito à dificuldade de algumas
crianças ao adquirir a língua.
Os estudos sobre DEL são feitos há cerca de 150 anos e o déficit já teve várias
denominações. O DEL já foi conhecido como afasia congênita, desenvolvimento atrasado da
fala, afasia infantil, afasia do desenvolvimento ou, ainda, disfasia do desenvolvimento. Este
último termo surgiu porque o prefixo “a-” de “afasia” implicava ausência de linguagem, o que
não correspondia aos fatos, e o prefixo “dis-” designaria somente problemas de linguagem. O
termo, cuja abreviação é DEL, é mais usado nos dias de hoje, fazendo alusão ao fato de que as
crianças com tais problemas de linguagem teriam, em princípio, problemas exclusivamente
lingüísticos.
22
Conforme apontado, os estudos sobre DEL não são novos. Já em 1822, Gall (17581828) publicou uma descrição de crianças que tinham problemas de linguagem, mas que não
pareciam ter problemas de outra natureza.
There are many children... who do not speak to the same degree as other children
althougt they understand well or are far from being idiotic. In these cases the trouble
lies not in the vocal organs, as ignorant sometimes insist, and still less in the
apathetic state of the subject. Such children, on the contrary, show great physical
vivacity. They not only skip about but pass from one idea to another with great
rapidity. If one holds them and pronounces a word in their ear, they repeat it
distinctly. 1(GALL in LEONARD, 1998, P.5-6)
Outro trabalho pioneiro que é bastante indicado na literatura sobre DEL foi realizado
por um neurologista alemão, Albrecht Liebmann (in Clahsen et al., 1997b, p. 151 e Leonard,
1998, p.6), que observou, em 1901, uma desordem ou atraso na aquisição da linguagem que é
caracterizada por vários problemas no desenvolvimento normal da morfossintaxe em sujeitos
que não pareciam ter déficits não lingüísticos claros. Liebmann (op. cit.) denominou esta
síndrome de Agrammatismus infantilis, pois ocorria freqüentemente em crianças e elaborou
uma classificação básica dos sintomas lingüísticos, além de distinguir três tipos de
comprometimento. O primeiro tipo dizia respeito ao déficit ligado à dificuldade motora
propriamente dita. O segundo tipo relacionava-se às crianças que poderiam compreender
poucas palavras. O terceiro tipo apontado por Liebmann envolvia crianças que perdiam
completamente a habilidade de compreender linguagem. Ainda neste último caso, o
neurologista indicou que as crianças com tal dificuldade lingüística combinavam palavras não
flexionadas para formar pequenas sentenças.
Um outro estudo que apresentou caracterizações acerca da noção de DEL data de 1964
e foi feito por Benton, o qual apontou DEL como afasia infantil e indicou o distúrbio como
sendo:
The relative specific failure of the normal growth of language functions... the
disability is called a 'specific' one because it cannot readily be ascribed to those
1
Há várias crianças... que não falam na mesma proporção que as outras crianças, embora elas entendam bem ou
estejam longe de ser idiotas. Nestes casos, o problema reside não nos órgãos vocais, como o ignorante algumas
vezes insiste, e ainda menos em estado de apatia do sujeito. Tais crianças, pelo contrário, demonstram grande
vivacidade física. Elas não só pulam, como também passam de uma idéia para outra com grande rapidez. Se
alguém as chama e fala uma palavra em seu ouvido, elas repetem-na distintamente. (Tradução nossa.)
23
factors which often provide the general setting in which failure of language
development is usually observed, namely, deafness, mental deficiency, motor
disability or severe personality disorder.2 (BENTON, 1964 in TOMBLIN, 1997, p.
91)
Avançando um pouco mais na discussão, podemos apresentar Benson e Geschwind
(1985) que estudaram os sintomas mais freqüentes na fala do indivíduo DEL: output verbal
esparso (menos que 50 palavras por minuto), considerável esforço para produzir palavras,
articulação pobre de sons da fala, uma tendência a produzir frases de comprimento pequeno
(freqüentemente uma palavra), perda de alguma melodia (disprosódia) e qualidades flexionais
da linguagem, além de uma tendência a usar somente palavras de conteúdo significativas. Um
traço saliente é o agramatismo, ou seja, uma tendência a omitir terminações sintáticas, tais
como tempo verbal e plurais.
Enfim, o que se percebe, nos estudos sobre DEL, é que há uma percepção de que o
desenvolvimento lingüístico que ocorre na criança DEL difere daquele que ocorre com
crianças sem problemas de linguagem.
Ainda que os sintomas citados acima sejam comuns e aceitos pelos estudiosos da área,
o critério de diagnóstico não é claramente definido. De um modo geral, o critério específico
para diagnosticar uma criança DEL é feito pela exclusão. Ou seja, a criança DEL tem
dificuldade em relação à aquisição de linguagem, embora não deva ter problema de
retardamento mental ou autismo, problemas nas habilidades motoras ou, ainda, surdez. Além
disso, é consenso que a criança DEL deva ter seu quociente de inteligência (QI) não verbal3
igual ou superior a 85. Se a criança não tiver nenhum dos distúrbios assinalados, tiver o QI
indicado e, além disso, tiver dificuldade na aquisição de linguagem, ela pode ser caracterizada
como DEL.
2
“A falha específica da aquisição normal das funções da linguagem... A falta de habilidade é chamada de
"específica" porque não pode ser prontamente descrita por aqueles fatores que freqüentemente fornecem pistas
para a configuração de uma falha do desenvolvimento da linguagem, tais como surdez, deficiência mental, não
habilidade motora ou severa desordem na personalidade”. (Tradução nossa).
3
O QI (quociente de inteligência) não verbal, em contraposição ao QI verbal, é aquele que mede a inteligência
de um indivíduo em atividades que não requerem a linguagem.
24
Abaixo, explicitaremos cada um dos critérios normalmente usados para o diagnóstico
do DEL, baseando-nos em Leonard (1998).
Vários comprometimentos neurológicos podem levar um indivíduo a ter problemas de
linguagem. Portanto, para que se faça um diagnóstico do DEL de forma adequada, descarta-se
a criança que tem problemas de tal natureza. Dessa forma, a criança, para ser considerada
DEL, não pode ter tido traumatismos ou lesões cerebrais. Além disso, a criança DEL não deve
ter sintomas de interação social recíproca comprometida ou restrições de atividades listadas
como critérios para o diagnóstico de autismo.
As crianças com anormalidades na estrutura e função orais não são incluídas na
categoria DEL. Conforme Leonard (op. cit., p 18) nos indica, um screening das habilidades
orais constitui uma parte regular da bateria de diagnóstico de DEL. Os movimentos orais
devem incluir arredondamento e fechamento de lábios, abaixamento de lábio inferior,
projeção da língua para fora da boca e movimento da língua de um lado para outro. Vale dizer
que todos estes movimentos já são bem controlados por crianças em fase normal de aquisição
de linguagem aos três anos e meio.
A classificação de um indivíduo DEL também deve descartar qualquer problema de
sensibilidade auditiva. Por isso, muitos pesquisadores e profissionais da saúde que trabalham
no diagnóstico do DEL pedem para o paciente fazer uma verificação da audição. De um modo
geral, o exame requer que a criança detecte tons puros apresentados em 20 decibéis em cada
ouvido, na freqüência de 500, 1000, 2000 e 4000 hertz.
Um dos critérios principais para que seja feito um diagnóstico apropriado do indivíduo
DEL está relacionado à marcação do QI não verbal, que, conforme já dito, não deve ser
inferior a 85. Entretanto, muitos trabalhos que investigam habilidades não lingüísticas em
crianças DEL parecem apresentar dados indicando que tais crianças têm um desempenho, às
vezes, inferior ao desempenho de crianças sem problemas de linguagem da mesma idade ou
de crianças que têm, em sua fala, o mesmo número de palavras por minuto (MLU: Mean
25
Lenght Utterance4). Para os investigadores que implementam testes dessa natureza, o
comprometimento lingüístico deve-se a um comprometimento maior, nas habilidades
cognitivas. Em contraposição, para outros pesquisadores, há a visão que os dois sistemas
podem até estar comprometidos, mas isso não ocorreria porque eles são integralmente
relacionados. Nesta perspectiva, os dois sistemas seriam considerados independentes.
É importante dizer que, a despeito de haver um consenso de que existem crianças com
o déficit especificamente lingüístico, não há consenso em relação a um perfil homogêneo da
criança DEL. Antes, a classificação de DEL pode (e certamente o faz) apresentar um alto grau
de heterogeneidade dentro da categoria. Isso porque a criança com DEL ora apresenta
problemas relativos à produção lingüística, com compreensão preservada, ora apresenta as
duas habilidades comprometidas. Em outros momentos, em relação a crianças sem problemas
de linguagem, algumas crianças DEL são mais atrasadas na aquisição de morfemas
gramaticais e outras crianças podem apresentar os mesmos problemas lingüísticos, mas de
forma mais branda. Esta variabilidade pode ser refletida em vários outros domínios da
linguagem.
Segundo Leonard (op. cit., p. 23), DEL é uma terminologia para classificação de
crianças com problemas de linguagem. Entretanto, para o autor, tal denominação deve mudar
até o momento em que as categorias de diagnóstico do DEL sejam refinadas. Para Leonard, há
subgrupos de DEL. Dentro deste espírito, van der Lely e Stollwerck (1996) vão além. Em seu
artigo, identificam um grupo de crianças DEL, que elas denominam de crianças DEL
Gramatical. A dificuldade dessas crianças estaria relacionada à morfologia flexional. Tais
indivíduos, por exemplo, omitiriam, freqüentemente, marca de tempo e concordância entre
sujeito e verbo.
Para Leonard (op. cit., p. 184), um dos pontos que pode desencadear a constatação de
vários subtipos de crianças DEL, dentro de uma categoria maior de crianças com problemas
4
Na subseção 5.1.2, apresentaremos mais esclarecimentos do que vem a ser MLU.
26
lingüísticos, estaria relacionado à marcação do QI em 85 ou mais. Ou seja, algumas crianças
DEL podem ter QI 85, outras 90. Entretanto, uma fronteira de inteligência tem que ser
demarcada e, conforme nos assinala o autor, os participantes de pesquisas classificados como
sendo DEL que tiverem a marcação de QI de no mínimo 85 estão seguramente livres de serem
associados ao retardamento mental. Do ponto de vista das categorias de diagnóstico, a
variação entre 70 e 84 constitui um tipo de “marcação de fronteira” da inteligência. Um
diagnóstico de retardamento mental leve requer um QI oscilando entre 55 e 69.
Embora os comprometimentos da linguagem sejam, de um modo geral, heterogêneos,
algo em comum nesses comprometimentos da linguagem é que as crianças apresentam sinais
de problemas logo no começo de sua aquisição da linguagem. É fato comum pais de crianças
DEL queixarem-se que sua criança é lenta para começar a falar. Indicam também que não
observam, em seus filhos, uma evolução da linguagem freqüentemente observada em crianças
entre 18 e 24 meses. Esse atraso no início da aquisição da linguagem e no desenvolvimento da
linguagem persiste na pré-escola e nos anos escolares seguintes. Há inclusive evidências de
resíduos de dificuldades relacionadas à linguagem na fase adulta, conforme nos traz Tomblin,
Freese e Records (1992).
Segundo Leonard (op. cit., p. 183), nem todas as crianças que começam a falar mais
tarde serão diagnosticadas como sendo DEL, mas, de acordo com pesquisas, cerca de 1/4 à
metade de tais crianças serão diagnosticadas como DEL em idade escolar. Na verdade, a
população de crianças DEL em idade escolar perfaz um total de cerca de 7% das crianças.
Este não é um universo pequeno e muitos pesquisadores, quando vão em busca de crianças
DEL para serem investigadas, procuram-nas inicialmente em escolas. Um dos fatores que
ajudam na detecção das crianças DEL em ambientes escolares é que, muitas vezes, essas
crianças também apresentam problemas na aquisição de leitura e de escrita (cf. Leonard,
1998).
27
Para Rice e Wexler (1995), uma idade boa para diagnosticar-se o DEL é por volta de
cinco anos, pois, nesta ocasião, espera-se que o desenvolvimento morfológico das crianças já
corresponda ao da gramática do adulto.
A fim de dar mais dados acerca da linguagem do indivíduo DEL, abaixo, passamos a
explicitar sobre as características fonológicas, lexicais e morfossintáticas da fala da criança
DEL.
De acordo com Leonard (op. cit., p. 71), durante os anos escolares, se as crianças têm
problemas nas habilidades lexicais e morfossintáticas, elas quase sempre demonstram uma
dificuldade nos aspectos fonológicos também. Se, por outro lado, elas são identificadas por
seus problemas fonológicos inicialmente, a maioria também terá problemas em outros
domínios da linguagem. Para o autor, as crianças DEL, embora adquiram os fonemas de um
modo geral mais tardiamente que as crianças em fase normal de aquisição de linguagem, elas
adquirem os fonemas /n/, /m/, /b/ e /w/ primeiramente em relação aos fonemas /s/ e /v/, por
exemplo.
Em Leonard (op. cit., p. 74), há a apresentação de alguns processos fonológicos que
ocorrem na fala de crianças em fase normal de aquisição de linguagem, a saber: redução de
grupos de consoantes (por exemplo, snow é falado como [no]), apagamento de consoante final
(por exemplo, boat é falado como [bo]), transformação de uma líquida em glide5 (por
exemplo, read é falado como [wid]); um som pré-vocálico surdo é sonorizado (por exemplo,
two é falado como [du]); preferência por sons oclusivos (por exemplo, food é falado como
[pud]); assimilação da velar (por exemplo, dog é falado como [gog]); apagamento de sílaba
fraca no início da palavra (por exemplo, away é falado como [we]). Segundo o autor, todos
estes processos são presentes, uns mais outros menos, na fala da criança DEL, sendo que
alguns processos podem continuar na fala do DEL até a fase adulta.
5
Glide é um termo em inglês usado em FONÉTICA para indicar um som de TRANSPOSIÇÃO quando os
ÓRGÃOS DA FALA se movimentam em direção a uma ARTICULAÇÃO ou se afastam dela (...). Como não
são nem CONSOANTES nem VOGAIS, os glides costumam ser denominados semiconsoantes ou semivogais
(têm uma QUALIDADE vocálica e uma DISTRIBUIÇÃO consonantal). São exemplos o [“i”] e o [“u”] de
poleiro, coisa e pauta. (Crystal, 2000, p.126).
28
Em relação às habilidades lexicais, conforme já apontado, as crianças DEL
apresentam, em suas falas, as primeiras palavras muito tardiamente, relativamente às crianças
em fase normal de aquisição de linguagem. Em van der Lely (1997), a criança DEL por ela
investigada, aos cinco anos, falava apenas três palavras: “mamãe”, “papai” e um nome
próprio. De acordo com Leonard (op. cit., p. 44), para as crianças DEL, a combinação de duas
ou mais palavras ocorre por volta dos 37 meses, sendo que o mesmo ocorre por volta dos 17
meses para as crianças sem problemas de linguagem.
De um modo geral, as crianças DEL compreendem e produzem mais nomes que
verbos e, de forma geral, compreendem melhor que produzem tais palavras. Leonard (op. cit.)
apresenta ainda pesquisas nas quais as crianças DEL são mais lentas ou mesmo mais
incapazes que crianças em fase normal de aquisição de linguagem para encontrar a palavra
adequada em situação de teste que visava a levar a criança a nomear determinados objetos em
um quadro. O autor indica também que as crianças DEL apresentam mais cedo verbos
indicando ações intransitivas em detrimento de ações transitivas. As crianças DEL ainda
omitem mais sujeitos do que objetos de sua sentença.
Em relação aos aspectos morfossintáticos, inúmeros trabalhos foram realizados,
principalmente nas últimas décadas. Os objetivos, de um modo geral, dentre outros, eram os
de verificar, na fala do DEL, ordem de palavras, o uso da flexão de concordância e da flexão
de tempo em verbos, além do uso de verbos auxiliares e de pronomes.
No que diz respeito à ordem de palavras, Paul e Fisher (1985, in Leonard, (1998))
realizaram um teste de compreensão com sentenças ativas e passivas. As crianças DEL
saíram-se melhor nas tarefas em que se tinha que compreender as sentenças ativas.
Em relação à flexão de concordância e de tempo em verbos e ao uso de verbos
auxiliares, podemos citar Rice, Wexler e Cleave (1995). Neste trabalho, ficou evidenciado
que as crianças DEL revelaram um desempenho inferior ao das crianças em fase normal de
29
aquisição de linguagem no uso de tempo passado de verbos regulares, de concordância para
terceira pessoa do singular, e de cópulas e auxiliares, do tipo “be”.
Se por um lado o tema que diz respeito ao comprometimento de uso de tempo verbal
no passado, na fala da criança DEL, é quase ponto pacífico, há propostas de explicações para
o fenômeno que são bastante distintas entre si. No capítulo 4, apresentaremos, de forma
detalhada, várias abordagens que nos falam sobre a aquisição de tempo passado por parte de
crianças DEL.
Somente a título de complementar a descrição sobre DEL, feita nesta seção,
apresentaremos sucintamente algumas delas. Gopnik e Crago (1991), além de verificarem
problemas no uso de tempo passado na fala do DEL, verificaram comprometimento também
de aspecto verbal. Para as autoras, os indivíduos DEL não teriam as regras regulares de
flexão. Jakubowicz e Nash (2001) igualmente consideram que as crianças DEL têm mais
problemas com estruturas com tempo verbal no passado do que com tempo verbal no
presente. Para elas, as primeiras seriam mais difíceis de serem produzidas por crianças DEL
do que aquelas em que o tempo verbal está no presente. Vale dizer que o trabalho das autoras
foi baseado em estudo de dados em língua francesa. Temos ainda a abordagem de van der
Lely (1998), que apresenta uma proposta de explicação para o déficit lingüístico de crianças
DEL, no qual um comprometimento no uso de tempo verbal no passado estaria ligado a uma
falha em um dos princípios de economia, mais precisamente no segundo princípio de
economia do Último Recurso6. Rice e Wexler (1995), Wexler, Schütze e Rice (1998), Wexler,
Schaeffer e Bol (2004) consideram que o problema lingüístico dos indivíduos DEL está ligado
a uma extensão do período crítico, período dentro do qual a criança deveria adquirir
linguagem sem esforço, como ocorre com a aquisição de língua materna por parte de crianças
sem problemas de linguagem. A criança DEL, neste caso, estenderia o processo por um tempo
6
Veremos os conceitos de Princípios de Economia no capítulo 2.
30
mais longo ou indefinidamente. Conforme dito, tais abordagens serão mais bem detalhadas no
capítulo 4.
Há um autor para o qual as crianças DEL não apresentam problemas de flexão de
tempo passado em verbos: Clahsen (1989) e outros trabalhos em que se insere. Para ele, as
crianças DEL apresentariam problemas concernentes à concordância e toda sua abordagem
gira em torno deste ponto de vista. Contrariamente a Clahsen (op. cit.), Rice e Öetting (1993)
elaboraram um teste e aplicaram-no em crianças DEL e em crianças com o mesmo MLU das
crianças DEL, a fim de verificar o uso de plural em nomes, marcado por “-s”, e o uso da
flexão de terceira pessoa no singular, igualmente marcado por “-s”. Embora as crianças DEL
tenham se saído um pouco pior que as crianças controle, ambos os grupos tiveram um
desempenho acima da chance, 83% para as crianças DEL e 93% para as crianças controle. Ou
seja, para Rice e Öetting (op. cit.), as crianças DEL não teriam problemas com concordância.
Ainda no que concerne à flexão verbal, Leonard (1998, p. 67) nos traz que a flexão
verbal -ing parece ser adquirida pelas crianças DEL desde muito cedo e na mesma proporção
que as crianças sem problemas de linguagem.
Podemos ainda assinalar que algumas pesquisas foram desenvolvidas a fim de
verificar o uso de pronomes e a designação de caso. Wexler, Schütze e Rice (1998) e Loeb e
Leonard (1988) constataram um uso de formas acusativas no lugar de formas com caso
nominativo. Por exemplo, as crianças em fase inicial de aquisição de linguagem e as crianças
DEL produziram, em cada uma das pesquisas, sentenças como Her liking mummy, no lugar de
She likes mummy.
Vale ainda dizer que grande parte do uso inapropriado de morfemas gramaticais por
parte de crianças DEL diz respeito à omissão e não à substituição, ainda que estes últimos
possam ocorrer, talvez em escala menor.
No Brasil, temos conhecimento de apenas dois trabalhos que versam sobre a gramática
do DEL. O primeiro pretendeu realizar uma avaliação preliminar do DEL em crianças falantes
31
do português: uma tese de mestrado, de Silveira (2002). Com base na análise de
manifestações de DEL em diferentes línguas, a autora fez uma previsão do que poderia vir a
ser problema lingüístico para o DEL falante do português e, em seguida, elaborou e aplicou
alguns testes em quatro crianças com suspeita de DEL. Na pesquisa ora explicitada, a autora
avaliou a compreensão de relativas, passivas, reflexivos, interrogativas QU, o reconhecimento
e a produção de formas flexionadas em gênero e número, o processamento da concordância de
gênero e número no DP e o efeito de informação relativa a gênero no processamento sintático.
A avaliação de todas as habilidades de processamento sintático revelou que o desempenho das
crianças com suspeita de DEL foi, de uma maneira geral, inferior ao das crianças sem queixas
de problemas de linguagem, com as quais as crianças com suspeita de DEL foram
comparadas.
O outro trabalho sobre crianças DEL falantes do português brasileiro é o de
Macacchero (2004), que fez um estudo sobre as categorias tempo e aspecto na fala de tais
crianças e evidenciou alguns problemas no que diz respeito à produção de tais constituintes.
Ou seja, as crianças DEL investigadas neste trabalho tiveram um desempenho pior que as
crianças sem problemas de linguagem na produção dos morfemas relativos às categorias
tempo e aspecto verbal.
Na próxima seção, apresentaremos dados advindos de fala espontânea por parte de
uma criança diagnosticada como DEL, falante do português, e que foi selecionada para fins
desta tese.
1.2 EXEMPLOS DE FALA PRODUZIDA POR UMA CRIANÇA DEL FALANTE DO
PORTUGUÊS BRASILEIRO
A fim de tornar mais clara a nossa exposição sobre o que vem a ser DEL,
apresentamos trechos da fala da criança DEL pesquisada neste trabalho. Inicialmente,
apresentaremos um reconto, feito pela criança, de uma história anteriormente contada pela
32
pesquisadora (a história contada à criança está no anexo D e denomina-se “Beco Barroso e o
gato”). Posteriormente, exibiremos partes dos testes que aplicamos nesta pesquisa e trechos de
uma entrevista feita com a criança, a fim de demonstrarmos o desempenho na produção de
tempo verbal por parte da criança DEL investigada.
1.2.1 O reconto feito pela criança:
“O cachorro mora na casa. Está muito com fome. O cachorro está comendo. O cachorro
está brincando. O cachorro joga o osso pro alto. O Zeca invém uma coisa na mão. O Zeca
pediu que é um cachorro. O Beco tem medo do gato. O gato arranha o cachorro. Beco
esconde atrás do Zeca. O gato come a comida do Beco. O gato (algo que não dá para
entender). O Beco tá muito triste tá do gato. O Zeca só tá brincando mais o gato. O Zeca
não tá dando mais carinho para Beco. Zeca mandou o Beco saí para fora. Correu para
caminhão para tomar leite. O gato pulou no caminhão. O homem fechou a porta. O Beco
tá muito feliz o gato foi embora. O Zeca tá caçando o gato para todo. Não achou. O Beco
falou assim ia brincar com Zeca e não ficar triste. Mesmo assim, não adiantou nada.
Começou puxa o Zeca para fora. Correndo atrás do caminhão. O Zeca ficou feliz. O gato
tratou do Beco e Beco foi falando agora tinha dois amigo.”
Não apresentaremos aqui os problemas fonológicos da criança neste reconto, tendo em
vista que as características dessa natureza serão mais bem traçadas no capítulo destinado à
metodologia. Podemos, entretanto, adiantar que a criança tem a estrutura oral normal e todos
os pontos de articulação preservados.
Passemos a verificar os aspectos morfossintáticos. Neste reconto, podemos observar
que houve omissão de vários itens, tais como:
a) preposição, como em “O Zeca invém uma coisa na mão” e “O Beco tá muito triste tá do
gato”. O mais provável era ouvirmos “O Zeca invém com uma coisa na mão” e “O Beco
tá muito triste com o gato”, respectivamente;
b) elemento QU-, como em “O Beco tá muito feliz o gato foi embora”, “O Beco falou assim
ia brincar com Zeca e não ficar triste” e “...Beco foi falando agora tinha dois amigo”. O
mais provável era ouvirmos, respectivamente, “Beco tá muito feliz que o gato foi
embora”, “O Beco falou que ia brincar com Zeca e não era para ele ficar triste” e “O Beco
foi falando que agora ele tinha dois amigos”;
33
c) artigo, como em “Correu para caminhão”, em que esperaríamos ouvir “Correu para o (ou
“pro”) caminhão”.
Ocorre também omissão de sujeito, como em “Correu para caminhão” em que o
sujeito é “o gato”. Em outro caso, omitiu-se não só o sujeito, como também o auxiliar, como
em “Correndo atrás do caminhão”.
Verificamos, por fim, uma perda de linha melódica na fala da criança.
Nesta fala da criança, em específico, conseguimos verificar dificuldades na flexão de
tempo, como no caso citado acima “Correndo atrás do caminhão”, em que o auxiliar seria a
marcação morfológica de tempo e, em “Começou puxa o Zeca para fora”, em que a criança
deveria ter colocado o verbo “puxar” no infinitivo e, no caso, ela o flexionou no presente. Na
próxima subseção, verificaremos um pouco mais acerca de tal fenômeno.
1.2.2 Algumas respostas dadas pela criança DEL
A fim de demonstrarmos alguns problemas na produção de tempo passado verbal,
apresentamos algumas respostas dadas pelo menino DEL investigado nesta pesquisa em
situação de teste de eliciação7. Por exemplo, na bateria 5 dos testes de eliciação de tempo
pretérito imperfeito com aspecto progressivo, foi dado o seguinte estímulo: a pesquisadora
apresentava uma série de gravuras e dizia que elas se referiam a um acampamento feito pelos
sobrinhos do Pato Donald no dia anterior ao da aplicação dos testes. Em seguida, a
pesquisadora fazia algumas perguntas, do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Em alguns
casos, o menino respondia com o verbo principal no gerúndio, por exemplo, “Olhando a flor”,
no lugar de “O patinho estava olhando a flor”, omitindo, portanto, o auxiliar, que seria aquele
constituinte que resguardaria a noção de tempo passado. Em outras situações, o menino
7
Eliciação é um tipo de teste que visa a provocar o surgimento de uma dada expressão lingüística. Na subseção
5.2.1.2, traremos, com mais detalhes, as características deste teste.
34
respondia com o auxiliar no tempo presente, como por exemplo: “Tá olhando a borboleta”, no
lugar de “O patinho estava olhando a borboleta” (cf. capítulo 6).
Até agora, apresentamos dados que nos apresentam problemas com flexão verbal por
parte do menino investigado nesta tese, dados estes obtidos a partir de reconto de história e de
observação de gravuras. A seguir, apresentaremos dados que nos acenam dificuldades com
flexão verbal por parte da mesma criança, mas que foram obtidos em uma situação natural: a
de um bate-papo.
1.2.3 Uma entrevista feita com a criança DEL
Ainda com o intuito de demonstrar a dificuldade com flexão verbal, apresentamos,
abaixo, uma parte da entrevista feita com a criança DEL investigada neste trabalho.
Importante dizer que “E” significa “entrevistadora” e “C” significa “criança”:
E: O que aconteceu ontem na sua casa?
C: Eu e a Viviane saiu.
E: O que aconteceu?
C: Fomo lá no B e chegou, almoçamos e saiu, almoçamo na casa da minha vó. Ver minha
irmãzinha.
E: Como chama sua irmãzinha?
C: Greiciele.
E: Você gosta dela?
C: Gosto.
E: Ela é boazinha?
C: É.
E: Com qual irmã você combina mais?
C: Greiciele.
E: Que idade que ela tem?
C: Três anos. Ela bate gente.
E: Ela é pequenininha, né?
E: E o que que aconteceu com sua mãe ontem?
C: Ficou só em casa.
E: O que que ela ficou fazendo dentro de casa?
C: Arrumou casa, lavou vasilha e fez comida.
E: Sua mãe trabalha, hein?
C: É.
E: Você ajuda ela?
C: Balança a cabeça, dizendo que não.
35
E: Quem ajuda ela mais?
C: Ajudou mais minha irmã. O meu pai às vezes faz comida.
(...)
E: E o que seu pai fez ontem?
C: Saiu pescar peixe na lagoa azul.
E: Pegou?
C: Não.
E: Nada?
C: (Não com a cabeça)
E: Onde que é, hein?
C: Perto de casa.
E: E agora, o que o Leandro (o irmão) está fazendo agora? (a parte em negrito quer dizer que
foi acentuada pela entrevistadora)
C: Saiu. Ficou dia inteiro na rua.
E: Eu estava falando de ontem. Estou falando de agora.
C: Agora, eu não sei.
E: Mas o que que você imagina?
C: Assistindo televisão.
E: E a Viviane?
C: Deve tá arrumando casa... arrumando a casa...
E: E o seu pai?
C: Pai?
E: O que que ele tá fazendo agora? Você não tem idéia não?
C: Não sei. Deve tá dormindo. Ele não começou a trabalhar.
E: O seu pai trabalha de quê?
C: Servente.
E: Restaurante, escola?
C: Ele trabalhava na construção, mas acabou.
E: Mas ele tá sem serviço agora?
C: Tá.
E: E o que que sua mãe tá fazendo agora?
C: Agora, tá ali fora.
E: E você, o que que você está fazendo agora?
C: Agora?
E: É.
C: Estou brincando com esqueleto8.
Neste trecho da entrevista, percebemos que houve algumas dificuldades na flexão de
tempo, como em “Fomo lá no B e chegou, almoçamos e saiu, almoçamo na casa da minha vó.
Ver minha irmãzinha” e, na resposta à pergunta “Quem ajuda ela mais?”, obteve-se “Ajudou
mais a minha irmã”. No primeiro caso, talvez o que tenha sido problemático seja a possível
8
Em uma etapa anterior a esta entrevista, a pesquisadora, a fim de conseguir mais falas espontâneas por parte de
VA, havia entregado-lhe dois bonecos – “He Man” e seu rival “Esqueleto”, personagens de desenho animado,
apreciado pelo público masculino infantil. A solicitação era que ele desenvolvesse uma encenação com os dois
bonecos. Mas o menino se negou a fazer o que era pedido-lhe. Partiu-se, então, para a entrevista, mas o boneco
ainda estava na mão da criança.
36
omissão de uma preposição “para” anterior a “ver” ou talvez o que a criança queria ter dito é
“fomos ver minha irmãzinha”, havendo, então, a omissão de “fomos”.
No segundo caso, em que o menino falou “Ajudou mais a minha irmã”, claramente,
houve uma resposta não esperada, no pretérito perfeito, para uma pergunta feita com verbo no
presente do indicativo, com aspecto habitual. Na literatura a respeito de flexão verbal na
gramática do DEL, este tipo de forma verbal quase não ocorre: ou seja, quase não há
substituição de presente por passado. Ainda que este exemplo tenha sido dado aqui, VA, nos
testes feitos para esta pesquisa, quase não apresentou formas em que houve trocas de presente
por passado.
A despeito disso, a criança DEL parece ter preservado o conceito semântico de tempo,
pois soube adequar sua fala, situando-a corretamente no momento em que a entrevistadora
disse “ontem” e “agora”.
Pudemos constatar, ainda nesta entrevista, que, além de ter sido estimulada a falar a
todo momento, a criança DEL investigada neste estudo usa poucas palavras em suas
respostas.
Os dados de fala espontânea trazidos aqui serviram apenas para dar uma idéia de como
a criança diagnosticada como DEL fala. Nos capítulos destinados aos resultados de testes
aplicados na investigação implementada para esta tese, poderemos verificar mais dados
quantitativos e qualitativos acerca da flexão verbal na fala da criança DEL. Passemos, neste
momento, a explicitar um pouco mais sobre a caracterização geral do indivíduo DEL,
apresentando algumas informações que nos dizem sobre a causa do déficit.
1.3 QUAL É A ORIGEM DO DEL?
Há vários estudos que procuram esclarecer qual é a causa do DEL. Tomblin (1997),
por exemplo, reserva uma seção em seu artigo indicando vários estudos que tentaram verificar
37
a relação entre desenvolvimento de linguagem com determinados eventos ligados à gestação
ou ao nascimento, tais como observação de gravidez cuja mãe era fumante ou que teve uma
infecção ou outra complicação na gravidez: uso de medicamentos durante a gravidez, asfixia
no momento do nascimento do bebê e nascimento de bebês prematuros. Nenhuma das
pesquisas evidenciou relação de causa e conseqüência nos dados obtidos.
Em Galaburda, Sherman, Rosen, Aboitiz e Geschwind (1985), há uma explicação
acerca da neurobiologia do DEL. Os autores apresentam resultados de uma pesquisa que
indica que, de um modo geral, há uma simetria entre os planos temporais9 de cada hemisfério,
quando, de um modo geral, esperar-se-ia o plano temporal esquerdo (localizado no hemisfério
responsável pela linguagem) ser maior que o plano temporal da direita. Mas tal resultado não
é conclusivo, pois, em Leonard (1998), há a apresentação de outras pesquisas apontando que
tal simetria pode ocorrer também em indivíduos sem problemas de linguagem.
Interessante apontar ainda que meninos, de um modo geral, são mais afetados por
DEL que meninas. Uma explicação comum é que meninos teriam habilidades verbais mais
pobres que as meninas. Mas Tomblin (1997) cita uma pesquisa de linguagem feita por Seigel
(1982), que estudou um grupo de crianças durante toda a pré-escola. A pesquisadora não
encontrou diferenças lingüísticas significantes entre homens e mulheres em seu teste.
Contrapondo-se ao resultado apresentado por Seigel, podemos apontar que, durante a
década de 80, Geschwind e Behan (1982) e Galaburda, Sherman, Rosen, Aboitiz e Geschwind
(op. cit.) realizaram testes em que bebês foram expostos a testosterona, hormônio masculino,
na última etapa fetal. Posteriormente, foram feitas avaliações em que se verificavam a relação
entre o uso, em excesso, do hormônio por parte da mãe na ocasião da gravidez e o
desempenho lingüístico do filho em fase de aquisição de linguagem. Feitas as avaliações,
foram encontrados problemas de linguagem na fala destas crianças, o que nos sugere a
9
O plano temporal é localizado na porção acima do lobo temporal de cada hemisfério, dentro da fissura sylvian.
38
possibilidade de haver maior probabilidade de o distúrbio lingüístico ora estudado ser mais
recorrente entre indivíduos do sexo masculino.
Corroborando com os últimos achados, podemos ainda citar o trabalho realizado por
Tallal, Towsend, Curtiss e Wulfeck (1991), em que há constatação de que meninos
gravemente afetados pelo déficit lingüístico teriam uma mãe também afetada. Isso poderia ser
evidência para uma transmissão de genes responsáveis pelo distúrbio lingüístico feita de mãe
para criança do sexo masculino.
Há ainda outras fortes sugestões nos levando a acreditar que o distúrbio tem motivação
hereditária e genética. Apresentaremos, a seguir, alguns trabalhos que sustentam a hipótese de
hereditariedade da dificuldade em adquirir linguagem por parte de algumas crianças em fase
de aquisição de linguagem.
Já em 1959, Ingram (1959 in Palmour, 1997) observou que 24% de pais e 23% de
irmãos de 75 crianças com comprometimento lingüístico tinham dificuldade com a
linguagem. Embora esse estudo não tenha usado o critério objetivo para diagnóstico e não
tenha criado um grupo controle paralelo, outros estudos, tais como os de Lewis (1992) e
Tallal et al. (1989), que tomaram aquelas providências, chegaram à mesma conclusão.
Durante dois anos, Tomblin (1997) estudou famílias de indivíduos DEL e testou
diretamente todos os membros de primeiro grau da família. A pesquisadora e sua equipe
testaram 245 sujeitos de 42 famílias e constataram que 22% têm comprometimento de
linguagem. Isto sugere que membros de famílias com pessoas DEL têm mais chances de ser
DEL que a população em geral.
Outro trabalho que merece destaque e que é mencionado de forma recorrente na
literatura diz respeito àquele desenvolvido por Gopnik e Crago (1991). As pesquisadoras
verificaram o déficit especificamente lingüístico em 16 pessoas de 30 de uma mesma família.
As 14 pessoas restantes tinham habilidades lingüísticas normais e serviram de controle. O
39
experimento realizado pelas pesquisadoras indica que o distúrbio de linguagem deve ser
associado a fator genético.
Em Tomblin et al. (op. cit.), foi encontrado um alto índice de membros de uma
mesma família diagnosticados como sendo DEL. E no trabalho de van der Lely e Stollwerck
(1996), já apontado na seção 1.1, foi constatado que há uma incidência significantemente
maior de um ou mais parentes de primeiro grau (pai, mãe, irmãos e irmãs) com história de
comprometimento de linguagem na família de criança DEL Gramatical do que nas famílias de
crianças controle. Para a primeira amostra, observaram-se 77,8% de história positiva de
comprometimento de linguagem (de fala, de leitura e/ou de escrita). Já para as crianças sem
problemas de linguagem, a porcentagem foi de 28,5%. O que não foi conclusivo neste último
trabalho foi a natureza do déficit lingüístico encontrado nos parentes das crianças.
Acrescentam-se a tudo isto os estudos acerca de crianças gêmeas com DEL. O
pressuposto é que, se o déficit é geneticamente transmitido, os gêmeos idênticos (ou nos
termos técnicos, monozigóticos), que compartilham 100% de seus genes, devem ter o
comprometimento lingüístico mais similar que os gêmeos não idênticos (ou dizigóticos), que
dividem 50% dos genes. Tanto em Tomblin (1997) quanto em Palmour (1997), há resultados
de pesquisas indicando resultados consonantes com tal previsão.
Apesar de termos citado vários estudos que nos acenam para a possibilidade de o DEL
ser um déficit que ocorre freqüentemente em famílias, em Leonard (1998), há menção a
trabalhos que não encontraram histórico de déficits lingüísticos na família de várias crianças
consideradas DEL. O autor remete-se a Tomblin e Buckwalter (1994), que discutem duas
possíveis interpretações para o fato de se acharem crianças DEL com e sem histórico de
déficit lingüístico nas famílias respectivas. Uma possível hipótese, segundo Leonard (op. cit.),
seria a de que deve haver diferentes causas de DEL, algumas baseadas em fatores genéticos e
outras não. A segunda hipótese é que deve haver uma predisposição ao DEL em todos os
casos, mas há uma penetração incompleta. Ou seja, outros fatores devem ter que estar
40
presentes para que o déficit lingüístico ocorra. Corroborando para a possibilidade de haver
mais de uma causa para o DEL, conforme nos aventa Leonard (op. cit., p. 152), temos o fato
de verificarmos um grupo bastante heterogêneo. Para o autor, possivelmente há subtipos de
DEL, que hoje são englobados em uma só categoria. Leonard (op. cit., p. 153) sugere,
inclusive, a possibilidade de o DEL ser conseqüência de uma combinação de gene e meio ou
de vários genes.
Entretanto, à medida que a área relacionada a estudos sobre genética é desenvolvida,
mais clara fica a possibilidade de o DEL realmente ter causa genética. Até 2001, nenhum gene
havia sido designado para a determinação de tal distúrbio lingüístico. Mas uma recente
publicação parece acenar para uma evidência mais forte para tal proposição: em Lai et al.
(2001), há evidências de que a mutação do gene FOXP2 provocaria o déficit especificamente
lingüístico. A mutação desse gene, segundo os autores, tem sido encontrada entre indivíduos
que apresentam um conjunto heterogêneo de distúrbios verbais: lentidão no processo de
aquisição de linguagem e evidências, na fala, de não utilização, no nível mental gramatical, de
regras produtivas de palavras.
A fim de verificar a origem do DEL, alguns grupos de pesquisadores têm empreendido
seus esforços. Em van der Lely (2005), há menção a estudos que indicam a localização do
DEL nos cromossomas 16q e 19q, sendo o primeiro ligado a déficits fonológicos e o segundo
associado a déficits de expressão.
Em suma, neste capítulo, verificamos que o déficit especificamente lingüístico é
estudado, sob outras denominações, há um bom tempo. As crianças que apresentam tal déficit
têm, de um modo geral, dificuldades no início da aquisição da linguagem, apresentando
problemas que dizem respeito à fonologia, ao léxico e à área da morfossintaxe, ao longo da
vida escolar e podendo chegar inclusive à fase adulta. No que diz respeito a problemas
morfossintáticos, as crianças DEL, por exemplo, omitem, com freqüência, marca de tempo.
41
Verificamos, também, que o diagnóstico para a caracterização do DEL é feito por exclusão: a
criança não deve ter problemas neurológicos e auditivos, nem deficiência na estrutura oral.
Não deve ter distúrbios de comportamento que a levem a ser diagnosticada como autista e
deve ter um QI não verbal mínimo 85. Apresentamos ainda abordagens que sugerem que a
categoria DEL, tal como é entendida hoje, é constituída por subtipos do déficit. O DEL
Gramatical seria aquele relacionado à dificuldade de algumas crianças na produção,
compreensão e julgamento de morfologia flexional. Por fim, vimos também que a causa do
DEL ainda é objeto de muito estudo e resultados de pesquisas não são totalmente conclusivos.
Mas várias abordagens já convergem para evidências que o DEL é um déficit lingüístico
derivado de uma herança genética.
42
2
QUADRO TEÓRICO
Neste capítulo, faremos uma explanação sobre alguns aspectos importantes do
Programa Minimalista, propostos em Chomsky (199510, 1998, 1999 e 2001). Em seguida,
faremos um histórico acerca de estudos sobre as categorias funcionais, referindo-nos
principalmente a tempo e concordância. Por fim, apresentaremos definições de aspecto verbal
e algumas propostas, esboçadas dentro da perspectiva da Teoria Gerativa, que sugerem a
inserção de uma projeção aspectual na árvore sintática.
2.1 O PROGRAMA MINIMALISTA
Iniciamos esta seção com a abordagem que diz respeito aos Princípios e Parâmetros
(P&P) e à Gramática Universal (GU). Depois, apresentamos alguns aspectos relativos às
computações e às representações mentais de natureza lingüística.
Uma pesquisa em aquisição ou perda da linguagem que adote os Princípios e
Parâmetros como base teórica para suas análises estará admitindo a presença de uma
Gramática Universal, em que se pressupõe um conhecimento da linguagem inconsciente e
inato.
O conhecimento lingüístico inconsciente é justificado pelo fato de um falante nativo
de uma língua ser capaz de indicar se uma sentença está ou não de acordo com os padrões
estruturais de uma sentença. Este falante também é capaz de produzir uma sentença de forma
que as outras pessoas vão compreendê-lo. Entretanto, o indivíduo não tem consciência das
regras para formar e interpretar sentenças.
10
Na verdade, Chomsky (1995) reúne textos que já circulavam ou haviam sido publicados anteriormente. Desta
forma, o capítulo 1 é Chomsky (1993); o capítulo 2 é Chomsky (1989), o qual já circulava sem ter sido
publicado, ou Chomsky (1991), que é Chomsky (1989) publicado; o capítulo 3 é Chomsky (1992); e o capítulo 4
foi publicado em Chomsky (1995).
43
Um fato interessante que nos leva à observação da hipótese de o conhecimento de uma
língua ser considerado inato deve-se à observação de que uma criança, com aproximadamente
um ano e meio, consegue produzir estruturas de duas a três palavras e, por volta de um ano
após, já é capaz de produzir sentenças com alto grau de complexidade. Logo, este é um
processo que ocorre rapidamente, além de ser uniforme: acontece desta forma com todas as
crianças, de modo geral, sem que elas tenham noção explícita das regras gramaticais. Ou seja,
a criança já tem um conhecimento lingüístico internalizado.
A esse conhecimento inconsciente e lingüisticamente internalizado, a gramática
gerativa designa o nome de “competência”. Isto é, o falante nativo de uma língua tem, no
nível mental, dispositivos que possibilitam inúmeras combinações, a fim de formar palavras,
sintagmas, sentenças. Mas o real uso da linguagem, por parte desta pessoa, somente seleciona
algumas combinações. Com isso, pode-se declarar que o que realmente um falante produz ou
entende em termos lingüísticos, em uma ocasião concreta, é denominado “desempenho”. A
competência é o conhecimento lingüístico de um falante e o desempenho, o uso real que esse
falante faz desse conhecimento.
Assim, conduz-se ao pensamento que a teoria da gramática é regida pelo critério da
universalidade, no sentido de que há princípios gerais que explicam a organização das línguas
naturais. O gerativismo aponta-nos a Gramática Universal que corresponde às propriedades
essenciais que constituem a base de todas as línguas humanas e é determinada por uma
faculdade inata, codificada biologicamente.
Mas, se a Gramática Universal estabelece que há princípios universais, indica também
que há parâmetros a serem escolhidos. Desta forma, as várias línguas ou as Gramáticas
Particulares são constituídas a partir da fixação de parâmetros.
Isto posto, podemos apresentar algumas noções do Programa Minimalista. Ele se
insere no modelo teórico dos Princípios e Parâmetros e estuda os aspectos da mente
relacionados à produção e à compreensão da linguagem.
44
Na perspectiva dos Princípios e Parâmetros, a mente de uma pessoa possuiria aspectos
dedicados a uma Faculdade da Linguagem. Quando uma pessoa nasce, sua Faculdade da
Linguagem encontrar-se-ia no estado inicial, que teria, desde então, uma complexidade
organizativa rica e uniforme para toda organização estrutural. A esse aspecto inicial é que se
chama de Gramática Universal, já explicitada. Durante o crescimento dessa pessoa, sua
Faculdade da Linguagem desenvolver-se-ia até atingir um estado final, mais ou menos rígido,
sujeito a modificações posteriores mais ligadas a ganhos e perdas de itens lexicais.
Muitos estudos em aquisição da linguagem têm dado sustentação empírica à hipótese
de a linguagem ser um órgão inato. Tais investigações sugerem que há um período crítico
para a aquisição da sintaxe, no sentido que a criança adquirirá a gramática da língua de sua
comunidade lingüística até mais ou menos nove, dez anos. Depois dessa idade, a criança que
aprender uma língua não terá a competência da mesma forma que um falante nativo a tem.
Um exemplo clássico é o da menina Genie (Curtiss, 1981), que foi privada do input da fala até
os 13 anos. Após este longo período de privação, foi exposta à língua e conseguiu adquirir
vocabulário, mas sua sintaxe era pouquíssimo desenvolvida. Isso sugere que a aquisição da
sintaxe é determinada por um “programa de aquisição da linguagem” inato, que passa por
uma mudança no início da puberdade.
A partir de agora, apresentaremos aspectos centrais do Programa Minimalista para a
Teoria da Linguagem que tem sido desenvolvido desde Chomsky (1995) e tem sido retomado
em Chomsky (1998, 1999, 2001). Nestes trabalhos, a linguagem é considerada um sistema
perfeito com um design ótimo, no sentido que gramáticas de uma língua natural criam
estruturas que são designadas à interface, mais especificamente aos sistemas da fala e do
pensamento.
A fim de tornar esta discussão mais clara, apresentaremos a concepção de uma
gramática de uma língua. Um componente de uma gramática seria o léxico, ou seja, a lista
de todas as palavras de uma língua e suas propriedades lingüísticas. Essas palavras seriam
45
escolhidas e combinadas por uma série de computações sintáticas que seriam feitas na sintaxe
ou no componente computacional, formando uma estrutura sintática. Esta estrutura sintática
é enviada para Spell-out e serve como input para dois outros componentes da gramática. Um
deles é o componente semântico, que gera uma representação semântica dessa estrutura
sintática. A representação semântica também é denominada forma lógica. O outro
componente é o componente fonológico, que gera uma representação fonológica dessa
estrutura sintática. Esta representação também é chamada de forma fonológica. A
representação semântica faz interface com o sistema do pensamento ou sistema conceptualintencional e a representação fonológica faz interface com o sistema da fala ou o sistema
articulatório-perceptual. O diagrama a seguir resume o que foi dito até agora:
Léxico
componente
semântico
representação
semântica
SPELL-OUT
Sintaxe ou
componente
computacional
componente
fonológico
representação
fonológica
SISTEMA
CONCEPTUALINTENCIONAL
SISTEMA
ARTICULATÓRIOPERCEPTUAL
Avançando um pouco mais na discussão, poderíamos apontar que, no léxico, nós
teríamos as palavras e as categorias funcionais e, dele, retiraríamos os itens lingüísticos de
forma aleatória para formar a Numeração11, que vem a ser um conjunto de itens lexicais. Tais
itens, quando entram na Numeração, têm um conjunto de traços fonológicos, traços
semânticos e um complexo de traços formais. Por exemplo, no que diz respeito aos traços
fonológicos, temos [+alto], [+silábico], etc. Em relação aos traços semânticos, temos, por
exemplo, [+animado] e, quanto aos traços formais, podem ser intrínsecos ou opcionais.
11
Há propostas que criticam a presença de Numeração, pois ela assemelhar-se-ia à Estrutura Profunda da Teoria
da Regência e Ligação, uma estrutura indesejável para o Programa Minimalista. Aqueles que preferem a
manutenção da existência da Numeração defendem a idéia que a Numeração não estaria no sistema
computacional, sendo assim, nenhum custo a mais seria demandado e, portanto, os princípios de economia
estariam sendo respeitados.
46
Os traços intrínsecos já viriam explicitamente marcados do léxico; os traços opcionais
seriam acrescentados no momento em que um dado item lingüístico fosse acrescentado na
numeração. Por exemplo, o nome “avião” teria, como propriedades intrínsecas, o traço
categorial [nominal], o traço de pessoa [3ª pessoa] e o traço de gênero [- humano]. Ou seja, o
item lingüístico sempre vai ser assim: um nome, na 3ª pessoa e que não é humano. Como
propriedades opcionais, teríamos, para o nome “avião”, os traços não categoriais de número: o
nome “avião” pode se encontrar no singular ou no plural, além dos traços de caso: o nome
“avião” pode ter caso nominativo ou acusativo.
Vejamos, agora, um verbo, por exemplo “construir”. Temos como propriedades
intrínsecas: o traço categorial, que é [verbal], e o traço casual, que é [atribuir acusativo]. Isto
é, “construir” sempre será um verbo e designará caso acusativo. Mas terá como propriedades
opcionais os traços ϕ12: de número e de pessoa. O verbo pode ocorrer sob a forma do plural
ou do singular, pode estar na 1ª, na 2ª ou na 3ª pessoa. No caso do português, não há variação
de gênero no verbo. Terá também, como traços opcionais, os traços de tempo, ou seja, o verbo
pode ocorrer na sua forma no passado, no presente ou no futuro.
Um item lingüístico selecionado no léxico é indicado, na Numeração, por um índice, o
qual explicitará o número de vezes que esse item lingüístico será acessado por uma operação
Selecionar (do inglês, Select) do sistema computacional. Importante dizer que um item
lingüístico só entra na Numeração se ele tiver um efeito no output. Ou seja, o índice nunca
poderá ser “zero”. Tal restrição seria uma condição de economia.
Exemplificando: da escolha aleatória no léxico, pode-se obter a Numeração seguinte,
com os traços e índices para cada item lexical, os quais “alimentarão” o componente
computacional.
Num: {Maria 1, José 1, Beija 1, T 1}
12
São chamados traços (fi) e correspondem a traços de concordância de gênero, pessoa e número.
47
Uma vez estabelecida esta Numeração, ocorre a operação Selecione, que retirará o
item lexical desse componente e reduzirá o seu índice até chegar a zero. A operação Selecione
atuaria, primeiramente, no item “Maria”, reduzindo seu índice como se pode verificar: Num =
{Maria 0, José 1, beija 1, T 1}. A operação Selecione atuaria nos outros itens até reduzir o
índice desses a zero e, enfim, tais itens, cada um a seu turno, estariam disponibilizados para o
componente computacional.
Os itens lexicais entrariam, então, no componente computacional e esse trabalharia
com, basicamente, duas operações: Merge (em português, concatenar) e Move (em português,
mover). A primeira operação viria a agregar elementos lingüísticos e, portanto, formaria
objetos sintáticos. A segunda operação seria mais complexa que aquela, pois movimentaria
um determinado elemento lingüístico, gerando uma cópia, que, por sua vez, estaria em uma
cadeia e seria idêntica ao elemento movimentado, só que em posição distinta da posição deste
na estrutura sintática.
Abaixo, exemplificaremos as duas noções, aproveitando o exemplo já dado em “Maria
beija José”. Observemos, novamente, a numeração da sentença mencionada:
Num = {Maria 0, José 1, beija 1, T 1}.
A primeira atuação é, conforme já dito, da operação Selecione. Teremos, portanto:
a) Selecione beija
b) Selecione José
A concatenação destes dois elementos resulta em:
c) Concatenar (beija, José)
que, por sua vez, resulta na seguinte estrutura:
V'13
V
DP
beija José
13
No Minimalismo (Chomsky, 1995, cap. 3), as projeções intermediárias não são mais concebidas.
Colocaremos, entretanto, as projeções intermediárias neste trabalho, por uma questão de costume e pelo fato de
uma grande parte de trabalhos ainda usar este tipo de notação.
48
O próximo passo seria a seleção do DP Maria da numeração, que seria concatenado à
estrutura já criada: beija José. Teríamos, neste momento, a seguinte estrutura:
VP
Esp14
V'
V
Maria
DP
beija José
Procedendo à numeração, o próximo passo seria a seleção de T(empo) da numeração,
formando, então, a seguinte estrutura:
T'
SV15
T
Esp
V'
V
Maria
DP
beija José
Mas o DP Maria move-se para uma outra posição de especificador, posição na qual o
DP terá uma relação local com o núcleo de TP, a saber T. O verbo beija, por sua vez, move-se
para o nódulo T16. Teremos, então, nesta etapa, a atuação da operação move (que, veremos, foi
trocada de nome por Attract e, mais recentemente, por Agree) e obteremos a seguinte
representação:
14
Esp significa especificador.
Ainda neste capítulo veremos que existe uma projeção intermediária entre SV e TP, a saber vP. Não
incorporamos esta noção nesta etapa, a fim de facilitar o raciocínio aqui desenvolvido.
16
Ainda neste capítulo apresentaremos as razões para o movimento de tais itens lexicais.
15
49
TP
Esp
T'
T
VP
Esp
V'
V
Maria beija
DP
José
Vimos, portanto, que, na abordagem minimalista, a construção da sentença ocorre de
forma dinâmica feita pela operação concatenação (merger), que integra novos elementos
dentro da estrutura, e pela operação mover (move), que movimenta elementos que já se
encontram na estrutura. Neste ponto, a estrutura pode ser submetida a Spell-out. Dessa
maneira, Spell-out alimenta a interface com os sistemas conceptual-intencional e articulatórioperceptual. Vale ainda dizer que, nos últimos escritos de Chomsky, a noção de movimento foi
substituída pela noção de atração. Ou seja, se o movimento é provocado pela atração de um
núcleo funcional, que, em última instância, é um feixe de traços, o conceito principal é o de
atração, que é desencadeado por um traço do lugar de pouso do elemento movido. Mais
recentemente ainda, a noção foi substituída por Agree, que pressupõe a transmissão de traços
por parte da categoria que tem traços valorados a uma categoria que ainda não tem os traços
correspondentes valorados. Enfim, o que teríamos é a seguinte seqüência:
50
Léxico
Numeração
Seleção
Merge
Agree (antes Move e, depois, Attract)
Spell-out
Forma Fonológica
Forma Lógica
Dito tudo isso, podemos depreender que é a morfologia de uma dada língua que
desencadearia o movimento de elementos categoriais ou os traços para valoração de suas
propriedades. Dentro desta perspectiva, cada língua particular seria um mecanismo que
geraria um conjunto infinito de expressões, que podemos chamar de Descrições Estruturais
(DEs) e cada língua estaria encaixada em sistemas de desempenho que permitiriam que as
suas expressões fossem usadas para articular, interpretar, referir, perguntar etc. Desta forma,
cada DE seria um complexo de instruções para estes sistemas da desempenho, fornecendo
informação relevante para o seu funcionamento.
Os sistemas de desempenho, por sua vez, agrupar-se-iam em dois tipos gerais, já
citados: articulatório-perceptual (A-P) e conceptual-intencional (C-I). Assim, uma língua
particular é um procedimento gerativo que constrói pares (π, λ) que são interpretados,
respectivamente, nas interfaces articulatório-perceptual (A-P) e conceptual-intencional (C-I),
como instruções para os sistemas de desempenho. π seria uma representação de forma
fonológica e λ, uma representação de forma lógica. E cada uma é formada por “objetos
legítimos” que podem receber uma interpretação.
51
Todas as operações até agora assinaladas estariam a serviço do Spell-out, que extrairia
de uma dada derivação Σ elementos relevantes para o sistema articulatório-perceptual (π),
deixando o resíduo ΣL para ser mapeado pelo sistema conceptual-intencional (λ).
Conforme dito, cada par (π, λ) construído pelo componente computacional deve ser
interpretado nas interfaces como instruções para os sistemas de desempenho. Se forem
considerados legítimos, receberão uma interpretação, satisfazendo, então, à Condição da
Interpretação Plena. Se isso ocorrer nos dois níveis de representação (articulatório-perceptual
e conceptual-intencional), diz-se que a expressão convergiu; do contrário, fracassou (crash).
A Condição de Interpretação Plena impediria, por exemplo, símbolos sem traços fonológicos
na forma fonológica e elementos sem papel-temático, na forma lógica.
A Condição de Interpretação Plena também determina quais as derivações são
convergentes, contudo existem condições de economia que devem selecionar desse conjunto
de derivações somente as ótimas. As outras serão canceladas e tal feito dever-se-á a qualquer
operação ilegítima que ocorra no sistema computacional, como, por exemplo, a ocorrência de
incompatibilidade de traços durante o processo de checagem. Este processo de impedimento
de formação de uma expressão lingüística chama-se cancelamento.
O outro processo que impede a formação de uma dada expressão lingüística é o
fracasso (crash). Por exemplo, quando cada expressão gerada pelo sistema computacional é
enviada ao componente fonológico, a fim de se obter uma representação fonológica, se houver
traços ilegíveis (isto é, que não podem ser processados no sistema articulatório-perceptual),
ocorrerá o fracasso. Isso significa dizer que, se a sintaxe não especifica se o que se quer é a
primeira pessoa do singular no presente ou terceira pessoa do singular no presente do verbo
“ser”, portanto, ou “sou” ou “é”, o sistema articulatório-perceptual não poderá determinar
qual forma será pronunciada.
Se cada estrutura gerada pelo componente sintático da gramática é enviada ao
componente fonológico, essa estrutura também é enviada ao componente semântico, a fim de
52
ser convertida em uma representação semântica apropriada. Neste contexto, faz-se mister
apresentar a diferença entre traços interpretáveis e traços não interpretáveis. Os primeiros têm
importância na computação de representações semânticas e não devem ser apagados (e nem o
podem) do sistema. Já os traços não interpretáveis17, ou seja, que não têm interpretabilidade
semântica e que devem estar circunscritos ao componente computacional, como, por exemplo,
AGR (na acepção de Chomsky, 1995), devem ser eliminados do sistema, a fim de que a
estrutura possa convergir, caso contrário ocorrerá um fracasso (crash).
Falta-nos ainda nos remeter aos princípios de economia. No Programa Minimalista, o
movimento de elementos lingüísticos só se dá por necessidade e isso ocorre em função de
seus traços.
O primeiro Princípio de Economia é a Condição de Ligação Mínima (MLC), que
constitui uma restrição de economia, impondo que uma operação de movimento só deve
ocorrer se criar um elo menor. Ou seja, nas palavras de Chomsky (1995), “o movimento de A
ocorre se não há B mais próximo do alvo que satisfaria a relação de checagem com K tanto
quanto A faria”.
O segundo Princípio de Economia seria o Último Recurso (Last Resort), que indica
que um movimento de F leva um traço de F ao alvo K somente se F entra em uma relação de
checagem com um sub-rótulo de K. O Último Recurso deve ser pensado compreendendo dois
princípios: a) a operação mover é permitida somente se satisfaz uma relação de checagem de
traços; b) o movimento ocorre se o alvo não tem os traços checados. Portanto, tal princípio
indica que operações de movimento são obrigatórias.
O terceiro Princípio de Economia é denominado Procrastinar, que nos diz que, caso
não haja necessidade que uma estrutura chegue às interfaces, o movimento não se constituirá.
Tal condição de economia, associada à propriedade de um traço [+/- interpretável], é
17
Apresentaremos mais informações sobre traços interpretáveis e não interpretáveis ainda neste capítulo.
53
responsável pelo movimento visível de elementos nas diversas línguas naturais e é aí que
reside a noção de parametrização.
Neste contexto, indicamos que a Teoria Gerativa pressupõe que a aquisição da
linguagem é interpretada como um processo de fixação de parâmetros a partir do estado
inicial. A aquisição da linguagem pela criança consiste, segundo Raposo (1992, p.55), em
dois aspectos: “a aprendizagem das formas lexicais da língua, com propriedades fonológicas,
sintáticas e semânticas determinadas pelo ‘dicionário mental’ e a atribuição aos vários
parâmetros da Gramática Universal do valor que possuem nessa língua”. Neste sentido, o
modelo de Princípios e Parâmetros afasta-se do modelo da Teoria Padrão e da Teoria Padrão
Estendida, dos anos 60 e 70 respectivamente, em que a criança era um pequeno lingüista
construindo hipóteses sobre as regras da sua língua que fossem compatíveis com os dados
gramaticais a que vai sendo exposta gradativamente. A criança, nestes modelos, iria
eliminando aquelas regras que se revelassem incompatíveis com os dados novos. Já no
modelo dos Princípios e Parâmetros, “as opções são dadas pelos parâmetros, sendo, portanto,
limitadas, visto que estes são em número finito. A ligação dos parâmetros numa dada posição
é determinada pelos dados lingüísticos primários simples ao alcance da criança. Ou seja, a
informação lingüística contida nesses dados permite à criança decidir qual a posição a atribuir
a cada parâmetro”. (Raposo, 1992, p. 55)
De acordo com Chomsky (1995, cap. 2), os parâmetros da GU estão relacionados não
com o sistema computacional, mas sim com o léxico. E isso poderia ser interpretado da
seguinte forma: cada parâmetro deve referir-se a propriedades de elementos específicos do
léxico ou a categorias de itens lexicais. Desta forma, existiria apenas uma língua humana e a
aquisição da linguagem seria essencialmente uma questão de determinar as idiossincrasias
lexicais. Ou seja, os elementos substantivos, que seriam os nomes, verbos etc., seriam
retirados de um vocabulário universal invariante e só os elementos funcionais seriam
parametrizados.
54
A seguir, apresentaremos um histórico de estudos acerca das categorias funcionais –
tempo e concordância-, amplamente investigadas sob o arcabouço da teoria gerativa. Também
será foco na seção 2.2.1 o estudo sobre aspecto verbal, categoria menos vista na literatura
existente acerca de categorias funcionais, mas que será objeto de investigação, ao lado de
tempo, neste trabalho, conforme já delineado.
2.2 HISTÓRICO DOS ESTUDOS SOBRE CATEGORIAS FUNCIONAIS – TEMPO E
CONCORDÂNCIA
Em Chomsky (1965, 1972), datas respectivas às fases das propostas da Teoria Padrão
e da Teoria Padrão Estendida, considerava-se que a estrutura de uma sentença simples seria
constituída por um SN e um SV, ambos ligados a um nó, denominado S. A formalização seria
a seguinte: S → SN SV. Mas, a fim de acomodar dados em que havia a presença de um
auxiliar, a proposta para a descrição da sentença passou a ser a seguinte: S → SN Aux SV.
Em Aux, haveria informação de tempo e de concordância.
Em 1976, Joseph Emonds propôs a denominação de INFL18 para Aux e indicou uma
marcação binária para o nó, tal como se faz com as categorias lexicais. Então, uma sentença
finita teria INFL [+T, +AGR] e aquela no infinitivo teria INFL [-T, -AGR]. A regra
sintagmática passou a ser S → SN INFL SV e seria considerada válida para todo tipo de
sentença.
Com o advento da Teoria da Regência e Ligação (Chomsky, 1981), começa-se a
pensar em uma proposta de integração da categoria INFL no esquema X-barra. Chomsky
propôs que INFL fosse analisado da mesma maneira como um material lexical, isto é, adotar-
18
INFL é a abreviatura de Inflexion, que significa flexão. Vamos adotar a abreviatura INFL, por estar
consagrada na literatura.
55
se-ia INFL como núcleo da sentença. Daí teríamos IP19 → I SV, e o SN sujeito ocuparia a
posição de especificador de I.
A posição de I passou a ser local de aterrissagem de um movimento. A idéia geral é
que tanto auxiliares (como should, can etc.) finitos quanto o to característico de formas não
finitas em inglês ocupassem o núcleo de IP. Portanto, em formas flexionadas, como aquela da
sentença em She doesn't eat, o auxiliar does carregaria a flexão de tempo presente na terceira
pessoa do singular -s e ocuparia o núcleo de IP. O mesmo ocorreria com o to de uma sentença
com o verbo na forma não finita. Sob esse ponto de vista, um auxiliar, como should ou como
does, seria um I finito, enquanto o to seria um I não finito.
É importante acrescentar que a noção de o SN sujeito ocupando a posição de
especificador de um IP mudou na década de 90. Em 1991, Koopman e Sportiche sugeriram
que o sujeito não ocuparia a posição de especificador de IP e, sim, seria interno ao VP.
Somente após o movimento é que o SN sujeito viria a ocupar a posição de especificador de
IP. Chomsky (1995, cap. 2) adotou tal proposta e esta passou a ser conhecida como Hipótese
do Sujeito Interno ao VP. Essa proposta implica dois aspectos: o especificador de IP nunca
seria preenchido com itens lexicais, pois tais posições só seriam locais de pouso de sintagmas.
Além disso, o movimento do sujeito para o especificador de IP seria motivado pela
necessidade de receber caso.
Em 1989, Pollock propôs uma grande mudança na concepção da árvore sintática e de
IP, mudança esta que também foi adotada em Chomsky (1995, cap. 2).
Pollock (1989) realizou um estudo de comparação de movimento de verbos nas formas
finitas e não finitas em inglês e em francês, estudo este iniciado a partir de reflexões acerca do
trabalho de Emonds (1976) sobre flexão verbal em línguas como o inglês e em línguas como
o francês. Pollock (op. cit.) investigou as diferenças sistemáticas entre tais línguas observando
a posição do verbo em relação ao advérbio, aos quantificadores e às partículas de negação.
19
Em Chomsky (1986, p. 3), o autor substituiu INFL por um símbolo de uma única letra, a saber: I. Daí as
notações IP e I.
56
No que diz respeito à posição do verbo em relação ao advérbio, observou-se uma
diferença entre a língua inglesa e a francesa. Temos um exemplo de sentença gramatical, em
língua inglesa20:
(1) John often kisses Mary (João beija freqüentemente Maria)
freqüentemente beija
em que observamos que a ordem é advérbio/verbo, e temos como agramatical:
(2) *John kisses often Mary
beija freqüentemente
em que a ordem é verbo/advérbio.
Em francês, a sentença gramatical seria:
(3) Jean embrasse souvent Marie (João beija freqüentemente Maria)
beija
freqüentemente
na qual verificamos a ordem verbo/ advérbio, e a agramatical seria:
(4) *Jean souvent embrasse Marie
freqüentemente beija
cuja ordem é advérbio/ verbo.
Isto é, nas sentenças gramaticais na língua inglesa, o verbo está à direita do advérbio e,
em francês, o verbo está à esquerda do advérbio.
Pollock indicou que, em francês, o verbo iria movimentar-se para INFL, mas em
inglês o verbo não sairia da sua posição original, dentro do SV21. Pollock (op. cit.) então
apontou que, no caso das sentenças em francês, a flexão seria considerada forte. No caso do
inglês, a flexão seria fraca. Ou seja, a ordem verbo/advérbio em francês dever-se-ia ao
movimento de V para INFL em língua francesa ocasionado por um traço forte nesta categoria
funcional, que atrairia o verbo. Já a ordem advérbio/verbo em inglês dever-se-ia ao não
movimento de V para INFL, pois a postulação era a de que, nessa língua, INFL teria traço
fraco, incapaz de atrair o verbo.
20
Enumeraremos, neste capítulo, somente as sentenças que foram usadas em Pollock (1989), a fim de facilitar a
exposição das idéias.
21
Considera-se que o verbo seja gerado à direita dos advérbios, das partículas negativas e dos quantificadores.
57
O comportamento citado na relação verbo/advérbio é observado também na relação
verbo/quantificador e verbo/partícula de negação. Observemos os seguintes exemplos,
apontados em Pollock, que dizem respeito à relação verbo/quantificador:
5) Mes amis aiment tous Marie. (Meus amigos amam todos Maria)
amam
todos
6) *Mes amis tous aiment Marie.
todos amam
7) My friends all love Mary. (Meus amigos todos amam Maria)
todos amam
8) * My friends love all Mary.
amam todos
Temos a gramaticalidade na sentença em francês (5), em que verificamos que houve
movimento do verbo, pois encontramos a ordem verbo/quantificador. Mas há a
agramaticalidade na sentença (6), também em língua francesa, em que a ordem é
quantificador/verbo. O oposto é observado em sentenças em língua inglesa: a ordem
quantificador/verbo é que torna possível a gramaticalidade em uma sentença, como em (7),
sendo que, quando ocorre a seqüência verbo/quantificador, nessa língua, há a
agramaticalidade, como em (8).
Por fim, podemos observar que a gramaticalidade de uma sentença é possibilitada pela
ordem verbo/ partícula de negação, em língua francesa, como observado em (9). Tal
seqüência, entretanto, não é permitida em língua inglesa, tornando a sentença agramatical,
como verificado em (10).
(9) Jean n' aime pas Marie (João não ama Maria)
ama
não
(10) *John likes not Mary
ama não
Em toda essa explanação, foram considerados somente verbos em língua francesa em
sua forma finita. Pollock observou que os verbos não finitos em francês comportam-se como
os verbos lexicais em inglês tanto na forma finita quanto na forma não-finita, como se pode
observar em:
(11)
Ne pas sembler heureux est une condition por écrire des romans
não parecer
(Não parecer feliz é uma condição para escrever romances.)
(12)
*Ne sembler pas heureux est une condition por écrire de romans.
parecer
não
58
Ou seja, em estruturas com partícula de negação, o verbo, em sua forma não finita,
aparece à direita de tal partícula. Temos, então, em francês:
(13)
Partícula de negação + Verbo não finito
(14)
* Verbo não finito + Partícula de negação
Pollock observou que, em sentenças com verbos na forma não finita em francês, é
possível encontrar as seguintes estruturas:
(15)
Quantificador + verbo não finito
(16)
Verbo não finito + Quantificador
(17)
Advérbio + verbo não finito
(18)
Verbo não finito + Advérbio
Sentenças exemplificando (17) e (18) seguem abaixo:
(19)
Souvent paraître triste pendant son voyage de noce, c'est rare
Freqüentemente parecer
(Freqüentemente parecer triste em viagem de núpcias é raro.)
(20)
Paraître souvent triste pendant son voyage de noce, cést rare.
Parecer freqüentemente
(Parecer freqüentemente triste em viagem de núpcias é raro.)
A distribuição de verbos, quantificadores, partículas de negação e advérbios em
sentenças cujo verbo está na forma finita e na forma não finita em inglês e em francês é
resumida no quadro abaixo:
59
QUADRO 1
VERBOS FINITOS E NÃO FINITOS E SUA RELAÇÃO COM QUANTIFICADORES,
PARTÍCULAS DE NEGAÇÃO E ADVÉRBIOS EM INGLÊS E FRANCÊS,
SEGUNDO ESTUDO DE POLLOCK (1989)
LÍNGUA
INGLÊS
FRANCÊS
SENTENÇAS COM VERBO NA SENTENÇAS COM VERBO NA
FORMA FINITA
FORMA NÃO FINITA
1. Adv + Verbo
2. Quantificador + Verbo
3. Partícula de Negação +
Verbo
1. Verbo + Adv
2. Verbo + Quantificador
3. Verbo + Partícula
Negação
1. Partícula de Negação + Verbo
de
2. Quantificador + Verbo
Verbo + Quantificador
3. Partícula de Negação + Verbo
Verbo + Partícula de Negação
FONTE: POLLOCK, Jean-Yves (1989).
Diante do que foi exposto, Pollock percebe que há mais de um lugar que serve de
pouso para verbos: antes e depois de advérbios, de quantificadores e de partículas de negação.
Portanto, o autor sugere que, no sistema lingüístico, haveria traços formais de núcleos
funcionais distintos. INFL não seria um único nódulo com traços de tempo e de concordância,
mas cada um deles constituiria um nódulo distinto. Tal apontamento é denominado de SPLITINFL, que é a hipótese da flexão cindida.
A estrutura seria a seguinte:
60
IP22
NP
I'
I
NEGP
NEG
AGRP
AGR
VP
ADV
V
Podemos observar que, se Pollock sugere que AGR (concordância) seria dominado por
T(empo), há outros autores apontando o oposto. Belletti (1990) assinala que, em um
determinado número de línguas, pode-se obter evidência relevante para considerar-se
T(empo) sendo dominado por AGR. Isto porque, de acordo com a autora, o elemento de
concordância seria externo ao elemento de tempo na morfologia verbal. Essa sugestão estaria
baseada em estudos sobre a flexão italiana, que é bastante similar à portuguesa23. Vamos,
então, utilizar um exemplo em português: “Nós amamos”. O verbo seria formado pela raiz
(ama-), pela partícula indicadora de tempo (-va), que seria adjungida à raiz. Posteriormente, a
partícula indicadora de concordância (-mos) seria também adjungida. De acordo com a
ordem de formação do verbo, AGR, então, dominaria Tempo.
Resumindo, o que se tem nesta fase da teoria é T dominando AGR, que dominaria VP,
de acordo com Pollock, e AGR dominando T, que, por sua vez, dominaria VP, de acordo com
Belletti.
Chomsky (1995, cap. 2) nota que, na realidade, parece haver dois tipos de
concordância Verbo-SN: um com o sujeito e outro com o verbo. Seguindo as linhas básicas de
22
Apesar de ter sido apontado IP, esta projeção corresponde, na acepção de Pollock (1989), ao TP (sintagma de
tempo). Manteremos, aqui, a notação indicada pelo autor.
23
Nesta fase da teoria, o pressuposto é que os movimentos ocorreriam, havendo incorporação de partículas. O
Programa Minimalista, mais tarde, indicou que os movimentos ocorreriam para que houvesse a checagem de
traços e, mais recentemente, a idéia é que haja valoração de traços, conforme ainda veremos nesta seção.
61
Pollock, Chomsky sugere que se podem encontrar dois elementos AGR: o elemento de
concordância com o sujeito, AGRs; e o elemento de concordância com o objeto, AGRo. A
seguir, apresentamos a estrutura sugerida por Chomsky (op. cit.):
AGRsP
NP
AGRs’
AGRs
TP
T
AGRoP
AGRo
VP
ADV
V
Desta forma, teríamos AGRs mais próximo do sujeito e mais distante do verbo. AGRs
faria concordância com o sujeito e AGRo faria concordância com o objeto.
Em Chomsky (1995, cap. 3), há a proposta de que tanto as categorias AGR quanto a
categoria T(empo) teriam traços, cuja função era a de checar as propriedades dos verbos e dos
sintagmas nominais. Os verbos e os sintagmas nominais iriam movimentar-se a fim de checar
traços. O movimento seria percebido na Forma Fonológica quando os traços fossem fortes e
não o seria percebido foneticamente quando os traços fossem fracos. A adoção da noção de
traço forte e fraco possibilitou a Chomsky (op. cit.) explicar as diferentes ordens de palavras
nas diversas línguas, pois havia subida visível de um determinado elemento quando era
forçada pela presença do traço forte.
Em todas as línguas naturais, por exemplo, o verbo deveria mover-se indo para o
AGRo, depois para T, em seguida para AGRs. Esse movimento seria resultante da
necessidade de checagem de traços (diferentemente, portanto, da idéia de incorporação dos
62
afixos às raízes dos verbos, conforme vimos anteriormente). Em português, tal movimento
seria visível. Em inglês não.
Resumindo: tanto para Pollock (1989) quanto para Belletti (1990), existiriam dois
nódulos para flexão, um para T e outro para AGR. Para Pollock, T dominaria AGR. Para
Belletti, AGR dominaria T. Já para Chomsky, haveria AGRs e AGRo, sendo T um nódulo
intermediário. O que há de comum nessas propostas é que todos os autores defendem a
hipótese que as categorias funcionais têm grande importância na determinação da ordem das
palavras nas diversas línguas naturais.
Segundo a versão proposta em Chomsky (1995), há a sinalização que AGR já não
seria mais um nódulo constituindo um sintagma. Ao contrário de T, AGR não teria
interpretabilidade semântica na Forma Lógica e, portanto, há sugestões que tal categoria não
deveria ser o núcleo de uma projeção.
O que Chomsky (op. cit.) fez foi re-classificar os traços flexionais em interpretáveis,
por um lado, e não interpretáveis, por outro. Os traços interpretáveis seriam legíveis para a
interface semântica e os não-interpretáveis não o seriam. Quais traços seriam interpretáveis?
Os traços ϕ (traços fi, que são de número, pessoa e gênero) de N, pois diferenciam os
sentidos. Por exemplo: [homem, plural] tem uma interpretação distinta de [homem, singular].
Os traços de tempo de verbo também são considerados interpretáveis, já que há uma natureza
claramente distinta entre presente, passado e futuro. Já os traços ϕ de verbos não seriam
interpretáveis. Não interessam, para a interpretação semântica, por exemplo, o número e
pessoa de Ele foi e Eles foi. Igualmente o traço de caso é não interpretável, pois o pronome ele
pode vir à superfície com o caso nominativo ou acusativo, sem nenhuma distinção na
interpretação semântica. Os traços ϕ de nomes não precisam ser movidos para serem
checados, o que não deve ocorrer com os traços ϕ de verbos, pois estes devem ser checados e
apagados. Dessa forma, o nó AGR perde a função de checar traços.
63
Assim, em 1995, Chomsky afirma que, se AGR existe como lugar dos traços ϕ, essa
noção tem uma função restrita e um estatuto único, sem impacto particular nos processos
computacionais centrais. Ele sugere que as funções aparentes de AGR pudessem talvez ser
integradas dentro do sistema esboçado, através de uma assimilação de AGR com T. Chomsky
assinala que tal afirmação pode-nos levar de volta a um tipo de análise como a que era
convencional antes da teoria altamente produtiva do I desdobrado, teoria esta feita por Pollock
(1989), mas a proposta de Chomsky (1995) teria sido agora bastante modificada.
Em 1998, Chomsky ratifica a idéia que AGR teria somente uma noção relacional com
o verbo, em que número e pessoa constituiriam tais propriedades relacionais. AGR
resguardaria uma relação com o verbo somente. Se concordância não pode ser interpretada de
forma independente do verbo - como o pode T (que guarda a noção de passado, de presente e
de futuro) -, AGR não precisa constar na Forma Lógica. Isto está baseado no Princípio de
Economia proposto no Programa Minimalista: só é projetado aquilo que tem conteúdo.
Diante do exposto, o que era primordialmente INFLP, que passou a ser IP, que, por
sua vez, foi desmembrado em AGRsP, TP e AGRoP, passa agora a ser, na árvore sintática,
TP, local onde tempo é marcado. No núcleo de TP, há também os traços ϕ: pessoa, número e
gênero e, no especificador de TP, há um traço de EPP, que atrai o sujeito, que está em uma
posição inferior na árvore sintática.
Explicando um pouco mais sobre EPP: significa Extended Projection Principle
(Princípio da Projeção Estendida). Originalmente, o princípio indicava que cada constituinte
de T deve ser expandido em uma projeção de TP, que tem um especificador. Em trabalhos
mais recentes (Chomsky, 1998), diz-se que o fato de T ser expandido em TP, com um
especificador, é conseqüência de T carregar um traço [EPP], que deve ser um traço universal.
Se um T finito carrega traços de pessoa e número, seu traço de EPP requer que o sujeito tenha
traços ϕ correspondentes aos traços ϕ do verbo.
64
Para evoluirmos na explicitação do histórico acerca de estudos sobre as categorias
funcionais, vamos nos deter, agora, na divisão do SV, uma proposta denominada VP Shell.
Assim como houve razões de observação empírica para a proposta da cisão do nódulo de
flexão, há sugestão de divisão do SV em duas projeções: uma que seria o SV mesmo e outra,
projeção superior na árvore sintática, denominada vP, cujo núcleo é v, considerado uma
categoria funcional. Iniciemos o raciocínio24. Numa primeira acepção, teríamos, por exemplo,
para uma sentença como A bola rolou para baixo, a seguinte árvore sintática25:
SV
DP
V'
V
A bola rolou
SP
para baixo
O SV será, então, concatenado com o constituinte T para formar um T' e o traço de
[EPP] e os traços ϕ de T provocarão o levantamento do sujeito “a bola” para o especificador
de TP e de “rolou” para T. Teremos, então, a seguinte árvore:
24
O raciocínio e os exemplos aqui trazidos foram parafraseados de Radford (2004, p. 338-340).
Reiteramos: sabemos que, no atual momento da literatura relativa à sintaxe gerativa, não são mais
considerados os rótulos intermediários nas árvores. Ou seja, uma estrutura X’ não deveria entrar nas
representações, pois trariam informações redundantes, as quais não são desejáveis para o Programa Minimalista.
Entretanto, neste trabalho, manteremos tal notação, até para seguirmos grande parte de trabalhos em sintaxe
contemporânea, que ainda são desenvolvidos desta mesma forma.
25
65
TP
DP
T'
T
SV
DP
V'
V
SP
A bola rolou
para baixo
Entretanto, a sentença A bola rolou para baixo poderia ter a contraparte como sendo
Eles rolaram a bola para baixo. Como fica, dentro da teoria, a árvore desta sentença? Vamos
partir da derivação no ponto formado até VP, na penúltima árvore. Mas, agora, assume-se que
este VP é o complemento de um verbo leve causativo abstrato (que será representado como
∅), isto é, um verbo nulo com a mesma interpretação causativa que tem o verbo fazer (por
exemplo: Eles fizeram rolar a bola para baixo). Supõe-se que o verbo leve forme uma
estrutura que pode ser parafraseada literalmente como fazer + rolar a bola para baixo. A
estrutura v' resultante é concatenada ao sujeito Eles, ao qual é designado o papel temático de
agente do verbo leve causativo. Forma-se, então, o complexo vP apresentado a seguir:
vP
Esp
v'
v
SV
DP
V'
V
Eles
∅+ rolaram a bola
SP
para baixo
66
Na seqüência, o vP é concatenado ao constituinte T e o sujeito Eles levanta-se para o
especificador de TP. Por fim, o núcleo de vP “∅+ rolaram” levanta-se para o núcleo de TP.
O TP resultante, por sua vez, é concatenado ao complementizador declarativo nulo (cuja
notação é ∅) e a estrutura final é:
CP
C
TP
Esp
T'
T
vP
Esp
v'
v
SV
DP
V'
V
∅
Eles ∅+ rolaram
a bola
SP
para baixo
A noção do VP shell é estendida a todos os verbos transitivos. Desta forma, em
estruturas desta natureza, os sujeitos nascem originalmente no especificador de vP. São,
portanto, argumentos externos do verbo leve. Somente em estruturas cujos verbos não
atribuem caso acusativo (como, por exemplo, em: Eu saí) é que o sujeito nasce no
especificador de VP. Exposto tudo isso, podemos indicar “v” como uma das categorias
funcionais, no atual momento da teoria gerativa.
Ainda dentro da perspectiva dos últimos trabalhos de Chomsky, a idéia é a de que não
há mais movimentos de traços, antes há a adoção da concepção de uma combinação entre
probe (sonda) e goal (alvo) para que uma concordância se estabeleça. Para que um dado
67
constituinte possa servir de sonda, ele deve c-comandar26 o alvo com o qual vai estabelecer
concordância de traços e deve estar ativo, ou seja, deve ter os traços ϕ não valorados
(Chomsky, 1998). A proposta é que os traços continuem nos dois lugares, mas o valor dos
traços está somente em um deles, no início da derivação. Quando um lugar sem marcação se
encontra com um marcado, este valora aquele. Para exemplificar, tomemos a sentença: “O
gato tomou o leite”, para a qual temos a seguinte árvore:
26
A relação de c-comando é importante para que se entenda qual constituinte pode servir de sonda na relação de
concordância com um alvo. C-comando é uma relação estrutural entre dois constituintes. Para que um
constituinte X c-comande um constituinte Y, X tem que estar mais alto que Y na estrutura ou deve ser irmão de
Y. Mais especificamente, um constituinte X c-comanda seu constituinte-irmão e qualquer constituinte Z que está
contido em Y.
68
CP
Esp
C’
C
TP
Esp
T’
[traço de EPP]
T
vP
[traço ϕ - int]
[passado]
Esp
O menino
v’
[3 pessoa, plural]
[sem caso nominativo]
v
VP
[traço ϕ - int]
Esp
V’
V
Tom[affT]
DP
o leite
[3 pessoa,
singular
[affAGR]
[sem
caso acusativo]
69
Comecemos o raciocínio que nos permite entender como a sentença se formou.
Primeiramente, o determinante “o” e o nome “leite” foram retirados da numeração e
concatenados, formando um DP objeto “o leite”. Em seguida, o radical “tom-” entrou na
derivação com os traços de afixos de tempo (affT) e de concordância (affAGR) não valorados.
Vale dizer que não temos nada a ser colocado no especificador de VP, que, de um modo geral,
fica reservado a um advérbio. Como o verbo “tomou” é transitivo, o sujeito nascerá no
especificador de vP.
O próximo passo é a introdução do verbo leve v, que tem traços ϕ não-interpretáveis.
Neste momento, temos o seguinte: o DP objeto tem traços ϕ interpretáveis, mas não tem caso
valorado. O oposto ocorre com v: este constituinte tem caso acusativo a valorar e não tem os
traços ϕ valorados. Como v c-comanda o DP objeto e tem os traços ϕ não valorados, v serve
de sonda. O alvo é o DP objeto que valora os traços ϕ de v. A valoração envolve uma
operação denominada Cópia de Traço. Em conseqüência da aplicação da operação de Cópia
de Traço, os valores de número e pessoa de “o leite” são copiados em v. Um segundo reflexo
da relação de concordância entre v e o DP objeto é que este último constituinte passa a ter
caso acusativo.
O passo seguinte é concatenar o DP “O menino” com o v. “O menino” tem traços ϕ
interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Por meio de Agree, o DP “O menino” funciona
como sonda, valorando o afixo de concordância não interpretável, em v, pois o radical “tom-”
já se levantou para lá carregando todos os traços de afixos. Ou seja, o DP “O menino” valora
o afixo de concordância como terceira pessoa do singular e elimina o traço de concordância
não interpretável.
Quando T é retirado da numeração, ele tem traços ϕ não-interpretáveis, além de um
traço de tempo especificado como passado. T, que c-comanda o DP sujeito no especificador
de vP e tem traços ϕ não valorados, serve de sonda. T procura um alvo que tenha os mesmos
traços ϕ que ele, mas que sejam valorados. T encontra “O menino”, cujos traços ϕ são
70
interpretáveis e que valorarão os traços ϕ não valorados de T. Em conseqüência da aplicação
da operação de Cópia de Traço, os valores de número e pessoa de “O menino” são copiados
em T, de modo que os traços de pessoa e número de T não valorados passam a ser valorados.
O próximo passo da relação de concordância entre T e especificador de vP é que o DP sujeito
“O menino” passa a ter caso nominativo. Isso deve-se ao seguinte: caso não valorado no alvo
é valorado como nominativo pela sonda que carrega tempo finito. Isso se a sonda e o alvo
correspondem entre si no que diz respeito aos traços ϕ (no caso, pessoa e número).
Em seguida, temos que T também concorda com o verbo por meio de Agree,
valorando o afixo de tempo como passado.
Mas ainda não chegamos ao fim. Devemos dizer que “O menino” movimenta-se para
especificador de TP, local onde há um traço de EPP, princípio este que determina a subida do
sujeito para que a projeção seja completa.
Depois de Spell-out, em direção à forma fonológica, a operação Redução de cadeia
apaga a cópia de baixo do DP “O menino”. Por fim, os itens de vocabulário são inseridos pela
morfologia e [tom- + passado +3 pessoa do singular] é realizado como “tomou”. Como pode
ser observado, as formas verbais entram na derivação como um radical mais traços de afixos
de tempo e de concordância não valorados.
Notamos, nesta explanação, a mudança de afixação para checagem e de checagem
para valoração. Na afixação, V e N já viriam com os traços (ϕ e de caso) e obteriam tais
traços nas categorias funcionais (AGR e T) ou as categorias funcionais iriam até eles. Na
perspectiva da checagem, todas as categorias (lexicais e funcionais) já viriam com traços e
subiriam para um nódulo mais alto na árvore para checar tais traços e casos. Na valoração,
não haveria a redundância de marcação de traços em dois lugares. É possível fazer com que a
marcação esteja somente em um lugar. Os traços estariam nos dois lugares, no início da
derivação, mas o valor somente estaria em um deles. Enquanto um elemento não tem seus
71
traços valorados, ele está ativo. Depois que os traços de um determinado constituinte são
valorados, ele está congelado. Essa operação de valoração chama-se Agree.
Uma outra mudança fundamental trazida nos últimos escritos de Chomsky (1999 e
2001) está relacionada à concepção de que as estruturas sintáticas são construídas em fases,
sendo uma delas o complexo vP e a outra o CP. Ou seja, quando vP está completo, aí temos
uma fase. Posteriormente, quando CP está completo, temos outra fase da mesma estrutura
sintática. Ao final de cada fase, cada parte da estrutura sintática já formada se submete a uma
transferência aos componentes fonológicos e semânticos. A partir da formação de cada fase,
não há mais como operações sintáticas atuarem em tal estrutura sintática. Neste sentido, podese afirmar que cada domínio de fase (isto é, um alvo que é c-comandado pelo núcleo daquela
fase) é impenetrável para qualquer outra operação sintática. Chomsky (2001, p.5) refere-se a
esta condição como PIC: Phase Impenetrability Condition (Condição da Impenetrabilidade da
Fase).
Desta forma, conforme Chomsky (2001, p.13) pontua, a relação sonda/alvo deve ser
local, a fim de minimizar a tarefa de procura por parte da sonda pelo alvo apropriado. Esta
afirmação sugere uma explanação de processamento: as fases devem ser tão pequenas, quanto
possível, a fim de minimizar o trabalho da memória.
A partir de todos esses apontamentos, verificamos que os estudos sobre a construção
de estruturas sintáticas e de categorias funcionais vêm sofrendo várias transformações. Uma
delas é a proposição advinda de vários estudos, quase todos baseados em evidência empírica,
que projeções de diversas naturezas são divididas: daí o split de INFL, o split de VP e o split
de CP, sobre o qual explicaremos brevemente a seguir.
Rizzi (1997) propõe que a projeção CP (sintagma complementizador) seja dividida em
quatro partes, a saber: força, configurando ForceP; tópico, resultando em TopP; foco,
derivando FocP; e finitude, dando surgimento a FinP. O CP denota uma categoria particular
de palavra que introduz oração, tais como “que” (por exemplo, em “Eu quero que você faça
72
algo”), “se” (como em “Eu tenho minhas dúvidas se ela consegue realizar algo”) e “para”
(como em “Eu torço para ela entrar na faculdade”). A projeção ForceP teria a função clássica
conferida a CP, que é a de ter o papel de designar à sentença a força declarativa, interrogativa,
imperativa ou exclamativa. A projeção FocP teria, como núcleo, um constituinte que teria
sido movido para a frente da sentença a fim de ganhar foco, como, por exemplo, em “Doce,
eu não comprei”, em que o objeto sai de sua posição e vai para o início da sentença, a fim de
ter uma ênfase especial. Partindo de uma perspectiva de discurso, o foco seria uma notícia
nova, ou seja, uma informação que não foi previamente mencionada no discurso e assumida
não ser familiar por parte do ouvinte. Entre a projeção de força (a mais alta) e a projeção de
foco, teríamos, segundo Rizzi, a camada de Tópico. Nesta projeção, ao contrário da projeção
de foco, teríamos uma notícia velha, que é aquela informação que já foi mencionada no
discurso e, portanto, é assumido ser conhecido pelo ouvinte. Um exemplo:
Falante 1: “Você viu Jornal Nacional ontem?”
Falante 2: “Jornal Nacional, eu não dou mais conta de assistir.”
[Tópico]
Por fim, a quarta projeção funcional de CP seria FinP, o sintagma da finitude, que
indicaria se uma sentença é finita ou não finita.
Outra mudança percebida em toda esta explanação que, provavelmente, é uma das
mais significativas é a não consideração de AGRP, ou seja, um nódulo específico para o
sintagma de concordância. Na perspectiva de indicar uma nova divisão da projeção
relacionada à flexão, que, nos dias atuais, está ligada a T, alguns trabalhos nos acenam para a
possibilidade de aspecto verbal ser uma categoria, cuja projeção estaria contida em TP. A fim
de aprofundarmos neste assunto, passamos, na seção seguinte, à explanação do que vem a ser
aspecto verbal e à apresentação de algumas propostas de trabalhos que versam sobre a
inclusão de uma projeção aspectual na árvore sintática.
73
2.2.1 Aspecto verbal
De acordo com Chomsky (1998, p.15), os itens lexicais pertencem a duas categorias
principais: a substantiva e a funcional. Até agora, temos estudado as categorias funcionais,
pois elas são o foco de nosso estudo. Segundo Chomsky e toda explanação feita na seção
anterior, no atual momento da teoria gerativa, as categorias funcionais centrais são C
(expressando modo e força), T (expressando tempo e estrutura de evento) e v (o verbo light,
que é o núcleo de construções transitivas).
Reflitamos sobre a categoria funcional T, que expressa tempo e estrutura de evento.
De um modo geral, a literatura trata amplamente de tempo verbal. Mas o que vem a ser
estrutura de evento? Evento está relacionado a aspecto verbal e passamos, a partir de agora, a
trazer conceitos e uma distinção entre as duas categorias que parecem estar contidas em T:
tempo e aspecto verbais.
Segundo Comrie (1976, p. 5), tempo é uma “categoria dêitica, isto é, localiza situações
no tempo”. Já aspecto “está relacionado ao tempo interno da situação”. De acordo com o
autor, pode-se diferenciar entre tempo interno à situação como sendo relativo a aspecto e
tempo externo à situação como sendo tempo verbal.
A fim de completar o conceito de Comrie, trazemos também os conceitos propostos
por Travaglia (1981), em que o autor diferencia aspecto de tempo da seguinte forma:
Tempo situa o momento de ocorrência da situação a que nos referimos em relação ao
momento da fala como anterior (passado), simultâneo (presente) e posterior (futuro)
a esse momento. É uma categoria dêitica, uma vez que indica o momento da situação
relativamente à situação de enunciação. Neste caso, há uma datação. Já a categoria
aspecto não é uma categoria dêitica, pois se refere à situação em si. O aspecto são as
diferentes maneiras de ver a constituição temporal interna da situação, sua duração.
(Travaglia, 1981, p.32)
E o autor complementa o raciocínio:
Aspecto é uma categoria verbal de TEMPO27 (...), através da qual se marca a
duração da situação e/ou fases, sendo que estas podem ser consideradas sob
27
Travaglia (1981, p.31), antes de apresentar o conceito de aspecto e de diferenciar aspecto de tempo, indica três
sentidos básicos de tempo: "Tempo 1: categoria verbal (correspondente às épocas: passado, presente, futuro).
Tempo 2: flexão temporal. O autor se refere, aqui, aos agrupamentos de flexões da conjugação verbal: pres. do
74
diferentes pontos de vista, a saber: o do desenvolvimento, o do comportamento e o da
realização da situação. (Travaglia, op. cit., p.33)
Ainda segundo Comrie (op. cit., p. 25), pode-se apontar o seguinte diagrama, com a
classificação de oposições aspectuais:
Aspecto verbal
Perfectivo
Imperfectivo
Habitual
Contínuo
Não progressivo
Progressivo
De acordo com Comrie (op. cit. p. 17), perfectividade indica a visão de uma situação
como um todo único, sem distinção das várias fases separadas que fazem aquela situação,
enquanto o imperfectivo dá atenção à estrutura interna da situação. Um exemplo trazido pelo
autor (op. cit., p 3), traduzido para o português: “Ele leu” e “Ele estava lendo”. A diferença,
nestas duas sentenças, efetivamente, não é de tempo, pois as duas encontram-se no passado. A
diferença básica é de aspecto, sendo a primeira sentença marcada pelo aspecto perfectivo e a
segunda marcada pelo aspecto imperfectivo.
Em algumas línguas, há somente uma única categoria para expressar imperfectividade,
mas há outras nas quais a imperfectividade é subdividida em uma variedade de categorias
distintas. O autor aponta os aspectos habitual e contínuo28 como sendo duas subdivisões do
imperfectivo.
ind., pret. imp. do ind., fut. do pres., fut do sub. etc. Tempo 3: a idéia geral e abstrata de tempo sem
consideração de sua indicação pelo verbo ou qualquer outro elemento da fase.
28
Em nota de rodapé (op. cit. p.26), Comrie assinala que outros autores usam outra terminologia para
"contínuo", a saber "durativo".
75
Um traço comum em situações marcadas pela habitualidade é que ela descreve uma
situação caracterizada pela repetição de uma dada situação por um período de tempo extenso,
tão extenso que tal situação não pode ser referida como uma propriedade incidental do
momento, mas, precisamente, como um traço característico de todo o período29.
O aspecto contínuo é definido, de acordo com Comrie (op. cit., p. 26), como
imperfectivo em que não há habitualidade. Ou seja, ele faz uma definição por exclusão. De
acordo com o diagrama anterior, o aspecto contínuo pode ser subdividido em progressivo e
não progressivo.
Como Comrie não traz exatamente uma definição de progressivo,
recorremos a algumas definições, tais como:
Chama-se progressiva uma forma verbal que indica que uma ação está se realizando
(não acabada); em particular, progressivo é o nome da forma verbal do inglês,
composta pelo verbo be e da forma -ing (I am going). No português, a forma
progressiva é composta de estar e da forma -ndo. (Dubois et al. 1998, p. 488).
Em Crystal (2000, p. 212), encontramos um trecho que pode complementar a
definição anterior: “Geralmente, o contraste é entre “progressivo” e “contínuo” (Ex.: I am
going – “Estou indo”) e o não-progressivo30 ou “simples” (Ex.: I go – “Eu vou”).
Vale dizer que Travaglia (1981) não indica progressivo como um aspecto. Para ele,
esta é uma noção não-aspectual, mas geralmente é ligada a aspecto. De acordo com Travaglia
(op. cit., p. 46), “seu constante aparecimento nos estudos aspectuais se explica pelo fato que
elas (as noções não-aspectuais)31 estão ligadas a algum tipo de aspecto, podendo ser ou não
conseqüência do mesmo.” Para o autor (op. cit., p. 48), “Progressividade é a indicação de que
a situação tem um desenvolvimento gradual.” A despeito de seu ponto de vista, o autor não
explica claramente o porquê de “progressivo” não poder ser uma terminologia adequada para
designar aspecto. Do nosso ponto de vista, o aspecto que mais se aproxima do que aqui
29
Há que se chamar atenção, como fazem quase todos os autores que caracterizam o aspecto habitual, para a
possível confusão que possa existir entre habitual e iterativo. Este é marcado por uma situação repetitiva, mas
descontínua e limitada. Por exemplo, em "A menina saltitava como um cabritinho" (Travaglia, 1981), há aspecto
iterativo, pois a ação é descontínua e limitada, mas não há habitualidade na ação.
30
O negrito é feito pelo autor.
31
Nesta explicitação, Travaglia não se refere especificamente ao progressivo, mas sim a todas as noções não
aspectuais, usualmente tratadas como aspecto. Daí o plural.
76
estamos denominando de progressivo, para Travaglia, é o aspecto cursivo, que se caracteriza
por apresentar a situação em pleno desenvolvimento, ou seja, concebida como já tendo
passado seus primeiros momentos e ainda não tendo atingido seus últimos momentos. A
situação é apresentada na fase do meio de seu desenvolvimento. Alguns exemplos dados
como cursivo pelo autor: “Estamos fazendo um bolo para mamãe”, “Os rapazes continuam
jogando apesar da chuva” e “O presidente estava falando desde as cinco horas”.
É importante dizer que os trabalhos relativos a aspecto verbal não são fartos como o
são aqueles sobre tempo e concordância. Muitos deles se dedicam a verificar a categoria em
uma língua específica, outros fazem uma comparação entre várias línguas, mas poucos
discutem a categoria. Aqueles que o fazem usam nomes diferenciados para caracterizar os
vários tipos de aspecto verbal. Um exemplo já foi dado acima: Comrie usa progressivo e
Travaglia usa cursivo. Em algumas obras, encontramos uma nomenclatura para uma dada
noção aspectual e, para esta mesma noção, em outras obras, encontramos outras
denominações. Em outros casos, ora encontramos uma diversidade de designação de aspectos,
ora um número reduzido. Algo é certo: se há, nos estudos de aspecto verbal, pontos que
convergem, há muitos outros que apresentam diferenças entre si.
Avançando na nossa discussão acerca da categoria funcional T, na qual residiriam
noções de tempo e de estrutura de evento, conforme nos pontua Chomsky (1998), a seguir,
apresentaremos algumas propostas feitas por autores que sugerem a inserção da categoria
verbal como uma projeção na árvore sintática.
Hendrix (1991), por exemplo, ao estudar a morfossintaxe de duas línguas célticas, o
bretão e o galês, mostra-nos que a morfologia aspectual pode ser integrada dentro da teoria Xbarra (o quadro teórico que o autor usou, na ocasião, era Chomsky, 1986). Hendrix (op. cit.)
mostra como a categoria, e sua sugerida projeção, poderia ter papel fundamental em vários
processos sintáticos, quais sejam: o levantamento de verbo, o move alpha, a construção de
77
negação e a marcação de caso. O autor desenha sua árvore sintática e a projeção de T domina
a projeção de AGR, que, por sua vez, domina a projeção de ASP(ecto).
Uma abordagem que, em princípio, visa a dar explicação distinta da de Chomsky
(1993) para a ordem de palavras em línguas germânicas é feita por Solà (1996). Sem nos
determos nas idéias gerais do texto, passemos a algumas de suas explicações, em que há a
proposta de inserção, na árvore sintática, de várias outras categorias funcionais além de
tempo. No trecho que se segue, podemos verificar o ponto de vista de Solà:
Finally, there is another aspect of the minimalist program that sooner or later has
to be revised: it rather crucially relies (for minimality effects, for instance) on the
existence of their functional categories (AGRS, T, AGRO). On the one hand, most
languages seem to display a richer ontology of inflectional paradigms (which
includes Mood and Aspect, at least)32. (Solà, 1996, p.221)
Solà, então, propõe uma árvore em que sejam inseridas as seguintes categorias
funcionais: modo, tempo relativo, aspecto e telicidade, como ocorrem na estrutura a seguir:
CP
C
MoodP
Mood
TP
T
ReltP
Relt
AspP
Asp
TelP
Tel
VP
De acordo com o autor (p. 227), complementizador seria o lugar de if, that e
complementizador nulo, próprios de sentenças declarativas. Em modo, teríamos can, may,
32
Tradução: “Finalmente, há outro aspecto do programa minimalista que mais cedo ou mais tarde tem que ser
revisado: crucialmente conta-se (para efeitos minimalistas, por exemplo) com a existência de três categorias
funcionais (AGRs, T e AGRo). Por um lado, a maior parte das línguas parecem exibir uma ontologia mais rica
de paradigmas flexionais (que incluem modo e aspecto, pelo menos).” (Tradução nossa.)
78
will. Em tempo, teríamos todos os morfemas que são ligados a modais e verbos como is/was,
has/had. O tempo relativo seria ocupado unicamente pelo auxiliar have. Em aspecto, estariam
os morfemas –ed e –ing. Por fim, em telicidade, teríamos partículas tais como up, de He ate it
up (Ele devorou) e down de He wrote it down (Ele o depreciou por escrito).
No desenvolvimento de seu raciocínio, Solà propõe que verbos em inglês, em sua
forma no passado, sejam particípios. Então, worked de He worked seria um particípio passado
da mesma forma que worked em John has worked. Por isso, o primeiro não se movimentaria
mais que o segundo33.
Em relação aos verbos irregulares, o autor indica que, dos 135 verbos, 75% têm a
forma no passado igual à da forma no particípio. O autor evidencia ainda, por meio de
indicação de alguns dados, que há uma forte tendência em substituir a forma no passado pela
forma do particípio. Desta maneira, ele acredita que toda forma no passado é uma forma de
particípio. A proposta de Solà é que particípios são flexionados para aspecto e têm o traço
[-progressivo]. Mas como seria a interpretação diante de sentenças como John has/had left e
John left? Para o autor, no primeiro caso, o tempo estaria no auxiliar que é explícito e, no
segundo caso, haveria um auxiliar de tempo nulo [+passado].
E em relação ao presente? Para Solà (op. cit.), um morfema no presente só existe se
pode fazer oposição a um morfema no passado. Assim, as formas como arrives e arrived são
caracterizadas pelo aspecto [-progressivo] e a diferença entre elas seria um morfema de tempo
nulo, que, no primeiro caso, seria [-passado] e, no segundo caso, seria [+passado].
Desta forma, Solà propõe que, em inglês, os verbos lexicais seriam flexionados para
aspecto e, portanto, um nódulo Asp(ecto) seria inserido na árvore sintática.
Em 1999, Cinque realizou um amplo estudo, relacionando várias classes de advérbios
com núcleos funcionais, dentre eles: modo, tempo e aspecto. O autor verificou que vários
33
No momento em que o autor propôs isto ele estava preocupado em demonstrar que a diferença entre a ordem
de palavras em língua inglesa e em língua francesa não se deve a traços fortes e fracos, conforme preconizava a
teoria de Chomsky (1993 in Chomsky, 1995). Para o autor, a idéia essencial é que uma palavra flexionada
movimenta-se explicitamente se e somente se ela contém morfologia explícita do alvo do movimento, e que não
há movimento coberto.
79
tipos de advérbios em línguas distintas estão dispostos em uma seqüência rigidamente
ordenada. Cinque também verificou que há a possibilidade de haver um núcleo para cada
advérbio. Tal constatação foi interpretada da seguinte forma: um AdvP ocupa a posição de um
especificador de um determinado núcleo funcional que com aquele se relaciona. Tal
interpretação é ainda baseada em uma relação semântica transparente entre cada classe de
advérbio e o morfema núcleo contíguo à sua direita. Por exemplo, o advérbio again (outra
vez), em várias línguas, foi encontrado, em uma escala hierárquica, no mesmo lugar que o
núcleo funcional “aspecto repetitivo” deveria ocupar.
Na verdade, Cinque encontra a seguinte hierarquia de núcleos funcionais, derivada de
estudo em várias línguas:
“Mood (ato de fala)> Mood (avaliação) > Mood (evidencial)> Mod (epistêmico)>
Tempo (passado) > Tempo (futuro)> Mood (irrealis)> Mod (necessidade)> Mod
(possibilidade)> Aspecto (habitual) > Aspecto (repetitivo) > Aspecto (freqüentativo)
> Mod (volicional) > Aspecto (celerativo) > Aspecto (continuativo) > Aspecto
(perfectivo) > Aspecto (retrospectivo) > Aspecto (aproximativo) > Aspecto (durativo)
> Aspecto (genérico/progressivo) > Aspecto (prospectivo) > Aspecto (completivo I)
> Aspecto (completivo) > Voz > Aspecto (celerativo) > Aspecto (repetitivo) >
Aspecto (freqüentativo) > Aspecto (completivo).” (Cinque, 1999, p. 106)
Cinque (op.cit., p. 128-130) usa a noção para caracterizar cada projeção funcional com
dois valores: um não marcado (“default”) e outro marcado. “Marcado” seria o membro com
aplicação mais restrita. É menos freqüente, mais complexo conceptualmente e é expresso por
uma morfologia explícita. O membro não marcado tem uma aplicação mais ampla, mais
freqüente, mais básica conceptualmente e, de um modo geral, é expresso por um morfema
zero.
No que diz respeito ao tempo passado e aos aspectos por nós estudados, Cinque
assinala o seguinte: o caso em que os pontos de tempo são coincidentes, ou seja, em que o
tempo de fala, de referência e tempo de evento34 são coincidentes, o valor é default. Quando
34
Estes termos estão baseados no estudo feito por Reichbach (1947 in Cinque, 1999), o qual propôs e discutiu
uma teoria de tempos baseada nas entidades primitivas temporais, que são denominadas como “speech time”, S,
que é um índice referente ao tempo da fala; o tempo do evento, E; e o tempo de referência, R.
80
não há coincidência entre os tempos referidos, o valor é marcado. Portanto, o presente é
default (não marcado) e o passado tem valor marcado. No que diz respeito aos núcleos
aspectuais, Cinque (op. cit.) considera a presença do traço relevante (que é tipicamente
associado à morfologia explícita) para representar o valor marcado do núcleo e sua ausência
para representar o valor default.
Decorre desta acepção a afirmativa que, em todas as línguas naturais, haveria um
arranjo com todas as projeções funcionais disponíveis, pois os núcleos funcionais estariam lá,
com seus valores marcados e não marcados. Portanto, uma sentença como “Prices rise” teria
a mesma estrutura funcional que uma sentença aparentemente mais complexa, como “Prices
must not have been raised”. Isto porque, no caso da segunda sentença, os valores seriam
marcados e, no caso da primeira sentença, o valor é não marcado, sendo que todas as
categorias funcionais estariam presentes na estrutura sintática.
De acordo com o autor (op. cit., p. 132), tal proposta parece ir contra o espírito
minimalista de Chomsky (1995), pois, como este argumenta (op. cit., p. 240), a “postulação
de uma categoria funcional tem que ser justificada ou pelas condições de output (interpretação
fonética e semântica) ou pelos argumentos internos à teoria”. Cinque afirma, então, que cada
projeção teria uma interpretação semântica específica e assinala que, se os núcleos
necessariamente vêm com os traços marcados e ainda há os default, então é concebível que
para todas as sentenças seja requerida a estrutura funcional em sua integridade. O autor
declara que, por mais custoso que seja para as propostas do Programa Minimalista, sua
proposta é ainda mais adequada que aquela feita por Giorgi & Pianesi (1997, cap.1), cujas
idéias passamos a apresentar.
Giorgi & Pianesi (1997), doravante G & P, desenvolvem seu trabalho propondo que os
componentes universais da gramática são (op. cit., p. 137) (a) o inventário de traços entre os
quais uma criança seleciona aqueles relevantes de sua língua e (b) a ordem de checagem é
norteada pela “Restrição do Ordenamento Universal”, que postula que traços são checados
81
obedecendo-se a uma ordem. Ou seja, a checagem do traço 1 precede a checagem do traço 2.
Portanto, para os autores, a estrutura funcional, em si, não é universal. Ela é uma
conseqüência do ordenamento de traços.
Os autores ainda adotam o Feature Scattering Principle (O Princípio de Divisão de
Traços). Assim, para os autores, que concordam com Cinque (1994), se um advérbio, ou
melhor, um feixe de traços, identificado no léxico, está presente no arranjo, deve ser
projetado. Os traços, então, podem ser “difundidos” e um núcleo adicional pode ser obtido.
Tal núcleo pode ser um lugar de pouso para movimento.
Entretanto, a despeito de tanto G&P e Cinque adotarem uma proposta de
desmembramento de traços funcionais, incluindo aí os de aspecto, os primeiros apontam que
um feixe de traços associados com um único morfema pode ser projetado por mais de um
núcleo. Mas posições de especificadores extras somente seriam requeridas se fossem usadas
para localizar outros feixes de traços contidos no arranjo inicial. Isto implicaria dizer que, se
não há especificadores para serem projetados do arranjo inicial, nenhum núcleo extra poderia
ser criado. Vale dizer ainda que, no sistema de G & P, haveria uma convenção geral que
interpretaria a ausência de uma certa projeção como correspondente ao valor default do
núcleo relevante.
Para Cinque (op. cit., p. 133), a idéia de G&P, embora lhe pareça atraente, é mais
custosa que a proposta de ter sempre todas as noções funcionais estruturalmente
representadas. Para Cinque, se a estrutura funcional está sempre presente, pode-se “ler” o
valor default (e o valor marcado) de uma vez por todas e nenhuma convenção, por
conseguinte, seria necessária para os casos defaults.
Investigações sobre o status das categorias funcionais tempo e aspecto, principalmente
ligadas às áreas que estudam a aquisição e perda da linguagem sob a perspectiva da teoria
gerativa, no português brasileiro, são raras. Entretanto, alguns trabalhos têm surgido, como é
o caso de Novaes (2004), que investigou a fala de dois pacientes afásicos agramaticais e
82
detectou uma dissociação entre tempo e concordância verbais. No texto, é relatado que os
pacientes investigados não apresentavam, em suas falas, problemas de concordância, mas sim
de tempo. A análise do autor avança, detectando, além de déficits de tempo, problemas com
aspecto verbal. Tal achado levou Novaes a sugerir que aspecto deve estar dissociado de tempo
na árvore sintática e que pode substituir o nódulo anteriormente ocupado por AGR.
Um trabalho recente sobre afasiologia lingüística foi desenvolvido e, nele, apontou-se,
também, o aspecto como um nódulo na árvore sintática que substituiria AGR. Braga (2004)
observou que a paciente por ela pesquisada quase não produzia verbos. Quando o fazia, usava,
na maior parte das vezes, o presente e o pretérito perfeito do indicativo, além da locução ‘ir +
infinitivo’ usada no Brasil para expressar futuro. Em relação ao pretérito perfeito e ao
pretérito imperfeito, a paciente tinha uma preferência por usar o primeiro. Segundo Braga
(2004), a paciente parece manter a noção de Tempo passado, encontrando dificuldade apenas
com a produção de traços imperfectivos. Uma sugestão de Braga (op. cit.) é que o nódulo de
flexão seja constituído por pelo menos três outros nódulos. O mais baixo hierarquicamente
seria para checagem de finitude, já que a paciente produz verbos na forma finita, mas nem
sempre produz o pretérito imperfeito. O nódulo seguinte seria para checagem de tempo, que,
de alguma forma, parecia estar preservado na gramática mental da paciente estudada. O
último nódulo, de acordo com Braga, seria para checagem de aspecto. Este último, de acordo
com a análise da autora, parecia estar comprometido.
Resumindo: neste capítulo, vimos os pressupostos teóricos delineados pelo quadro da
teoria gerativa. Vimos que a faculdade da linguagem é considerada um órgão inato e
inconsciente. Indicamos também a gramática de uma língua seria formada pelo léxico e pelo
componente computacional e interagiria com os sistemas de desempenho, que se subdividem
em sistema articulatório-perceptual (sistema da fala) e sistema conceptual-intencional
(sistema do pensamento). Apresentamos as operações concatenar e mover e verificamos que,
83
no Programa Minimalista, há a pressuposição de princípios de economia, em que o
movimento de elementos lingüísticos só se dá por necessidade e isso ocorre em função dos
traços de tais elementos lingüísticos. Em seguida, apresentamos um histórico dos estudos
sobre as categorias funcionais tempo e concordância sob a perspectiva da gramática gerativa.
Vimos que o que antes era concebido como um único nódulo – INFL – pode ser pensado
como dividido em várias projeções. Na história da literatura gerativa, INFL já foi concebido
como dividido em Tempo e Concordância. Após 1995, concordância perdeu o seu status na
representação dentro da árvore sintática, mas outros trabalhos visam a demonstrar que a
adoção de divisão de várias outras categorias é pertinente. Dentro desta perspectiva, vimos a
proposição de divisão não só de INFL, mas também do sintagma complementizador e do
sintagma verbal. Por fim, apresentamos abordagens acerca de aspecto verbal, trazendo
conceitos importantes, focando-nos naqueles que serão necessários para melhor compreensão
do desenvolvimento de nossa pesquisa, quais sejam: perfectivo e imperfectivo e, dentro desta
última categoria, progressivo e habitual. Trouxemos, também, várias propostas que sugerem a
inserção de uma projeção aspectual na árvore sintática, portanto propostas que nos acenam
para a possibilidade de uma divisão do nódulo tempo, em pelo menos duas projeções, tempo
propriamente dito e aspecto.
Nesta tese, conforme já anunciado, estudamos o status das categorias tempo e aspecto
na fala de um menino diagnosticado como DEL. Conforme apresentaremos no capítulo 6, na
observação da fala eliciada desse indivíduo, podemos detectar dados que nos sugerem a
dissociação entre as duas categorias.
No próximo capítulo, veremos alguns estudos que investigaram a aquisição de
categorias funcionais, tempo e concordância, primeiramente, e aspecto verbal, em seguida,
por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem.
84
3
CARACTERIZAÇÃO DAS GRAMÁTICAS DE CRIANÇAS EM FASE DE
AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
Neste capítulo, traremos alguns conceitos importantes nos estudos sobre aquisição de
linguagem sob uma perspectiva gerativista. Inicialmente, apresentaremos um modelo de
parâmetros e suas implicações para uma teoria de aquisição de linguagem possível a partir dos
estudos baseados na Gramática Universal. Depois, apresentaremos duas vertentes que visam a
entender e a explicar como a criança adquire a língua, quais sejam: (a) a vertente que entende
que a criança precisa adquirir as categorias funcionais e (b) a vertente que entende que as
crianças já nascem com todas as categorias funcionais, as quais já estariam disponíveis desde
muito cedo na gramática mental das crianças. Por fim, traremos alguns trabalhos que tratam
sobre a aquisição de aspecto verbal por parte de crianças em fase normal de aquisição de
linguagem.
3.1 MODELO DE FIXAÇÃO DE PARÂMETROS
A aquisição da língua, por parte de uma criança, envolve as tarefas de aprender o
léxico e de fixar os parâmetros dessa língua. A aprendizagem do léxico está relacionada à
construção de um vocabulário da língua em questão, ao aprendizado de quais são os
significados das palavras e que formas essas palavras podem ter (por exemplo, se são
regulares ou irregulares no que diz respeito à morfologia).
Como já esboçamos na seção 2.1, a faculdade da linguagem inata incorpora (a) um
conjunto universal de princípios e (b) um conjunto de parâmetros gramaticais que impõe
restrições à quantidade de variação gramatical permitida em línguas naturais. Desde que os
princípios universais não devem ser aprendidos, pois eles são inatos, a tarefa da criança deve
85
ser a de fixar parâmetros. Essa concepção é baseada na Teoria dos Princípios e Parâmetros de
Chomsky (1981).
Um dos problemas que surge da acepção do modelo de fixação de parâmetros na
aquisição de linguagem é entender como as crianças chegam à fixação adequada de um
determinado parâmetro e quais tipos de evidência elas usam na fixação de parâmetros. Dentro
deste contexto é que se coloca o “Problema de Platão”: como as crianças adquirem uma
língua a partir de tão pouca evidência?
Conforme Chomsky (1981, p.8-9) nos traz, há dois possíveis tipos de evidências que
poderiam estar disponíveis para a criança em fase de aquisição de linguagem: a evidência
positiva e a evidência negativa. A evidência positiva compreenderia um conjunto de
expressões observadas ilustrando um determinado fenômeno lingüístico particular. Por
exemplo, se o input lingüístico da criança é constituído por estruturas nas quais os núcleos
antecedem seus complementos, isto dá a tais crianças uma evidência positiva que as capacita a
fixar o parâmetro de posição de núcleo adequadamente.
A evidência negativa poderia ser de dois tipos: a direta e a indireta. A evidência
negativa direta deve vir de correções de erros das crianças por parte de seus pais, de falantes
da mesma língua etc. Ao contrário do que se pode imaginar, a correção tem um papel
insignificante no processo de aquisição de língua. Primeiro, porque a correção é relativamente
rara: os adultos simplesmente não corrigem todos os erros que as crianças fazem. Em segundo
lugar, as crianças não se importam muito com as correções. Muitas vezes, logo após serem
corrigidas, elas voltam a produzir aquele erro anteriormente cometido. Muitos estudos, como
o de Hyams (1986, p. 91), afirmam o mesmo. Hyams aponta que: “Negative evidence in the
form of parental disapproval or overt corrections has no discernible effect on the child’s
developing syntactic ability”35.
35
“Evidência negativa advinda de desaprovação por parte de pais ou correções explícitas não têm efeito
discernível no desenvolvimento da habilidade sintática da criança.” (Tradução nossa.)
86
A evidência negativa indireta está relacionada à não ocorrência de certos tipos de
estrutura. Isto é, a criança não fixa o parâmetro apropriado à sua língua ouvindo estruturas
que não existem nessa mesma língua. Se isso ocorresse, a criança necessitaria de processar
uma grande quantidade de estruturas, as gramaticais e as agramaticais, até achar aquela
adequada à sua língua, o que demandaria muito tempo e contrastaria com a velocidade rápida
com a qual se adquire uma língua.
Deste modo, assume-se que a criança não precisa de evidência lingüística negativa
para adquirir sua língua. Antes, necessita de uma quantidade mínima de evidência positiva
para identificar o parâmetro adequado. Considerações como estas levaram Chomsky (1986,
p.55) a concluir que “There is good reason to believe that children learn language from
positive evidence only.36”.
O advento da teoria dos Princípios e Parâmetros, conforme se pode depreender, deu
grande impulso aos estudos em aquisição da linguagem. Isso porque tal arcabouço permitia o
mapeamento dos estágios da aquisição de uma língua por meio da observação dos estágios
pelos quais a criança ia passando. Nesta acepção, a criança parte de uma base pré-moldada à
experiência (que corresponde aos princípios) e vai adequando os dados da língua que está
adquirindo a essa base (que seriam os parâmetros).
A partir do trabalho de Borer (1984), a visão de parâmetros passa a ter ligação
exclusiva com as categorias funcionais. O raciocínio, de alguma forma já explicitado no
capítulo anterior, é o seguinte: se as línguas naturais variam no que diz respeito à sua
morfologia, então os elementos responsáveis pelos aspectos morfológicos é que devem estar
relacionados aos parâmetros. Em outras palavras, os elementos morfológicos, que em tese são
as categorias funcionais, são aqueles responsáveis pela diferença de fixação de parâmetro. Por
exemplo, são as categorias funcionais as responsáveis pela fixação, nas diversas línguas
naturais, da ordem sujeito-verbo ou da colocação do verbo em primeira, ou em segunda, ou
36
Há boa razão para acreditar-se que as crianças aprendem a língua de evidência positiva somente.” (Tradução
nossa.)
87
em última posição em uma sentença. Como as categorias funcionais pertencem a uma classe
fechada, constituem um conjunto pequeno de elementos. Portanto, a criança deve, ao adquirir
uma língua, fazer escolhas dentro de um conjunto muito pequeno de opções, o que explicaria
a rapidez do processo de aquisição da língua.
A partir de Borer (op. cit.), surgiram inúmeros estudos em aquisição de linguagem,
adotando a noção de que as categorias funcionais são portadoras dos parâmetros das línguas.
Se há consenso no que diz respeito ao que foi dito até agora nesta seção, há inúmeras
controvérsias em relação às hipóteses que viriam a explicar como as crianças adquirem as
categorias funcionais. De um modo geral, podemos apontar duas grandes vertentes. Uma
vertente que acredita que as crianças vão adquirindo as categorias funcionais obedecendo a
um processo de maturação e uma segunda vertente que indica que as crianças não precisam
adquirir tais categorias, pois estas já estariam disponíveis desde o nascimento. Passemos à
explicitação de algumas abordagens que constituem tais vertentes.
3.2 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS PRECISAM SER
ADQUIRIDAS
A vertente que indica que as crianças em fase de aquisição de linguagem precisam
adquirir as categorias funcionais sugerem que tal processo acompanha um amadurecimento da
gramática mental. Esta vertente é também conhecida como maturacional e as várias
abordagens que a compõem têm, em comum, um calendário maturacional, geneticamente
determinado, de acordo com o qual as categorias funcionais iriam sendo adquiridas. Logo, o
desenvolvimento da linguagem, dentro desta perspectiva, é determinado por fatores
maturacionais inerentes, similares a fatores conhecidos por restringir o desenvolvimento de
outros fenômenos biológicos.
88
Essa vertente possui pelo menos duas correntes: a versão forte e a versão fraca. A
versão forte (Radford, 1990 e 1992; Guilfoylle e Noonan, 1988; Tsimpli, 1991; dentre outros)
seria caracterizada por propostas que sugerem que, no início da aquisição da linguagem, não
há nenhuma categoria funcional e apenas as categorias lexicais (SN, SV, SA) estariam
disponíveis. Na versão fraca (como por exemplo, Rizzi (1994)), alguma(s) categoria(s)
faria(m) parte da Gramática Universal, desde cedo.
Apresentaremos, a seguir, com mais detalhes, as propostas de Radford (1990, 1992),
de Guilfoylle e Noonan (1988) e de Tsimpli (1991).
Para Radford (1990 e 1992), as estruturas sintáticas encontradas na fala de crianças em
fase de aquisição de linguagem diferem das estruturas sintáticas presentes na fala de um
adulto em dois aspectos. Para o autor, primeiramente, enquanto na fala dos adultos há
projeções de núcleos lexicais e de núcleos funcionais, na fala das crianças há somente
projeção de núcleos lexicais. Ou seja, há somente sintagmas verbais, nominais, preposicionais
e adjetivais. Em segundo lugar, para o autor, na fala dos adultos há redes de constituintes em
que há relações temáticas e não temáticas, enquanto que, na fala das crianças, há somente
relações temáticas, isto é, há conjunto de constituintes irmãos tematicamente relacionados.
Ou seja, para a criança, uma sentença como “Homem dirige carro”, toda a estrutura
seria uma estrutura lexical na qual há somente projeções de um SN e de um SV, sendo que o
V marcaria tematicamente seu constituinte irmão SN “carro”, designando a ele o papel
temático de “paciente” e o SN “homem” receberia o papel temático de “agente”.
Portanto, segundo esta acepção, na gramática das crianças no início da aquisição da
linguagem, haveria somente as projeções lexicais de V dentro de SV e não haveria as
projeções funcionais não temáticas, tais como AGRP, TP e CP. Para Radford, as crianças
passariam a adquirir as categorias funcionais ao mesmo tempo.
Para as autoras Guilfoylle e Noonan (1988) e Tsimpli (1991), as categorias funcionais
iriam surgindo uma a uma. Passemos a tais abordagens.
89
Guilfoylle e Noonan (op. cit.), a fim de explicar os fenômenos relacionados à
aquisição de categorias funcionais por parte da criança em fase normal de aquisição da
linguagem, indicam a “Hipótese da Construção da Estrutura”. Para as autoras, as categorias
funcionais emergem depois das categorias lexicais. Nos estágios iniciais da aquisição, as
crianças teriam nomes, verbos, adjetivos e preposições, mas não teriam INFL,
complementizadores, determinantes e caso. Como resultado, a gramática da criança, em fase
normal de aquisição da linguagem, diferiria daquela do adulto. Mas isto não implica, segundo
Guilfoylle e Noonan (op. cit.), que as crianças não devam ter as “ferramentas” para acessar
elementos necessários à gramática final e completa tal como é a do adulto.
De acordo com Guilfoylle e Noonan (op. cit.), as estruturas nunca violarão princípios
da GU, mas alguns princípios devem aplicar-se no vácuo. Por exemplo, o Princípio da
Projeção Estendida declara que todos os IPs devem ter sujeitos. Este princípio atuaria no
vácuo em estágios iniciais da aquisição porque INFL não estaria presente. Esta visão de
aquisição, de acordo com as autoras, é restritiva, pois considera a gramática da criança como
subconjunto da gramática do adulto. A gramática da criança variará exatamente dentro
daquilo que é possível de ser variado nas línguas do mundo: nas estruturas geradas pela base,
mas não nos princípios que se aplicam a essas estruturas.
Para as autoras, conforme já dito, haveria dois estágios no início da aquisição da
linguagem. No primeiro, somente as categorias lexicais estariam presentes na fala das
crianças. No segundo, surgiriam as categorias funcionais, obedecendo a quatro estágios (op.
cit., p. 36): estágio 1 - somente SVs são projetados; estágio 2 – IP’s emergem e, por
conseguinte, auxiliares são gerados sob I; estágio 3 – a relação transformacional entre V e I é
descoberta: marcação de concordância e exemplos de verbos principais ocorrem em segunda
posição em línguas que os requerem nesse local; estágio 4 – tanto IP quanto CP surgem.
Por fim, as autoras fazem considerações acerca de duas questões pertinentes no estudo
da aquisição da linguagem, a saber: (1) o motivo pelo qual as crianças parecem adquirir a
90
gramática lexical primeiro que a gramática funcional e (2) a possibilidade ou não da
emergência da gramática funcional ser completamente independente dos dados de entrada na
gramática mental da criança. Em resposta à primeira pergunta, as autoras apontam que parece
que as crianças adquirem primeiramente o léxico justamente porque não há muita variação do
conjunto de palavras nas línguas naturais. O mesmo não ocorre com as categorias funcionais,
pois variam em suas propriedades de língua para língua. Em relação à segunda pergunta, as
autoras indicam que a entrada dos dados é importante para aquisição das categorias
funcionais, mas antes deve ocorrer uma maturação para que haja a emergência de tais
categorias. Tal proposta, segundo as autoras, é interessante porque explica o motivo pelo qual
somente após um determinado tempo é que as crianças parecem ter adquirido as categorias
funcionais, pois, em princípio, a criança sempre teve contato com os dados de categorias
funcionais.
Uma outra autora que se insere na abordagem de maturação para a explicação de como
a criança adquire a língua diz respeito a Tsimpli (1991). A autora sugere que há um
amadurecimento das categorias funcionais e considera que a estrutura da sentença na fala da
criança não tem projeção funcional alguma. Para Tsimpli (op. cit.), a cada momento, uma
nova categoria funcional amadurece e é adicionada à estrutura da sentença. Isto implica que o
desenvolvimento da linguagem é essencialmente um processo de construção da estrutura.
Mesmo diante da possibilidade da presença de marcas de categorias funcionais em
algumas palavras de várias línguas naturais, Tsimpli (op. cit.) sustenta seu ponto de vista. A
autora utiliza exemplos em grego, em que há morfemas de AGR na fala de crianças em fase
normal de aquisição de linguagem e indica que, a despeito do surgimento de tal morfema na
fala desses sujeitos, isto deve-se, provavelmente, à necessidade de, nesta língua, haver um
morfema de concordância junto a uma raiz verbal, caso contrário não há como se falar tal
forma. O surgimento de concordância na fala da criança não se deveria, naquele momento,
segundo Tsimpli, a um amadurecimento de elementos funcionais.
91
As propostas de Radford (op. cit.), de Guilfoylle e Noonan (op. cit.) e de Tsimpli (op.
cit.) convergem para uma análise análoga: a de que as categorias funcionais não existem na
gramática mental das crianças logo no início da aquisição da linguagem e a de que tais
categorias amadurecem ao longo do desenvolvimento da aquisição da linguagem. Para o
primeiro autor, as categorias emergem em paralelo, ou seja, ao mesmo tempo. Para as outras
autoras, as categorias funcionais emergem uma a uma.
Conforme já pontuado no início desta seção, uma versão mais fraca defensora da
hipótese maturacional pode ser exemplificada por Rizzi (1994), o qual indica uma Teoria do
Truncamento (Truncation Theory). Para o autor, a aquisição das categorias funcionais deve
ocorrer em duas fases. Na primeira etapa, que seria fruto da Gramática Universal, a categoria
IP, cindida ou não, já estaria presente. Somente em uma segunda etapa é que a categoria CP
seria adquirida. O que se propõe, dentro desta perspectiva, é que, se determinada categoria
funcional não está presente na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem, então
nenhuma categoria funcional que se situa acima dela estará presente.
Vários autores se opõem à corrente maturacional, apontando que há problemas
conceituais e empíricos. No que diz respeito aos problemas conceituais, argumentações (por
exemplo, de Hyams, 1986 e 1996) indicam que a corrente maturacional parece ir contra a
teoria dos Princípios e Parâmetros, em que há adoção do ponto de vista que todas as
categorias funcionais já estariam disponíveis para as crianças antes mesmo da experiência
lingüística. Em uma tentativa de contrapor-se a tal ponto de vista, Guilfoylle e Noonan (op.
cit.) chegam a admitir que, na verdade, o que é passível de amadurecimento são as estruturas
que compõem uma gramática e não os princípios da GU. Logo, os princípios nunca seriam
violados em um dado momento da aquisição da linguagem, não contrariando, portanto, os
pressupostos da teoria gerativa, a de que os princípios são inatos. No que diz respeito aos
problemas empíricos, as abordagens da corrente maturacional parecem não dar conta de
explicar a produção de algumas sentenças no estágio inicial de aquisição de linguagem por
92
parte de crianças alemãs, em que parece haver a presença de CP’s, conforme nos trazem
Poeppel e Wexler (1993).
Em contraponto à vertente que indica que as crianças devem adquirir as categorias
funcionais, temos uma vertente que aponta que as crianças já teriam as categorias funcionais
disponíveis desde o nascimento. Na próxima seção, trataremos algumas abordagens que
compõem tal vertente.
3.3 HIPÓTESES QUE INDICAM QUE AS CATEGORIAS FUNCIONAIS NÃO
PRECISAM SER ADQUIRIDAS
As abordagens apresentadas nesta seção defendem a hipótese que as crianças não
precisam adquirir as categorias funcionais, pois estas já estariam disponíveis antes mesmo de
ter experiência lingüística. A despeito de terem este ponto em comum, tais abordagens se
dividem em pelo menos dois grupos bastante distintos no que diz respeito às suas propostas de
explicação para a aquisição de língua. O primeiro grupo, aqui representado por Pinker (1995 e
1999) e Yang (2002), defende a hipótese continuísta, em oposição à hipótese maturacional. O
segundo grupo também acredita que as crianças têm as categorias funcionais disponíveis
desde o nascimento, mas a gramática de tais indivíduos passaria por um processo de
maturação e, somente após tal amadurecimento, é que o desempenho lingüístico das crianças
passaria a ser semelhante ao do adulto. Apresentaremos Wexler (1996 e 1998) como
pertencente a este grupo.
Comecemos nossa exposição com Pinker e Yang. Para esses autores, as crianças já
teriam as categorias funcionais desde o nascimento e, a cada entrada de novos dados, a
gramática da criança seria levada a uma reestruturação, daí a idéia de continuidade. A
motivação para o movimento de um estágio para o outro viria de um “desencadeador”
93
presente no meio lingüístico que levaria a criança a reestruturar sua gramática e, assim, passar
para o próximo estágio da gramática.
Para Pinker (1995, 1999), por exemplo, o sistema computacional para o tempo
passado, consiste de dois componentes: o primeiro seria o componente “regra”, seguindo a
tradição da lingüística gerativa, em que verbos regulares em língua inglesa são flexionados
após a aplicação de uma regra fonológica default, que adiciona –d à raiz verbal. Segundo o
autor, a formação do passado de verbos irregulares naquela língua seria feita via
associação/memorização de pares entre uma raiz verbal e seu tempo passado. As
possibilidades de ocorrência de associação seriam condicionadas à freqüência de verbos
irregulares que a criança ouve. Aí então ela memorizaria tais verbos de acordo com tempo e
experiência. Para Pinker, as crianças memorizariam as formas verbais irregulares no tempo
passado por uma rota de associação de pares, tais como “feed-fed”, “bring-brought”, “shootshot” etc.
Para Yang (2002), a criança, desde muito cedo, teria acesso a várias gramáticas
especificadas pela GU e cada gramática teria um peso. Por exemplo, uma criança teria, pelo
menos, duas gramáticas: a G1, a gramática alvo usada no meio lingüístico, e a G2, a
gramática competidora. Cada uma teria um peso associado. Inicialmente, as duas gramáticas
não seriam diferenciadas, isto é, teriam pesos comparáveis. No início da aquisição, a criança
produziria tanto sentenças de uma gramática, quanto de outra. Mas, com o passar do tempo, o
peso de G2 diminuiria gradualmente, pois, pelo menos para alguns dados de input, ela seria
incompatível. Logo, em um período intermediário da aquisição, haveria uma produção maior
de sentenças de G1, mas com algumas ocorrências de G2. Quando a aquisição da linguagem
cessasse, G2 teria sido eliminada completamente e G1 seria a única gramática a que a criança
teria acesso. Portanto, para Yang, a aquisição da linguagem dar-se-ia em trocas ativas de
possibilidades lingüísticas, baseadas na associação peso/probabilidade. A aquisição cessaria
94
quando os pesos de todas as gramáticas estivessem estabilizados e, por conseguinte, tais
gramáticas não seriam mais trocadas.
A maior tarefa que se impõe a essas abordagens é responder por que as crianças, em
seu output lingüístico, demonstram diferenças em relação à fala dos adultos se as gramáticas
infantis já têm as categorias funcionais tal como os adultos possuem. Para os defensores da
corrente continuísta, há um elemento desencadeador na troca de um estágio a outro da
gramática. Pode-se perguntar, ainda, com que freqüência este “desencadeador” deve estar
presente no meio lingüístico para facilitar o acesso ao estágio posterior. Em complemento a
essa pergunta, pode-se ainda indagar por que, de repente, a criança prestaria “atenção” a
certos dados - presentes no input lingüístico e até então ignorados - que “desencadeariam” a
passagem de um estágio a outro. Estas são questões que se fazem aos defensores da hipótese
continuísta.
A seguir, apresentaremos uma proposta para a aquisição de categorias funcionais, que
também defende que as crianças já têm, no início da aquisição da linguagem, as categorias
funcionais: Wexler (1996 e 1998). Tal abordagem difere-se daquelas feitas por Pinker e Yang
porque acredita que a gramática da criança passa por um processo de maturação. Mas a
proposta de Wexler contrapõe-se às propostas originalmente de maturação, feitas por Radford,
Guilfoylle e Noonan e Tsimpli, porque, para estas últimas, as crianças não teriam nenhuma
categoria funcional disponível no início da aquisição da linguagem. Wexler defende uma
maturação das categorias funcionais sim, mas que não parte de um pressuposto de uma total
ausência de tais categorias da gramática mental das crianças. Apresentaremos as idéias deste
autor com mais detalhes, pois os dados obtidos para fins desta tese serão, pelo menos em
parte, analisados à luz do arcabouço trazido por Wexler (1996) e, principalmente, por Wexler
(1998).
Para Wexler (1996), as crianças conhecem a existência de categoria funcional de
tempo desde muito cedo. Para o autor, as crianças conhecem ainda a relação de itens
95
flexionais com traços morfológicos e sintáticos, a possibilidade de movimento de verbo
quando o verbo é finito e a proibição disso quando o verbo não está na forma [+finito]. O
autor apresenta este ponto de vista, baseando-se em estudo de dados encontrados em Pierce
(1989, 1992 in Wexler, 1996) e em Poeppel e Wexler (1993). Pierce, por exemplo, trabalhou
com sentenças faladas por três crianças francesas e procurou verificar se o verbo está no
infinitivo ou não. Além disso, observou também se o verbo precede ou segue pas. Foi
verificado o seguinte: de um modo geral, as crianças enunciaram sentenças com verbo
[-finito] quando este estava à direita de pas e com verbo [+ finito] quando este estava à
esquerda de pas, coincidindo com a gramaticalidade nas sentenças em língua francesa. Esses
resultados sustentam a hipótese proposta por Wexler e, portanto, vão de encontro com as
propostas feitas por Radford, Guilfoylle e Noonan e Tsimpli, para os quais as crianças desde
muito cedo não teriam a categoria tempo.
Poeppel e Wexler (1993), por sua vez, realizaram uma pesquisa com o intuito de
verificar a relação finitude e ordem de palavras e, em seu texto, indicaram que uma criança
alemã com dois anos e um mês sempre pronunciou verbos [+ finito] na segunda posição em
sentenças principais e [-finito] no final dessas sentenças, como a língua alemã exige. Dessa
forma, os autores afirmam que a criança parece conhecer o movimento de verbo em algumas
situações, como também a criança parece saber que tal movimento é proibido em outras
circunstâncias. Entretanto, os autores observaram que crianças com menos de dois anos
produzem verbos [+finito] e [-finito] em orações principais e, na verdade, os verbos [-finito]
deveriam ocorrer em orações subordinadas.
Os dois estudos apresentados em Wexler (1996) parecem convergir para um
determinado ponto: as crianças mais jovens ora produzem verbos [+finito], ora produzem
verbos [-finito] em orações principais. A esta etapa da aquisição da linguagem, Wexler
denominou de “Estágio do Infinitivo Opcional” ou “Estágio OI”. Wexler (op. cit., p. 129)
indica que, a despeito de as crianças saberem a diferença entre verbos e todas as condições
96
morfossintáticas associadas ao movimento de verbo, há algo na gramática da criança distinto
da gramática do adulto, que tem relação com o que ele denomina de processo de maturação.
Os processos de maturação viriam ser aqueles que não dependem diretamente de uma
aprendizagem. São, antes, guiados por um programa genético. No caso do uso de verbos no
infinitivo, a criança utilizaria tais formas até chegar à maturidade no que diz respeito a esse
fenômeno. Ou seja: tempo verbal é opcional até que ocorra a maturação. Normalmente, a
opcionalidade de tempo é encontrada até quatro a seis anos.
Wexler (1996, p. 131) acrescenta ainda que o verbo não finito de uma oração
subordinada tem o seu tempo dependente do tempo do verbo finito da oração principal, que,
por sua vez, é determinado pelo contexto. Por isso, na fala de um adulto, não ocorreria verbo
no tempo não finito em orações principais porque, nestas, não há tempo mais alto na
hierarquia gramatical para o infinito ser dependente. Wexler (op. cit.) assume, então, que as
crianças que fazem uso da opcionalidade flexional estão usando verbo no tempo não finito
como se ele pudesse ser fixado pelo contexto. Portanto, de acordo com o autor, a propriedade
especial das crianças que utilizam a opcionalidade flexional diz respeito a uma interpretação
realmente pragmática. Com os adultos, a propriedade seria de ordem estrutural.
Em 1998, Wexler, com base em trabalhos anteriores, defende duas hipóteses, a saber:
VEPS (Very Early Parameter-Setting), que aponta que os parâmetros básicos são realizados
corretamente em estágios muito jovens, quando a criança tem 18 meses; e VEKI (Very Early
Knowledge of Inflection), que sugere que as crianças com 18 meses já conhecem propriedades
fonológicas e gramaticais de alguns elementos importantes de sua língua. Mas o autor
também amplia sua discussão, pois, nesta ocasião, o autor verifica que as crianças em fase de
aquisição de linguagem, além de tempo, omitem concordância verbal.
A despeito de as crianças em fase de aquisição de linguagem revelarem os
conhecimentos previstos por VEPS e VEKI, muitas vezes, a gramática da criança parece ser
diferente daquela do indivíduo adulto. Isso porque, às vezes, a produção de tempo e de
97
concordância por parte das crianças ocorre de forma similar à produção dos morfemas
correspondentes às categorias tempo e concordância por parte dos adultos. Mas, às vezes, as
crianças parecem omitir ora tempo, ora concordância e ora tempo e concordância.
Para explicar tal situação, o autor, baseado em Schütze e Wexler (1996), propõe
ATOM, que é um Modelo de Omissão de Concordância e Tempo no Estágio OI. O modelo é
construído com base na análise de dados de fala espontânea de crianças em fase de aquisição
de linguagem, na qual é verificada a relação finitude versus caso estrutural designado a
sujeitos de sentenças. O autor constatou o seguinte:
QUADRO 2
RELAÇÃO FINITUDE VERSUS CASO, NO ESTUDO DE WEXLER (1998)
Finito
Infinito
“he” e “she”
255 = 95%
139 = 54%
“him” e “her”
14 = 5%
120 = 46%
FONTE: WEXLER, Kenneth (1998).
Ou seja, as crianças designaram caso nominativo corretamente em 95% das vezes em
que o verbo estava flexionado, mas designaram caso acusativo ao sujeito da sentença em 5%
das vezes em que o verbo estava na forma não finita. As mesmas crianças designaram caso
nominativo corretamente em 54% das vezes em que o verbo não estava flexionado e
designaram caso acusativo ao sujeito da sentença em 46% das vezes em que o verbo estava na
forma não finita.
A partir da observação dos dados encontrados, o autor, para validar ATOM, também
se vale do arcabouço da Morfologia Distribuída37. Wexler assume, então, que a criança
conhece também os princípios da morfologia como instanciados pela Morfologia Distribuída,
proposta por Halle e Marantz (1993 in Wexler, 1998). Na Morfologia Distribuída,
especificam-se os traços para cada conjunto de morfemas “em competição” para um
determinado nódulo. No caso estudado, cada nódulo seria projeção de concordância e de
37
Na Morfologia Distribuída, a proposta é que o processo de formação das palavras ocorra durante a derivação.
98
tempo. Os morfemas devem ser corretamente distribuídos sobre os nódulos relevantes. Esta
correspondência de morfemas e nódulos é feita de acordo com a especificação dos morfemas
e a especificação dos nódulos. A especificação dos morfemas deve ser a mesma (ou similar
tanto quanto possível) da especificação do nódulo. Um morfema altamente especificado tem
prioridade, na correspondência, em relação a um morfema menos especificado que o anterior,
desde que o morfema não tenha um traço que não exista no nódulo.
Sob a acepção que concordância é que designa caso nominativo ao sujeito de uma
sentença, Wexler (op. cit.) passa, então, a analisar os dados, à luz dos pressupostos da
Morfologia Distribuída. As sentenças produzidas pelas crianças com designação de caso
apropriado e de tempo finito são gramaticais e perfizeram um total de 95%. Seriam sentenças
como He likes ice cream e, de acordo com a previsão de Wexler, na gramática mental da
criança, haveria a seguinte representação: [+AGR, +T], em que concordância e tempo seriam
especificados.
A explicação dada por Wexler (op. cit.) para os 54% de uso da forma verbal no
infinitivo com os pronomes “he” e “she” é que, se há tais pronomes, mesmo faltando o
morfema caracterizador de tempo, deve haver concordância na gramática mental da criança,
pois houve a designação do caso nominativo, ou seja, temos as formas “he” e “she” (e não
“him” e “her”, cujos casos são acusativos). As sentenças seriam similares a He like ice cream
e a representação mental seria [+AGR, -T]. Neste caso, teríamos, como especificação de
tempo [+ passado], cujo morfema é –ed, competindo com [-passado], cujo morfema é Ø. Se
tempo estivesse especificado para passado, o morfema de –ed seria inserido, pois ele é mais
especificado que o morfema de tempo presente. Se tempo estivesse marcado para presente, o
morfema de presente Ø seria inserido. Como na sentença há concordância, teríamos que ter a
marca de –s. Como não há o morfema de concordância –s, que é o morfema de concordância
que só ocorre no presente, temos certeza de que não há marcação de tempo presente na
sentença. De acordo com a metodologia utilizada por Wexler (1998) para explicar os
99
fenômenos ora aqui trazidos, o mais provável é que, como não há especificação de tempo na
representação, um outro morfema Ø menos especificado38 (coincidindo com a representação
fonética do morfema de presente) seja inserido, derivando uma sentença com verbo não
marcado corretamente para tempo.
Para as sentenças em que houve 46% de uso de sentenças com verbo na forma infinita
com os pronomes “him” e “her”, as sentenças seriam similares a Him like ice cream e a
representação mental seria, de acordo com a proposta do autor, [-AGR, -T]. A explicação para
o não surgimento de morfema relativo a tempo é a mesma feita para a última situação
explicitada.
Em relação ao não surgimento de morfema relativo à concordância, Wexler assinala o
seguinte: para situações em que há [+AGR], tem-se:
He =
[+Nom, +3ª p, + singular, + masc.].
Já para situações em que há [-AGR], tem-se:
Him = [
+3ª p, + singular, + masc.].
Como não há especificação de concordância, entrará o morfema cujo conjunto de
traços é menos especificado. Daí o surgimento de Him like ice cream no lugar de He like ice
cream, pois, para a primeira sentença, não há a representação mental para concordância.
A explicação para a célula no quadro anterior que indica 5% de produção, por parte de
crianças no período OI, de sentenças com formas verbais flexionadas e sujeitos com caso
acusativo, reside na falta de concordância, pois tal categoria é que designaria caso
nominativo39.
Depois de toda esta explicação ainda se faz pertinente a pergunta: mas por que a
especificação para caso nominativo ora ocorreria e ora não ocorreria? E por que o verbo ora
38
Embora neste texto não seja dito claramente como Wexler o faz em outros textos, este morfema corresponde
àquele de forma não finita.
39
Pode-se perguntar por que as crianças demonstram mais erros de tempo que de concordância. Para Wexler e
seus companheiros de pesquisa, o mais provável é que concordância seja estabilizado antes que tempo na
gramática mental da criança. Em Bromberg e Wexler (1996 in Wexler, Schaeffer e Bol, 2004), há indicações que
o estágio do sujeito nulo (que depende da omissão de T) termina depois do estágio do sujeito não nominativo
(que depende da omissão de concordância), de acordo com os autores.
100
ocorreria flexionado para tempo e ora tal fenômeno não ocorreria? A proposta de ATOM, por
si só, não consegue explicar o porquê de ora haver só e somente tempo e ora haver só e
somente AGR na gramática mental das crianças e, mesmo assim, o sujeito da sentença
localizar-se à esquerda da partícula negativa indicando que o sujeito se movimentou.
O ponto central do texto de Wexler (1998) é uma nova proposta para explicar o
produto do modelo ATOM, que, em suma, é a omissão de tempo ou a omissão de
concordância da fala das crianças em fase de aquisição de linguagem. Essa nova proposta é
uma sugestão de que deve haver uma restrição no momento de checagem (para usar a
terminologia utilizada por Wexler (op. cit.)) do DP sujeito na gramática mental da criança.
Para explicar como se dá essa restrição, Wexler (op. cit.) adota as propostas de
Chomsky (1995), que nos indica que os DP-sujeitos (que têm um traço [+interpretável]) de
uma sentença passariam a movimentar-se a fim de checar o traço D [-interpretável] em
Tempo. Wexler, admitindo a presença da projeção de AGR na árvore sintática, assume que
tanto T quanto AGR têm um traço D [-interpretável]. Se tanto AGR quanto T têm um traço-D
[-interpretável], um traço D [+interpretável] deve levantar-se para checar aqueles
[-interpretáveis]. De acordo com Wexler, dentro do sintagma verbal, há um DP sujeito com
traços [+interpretáveis]. Portanto, este DP sujeito é que deve levantar-se para apagar os traços
nas categorias funcionais, que têm traços [-interpretáveis], os quais, como já vimos, devem ser
apagados a fim de que a derivação não fracasse. De acordo com Wexler, na gramática do
adulto, o DP sujeito, então, sobe primeiramente para o especificador de Tempo e checa o
traço D [-interpretável]. Depois, ele sobe para o especificador de AGR e checa o traço D
[-interpretável]. O que parece ser problemático para a criança, segundo Wexler (op. cit.), é o
fato que duas checagens são requeridas.
Wexler (op. cit.) explica o fenômeno de omissão ora de concordância, ora de tempo
apontando que, na gramática mental da criança em fase de aquisição de linguagem, o DP-
101
sujeito, que tem traço [+interpretável], e portanto não deve ser eliminado, não deve conseguir
checar mais de um traço D [-interpretável] em cada derivação de uma sentença.
Para explicar tal restrição, o autor lança mão de dois argumentos: um que diz respeito
à escolha de numeração com violações mínimas na gramática mental da criança e outro
(ligado ao anterior) que sugere que, na gramática da criança em fase de aquisição de
linguagem, nem sempre o traço D [+interpretável] de um DP sujeito é considerado desta
forma, ou seja, às vezes ele pode ser “enxergado” como [-interpretável].
Wexler desenvolve seu raciocínio da seguinte maneira: as crianças em fase de
aquisição de linguagem sabem, desde muito cedo, que os traços das categorias funcionais são
[-interpretáveis] e também sabem que uma derivação com traços [-interpretáveis] não
converge. Wexler, então, indica que uma das demandas da Restrição de Checagem Única
deve estar relacionada a uma preservação mínima do significado e, deste modo, o autor coloca
que, para a criança, haverá duas representações, uma com a categoria concordância (com seu
núcleo e especificador) e outra com tempo (igualmente com seu núcleo e seu especificador).
Na gramática do indivíduo em fase de aquisição de linguagem, ou AGR ou T terá os traços [interpretáveis] checados, derivando na fala da criança, obviamente, a omissão de morfema de
uma ou outra categoria. Desde que não haverá nenhum traço [-interpretável], a derivação
AGR [D] [VP DP V...] ou a derivação T [D] [VP DP V...] convergirá. Isto é o que Wexler
denomina de Violações Mínimas, ou seja, diante da possibilidade de duas numerações com
violações mínimas (como as apontadas acima), a gramática da criança deve escolher uma.
Há ainda um outro ponto crucial para o entendimento de toda esta proposta. De acordo
com Wexler (op. cit., p. 68-69), as crianças, algumas vezes, podem entender que o traço
[+interpretável] do DP sujeito é [-interpretável]. Portanto, para um traço [-interpretável], uma
única checagem basta, já que ele é apagado após tal procedimento.
Mas por que, em alguns momentos, as crianças entendem que os traços do DP sujeito
são [- interpretáveis]? O autor (op. cit., p. 69) propõe que isso, provavelmente, deve-se ao
102
resultado de um possível déficit entre a interface e pragmática. Ele lança mão de vários
trabalhos (Maratsos, 1976; Karmiloff-Smith, 1979; Hickmann et al., 1996; Kail e Hickmann,
1992 in Wexler 1998), os quais que já demonstraram que as crianças, no período OI, muitas
vezes omitem determinante, embora não seja clara a relação entre omissão de determinante e
interpretabilidade. O que é fato é que as crianças freqüentemente usam o artigo definido no
lugar do indefinido, ou seja, elas tratam uma informação nova como sendo velha,
considerando que o ouvinte já sabe do que se trata a informação. Portanto, as crianças, em
fase normal de aquisição de linguagem, não interpretam especificidade corretamente;
possivelmente tais crianças não sabem que traços de D de um DP sujeito são sempre
interpretáveis. Logo, se o efeito da Restrição da Checagem Única deve-se a um mal
entendimento das características interpretativas de D, então deve-se esperar que a necessidade
de dupla checagem (em tempo e em concordância), que ocorre na gramática mental do adulto,
não ocorrerá na gramática mental da criança.
Para Wexler (op. cit.), a Restrição de Checagem Única seria uma propriedade do
período OI e definitivamente não seria uma propriedade da gramática do adulto. A Restrição
da Checagem Única não seria também um resultado direto de subespecificação de traços;
antes seria uma restrição mais fundamental no sistema computacional da sintaxe.
Wexler (op. cit.), então, questiona: qual é a natureza do “déficit” da criança que causa
a Restrição da Checagem Única? Ele responde que uma possibilidade é que a sintaxe da
criança simplesmente deve declarar tal restrição, dando conseqüência a uma sintaxe mais
restrita que a gramática do adulto. O movimento da sintaxe OI para a sintaxe do adulto seria,
portanto, um amadurecimento com possibilidades representacionais adicionadas com o tempo
e não a atuação de propriedades que não existem na GU.
Wexler também apresenta a seguinte questão: como a criança omite concordância ou
tempo em alguns momentos e, em outros, a criança produz os morfemas correspondentes a
tais flexões? Ao que ele responde: provavelmente, o que ocorre é que a Restrição de
103
Checagem Única força a omissão algumas vezes. Além disso, o autor lembra que não há nada
na sintaxe minimalista que força a existência de tempo ou de concordância. Talvez, segundo
Wexler, tempo tenha uma motivação semântica e, para o autor, o que deve ficar claro é que
tudo o que converge para a criança no período OI converge na gramática do adulto também.
As violações derivadas da atuação da Restrição da Checagem Única explicariam, de um modo
natural, a propriedade “opcionalidade” de OI sem recorrer a mecanismos de opcionalidade
que não existem na gramática do adulto. Na estrutura que falta concordância ou tempo, não há
violação sintática, segundo o autor; o que ocorre é uma convergência com uma categoria
funcional faltando. O que provavelmente está envolvido, segundo Wexler, é uma violação de
propriedades conceituais, que requer concordância e tempo na sentença.
Em suma, nesta seção, verificamos oito propostas para a aquisição de categorias
funcionais por parte de crianças em fase de aquisição de linguagem, algumas de forma mais
resumida e outras de forma mais detalhada, de acordo com os interesses desta pesquisa. A
seguir:
104
QUADRO 3
RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE CRIANÇAS EM FASE
NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
HIPÓTESE
INDICA QUE AS
CRIANÇAS
PRECISAM
ADQUIRIR AS
CATEGORIAS
FUNCIONAIS.
PRESSUPOSTOS AUTOR (ES)
A aquisição de Radford
categorias
(1990)
funcionais
obedeceria a um
processo
maturacional.
Guilfoylle e
Noonan
(1988)
Tsimpli
(1991)
Rizzi (1994)
ABORDAGEM
Versão forte: na fala das crianças, há somente projeção de núcleos
lexicais. Não há a categoria TP, não há o nódulo AGRP e não há a
projeção CP. As crianças adquirem todas as categorias funcionais ao
mesmo tempo.
Versão forte: as categorias funcionais emergem depois das categorias
lexicais. Inicialmente, as crianças têm, em sua gramática mental,
somente nomes, verbos, adjetivos e preposições. Com o decorrer de
um processo de maturação, ocorre o surgimento das categorias
funcionais, uma a uma. Primeiro IP, depois CP. A proposta não
implica violação dos princípios, pois eles estariam lá, só que atuariam
no vácuo. À medida que as estruturas que compõem uma gramática
vão amadurecendo é que tais categorias funcionais surgem na fala das
crianças.
Versão forte: na fala da criança não há indícios de que haja alguma
projeção funcional. Quando há o surgimento de uma dada categoria
funcional, provavelmente é porque, naquela língua, não se consegue
falar a palavra sem que haja a inserção da marca morfológica daquela
categoria funcional. As categorias funcionais surgiriam uma a uma.
Versão fraca: a criança já teria, desde o início, a projeção IP. Nada
acima estaria presente na gramática mental. Após processo de
amadurecimento é que surgiria a projeção CP.
105
HIPÓTESE
INDICA QUE AS
CRIANÇAS NÃO
PRECISAM
ADQUIRIR AS
CATEGORIAS
FUNCIONAIS
PRESSUPOSTOS
AUTOR
As
categorias Pinker (1995,
funcionais
já 1999)
estariam dispostas
na
gramática
mental da criança
desde
o
nascimento.
Yang (2002)
ABORDAGEM
Versão continuísta
Para a flexão verbal de tempo passado, há dois componentes: (1) a
regra, que é aquela que permitiria a formação de tempo passado em
verbo do paradigma regular em inglês e (2) a memorização de pares
entre sua raiz e sua flexão de passado; este último sendo responsável
pela formação de passado em verbos do paradigma irregular, em
língua inglesa.
Versão continuísta
A criança tem acesso a várias gramáticas. Cada gramática tem um
peso. Com o passar do tempo e a exposição ao meio lingüístico, a
gramática competidora perde peso e a gramática alvo ganha peso. A
aquisição cessa quando os pesos estão estabilizados e as gramáticas
não mais são trocadas.
106
HIPÓTESE
INDICA QUE AS
CRIANÇAS NÃO
PRECISAM
ADQUIRIR AS
CATEGORIAS
FUNCIONAIS
PRESSUPOSTO AUTOR
As
categorias Wexler
funcionais
já (1996 e 1998)
estariam dispostas
na
gramática
mental da criança
desde
o
nascimento, mas
o uso regular de
categorias
funcionais
depende de um
amadurecimento
guiado por fatores
genéticos.
ABORDAGEM
Wexler, em 1996: a criança passa pelo “Estágio do Infinitivo
Opcional” ou Estágio OI. Nesta etapa, a criança ora produz, ora omite
tempo verbal. Desta forma, ela oscila no uso de formas finitas e
formas não finitas até que se finde um processo maturacional, que é
guiado por programas genéticos.
Wexler, em 1998: o autor reitera seu ponto de vista, que é baseado
em análise empírica, que as crianças desde muito cedo já têm os
parâmetros básicos e as propriedades gramaticais de sua língua
realizados corretamente. O autor adota a explicação já desenvolvida
em Schütze e Wexler (1996) para as sentenças em que ora ocorre
flexão de tempo e ora ocorre flexão de concordância. O modelo,
conhecido como ATOM, é conseqüência da atuação de uma Restrição
de Checagem Única, que vem a ser uma propriedade do Estágio OI.
Tal propriedade indica que a gramática da criança, em alguns
momentos, impede que o DP-sujeito cheque seus traços mais de uma
vez durante a derivação de uma sentença. E isto deve ocorrer devido
ao fato de a gramática da criança “enxergar”, algumas vezes, o DPsujeito como tendo traços [-interpretáveis]. Quando tal gramática
enxerga o DP-sujeito como tendo traços [+interpretáveis], a checagem
dupla pode ocorrer e a sentença tem tempo e concordância, tal como a
fala do adulto com a gramática intacta.
107
3.4 ABORDAGENS QUE TRATAM DA AQUISIÇÃO DE ASPECTO VERBAL
Trabalhos que visam a descrever e a analisar a aquisição de aspecto verbal não são tão
numerosos como aqueles que visam a fazer o mesmo para as categorias tempo e
concordância. Entre aqueles estudados para fins desta tese, verificamos que uma parte dos
trabalhos em aquisição de aspecto verbal da década de 70 e 80 se organizou a fim de provar a
validade da hipótese estabelecida por Jakobson (1957), que propõe que aspecto verbal é
adquirido antes de tempo verbal. Trabalhos mais recentes tendem a questionar a proposta de
Jakobson e convergem seus objetivos na investigação da pertinência da hipótese. A seguir,
apresentaremos duas abordagens que visam a defender a hipótese que a emergência de
aspecto é anterior ao surgimento de tempo: Bronkart e Sinclair (1973) e Bloom, Lifter e
Hafitz (1980). Em seguida, apresentaremos Hodgson (2004) e Vinnitskaya e Wexler (2001),
que nos apontam que não é tão clara a possibilidade de aspecto verbal ser uma categoria
estável na gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem, conforme preconizam os
dois primeiros trabalhos.
Para o entendimento das propostas a serem apresentadas, é interessante que se tenha
em mente que há duas formas de conceber aspecto: há o significado lexical e há o significado
gramatical. De acordo com Comrie (1976), aspecto lexical é determinado pelas propriedades
lexicais do sintagma verbal inteiro e aspecto gramatical é determinado pelo sistema verbal da
linguagem, que inclui morfologia de tempo e de aspecto. Aspecto lexical refere-se a
propriedades semânticas, exibidas pelo verbo e seus argumentos em uma sentença. Estas
propriedades são definidas como contrastando, por exemplo, durativo/não durativo e
télico/atélico. Um predicado é durativo quando pressupõe que uma ação está em andamento e
é não durativo quando o início e o término de uma dada situação ocorrem no mesmo instante
ou são separados por um lapso de tempo curto. Um predicado é télico quando o evento que
108
ele denota atinge seu ponto de culminância, ou seja, quando ele vincula a completude de um
evento. Um predicado é atélico quando o evento que ele denota não atinge seu ponto de
culminância. Já aspecto gramatical é, normalmente, marcado por auxiliares e por morfologia
derivacional ou flexional. Por exemplo, em espanhol, uma leitura perfectiva é obtida pelo uso
do morfema -ó (usado no tempo pretérito), enquanto uma leitura imperfectiva é obtida com o
uso do morfema –aba e –ía (usado no pretérito imperfeito).
Passemos agora à explicitação dos trabalhos de Bronckart e Sinclair (1973) e Bloom,
Lifter e Hafitz (1980), para os quais a emergência de flexões verbais na fala das crianças seria
uma influência da semântica verbal e não exatamente da aquisição da morfologia de tempo.
Bronckart e Sinclair (1973), em um estudo experimental do uso das formas verbais do
francês por parte de crianças com idade variando entre dois anos e onze meses a oito anos e
sete meses, verificou a relação semântica dos verbos e o surgimento de flexões verbais.
Usando brinquedos, os pesquisadores pediam às crianças que falassem o que estava
acontecendo. Embora fosse solicitado que as crianças somente falassem depois de elas terem
tido a oportunidade de ver o que tinha acontecido, aquelas de até seis anos usaram diferentes
formas para diferentes tipos de ação: ações que obtinham um resultado muito claro eram
quase sempre descritas com passado composto, nos remetendo, portanto, à idéia de
perfectividade. Outras ações que nos acenavam a idéia de imperfectividade foram usadas, na
fala das crianças, por verbos que permitiam a expressão de imperfectividade. Ações sem um
objetivo explícito e ações que não tinham chegado ainda a algum resultado eram descritas no
presente. Ou seja, para ações cuja semântica do verbo era de natureza télica, as crianças
tendiam a colocar a flexão de aspecto perfectivo. Para aquelas situações em que o verbo mais
adequado era de natureza atélica, as crianças tendiam a usar morfologia de aspecto
imperfectivo. Logo, para os autores, não seria o tempo que estaria “guiando” o uso de flexão
verbal e, sim, a semântica do verbo. Bronkart e Sinclair (op. cit.) concluíram, então, que
109
crianças mais jovens usam flexões verbais em francês para codificar distinções de aspecto e
não de tempo.
Bloom, Lifter e Hafitz (1980) apresentaram um estudo refletindo dados de aquisição
em língua inglesa e seus principais achados foram semelhantes àqueles encontrados por
Bronkart e Sinclair (op. cit.).
Nos resultados das pesquisas dos autores, percebeu-se uma tendência a haver produção
de verbos flexionados, nos quais ocorria correspondência dos valores aspectuais dos verbos e
das flexões usadas. Por exemplo, verbos como play, ride e write (respectivamente: “brincar”,
“montar” e “escrever”), tidos como durativos, apareciam quase que exclusivamente com –ing.
Os verbos que expressavam uma situação não durativa, como por exemplo, find, fall e break
(respectivamente, “encontrar”, “cair” e “quebrar”), por sua vez, ocorriam quase que
exclusivamente com –ed (marca de passado de verbos regulares) e com marcas de passado de
verbos irregulares. Com base nos resultados assinalados, Bloom et al. (op. cit.) indicam que o
uso seletivo de diferentes morfemas era amplamente determinado pelo significado aspectual
inerente de cada verbo.
Os resultados tanto de Bronckart e Sinclair (op. cit.) quanto de Bloom et al. (op. cit.)
são, portanto, consistentes com a hipótese de aquisição de aspecto antes do tempo por parte
das crianças em fase de aquisição de linguagem.
A despeito de tais achados, trabalhos mais recentes têm apresentado resultados que
não convergem para a mesma explicação. O foco não está exatamente na verificação de
aquisição mais tardia de tempo, mas sim na dificuldade de se perceber, com clareza, se as
crianças entendem e produzem realmente (e em qual extensão) a categoria aspecto verbal.
Hodgson (2004) apresenta um estudo que visa a investigar o conhecimento de aspecto
verbal por parte de crianças falantes do espanhol. A autora verifica se as crianças são capazes
de acessar significado aspectual da morfologia verbal e aplica os testes em adultos, que
serviriam de controle.
110
A pesquisadora realizou, dentre outros, alguns testes de compreensão. Uma das
baterias de testes dizia respeito a testes de compreensão de significados perfectivos em
situações perfectivas. Uma outra bateria de testes tinha o objetivo de verificar a habilidade das
crianças em mapear a morfologia do perfectivo e do imperfectivo em situação télica.
Em relação aos resultados obtidos após a aplicação dos testes de compreensão de
aspecto gramatical perfectivo em situação télica, verificou-se que as crianças de três e quatro
anos não conseguiram um desempenho similar ao dos adultos. Já as crianças acima de cinco
anos, em contrapartida, tiveram um resultado semelhante ao dos adultos. Para a autora, tal
resultado é uma sugestão que crianças mais jovens não fazem uma distinção entre o evento
completo e o evento em curso, o que indica que tais crianças ainda não conhecem a semântica
da morfologia perfectiva.
No que diz respeito aos resultados obtidos após a aplicação dos testes da outra bateria,
verificou-se o seguinte: quando uma situação télica era descrita usando um tempo perfectivo,
as crianças de três e quatro anos não demonstraram um desempenho bom, já as crianças mais
velhas sim. Novamente, estes resultados indicam que as crianças mais jovens têm dificuldade
para determinar o significado perfectivo da morfologia perfectiva. Quando uma situação télica
era descrita usando-se o tempo imperfectivo, as crianças de três e quatro anos novamente não
se saíam bem, comparativamente aos adultos, portanto, um indicativo que essas crianças têm
também dificuldades para mapear significado imperfectivo para morfologia imperfectiva.
Hodgson (op. cit.) conclui que crianças de três e quatro anos não distinguem o
significado perfectivo/imperfectivo. Sendo assim, para a autora, não é correta a acepção que
aspecto é adquirido antes de tempo na gramática mental da criança em fase de aquisição de
linguagem, já que o conhecimento aspectual não parece estar totalmente estável.
Em contraposição aos achados de Hodgson (op. cit.), Vinnitskaya e Wexler (2001)
também realizaram um teste de compreensão em russo40 em que as crianças obtiveram um
40
O estudo sobre aspecto verbal em línguas como o russo é interessante porque, nesta língua, há morfemas
distintos para tempo e para aspecto verbal.
111
desempenho similar ao dos adultos no uso apropriado de verbos com aspecto perfectivo em
situações em que assim o exigia e no uso adequado de verbos com aspecto imperfectivo em
ocasiões em que tal deveria ocorrer. Entretanto, quando os autores realizaram testes de
produção, o mesmo resultado não foi alcançado.
Nestes últimos testes, as crianças usaram o imperfectivo em situações em que os
adultos usaram o perfectivo. Os testes eram desenvolvidos da seguinte maneira: o pesquisador
apresentava um quadro e falava uma sentença no tempo presente, tal como: “O urso está
comendo uma maça agora”. Em seguida, o pesquisador, pedia à criança que completasse a
sentença que começava com “Ontem...”, mostrando um quadro em que a maça já tinha sido
comida pelo urso.
A fim de explicar o desempenho das crianças nas tarefas apresentadas, Vinnitskaya e
Wexler (op. cit.) indicam que as crianças devem conhecer as distinções aspectuais desde
muito cedo (daí o grande acerto em tarefas de compreensão). O que elas não devem entender
é a relação pragmática do uso de aspecto. Ou seja, as crianças devem assumir,
equivocadamente, que o ouvinte sabe que o evento é uma situação completa. Se o ouvinte
sabe disso, de acordo com os autores, o aspecto imperfectivo é quase que natural. Ou seja, se
a informação sobre a completude da situação é nova, deve-se usar o perfectivo. Mas, se a
criança parte do princípio que o ouvinte entende que a informação sobre completude da
informação é velha, pode-se usar o imperfectivo. Logo, a explicação dos autores para o
desempenho das crianças nos testes diz respeito à relação entre o que a criança acredita que o
ouvinte sabe e o que não sabe. A explicação reside, então, de acordo com os autores, na
pragmática.
Desta forma, os dois últimos trabalhos se contrapõem aos dois primeiros, pois há
evidências que, na gramática mental das crianças mais jovens, não há estabilidade na
produção de aspecto e, portanto, não há como se afirmar que as crianças, em fase de aquisição
de linguagem, adquirem aspecto antes de tempo verbal.
112
Resumindo, nesta seção, vimos quatro abordagens que visam a explicar a aquisição de
aspecto gramatical por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Todas
elas são apresentadas no quadro resumo que se segue.
113
QUADRO 4
RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE ASPECTO POR
PARTE DE CRIANÇAS EM FASE NORMAL DE AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM
HIPÓTESE
ASPECTO ANTES
DE TEMPO
AUTOR (ES)
Bronckart e
Sinclair (1973)
Bloom, Lifter e
Hafitz (1980)
ASPECTO,
NO
INÍCIO
DA
AQUISIÇÃO, NÃO
É
UMA
CATEGORIA
ESTÁVEL
NA
FALA
DAS
CRIANÇAS
Hodgson (2004)
Vinnitskaya e
Wexler (2001)
ABORDAGEM
Os autores estudaram a relação semântica (se
télico, se atélico) dos verbos e o surgimento de
flexões verbais de perfectivo e de imperfectivo,
em fala de crianças em fase de aquisição de
língua francesa. Observaram que as crianças
usam flexões verbais para codificar distinções de
aspecto e não de tempo.
Os autores verificaram que a semântica dos
verbos em inglês influencia o surgimento de
flexões verbais. Verbos durativos ocorrem mais
com flexões do tipo –ing. Verbos não durativos
ocorrem mais com a flexão –ed e marcas de
passado de verbos irregulares.
A autora verifica se as crianças em fase de
aquisição de língua espanhola têm aspecto verbal
a partir do aspecto lexical. Em um dos testes, a
pesquisadora investigou se as crianças poderiam
distinguir
a
informação
aspectual
(perfectivo/imperfectivo) quando usados em
situação télica. Foi verificado que as crianças
mais novas (de três e quatro anos) não
conseguem fazer distinção entre evento completo
e evento incompleto. Esta constatação vai contra
a hipótese que as crianças adquirem aspecto antes
de tempo.
Os autores desenvolveram testes de produção e
de compreensão para verificar aspecto em fala de
crianças em fase de aquisição de língua russa.
Nos testes de compreensão, as crianças
demonstraram ter conhecimento de aspecto, mas,
nos testes de produção, nas situações em que os
adultos usam o perfectivo, as crianças usaram o
imperfectivo. A explicação dada reside na
pragmática: as crianças tratam a informação nova
como informação dada, portanto o imperfectivo,
no lugar de perfectivo, é possível, de acordo com
os autores.
114
4 CATEGORIAS FUNCIONAIS NA GRAMÁTICA MENTAL DE CRIANÇAS DEL
Há várias abordagens que visam a dar explicações para o fenômeno DEL. Podemos
vislumbrar pelo menos três tipos maiores de hipóteses. A primeira seria aquela para a qual o
DEL deve-se a um comprometimento cognitivo de caráter geral, o que afetaria outros
sistemas cognitivos, dentre eles o lingüístico. A segunda estaria relacionada a idéias que
indicariam que o DEL seria um déficit de caráter processual. A terceira hipótese, na qual esta
tese se insere, aponta que o DEL deve-se a um comprometimento estrutural.
Para as correntes que se inserem na primeira hipótese, a linguagem não seria um
sistema cognitivo autônomo e modular e, portanto, o déficit lingüístico apresentado pelas
crianças DEL seria causado por um comprometimento no processamento cognitivo geral.
Uma das pesquisadoras dessa linha é Johnston (1997).
No que diz respeito aos defensores da segunda hipótese, temos grupos de pesquisas
que supõem que, na verdade, não há problemas lingüísticos propriamente ditos. Os aparentes
déficits lingüísticos seriam considerados como decorrentes ou de um problema de produção
articulatória, conforme nos traz Fletcher (1990), ou de um problema de processamento
perceptual, como nos trazem Leonard (1989 e 1998) e Leonard e Bortolini (1998).
A terceira hipótese engloba uma série de pesquisadores, cujo ponto em comum é que o
déficit do DEL pode ser explicado em termos estruturais. Neste grupo, temos os trabalhos de
Gopnik (Gopnik, 1990; Gopnik e Crago, 1991; Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda, 1997),
para a qual o déficit especificamente lingüístico deve-se a uma impossibilidade de haver
construção de uma gramática mental normal. A idéia é que as crianças DEL não teriam acesso
a regras regulares de flexão e, por isso, é proposto um modelo de déficit de estabelecerem-se
regras.
Outra abordagem que se insere nesta terceira hipótese é feita por Clahsen (1989),
Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Gölner (1997). Esses autores indicam que os
115
problemas dos indivíduos DEL estão restritos à incapacidade de se estabelecer concordância
entre dois constituintes de uma estrutura sintagmática.
Há duas autoras, Jakubowicz e Nash (2001), cuja idéia para explicação do DEL é a de
que o déficit estudado deve-se a uma possível complexidade computacional, derivada pela
inserção de mais um nódulo na árvore sintática.
Uma abordagem distinta das anteriores, também pertencente à terceira hipótese, é
aquela apontada em van der Lely (1998), a qual indica que o problema lingüístico de crianças
DEL está ligado a uma falha em um dos princípios de economia, mais precisamente no
segundo princípio de economia do Último Recurso. Tal princípio obrigaria o movimento,
mas, estando comprometido, não haveria a obrigatoriedade do movimento sintático na
gramática mental do indivíduo DEL. Assim, ora ocorreria o movimento, ora não.
Apresentaremos ainda as idéias de Wexler, que também se encaixam na terceira
hipótese. Para Rice e Wexler (1995) e para Wexler, Schütze e Rice (1998), o problema
lingüístico dos indivíduos DEL está ligado a uma extensão do período crítico, período dentro
do qual a criança deveria adquirir linguagem sem esforço, como ocorre com a aquisição de
língua materna por parte de crianças sem problemas de linguagem. A criança DEL, neste
caso, estenderia o processo por um tempo mais longo ou indefinidamente.
A seguir, explicitaremos cada uma das propostas indicadas. Comecemos por Johnston
(1997), que apresentou, em seu artigo, vários estudos que verificaram alguns níveis de
cognição não-verbal (às vezes ao lado de testes que verificaram níveis de cognição verbal) por
parte de crianças DEL.
4.1 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO COGNITIVO MAIS GERAL
Johnston (1997) afirma que, no DEL, há déficits de processamento de informação,
particularmente nas áreas de percepção, processamento e atenção. A autora apresenta vários
116
argumentos baseados em pesquisas para defender seu ponto de vista, o qual aponta que os
problemas morfológicos apresentados pelas crianças DEL devem ser estudados sob um
modelo de aquisição de linguagem mais amplo, ou seja, devem ser refletidos, observando-se
as interfaces entre fatores sintáticos, semânticos, cognitivos e perceptuais.
Johnston explicita que, em tarefas de percepção de formas geométricas para a
resolução de problemas, as crianças DEL obtiveram um desempenho pior que as crianças sem
problemas de linguagem. Em outras tarefas em que as crianças DEL e crianças controle
tinham que resolver, percebeu-se que tanto as primeiras quanto as segundas conversavam na
realização das atividades. Mas as crianças DEL apenas conversavam, segundo a autora, ao
mesmo tempo em que mantinham a execução de uma determinada atividade como, por
exemplo, em (Johnston, op. cit., p.163): “Oh, oh, well, put these down for – put these down
first, and, and then, and, okay and – put these down first, and – first41.” Já as crianças sem
problemas de linguagem, de acordo com a autora, “lexicalizavam” sua conversa, ou seja,
falavam para o colega exatamente o que estavam realizando. Um exemplo: “I know, but, I,
maybe, we can, I got a good idea we can do. We can straw it like that so that thing doesn´t,
come off the string42”. Vale dizer que Johnston entende que os déficits lingüísticos, neste caso,
provavelmente, devem ocorrer devido a uma limitação no repertório.
Em outras tarefas, como, por exemplo, de percepção de arranjos de figuras
geométricas em que uma delas estava na vertical e outra disposta em um ângulo que podia
variar de 45º a 135º, as crianças DEL realizavam a tarefa de percepção da segunda coluna
mais lentamente que as crianças controle. Neste caso, Johnston interpreta tais evidências
como sendo de limitações de processamento. Aliam-se a isso outros dados obtidos de
pesquisas que visavam a verificar a capacidade de atenção por parte da criança DEL. Tais
indivíduos parecem, de acordo com análises da autora, ter deficiência em orientações quando
41
“Oh, oh, bem, ponha estes para baixo primeiro, e, e então, e, okay e – ponha estes para baixo primeiro, eprimeiro”. (Tradução nossa.)
42
“Eu sei, mas, eu, talvez, pudéssemos, eu tive uma boa idéia que podemos fazer. Nós podemos planejá-la de
forma que ela não dê errado.” (Tradução nossa.)
117
são trocados de meio ambiente e quando têm que codificar um determinado estímulo
percebido.
No que diz respeito à relação dos déficits de cognição mais geral com a linguagem, a
autora indica que há possíveis conseqüências de mecanismos de processamento ineficientes
ou lentos para a aquisição da linguagem. Johnston aponta que se se assume que fontes mentais
são necessárias para acessar informação estocada e mantê-la para análises comparativas, então
um processamento lento ou ineficaz poderia fazer aumentar as demandas de fonte de tarefas
de aquisição de língua. Isto levaria a criança a ficar mais vulnerável a erros ou a fazer análises
incompletas.
Em relação aos problemas morfológicos especificamente, Johnston admite que as
crianças DEL realmente têm problemas com morfemas flexionais, auxiliares, artigos etc. A
autora adota a explicação dada por Leonard (1998) que indica que os problemas morfológicos
dos indivíduos DEL são de superfície. Isto é, os morfemas gramaticais em inglês são pouco
acentuados e, por isso, os falantes teriam dificuldade de perceber eventos acústicos breves
(esta abordagem será ainda trazida, com mais detalhes, neste capítulo). Desta forma, para a
autora, o problema seria uma disfunção perceptual.
Dentro deste contexto é que Johnston defende que os debates sobre a morfologia de
déficit especificamente lingüístico devem ser estudados levando-se em conta os múltiplos
fatores. Isto porque os dados sugerem que estudos cujas explicações para o déficit são
baseados na dificuldade perceptual não conseguem explicar, sozinhos, a diferença na
aquisição da morfologia gramatical por parte de crianças DEL. Devem entrar no debate sobre
o assunto estudos em que se levem em conta aspectos sintáticos, semânticos, perceptuais e
cognitivos.
Mas, se há abordagens em que vários aspectos são demandados, conforme nos indica
Johnston, outras limitam-se a dar explicações de caráter processual, as quais serão
apresentadas na próxima seção.
118
4.2 DEL: DÉFICIT DE PROCESSAMENTO
Como representantes da corrente que encara o DEL como sendo um déficit processual,
temos Fletcher (1990) e Leonard (1989 e 1998) e Leonard e Bortolini (1998). Comecemos
com a exposição do que nos traz Fletcher.
4.2.1 DEL: déficit na produção/articulação
A explicação para o DEL como sendo problema na produção da fala está ligada à
hipótese apresentada por Fletcher (1990), que afirma que o que se interpreta como um déficit
sintático na gramática mental do indivíduo DEL não passa de uma falha na habilidade de
produzir a forma de superfície correta. De acordo com Fletcher, as pessoas DEL falantes do
inglês proferem frases como “Yesterday, I walk”, no lugar de “Yesterday, I walked”. Diante
de dados dessa natureza, Fletcher afirma que o problema lingüístico do DEL não é exatamente
com as propriedades gramaticais ligadas a tempo e, sim, com a dificuldade na produção do
som alveolar final.
Contrapondo-se a tal acepção, é demonstrada, em Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda
(1997), uma pesquisa que foi realizada com os propósitos de investigar não só a fala das
crianças DEL, como também a de seus familiares. Na pesquisa, foram obtidos dados que nos
revelam que traços de marca dialetal presentes nas falas dos pais poderiam influenciar a fala
dos filhos DEL. Por exemplo, em palavras monomorfêmicas que terminavam com alveolares,
tanto crianças DEL quanto seus pais omitiam o som final. O mesmo não ocorria com
terminações que indicavam tempo verbal passado e que eram representadas na fonética por
uma alveolar. As crianças DEL apagavam tais terminações, mas os pais não o faziam.
Acrescenta-se a isto a dificuldade de os indivíduos DEL falantes do inglês produzirem o
119
tempo verbal no passado de formas irregulares, que não necessariamente terminam em
alveolares. Portanto, os dados de Gopnik et al. (op. cit.) parecem nos indicar que o distúrbio
lingüístico do indivíduo DEL não deve ser explicado unicamente por dificuldades em se
produzirem determinadas formas de superfície.
A despeito de tais colocações feitas por Gopnik et al. (op. cit.), outros estudos com
crianças DEL tentam demonstrar que o déficit lingüístico do indivíduo DEL é de produção e
de processamento do input. Defensores desta idéia são Leonard (1989 e 1998) e Leonard e
Bortolini (1998), cujos trabalhos serão apresentados na próxima seção.
4.2.2 DEL: déficit no processamento perceptual ou hipótese de superfície
Leonard (1998), baseado em pesquisas anteriores, propõe uma abordagem de limitação
de morfemas gramaticais na linguagem das crianças DEL. Essa abordagem tem sido
denominada como “Hipótese do Déficit no Processamento Perceptual” ou “Hipótese de
Superfície”. A ênfase da abordagem reside nas propriedades físicas da morfologia gramatical.
Na verdade, esta hipótese, segundo o próprio autor, é uma tentativa de formalizar e expandir
as idéias de Fletcher.
Leonard (op. cit., p 250) esclarece a diferença entre percepção de um material
lingüístico e o processamento de tal material. A percepção de um material lingüístico está
ligada ao registro adequado desse material. Já o processamento pressupõe um relacionamento
de operações mentais desempenhadas no material que já foi registrado.
A Hipótese de Superfície aponta-nos que as crianças DEL são capazes de perceber,
por exemplo, consoantes fracas em final de palavras e que estejam em sílabas curtas, mas tais
indivíduos teriam uma capacidade de processamento limitada, ou seja, haveria uma redução
120
da velocidade do processamento do material registrado. Isso tudo seria agravado em função
de tais formas lingüísticas terem um papel morfológico43.
Segundo Leonard (op. cit., p. 251), as palavras cujas flexões constituem somente uma
pequena parte da palavra inteira são as mais prováveis de ocorrerem, na fala do DEL, em sua
forma de raiz. De acordo com o autor, há pelo menos três razões para isso. A primeira indica
que, devido à baixa de processamento, haverá exemplos nos quais o material lingüístico não
será completamente registrado porque o material anterior ainda está sendo processado quando
aquele aparece no input. A segunda razão tem relação com o fato de palavras flexionadas
cujas flexões são breves dividirem a maior parte de seu conteúdo fonético com as formas da
raiz do que com as flexões propriamente ditas. Portanto, de acordo com Leonard, as palavras
com flexão breve são as mais prováveis de ocorrerem sob sua forma de raiz. Por fim, ainda
segundo o autor, as palavras com flexões breves parecem mais com o verbo em sua raiz que
as palavras com flexões mais longas. De um modo geral, quando ocorre o processamento de
formas flexionadas, ocorre também a localização do paradigma específico de palavras que, no
caso do inglês (língua na qual a maior parte dos estudos de Leonard tem sido feita), tem a
forma de raiz. Logo, mesmo que as operações de processamento estejam enfraquecidas, a
forma raiz de uma determinada palavra está disponível para a substituição da palavra
flexionada.
Ainda de acordo com Leonard (op. cit., p. 252), os morfemas breves de classe fechada
são processados de forma incompleta e, por isso, não teriam efeito no paradigma na gramática
subjacente. De um modo geral, quando ocorre o processamento incompleto proposto pela
Hipótese de Superfície, o mais comum é a omissão da forma lingüística requerida, que, no
inglês, vem sob a forma de raiz. Mas substituições de outras formas que não aquelas
43
Para a Hipótese de Superfície, central é a proposta de Pinker (1984), para a qual as raízes verbais com flexões
ou outros morfemas de classe fechada (auxiliar, artigos) requerem operações adicionais que aquelas raízes nuas,
sem flexão verbal. Logo, palavras flexionadas requerem mais tempo na memória de trabalho que as mesmas
palavras sem flexão. E é lógico, há um limite de tempo para o qual o material pode permanecer na memória de
trabalho antes que seja perdido.
121
requeridas também podem ocorrer, embora sejam menos comuns. De acordo com Leonard,
ainda que a análise morfológica seja incompleta, ela tem um tempo de duração. Neste
período, algum morfema em uma célula paradigma pode ter sido localizado e, embora não
seja a forma apropriada, deve ter força suficiente para aparecer no lugar da forma adequada,
antes de ser expulsa pelo processamento sintático.
Vários trabalhos embasaram a proposta feita em Leonard (1998). Um dos estudos que
colaborou para a proposição acima é o de Leonard (1989), no qual se evidenciou que várias
propriedades acústicas contribuem para o déficit do DEL, sendo a breve duração a
característica acústica mais forte. Nesse trabalho, observou-se que, em língua inglesa, uma
grande parte de morfemas de classe fechada tem breve duração: “-s”, na terceira pessoa do
singular; “-ed”, como marca de passado; o possessivo “'s”; artigos; cópulas; auxiliar “be”;
infinitivo “to” e complementizador “that”. Todos estes morfemas representaram problemas
para as crianças DEL.
No artigo de Leonard e Bortolini (1998), é indicado que crianças DEL italianas usam,
de forma correta, nos contextos obrigatórios, a 1ª pessoa do singular e do plural e a 3ª pessoa
do singular. O mesmo não ocorre com o uso da 3ª pessoa do plural, em que as crianças DEL
substituem tal forma pela 3ª pessoa do singular.
A explicação dada pelos autores estaria relacionada ao processamento sintático e ao
contorno prosódico. Ou seja, eles verificaram que as crianças DEL tendem a omitir sílabas
fracas não finais. No caso das 1ª pessoa do singular e do plural e da 3ª pessoa do singular, há
uma seqüência de sílaba forte e de uma sílaba fraca. Por exemplo, a 3ª pessoa do singular do
verbo “ver” seria “vede”, em que a primeira sílaba é mais forte que a segunda. Neste caso, a
criança DEL não apresentaria problemas, conforme sugeriram as análises feitas pelos autores
mediante os dados obtidos em testes com crianças DEL italianas. Já no caso da 3ª pessoa do
plural, a seqüência de sílabas é forte-fraco-fraco, como em “védono” (eles vêem). Segundo os
autores, as crianças DEL italianas não teriam problemas com flexões verbais, pois elas usam
122
determinadas formas verbais sem problemas, mas teriam dificuldades com sílabas em que não
haveria possibilidade de ser prolongada, que seria o caso da primeira sílaba fraca (após a
sílaba forte) do verbo acima apontado para a 3ª pessoa do plural.
Portanto, segundo os autores, as crianças DEL parecem ter problemas com sílabas
fracas, cujos posicionamentos não permitem prolongamento. Isso porque, com o
processamento do resto da sentença estando comprometido, tais sílabas permanecem
vulneráveis à omissão na produção do input, pois elas são fracas e têm um papel morfológico
(o que implica em passos extras a serem dados durante o processamento).
Enfim, o que os autores alegam é que os morfemas de breve duração serão
problemáticos para as crianças quando tais morfemas não se encontrarem no padrão de
seqüência de sílaba forte - sílaba fraca durante a produção. Para tal colocação, os próprios
autores (Leonard e Bortolini, op. cit.) reconhecem que há necessidade de reverem-se as
condições exatas sob as quais sílabas fracas não finais são as mais problemáticas para as
crianças DEL. Além disso, no caso de se fazer uma análise do DEL sob a ótica de problemas
de processamento, a duração e a localização dos morfemas breves são fatores muito
importantes em tal análise, pois esses morfemas devem ser percebidos e analisados antes que
um novo material fonológico entre no fluxo da fala. Caso contrário, os morfemas breves
devem ser esquecidos totalmente porque o tempo para processamento deve ter se esgotado.
Se Fletcher e Leonard e seus colegas defendem um ponto de vista para o problema
DEL como sendo de superfície, pois ocorreria no processamento do input lingüístico, há uma
corrente que afirma que o DEL é um déficit lingüístico estrutural. Apresentaremos as
abordagens que pertencem a tal corrente na próxima seção.
123
4.3 DEL: DÉFICIT LINGÜÍSTICO ESTRUTURAL
Como representantes da corrente que encara o DEL como sendo um déficit lingüístico
estrutural, temos Gopnik e Crago (1991) e Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997);
Clahsen (1989), Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Gölner (1997); Jakubowicz e
Nash (2001); van der Lely e Stollwerck (1996) e van der Lely (1998); Rice e Wexler (1995) e
Wexler, Schütze e Rice (1998). Iniciemos pelos trabalhos nos quais Gopnik se insere.
4.3.1 DEL: utilização de mecanismos compensatórios
A seguir será apresentada uma abordagem que defende que, na gramática do DEL, não
há regras produtivas de formação de palavras. Este ponto de vista é de Gopnik e seus colegas
de pesquisa, conforme poderemos verificar nesta subseção.
Gopnik e Crago (1991) e Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997) partem, em suas
pesquisas, do seguinte pressuposto: uma explicação teórica lingüística deve assumir que a
gramática subjacente produz tudo na linguagem e não somente as formas de superfície tidas
como erradas, ou seja, a criança não teria duas gramáticas - uma que produziria os erros
verificados, por exemplo, na fala do DEL, e outra que produziria as formas corretas. Então,
para esses autores, a produção, por parte do indivíduo DEL, tanto de formas incorretas, tal
como a cups, quanto de formas adequadas como a cup, seriam produzidas pela mesma
gramática, que, no caso, estaria comprometida.
Para validar a hipótese, Gopnik e Crago (op. cit.) aplicaram uma bateria de testes em
16 indivíduos DEL de uma família de 30 membros (cf. cap. 1). Em alguns testes, Gopnik e
Crago (op. cit.) verificaram que os indivíduos DEL erraram sistematicamente mais que os
indivíduos sem déficits de linguagem. Eram tarefas em que se verificava a concordância de
número e pessoa, tempo e aspecto verbais e morfologia derivacional.
124
No que diz respeito aos erros de concordância de número em relação a nome, as
pessoas DEL, falantes do inglês, produziam sentenças como “The boy eats three cokie”.
Cometiam também erros de concordância de pessoa em relação a verbo, tal como em: “The
boy kiss a pretty girl”. Tinham dificuldade com as flexões de tempo e de aspecto, conforme
podemos evidenciar nas sentenças faladas por um DEL: “Yesterday the girl pet a dog”, em
que falta a flexão de passado “-ed”, e “The little girl is play with her doll”, em que falta a
flexão de aspecto progressivo, “-ing”.
Nas tarefas em que o objetivo era verificar a habilidade em usar regras para a
derivação de outras palavras, ao sujeito DEL era solicitado que completasse uma frase em que
algo estava faltando. O comando era o seguinte: “Agora você vai ouvir uma sentença com
uma parte faltando. Por favor, complete a parte que falta”. Eram dadas duas sentenças e a
parte que faltava estava na segunda. Um exemplo: “There is a lot of sun. It is very
____(sunny)”. A parte que faltava deveria ser relacionada lexicalmente àquela presente na
primeira sentença. O resultado do desempenho dos indivíduos DEL apontava para uma
dificuldade sistemática dessas pessoas em realizar a tarefa de forma correta.
As autoras sugerem que os indivíduos DEL, a despeito de acertarem algumas vezes
nas tarefas solicitadas, parecem estar recorrendo a regras explícitas para resolver o problema
ao invés de regras internalizadas implícitas44. Por exemplo, diante do desempenho no teste
que visava a verificar se os indivíduos DEL sabem fazer plural, as autoras fizeram a seguinte
pontuação (p. 20): “mesmo quando os disfásicos45 lidavam com alguns itens corretos, eles
pareciam não utilizar um conjunto de regras inconsciente e internalizado para a construção de
plural, mas sim uma regra que se aplicasse a todos os casos”. Elas citam um exemplo de uma
mulher adulta que, diante do item que ela teria que pluralizar, após longa pausa, disse para si
44
É interessante notar que, apesar de o resultado em termos de explicação para a produção lingüística por parte
do DEL ser semelhante, em 1990, Gopnik coloca o foco de suas explicações para os dados lingüísticos do DEL
em uma abordagem que indica que, na gramática subjacente dos indivíduos com o déficit ora estudado, haveria
uma cegueira para os traços. Nos textos apresentados nesta seção, o foco nas explicações dos déficits do DEL
reside na incapacidade de regras produtivas atuarem na gramática dos indivíduos DEL.
45
Para as autoras, nesta ocasião, as pessoas com DEL eram denominadas “disfásicas”.
125
mesma: adicione um “s”. Para os itens “sas” e “zash”, ela simplesmente prolongava a
sibilante -sasssss.
No teste de marcação de tempo, diante dos resultados obtidos para verbos regulares e
irregulares, em que os indivíduos acertavam mais vezes a marcação no passado dos últimos
verbos do que dos primeiros, as autoras sugerem que o desempenho dos indivíduos DEL
deve-se ao uso sistemático de uma forma lexical específica não analisável e que foi aprendida
e não a uma regra subjacente de formação de passado.
Em relação ao teste de derivação morfológica, as autoras também indicam que os
indivíduos DEL não parecem ser capazes de entender que o principal ponto do teste seria
manipular uma regra gramatical subjacente. Os indivíduos sem problemas de linguagem
realizaram o teste sem hesitar, mas os indivíduos DEL, quando muito, indicavam palavras que
estavam relacionadas semanticamente à primeira sentença e não derivadas morfologicamente.
Diante do exposto, as autoras assinalam que os dados obtidos na pesquisa dos
indivíduos DEL pertencentes a uma mesma família indicam que pessoas com o déficit
lingüístico parecem ter dificuldades de aprender a língua pela construção de paradigmas.
Se com o trabalho de Gopnik e Crago (op. cit.) temos fortes sugestões indicando uma
base genética para a anormalidade no desenvolvimento da linguagem, pois tal problema foi
evidenciado em uma grande quantidade de indivíduos DEL de uma mesma família, no artigo
de Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997), os autores apresentaram dados obtidos em
testes de linguagem aplicados em indivíduos com DEL falantes de várias línguas. A
investigação foi realizada, a fim de sustentar a hipótese de que há um gene responsável pela
anomalia e que, embora os sujeitos com comprometimento da linguagem algumas vezes
pareçam produzir a forma de superfície “correta”, outras análises de seu desempenho
demonstram que essas formas são produzidas não por um sistema organizado
hierarquicamente de regras abstratas operando em categorias gramaticais, mas sim por
estratégias de compensação específicas.
126
A pesquisa realizada por Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997) englobou dados
do inglês, do japonês e do grego. Vale dizer que o japonês é uma língua primariamente sem
concordância obrigatória. Já o grego é uma língua rica em afixação morfológica que requer o
uso obrigatório de regras de concordância a cada momento em que um nome, adjetivo,
pronome ou verbo é usado. Os indivíduos DEL gregos, de acordo com a hipótese dos autores,
produziriam itens agramaticais, mas nunca produziriam raízes totalmente não marcadas como
se vêem em inglês, pois isso resultaria em formas inexistentes.
A pesquisa, em Gopnik et al. (1997), foi conduzida a fim de observarem-se tempo e
concordância, dentre vários outros elementos da sentença. Os resultados gerais da pesquisa de
Gopnik et al. (op. cit.) demonstraram que as pessoas DEL falantes do inglês, japonês e grego
estão comprometidas no que diz respeito aos componentes lingüísticos investigados. Eles não
reconhecem que tempo é obrigatório; eles não constroem regras morfológicas produtivas e
eles não têm a concordância necessária entre os elementos em uma sentença.
Os sujeitos DEL não perderam o conceito semântico de passado de acordo com os
autores, pois os indivíduos DEL usaram mecanismos de linguagem para indicar passado, tais
como advérbios temporais do tipo “semana passada” ou “o outro dia”, mas os dados da fala
espontânea não dão evidências que sujeitos DEL têm conhecimento sintático em que há uma
categoria de tempo obrigatória abstrata, a qual deve ocorrer em todos os verbos que estão
semanticamente em contextos de passado em todas as três línguas.
Nos testes em que se visava a verificar se há ou não comprometimento das regras
morfológicas na gramática mental dos indivíduos DEL, por exemplo, procurou-se observar se
tais sujeitos usam regras morfológicas para gerar novas palavras polimorfêmicas ou se elas
são meramente listadas como itens lexicais não analisáveis. Para realizar tal pesquisa, os
autores elaboraram uma série de testes usando palavras sem sentido que eram apresentadas
aos sujeitos como nomes, verbos ou adjetivos em um contexto em que eles tinham que marcar
tais elementos com traços de número ou de tempo. Por exemplo, no que diz respeito à
127
concordância de número, foi apresentada, ao indivíduo DEL, uma ilustração de uma figura
sem sentido e a pesquisadora falava: This is a wug. These are ___? Falantes DEL, nas três
línguas, falharam na aplicação correta das regras gramaticais apropriadas para gerar palavras
novas, enquanto crianças sem problemas de linguagem conseguiram realizar as tarefas
adequadamente.
No que diz respeito aos testes de julgamento de gramaticalidade que visavam a
verificar a capacidade de realizar concordância, as crianças sem problemas de linguagem
obtiveram êxito, pois faziam o julgamento de sentenças gramaticais como sendo corretas e
encontravam o erro nas agramaticais, corrigindo-as. Entretanto, os indivíduos DEL parecem
não ter dado conta de perceber os erros de concordância porque freqüentemente trocavam
propriedades de sentenças que já estavam corrigidas ou que eram irrelevantes. Por exemplo,
um indivíduo DEL, ao se deparar com a sentença The boy eats three cookie, trocou-a por The
boys eat four cookie. Neste exemplo, o indivíduo DEL trocou por algo irrelevante. Os
mesmos erros foram detectados em japonês e em grego (p. 135).
Em suma, tanto para Gopnik e Crago (op. cit.) quanto para Gopnik et al. (op. cit.), a
conclusão é a de que os sujeitos DEL parecem ser incapazes de adquirir regras inconscientes
automáticas, antes utilizam mecanismos compensatórios, que seriam a memória.
A despeito disso, há autores que apresentam uma hipótese para a explicação do DEL
convergindo para uma análise ainda mais restritiva. Clahsen e seus companheiros de pesquisa,
por exemplo, explicam o déficit do indivíduo DEL como sendo restrito à concordância. Esta
será a abordagem da seção seguinte.
128
4.3.2 DEL: déficit especificamente de concordância
Clahsen (1989)46, Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Göllner (1997)
sugerem uma caracterização de DEL, indicando que os problemas gramaticais específicos
dessas crianças são déficits especificamente mais restritos de um sistema gramatical normal.
Segundo os autores, os déficits gramaticais que ocorrem no sistema lingüístico de crianças
DEL têm como causa a dificuldade em estabelecer relações de concordância na gramática.
Clahsen (1989) assume que as crianças DEL constroem gramáticas possíveis. A partir
de dados obtidos em pesquisa, Clahsen (op. cit.) verificou que o problema lingüístico das
crianças DEL está relacionado à concordância sujeito-verbo. Tais crianças usam, por
exemplo, formas não flexionadas, além de utilizarem, em suas falas, sufixos de verbos
regulares e formas de verbos irregulares usadas na gramática do indivíduo normal, mas, em
todos os casos, há erros na concordância sujeito-verbo. De acordo com Clahsen (op. cit.), os
resultados sugerem que as crianças DEL não têm déficit morfológico geral, pois as
dificuldades evidenciadas estariam restritas à concordância sujeito-verbo. Outras pesquisas,
como a de Clahsen e Hansen (1997), foram desenvolvidas e, a partir de estudo dos dados
obtidos, os autores chegaram à conclusão que realmente concordância verbal corresponde ao
déficit lingüístico do DEL.
Mais recentemente, Clahsen, Batke e Göllner (1997) afirmaram que concordância é
comprometida na linguagem de crianças DEL e os autores, para dar sua explicação ao
fenômeno, baseiam-se no sistema de traços morfossintáticos proposto por Chomsky (1995),
que faz uma distinção de traços interpretáveis e traços não interpretáveis (cf. cap. 2). Os
autores sugerem que uma possibilidade é que todos os traços não interpretáveis estejam
afetados na gramática dos sujeitos DEL. E, sob uma visão mais restrita, apontam que os traços
46
Clahsen (1989) utiliza, em seu texto, o termo "crianças disfásicas". Nós aqui fizemos a opção por tratá-las
como crianças DEL, pois é um termo mais usado na literatura atual.
129
não interpretáveis de verbos, isto é, os traços de concordância de verbos é que devem estar
afetados.
Clahsen et al. (op. cit.) investigaram dados produzidos por crianças DEL e por
crianças em fase normal de aquisição de linguagem, falantes do inglês e do alemão. No estudo
da fala das crianças falantes do inglês, os autores verificaram a relação finitude verbal e
designação de caso nominativo. No estudo da fala das crianças falantes do alemão, os autores
verificaram a relação finitude verbal e produção de DP´s sujeito com traços φ completamente
especificados, ou seja, concordância no DP no que diz respeito aos traços de gênero, número e
pessoa. Ambas as investigações tinham como objetivo provar que tempo está preservado na
gramática da criança DEL e que o déficit gramatical se circunscreve à concordância verbal.
As crianças DEL falantes do inglês demonstraram, nos dados obtidos em testes, terem
preservado T, mas, no que concerne à produção de concordância verbal, tais crianças
apresentaram comprometimento. O que fundamentou a afirmação que T estaria preservado na
gramática mental do DEL foi a análise da fala das crianças DEL comparada à análise da fala
das crianças sem problemas de linguagem, no que diz respeito à relação finitude e estrutura de
sujeitos.
Os autores encontraram o seguinte, na fala das crianças em fase normal de aquisição
de linguagem: em orações finitas produzidas por crianças normais, somente 2% dos sujeitos
de sentença têm caso não-nominativo, enquanto em sentenças com formas não flexionadas
19% dos sujeitos aparecem com caso não-nominativo. Portanto, designação de casos e
finitude de formas verbais parecem estar correlacionadas na gramática das crianças sem
problemas de linguagem. As crianças DEL produziram 217 formas com sujeitos nominativos
e nenhum sujeito não nominativo, mesmo em sentenças com formas verbais não flexionadas.
No que diz respeito ao uso de verbo não flexionado, as crianças DEL são similares às crianças
normais no estágio opcional do infinitivo, ou seja, produzem formas verbais não flexionadas.
130
Em contraste, em relação à marcação de caso, as crianças DEL parecem estar num estágio
mais avançado.
De acordo com Chomsky (1995), tempo é que designa caso nominativo ao verbo e, se
na fala das crianças DEL falantes do inglês o sujeito está com caso nominativo corretamente
designado, há, de acordo com Clahsen et al. (op. cit.) uma sugestão que tempo está
preservado no DEL. Mas, como nos dados da pesquisa também há evidência de não produção
de concordância verbal por parte de crianças DEL, os autores acreditam ter encontrado uma
boa explicação para os dados encontrados em sua investigação. Ou seja, a hipótese de déficit
de concordância, segundo os autores, dá uma boa explicação para a dissociação observada
entre marcação de caso em sujeito correta e marcação de concordância sujeito-verbo
comprometida nos dados de testes realizados por crianças DEL falantes do inglês.
A fim de avançar na explicação dada, Clahsen et al.(op. cit.) realizam investigações
centradas nas ligações entre traços formais de sujeitos e de verbos produzidos por crianças em
fase normal de linguagem e por crianças DEL, ambos os grupos falantes de alemão. A
hipótese de déficit de concordância para o DEL, feita por Clahsen et al. (op. cit.), está
centrada no déficit relacionado a traços não interpretáveis, propostos por Chomsky (1995). Ou
seja, o que estariam comprometidos, na fala do DEL, seriam os traços φ de verbo, que não
teriam interpretabilidade semântica. Já aqueles têm interpretabilidade semântica, tais como os
traços de tempo e os traços φ de nomes, não representariam problema na fala do DEL.
Baseando-se nisto, os autores verificaram que as crianças DEL falantes do alemão
produzem mais DP's sujeitos completamente especificados que as crianças em fase normal de
aquisição de linguagem. Além disso, essas mesmas crianças DEL, quando usam DP's sujeitos
completamente especificados, produzem menos formas verbais flexionadas corretamente para
pessoa e número comparadas àquelas sem problemas de linguagem.
De acordo com Clahsen et al. (op. cit.), estes dados mostram uma evidência para uma
possível dissociação entre conteúdo de traços de DP's sujeitos e traços de verbos. Ao que
131
parece, segundo os autores, não são os traços não interpretáveis, mas sim os traços de
concordância não interpretáveis opcionais que causam problemas para crianças DEL. Os
autores usam tal evidência para sustentar, mais uma vez, a hipótese de déficit de
concordância.
Em suma, na pesquisa realizada por Clahsen et al. (op. cit.)., as crianças DEL falantes
de inglês e de alemão demonstram ter problemas com traços de concordância de verbos,
enquanto a categoria tempo parece estar preservada. Além disso, as crianças DEL falantes de
inglês não produzem nenhum sujeito não nominativo, mesmo em sentenças com formas
verbais não flexionadas; segundo os autores, isso mostra que tempo designando nominativo
está ativo na gramática de DEL. Por fim, foi ainda observado que os traços ϕ dos DPs-sujeitos
estão presentes na gramática DEL, mesmo em sentenças nas quais os traços de concordância
(não interpretáveis) dos verbos estão ausentes. Todos esses resultados, conjuntamente,
sustentam, segundo Clahsen et al., a hipótese do déficit de concordância, em que se considera
que os traços ϕ dos verbos estão comprometidos na gramática DEL.
A despeito de considerarmos a explicação dos autores interessante no que diz respeito
à sua adequação aos pressupostos do Programa Minimalista, proposto por Chomsky (1995),
os dados encontrados nas pesquisas nas quais Clahsen se insere não são consoantes com os
dados encontrados nas pesquisas dos demais autores apresentados neste capítulo. Ou seja, nas
outras pesquisas, os indivíduos DEL apresentam déficit de produção e de compreensão de
tempo verbal.
4.3.3 DEL: dificuldade com estruturas complexas computacionalmente
Uma vertente francesa que visa a explicar o déficit lingüístico do DEL é liderada por
Jakubowicz. Em Jakubowicz e Nash (2001), por exemplo, foi desenvolvido um trabalho de
investigação da aquisição da linguagem em crianças sem problemas de linguagem e em
132
crianças DEL, todas falantes do francês. O objetivo da pesquisa das autoras era verificar se as
crianças DEL e as crianças em fase normal de aquisição de linguagem têm dificuldade com
categorias funcionais que implicam complexidade computacional. O raciocínio das autoras é
o seguinte: categorias funcionais mais básicas, ou seja, aquelas que estariam sempre presentes
e seriam necessárias sintaticamente seriam mais usadas nas falas das crianças acima
mencionadas. Em oposição, a computação sintática seria mais complexa quando a categoria
funcional estivesse presente em algumas sentenças, mas não em outras. Como categorias
funcionais menos complexas, as autoras apresentam INFL, que estaria em todas as orações
simples. Já categorias funcionais mais complexas expressariam informação semântica
adicionada ao esqueleto funcional obrigatório. Por exemplo, o tempo no passado, que é
motivado semanticamente e não está em todas as sentenças.
A justificativa para tais afirmações baseia-se no seguinte: para as autoras, o INFL seria
a única categoria funcional obrigatória na sentença e, em línguas germânicas (excluindo o
inglês), o INFL teria valor morfológico de tempo. Já em línguas românicas, grupo no qual o
francês se inclui, o INFL teria um valor pronominal.
Em línguas germânicas, o INFL seria temporal e deveria ser identificado por
morfemas que denotam tempo presente ou passado. O tempo passado, nesta língua, seria
caracterizado pela presença de um morfema, já o presente seria caracterizado pela ausência do
morfema. De qualquer forma, as árvores estruturais no presente e no passado em línguas
germânicas seriam idênticas.
Em línguas românicas ocorreria algo distinto, segundo as autoras. O INFL, sendo
pronominal, seria identificado por uma morfologia pessoal. As autoras denominam esse
nódulo de Pessoa (PersP), que, em termos clássicos, seria chamado de AGR. INFL, então,
seria identificado pela morfologia pessoal e pelo clítico nominativo no francês falado. De
acordo com as autoras, a morfologia de pessoa seria suficiente para expressar o tempo no
presente, mas não o seria suficiente para expressar tempo no passado.
133
Observando-se as formas no presente e no passado simples do francês,
respectivamente, teríamos “il parl-∂” e “il parl-a”. Neste caso, de acordo com as autoras, o
clítico nominativo checaria pessoa e o morfema checaria tempo passado. Entretanto, o
morfema passado não checaria pessoa e, por este motivo, o morfema de passado não teria
papel sintático no nível flexional. Esta é uma justificativa para as autoras trabalharem com o
passado composto, pois, nesta estrutura, há um verbo avoir (haver) ou étre (ser) no presente
(que é o que dá a denotação de passado) e um verbo no particípio passado, cuja terminação
nos indica o evento (e não o tempo) no passado. As autoras sugerem que o auxiliar de um
passado composto, em língua francesa, teria o núcleo sintático separado do verbo lexical e de
pessoa e seria localizado em uma subárvore flexional na sentença, preferivelmente que em sua
parte léxico-aspectual, onde auxiliares e outros verbos são gerados. Dessa forma, o francês
diferiria de línguas germânicas por ter dois esqueletos estruturais distintos para presente e
passado, que seriam representados, respectivamente, por (p. 326):
IP = PersP
Nom. Clítico
PERSº
IP=PersP
PERS’
Nom. Clít.
vP
PERSº
PERS’
PASTP
Pastº
vP
Avoir
Na pesquisa de Jakubowicz e Nash (op. cit.), foram usados tempos verbais no presente
e no passado composto e as autoras faziam a previsão que tempo presente deve desenvolver-
134
se mais cedo e não deve ser omitido ou mal usado por crianças DEL, já o passado composto
deve desenvolver-se mais tarde e deve ser omitido ou mal usado por crianças DEL.
Os resultados dos testes de produção e de compreensão confirmaram as previsões das
autoras, pois as crianças em fase normal de aquisição de linguagem produziram e
compreenderam bem frases cujo tempo estava no presente e no passado. Já as crianças DEL
obtiveram um desempenho relativamente bom em tarefas cujas sentenças estavam no
presente, mas tal desempenho não se repetiu em tarefas com frases com tempo verbal no
passado. Ou seja, as crianças DEL, de um modo geral, não produziram o morfema de tempo
passado em tarefas que assim o exigiam.
Diante dos resultados, as autoras apontaram que as crianças DEL produzem e
compreendem bem sentenças no presente porque a morfologia de pessoa é suficiente para
expressar tempo presente. Mas, quando se tem que inserir um segundo nódulo funcional para
passado e, portanto, ocorre uma complexidade computacional, há uma falha na gramática
mental dos indivíduos DEL e de crianças em fase normal de aquisição de linguagem.
Esta é uma abordagem muito específica, pois não prevê o déficit, que ocorre também
em línguas germânicas. Se nestas línguas as árvores estruturais no presente e no passado são
idênticas, conforme as autoras nos apontam, como vislumbrarmos a hipótese da complexidade
computacional como uma hipótese que dá conta, também, de explicar os dados lingüísticos
obtidos com crianças DEL falantes de línguas germânicas?
4.3.4 DEL: comprometimento de princípio de economia
Uma outra linha que estuda o distúrbio lingüístico do indivíduo DEL é aquela proposta
por van der Lely e Stollwerck (1996) e por van der Lely (1998). Vamos, a seguir, apresentar
as duas abordagens, sendo que a primeira se insere na perspectiva da Teoria de Regência e
Ligação e a segunda já apresenta adequações às propostas do Programa Minimalista.
135
Segundo van der Lely e Stollwerck (1996), as crianças DEL teriam um déficit de
linguagem em relações estruturais de dependência sintática entre constituintes ou o que elas
denominam de Déficit Representacional de Relações Dependentes (RDDR). Nesta
abordagem, especificamente, as autoras apresentam resultados de testes aplicados em crianças
DEL em que foi investigada a capacidade, por parte das crianças ora estudadas, de designar
referentes a anáforas e a pronomes caracterizados pela Teoria de Ligação. Além disso, as
autoras estenderam a análise que fizeram para os dados encontrados nestes testes para o
desempenho das crianças DEL em tarefas de designação de tempo, de concordância e de
papel temático a argumentos em sentenças passivas.
As autoras baseiam-se na proposta de Giannelli e Manzini (1995 in van der Lely e
Stollwerck, 1996), que é denominada “Growth of Grammatical Complexity”. Tal abordagem
propõe que o desenvolvimento da gramática de crianças em fase de aquisição de linguagem
estaria ligado ao amadurecimento de relações complexas. Para Giannelli e Manzini, o
primeiro estágio da aquisição de linguagem estaria restrito a “relações locais”. Portanto,
segundo essa acepção, relações binárias seriam permitidas na gramática subjacente da criança
em fase de aquisição de linguagem (por exemplo, [Asp, V] ou [D, N]), mas relações mais
complexas (como [T, Asp, V] ou [D, Agr, N]) não seriam permitidas nesta etapa da aquisição
da linguagem.
Baseando-se nestas idéias, uma sugestão de van der Lely e Stollwerck (op. cit.) é que
as crianças DEL devem gerar uma árvore mais simplificada quando tal árvore é suficiente
(mas não como a do adulto) para dar conta de todos os constituintes da sentença. As crianças
DEL, nesta perspectiva, devem gerar duas árvores coordenadas, adjacentes para a produção de
oração principal e de oração subordinada, como, por exemplo (van der Lely e Stollwerck, op.
cit., p.280):
136
VP
NP
Moggli
+
IP
V'
NP
I'
says
Baloo Bear
is
VP
V’
Washing
NP
Himself
De acordo com as autoras, esta proposta não afirma que alguma categoria funcional
está perdida em si e, de fato, devido aos dados, seria difícil fazer tal afirmação, pois as
crianças DEL demonstram poder produzir a maior parte das formas morfológicas e sintáticas,
tais como marcação de tempo. As crianças DEL, segundo as autoras, somente parecem ter
uma gramática que também permite representações alternativas nas quais, por exemplo,
marcação de tempo não é obrigatória. Tal proposta, para van der Lely e Stollwerck (op. cit.),
não é consistente com as teorias de aquisição que propõem a ausência de todas as categorias
funcionais (como Radford, 1990) ou de uma categoria funcional particular (Clahsen et al.,
1993; de Villiers e Roeper, 1995)47.
Entretanto, conforme van der Lely e Stollwerck mesmas percebem, os dados advindos
da fala dos sujeitos DEL sugerem que sua gramática é mais avançada ou mais complexa que a
maior parte das relações binárias proposta por Giannelli e Manzini. Além disso, um problema
que se coloca é como esta proposta pode dar conta da aparente opcionalidade da gramática do
DEL: sentenças com presença ou ausência de marcação de tempo são produzidas e julgadas
como gramaticais pelas crianças DEL. Uma possível explicação dada pelas autoras é que a
opcionalidade está presente no input. Com base na evidência do input, a criança poderia
concluir que infinivos na matriz são possíveis de ocorrer na linguagem do adulto, como, por
47
Para Radford (1990), no início da aquisição da linguagem, haveria, na gramática mental das crianças, ausência
de todas as categorias funcionais, como demonstrado no capítulo 3. Para Clahsen et al. (1993, 1994), haveria
ausência de CP; para de Villiers e Roeper (1995), a criança deve “escolher” uma sub-representação mais
econômica, tal como um SN no lugar de um DP.
137
exemplo, em “Oh, to live in Guadalupe!” e em respostas, como “John go”, a perguntas como
“Where did John go?”.
Enfim, a explanação das autoras sugere que a maturação das habilidades sintáticas
inatas, que capacitam a criança normal gerar sentenças com dependências complexas, como
aquelas produzidas pela gramática do adulto, não funciona na gramática mental da criança
DEL. De alguma forma, também, as autoras sugerem que as crianças DEL conseguem
produzir e julgar, como corretas, sentenças com dependências complexas que ocorrem em
contextos nos quais já há pistas semânticas e pragmáticas. Mas, quando o contexto só exige
habilidades estritamente sintáticas, a criança pode incorrer em erros.
A proposta do Déficit Representacional das Relações Dependentes vem passando por
algumas modificações. Em van der Lely (1998), a própria autora nos aponta o
redimensionamento pelo qual a hipótese vem passando, conforme nos sugere o trecho a
seguir: “Although the detailed characterization of the RDDR is developing, and thus
changing, the basic notion that the deficit is in the computation system remais” 48 (p. 178). A
autora acrescenta algo indicando que vem adequando as explanações acerca dos dados de
falas de crianças DEL ao arcabouço teórico mais moderno da Teoria Gerativa, o Programa
Minimalista.
Para defender seu ponto de vista, van der Lely caracteriza a gramática do DEL como
aquela em que o movimento sintático seria opcional. Esta proposta foi baseada em outra feita
por Manzini em comunicação pessoal, em 1998 (in van der Lely, 1998). Para van der Lely
(op. cit.), todas as formas de flexão estão presentes na gramática do indivíduo DEL, mas uma
opcionalidade do movimento ocorre e tal opcionalidade deve-se, provavelmente, a um
comprometimento do segundo princípio de economia do Último Recurso (Last Resort). O
primeiro seria aquele que prevê que uma operação de movimento só ocorre se há traços a
serem checados. O segundo princípio força movimento (e, portanto, checagem) somente se o
48
"Embora a caracterização detalhada do RDDR esteja em desenvolvimento e, portanto, em mudança, a noção
básica que o déficit está no sistema computacional permanece". (Tradução nossa.)
138
alvo não tem traços checados. Como a autora pontua, os dados de suas pesquisas sugerem que
há checagem de traços, pois, em alguns casos, há realização de tempo e concordância na fala
das crianças DEL. De acordo com a autora, não há checagem feita erroneamente, pois ela cita
que em nenhum dos dados lingüísticos das crianças DEL havia frases como “I likes John”.
Tal resultado sugeriria mais um motivo para concordar-se que houve checagem de traços.
Para van der Lely (op. cit.), o problema relacionado ao distúrbio lingüístico do DEL estaria no
segundo princípio do Último Recurso. Este seria um princípio que obrigaria o movimento e,
estando comprometido, conforme sugere a autora, não haveria a obrigatoriedade do
movimento sintático na gramática mental do indivíduo DEL. Desta forma, ora ocorreria o
movimento, ora não; por conseguinte, ora haveria sentenças com tempo marcado na fala da
criança DEL, ora não.
4.3.5 DEL: omissão de Concordância e/ou de Tempo
Outra proposta para a explicação do déficit do DEL ao adquirir categorias funcionais é
realizada por Wexler e seus colegas. Os autores propõem uma hipótese que unifica
explicações para o comportamento lingüístico na aquisição de categorias funcionais por parte
da criança em fase normal de aquisição de linguagem e por parte da criança DEL. Iremos, a
seguir, apresentar duas abordagens nas quais Wexler se insere.
Rice e Wexler (1995) realizaram um estudo, afirmando que, se as crianças em fase
normal de aquisição de linguagem passam pelo estágio OI, as crianças DEL são
caracterizadas por um estágio com as mesmas características do estágio OI, só que por um
período mais prolongado, período este denominado pelos autores como sendo estágio EOI:
Extended Optional Infinitive. Para os autores, o início do estágio OI é caracterizado por um
período em que a criança aceita opcionalmente frases com sentenças cujos verbos são finitos e
sentenças cujos verbos são não finitos. Mas há um período em que tal oscilação cessa.
139
Entretanto, para as crianças DEL, isso não ocorreria da mesma forma, pois elas aceitariam tal
opcionalidade de marcação de tempo nas sentenças por um período maior ou mesmo
indefinido.
As análises de Rice e Wexler (op. cit.) basearam-se em dados produzidos por crianças
DEL e por crianças controle (nesta última amostra, entraram crianças com a mesma idade das
crianças DEL e crianças com o mesmo MLU49 das crianças DEL. As crianças com o mesmo
MLU das crianças DEL, quase sempre, são mais novas que estas.). O objetivo da pesquisa era
verificar se os marcadores de finitude em língua inglesa eram ou não omitidos na fala das
crianças investigadas. Para tanto, foram considerados, no estudo, os morfemas -ed, -s, BE e
DO. Esses morfemas têm um traço em comum: o traço de finitude, pois o morfema –ed
carrega os traços de tempo passado e o morfema –s marca concordância na terceira pessoa do
tempo presente. Além disso, em inglês, a marcação de tempo pode vir à superfície
separadamente do verbo lexical principal em certos contextos. Em tais situações, as formas
BE e DO carregam finitude. Em suma, finitude pode ser encontrada tanto em verbos
principais lexicais, quanto em verbos principais e auxiliares BE e formas DO. Portanto,
finitude foi considerada, na pesquisa de Rice e Wexler (op. cit.), toda marcação de tempo e de
concordância.
Os resultados da pesquisa de Rice e Wexler (op. cit.) indicam que as crianças DEL e
as crianças controle mais jovens marcaram, com menos freqüência que as crianças controle
mais velhas, a terceira pessoa do singular no tempo presente, ou seja, omitiram
freqüentemente o morfema –s em verbos lexicais. De forma similar, as crianças DEL e
aquelas mais jovens do grupo controle usaram menos vezes o morfema –ed, marcador de
tempo em verbos lexicais. Os autores acrescentam ainda que as crianças DEL e as crianças
mais jovens do grupo controle omitiram os morfemas de flexão –ed e –s, mas nunca usaram
uma forma verbal distinta daquela que seria permitida pela gramática do indivíduo adulto. Por
49
MLU, conforme já assinalamos no capítulo 1, significa Mean Lenght Utterance e está relacionado ao número
de morfemas ou de palavras produzidos por um indivíduo no período de um minuto.
140
exemplo, uma sentença como “They walks” não é prevista na fala das crianças e o morfema de
passado surgirá somente em situações em que o tempo verbal passado é requerido. Ainda
nesta perspectiva, apresentamos outro resultado da pesquisa de Rice e Wexler: as formas de
BE e DO foram, de um modo geral, omitidas na fala das crianças DEL e das crianças controle
mais novas. Entretanto, quase todos os erros diziam respeito a uma omissão, não tendo, por
exemplo, um uso errado destas formas.
Em suma, os dados dos pesquisadores apresentam evidências, indicando que a
abordagem EOI para o desempenho lingüístico dos indivíduos DEL é bastante similar ao
desempenho das crianças mais novas em fase de aquisição de linguagem. Isso porque tanto as
crianças controle mais jovens quanto as crianças DEL omitem o morfema que marca tempo
em verbos lexicais mais vezes que as crianças controle mais velhas.
A despeito de as crianças DEL apresentarem tais dificuldades, elas também
apresentam sentenças com traços de tempo especificados. Tal evidência leva os autores a
afirmarem que as crianças DEL sabem que existe uma distinção entre formas finitas e formas
não finitas. Além disso, sabem que, quando uma forma é finita, esta deve conter traços de
concordância e de tempo. Por fim, as crianças DEL parecem também saber que deve haver
concordância entre sujeito e verbo, já que, em algumas situações, elas produzem sentenças
com tal relação.
Em 1998, Wexler, Schütze e Rice avançam na discussão, realizando uma pesquisa
com crianças DEL e crianças com desenvolvimento normal de linguagem, a fim de validar
suas explicações para os dados lingüísticos verificados na fala de crianças DEL e daquelas
sem problemas de linguagem. As análises são bastante similares àquela apontada no capítulo
3, quando apresentamos Wexler (1998). Na verdade, os dados obtidos na pesquisa foram
discutidos com o objetivo de validar o modelo de Wexler (1998) e de estender a explicação
para o estágio OI às crianças DEL.
141
Os autores apresentam resultados de pesquisa indicando que as crianças DEL
produzem certas formas pronominais, como him, em him run, forma esta que não deve ocorrer
na fala do adulto com gramática normal. Os autores encontraram ainda, na fala das crianças
DEL, sentenças em que os verbos ora são flexionados, ora não são flexionados. Resumindo,
os dados encontrados pelos pesquisadores formam um conjunto constituído por sentenças com
sujeitos com caso nominativo, em que o verbo pode ocorrer na sua forma flexionada ou não, e
por sentenças com sujeitos com caso acusativo, em que os verbos quase nunca ocorrem em
sua forma finita.
A proposta do artigo dos autores era apresentar evidências para a consideração de
tanto a gramática dos indivíduos DEL quanto a gramática daqueles que apresentam
normalidade no desenvolvimento da linguagem serem regidas pelos mesmos princípios. Para
tal, os autores desenvolveram a caracterização da noção de caso morfológico e flexões
verbais.
Os dados obtidos na pesquisa de Wexler et al. (op. cit.) foram explicados pelo modelo
no qual ou os traços de concordância ou os traços de tempo são opcionalmente omitidos da
estrutura da sentença. Para elucidar o seu raciocínio, Wexler et al. (op. cit.) apresentam um
par de exemplo, a saber: She liked X She like. Na primeira sentença, pode-se declarar que há
presença de traços de tempo, já que o morfema de tempo passado –ed encontra-se na forma
verbal. Na segunda sentença, os traços faltosos são de tempo, pois claramente –ed é o sufixo
de tempo passado e o pronome tem caso nominativo, que, de acordo com os autores, é
designado por AGR. Já em sentenças como aquela mencionada anteriormente, him run, o caso
designado ao sujeito é acusativo e isto não ocorreria, de acordo com Wexler et al. (op. cit.),
exclusivamente porque, em inglês, esta é a forma default. Conforme apontado pelos autores e
por Wexler (1998), isto ocorreria porque a designação de caso acusativo dar-se-ia pela
Morfologia Distribuída, em que o pronome com mais especificação de traços entraria. Um
pronome He teria como especificação [+NOM, +3ª pessoa, +singular, +masculino] e Him
142
teria como especificação [
, +3ª pessoa, +singular, +masculino]. Como não haveria
concordância para designar caso na sentença him run, a segunda forma seria inserida. Daí a
opcionalidade de ora haver concordância e ora não haver. Ainda nesta sentença, não haveria
traços de tempo, conforme se pode constatar na observação do verbo run.
Desta forma, os autores acreditam terem explicado o porquê de, tanto na fala das
crianças DEL quanto na fala das crianças mais jovens em fase normal de aquisição de
linguagem, haver oscilação no uso da flexão temporal dos verbos e na designação de caso ao
sujeito da sentença. Resumindo, as formas previstas para ocorrerem na fala das crianças DEL
e das crianças mais jovens em fase de aquisição de linguagem, de acordo com Wexler et al.
(op. cit.), seriam [+AGR, + T] em sentenças como She likes; [+AGR, -T], em sentenças como,
por exemplo, She like, em que há designação de caso nominativo ao sujeito e há omissão de
morfema de tempo; [-AGR, -T], em sentenças como em her like em que não há designação de
caso nominativo ao sujeito e não há produção de morfema de tempo; e em menor proporção
[-AGR, +T], em sentenças como em her liked, em que se percebe a produção de morfema de
tempo, mas não há designação de caso nominativo ao sujeito. De fato, os autores encontraram
em sua pesquisa sentenças desta natureza e tal resultado vai ao encontro daquele apresentado
por Wexler (1998), que citamos no capítulo 3.
Conforme verificamos, no trabalho de Wexler et al. (op. cit.), há uma procura por
expandir a explicação para o comportamento lingüístico da criança em fase de aquisição de
linguagem para o comportamento lingüístico do indivíduo DEL. Ainda que percebamos a
vantagem da proposta, faz-se importante chamarmos a atenção para o fato de que a proposta
ora apresentada parece ainda considerar AGR como um nódulo na sintaxe. Como já colocado
no capítulo 2, Chomsky (1995, 1998) não mais considera concordância como um nódulo
constituindo um sintagma, conforme as propostas de Wexler (1998) e Wexler et al. (1998)
pressupõem.
143
A seguir, apresentamos um quadro com um resumo de todas as abordagens
explicitadas neste capítulo.
144
QUADRO 5: RESUMO DAS ABORDAGENS SOBRE AQUISIÇÃO DE CATEGORIAS FUNCIONAIS POR PARTE DE
CRIANÇAS DEL
HIPÓTESE
Comprometimento cognitivo geral
Comprometimento processual
Comprometimento lingüístico
estrutural
AUTOR(ES)
PROPOSTA PARA EXPLICAR O DÉFICIT GRAMATICAL DO
DEL
Johnston (1997) Há mecanismos de processamento ineficientes ou lentos para a
aquisição da linguagem. Então, há aumento de demanda das fontes de
tarefas de aquisição da linguagem. A autora adota a abordagem de
Leonard (1998) para explicar o comportamento morfológico dos
indivíduos DEL.
Fletcher (1990) A dificuldade dos indivíduos DEL pronunciarem morfemas cujos traços
são ligados a tempo está relacionada à dificuldade na produção do som
alveolar final.
Leonard e seus “Hipótese de Déficit no Processamento Perceptual” ou “Hipótese de
companheiros Superfície”. A hipótese está relacionada ao processamento sintático e ao
contorno prosódico. Os morfemas breves de classe fechada são
de pesquisa
processados de forma incompleta e, por isso, não têm efeito no
paradigma na gramática subjacente do indivíduo DEL.
Gopnik e seus Os indivíduos DEL parecem ter dificuldades de aprender a língua pela
companheiros construção de paradigmas, ou seja, parecem ser incapazes de adquirir
regras inconscientes automáticas, antes utilizam mecanismos
de pesquisa
compensatórios, que seriam a memória.
145
HIPÓTESE
AUTOR(ES)
Comprometimento lingüístico
estrutural
Clahsen, Batke
e Göllner (1997)
Jakubowicz e
Nash (2001)
Van der Lely
(1998)
Wexler,
Schütze e Rice
(1998)
PROPOSTA PARA EXPLICAR O DÉFICIT GRAMATICAL DO
DEL
Os problemas gramaticais das crianças DEL são ligados à dificuldade
em estabelecer relações de concordância na gramática. Os autores
afirmam que a gramática das crianças DEL têm os traços não
interpretáveis de concordância omissos ou subespecificados e os traços
interpretáveis estariam preservados.
Categorias funcionais mais básicas, ou seja, aquelas que estão sempre
presentes e necessárias sintaticamente, como o tempo verbal presente,
são mais prováveis de serem encontradas na fala das crianças DEL do
que categorias funcionais que se encontram em algumas sentenças, mas
não em outras, tais como o passado, o qual resguardaria a noção
semântica que deve ser adicionada à árvore sintática.
A última abordagem de van der Lely explicitada nesta tese indica que o
DEL deriva de um comprometimento do Segundo Princípio de
Economia do Último Recurso (Last Resort), que é aquele responsável
por forçar movimento de traços somente se o alvo não tiver os traços
checados. Estando o princípio comprometido, a obrigatoriedade do
movimento de traços também fica comprometida; daí o comportamento
lingüístico do DEL, em que ora há marcação de tempo e ora não há.
As crianças DEL parecem desconhecer a obrigatoriedade de marcação
de tempo e de concordância em sentenças por um período maior ou
indefinido em relação às crianças em fase normal de aquisição de
linguagem. Os pesquisadores desenvolveram uma caracterização da
noção de caso morfológico e de flexões verbais. Baseando-se em
Wexler (1998), os pesquisadores apontam que a gramática da criança
DEL é caracterizada por uma restrição da checagem única, em que o
traço-D é checado somente uma vez, ou no nódulo de tempo ou no
nódulo de concordância. Daí a explicação para o fato de a criança DEL
ora omitir tempo, ora omitir concordância da estrutura da sentença.
146
4.4
REITERANDO OS NOSSOS OBJETIVOS
Apresentamos, até este momento, toda a revisão da literatura que consideramos
adequada para fins desta pesquisa. Inicialmente nos propusemos a dar uma caracterização
geral do que vem a ser uma criança DEL, trazendo abordagens que nos mostram como é a fala
deste indivíduo e evidências que nos sugerem que o déficit lingüístico ora estudado deve ter
uma base genética.
Vimos, também, os pressupostos do quadro teórico no qual esta tese se baseia, ou seja,
os pressupostos teóricos da gramática gerativa. Trouxemos as idéias básicas dos Princípios e
Parâmetros dentro do espírito do Programa Minimalista, proposto a partir de Chomsky
(1995), e realizamos um histórico que pretendeu explicitar o desenvolvimento de estudos
acerca das categorias funcionais, tempo e concordância. Em relação a tais categorias, fazemos
um destaque para a não consideração de concordância como um nódulo constituindo um
sintagma, no atual momento da teoria. Concordância, a partir de Chomsky (1995), passa a
resguardar somente uma noção relacional com o verbo, em que número e pessoa constituiriam
tais propriedades relacionais. Apresentamos ainda um estudo acerca de aspecto verbal,
trazendo diferentes abordagens que propõem a inclusão da categoria aspecto verbal como um
nódulo na árvore sintática.
Em seguida, trouxemos vários estudos relacionados à aquisição de tempo e de
concordância por parte de crianças em fase normal de aquisição de linguagem. Verificamos
que há abordagens que pressupõem que as categorias funcionais precisam ser adquiridas no
período de aquisição de linguagem e há abordagens que sugerem que as categorias funcionais
já estariam disponíveis na gramática mental da criança desde o nascimento. Entre aquelas que
compõem o segundo grupo, há propostas que acreditam que, mesmo as categorias funcionais
estando disponíveis desde muito cedo na gramática da criança, o efetivo uso de tais categorias
dependeria de uma amadurecimento guiado por fatores genéticos.
147
Apresentamos, também, alguns estudos que visam a explicitar a aquisição de aspecto
verbal por parte das crianças em fase de aquisição de linguagem. Alguns estudos
demonstrados nesta tese sugerem que as crianças adquirem aspecto antes de tempo verbal.
Outros trabalhos, os mais recentes, investem em pesquisas que nos têm apontado que nem
tempo nem aspecto parecem ser estáveis na gramática de uma criança com três a quatro anos,
portanto, em fase de aquisição de linguagem.
Por fim, trouxemos várias vertentes que visam a explicar a gramática do indivíduo
DEL gramatical. Algumas acreditam que o déficit do DEL deve-se a um déficit cognitivo
mais geral. Outras sugerem que o déficit do DEL deve-se a uma dificuldade de processamento
sintático e, constituindo um terceiro grupo, há aquelas que afirmam que o déficit do DEL
deve-se a um déficit estrutural. Nossa pesquisa insere-se nesta última perspectiva.
Isso posto, afirmamos que toda esta literatura embasou a nossa pesquisa no que diz
respeito à metodologia e à forma como escolhemos para fundamentar a explicação
concernente aos dados encontrados após a aplicação de testes elaborados para esta pesquisa.
Neste momento, reiteramos os objetivos principais da investigação empreendida nesta
tese: entender como as categorias, tempo e aspecto, estão representadas nas gramáticas de
crianças DEL, contribuindo, então, para a discussão a respeito da representação de tais
categorias na gramática de indivíduos adultos sem problemas de linguagem. Para tanto,
faremos um estudo de caso, no qual verificaremos as categorias ora delineadas na fala de uma
criança diagnosticada como DEL.
Lembramos, ainda, que a hipótese estabelecida nesta tese é que a camada flexional é
dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra de natureza
aspectual.
148
5
METODOLOGIA
Este capítulo consiste de duas seções. Na primeira, apresentaremos a amostra com a
qual estamos trabalhando. Na seção seguinte, apresentaremos os testes usados nesta pesquisa.
5.1 A AMOSTRA
Para cumprirmos os objetivos desta pesquisa, resolvemos fazer um estudo de caso,
com um menino considerado DEL, o qual denominaremos VA. Selecionamos também duas
crianças com desenvolvimento normal de linguagem, que, aqui, chamaremos de crianças
controle. O objetivo de selecionarmos crianças sem distúrbio lingüístico é promovermos, para
fins de análise, uma comparação. Ou seja, as crianças sem problemas de linguagem serviriam
de parâmetro para verificarmos o que as crianças de uma determinada idade dão ou não conta
de realizar em termos lingüísticos. As crianças controle foram selecionadas obedecendo-se ao
seguinte padrão: uma deveria ter a mesma idade do menino DEL e a outra deveria ter o
mesmo MLU (mesmo número de palavras por minuto) que o menino DEL investigado em
nossa pesquisa. Além disso, as crianças controle deveriam ser do mesmo sexo e deveriam
pertencer à mesma classe sócio-cultural que o menino DEL.
A seguir, apresentaremos o menino DEL que selecionamos para esta pesquisa. Após
essa subseção, apresentaremos como foi feita a seleção das crianças controle.
5.1.1 A criança DEL selecionada para esta pesquisa
O menino DEL selecionado para nossa pesquisa é VA e tinha, na ocasião da aplicação
dos testes, acabado de completar 13 anos.
149
VA é o filho mais velho da família. Tem um irmão e duas irmãs. VA pertence a uma
família com histórico de problemas de linguagem. Seu irmão (de dez anos) e pelo menos uma
de suas irmãs (a que tem nove anos) têm problemas lingüísticos. O pai das três crianças, além
de sua avó paterna, da bisavó paterna e do irmão da bisavó, também apresentam (ou
apresentaram, no caso dos dois últimos) problemas de linguagem. Estas informações foram
obtidas com a mãe das crianças. O fato de termos encontrado três crianças irmãs com
problemas lingüísticos e com histórico familiar em que tal distúrbio de linguagem é presente
reforça a idéia de que o DEL é geneticamente determinado e isso nos dá maior segurança na
seleção de VA para fins de nossa pesquisa.
VA pertence à classe social popular, mora e sempre morou em favelas da periferia de
Belo Horizonte. Atualmente mora em uma casa com dois cômodos e sua rua não tem asfalto.
Mas há televisão e luz em sua residência. Sua mãe não trabalha fora e seu pai exerce trabalhos
em setor de construção, entretanto sua ocupação não é permanente: quando acaba a
construção de uma determinada obra, fica sem trabalho. Atualmente, é vendedor ambulante:
vende palmitos na porta de um mercado de frutas e legumes. A mãe de VA tem a primeira
etapa do ensino fundamental concluída (no interior de Minas) e seu pai não sabe ler e
escrever, embora tenha freqüentado escola.
VA já fez tratamento com fonoaudiólogos. À época dos primeiros testes desta
pesquisa, em junho de 2004, o menino não estava fazendo terapia com fonoaudiólogo e não
estava matriculado em escola, mas estava freqüentando uma escola especializada em
problemas de linguagem. Em 2005, VA esteve matriculado em escola regular, além de ainda
ter continuado a obter atendimento em escola especializada para distúrbios de linguagem.
VA começou sua vida escolar aos nove anos de idade. Tinha muitos problemas de
articulação de fala e, hoje, já melhorou, ainda que mantenha alguns deles. É um menino que
tem grande dificuldade no processo de alfabetização, mas não a tem no processo de
aprendizado de matemática, por exemplo. Além disso, tem bom desempenho em outras
150
atividades, por exemplo, em jogo de futebol. Sua antiga professora nos relatou que é um
menino que, apesar de um pouco agressivo, é esforçado. A professora nos disse ainda que as
dificuldades que VA apresenta assemelham-se às de outros meninos considerados em
desenvolvimento normal de linguagem. Ela acrescenta também que acredita que as
dificuldades de VA são decorrentes de sua entrada tardia na escola, o que o levou a ficar ao
lado de crianças mais novas, desmotivando-o no processo ensino-aprendizagem, algumas
vezes. O fato de o menino não ter freqüentado a escola, em 2004, nos leva a pensar que o
aprendizado de VA é interrompido vez por outra. A despeito dos problemas de
relacionamento e da dificuldade no processo de alfabetização, VA sempre se mostrou solícito
nas sessões de exame fonoaudiológico e de exame psicológico feitas para fins desta pesquisa
e nas sessões de aplicação de testes lingüísticos.
Seus irmãos não apresentam os problemas escolares da mesma forma que VA os
apresenta. O irmão, de dez anos, é um menino amável, sabe escrever, ler e tem facilidade com
raciocínio matemático. Conta histórias e é uma criança preocupada em acertar sempre. Ele foi
para a escola, pela primeira vez, aos sete anos. A irmã de VA, de nove anos, é uma menina
gentil, sabe ler e escrever. Conta histórias interessantes e tem uma fala fluente. Também foi à
escola, pela primeira vez, aos sete anos. Tais crianças foram examinadas pela mesma
fonoaudióloga que examinou VA para fins desta pesquisa. A profissional informou que os
irmãos de VA não necessariamente têm problemas sintáticos, pois, nos testes aplicados, isto
não pôde ser constatado, mas claramente têm alguns problemas fonológicos. Ainda que os
resultados que indicam um não comprometimento sintático nos irmãos de VA não sejam
conclusivos, o que podemos verificar é que possivelmente há, dentro de uma mesma família,
grupos heterogêneos de comprometimento da linguagem, tal como nos traz a literatura (cf.
Leonard, 1998).
151
5.1.1.1 Os critérios usados para seleção de VA
Os critérios para a seleção do menino DEL pesquisado neste trabalho foram os de
exclusão. VA não apresentou quadro clínico de lesão cerebral, nem problemas auditivos. Não
há descrição de nenhuma infecção recente no ouvido e não há anormalidades orais. VA
também não apresenta problemas social, comunicativo, emocional ou comportamental que o
caracterizaria como sendo autista.
O menino foi conduzido a várias seções de avaliação psicológica, ocasião em que foi
aplicado o WISC (WECHSLER, 1991), um teste psicológico que visa a verificar não só o QI
verbal, quanto o não verbal. Em laudo fornecido pela psicóloga, que é especialista no teste, há
a confirmação que o QI verbal de VA é 89 e o QI não verbal é 85.
Além disso, o menino passou por uma avaliação fonoaudiológica. O resultado do
trabalho com a fonoaudióloga teve um parecer que indicava VA como sendo DEL. Alguns
testes que verificavam as áreas da fonética e da sintaxe foram aplicados na criança.
No que diz respeito aos testes de natureza fonética aplicados pela fonoaudióloga, foi
verificado que o menino DEL selecionado para esta pesquisa apresenta algumas omissões e
algumas trocas de sons. Apesar disso, não há nenhum problema de natureza motora que
impeça VA de articular corretamente os fonemas. Ou seja, apesar de ter alguns problemas na
articulação dos sons em um contínuo, VA tem os pontos articulatórios relativos a esses sons,
exceto em casos em que há necessidade de articulação do tepe ou, mais comumente
conhecido, do “r” brando, como em prato ou coroa, quando a criança diz [‘pato] e [ko‘oua].
Como critério para a constatação de déficit sintático, foi aplicado um teste que visava a
eliciar50 a produção de sentenças com determinados tempos (passado e presente) e aspectos
(perfectivo e imperfectivo) verbais. Estes testes são de Macacchero (2004) e encontram-se no
anexo A. VA demonstrou ter dificuldade de produzir o tempo verbal esperado.
50
Explicitaremos, na seção 5.2, o que vêm a ser testes de eliciação.
152
Ainda como critério para constatação de déficit sintático no menino DEL pesquisado
nesta tese, foi verificada a compreensão de sentenças relativas de sujeito e relativas de objeto.
Usamos os dados obtidos após a aplicação de testes com sentenças com movimento de QU
como critério de constatação de déficit sintático por ser um bom parâmetro, já que a literatura
sobre o comportamento lingüístico do DEL nos aponta que as crianças com DEL, de um
modo geral, têm mais dificuldade na produção e compreensão de tais sentenças que as
crianças em fase normal de aquisição de linguagem. VA, de um modo geral, não apresentou
um bom desempenho na compreensão de sentenças com movimento de elemento QU,
especialmente quando tal elemento estava em posição de objeto, ou seja, VA apresentou
maior dificuldade na compreensão de sentenças relativas de objeto. As sentenças usadas neste
teste (que foram retiradas de Hermont (1999)) e o desempenho de VA nas tarefas de
compreensão de sentenças com QU estão no anexo B.
Com base em critérios psicológicos, fonoaudiológicos e lingüísticos, VA foi
considerado um menino DEL, servindo, portanto, para fins desta pesquisa.
5.1.2 As crianças sem problemas de linguagem
Selecionamos duas crianças sem problemas de linguagem, a fim de que elas fossem
usadas como controle. Seguimos alguns critérios comumente usados por diversos autores para
a seleção de crianças controle. A seguir, apresentaremos os principais critérios observados na
literatura.
De acordo com Leonard (1998) e Rice e Wexler (1996), de um modo geral, as crianças
DEL são comparadas, em situação de testes, a crianças sem problemas de linguagem, que
formam pelo menos dois grupos:
a) grupo de controle baseado em idade cronológica, em que são reunidas crianças sem
problemas de linguagem com mesma idade cronológica da criança DEL e
153
b) grupo de controle baseado em desempenho lingüístico, em que são reunidas crianças
sem problemas de linguagem com níveis de desempenho em testes de vocabulários ou
de gramática comparáveis aos níveis de desempenho em testes de vocabulários ou de
gramática da criança DEL.
No que diz respeito a este último grupo, podemos assinalar que uma forma de comparar as
crianças DEL a crianças sem problemas de linguagem e que estão no mesmo estágio de
desenvolvimento gramatical que as crianças com DEL é através da observação do MLU
(Mean Lenght Utterance, que significa “tamanho significativo de pronúncia”). De acordo com
Rice e Wexler (op. cit.), o MLU é calculado tomando-se 50 ou 100 palavras na fala
espontânea produzida pela criança e verificando-se o número de morfemas51 por pronúncia na
amostra da fala da criança (ou seja, verifica-se o total de morfemas que a criança produz e
divide-o pelo número de palavras que a criança produz). O MLU pode também ser
especificado simplesmente verificando-se o número de palavras produzidas por minuto na
amostra da fala da criança. Esta última opção foi feita em nosso trabalho.
Dito tudo isso, assinalamos que as crianças controle com as quais trabalhamos nesta
tese consistem de duas crianças, uma de treze e outra de dez anos. A criança sem problemas
de linguagem com treze anos foi escolhida por ter a mesma idade do menino DEL selecionado
para esta pesquisa. Esta criança tem o mesmo nível social, econômico e cultural do menino
DEL investigado em nosso estudo. Ela estudava na mesma escola onde VA já estudou, mora
em rua sem asfalto e tem, basicamente, os mesmos eletrodomésticos em casa que a família de
VA tem em sua residência. Entretanto, a criança controle de treze anos tem um nível de
escolaridade melhor que o de VA, pois o menino DEL investigado nesta tese tem dificuldade
no processo de alfabetização, conforme já dito.
51
Rice e Wexler esclarecem que morfemas são unidades gramaticais: isto é, um item “cats” é uma única
palavra, mas é constituída por dois morfemas: a raiz nominal “cat” e o sufixo plural “-s”. Embora o MLU seja
geralmente computado em termos do número significativo (isto é, média) de morfemas por pronúncia para
línguas como o inglês, na qual algumas palavras não carregam flexões explícitas, para línguas como o italiano ou
espanhol, nas quais todas as palavras consistem, tipicamente, de uma raiz mais um afixo ou flexão, o MLU é
geralmente computado simplesmente em termos de palavras. Quando isto é feito, a abreviação MLU(W) – isto é,
tamanho significativo de pronúncia medida em termos de palavras – é usado, para que ocorra maior clareza.
154
A criança de dez anos escolhida para também fazer parte do grupo controle tinha o
mesmo MLU que VA. No anexo C, estão as falas de VA e da criança controle. Foram
observados o número de palavras usadas em contação de histórias e o tempo que as crianças
gastaram para contar tais histórias. Mediante os resultados, puderam-se verificar os MLU’s de
ambas as crianças, que coincidiram: 1,7 palavra por segundo. A criança com mesmo MLU do
menino DEL investigado nesta tese tem o mesmo perfil social, econômico e cultural de VA.
Assim como a criança controle de 13 anos, a criança de 10 anos tem o nível de escolaridade
adequado para sua idade: está na quarta série.
As crianças controle foram selecionadas em ambiente escolar e, na ocasião da seleção
da amostra, pedimos às professoras que nos indicassem crianças que não tivessem nem
problema de aprendizagem nem de fala. Em entrevista, as respostas dadas pelas mães e pelas
professoras indicavam que ambas as crianças passaram pelo processo de alfabetização com
facilidade e não há dados disponíveis que indiquem padrões de erros na fala, tanto nas
informações dadas por mães e por professoras, quanto nas entrevistas feitas com as crianças
para fins desta pesquisa. Vale dizer que as professoras apontaram que as crianças selecionadas
não tinham problemas de aprendizagem, mas também não eram aquelas que mais se
destacavam nas tarefas escolares.
As crianças controle realizaram os mesmos testes lingüísticos realizados por VA (cf.
anexos A e B) e obtiveram um desempenho de 100% nas tarefas em que se esperavam
respostas no pretérito perfeito, no presente habitual e não habitual e no presente, com aspecto
progressivo. Estas mesmas crianças controle deram, cada uma, quase o total de respostas
esperadas (90%), no caso das tarefas em que se esperavam as perífrases “auxiliar no pretérito
imperfeito + gerúndio”. Por fim, estas crianças obtiveram um desempenho de 100% nas
tarefas de compreensão de sentenças relativas de sujeito e de sentenças relativas de objeto.
155
5.2 OS TESTES
Para esta pesquisa, tínhamos, inicialmente, o objetivo de verificar a presença e a
adequação na produção de verbos no tempo presente e passado e de aspecto imperfectivo e
perfectivo em trechos de falas espontâneas e em testes de eliciação. Entretanto, como VA fala
pouco, não gosta de contar histórias e nem de conversar muito, não foi possível proceder à
análise de tempo e aspecto verbal a partir de falas espontâneas. Portanto, os dados com os
quais trabalhamos nesta tese relacionam-se àqueles obtidos após a aplicação de testes de
eliciação, os quais passaremos a explicar na próxima subseção.
Vale dizer, contudo, que coletamos algumas falas espontâneas por parte de VA e da
criança controle de dez anos, a fim de verificarmos o MLU de cada um destes componentes
da amostra da pesquisa empreendida para esta tese.
Era ainda objetivo inicial desta pesquisa verificar a concordância verbal na fala da
criança DEL. Entretanto, ao observarmos os resultados obtidos após a aplicação de testes, não
pudemos realizar a análise do desempenho do menino DEL na produção de concordância
verbal (conforme veremos no capítulo 6). Contudo, os resultados deste teste serviram-nos, de
alguma forma, para a análise de tempo e aspecto na fala do menino DEL investigado nesta
tese. Portanto, colocaremos, ao final deste capítulo, a demonstração de como tais testes foram
elaborados.
5.2.1 Os testes de eliciação de tempo e de aspecto
Inicialmente, apresentaremos os recursos usados para a elaboração dos testes. Depois,
apresentaremos as baterias de testes e as expectativas que tínhamos para cada uma delas e, por
fim, indicaremos a forma como interpretamos os resultados obtidos.
156
5.2.1.1 Os contextos criados na elaboração dos testes de eliciação de tempo e aspecto
Para realizarmos os testes que verificassem tempo e aspecto, na fala da criança DEL e
das crianças controle, tentamos garantir que, em cada bateria, houvesse um tema de interesse
das crianças.
Um dos temas de algumas baterias estava ligado a três histórias do cachorro Beco
Barroso (Eboli, 197?). Os livros foram indicados pela fonoaudióloga que aplicou os testes no
menino DEL pesquisado em nosso trabalho. A profissional, na ocasião, nos afirmou que, em
seu consultório, os pacientes demonstram gostar bastante das histórias do Beco Barroso. Além
disso, as frases dos textos são curtas, o que facilita no momento da aplicação de testes por não
tomar muito tempo e, portanto, não cansar as pessoas que estão realizando o teste. Podemos
citar ainda, como nossa aliada, a “voz” no texto, que é a do cachorro, o que também é
desejável, pois não houve narrador e, por conseguinte, não houve discurso indireto, em que a
leitura de verbos no passado seria comum por parte da pesquisadora. Desta forma, a criança
não memorizou falas da pesquisadora. As histórias de Beco Barroso estão no anexo D.
Para procedermos à elaboração das outras baterias de testes, perguntamos às crianças
sobre o que elas gostariam de falar e, a fim de que as respostas não fossem evasivas, levamos
alguns recursos para que os meninos pudessem escolher. Dentre os recursos, levamos uma
caixa com vários bonecos que poderiam representar pessoas da família e que com eles
pudesse ser feito um teatro52. Levamos também bonecos de super-heróis e de vilões, tais
como “He-Man” e “Esqueleto”. Levamos revistas de esportes (futebol, principalmente) e
revistas em quadrinho da Turma da Mônica e do Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas etc.
Todas as crianças foram unânimes na escolha das revistas em quadrinhos. Afirmaram que
gostariam de conversar, em situação de teste, tanto sobre os personagens da Turma da
Mônica, quanto sobre os personagens que vamos aqui denominar da Turma do Pato Donald.
52
Percebemos, em conversa, que este tipo de tarefa pertence mais ao universo feminino. Meninos não gostam de
brincar de boneca, de um modo geral, ainda mais na idade em que estão.
157
Desta forma, as outras baterias foram constituídas por, predominantemente, testes com
personagens da Turma da Mônica e da Turma do Pato Donald. Grande parte dos testes com os
personagens da Turma da Mônica basearam-se em gravuras de Ferreira (2003) e grande parte
dos testes com os personagens da Turma do Pato Donald basearam-se em revistas em
quadrinhos e em almanaques.
Para algumas baterias de testes, entretanto, tivemos que recorrer a outros temas,
desconhecidos, a fim de obterem-se formas verbais desejadas e que seriam difíceis de serem
produzidas naqueles outros contextos. Este foi o caso de testes de eliciação, por exemplo, de
pretérito perfeito, em que precisávamos formar um contexto no qual a criança, primeiramente,
iria perceber uma ação em andamento e, em seguida, a mesma ação findada. Muitas vezes,
não encontramos nas histórias do Beco Barroso, da Turma da Mônica e da Turma do Pato
Donald o número de situações para a eliciação desejada. Daí a escolha de outros temas.
5.2.1.2 A eliciação de tempo e aspecto
Eliciação é um tipo de teste que visa a provocar o surgimento de uma dada expressão
lingüística. Este tipo de estratégia é usado quando o que se quer examinar ocorre com baixa
freqüência na fala espontânea (Crain e Thornton, 2000, p. 141). Escolhemos este tipo de
estratégia para a elaboração de nossos testes, em primeiro lugar, porque as crianças DEL não
falam muito, antes têm muita dificuldade para falar com fluência. Com a técnica da eliciação,
poderíamos conseguir (e na verdade só assim conseguimos) um grande número de dados em
poucos encontros.
Em segundo lugar, escolhemos a técnica da eliciação para ser a estratégia usada em nossos
testes porque desejávamos verificar se a criança DEL investigada em nosso trabalho consegue
dar respostas adequadas no que diz respeito a tempo e a aspecto investigados neste trabalho.
158
Como o próprio nome da estratégia indica, há uma eliciação, uma provocação daquilo que se
deseja ouvir.
Este tipo de estratégia para a elaboração dos testes é também interessante porque elimina
algumas das dificuldades que podem surgir ao interpretarem-se dados da fala da criança
advindos de fala espontânea (Crain e Thornton, op. cit.). Às vezes, levantamos hipóteses, nem
sempre possíveis de serem comprovadas, a respeito do significado possível dado pela criança.
Este é um problema freqüente no estudo de dados de fala espontânea.
Vale dizer que quase a totalidade das pesquisas que trata de aquisição de categorias
funcionais (principalmente de aspecto), por parte de crianças sem problemas de linguagem e
por parte de crianças DEL, realiza testes de eliciação.
Os testes elaborados para fins desta pesquisa tinham como objetivo a eliciação de formas
verbais no presente e nos pretéritos perfeito e imperfeito. A fim de determinarmos quais
aspectos verbais entrariam em nossos testes, recorremos à obra de Travaglia (1981), que nos
traz uma ampla abordagem sobre um assunto ainda pouco explorado em nosso país, que é o
aspecto verbal em língua portuguesa. Nesta obra, o autor estabelece um quadro com as
noções aspectuais que se expressam no Português e um quadro correspondente de aspectos,
determina os tipos de situações indicadas pelos verbos que afetam a atualização da categoria
de aspecto e estuda a relação do aspecto com as categorias verbais de tempo. Além disso, há
uma ampla seleção de exemplos, quase todos baseados em dados lingüísticos obtidos de
falantes da língua portuguesa do Brasil, sem se ater a nenhum dialeto. A categorização feita
pelo autor, a demonstração da relação entre os vários aspectos e tempos verbais e a farta
apresentação de exemplos nos deu condições de elaborar as sentenças a serem eliciadas em
nossa pesquisa.
O principal objetivo da nossa pesquisa era investigar se há dissociação entre tempo
verbal e aspecto verbal na gramática mental, partindo do estudo da análise da fala de criança
DEL. Tínhamos também como objetivo verificar o status dos aspectos perfectivo e
159
imperfectivo na gramática mental dos indivíduos DEL. Portanto, um melhor entendimento
acerca de perfectividade e imperfectividade se fez necessário.
Conforme já assinalamos no capítulo 2 desta tese e de acordo com Travaglia (1981, p.
76), o perfectivo é caracterizado por apresentar a situação como completa, isto é, em sua
totalidade. O todo da situação é apresentado como único, inanalisável, com começo, meio e
fim englobados juntos. Já o imperfectivo, ainda segundo Travaglia (op. cit., p. 78), é
caracterizado por apresentar a situação como incompleta, isto é, não temos o todo da situação
e, por isso, normalmente ela é apresentada em uma de suas fases de desenvolvimento. Aqui,
ao contrário do que ocorre no perfectivo, é como se a situação fosse vista de dentro,
enfocando-se não o seu todo.
Observando a categoria maior de aspecto imperfectivo, escolhemos trabalhar com duas
outras categorias, a saber “aspecto progressivo” e “aspecto habitual”. Ambas são
caracterizadas por terem a fase ainda não conclusa, embora sejam marcadas por diferenças
entre si.
Segundo o autor já mencionado (op. cit., p.92), o aspecto progressivo53 caracteriza-se
por apresentar a situação em pleno desenvolvimento, ou seja, concebida como já tendo
passado seus primeiros momentos e ainda não tendo atingido seus últimos momentos. Em
outras palavras, a situação é apresentada na fase do meio de seu desenvolvimento. Exemplos
são dados na obra: “José lia um romance, quando sua irmã chegou.”, “Estamos fazendo um
bolo para mamãe”, “O presidente estava falando desde as 5 horas”.
Já o aspecto habitual é o aspecto que apresenta a situação como tendo duração
descontínua ilimitada. Ou seja, a situação é apresentada como sofrendo interrupções na sua
duração, o que cria a idéia de repetição. Daí poder-se-ia pensar em aspecto iterativo.
Entretanto, a ação tem seus limites não precisos, os limites entre o início e fim da situação não
53
Na verdade, o autor não usa a terminologia “progressivo” e, sim, “cursivo”. Usaremos “progressivo” no lugar
de “cursivo” por ser o primeiro o termo mais usado na literatura.
160
são conhecidos. Por isso há a noção de habitualidade. Um exemplo dado pelo autor: “Sempre
que chegavam visitas, mamãe fazia biscoitos”.
O pretérito perfeito marca o aspecto perfectivo. O presente e o pretérito imperfeito,
ambos do indicativo, marcam o imperfectivo.
Segundo Travaglia (op. cit., p. 128 e 129), o aspecto cursivo, que nesta tese
denominamos progressivo, é expresso pelo presente do indicativo em descrições
principalmente na linguagem oral mais formal ou na escrita, que é sempre mais formal que a
fala. Entretanto, embora o presente do indicativo marque o aspecto progressivo, os falantes
preferem marcar esse aspecto através da perífrase “ESTAR + GERÚNDIO”, pois há uma
tendência para se interpretar a frase com o presente do indicativo como marcada pelo aspecto
habitual, caso em que a progressão praticamente se anula. Por isso, escolhemos eliciar, em
tarefas de testes, o aspecto progressivo sob a forma de perífrases.
Ainda de acordo com Travaglia (op. cit., p. 130), muito freqüentemente, o “habitual” é
marcado pelo presente do indicativo. Apresentamos um exemplo dado pelo autor: “Acordo
cedo, tomo uma xícara de café, faço a barba, vou ao banheiro”. Entretanto, conforme nos
acena Travaglia, a habitualidade expressa pelo presente do indicativo, de um modo recorrente,
é reforçada por um elemento adverbial (adjunto ou oração) que torna a habitualidade mais
clara e patente. Ao mesmo tempo, este elemento enfraquece a progressão, cortando a
possibilidade de se interpretar a frase como tendo aspectos durativo e progressivo. Exemplos
disso são: “Todas as manhãs, tomo um banho frio”, “Normalmente, ele já está no escritório
às 9 horas”, “Eu sempre venho a este restaurante”. Por isso, em nossos testes, fizemos a
opção por usar advérbios de tempo em tarefas de eliciação do aspecto habitual, sempre que
necessário.
Vale dizer que Travaglia (op. cit., p 136) também nos aponta que o pretérito imperfeito
expressa tanto o aspecto progressivo, quanto o aspecto habitual. Mas, em nossa pesquisa,
eliciamos o tempo pretérito imperfeito somente com o aspecto progressivo.
161
Decidimos, então, elaborar os testes de eliciação de tempo e aspecto da seguinte
forma:
a) Presente, com aspecto progressivo, sob a forma de perífrase;
b) Presente, com aspecto habitual, sob a forma de tempo simples;
c) Pretérito imperfeito, com aspecto progressivo, sob a forma de perífrase;
d) Pretérito perfeito, aspecto perfectivo, sob a forma de tempo simples.
A seguir, apresentamos os testes que visam a verificar, na fala das crianças, tempo e
aspecto. Fizemos testes com diferentes comandos e diferentes usos de gravuras. Todos os
testes de eliciação de tempo e de aspecto podem ser vistos, na íntegra, no anexo E.
Presente progressivo
a) 30 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por
meio de perguntas do tipo: “O que está acontecendo aqui?”. Fizeram parte deste tipo de teste
as baterias 1, 5 e 6.
b) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por
meio de perguntas do tipo: “O que Cebolinha está fazendo aqui?”. Fez parte deste tipo de teste
a bateria 2.
c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo presente e aspecto progressivo” por
meio de preenchimento de lacunas, do tipo: “Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento.
Aqui, o Chico Bento __________ (está trazendo flores para Rosinha.)”. Fizeram parte deste
tipo de teste as baterias 3 e 4.
A seguir, descreveremos os testes:
162
Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da
história “Beco Barroso e o gato” e pergunta eliciadora: “O que está acontecendo aqui?”.
Expectativa: era a de eliciar uma resposta com tempo presente/ aspecto progressivo, sob a
forma auxiliar (no presente) + gerúndio. Além disso, uma resposta esperada, nesta situação de
teste, era a produção de uma sentença contendo um sujeito.
Bateria 2 – Tipo de estímulo: Demonstração de uma gravura da Turma da Mônica. A
pesquisadora falava: “Nesta gravura, todas as crianças estão brincando. Agora, me responda:
o que cada uma delas está fazendo?” Em seguida, era perguntado: “O que o Titi está
fazendo?”, “O que a Magali está fazendo? etc.”
Expectativa: era a de termos uma resposta com sujeito + auxiliar (no presente) + gerúndio,
ou auxiliar (no presente) + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de
âncora para a resposta. Esta última resposta era a mais esperada.
Bateria 3 - Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. Aqui a entrevistadora dizia: “Agora,
você vai observar algumas gravuras da Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você
vai completar de acordo com o que você está vendo nas gravuras. Um exemplo: “Aqui a
Mônica e o Cebolinha estão dando as mãos. Aqui a Mônica ______________”. Em seguida a
criança deveria completar a lacuna, oralmente.
Expectativa: era a de obtermos uma resposta em que tempo presente (sob a forma de
auxiliar) e aspecto (sob a forma de gerúndio) estivessem presentes.
Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você
vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma da Mônica. Eu vou
falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está vendo na gravura.”
163
Um exemplo: Aqui o casal está atravessando a rua e aqui o Franjinha ________”. Em seguida
a criança deveria completar a lacuna, oralmente.
Expectativa: era a de obtermos uma resposta em que o tempo presente (sob forma de
auxiliar) e aspecto (sob forma de gerúndio) estivessem presentes.
Bateria 5 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Os sobrinhos do Pato Donald estão no
acampamento. Agora vamos ver algumas coisas que estão acontecendo lá.”. Em seguida, era
feita uma contextualização com base em uma gravura, do tipo: Este patinho quer construir
uma cabana. O que está acontecendo aqui?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no
presente e gerúndio.
Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Agora vou te contar uma história da
Galinha Ruiva e outras menores com outros personagens e vou fazer umas perguntas sobre
ela.”. Depois a pesquisadora perguntava: “O que está acontecendo aqui?”. A pergunta era
feita com base nas gravuras das histórias.
Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no
presente e gerúndio.
Pretérito Imperfeito Progressivo
a) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto
progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que estava acontecendo aqui?”. Fizeram parte
deste tipo de teste as baterias 5 e 6.
164
b) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto
progressivo” por meio de perguntas do tipo: “O que Cebolinha estava fazendo aqui?”.
Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1 e 2.
c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “tempo pretérito imperfeito e aspecto
progressivo” por meio de preenchimento de lacunas. Fizeram parte deste tipo de teste as
baterias 3 e 4,
A seguir, descreveremos os testes:
Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da
história e pergunta eliciadora, do tipo: “O que o Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca
estava cozinhando?”.
Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo com
a forma sujeito + auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou auxiliar no pretérito
imperfeito + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a
resposta. Esta última resposta era a mais esperada.
Bateria 2 – Tipo de estímulo: apresentação de uma gravura com vários tipos de ações. A
pesquisadora falava que a gravura era de uma festa da Turma da Mônica que havia ocorrido
algum tempo atrás. Em seguida a pesquisadora perguntava: “O que cada pessoa estava
fazendo nesta gravura?” Aí ela ia dirigindo as perguntas, como por exemplo: “O que o Rolo
estava fazendo?”, “O que as moças estavam fazendo?” etc”.
Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo com
a forma sujeito + auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio ou auxiliar no pretérito
imperfeito + gerúndio ou somente gerúndio, já que a pergunta poderia servir de âncora para a
resposta. Esta última resposta era a mais esperada.
165
Bateria 3 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas. A pesquisadora dizia: “Agora você
vai continuar a observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da festa da
Turma da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que
você está vendo na gravura.” Um exemplo: “Enquanto esta criança estava correndo, este
homem ________”. A resposta esperada, neste caso, era: “estava trabalhando”. Em seguida a
criança deveria completar a lacuna, oralmente.
Expectativa: Neste tipo de teste, esperávamos uma resposta em que o tempo pretérito
imperfeito (sob forma de auxiliar) e aspecto progressivo (sob forma de gerúndio) estivessem
presentes.
Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacunas mediante pergunta. A pesquisadora
dizia: “Agora você vai observar esta gravura (na qual havia várias ações ocorrendo) da Turma
da Mônica. Eu vou falar algumas frases e você vai completar de acordo com o que você está
vendo na gravura”. Um exemplo: “Aqui as crianças estavam levando presentes para a Mônica.
E aqui? A Mônica ________” Em seguida, a criança deveria completar a lacuna, oralmente.
Expectativa: eliciar uma resposta com tempo pretérito imperfeito com a forma auxiliar no
pretérito imperfeito + gerúndio.
Bateria 5 - Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: “Ontem os sobrinhos do Pato Donald
foram para a floresta, para um acampamento. Aqui temos algumas gravuras do que aconteceu
no acampamento.”. Em seguida, era feita uma pergunta, com base em uma dada gravura, do
tipo: “O que estava acontecendo aqui?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no
pretérito imperfeito e gerúndio.
166
Bateria 6 – Tipo de estímulo: A pesquisadora falava: Você conhece o Zé Carioca? Ele é um
papagaio que adora futebol. Um tempo atrás, foram feitas umas gravuras com o Zé Carioca.
Em algumas gravuras, ele era jogador, em outras, juiz, médico, torcedor etc. Nesta gravura,
por exemplo, o que estava acontecendo aqui?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse uma sentença com sujeito, auxiliar no
pretérito imperfeito e gerúndio.
Pretérito Perfeito/ Perfectivo
a) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de perguntas do
tipo: “Você sabe o que é fazer embaixada? Aqui o menino está fazendo embaixada com a
bola. O que aconteceu aqui?”. Fez parte deste tipo de teste a bateria 2.
b) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de perguntas
com o advérbio “ontem” do tipo: “Ontem, quando o Pato Donald foi escovar os dentes, o que
aconteceu?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 5 e 6.
c) 30 testes que visavam a eliciar a forma verbal “pretérito perfeito” por meio de
preenchimento de lacuna, do tipo: “A Mônica ganhou uma maçã. Ela ficou feliz e veio
andando com a maçã na mão. Aí veio a Magali e _______ (pegou a maçã)”. Fizeram parte
deste tipo de teste as baterias 1, 3 e 4.
A seguir, descreveremos os testes:
Bateria 1 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de gravuras
com dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A
pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: “Aqui os pintinhos estão quebrando a
167
casca do ovo.”. Em seguida, mostrava o segundo quadro e dizia: “Aqui os pintinhos
já_______”. A criança deveria preencher a lacuna faltosa, oralmente.
Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito
perfeito.
Bateria 2 – Tipo de estímulo: Contextualização acerca de assuntos diversos e demonstração
de uma gravura com dois quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade
já findada. A pesquisadora falava o que estava acontecendo no primeiro quadro e, mediante a
demonstração do segundo quadro, perguntava: “Aí o que aconteceu?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse com um sujeito e uma forma verbal no
pretérito perfeito.
Bateria 3 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois
quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A
pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui o pai do Cebolinha escorregou.
Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui ele já
_________”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito
perfeito.
Bateria 4 – Tipo de estímulo: Preenchimento de lacuna mediante demonstração de dois
quadros: um com a atividade em andamento e outro com a atividade já findada. A
pesquisadora mostrava o primeiro quadro e falava: Aqui os homens foram colher mangas.
Depois, mostrando o segundo quadro, solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui eles
_________”.
168
Expectativa: era a de que a criança respondesse com uma única forma verbal, no pretérito
perfeito.
Bateria 5 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia
anterior. Em seguida, era feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem o Pato
Donald foi escovar dentes. Aí o que aconteceu?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse à pergunta com uma sentença com sujeito e
forma verbal no pretérito perfeito.
Bateria 6 – Tipo de estímulo: Contextualização de uma ação como tendo ocorrido no dia
anterior. Em seguida, era feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem, o Pato
Donald estava lendo um livro debaixo da árvore. Aí o que aconteceu?”.
Expectativa: era a de que a criança respondesse à pergunta com uma sentença com sujeito e
forma verbal no pretérito perfeito.
Presente habitual
a) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de perguntas,
do tipo: “O que o Cebolinha faz todos os dias?”. Fizeram parte deste tipo de teste as baterias 1
e 2.
b) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de uma
contextualização de uma profissão e posterior pergunta. Exemplo: A mãe do Cascão é dona de
casa. O que ela faz? Fez parte deste tipo de teste a bateria 3.
c) 20 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio do comando:
“Me fale o que estas crianças fazem todas as manhãs.”. Fizeram parte deste tipo de teste as
baterias 5 e 6.
169
d) 10 testes que visavam a eliciar a forma verbal “presente habitual” por meio de
preenchimento de lacunas, do tipo: “Esta mulher é lavadeira. Todos os dias, ela _____ (lava
roupas)”. Fez parte deste tipo de teste a bateria 4.
A seguir, descrevemos os testes:
Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de história, apresentação posterior de gravuras da
história e pergunta eliciadora com o adjunto adverbial “todos os dias”. Por exemplo: “O que
Beco Barroso faz todos os dias na loja?”.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo
presente e aspecto habitual.
Bateria 2 – Tipo de estímulo: pergunta sobre hábitos de personagens da Turma da Mônica
com a demonstração de gravuras em que há várias ações desencadeadas todos os dias por tais
personagens. Em seguida, a pesquisadora falava: “Agora vou te mostrar umas gravuras que
mostram coisas que Cebolinha faz todos os dias”. Então, a pesquisadora solicitava a resposta
à pergunta: “O que o Cebolinha faz aqui?”.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal com o
tempo no presente e aspecto habitual.
Bateria 3 – Tipo de estímulo: pergunta sobre as atividades realizadas por diversos
profissionais. Em seguida, a entrevistadora falava inicialmente: “A mãe do Cascão é dona de
casa.”. Após a demonstração de uma gravura, ela perguntava: “O que ela faz?” Na gravura
havia a mãe do Cascão exercendo a atividade de varrer.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem usando uma única forma verbal no tempo
presente e com aspecto habitual.
170
Bateria 4 – Tipo de estímulo: preenchimento de lacunas. A pesquisadora mostrava algumas
gravuras e falava uma frase que indicava que aquela situação apresentada na gravura ocorria
sempre. Em seguida ela pedia um preenchimento de lacuna. Dois exemplos de eliciação com
as respectivas respostas esperadas: “Todos os dias, a professora _____ (dá aula)”; ou “Nas
noites escuras, o fantasma ____ (assusta as pessoas)”.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo
presente e com aspecto habitual.
Bateria 5 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças,
indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era
solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz sempre.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo
presente e com aspecto habitual.
Bateria 6 – Tipo de estímulo: nesta bateria, foram apresentadas gravuras para as crianças,
indicando que ali estão personagens que realizam aquelas atividades sempre. Em seguida, era
solicitado às crianças que respondessem o que cada personagem faz todos os dias.
Expectativa: era a de que as crianças respondessem com uma única forma verbal no tempo
presente e com aspecto habitual.
Todos os testes de eliciação de tempo e de aspecto podem ser encontrados no anexo E.
171
5.2.1.3 Como interpretar os resultados
Para interpretarmos o desempenho da criança DEL investigada nesta tese, utilizamos
dois tipos de critérios. O primeiro diz respeito a uma classificação de base estatística que
fundamentou o segundo: uma análise de caráter qualitativo, mais ampla e próxima da
realidade observada nos resultados dos testes aplicados. A análise de caráter qualitativo levou
em conta o número de respostas esperadas que foram dadas pelas crianças controle e pelo
menino DEL nos testes de eliciação de tempo e aspecto. Além disso, para que pudéssemos
proceder à discussão das respostas dadas pelas crianças, mas que não foram aquelas esperadas
pela pesquisadora, observamos e analisamos as respostas alternativas dadas pelas crianças
controle e por VA.
5.2.2 Os testes de produção de concordância verbal
Os testes relativos à concordância verbal foram elaborados com a criança DEL
investigada em nossa pesquisa e com sua mãe. O objetivo de termos feito o teste também
com sua mãe era o de garantir que as dificuldades com concordância verbal que porventura
surgissem não fizessem parte de uma variação dialetal. Além disso, sua mãe seria um bom
controle já que o déficit lingüístico parece estar ligado à família do pai.
Mediante uma autorização por escrito por parte da mãe de VA, conseguimos
fotografar VA e sua mãe, a fim de elaborarmos os testes. Os testes foram realizados da
seguinte maneira: selecionamos vinte verbos. Em seguida, VA foi fotografado exercendo a
ação expressa pelo verbo. Depois, a pesquisadora e aplicadora de testes e VA foram
fotografados exercendo a mesma ação. Depois, uma terceira pessoa foi fotografada fazendo
aquilo que VA já tinha feito e, por fim, duas outras pessoas foram fotografadas exercendo a
172
mesma ação. O objetivo era eliciar verbos nas primeiras e terceiras pessoas no singular e no
plural.
Um exemplo: para o verbo “comer”, havia uma fotografia com VA comendo um
biscoito. Em outra fotografia, havia a pesquisadora e VA comendo o biscoito. Na terceira
fotografia, havia a mãe de VA (ou uma outra pessoa) comendo biscoito. Na quarta fotografia,
havia a mãe e o irmão de VA (ou duas outras pessoas) comendo o biscoito. O mesmo
procedimento foi feito para a aplicação de testes com a mãe de VA: uma foto com ela
comendo um biscoito, uma foto em que a aplicadora de testes e a mãe de VA estavam
comendo biscoitos, uma foto com VA comendo biscoitos e uma foto com VA e seu irmão
comendo biscoitos.
Os verbos eliciados foram: comer (biscoito), beber (água), abrir (gaveta), escrever,
carregar (uma cadeira), ler (um livro), empurrar (uma mesa), limpar (uma mesa), segurar (um
copo), pentear, subir (escadas), descer (escadas), bater palmas, levantar-se (da cadeira), socar
(a parede), puxar (uma corda), chutar (uma bola), cheirar (um perfume), varrer, calçar.
Os dados acerca de concordância verbal foram eliciados a partir da observação de
fotografias, que foram colocadas ao acaso. Ou seja, a primeira foto poderia ser a
correspondente à frase “Eu estou bebendo água” e a segunda foto poderia ser correspondente
à frase “Nós estamos penteando cabelo”.
O procedimento era o seguinte: pedíamos a VA e à mãe do menino que nos falasse o
que estavam vendo. A resposta poderia ser dada no tempo presente ou no passado, com forma
simples (por exemplo: “eu como biscoitos” ou “eu comia biscoitos”) ou sob forma de
perífrase (“eu estou comendo” ou “eu estava comendo”). Aqui não nos interessava o tempo e
o aspecto. Queríamos ver como era a concordância verbal do menino DEL e de sua mãe.
Antes de introduzirmos o teste, fizemos a aplicação de um teste piloto, descrito
abaixo:
a) Foto: VA está comendo um biscoito. (Frase esperada: eu estou comendo um biscoito)
VA: comendo.
173
Entrevistadora: Quem está comendo?
VA: Eu.
Entrevistadora: Então fale, de agora em diante, a frase toda, tá bom?
b) Foto: VA e a entrevistadora estão comendo biscoitos. (Frase esperada: Nós estamos
comendo biscoitos)
VA: Eu e você estamos comendo.
c) Foto: uma menina da escola está comendo um biscoito. (Frase esperada: A menina está
comendo biscoito)
VA: A menina tá comendo.
d) Foto: A mãe de VA e uma menina da escola estão comendo biscoitos. (Frase esperada: Elas
estão comendo biscoito)
VA: A menina e minha mãe tá comendo.
e) Foto: VA está tomando água. (Frase esperada: Eu estou tomando suco)
VA: Tomando.
f) Foto: VA e a entrevistadora estão tomando água. (Frase esperada: Nós estamos tomando
água)
VA: Eu e você tá tomando.
g) Foto: Uma menina da escola está tomando água. (Frase esperada: a menina está tomando
água)
VA: Tá tomando, comendo.
h) Foto: A mãe de VA e uma menina da escola estão tomando água. (Frase esperada: Elas
estão tomando água.)
VA: Tomando.
i) Foto: VA está escrevendo algo em um papel. (Frase esperada: eu estou escrevendo.)
VA: Estou escrevendo.
j) Foto: VA e a entrevistadora estão abrindo uma gaveta. (Frase esperada: Nós estamos
abrindo uma gaveta)
VA: Tá abrindo gaveta.
174
6. RESULTADOS
Este capítulo tem o objetivo de apresentar os resultados obtidos após a aplicação de
testes de eliciação de tempo verbal e de aspecto verbal, além de concordância verbal.
Primeiramente, apresentaremos os resultados dos testes de eliciação de tempo e
aspecto verbais. Posteriormente, apresentaremos os resultados concernentes à eliciação de
concordância verbal.
Vale dizer que todas as baterias 1 foram aplicadas em junho de 2004 e o restante das
baterias foi aplicado em novembro e em dezembro de 2004, em vários encontros com a
criança DEL e com as crianças controle.
6.1
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE
TEMPO E ASPECTO VERBAL
A seguir, apresentaremos os resultados obtidos após a aplicação de testes que visavam
a eliciar tempo no presente e aspecto progressivo; tempo no pretérito imperfeito e aspecto
progressivo; tempo no pretérito e aspecto perfectivo; tempo no presente e aspecto habitual,
nesta ordem. Inicialmente, indicaremos a porcentagem de respostas esperadas para cada uma
das formas verbais eliciadas dadas por parte das crianças controle e do menino DEL. Depois,
verificaremos quais foram as respostas alternativas dadas pelas crianças controle e pela
criança DEL. Em seguida, também apontaremos possíveis influências do tipo de teste
empreendido nos resultados obtidos. Além disso, verificaremos, ainda que de forma não
conclusiva, se há ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não télico) de cada
verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta pesquisa.
175
6.1.1 Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e
aspecto PROGRESSIVO
Em relação aos testes de eliciação de tempo presente e de aspecto progressivo,
obtivemos o seguinte quadro:
QUADRO 6
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO –
VA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada:
Presente progressivo
Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para
para tempo
aspecto
DEL – VA
86,6%
68,4%
Controles
100%
96,7%
Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo presente e
aspecto progressivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com
o esperado 100% das vezes em relação a tempo e 96,7% das vezes em relação a aspecto. Já
para o menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao desempenho na
produção de tempo eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado, ainda que menor
que o desempenho na produção de tempo eliciado por parte das crianças controle. Mas, em
relação aos resultados relativos à produção do aspecto progressivo esperado, constatamos que
a criança DEL selecionada para nossa pesquisa apresentou um resultado bem abaixo daquele
encontrado para as crianças sem problemas de linguagem.
A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais
apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação,
faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle
176
e pelo menino DEL. Vale dizer que grande parte das respostas dadas pelo menino DEL são
respostas possíveis de serem dadas. O que nós estaremos destacando, então, nesta pesquisa, é
a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta daquela eliciada, e
a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas crianças controle nas
mesmas circunstâncias.
À frente de cada resposta não esperada dada pelas crianças, há um número, o qual
corresponde à pergunta feita (cf. anexo E). Após a apresentação de cada resposta não esperada
dada pelas crianças, há, em parênteses, a explicitação da categoria faltosa, de acordo com o
que foi eliciado. Por exemplo, em uma resposta do tipo “comendo” no lugar de “está
comendo”, apontamos que faltou o tempo eliciado. Para uma resposta do tipo “tá na
gangorra” no lugar de “tá gangorrando”, indicamos que faltou o aspecto eliciado. Vale dizer
que, em determinados casos, o aspecto progressivo poderia estar presente, mas não sob a
forma de gerúndio e, sim, sob a forma única no presente do indicativo, conforme salientamos
na seção 5.2.1.2. Mas, como estávamos eliciando um gerúndio, indicamos, sempre que surgiu
uma forma verbal no presente do indicativo em substituição a uma forma no gerúndio, que
faltou o aspecto eliciado e um sinal de interrogação, demonstrando a possibilidade de tal
forma corresponder ao aspecto eliciado.
Além disso, repetimos, nestes quadros, o tipo de pergunta feita (já apontado no
capítulo 5), a fim de facilitarmos a leitura na verificação da influência do tipo de teste na
resposta encontrada.
177
QUADRO 7
RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO
– VA E CONTROLES
Bateria 1– Tipo de estímulo:
contação de história, apresentação
posterior de gravuras da história e
pergunta eliciadora: “O que está
acontecendo aqui?”.
Expectativa: eliciar uma resposta
com tempo presente/ aspecto
progressivo, sob a forma auxiliar
(presente) + gerúndio. Além
disso, uma resposta esperada,
nesta situação de teste, era a
produção de uma sentença
contendo um sujeito.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Uma das crianças controle, em uma das
respostas, fez opção distinta daquela esperada. Já
VA fez opção por quatro respostas diferentes
daquelas esperadas.
Resposta não esperada dada por criança controle
de mesma idade:
(1) O Zeca gosta dos dois amigos dele. (faltou aspecto
progressivo ?)
Respostas não esperadas dadas por VA:
(4) O Zeca vê o gato na mão. (faltou aspecto
progressivo ?)
(6) O Beco vê o gato. (faltou aspecto progressivo ?)
(7) O Beco tava com medo do gato. (faltou tempo
presente e aspecto progressivo)
(10) O Beco tá com raiva. (faltou aspecto progressivo)
Das nove questões eliciadas, somente uma resposta
não continha sujeito: “(2) tá comendo ração”.
Observação: todas as outras respostas dadas por VA
e pelas crianças controle continham sujeito, auxiliar e
gerúndio.
178
Bateria 2 – Tipo de estímulo:
Demonstração de uma gravura da
Turma
da
Mônica.
A
pesquisadora
falava:
“Nesta
gravura, todas as crianças estão
brincando. Agora, me responda: o
que cada uma delas está
fazendo?” Em seguida, era
perguntado: “O que o Titi está
fazendo?”, “O que a Magali está
fazendo? etc.”
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por duas respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(6) tá na gangorra. (faltou aspecto progressivo)
(8) Escorregador (faltou um verbo).
Expectativa: era a de termos uma
resposta com sujeito + auxiliar
(no presente) + gerúndio, ou
auxiliar (no presente) + gerúndio
ou somente gerúndio, já que a
pergunta poderia servir de âncora
para a resposta. Esta última
resposta era a mais esperada.
Bateria 3 - Tipo de estímulo:
Preenchimento de lacunas. Aqui a
entrevistadora dizia: “Agora, você
vai observar algumas gravuras da
Turma da Mônica. Eu vou falar
algumas frases e você vai
completar de acordo com o que
você está vendo nas gravuras. Um
exemplo: “Aqui a Mônica e o
Cebolinha estão dando as mãos.
Aqui
a
Mônica
______________”. Em seguida a
criança deveria completar a
lacuna, oralmente.
Observação: todas as respostas das crianças controle
continham auxiliar (no presente) + gerúndio. Todas as
outras respostas dadas por VA também continham o
auxiliar (no presente) e o gerúndio.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por seis respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(1) Tá com o urso na mão. (faltou aspecto
progressivo)
(4) Lá vai. (faltou aspecto progressivo ?)
(5) Tá com caixa na mão. (faltou aspecto progressivo)
Expectativa: Neste tipo de teste,
esperávamos uma resposta em (6) Tá com coração na mão. (faltou aspecto
que tempo presente (sob a forma progressivo)
de auxiliar) e aspecto (sob a
forma de gerúndio) estivessem (9) Tá na sombrinha. (faltou aspecto progressivo)
presentes.
(10) Olhando o neném. (faltou tempo)
Observação: todas as respostas das crianças controle
apresentavam auxiliar no tempo presente + gerúndio.
179
Bateria 4 – Tipo de estímulo:
Preenchimento de lacunas. A
pesquisadora dizia: “Agora você
vai observar esta gravura (na qual
havia várias ações ocorrendo) da
Turma da Mônica. Eu vou falar
algumas frases e você vai
completar de acordo com o que
você está vendo na gravura.” Um
exemplo: Aqui o casal está
atravessando a rua e aqui o
Franjinha ________”. Em seguida
a criança deveria completar a
lacuna, oralmente.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Uma das crianças controle, em uma
resposta, fez opção distinta daquela esperada. Já
VA fez opção por duas respostas diferentes
daquelas esperadas.
Resposta não esperada dada por uma criança
controle da mesma idade:
(1) tá com o cachorro na calçada. (falta aspecto
progressivo)
Respostas não esperadas dadas por VA:
Expectativa: Neste tipo de teste, (3) Bateu na lata. (faltou tempo presente e aspecto
esperávamos uma resposta em progressivo)
que o tempo presente (sob forma
de auxiliar) e aspecto (sob forma (5) Comendo. (faltou tempo)
de
gerúndio)
estivessem
presentes.
Observação: todas as outras respostas dadas por VA
e pelas crianças controle continham auxiliar no
presente e gerúndio.
Bateria 5 – Tipo de estímulo: A Tanto VA, quanto as crianças controle
pesquisadora
falava:
“Os responderam, cada uma, a dez perguntas de
sobrinhos do Pato Donald estão eliciação. Todas as crianças controle deram
no acampamento. Agora vamos respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
ver algumas coisas que estão VA fez opção por uma resposta diferente daquela
acontecendo lá.”. Em seguida, era esperada.
feita uma contextualização com
base em uma gravura, do tipo: Resposta não esperada dada por VA:
Este patinho quer construir uma
cabana. O que está acontecendo (1) Tá com os galhos no ombro. (faltou aspecto
aqui?”.
progressivo)
Expectativa: era a de que a
criança respondesse uma sentença
com sujeito, auxiliar no presente e
gerúndio.
Observação: Das dez questões apresentadas por VA,
três respostas não apresentaram sujeito. Todas as
outras respostas e todas as respostas dadas pelas
crianças controle continham sujeito, auxiliar no tempo
presente e gerúndio.
180
Bateria 6 – Tipo de estímulo: A
pesquisadora falava: “Agora vou
te contar uma história da Galinha
Ruiva e outras menores com
outros personagens e vou fazer
umas perguntas sobre ela.”.
Depois
a
pesquisadora
perguntava:
“O
que
está
acontecendo aqui?”. A pergunta
era feita com base nas gravuras
das histórias.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por oito respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(2) Ela tá com os ovo. (faltou aspecto progressivo)
(4) Ela tá com a receita do bolo na mão. (faltou
Expectativa: era a de que a aspecto progressivo)
criança respondesse uma sentença
com sujeito, auxiliar no presente e (5) É uma festa. (faltou tempo e aspecto)
gerúndio.
(6) A menina tá com papagaio. (faltou aspecto
progressivo)
(7) Pato tá com papagaio na mão. (faltou aspecto
progressivo)
(8) Falando microfone. (faltou tempo)
(9) O pato tá com livro. (faltou aspecto progressivo)
(10) O menino tá com a flecha. (faltou aspecto
progressivo)
Observação: todas as respostas dadas pelas crianças
controle continham sujeito, auxiliar no tempo presente
e gerúndio.
Uma observação a ser feita: consideramos como resposta não esperada aquelas em que
a criança descreve a gravura, como, por exemplo, “A menina tá com papagaio na mão”, pois,
na mesma gravura, havia explicitamente uma ação ocorrendo. Ademais, as crianças controle,
de um modo geral, descreveram as ações, conforme verificamos após a aplicação dos testes.
Ao observarmos as possíveis influências desencadeadas, nos resultados obtidos, pelos
diversos tipos de testes empreendidos, constatamos que o teste que eliciava a forma verbal
com pergunta estímulo e aquele que eliciava a forma verbal a partir de solicitação de
preenchimento de lacunas não deram conseqüência a resultados distintos do ponto de vista
quantitativo, pois, fazendo uma média entre as respostas não esperadas para cada um dos dois
181
tipos de testes, verificamos que não há diferenças. Ou seja, havia três baterias de testes com a
pergunta estímulo “O que está acontecendo aqui?” (baterias 1, 5 e 6) e uma bateria de testes,
cuja pergunta já incluía um sujeito, do tipo “O que o Titi está fazendo aqui?” (bateria 2).
Somando as respostas dadas e que não eram esperadas, nas quatro baterias, temos uma média
de 3,7 respostas não esperadas por cada bateria. Em relação às respostas não esperadas
obtidas após a aplicação dos testes de preenchimento de lacunas (baterias 3 e 4), encontramos
uma média de 4. Portanto, para eliciação de tempo presente/ aspecto progressivo, não
verificamos influência de tipo de teste nos resultados obtidos.
Vale dizer que, em relação à segunda bateria, em que a pergunta estímulo propiciava o
surgimento de uma resposta com somente o gerúndio, verificamos que as crianças controle
não fizeram esta opção em situação de teste.
Tentamos, por fim, verificar se havia ou não influência do tipo de aspecto lexical
(télico e não télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as
crianças desta pesquisa. Ou seja, queríamos verificar se há influência, nos resultados obtidos,
o fato de o verbo ser, por exemplo, télico, mas que, nos testes, era eliciado em uma atividade
contínua, como é o caso do verbo no presente com aspecto progressivo. Por exemplo,
queríamos verificar se eliciarmos uma forma tal como “está nascendo” resultaria na forma
esperada ou a criança, sendo influenciada pelo aspecto lexical do verbo (que é télico), iria
dizer “nasceu”.
De um modo geral, não percebemos tal influência. Mesmo assim, nas baterias de testes
que visavam a eliciar o tempo presente com aspecto progressivo, pode-se especular tal
influência. Na bateria 1, nas perguntas 4 e 6, VA respondeu com uma forma verbal atélica
(usando o verbo “vê” nas duas situações), no lugar de dois verbos de natureza télica, que são,
respectivamente, “pular” e “segurar”. Talvez, nesses dois casos, o não uso da forma eliciada
tenha sido conseqüência da influência da telicidade, que impediu a produção de auxiliar no
182
presente + gerúndio. Mas, na tentativa de responder à pergunta feita no presente, foi dada uma
resposta no presente.
6.1.2
Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO
IMPERFEITO e aspecto PROGRESSIVO
A seguir, apresentamos os resultados relativos aos testes que visavam a eliciar o
pretérito imperfeito/ aspecto progressivo.
QUADRO 8
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO
– VA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada:
Pretérito Imperfeito Progressivo
Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para
para tempo
aspecto
DEL – VA
53,3%
91,7%
Controles
98,75%
96,25%
Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito
imperfeito e aspecto progressivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de
acordo com o esperado 98,75% das vezes em relação a tempo e 96,25% das vezes em relação
a aspecto. Já para o menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao
desempenho na produção de aspecto eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado,
ainda que pouco menor que o desempenho das crianças controle na produção de aspecto
eliciado. Mas, em relação aos resultados relativos à produção do tempo pretérito imperfeito
esperado, constatamos que a criança DEL de nossa pesquisa apresentou um resultado bem
abaixo daquele encontrado para as crianças sem problemas de linguagem.
Estabelecendo uma comparação do desempenho na produção do tempo presente por
parte de VA, apresentado na seção anterior, e o desempenho na produção do tempo pretérito
183
imperfeito por parte da mesma criança, verificamos que o menino deu mais respostas
esperadas em relação a tempo nas tarefas de eliciação na primeira situação do que na segunda.
Também contrariamente ao que foi apresentado na seção anterior, em relação aos resultados
relativos à produção do aspecto progressivo, constatamos que a criança DEL de nossa
pesquisa apresentou um resultado mais próximo àquele encontrado para as crianças sem
problemas de linguagem nas tarefas de eliciação de tempo pretérito imperfeito e aspecto
progressivo do que nas tarefas de eliciação de tempo presente e aspecto progressivo. Logo, no
que diz respeito ao comportamento lingüístico da criança DEL investigada nesta pesquisa,
verificamos que ora ela produz mais respostas com o tempo eliciado e produz, nas mesmas
situações, menos aspecto verbal eliciado e ora o quadro inverte-se: ou seja, a criança DEL
produz mais respostas com o aspecto verbal eliciado e produz, nessas mesmas situações,
menos tempo verbal eliciado.
A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais
apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação,
faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle
e pelo menino DEL. Vale dizer que grande parte das respostas não esperadas dadas pelo
menino DEL são respostas em que o auxiliar surge sob a forma de presente e não de pretérito
imperfeito, conforme eliciado. Algumas vezes (em menor número), o que ocorre é a omissão
do auxiliar. A exemplo do que realizamos na seção anterior, o que nós estaremos destacando,
nesta pesquisa, é a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta
daquela eliciada, e a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas
crianças controle nas mesmas circunstâncias.
184
QUADRO 9
RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO PROGRESSIVO
– VA E CONTROLES
Bateria 1 – Tipo de estímulo:
contação de história, apresentação
posterior de gravuras da história e
pergunta eliciadora, do tipo: “O
que o Beco Barroso estava
fazendo enquanto Zeca estava
cozinhando?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por duas respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
Expectativa: eliciar uma resposta
com tempo pretérito imperfeito e
aspecto progressivo com uma
resposta com sujeito + auxiliar
(pretérito imperfeito) + gerúndio
ou auxiliar (pretérito imperfeito)
+ gerúndio ou somente gerúndio,
já que a pergunta poderia servir
de âncora para a resposta. Esta
última resposta era a mais
esperada.
(4) Tá levantando o bolo para alto. (faltou tempo
pretérito imperfeito)
(5) Tá vestindo a bota. (faltou tempo pretérito
imperfeito)
Outras respostas que em outras baterias (exceto a
segunda) seriam consideradas não esperadas:
(2) comendo.
(3) olhando.
(7) comendo bolo.
Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças
controle continham auxiliar no pretérito imperfeito+
gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito.
Além disso, todas as outras respostas esperadas dadas
por VA eram também constituídas por auxiliar no
pretérito imperfeito e gerúndio.
185
Bateria 2 – Tipo de estímulo:
apresentação de uma gravura com
vários tipos de ações. A
pesquisadora falava que a gravura
era de uma festa da Turma da
Mônica que havia ocorrido já há
algum tempo. Em seguida a
pesquisadora perguntava: “O que
cada pessoa estava fazendo nesta
gravura?” Aí ela ia dirigindo as
perguntas, como por exemplo: “O
que o Rolo estava fazendo?”, “O
que as moças estavam fazendo?”
etc.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por sete respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(2) Tá olhando. (faltou tempo pretérito imperfeito)
(4) Tá correndo atrás do gato. (faltou tempo pretérito
imperfeito)
(5) Com a panela na mão (faltou verbo)
Expectativa: eliciar uma resposta
com tempo pretérito imperfeito
com uma resposta com sujeito +
auxiliar (pretérito imperfeito) +
gerúndio ou auxiliar (pretérito
imperfeito) + gerúndio ou
somente gerúndio, já que a
pergunta poderia servir de âncora
para a resposta. Esta última
resposta era a mais esperada.
(6) Tá namorando. (faltou tempo pretérito imperfeito)
(7) Tá brincando. (faltou tempo pretérito imperfeito)
(9) Tá batendo tambor. (faltou tempo pretérito
imperfeito)
(10) Tá dormindo. (faltou tempo pretérito imperfeito)
Outra resposta que em outras baterias (exceto a
primeira) seria considerada não esperada:
(1) tocando.
Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças
controle continham auxiliar no pretérito imperfeito+
gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito.
186
Bateria 3 – Tipo de estímulo:
Preenchimento de lacunas. A
pesquisadora dizia: “Agora você
vai continuar a observar esta
gravura (na qual havia várias
ações ocorrendo) da festa da
Turma da Mônica. Eu vou falar
algumas frases e você vai
completar de acordo com o que
você está vendo na gravura.”. Um
exemplo: “Enquanto esta criança
estava correndo, este homem
________”. A resposta esperada,
neste
caso,
era:
“estava
trabalhando”. Em seguida a
criança deveria completar a
lacuna, oralmente.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. A criança controle da mesma idade deu
uma resposta distinta daquela esperada. A criança
controle, com o mesmo MLU de VA, deu duas
respostas distintas daquelas esperadas. Já VA fez
opção por oito respostas diferentes daquelas
esperadas.
Expectativa: Neste tipo de teste,
esperávamos uma resposta em
que o tempo pretérito imperfeito
(sob forma de auxiliar) e aspecto
progressivo (sob forma de
gerúndio) estivessem presentes.
Respostas não esperadas dadas por VA:
Respostas não esperadas dadas por crianças
controle:
Da mesma
progressivo)
idade:
(7)
soltou
(faltou
aspecto
Com mesmo MLU: (6) Comiam e (9) trombavam.
(em que faltaram os aspectos progressivos ?54)
(1) Tá servindo bolinho. (faltou tempo no pretérito
imperfeito)
(2) Tá tampando nariz. (faltou tempo no pretérito
imperfeito)
(3) Tá correndo.
imperfeito)
(faltou
tempo
no
pretérito
(4) Tá carinhando o gato. (faltou tempo no pretérito
imperfeito)
(5) amarra o sapato dele. (faltou tempo no pretérito
imperfeito e aspecto progressivo ?)
(6) tá comendo. (faltou tempo no pretérito imperfeito)
(7) soltou o balão. (faltou aspecto progressivo)
(9) batendo a cabeça na outra. (faltou tempo)
54
Nas duas respostas dadas com uma só forma verbal no pretérito imperfeito, colocamos uma interrogação, pois
pode ser que os traços de aspecto progressivo estejam presentes, só que não sob a forma de gerúndio, que era a
forma eliciada. O mesmo raciocínio foi feito para a resposta “amarra”.
187
Bateria 4 – Tipo de estímulo:
Preenchimento
de
lacunas
mediante
pergunta.
A
pesquisadora dizia: “Agora você
vai observar esta gravura (na qual
havia várias ações ocorrendo) da
Turma da Mônica. Eu vou falar
algumas frases e você vai
completar de acordo com o que
você está vendo na gravura.”. Um
exemplo: “Aqui as crianças
estavam levando presentes para a
Mônica. E aqui? A Mônica
________” Em seguida, a criança
deveria completar a lacuna,
oralmente.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por duas respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(7) tá soprando a vela. (faltou o tempo pretérito
imperfeito)
(8) tá levando o brinquedo. (faltou tempo pretérito
imperfeito)
Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças
controle continham auxiliar no pretérito imperfeito +
Expectativa: eliciar uma resposta gerúndio. Nenhuma, entretanto, continha sujeito. O
com tempo pretérito imperfeito mesmo foi verificado para as respostas esperadas
com uma resposta com auxiliar dadas por VA.
(pretérito imperfeito) + gerúndio .
188
Bateria 5 - Tipo de estímulo: A
pesquisadora falava: “Ontem os
sobrinhos do Pato Donald foram
para a floresta, para um
acampamento.
Aqui
temos
algumas
gravuras
do
que
aconteceu no acampamento.”. Em
seguida, era feita uma pergunta,
com base em uma dada gravura,
do tipo: “O que estava
acontecendo aqui?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por sete respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(2) Olhando a flor. (faltou tempo)
(3) Tá olhando a borboleta. (faltou tempo no pretérito
Expectativa: era a de que a imperfeito)
criança respondesse uma sentença
com sujeito, auxiliar no pretérito (4) Tá querendo pegar o pato. (faltou tempo no
pretérito imperfeito)
imperfeito e gerúndio.
(5) Tá lendo livro. (faltou tempo no pretérito
imperfeito)
(8) Tá brincando de bola. (faltou tempo no pretérito
imperfeito)
(9) Tá comendo.
imperfeito)
(faltou
tempo
no
pretérito
(10) Ele tá indo nadar no dinheiro. (faltou tempo no
pretérito imperfeito)
Observação: Todas as respostas dadas pelas crianças
controle continham sujeito + auxiliar no pretérito
imperfeito+ gerúndio. O mesmo foi verificado para as
outras respostas esperadas dadas por VA.
189
Bateria 6 – Tipo de estímulo: A
pesquisadora
falava:
“Você
conhece o Zé Carioca? Ele é um
papagaio que adora futebol. Um
tempo atrás, foram feitas umas
gravuras com o Zé Carioca. Em
algumas gravuras, ele era jogador,
em outras, juiz, médico, torcedor
etc. Nesta gravura, por exemplo, o
que estava acontecendo aqui?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas de
eliciação. Todas as crianças controle deram
respostas correspondentes àquelas esperadas. Já
VA fez opção por seis respostas diferentes
daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(1) Os homem tá jogando bola. (faltou tempo no
pretérito)
Expectativa: era a de que a
criança respondesse uma sentença (2) Tá com bandeira do Brasil na mão. (faltou aspecto
com sujeito, auxiliar no pretérito progressivo)
imperfeito e gerúndio.
(6) Carioca e outro pegou o Pelé no colo. (faltou
aspecto progressivo)
(7) Tá batendo chutinho. (faltou tempo no pretérito)
(9) Tá enchendo ela. (faltou tempo no pretérito)
(10) Tá brigando o jogador (faltou tempo no pretérito)
Observação: Todas as sentenças dadas pelas crianças
controle continham sujeito+ auxiliar no pretérito+
gerúndio, exceto em um dos casos em que a resposta
encontrada foi auxiliar no pretérito + gerúndio.
Interessante notar que houve uma diferença nos resultados averiguados após a
aplicação das baterias que eliciavam o pretérito imperfeito e aspecto progressivo em relação
aos resultados obtidos após a aplicação das baterias que visavam a eliciar o tempo presente e
aspecto progressivo. Neste último caso, obtivemos muitos resultados em que não foi
produzido o aspecto eliciado e cujas sentenças havia uma descrição da gravura, tal como “A
menina tá com o papagaio na mão”, no lugar de “A menina está empinando, soltando
papagaio”. Após a aplicação das baterias em se eliciava o tempo pretérito imperfeito e aspecto
progressivo, não houve respostas daquela natureza. Tal achado pode sugerir-nos que os
resultados de aplicação de testes de eliciação de tempo presente e aspecto progressivo que
pareciam descrever a gravura mostrada não são meras descrições e, sim, uma demonstração
da dificuldade, por parte do menino DEL, em produzir tanto o tempo quanto o aspecto
190
solicitado, já que, nos testes de eliciação de pretérito imperfeito e aspecto progressivo, o
mesmo desempenho por parte de VA não foi verificado.
Da mesma forma como foi averiguado nas baterias de testes apresentadas na seção
anterior, não verificamos as influências nos resultados obtidos desencadeadas pelos diversos
tipos de testes empreendidos. Tínhamos três tipos de testes: aquele de preenchimento de
lacuna (baterias 3 e 4), aquele comandado pela pergunta: “O que estava acontecendo aqui?”
(baterias 5 e 6) e aquele com a pergunta estímulo do tipo “O que Beco Barroso estava fazendo
enquanto Zeca estava cozinhando?”, em que tal pergunta servia como âncora para a resposta
e, portanto, não havia necessidade de a criança falar sequer o auxiliar (baterias 1 e 2). A
média encontrada, para as respostas não esperadas, para cada tipo de teste, foi,
respectivamente: 5; 6,5; e 4,5. Logo, para eliciação de tempo pretérito imperfeito/ aspecto
progressivo, não verificamos interferência forte de tipo de teste nos resultados obtidos.
Ao verificarmos se houve ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não
télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta
pesquisa, constatamos que não houve, de um modo geral, tal interferência. Em quase todas as
respostas não esperadas dadas pela criança DEL, o problema, conforme já apontado, não
residia na não produção aspectual, mas, sim, na não produção do tempo esperado. Se fizermos
uma leitura bastante atenta, podemos apontar uma possível influência do aspecto lexical de
verbos em uma resposta dada por VA. Na pergunta 6 da bateria 6, percebemos a influência da
telicidade do verbo eliciado “estavam carregando o Pelé”, que foi substituído pela criança
DEL por “pegou o Pelé no colo”. Ou seja, a criança preferiu o uso de uma forma com aspecto
perfectivo a uma forma com aspecto progressivo.
191
6.1.3
Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRETÉRITO
PERFEITO e aspecto PERFECTIVO
Passemos aos resultados apresentados pelas crianças em tarefas de eliciação de tempo
verbal no tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo:
QUADRO 10
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO
PERFECTIVO – VA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Pretérito Perfeito
Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para
para tempo
aspecto
DEL – VA
91,7%
91,7%
Controles
100%
100%
Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito perfeito
e aspecto perfectivo, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com
o esperado 100% das vezes tanto em relação a tempo quanto em relação a aspecto. O menino
DEL selecionado para esta pesquisa também obteve um resultado bastante próximo ao
esperado, ainda que pouco menor que o desempenho na produção de tempo e de aspecto
eliciados por parte das crianças controle.
A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais
apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação,
faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelo menino DEL e
pelas crianças controle.
192
QUADRO 11
RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO PERFECTIVO
– VA E CONTROLES
Bateria 1 – Tipo de estímulo:
preenchimento
de
lacuna
mediante
demonstração de gravuras com dois
quadros: um com a atividade em andamento
e outro com a atividade já findada. Um
exemplo: a pesquisadora mostrava o
primeiro quadro e falava: “Aqui os
pintinhos estão quebrando a casca do ovo.”.
Em seguida, mostrava o segundo quadro e
dizia: “Aqui os pintinhos já_______”. A
criança deveria preencher a lacuna faltosa,
oralmente.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. VA fez opção por uma
resposta diferente daquela esperada.
Resposta não esperada dada por VA:
(4) Tá chegando na escola. (faltou tempo no
pretérito e aspecto perfectivo)
Observação: todas as outras respostas
Colocamos “já” à frente da lacuna a ser dadas por VA e todas as respostas dadas
pelas crianças controle estavam de acordo
preenchida em 50% das vezes.
com a forma verbal esperada previamente.
Expectativa: era a de que a criança
respondesse com uma única forma verbal,
no pretérito perfeito.
Bateria 2 – Tipo de estímulo: Tanto VA, quanto as crianças controle
contextualização acerca de assuntos responderam, cada uma, a dez perguntas
diversos e demonstração de uma gravura de eliciação. Todas as crianças controle
com dois quadros: um com a atividade em deram respostas correspondentes àquelas
andamento e outro com a atividade já esperadas. VA fez opção por uma
findada. A pesquisadora falava o que estava resposta diferente daquela esperada.
acontecendo no primeiro quadro e,
mediante a demonstração do segundo Resposta não esperada dada por VA:
quadro, perguntava: “Aí o que aconteceu?”. (9) O lobo tá pulando com um pé só. (faltou
tempo no pretérito perfeito e aspecto
Expectativa: era a de que a criança perfectivo)
respondesse com um sujeito e uma forma
verbal no pretérito perfeito.
Resposta dada por VA sem sujeito:
(8) Caiu (mediante o estímulo: Aqui o
menino está tranqüilo, pescando, ouvindo
música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O
que aconteceu?)
Observação: todas as respostas dadas pelas
crianças controle continham um verbo no
pretérito perfeito. Vale dizer que a criança
com a mesma idade de VA respondeu à
pergunta (9) sem usar sujeito. Sua resposta
ao estímulo “O elefante pisou no pé do
lobo. Aí o que aconteceu?”, foi “machucou
o pé”.
193
Bateria 3 – Tipo de estímulo:
preenchimento
de
lacuna
mediante
demonstração de dois quadros: um com a
atividade em andamento e outro com a
atividade já findada. Um exemplo: a
pesquisadora mostrava o primeiro quadro e
falava: Aqui o pai do Cebolinha escorregou.
Depois, mostrando o segundo quadro,
solicitava o preenchimento da lacuna: “Aqui
ele já _________”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle e
VA deram respostas correspondentes
àquelas esperadas.
Colocamos “já” à frente da lacuna a ser
preenchida em 100% das vezes.
Expectativa: era a de que a criança
respondesse com uma única forma verbal,
no pretérito perfeito.
Bateria 4 – Tipo de estímulo:
preenchimento
de
lacuna
mediante
demonstração de dois quadros: um com a
atividade em andamento e outro com a
atividade já findada. Um exemplo: a
pesquisadora mostrava o primeiro quadro e
falava: Aqui os homens foram colher
mangas. Depois, mostrando o segundo
quadro, solicitava o preenchimento da
lacuna: “Aqui eles já _________”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por duas
respostas diferentes daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
(7) Ta dando fruto. (faltou tempo no
pretérito e aspecto perfectivo)
Colocamos “já” à frente da lacuna a ser
preenchida em 50% das vezes.
(8) Tá grande. (faltou tempo no pretérito e
aspecto perfectivo)
Expectativa: era a de que a criança
respondesse com uma única forma verbal, Todas as outras respostas de VA e das
no pretérito perfeito.
crianças controle foram dadas sob a forma
verbal de pretérito perfeito.
194
Bateria 5 – Tipo de estímulo:
Contextualização de uma ação como tendo
ocorrido no dia anterior. Em seguida, era
feita a pergunta: “O que aconteceu?”. Por
exemplo: “Ontem o Pato Donald foi escovar
dentes. Aí o que aconteceu?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por uma
resposta diferente daquela esperada.
Expectativa: era a de que a criança Resposta não esperada dada por VA:
respondesse à pergunta com uma sentença
com sujeito e forma verbal no pretérito (3) Tá comendo biscoito. (faltou tempo no
perfeito.
pretérito perfeito e aspecto habitual)
Observação: todas as outras respostas
dadas por VA e pelas crianças controle
continham uma forma verbal no pretérito
perfeito. Vale dizer que VA, na questão (2),
e a criança controle da mesma idade, na
questão (3), não responderam à questão com
sujeito.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle e
VA deram respostas correspondentes
àquelas esperadas.
Bateria 6 – Tipo de estímulo:
Contextualização de uma ação como tendo
ocorrido no dia anterior. Em seguida, era
feita a posterior pergunta: “O que
aconteceu?”. Por exemplo: “Ontem, o Pato
Donald estava lendo um livro debaixo da
árvore. Aí o que aconteceu?”.
Observação: todas as respostas dadas pelas
crianças controle e por VA continham um
Expectativa: era a de que a criança sujeito e uma forma verbal no pretérito
respondesse à pergunta com uma sentença perfeito,
conforme
era
esperado
com sujeito e forma verbal no pretérito previamente.
perfeito.
Não verificamos influências, nos resultados obtidos, desencadeadas pelos diversos
tipos de testes empreendidos. Tínhamos, basicamente, dois tipos de testes: um que demandava
o preenchimento de lacunas (baterias 1, 3 e 4) e um que solicitava resposta mediante à
pergunta: “O que aconteceu?” (baterias 2, 5 e 6), sendo que nas duas últimas tínhamos um
advérbio marcador de passado. No primeiro tipo de teste, obtivemos três erros; no total, uma
média de um erro para cada teste. No segundo tipo de teste, obtivemos dois erros em três
baterias, uma média de 0,6 de respostas não esperadas por teste.
Conforme constatamos, no lugar de todas as respostas não esperadas dadas pelas
crianças, surgiram formas com um auxiliar no presente, acompanhado de um gerúndio. Mas,
195
observando as gravuras usadas nos testes de eliciação, verificamos que havia a possibilidade
de uma leitura de tais gravuras que levasse as crianças a produzirem a forma alternativa. Um
exemplo: no primeiro caso, em que esperávamos uma resposta “já chegou” para o estímulo:
“Aqui o menino está indo para a escola. Aqui ele _____”, o menino, na gravura, estava
próximo à porta da escola e não dentro da escola. Portanto, nos casos em que houve
substituição de tempo pretérito perfeito e aspecto perfectivo por tempo presente e aspecto
progressivo, parece ter havido influência da gravura usada nos testes. Logo, tais gravuras do
teste, nos casos apontados, é que devem ser revistas.
6.1.4
Resultados obtidos após a aplicação de testes de eliciação de tempo PRESENTE e
aspecto HABITUAL
Por fim, apresentaremos os resultados dos testes de eliciação de tempo presente/
aspecto habitual feitos pelas crianças DEL e crianças controle:
QUADRO 12
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES
DE ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL
– VA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Presente habitual
Total de respostas esperadas Total de respostas esperadas para
para tempo
aspecto
DEL – VA
93,3%
76,6%
Controles
100%
100%
Podemos observar nesta tabela que, nas tarefas de eliciação de tempo presente e
aspecto habitual, as crianças sem problemas de linguagem deram respostas de acordo com o
esperado 100% das vezes tanto em relação a tempo quanto em relação a aspecto. Já para o
menino DEL selecionado para esta pesquisa, no que diz respeito ao desempenho na produção
196
de tempo eliciado, verificamos um resultado próximo ao esperado. Em relação aos resultados
relativos à produção do aspecto habitual esperado, constatamos que a criança DEL de nossa
pesquisa apresentou um resultado um pouco menor do que aquele encontrado para as crianças
sem problemas de linguagem.
A seguir, demonstraremos quadros relativos a cada bateria de testes, nos quais
apresentaremos as respostas não esperadas dadas pelas crianças. Antes de cada apresentação,
faremos uma explicitação do número de respostas não esperadas dadas pelas crianças controle
e pelo menino DEL. Vale novamente dizer que o que nós estaremos destacando, nesta
pesquisa, é a opção feita pelo menino VA em dar determinada resposta, que é distinta daquela
eliciada, e a relação entre a opção feita pelo menino DEL e a opção feita pelas crianças
controle nas mesmas circunstâncias.
QUADRO 13
RESPOSTAS NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO
DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL
– VA E CONTROLES
Bateria 1 – Tipo de estímulo: contação de
história, apresentação posterior de gravuras
da história e pergunta eliciadora com o
adjunto adverbial “todos os dias” ou similar.
Por exemplo: “O que Beco Barroso faz
todos os dias na loja?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por uma
resposta diferente daquela esperada.
Expectativa: era a de que as crianças Resposta não esperada dada por VA:
respondessem com uma única forma verbal
(3) Olhando o cachorro (faltou tempo e
no tempo presente e aspecto habitual.
aspecto habitual).
Observação: todas as outras respostas
dadas pelas crianças controle e por VA
continham uma única forma verbal no
presente e aspecto habitual.
197
Bateria 2 – Tipo de estímulo: pergunta
sobre hábitos de personagens da Turma da
Mônica com a demonstração de gravuras
em que há várias ações realizadas todos os
dias por tais personagens. A pesquisadora
falava: “Agora vou te mostrar algumas
gravuras que mostram coisas que o
Cebolinha faz todos os dias”. Em seguida, a
pesquisadora solicitava a resposta à
pergunta: “O que o Cebolinha faz aqui?”.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por uma
resposta diferente daquela esperada.
Resposta não esperada dada por VA:
(8) Tá dormindo. (faltou aspecto habitual)
Expectativa: era a de que as crianças Observação: todas as outras respostas
respondessem com uma única forma verbal dadas por VA e pelas crianças controle
com o tempo no presente e aspecto habitual. continham uma única forma verbal no
presente e aspecto habitual.
Bateria 3 – Tipo de estímulo: pergunta Tanto VA, quanto as crianças controle
sobre as atividades realizadas por diversos responderam, cada uma, a dez perguntas
profissionais. A entrevistadora falava de eliciação. Todas as crianças controle
inicialmente: “A mãe do Cascão é dona de deram respostas correspondentes àquelas
casa.”. Após a demonstração de uma esperadas. Já VA fez opção por uma
gravura, ela perguntava: “O que ela faz?” resposta diferente daquela esperada.
Na gravura havia a mãe do Cascão
exercendo a atividade de varrer.
Resposta não esperada dada por VA:
Expectativa: era a de que as crianças (3) Tá cuidando dos animais. (faltou aspecto
respondessem usando uma única forma habitual)
verbal no tempo presente e com aspecto
habitual.
Observação: todas as outras respostas
dadas pelas crianças controle e por VA
continham uma única forma verbal no
tempo presente e aspecto habitual.
Bateria 4 – Tipo de estímulo: Tanto VA, quanto as crianças controle
preenchimento de lacunas. A pesquisadora responderam, cada uma, a dez perguntas
mostrava algumas gravuras e falava uma de eliciação. Todas as crianças controle e
frase que indicava que aquela situação VA deram respostas correspondentes
apresentada na gravura ocorria sempre. Em àquelas esperadas.
seguida ela pedia um preenchimento de
lacuna. Dois exemplos de eliciação com as
respectivas respostas esperadas: “Todos os
dias, a professora _____ (dá aula)”; ou “Nas
noites escuras, o fantasma ____ (assusta as
pessoas)”.
Expectativa: era a de que as crianças
respondessem com uma única forma verbal
no tempo presente e com aspecto habitual.
198
Bateria 5 – Tipo de estímulo: nesta bateria,
foram apresentadas gravuras para as
crianças, indicando que ali estão
personagens
que
realizam
aquelas
atividades sempre. Em seguida, era
solicitado às crianças que respondessem o
que cada personagem faz sempre.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por nove
respostas diferentes daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
Expectativa: era a de que as crianças
respondessem com uma única forma verbal (1) Tá lendo um livro. (faltou aspecto
no tempo presente e com aspecto habitual.
habitual)
(2) Tá varrendo. (faltou aspecto habitual)
(3) Tá dormindo. (faltou aspecto habitual)
(4) Tá brincando. (faltou aspecto habitual)
(5) Tá escrevendo. (faltou aspecto habitual)
(6) Tá assistindo. (faltou aspecto habitual)
(7) Comer pizza. (faltou tempo e aspecto
habitual)
(8) Tá conversando.
habitual)
(faltou
aspecto
(9) tá sentada na cadeira, conversando com
o pato. (faltou aspecto habitual)
Observação: todas as respostas dadas pelas
crianças controle continham uma única
forma verbal com tempo presente e aspecto
habitual.
199
Bateria 6 – Tipo de estímulo: nesta bateria,
foram apresentadas gravuras para as
crianças, indicando que ali estão
personagens
que
realizam
aquelas
atividades sempre. Em seguida, era
solicitado às crianças que respondessem o
que cada personagem faz todos os dias.
Tanto VA, quanto as crianças controle
responderam, cada uma, a dez perguntas
de eliciação. Todas as crianças controle
deram respostas correspondentes àquelas
esperadas. Já VA fez opção por duas
respostas diferentes daquelas esperadas.
Respostas não esperadas dadas por VA:
Expectativa: era a de que as crianças
respondessem com uma única forma verbal (6) Bandeira. (faltou verbo)
no tempo presente e com aspecto habitual.
(10) Inventar mágica. (faltou tempo e
aspecto)
Observação: todas as respostas dadas pelas
crianças controle continham uma única
forma verbal com tempo presente e aspecto
habitual.
Ao observarmos as possíveis influências desencadeadas, nos resultados, pelos diversos
tipos de testes empreendidos (nas baterias 1, 2, 3, 4 e 6), constatamos que não houve
interferência de tipo de teste nos resultados obtidos. Pode-se questionar por que o
desempenho de VA na realização das tarefas solicitadas na bateria 5 é distinto do desempenho
do menino na realização das tarefas solicitadas na bateria 6, já que são da mesma natureza.
Em princípio, não há diferença na natureza das duas baterias de testes. Sendo assim,
consideramos que o grande número de respostas não esperadas dadas por VA na realização
dos testes da bateria 5 corresponde mesmo ao desempenho da criança em tarefas deste tipo.
Ao observarmos se havia ou não influência do tipo de aspecto lexical (télico e não
télico) de cada verbo eliciado nas respostas obtidas em situação de teste com as crianças desta
pesquisa, constatamos que não houve interferência em nenhum teste.
200
6.1.5
Outros dados advindos de testes com DEL ratificam os resultados encontrados
para VA
Evidentemente, no desenvolvimento de uma pesquisa como a nossa, não buscamos e
nem encontramos somente uma criança DEL. Sempre procuramos por mais fontes de
informação. Entretanto, como não estamos filiados a nenhum órgão que pudesse nos garantir
as entrevistas necessárias à investigação, ficamos, na maior parte das vezes, vulneráveis à
permissão ou à vontade das pessoas que podem nos garantir o acesso às crianças que
pesquisamos nesta tese. Durante o período em que procurávamos por crianças DEL,
encontramos outro menino diagnosticado como sendo DEL, de seis anos, e conseguimos
aplicar as quatro primeiras baterias de cada tipo de teste. Depois, a mãe da criança não quis
mais participar do processo de investigação que nos propusemos a realizar neste trabalho e
ficamos, portanto, com parte dos dados. Fizemos a opção por trabalhar somente com os dados
de VA, pois seus dados seriam discutidos na integralidade. Entretanto, a fim de ratificar os
dados encontrados para VA, apresentamos os dados parciais obtidos em situação de testes que
visavam a eliciar tempo e aspecto verbal com tal criança DEL, denominada aqui DA.
Aplicamos, também, os testes em crianças controle, com mesma idade e mesmo MLU, que
tinham, respectivamente, seis e quatro anos. As duas crianças controle tinham o mesmo nível
socioeconômico e eram do mesmo sexo que DA. Vale dizer que, nas tabelas a seguir, fizemos
opção por colocar os resultados das crianças controle em separado, pois gostaríamos de
chamar a atenção para o desempenho da criança controle com mesmo MLU de DA, que, por
ter quatro anos e, portanto, estar ainda em fase de aquisição de linguagem, apresenta dados
que, muitas vezes, se aproximam daqueles produzidos pela criança DEL em situação de
testes.
201
QUADRO 14
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO PROGRESSIVO – DA E
CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Total de respostas esperadas
para tempo
DEL – DA
75%
Controle DA (mesma 92,5%
idade)
Controle DA (mesmo 87,5%
MLU)
Presente Progressivo
Total de respostas esperadas para
aspecto
97,5%
95%
85%
QUADRO 15
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO IMPERFEITO E ASPECTO
PROGRESSIVO – DA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Total de respostas esperadas
para tempo
DEL – DA
67,5%
Controle DA (mesma 97,5%
idade)
Controle DA (mesmo 62,5%
MLU)
Pretérito imperfeito progressivo
Total de respostas esperadas para
aspecto
95%
95%
80%
QUADRO 16
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRETÉRITO PERFEITO E ASPECTO
PERFECTIVO – DA E CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Total de respostas esperadas
para tempo
DEL – DA
100%
Controle DA (mesma 100%
idade)
Controle DA (mesmo 100%
MLU)
Pretérito Perfeito Perfectivo
Total de respostas esperadas para
aspecto
100%
100%
100%
202
QUADRO 17
RESULTADOS OBTIDOS APÓS A APLICAÇÃO DE TESTES DE
ELICIAÇÃO DE TEMPO PRESENTE E ASPECTO HABITUAL – DA E
CONTROLES
Crianças
Forma verbal eliciada
Total de respostas esperadas
para tempo
DEL – DA
85%
Controle DA (mesma 100%
idade)
Controle DA (mesmo 100%
MLU)
Presente habitual
Total de respostas esperadas para
aspecto
75%
97,5%
87,5%
A partir da análise dos quadros apresentados acima e daqueles já apresentados com o
desempenho de VA em tarefas de eliciação de formas verbais, podemos estabelecer um
paralelo entre os resultados obtidos após a aplicação de testes que visavam a eliciar tempo e
aspecto verbal por parte de DA e por parte de VA.
Ambas as crianças, DA e VA, demonstraram ter um bom desempenho em tarefas em
que se eliciava a forma verbal no pretérito perfeito/ perfectivo. DA deu as respostas de acordo
com o esperado 100% das vezes em relação a tempo e a aspecto e VA deu as respostas
esperadas 91,7% das vezes em relação a tempo e a aspecto.
Igualmente, DA e VA apresentaram um desempenho similar no que diz respeito às
tarefas em que o objetivo era eliciar o tempo verbal presente com aspecto habitual. DA deu as
respostas de acordo com o esperado 85% das vezes em relação a tempo e 75% das vezes em
relação a aspecto. Já VA deu as respostas esperadas 93,3% das vezes em relação a tempo e
76,6% das vezes em relação a aspecto. É importante destacar que as duas crianças DEL
demonstraram ter se saído melhor na produção do tempo esperado do que na produção do
aspecto habitual eliciado. Na maior parte das vezes em que respostas não esperadas foram
dadas, a forma verbal presente/ habitual foi substituída por uma auxiliar no presente (“tá”),
acompanhado de um gerúndio.
203
Em relação à produção de tempo presente com aspecto progressivo, observamos um
desempenho em direção contrária por parte de DA e de VA. Enquanto DA deu as respostas de
acordo com o esperado 75% das vezes em relação a tempo e 97,5% das vezes em relação a
aspecto, VA deu as respostas esperadas 86,6% das vezes em relação a tempo e 68,4% das
vezes em relação a aspecto. Logo, ainda que ambos os meninos tenham se saído bem na
produção de morfema de uma das categorias e tenham apresentado um resultado mais aquém
na produção de morfemas da outra categoria, eles apresentaram resultados inversos. Algo,
portanto, parece nos sugerir que, na gramática do DEL, o surgimento de um morfema
relacionado a uma categoria, na fala da criança com o problema lingüístico ora estudado,
implica, em grande parte das vezes, no não surgimento do morfema relativo à outra categoria.
Ou seja, parece haver evidências nos sugerindo que, quando o tempo eliciado é
adequadamente produzido pela criança DEL, o aspecto esperado não necessariamente
ocorrerá e vice-versa.
Vejamos a comparação entre os dados obtidos após a aplicação dos testes de eliciação
de tempo pretérito imperfeito e aspecto progressivo nas duas crianças. DA deu as respostas
esperadas 67,5% das vezes em relação a tempo e 95% das vezes em relação a aspecto. VA,
por sua vez, deu as respostas esperadas 53,3% das vezes em relação a tempo e 91,7% das
vezes em relação a aspecto. Novamente, os dados obtidos de aplicação de testes nos sugerem
que, na fala da criança DEL, ora surgem morfemas relacionados a tempo, ora surgem
morfemas relacionados a aspecto de forma adequada e recorrente. Os dados também nos
sugerem que, quando se trata de tempo pretérito imperfeito, há uma maior chance de a criança
DEL e de a criança mais jovem em fase normal de aquisição de linguagem não produzirem a
forma verbal adequada do que quando se elicia a forma verbal no presente.
A seguir, vamos apresentar os resultados obtidos após a aplicação dos testes que
visavam a eliciar a concordância verbal.
204
6.2
RESULTADOS OBTIDOS APÓS APLICAÇÃO DE TESTES DE ELICIAÇÃO DE
CONCORDÂNCIA VERBAL
Conforme já apresentado no capítulo 5, os testes de concordância foram aplicados
somente na criança DEL investigada nessa pesquisa – VA - e em sua mãe. No momento da
aplicação dos testes, os dois participantes demonstraram ter entendido a natureza da tarefa a
ser executada.
A mãe de VA deu todas as respostas no presente progressivo, sob a forma de auxiliar
+ gerúndio (exceto na primeira pessoa do singular dos verbos “ler” e “beber”, situações nas
quais usou pretérito imperfeito progressivo, sob a forma de auxiliar + gerúndio). Todas as
respostas da mãe de VA obedeceram ao seguinte paradigma (exceto nos dois casos acima
citados), que será mostrado com o verbo “comer”: “Eu tô comendo”, “Ele tá comendo”, “Nós
tá comendo” e “Eles tá comendo”. Portanto, a fala da mãe de VA demonstra que, em seu
dialeto, não é comum a marcação de plural no verbo. Vale dizer que todas as sentenças da
mãe de VA continham sujeito.
No que diz respeito à fala de VA, percebemos algumas semelhanças e algumas
diferenças em relação às respostas dadas por sua mãe. As semelhanças estão ligadas às
respostas dadas para a primeira pessoa do plural e para as terceiras pessoas do singular e do
plural com uma forma no “auxiliar tá + gerúndio”, ou seja, usou sempre o auxiliar no
singular.
Em relação às diferenças, podemos verificar que, em 65% das vezes, VA não usou o
sujeito na sentença produzida, sendo que sua mãe usou tal constituinte 100% das vezes. Além
disso, VA usou, para primeira pessoa no singular, seis verbos no gerúndio: ao invés de falar
“Eu tô comendo” ou “Tô comendo”, por exemplo, o menino falava “comendo”. Para os
verbos beber, carregar, ler, empurrar, limpar e pentear, o mesmo ocorreu.
205
Em dois casos em que se deveria usar a primeira pessoa do singular, o menino usou
“tá + gerúndio”.
Evidentemente, se formos fazer uma análise destas respostas num universo de 80
sentenças, que é o total de sentenças que deveriam ser eliciadas, teremos uma porcentagem
muito pequena de concordância verbal não esperada para fins de análise em nossa pesquisa.
Isso porque as concordâncias para primeira e terceira pessoa do plural eram marcadas por
características próprias do dialeto ao qual a criança DEL pertencia. Não havia a marcação
–mos e –m, respectivamente. Portanto, não podíamos verificar se concordância estava ou não
presente na gramática mental de VA. Mas, se fizermos o cálculo no universo em que deveria
ocorrer o morfema para a concordância em primeira pessoa (total de 20 sentenças), teremos
30% de uso de gerúndio no lugar de “tô + gerúndio” e 10% de “tá + gerúndio” no lugar da
última forma mencionada.
O uso de “tá + gerúndio” pode nos remeter a alguma dificuldade da criança DEL em
realizar concordância corretamente, mas não podemos chegar a esta conclusão sem que haja
uma expansão dos testes, pois podemos estudar concordância, na fala de VA, somente na
primeira pessoa do singular, já que, para as outras pessoas do discurso, faz parte do dialeto da
criança usar o auxiliar “tá”, fato que impossibilita a nossa análise.
O teste de concordância, após ter sido aplicado, nos serviu mais como um outro
indicador da dificuldade da criança DEL investigada em nossa pesquisa em produzir tempo e
aspecto progressivo do que exatamente nos trouxe dados que nos permitissem um estudo
conclusivo acerca de concordância. Ou seja, não podemos dizer nem que sim nem que não a
uma possível pergunta sobre a possibilidade de DA ter intacta sua habilidade de realizar
concordância entre sujeito e verbo.
Em suma, neste capítulo, verificamos os dados obtidos após a aplicação de testes de
eliciação de tempo e aspecto verbal por parte das crianças controle e por parte da criança DEL
206
investigada em nosso trabalho. Verificamos também os resultados obtidos após a aplicação de
testes que visavam a eliciar concordância verbal. Estes últimos testes foram aplicados na
criança DEL e em sua mãe. No que diz respeito à produção de tempo e de aspecto,
constatamos que as crianças parecem não ter muitos problemas ao produzir as formas verbais
no pretérito perfeito/aspecto perfectivo e no presente/aspecto habitual. Em relação à eliciação
de formas perifrásticas, ou seja, no presente com aspecto progressivo, sob a forma auxiliar +
gerúndio, e no pretérito imperfeito com aspecto progressivo, também sob a forma auxiliar +
gerúndio, verificamos que a criança DEL investigada em nossa pesquisa ora demonstra em
sua fala a presença de tempo verbal sem aspecto progressivo, ora apresenta o contrário. Em
comparação com dados parciais obtidos por meio de aplicação de testes de eliciação de tempo
e aspecto verbal em outra criança DEL, verificamos o mesmo. Por fim, após a aplicação de
testes de eliciação de concordância verbal, não pudemos chegar a nenhum resultado
conclusivo, pois, devido ao dialeto ao qual a criança DEL pertence (ratificado pelos dados
obtidos após aplicação dos mesmos testes em sua mãe), não conseguimos um número
adequado de respostas não esperadas para que pudéssemos proceder à análise.
Passemos, no capítulo seguinte, a discutir os dados.
207
7 DISCUSSÃO DOS DADOS
Iniciaremos este capítulo apresentando uma reflexão acerca da relação entre os dados
obtidos em situação de testes para fins desta pesquisa e as abordagens trazidas no capítulo 4,
que visam a explicar o déficit gramatical do indivíduo DEL. Em seguida, apresentaremos uma
proposta derivada da análise dos dados obtidos nesta pesquisa, proposta esta que sugere a
cisão do nódulo tempo em tempo e aspecto. Posteriormente, discutiremos, ainda que de forma
não conclusiva, o status da categoria aspecto na gramática do DEL à luz das abordagens
trazidas na seção 3.4. Por fim, apresentaremos algumas explicações para os dados obtidos, em
situação de testes, por parte da criança DEL investigada nesta tese.
7.1 UM DIÁLOGO COM OS AUTORES QUE VISAM A EXPLICAR O DÉFICIT
LINGÜÍSTICO DO INDIVÍDUO DEL
Comecemos esta seção remetendo-nos à abordagem de Johnston (1997), já
apresentada no capítulo 4. A autora indica que os problemas morfológicos apresentados pelas
crianças DEL devem ser estudados sob um modelo de aquisição de linguagem mais amplo, ou
seja, tais problemas morfológicos devem ser refletidos, observando-se as interfaces entre
fatores sintáticos, semânticos, cognitivos e perceptuais. Isto porque a autora defende o ponto
de vista que, no DEL, devem ocorrer déficits de cognição mais geral que afetariam a
linguagem. Defenderemos a hipótese que o déficit lingüístico pode co-ocorrer com algum
outro déficit, mas que ele é independente de outro déficit. Temos, na literatura, dados
indicando-nos que o DEL pode co-existir com um QI alto (cf. van der Lely, 1997) e, em nossa
pesquisa, após a aplicação de testes de psicologia, verificamos um QI não verbal 85 para VA,
fato que nos afasta de um retardamento mental por parte da criança DEL investigada nesta
208
pesquisa. Portanto, caminhamos em direção a uma explicação para o déficit gramatical
evidenciado na fala do DEL, indicando um déficit mais estritamente lingüístico.
Os nossos dados obtidos em situação de testes com a criança VA também não são
consonantes com as propostas feitas por Fletcher (1990) e Leonard (1989, 1998) e Leonard e
Bortolini (1998), para os quais as crianças DEL teriam dificuldade em produzir sílabas mais
fracas. Talvez isso poderia vir a ser vislumbrado, nos dados de nossa pesquisa, na omissão do
morfema –va do auxiliar no passado “estava”, caso em que houve um grande número de
respostas não esperadas dado por VA (e também por DA). Mas as pesquisas destes autores
não estão ligadas somente à questão de omissão de uma sílaba mais fraca e, sim, a uma
questão maior, que é a de déficit de processamento: quanto maior a informação lingüística
para a criança DEL, maior será a carga computacional sintática e, portanto, maior a tendência
à omissão de morfemas. Dentro desta perspectiva, como explicar o grande número de
respostas dadas pela criança DEL de nossa investigação substituindo o presente habitual, que
era eliciado sob a forma de uma única palavra, por uma forma perifrástica, em que o auxiliar e
gerúndio surgiam?
Dentro deste mesmo contexto, podemos afirmar que nossos dados não são consonantes
também com a proposta feita por Jakubovicz e Nash (2001), para as quais as crianças DEL
têm mais problemas com estruturas com tempo verbal no passado do que com tempo verbal
no presente. Isso porque, em língua francesa, que é a língua na qual a reflexão das autoras foi
baseada, no passado composto, há a inserção de mais um nódulo na árvore sintática, o que
seria uma sobrecarga computacional para a criança DEL. Da mesma forma como foi apontado
no parágrafo anterior, como explicar o surgimento de auxiliar + gerúndio no lugar de uma só
forma verbal?
Indo em direção às abordagens que visam a dar uma explicação relacionada a regras
produtivas da língua para o déficit apresentado pela pessoa DEL, verificamos que nossos
dados podem até servir de sustentação empírica para a hipótese de Gopnik e Crago (1991) e
209
Gopnik, Dalalakis, Fukuda e Fukuda (1997), para os quais a criança DEL usa a memória ao
invés de regras gramaticais produtivas. Mas adotamos o ponto de vista que é sempre
preferível uma explicação mais restrita lingüisticamente do fenômeno ora estudado.
Dentro desta proposição, encontram-se as três grandes propostas: a de Clahsen (1989),
Clahsen e Hansen (1997) e Clahsen, Batke e Göllner (1997); a de van der Lely e Stollwerck
(1996) e a de van der Lely (1998); e a de Rice e Wexler (1995) e a de Wexler, Schütze e Rice
(1998).
No que diz respeito à proposta de Clahsen e seus companheiros de pesquisa,
afirmamos que nossos dados não são coerentes com os dados que sustentam a proposição feita
principalmente por Clahsen et al. (1997). Isto porque Clahsen e seus companheiros nos
apontam para um déficit gramatical do DEL relacionado a traços [-interpretáveis] de
concordância, afirmando-nos, portanto, que a criança tem um problema circunscrito à
concordância verbal, mas não o tem com morfemas cujos traços são [+interpretáveis], como
os de tempo verbal. Se por um lado não obtivemos dados suficientes após a aplicação de
testes de produção de concordância verbal com a criança VA e, por conseguinte, não pudemos
proceder à análise relativa ao assunto, podemos vislumbrar, de nossos dados, dois problemas
na fala do DEL relacionados a morfemas cujos traços são [+interpretáveis]: a não
obrigatoriedade de produção de morfemas de tempo verbal em situações em que esta era
esperada e a não obrigatoriedade de produção dos morfemas de aspecto verbal em situações
em que esta era esperada. Logo, a proposta de Clahsen para explicar o déficit gramatical do
DEL não é adequada para explicar os dados obtidos após a aplicação de testes, implementados
nesta pesquisa.
Caminhando em direção à abordagem feita por van der Lely, mais especificamente
aquela feita em 1998, achamos interessante a proposta, pois esta visava não só a explicar o
déficit do DEL com tempo verbal, mas também estendeu sua análise a várias outras esferas da
gramática com as quais as crianças DEL também apresentariam problemas, a saber: sentenças
210
com passivas adjetivas e verbais, perguntas com elementos QU para sujeito e para objeto,
dentre outros. A autora explica tudo isso sob os moldes de uma limitação ou
comprometimento da atuação do Segundo Princípio de Economia do Last Resort, o qual seria
aquele que obriga o movimento sintático. Mas, se tal princípio está comprometido, não há
condições para que tal movimento seja realizado.
A despeito da relevância e da abrangência desta explanação, acreditamos que os dados
obtidos em situação de teste de eliciação de tempo e aspecto com a criança VA estão bem
mais relacionados à proposta feita por Wexler (1998) (cf. cap. 3) e por Wexler, Schütze e Rice
(1998) (cf. cap. 4) do que com a proposta realizada por van der Lely (op. cit.). Isto porque, se
fizermos uma leitura mais detalhada de nossos dados, verificaremos que, se nas pesquisas de
Wexler há alternância de uso de tempo e de concordância, em nossos dados, há alternância de
uso de tempo e de aspecto verbal na fala da criança DEL investigada em nossa pesquisa.
Realizando um paralelo entre a proposta feita por Wexler (1998) e por Wexler et al.
(1998) e a observação dos nossos dados, podemos verificar uma semelhança. Iniciemos o
raciocínio: o sistema de flexão proposto por Wexler e seus companheiros é constituído por
tempo e concordância. Apesar de concordância verbal não ser mais considerada uma projeção
na árvore sintática nos últimos escritos de Chomsky, os autores, de certa forma, sustentam sua
argumentação com base em uma literatura clássica que adota tal proposta e nos dados de suas
pesquisas, que nos apontam para uma dissociação clara entre as duas categorias funcionais
que constituem o sistema flexional em seu quadro teórico. Isso porque as crianças sem
problemas de linguagem e em fase normal de aquisição de linguagem e as crianças DEL
demonstram muitas vezes, em seu output lingüístico, formas verbais em que há tanto
morfemas de tempo quanto morfemas de concordância. Mas estas mesmas crianças ora
apresentam somente formas verbais com morfema de tempo, ora apresentam somente formas
verbais com morfema de concordância e ora apresentam formas verbais destituídas tanto de
morfemas de tempo quanto de morfemas de concordância.
211
Observando nossos dados, verificamos que as formas verbais produzidas pela criança
DEL de nosso estudo apresentaram, às vezes, morfemas de tempo e de aspecto verbal. Mas,
em outras ocasiões, VA apresentou, em seu output lingüístico, formas verbais com somente
morfema de tempo. Em outras situações, ainda, apresentou formas verbais com somente
morfema de aspecto verbal e, por fim, em outras ocasiões e em menor número, apresentou
formas verbais sem morfemas de tempo e sem morfemas de aspecto, conforme verificamos no
capítulo 6.
Desenvolveremos melhor estas idéias nas seções posteriores, nas quais apresentamos
uma proposta de cisão da projeção de tempo, em tempo verbal e em aspecto verbal, e uma
proposta que visa a explicar o déficit do DEL, associando-nos à proposta feita por Wexler
(1998), de que na gramática da criança em fase de aquisição de linguagem, e por extensão na
gramática do indivíduo DEL, atuaria uma propriedade denominada “Restrição de Checagem
Única”.
7.2 A CISÃO DE TEMPO
A partir das averiguações feitas no capítulo 6, verificamos que a criança DEL
pesquisada nesta tese, ao participar de tarefas de eliciação de tempo verbal e de aspecto
verbal, apresentou o seguinte quadro no que diz respeito à produção de presente/progressivo e
de pretérito imperfeito/progressivo, respectivamente:
- bom desempenho de tempo esperado, configurado na produção do auxiliar “está” e
desempenho pior no que diz respeito à produção esperada de aspecto, que deveria surgir sob a
forma de gerúndio (por exemplo, foram recorrentes formas como “tá com o urso na mão”, no
lugar de “tá abraçando o coelhinho”, em que o gerúndio estaria marcando o aspecto
progressivo);
212
- bom desempenho de aspecto esperado, configurado na produção de gerúndio e
desempenho pior na produção esperada de tempo, que deveria surgir sob a forma de “estava”
(por exemplo, foram recorrentes formas como “tá servindo bolinho” - no presente - no lugar
de “tava servindo bolinho”).
Se ora a criança produz tempo corretamente e aspecto na forma não esperada (ou nem
mesmo o produz) e ora faz o oposto, temos dados que nos sugerem que aquilo que é
considerado por Chomsky (1998, p.15), como uma única projeção, em que “T(empo) é uma
categoria funcional, expressando tempo e estrutura de evento”, provavelmente deve ser
representado na gramática mental como duas projeções dissociadas. Ou seja, a camada
flexional parece ser dividida em pelo menos duas projeções: a de tempo e a de aspecto.
Portanto, há sugestões advindas de dados empíricos obtidos nesta tese nos acenando
para a possibilidade de confirmação da hipótese estabelecida na introdução: a de que a
camada flexional é dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra
de natureza aspectual.
Passamos, agora, a adotar a proposta de cisão de Tempo, em tempo verbal e em
aspecto verbal. Desta forma, estamos ratificando, com base empírica, trabalhos que já vêm
fazendo tal proposição, tais como aqueles delineados no capítulo 2, a saber: Hendrix (1991),
Solà (1996), Cinque (1999), Giorgi e Pianesi (1997), Novaes (2004) e Braga (2004). Talvez
estejamos também indo em direção a estudos que cada vez mais propõem a cisão de
categorias até então concebidas como uma única projeção: temos a cisão de VP, em vP e VP,
e a cisão de CP.
A seguir, apresentamos as representações em árvore e a derivação de tipos de
sentenças eliciadas nesta pesquisa, adotando a projeção aspectual. Portanto, apresentaremos
uma árvore que representaria uma sentença com uma só forma verbal e uma árvore com uma
perífrase (auxiliar + gerúndio), como aquelas eliciadas em nosso trabalho, já com a adoção da
projeção aspectual, proposta nesta seção.
213
Vejamos, primeiramente, a derivação para a sentença “O menino tomou o leite” (uma
derivação desta sentença já foi apresentada no capítulo 2, sem a projeção de aspecto).
CP
Esp
C’
C
TP
Esp
T’
Traço de EPP
T
AspP
Traço ϕ [-int]
passado
Esp
Asp’
Traço de EPP
Asp
vP
Traço ϕ [-int]
perfectivo
Esp
v’
O menino
[3 p.pl]
com caso nominativo
v
VP
traços ϕ [-int]
Esp
V’
V
Tom[affAGR]
[aff Asp]
[aff Tempo]
DP
o leite
[3ª p, sing]
[sem caso
acusativo]
Inicialmente, o determinante “o” e o nome “leite” foram retirados da numeração e
concatenados, formando um DP “o leite”. Em seguida, o radical “tom-” entrou na derivação
com afixos de tempo (affT), de concordância (affAGR) e de aspecto (affAsp) com traços não
valorados. O próximo passo é a introdução do verbo leve v, que tem traços φ não
214
interpretáveis. Neste momento, temos o seguinte: o DP objeto “o leite” tem traços φ
interpretáveis, mas não tem caso valorado. O oposto ocorre com v: este constituinte tem caso
acusativo a valorar e não tem os traços φ valorados. Como v c-comanda o DP objeto e tem os
traços φ não valorados, v serve de sonda. O alvo é o DP objeto, o qual valora os traços φ de v,
ou seja, os valores de número e de pessoa de “o leite” são copiados em v. O DP objeto “o
leite”, por sua vez, passa a ter caso acusativo.
O passo seguinte é concatenar o DP “o menino” com o v. “O menino” tem traços φ
interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Por meio de Agree, o DP “O menino” funciona
como sonda, valorando o afixo de concordância não interpretativo em v, como terceira pessoa
do singular.
Quando Asp é retirado da numeração, ele tem traços φ não interpretáveis, mas tem um
traço de aspecto especificado como perfectivo. Asp, que c-comanda o DP sujeito no
especificador de vP e tem traços φ não valorados, serve de sonda. Asp procura um alvo que
tenha os mesmos traços φ que ele, mas que sejam valorados. Asp encontra “O menino”, cujos
traços φ são interpretáveis e que valorarão os traços φ não valorados de Asp. Os traços de
pessoa e número de Asp passam, então, a ser valorados, mas Asp não atribui caso nominativo
a DP sujeito, porque caso nominativo só é atribuído por uma sonda que carrega tempo finito.
Asp, por fim, concorda com o verbo (que já está em v), por meio de Agree, eliminando o traço
não interpretável de aspecto e valorando o afixo de aspecto como perfectivo.
O sujeito “O menino” é atraído para o especificador de AspP, pois aí há o traço de
EPP.
O próximo passo é a retirada de T da numeração. T entra na derivação com traços φ
não interpretáveis e com um traço de tempo especificado como passado. O DP sujeito “O
menino”, que, neste momento, se encontra no especificador de AspP, serve de alvo para T. O
DP “O menino”, cujos traços φ são interpretáveis (e, portanto, não se apagaram na relação de
valoração com Asp), valorará os traços φ não valorados de T e o DP sujeito passa a ter caso
215
nominativo, atribuído pelo traço de tempo finito em T. T também concorda com o verbo por
meio de Agree, valorando o afixo de tempo como passado.
O DP sujeito que já se movimentou para o especificador de Asp, onde há um traço de
EPP, apagando aí este traço, se movimenta para o especificador de T, onde também há um
traço de EPP.
Agora, passemos à derivação de uma sentença com perífrase, como “O menino está
comendo biscoitos”.
216
CP
ESP
C’
C
TP
Esp
T’
[Traço de EPP]
T
Está
AspP
Traço ϕ [-int]
[aff AGR]
Esp
[Traço de EPP]
Asp’
Asp
vP
Traço ϕ [-int]
progressivo
Esp
O menino
v’
[3 pessoa plural]
sem caso nominativo
v
VP
Traço ϕ [-int]
Esp
V’
V
Com [affAsp]
DP
biscoitos
[3ª pessoa, plural]
[sem caso acusativo]
217
Primeiramente, o DP “biscoitos” é retirado da numeração. Em seguida, é concatenado
ao radical “com-”, que entrou na derivação com afixo de aspecto (affAsp), com traço não
valorado.
A próxima etapa é a introdução do verbo leve v, que tem os traços φ não
interpretáveis. O DP objeto “biscoitos”, que tem os traços φ interpretáveis valoram os traços φ
não interpretáveis de v. Desta relação, o DP objeto “biscoitos” passa a ter caso acusativo,
atribuído por “comendo”, em v.
O passo seguinte é concatenar o DP “o menino” com v. “O menino” tem traços φ
interpretáveis, mas não tem caso nominativo. Neste caso, não haverá valoração de afixo de
concordância, pois este afixo não está especificado no radical “com-”. A valoração de afixo
de concordância acontecerá na relação do sujeito “O menino” com o auxiliar “está”.
Em seguida, Asp é retirado da numeração e tem, além de traços φ não interpretáveis, o
traço de Asp especificado como progressivo. Asp, que c-comanda o sujeito no especificador
de vP e tem traços φ não valorados, serve de sonda. Asp procura um alvo que tenha os
mesmos traços φ que ele, mas que sejam valorados. Asp encontra “O menino”, cujos traços φ
são interpretáveis e que valorarão os traços φ não valorados, mas Asp não atribui caso
nominativo ao DP sujeito. Asp concorda com o verbo por meio de Agree, valorando o afixo
de aspecto como progressivo.
O próximo passo é a retirada de T na numeração. Vale dizer que o auxiliar origina-se
aí. T entra na derivação com traços φ não interpretáveis e com um traço de tempo
especificado como presente. Além disso, T é retirado da numeração com o traço de afixo de
concordância não valorado. O DP sujeito “O menino”, que, neste momento, se encontra no
especificador de AspP serve de alvo para T. O DP “O menino”, cujos traços são
interpretáveis (e, portanto, não se apagaram na relação de valoração com Asp) vai para os
especificador de T. Não há necessidade de haver valoração de tempo como presente porque o
auxiliar “está” já entra na derivação com o status de tempo presente, com o afixo de tempo
218
presente. Ainda aí haverá a valoração do afixo de concordância no auxiliar. Ou seja, o sujeito
“O menino” valora o afixo de concordância, como sendo de terceira pessoa do singular.
7.3 ASPECTO ANTES DE TEMPO NA GRAMÁTICA DO DEL?
Trouxemos, no capítulo 3 desta tese, estudos relativos à aquisição de tempo e de
concordância, por um lado, e pesquisas que dizem respeito à aquisição de aspecto, por outro
lado.
Em relação às pesquisas que visam a explicar como as crianças adquirem as categorias
tempo e concordância, assinalamos que há pelo menos três linhas: uma que sugere que a
aquisição da linguagem obedeceria a um processo maturacional (Radford, 1990, 1992;
Guilfoylle e Noonan, 1988; Tsimpli, 1991; Rizzi, 1994). Uma segunda linha que nos indica
que as categorias funcionais já estariam disponíveis desde o início do processo de aquisição
de linguagem, ao contrário da linha anterior (Pinker, 1995, 1999; Yang, 2002). E uma terceira
linha que sugere que a criança, ao adquirir a linguagem, além de passar por um processo de
maturação, tem, desde muito cedo, os parâmetros básicos, demonstrando conhecer as
propriedades fonológicas e gramaticais de alguns elementos importantes de sua língua
(Wexler, 1996 e 1998). As explicações para os dados obtidos na fala da criança DEL
investigada nesta tese foram analisadas, pelo menos em parte, segundo esta terceira linha,
conforme será demonstrado na seção posterior. Isso porque, nos dados obtidos após a
aplicação dos testes realizados para esta pesquisa, a criança DEL, a despeito de às vezes não
demonstrar tempo e aspecto em uma mesma forma verbal, quando usava os morfemas
relativos a tais categorias, usava-os de forma correta.
Para dar continuidade a este raciocínio, façamos, antes, uma breve revisão do que as
pesquisas relativas à aquisição de aspecto apresentam. Há abordagens que, nesta tese, foram
agrupadas em duas vertentes. A primeira indica que as crianças em fase de aquisição de
219
linguagem adquirem aspecto antes de tempo (Bronkart e Sinclair, 1973; Bloom, Lifter e
Hafitz, 1980). A segunda abordagem sinaliza que não é possível afirmar que as crianças
adquirem aspecto antes de tempo, pois, em sua fala, não se encontra regularidade no uso
correto de perfectivo e imperfectivo (Hodgson, 2004; Vinnitiskaya e Wexler, 2001).
Ao analisar os dados obtidos em nossa pesquisa, não podemos afirmar que aspecto
parece ter sido adquirido antes de tempo na gramática do DEL. Também não podemos afirmar
que o menino DEL investigado nesta tese não produz corretamente morfemas de aspecto. Isso
porque VA, nas situações em que usou morfema de aspecto, de um modo geral, usou-o
corretamente.
O que nos parece mais relevante, nos resultados obtidos após a aplicação dos testes, é
que o menino DEL, em várias situações, não consegue produzir tempo e aspecto na mesma
forma verbal. Isso foi evidenciado em várias situações em que o menino deveria produzir
perífrases verbais e não conseguiu, conforme apresentamos no capítulo 6.
Diante do exposto, declaramos que, a fim de analisar os dados obtidos após a
aplicação de testes de eliciação de tempo e aspecto verbal, por parte de VA, escolhemos para
subsidiar parte de nossas explanações, a proposta de Wexler (1998) - que explica os dados de
fala de crianças em fase normal de aquisição de fala – e a proposta de Wexler, Schütze e Rice
(1998) – que explica os dados de fala de crianças DEL. Este assunto será mais bem detalhado
na próxima seção.
7.4 A RESTRIÇÃO DE CHECAGEM ÚNICA PARA EXPLICAR OS DADOS DO
DEL
Conforme temos apontado, parece que há, na gramática da criança DEL, algo que a
impede de produzir tempo e aspecto numa mesma forma verbal. Vimos que, quando a forma
verbal eliciada é constituída por um auxiliar + gerúndio, essa constatação pode ser feita. Tal
220
resultado nos sugere, portanto, que há uma restrição no momento da checagem (para usar os
termos de Wexler, 1998, p. 59).
Originalmente, a Restrição de Checagem Única seria a propriedade que daria
conseqüência a ATOM, nos moldes de Wexler (1998), em que ora tempo, ora concordância
estaria ausente da fala do indivíduo DEL. Diante da análise de nossos dados, verificamos algo
paralelo: ora a criança DEL omite tempo verbal de sua fala, ora esta mesma criança omite
aspecto verbal de sua fala. Se considerarmos aspecto verbal como uma projeção, cujo núcleo
é ASP e cujo especificador é dotado de traços de EPP, tal como proposto para T, podemos
indicar que a Restrição de Checagem Única parece ser uma propriedade que atua em vários
níveis da gramática da criança DEL, em nosso caso em específico, e talvez na gramática de
crianças em fase de aquisição de linguagem.
Propomos então que a Restrição da Checagem Única, que talvez, no atual momento da
literatura da gramática gerativa, deva ser denominada Restrição da Valoração Única, seja uma
propriedade da gramática da criança DEL. Mas, como o próprio Wexler (1998) pontua, tal
restrição não seria um resultado de subespecificação de traços. Antes seria uma restrição mais
fundamental no sistema computacional.
Ao adotarmos a proposta de Restrição de Checagem Única feita por Wexler, para
explicar os dados relativos a tempo e a aspecto presentes ou ausentes na fala de VA,
incluímos, nas nossas argumentações, a idéia da possibilidade de a criança DEL ter as
seguintes representações a serem escolhidas para valoração de traços:
Asp [D] [VP DP V...] ou
T [D] [VP DP V...].
Ou seja, ora a criança DEL valoraria os traços de aspecto e não valoraria os traços de
tempo e ora ocorreria o oposto. Desta forma, na gramática do DEL, não haveria uma
derivação que fracassaria, pois a criança DEL deve escolher entre uma ou outra representação.
221
Sua gramática seria regida por uma propriedade de Restrição de Checagem Única e não
implicaria nenhuma violação da gramática universal.
Portanto, de acordo com Wexler e assumido aqui também, a criança DEL não está
exatamente omitindo a projeção de tempo ou a de aspecto. O que ocorre, em alguns casos, é
que a criança DEL escolhe uma dada representação e valora seus traços. Em outras situações,
a criança consegue selecionar as duas representações e valorar tanto os traços de aspecto
quanto os traços de tempo. Portanto, a propriedade de Restrição de Checagem Única seria
própria do período em que a gramática da criança estaria passando por um processo de
maturação. O processo de amadurecimento, nesta perspectiva, estaria relacionado ao
amadurecimento de possibilidades representacionais que seriam adicionadas com o tempo.
Nada teria a ver, então, com a atuação de propriedades que não existem na GU.
Cessado o processo de maturação, a criança sempre selecionaria as duas
representações e atribuiria os valores de tempo e de aspecto de forma regular. Este período de
uso regular do sistema flexional pode ocorrer ou não na gramática do DEL, conforme já
explicitamos anteriormente.
A motivação para que ocorra a atuação da propriedade de Restrição de Checagem
Única deve ser alvo de mais investigações. Poderíamos aqui formular pelo menos três
hipóteses.
A primeira hipótese estaria relacionada ao fato de o desenvolvimento sintático ser
afetado não por algo que ocorra no sistema computacional, mas sim por algum problema no
próprio sistema conceptual da criança. Em outras palavras, a criança DEL poderia ter os
conceitos semânticos de tempo e de aspecto não desenvolvidos.
A segunda hipótese estaria relacionada ao fato de o desenvolvimento sintático estar
ligado ao amadurecimento das propriedades de interface conceptual-intencional. Ou seja, o
desenvolvimento
sintático
estaria
ligado
ao
amadurecimento
da
constituição
de
representações, no nível lingüístico, que dizem respeito a conceitos semanticamente
222
motivados: tempo (se passado, se presente, se futuro) e aspecto (se ação conclusa, se ação
inconclusa).
Para validar essas hipóteses, teríamos que ter indícios que nos acenassem para um
comprometimento de conceitos semânticos propriamente ditos. Em princípio, descartamos
esta possibilidade, pois o menino DEL investigado neste trabalho obteve, no teste de QI não
verbal, um índice que o afasta de um retardamento mental.
Ainda seria motivo para se adotar as primeira e segunda hipóteses o surgimento de
dados que nos indicassem um comprometimento de conceitos semânticos ligados a tempo e a
aspecto. VA não demonstrou ter perdido, por exemplo, o conceito semântico de passado, pois
o menino DEL investigado nesta pesquisa usou ou entendeu alguns mecanismos de linguagem
que indicam passado, tais como advérbios temporais do tipo “ontem” ou “agora” (cf. subseção
1.2.3).
Portanto, caminhamos até agora na validação de um déficit especificamente
lingüístico, pois, em nossos dados obtidos após aplicação de testes de eliciação de tempo e de
aspecto, há sugestões que o menino DEL pesquisado para fins desta tese tem limitações
sintáticas. Tais limitações seriam derivadas de algo que estaria atuando no sistema
computacional, onde haveria uma propriedade restringindo a possibilidade de haver a
valoração de traços em duas projeções da camada flexional, ou seja, em tempo e em aspecto.
A terceira hipótese que poderíamos fazer aqui para explicar a motivação para que
ocorra a Restrição da Checagem Única está relacionada à própria explicação dada por Wexler
(1998) para a atuação de tal propriedade na gramática da criança em fase de aquisição de
linguagem. Para o autor, conforme já explicitado, na gramática mental da criança, deve haver
algo que permita a ela “enxergar” o traço D de um DP sujeito ora como [+interpretável], tal
como ocorre na gramática do adulto com a gramática normal, possibilitando, portanto,
checagem dupla, ora o traço D de um DP sujeito é “enxergado” como [-interpretável], não
223
possibilitando a checagem dupla. Ou seja, uma vez checado, o traço [-interpretável] deve ser
apagado.
Não adotamos essa explicação dada por Wexler (op. cit.), pelo menos por dois
motivos, que passamos a demonstrar. O primeiro reside na necessidade de haver mais
investigações acerca da relação entre definitude/indefinitude e interpretabilidade de traços. Ou
seja, até que ponto o fato de uma criança considerar uma informação nova como velha está
ligada à interpretabilidade ou não de traços no DP e, por conseguinte, ao movimento cíclico
do DP sujeito?
O segundo motivo reside em uma dúvida acerca da proposta de Wexler. Como é que
traços não interpretáveis de um DP sujeito valorariam os traços não interpretáveis de tempo (e
de concordância, no caso de Wexler (1998), e de aspecto, no nosso caso em específico)?
Consideramos, então, que há lacunas a serem preenchidas na explicação dada por
Wexler (op. cit.) como motivadora da atuação da Restrição da Checagem Única no sistema
computacional. Portanto, sugerimos que investigação de causas para a atuação da propriedade
da Restrição da Checagem Única é tema para futura pesquisa.
Isto posto, partimos agora para uma tentativa de explicar os dados não esperados
obtidos após a aplicação dos testes de eliciação de tempo e aspecto verbal com a criança VA e
as crianças controle. Devemos inicialmente dizer que Wexler usa, para a proposição de
ATOM (Modelo de Omissão de Tempo ou de Concordância), os pressupostos da Morfologia
Distribuída. Tentaremos, aqui, usar o arcabouço da Teoria Minimalista trazida em Chomsky
(1995, 1998), que foi apresentado no capítulo 2 e das representações de sentenças em árvores
sintáticas apresentadas na seção 7.2, quando inserimos a projeção aspectual.
224
7.5 TENTATIVAS DE EXPLICAÇÃO PARA O SURGIMENTO DE FORMAS
ESPERADAS E NÃO ESPERADAS NOS TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO
E DE ASPECTO VERBAL
Conforme já dito, a criança DEL de nosso estudo apresentou um melhor desempenho
na produção de tempo do que de aspecto nos testes de eliciação de tempo presente/aspecto
progressivo. Esta mesma criança apresentou um melhor desempenho na produção de aspecto
progressivo do que de tempo quando o tempo eliciado era tempo pretérito imperfeito. A partir
daí, verificamos que a criança ora tem, em seu output lingüístico, morfemas de tempo e,
portanto, consideramos que houve a valoração dos traços de tempo; ora ela apresenta
morfemas de aspecto e, por conseguinte, consideramos que houve a valoração de traços de
aspecto.
Mas temos um outro resultado, que não foi explicado até o momento: as crianças
controle de VA deram as respostas esperadas no teste de eliciação de tempo passado/aspecto
perfectivo em 100% das vezes. VA, por sua vez, deu as respostas esperadas em 91,7% das
vezes, sendo que há ainda a possibilidade de as sentenças não esperadas terem surgido de uma
leitura da gravura que permitia uma leitura de ação ainda em progresso. Portanto, podemos
tratar, aqui, de um bom desempenho na produção de tempo passado/aspecto perfectivo por
parte de VA. Mas como tal resultado é possível se estamos verificando que, em testes de
eliciação de tempo presente ou passado, com o aspecto progressivo sob a forma de gerúndio,
há uma dissociação na produção de tempo de um lado e de aspecto de outro, por parte da
criança DEL?
Vejamos, agora, o quadro resultante após a aplicação de testes de eliciação de tempo
presente com aspecto habitual. As crianças controle de VA deram 100% das respostas
esperadas nos testes e VA deu 93,3% das vezes as respostas esperadas relacionadas a tempo e
225
76,6% das vezes as respostas de acordo com o esperado para aspecto habitual. Novamente a
pergunta feita ao final do parágrafo anterior é aqui também pertinente.
A sugestão feita nesta tese é a seguinte: a despeito do alto número de respostas dadas
pela criança DEL investigada em nossa pesquisa nos dois testes de eliciação de tempo
passado/aspecto perfectivo e tempo presente/aspecto habitual, na gramática de VA ora deve
haver omissão de aspecto, ora deve haver omissão de tempo.
Vejamos o porquê desta proposição. O morfema de tempo passado/aspecto perfectivo
acumula tanto traço de tempo quanto traço de aspecto. O mesmo ocorre com o morfema de
tempo presente/aspecto habitual. A fim de dar mais embasamento para a afirmação de tal
proposta, recorremos a Mattoso Câmara Júnior (1970) que nos mostra o sistema flexional do
português brasileiro, aqui trazido somente para as terceiras pessoas (singular e plural), já que
somente estas pessoas foram usadas nos testes de eliciação de tempo e de aspecto nesta
pesquisa. A seguir, apresentamos o sistema flexional para as primeira, segunda e terceira
conjugações. Para exemplificar, usamos os verbos cantar, vender e dormir, respectivamente.
Apresentamos o radical, a vogal temática (VT), o morfema de tempo (que acumula outras
noções, tais como modo e aspecto) e o morfema de concordância (que acumula noções de
número e pessoa - NP). Devemos dizer que a organização das informações sob a forma de
quadro é proposta nossa e não do autor.
226
QUADRO 18
SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRETÉRITO PERFEITO / ASPECTO
PERFECTIVO DO PORTUGUÊS, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR
Primeira
Segunda
Terceira
conjugação
Conjugação
conjugação
Radical
VT Modo
3 sg. Cant-
NP
Radical
VT Modo
NP
Radical
VT Modo
Tempo
Tempo
Tempo
Aspecto
Aspecto
Aspecto
NP
-o-
-Ø-
-u
3sg.Vend -
E
-Ø-
-u
3sg.Dorm-
-i-
-Ø-
- u
3 pl. Cant - -a-
- ra -
-m
3pl.Vend -
E
-ra-
-m
3pl.Dorm -
-i-
- ra -
-m
QUADRO 19
SISTEMA FLEXIONAL PARA TEMPO PRESENTE / ASPECTO HABITUAL
DO PORTUGUÊS, SEGUNDO MATTOSO CÂMARA JÚNIOR
Primeira
Segunda
Terceira
conjugação
conjugação
conjugação
Radical
3 sg. Cant-
VT Modo
NP
Radical
VT Modo
NP
Radical
VT Modo
Tempo
Tempo
Tempo
Aspecto
Aspecto
Aspecto
NP
-a-
-Ø-
-Ø
3sg.Vend -
-e-
-Ø-
-Ø
3sg.Dorm-
-e-
-Ø-
-Ø
3 pl. Cant - -a-
-Ø-
-m
3pl.Vend -
-e-
-Ø-
-m
3pl.Dorm -
-e-
-Ø-
-m
Para Mattoso Câmara Júnior (op. cit.), no morfema usado para expressar modo e
tempo, é impossível dissociar-se cada uma das categorias. Ainda de acordo com o autor, o
morfema de tempo acumularia a noção de modo (se indicativo, subjuntivo, ou imperativo),
mas também acumularia, junto ao tempo pretérito, a noção de aspecto concluso e, junto ao
tempo presente, a noção de aspecto inconcluso do processo verbal referido. Desta forma,
adotamos o ponto de vista que os morfemas de tempo pretérito perfeito acumulam noções de
aspecto perfectivo. Igualmente, os morfemas de tempo presente acumulam, no caso específico
sobre o qual estamos tratando neste momento, noções de aspecto habitual. Portanto, não é
fácil, nos casos em que se elicia pretérito perfeito/aspecto perfectivo, de um lado, e
227
presente/aspecto habitual, de outro lado, verificarmos a dissociação das duas categorias –
tempo e aspecto – a partir da fala da criança DEL, para a qual estamos fazendo uma proposta
de uma gramática que ora permite a produção de tempo, ora permite a produção de aspecto.
Mas como nos casos em que se elicia presente/aspecto progressivo e pretérito
imperfeito/aspecto progressivo percebemos a omissão ora de tempo e ora de aspecto, fazemos
a mesma afirmação para a produção de pretérito perfeito/aspecto perfectivo e presente/aspecto
habitual: ora deve haver omissão de tempo, ora deve haver omissão de aspecto. O que não se
pode garantir é a natureza da categoria que está sendo omitida, se tempo ou aspecto, pois, se o
morfema de tempo passado/aspecto perfectivo acumula tanto traço de tempo passado quanto
traço de aspecto perfectivo e se o morfema de tempo presente/aspecto habitual acumula tanto
traço de tempo presente quanto de aspecto habitual, não sabemos qual traço foi realmente
valorado e qual traço não foi valorado na gramática da criança DEL.
Passemos, neste momento, à análise das formas verbais alternativas àquelas esperadas.
Nos testes de eliciação de tempo presente/aspecto progressivo, obtivemos algumas sentenças
em que não havia a produção do aspecto progressivo. As sentenças eram do tipo “O Beco tá
com raiva”, com o auxiliar no presente e nenhuma forma de gerúndio. Nestas estruturas,
identificamos morfema de tempo e não identificamos morfema de aspecto. Na gramática da
criança DEL, a representação a ser valorada escolhida (conforme explicitado no capítulo 3 e
assumido na seção 7.4) seria T [D] [VP DP V...]55. Em outros casos, foram obtidas sentenças
em que não havia nenhuma manifestação morfológica de tempo. Eram sentenças como
“olhando o neném”, com o verbo no gerúndio, sem auxiliar. Desta forma, a sugestão, de
acordo com a proposta de Restrição de Checagem Única, é que a representação a ser valorada
escolhida pela criança seria ASP [D] [VP DP V...].
55
Conforme já explicitado no capítulo 6, obtivemos duas sentenças do tipo “O Zeca vê o gato na mão”, com o
verbo no presente. Neste caso, reafirmamos que tal forma poderia ocorrer em situação de teste e, nesta pesquisa,
estamos analisando as opções feitas por VA e a relação da opção feita pelo menino DEL e as opções feitas pelas
crianças controle. Além disso, não podemos afirmar se, neste caso, não há morfema relativo a aspecto
progressivo, pois, conforme já demonstrado no capítulo 5, é possível a obtenção de aspecto progressivo em uma
forma verbal do presente do indicativo.
228
No que diz respeito aos testes de eliciação de tempo pretérito imperfeito com aspecto
progressivo, grande parte das respostas dadas estava relacionada à ausência de morfema de
tempo no pretérito imperfeito, mas havia presença de morfema de aspecto progressivo. Eram
sentenças como “tá servindo bolinho”, em que surge o auxiliar, mas com o tempo presente,
além do gerúndio, marcador de aspecto progressivo. Neste caso, a sugestão, de acordo com a
Restrição da Checagem Única, é que a representação a ser valorada escolhida pela criança
seja: ASP [D] [VP DP
V...]. Também é indicada tal representação para algumas poucas
ocorrências de sentenças como “batendo a cabeça na outra”. Em outros casos, tivemos o
surgimento de sentenças com o verbo no pretérito perfeito, tal como “Carioca e outro pegou o
Pelé no colo”. Nestes casos, a representação a ser valorada escolhida seria:
T [D] [VP DP V...].
Em relação aos testes de eliciação de tempo presente com aspecto habitual,
verificamos que a maior parte das respostas não esperadas dada por VA eram do tipo “tá
dormindo”, ou seja, com o auxiliar no presente e uma forma no gerúndio, e uma única forma
“tá sentada”, com o auxiliar e um particípio. Nestes casos, de acordo com a proposta da
Restrição da Checagem Única, a representação a ser valorada escolhida pela criança seria: T
[D] [VP DP V...].
Obtivemos somente um caso em que o presente foi substituído pelo pretérito. Desta
forma, podemos dizer que parece ser verdadeira a afirmação que as crianças DEL, de um
modo geral, não trocam presente por passado.
Obtivemos, também, no conjunto total de dados, dois nomes (“escorregador” e
“bandeira”) e um sintagma preposicional (“com a panela na mão”). Portanto, nestes casos,
não verificamos o surgimento de formas verbais, o que nos impossibilitou de verificar a
dissociação de tempo e de aspecto.
Tudo isso posto, falta-nos explicar porque surgem tanto formas com auxiliar no
presente + gerúndio (como “tá servindo bolinho”) quanto formas com somente gerúndio
229
(como “batendo a cabeça na outra”) quando o objetivo era eliciar o tempo pretérito
imperfeito/aspecto progressivo.
No quadro teórico usado por Wexler (1998), Schütze e Wexler (1996) e Wexler,
Schütze e Rice (1998), que é a Morfologia Distribuída, provavelmente a indicação seria que o
surgimento de “tá” no lugar de “tava” dever-se-ia ao fato de o morfema “-va”, do pretérito
imperfeito, ser mais marcado que o morfema de presente “Ø”. Ou seja, para o primeiro,
provavelmente a especificação seria: -va [+passado] e, para o segundo, seria Ø
[
]. Com a projeção de tempo não estando presente na derivação, ocorreria a inserção do
último morfema. Mas esta proposta não explicaria o fato de ter surgido, além de uma forma
“auxiliar no presente + gerúndio”, uma forma com somente o gerúndio no lugar do “auxiliar
no pretérito imperfeito + gerúndio”.
Poderíamos aqui sugerir que a inserção de “tá” não se deve a uma questão estrutural.
Talvez este elemento seja inserido, obtendo-se uma interpretação ancorada no discurso. Uma
prova disso é que, na maior parte das respostas dadas com “tá” substituindo “tava”, em que se
poderia observar a presença de sujeito na sentença, o sujeito não estava lá. Por exemplo, nas
respostas às perguntas feitas nas baterias 5 e 6 de eliciação de pretérito imperfeito/aspecto
progressivo, surge o “tá” sem que o sujeito o preceda. Sabemos que o sujeito ocupa a posição
de especificador de um TP e, nas tarefas de eliciação de tempo presente com aspecto
progressivo, a criança DEL produziu o tempo, configurado por “tá”, e o sujeito, de um modo
geral, precedia o auxiliar. Caso houvesse tempo estrutural nas respostas não esperadas, dadas
por VA, em tarefas de eliciação de tempo pretérito imperfeito com aspecto progressivo,
mesmo surgindo uma forma no presente substituindo o pretérito imperfeito, o sujeito deveria
ocorrer. Se o surgimento de “tá” não é uma opção gramatical estrutural, ora ele pode ocorrer,
ancorado no discurso, ora ele não deve ocorrer e uma só forma verbal no gerúndio poderia
ocorrer, também ancorada no discurso.
230
E como explicar o surgimento da forma no gerúndio, que acompanha o auxiliar no
presente, no lugar do surgimento de uma única forma verbal com um morfema acumulando
tempo presente e aspecto habitual? Provavelmente, tal ocorrência deveu-se ao fato de tempo
ter sido inicialmente contemplado no auxiliar. Como não havia maneira de produzir uma
sentença como “tá dorme”, sendo que, em “dorme”, somente teríamos o morfema com traços
de aspecto habitual, a única solução seria o surgimento de um gerúndio, que é um morfema
que resguarda somente noção aspectual.
Em suma, neste capítulo, apresentamos uma análise dos dados obtidos após a
aplicação dos testes de eliciação de tempo e de aspecto no menino considerado DEL e
investigado nesta pesquisa. Inicialmente, comparamos as propostas apresentadas no capítulo
4, feitas por vários autores, que visam a explicar os fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala
dos indivíduos DEL. Verificamos que os dados obtidos nesta tese poderiam ser mais bem
explicados adotando-se, pelo menos em parte, a proposta de Wexler (1998) e de Wexler,
Schütze e Rice (1998). Ou seja, parece haver algo na gramática da criança DEL que a impede
de valorar traços de tempo e de aspecto em uma mesma forma verbal. Daí a adoção da
propriedade de Restrição de Checagem Única para explicar a alternância de morfemas
relativos a tempo e a aspecto na fala de VA. Derivando destes achados, propusemos que a
projeção de Tempo, considerada por Chomsky (1998, p.15), como uma única projeção, em
que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e estrutura de evento”,
provavelmente deve ser representada na gramática mental como duas projeções dissociadas.
Ou seja, a camada flexional parece ser dividida em pelo menos duas projeções: a de tempo e a
de aspecto. Por fim, demos algumas explicações para as formas verbais esperadas e não
esperadas que surgiram na fala de VA após a aplicação dos testes.
231
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta tese teve como objetivo principal entender como as categorias funcionais, tempo
e aspecto, estão representadas nas gramáticas de crianças com DEL.
Para cumprirmos o objetivo estabelecido nesta tese, realizamos um estudo descritivo
sobre o quadro teórico que embasa esta tese, que é a teoria da gramática gerativa.
Apresentamos também propostas que visam a explicar o status das categorias funcionais na
gramática mental das crianças em fase normal de aquisição de linguagem e trouxemos
abordagens que visam a dar explicações para os fenômenos lingüísticos ocorrentes na fala da
criança DEL.
Realizamos um estudo de caso e, para isso, analisamos, na fala da criança
diagnosticada como sendo DEL, as categorias tempo verbal e aspecto verbal. Elaboramos e
aplicamos testes de eliciação de verbos no tempo presente com aspecto progressivo, pretérito
imperfeito com aspecto progressivo, sendo as duas formas verbais uma perífrase, composta
por auxiliar e gerúndio. Eliciamos ainda, sob forma de uma só palavra, verbos no tempo
pretérito perfeito, portanto, com aspecto perfectivo e tempo presente com aspecto habitual.
Verificamos, nos resultados obtidos da eliciação de tempo presente e tempo pretérito
imperfeito, ambos com aspecto progressivo, uma dissociação de tempo verbal, de um lado, e
de aspecto verbal, de outro lado. Isso porque a criança DEL apresentou sentenças em que
morfemas de tempo e de aspecto estavam presentes, mas também apresentou sentenças em
que havia somente um dos morfemas. Constatamos também um bom desempenho, por parte
da criança DEL ora investigada, nas tarefas de eliciação de tempo pretérito perfeito e aspecto
perfectivo e de tempo presente com aspecto habitual.
No que diz respeito ao quadro advindo da fala da criança DEL em situação de testes de
eliciação, verificamos um paralelismo entre os dados obtidos nesta pesquisa e as propostas
feitas por Wexler, Schütze e Rice (1998), em que se analisou a fala de crianças DEL, e por
232
Wexler (1998), em que se analisou a fala de crianças em fase normal de aquisição de
linguagem. Para estes autores, as crianças ora omitem de sua fala o tempo verbal, ora omitem
a concordância verbal e, para Wexler (1998), tal desempenho lingüístico se deve a uma
propriedade de Restrição de Checagem Única que atuaria na gramática da criança no período
de aquisição de linguagem. Ou seja, haveria algo, na gramática da criança, que a impediria de
checar (usando o termo utilizado pelo autor) os traços tanto em tempo quanto em
concordância. Antes, sua gramática permitiria somente a escolha de uma representação para
checagem de traços: ou a de tempo ou a de concordância.
Da mesma forma como Wexler analisou seus dados percebendo que havia uma
restrição no nível mental para a ocorrência simultânea de morfemas relativos a tempo e
concordância, verificamos que há uma restrição para que haja ocorrência simultânea de
morfemas de tempo e de aspecto na fala da criança DEL. Ou seja, nesta tese, pudemos
verificar que a alternância tempo e aspecto se faz presente na gramática mental da criança
DEL e, portanto, sugerimos que a propriedade de Restrição de Checagem Única se estende à
relação de categorias funcionais: tempo verbal e aspecto verbal.
No que diz respeito ao bom desempenho nas tarefas de eliciação de tempo pretérito
perfeito/ aspecto perfectivo e tempo presente/ aspecto habitual, sugerimos que, neste caso, a
criança ainda está tendo um bom desempenho em tempo em detrimento de aspecto e viceversa. O raciocínio é o seguinte: se quando há duas palavras na forma verbal eliciada, uma
marcando tempo e outra marcando aspecto, a criança DEL demonstra, de um modo geral, ter
em seu output lingüístico uma só categoria, provavelmente ocorre o mesmo nos casos de
eliciação de pretérito perfeito e aspecto perfectivo e de tempo presente e aspecto habitual. Ou
seja, nas situações em que há eliciação de uma só palavra, na qual haveria um morfema que
acumula tanto a noção de tempo quanto a noção de aspecto, conforme é o caso das duas
formas em questão, ora o morfema apareceria porque os traços de tempo foram valorados, ora
o morfema apareceria porque os traços de aspecto foram valorados. Daí o aparente
233
desempenho alto na produção das duas formas verbais: pretérito perfeito/ aspecto perfectivo e
presente/ aspecto habitual, por parte da criança DEL investigada nesta tese.
Conforme já exposto, adotamos a Restrição da Checagem Única para explicar a
alternância de tempo verbal e de aspecto verbal na fala da criança DEL pesquisada nesta tese.
Assumimos que a gramática da criança DEL não está exatamente omitindo a projeção de
tempo ou a de aspecto. Antes, tais projeções estariam sempre disponíveis na gramática mental
da criança DEL, tanto é assim que há inúmeros exemplos em que a criança produz sentenças
com morfemas tanto de tempo quanto de aspecto. O que parece ocorrer é que o déficit
sintático da criança DEL está ligado a uma propriedade da gramática que impede, em algumas
situações, a dupla valoração de traços semanticamente motivados: os traços de tempo e os
traços de aspecto.
A adoção da Restrição de Checagem Única para explicar os dados obtidos nesta tese é
desejável principalmente pelo seguinte motivo: há uma extensão de uma explicação para a
gramática da criança em fase de aquisição de linguagem para os fenômenos que ocorrem na
gramática dos indivíduos DEL. Isso é interessante, pois a criança DEL não apresenta, em seu
output lingüístico, estrutura que não esteja presente no output lingüístico da criança em fase
normal de aquisição de linguagem e mesmo de indivíduos adultos.
Após a averiguação dos dados e da sugestão de dissociação, na fala da criança DEL,
de produção de morfemas relativos a tempo, de um lado, e de morfemas de aspecto, por outro
lado, propusemos que a projeção de Tempo, considerada por Chomsky (1998, p.15), como
uma única projeção, em que “T(empo) é uma categoria funcional, expressando tempo e
estrutura de evento”, provavelmente deve ser representada na gramática mental de um
indivíduo adulto como duas projeções dissociadas. A camada flexional, então, parece ser
dividida em pelo menos duas projeções: uma específica de tempo e outra específica de
aspecto. Desta forma, pensamos haver evidências para a confirmação da hipótese estabelecida
nesta tese.
234
Há, entretanto, alguns pontos derivados das explicações feitas para os dados obtidos
em nossa pesquisa que ficam em aberto para futuras investigações. Um deles está relacionado
à explicação para a motivação da atuação da propriedade de Restrição de Checagem Única,
conforme delineamos na seção 7.4. Qual seria o motivo para que haja restrições na valoração
dupla de traços semanticamente motivados em algumas situações? Apresentamos algumas
suposições naquela seção que podem servir de ponto de partida para futuras pesquisas.
235
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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243
ANEXO A – TESTES DE PRODUÇÃO DE TEMPO E ASPECTO USADOS NO
DIAGNÓSTICO DE DEL
Os testes lingüísticos relativos à produção de tempo e de aspecto usados como critério
para o diagnóstico do DEL foram retirados de Macacchero (2004). A autora cedeu-nos as
gravuras para que procedêssemos à aplicação dos testes. Estes testes também foram aplicados
nas crianças controle. A seguir, apresentamos os testes aplicados.
Presente Progressivo
A examinadora fazia a pergunta para a
criança
e
mostrava
uma
figura
correspondente ao que se esperava obter na
resposta da criança. Era perguntado o
seguinte: o que está acontecendo aqui? As
respostas esperadas eram:
Pretérito Imperfeito Progressivo
A moça está penteando o cabelo.
A examinadora falava que iria mostrar
gravura de coisas que já haviam acontecido
há muito tempo. Em seguida, fazia a
pergunta para a criança e mostrava uma
figura correspondente ao que se esperava
obter na resposta da criança. Era perguntado
o seguinte: o que estava acontecendo aqui?
As respostas esperadas eram:
A moça estava rindo.
A moça está coçando a cabeça.
A moça estava comendo um sanduíche.
O menino está mamando na mamadeira.
A moça estava descendo a escada.
O neném está mamando no peito da mãe.
A menina estava chupando sorvete.
As crianças estão brincando.
A moça estava amarrando o biquíni.
O menino está chorando.
A menina estava pulando corda.
A moça está tomando banho.
A menina estava dando a bola ao
O cachorro está pulando.
cachorro.
A moça está correndo.
O neném estava engatinhando.
As crianças estão dormindo.
O neném estava alcançando a tomada.
As crianças estavam lendo um livro.
244
Pretérito Perfeito/Perfectivo
Presente Habitual
Para os testes com o tempo verbal no
As perguntas feitas nesta bateria foram:
Pretérito Perfeito, foram usadas duas figuras
em cada quadro apresentado ao menino
DEL: a primeira com a ação incompleta e a
segunda com a ação terminada. O menino
deveria preencher a lacuna, oralmente.
Aqui a menina vai calçar o sapato; aqui
O que a mãe faz quando a criança não
ela já...
obedece? ...
Aqui os pintos estão quebrando os ovos;
O que cachorro bravo faz quando a
aqui eles já...
pessoa chega perto? ...
Aqui o cachorro está comendo; aqui ele
O que as pessoas fazem quando estão
já...
cansadas? ...
Aqui o navio está chegando no farol; aqui
O que as crianças fazem quando vão à
ele já...
praça?...
Aqui o sorvete está inteiro; aqui alguém...
O que você faz todo dia?
Aqui o menino caiu; e aqui o que
Presente não-habitual
aconteceu com o seu joelho...
Aqui o pintor está começando a pintar o
quadro; aqui ele já...
A boneca é um presente; a moça vai fazer
o embrulho; aqui ela já...
Aqui é noite e o menino está dormindo;
Para a aplicação destes testes, foram
contadas as histórias de “Beto e Bia no
dia-a-dia” e “Bia tagarela” de Cozzi,
Tânia et al. (in Macacchero, 2004).
O que o pai de Beto e Bia faz aqui?
aqui ele já...
O que é que Bia faz na história?
O cano está furado; a moça chamou o
O que Beto e Bia fazem na pia?
bombeiro; aqui ele já...
O que Beto faz aqui?
O que Bia faz aqui?
VA deu 100% das respostas esperadas nas tarefas em que se solicitava a produção de
tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo. O menino também demonstrou ter se saído bem
nas tarefas em que se esperava a produção de tempo presente/ aspecto habitual e não habitual,
pois deu 80% das respostas esperadas. Nas tarefas de produção de tempo presente e aspecto
progressivo, o menino respondeu às perguntas, usando somente a forma no gerúndio, em 40%
das vezes. Nos testes em que esperavam respostas com tempo pretérito imperfeito, com
245
aspecto progressivo, o menino respondeu com o auxiliar no presente, acompanhado de uma
forma no gerúndio, em 40% das vezes. Diante destes resultados, há uma sugestão de que a
criança DEL investigada neste trabalho tem dificuldades na produção de tempo verbal.
As crianças controle deram, cada uma, o total das respostas esperadas nas tarefas em
que se esperavam respostas no pretérito perfeito, no presente habitual e não habitual e no
presente, com aspecto progressivo. Estas mesmas crianças controle deram, cada uma, quase o
total de respostas esperadas (90%), no caso das tarefas em que se esperavam as perífrases
“auxiliar no pretérito imperfeito + gerúndio”.
246
ANEXO B – TESTES DE COMPREENSÃO USADOS PARA DIAGNÓSTICO DE
DEL
Os testes de compreensão de sentenças relativas de sujeito e relativas de objeto
aplicados no menino VA e nas crianças controle foram retirados de Hermont (1999). O teste
consistia na demonstração de gravuras e na fala de uma sentença. A fala da sentença era
simultânea à demonstração da gravura e a criança deveria responder se a sentença
correspondia ou não ao desenho.
Abaixo estão as sentenças, cujas gravuras foram
apresentadas às crianças, sendo (V) verdadeiro (ou seja, a gravura correspondia à sentença
falada) e (F) falso (isto é, a gravura não correspondia à sentença falada). À frente da sentença
apresentada à criança, colocamos a palavra “ERROU”, quando o desempenho do menino
DEL investigado nesta tese não foi correspondente ao esperado. Vale dizer que as crianças
controle obtiveram um desempenho de 100% nas tarefas de compreensão de sentenças
relativas de sujeito e de sentenças relativas de objeto.
1)
2)
3)
4)
RS(V) o homem que empurra o menino está usando camisa vermelha
RS (V) a menina que está fotografando a enfermeira é loura.
RS(V) o guarda que ameaça o índio está usando calça azul. ERROU
RS (V) a mulher que enxuga a criança tem cabelo preto.
5)
6)
7)
8)
RS ( F) o menino que empurra o homem está usando camisa vermelha.
RS (F) a enfermeira que está fotografando a menina é loura. ERROU
RS (F) o índio que ameaça o guarda está usando calça azul.
RS ( F) a criança que enxuga a mulher tem cabelo preto.
9) RO (V) a criança que a mulher enxuga é loura. ERROU
10) RO (V) o velho que o menino puxa tem cabelo castanho. ERROU
11) RO (V) o médico que o paciente briga tem cabelo preto.
12) RO (V) o aluno que a professora xinga tem cabelo castanho.
13) RO (F) a mulher que a criança enxuga é loura. ERROU
14) RO (F) o menino que o velho puxa tem cabelo castanho.
15) RO (F) o paciente que o médico briga tem cabelo preto. ERROU
16) RO (F) a professora que o aluno xinga tem cabelo castanho. ERROU
VA acertou mais nas tarefas de compreensão de sentenças relativas de sujeito do que na
compreensão de sentenças relativas de objeto. De acordo com a literatura, as crianças DEL
247
têm mais dificuldade de compreender sentenças relativas de objeto do que sentenças relativas
de sujeito. Desta forma, temos mais uma sugestão que o menino VA, investigado nesta tese,
tem problemas lingüísticos que o levam a ser classificado como DEL.
248
ANEXO C – FALAS ESPONTÂNEAS DE VA E DA CRIANÇA COM MESMO
MLU QUE VA
A seguir, apresentamos as falas espontâneas do menino VA, considerado DEL e
pesquisado nesta tese, e da criança controle com o mesmo MLU, que tinha dez anos.
Devemos ressaltar que a primeira fala de VA foi estimulada com o tema “He Man e
esqueleto” (a criança tinha, em mãos, os bonecos “He Man” e o “esqueleto”) e a segunda fala
relacionava-se a uma história em quadrinhos anteriormente contada ao menino. A fala da
criança controle apresentada aqui é um reconto de uma das histórias contada em situação de
teste. Vale dizer que VA, principalmente na primeira fala, é estimulado pela pesquisadora
constantemente, pois o menino se recusava a contar histórias e a inventá-las.
Por fim, temos que esclarecer que o MLU das duas crianças foi medido em segundos,
tendo em vista que algumas falas de VA não inteiravam um minuto.
VA
He man e o esqueleto.
Em 18 segundos (18 palavras): Esqueleto queria acabar o mundo inteiro. Aí o He Man lutou
com o esqueleto. Aí ele venceu.
A pesquisadora intervém e solicita ao menino que amplie sua história.
Em 14 segundos (37 palavras): Aí esqueleto foi embora. Aí esqueleto veio de novo. Aí um dia
o esqueleto acabou vencendo o He Man. Aí metade do mundo já tinha acabado. Aí o He Man
voltou, lutou, lutou e venceu de novo.
54 palavras em 31 segundos = 1,74 palavra por segundo.
História do Cascão
O Cascão tava brincando, né? Aí começou a feder. Todo mundo foi embora. Aí ficou
Cebolinha. Aí tava triste... Aí Cebolinha falou: “- Vou chamar para brincar.” Aí falou assim:
Vou pegar a minha bola, tá lá em casa. Pegou a bola, brincou, brincou. Aí ele cansou. Aí ele
foi guardou a bola. Aí o Cascão falou assim: pega seu carrinho para nós brincar. Aí pegou o
carrinho para brincar. Brincou, brincou, brincou. Aí saiu e o Cascão mandou pegar a revista.
Aí ele foi e pegou. Aí ficou vendo revista. Aí guardou revista. Aí o Cascão chamou ele para ir
na casa dele. Chegou na casa dele mostrou o pneu. Aí Cebolinha entrou dentro do pneu. Aí o
Cascão empurrou ele. O Cebolinha bateu na lata de lixo. Aí o Cascão... O Cebolinha foi
249
embora para tomar banho.E aí Cebolinha falou assim: - amigo que é amigo gosta do jeito que
é. Aí o Cascão falou assim: você é limpinho, mas é amigo.
163 palavras em 94 segundos = 1,73 palavra por segundo.
Criança Controle com mesmo MLU da criança DEL – 10 anos
Reconto da história “Beco Barroso”
Um dia tinha uma loja de animais que tinha muitos cachorros. Um deles chamava Beco
Barroso. Na loja, um dia tinha uma pessoa querendo comprar. E ele vivia na loja cheia de
cachorros. Ele gostava da loja, brincava muito. E pensava que sempre vinha um menino para
comprar os amigos e ele. E ele, passou um menino e ele pensou que ia ser ele. Falava: tem
que ser ele. Não, ele gostou foi do Boxer. E o menino comprou o Boxer. Aí ele pensava que
poderia ser o próximo. Aí tinha muitos cachorros amigos dele. Aí chegou uma menininha. Aí
ela queria o Pompom, muito bonitinho. Tomara que venha logo o meu menino, falou o Beco
Barroso. Chegou um homem e foi lá e comprou o cão pastor. Claro, só podia ser ele. Aí
apareceu uma linda pessoa. Uma menina, ela comprou um... foi embora com seu cachorro.
Qual é o nome deste cachorro?
Entrevistadora: -Ah, tem uns que não têm nome não.
Criança: - Eu posso inventar nome?
Entrevistadora: -Pode...
Criança: - Pelúcia, a menina chamava Pelúcia. Aí foi apareceu um menino. Aí sobrou o Beco
Barroso e o Malhado. O menino gostou do Malhado. Aí o Beco Barroso ficou muito triste. O
dono estava quase fechando a loja, aí apareceu um menino mau. E o cachorro não queria ficar
com ele. Ele gritou forte: pare com isso. Ele foi, o dono da loja, tava tarde, ele queria fechar.
Apareceu um menino querendo comprar um cachorrinho. É o meu menino! É o meu menino!
Claro que é. Aí foi, o menino gostou do Beco Barroso e foi lá e comprou ele. O dono da loja
contou: esse dinheiro não dá, diz o dono da loja. O menino ficou muito triste. Vende ele,
vende ele, disse ele. Aí o menino falou: não posso comprá-lo. Aí foi o dono da loja deixou. Aí
o menino e o Beco Barroso ficaram felizes para sempre.
309 palavras em 3 minutos (180 segundos) – 1,71 palavras por segundo.
250
ANEXO D – HISTÓRIAS CONTADAS NAS PRIMEIRAS BATERIAS DE
TESTES DE ELICIAÇÃO
A seguir, apresentamos as histórias contadas às crianças. São baseadas nas histórias de
Jean Bethell, tradução para o português feita por Eboli (197 ?).
BECO BARROSO
Como vai você?…
Meu nome é Beco Barroso.
Vivo numa loja de bichos. Todos são meus amigos. Aqui nós brincamos à beça.
Gosto da loja dos bichos, mas não quero ficar aqui. Quero viver numa casa com um menino.
Estou esperando um menino que goste de mim. Tomara que ele venha logo.
Aí vem um menino. Será que vai gostar de mim? Tomara que sim.
Não, ele gostou do Boxer. O Boxer é bonitão mesmo. O menino comprou o Boxer e vai com
ele para casa. Estão muito felizes. Adeus, Boxer. Tomara que o MEU menino venha logo.
Aí vem alguém! Será a minha vez? Tomara que sim.
Não, é uma menina. Ela gostou do Pompom. O Pompom é bonitinho. A menina comprou o
Pompom! E vai com ele para casa. Como parecem felizes! Adeus, Pompom.
Tomara que o MEU menino venha logo. Alguém está chegando! Talvez seja o MEU menino!
Não, é um homem! Acho que já sei o cão que ele quer. Isso mesmo, o Cão Pastor. Não podia
ser outro. O homem comprou o Pastor. Parecem felizes. Adeus, Pastor.
Tomara que o MEU menino venha logo!
Todos os dias a lojinha fica cheia de meninos e meninas. Todos os dias vão embora cachorros
com seus meninos e meninas, e todos parecem felizes!
Onde está o MEU menino? Será que ele não vem me buscar?
Hoje só ficamos nós dois na lojinha. Eu, Beco, e meu amigo Malhado. Ainda estamos
esperando. Aí vem alguém! É um menino! Quem sabe? Quem sabe? Quem sabe é o MEU
menino? Não, ele gostou do Malhado. O menino comprou o Malhado. Já está levando o
Malhado para casa. Adeus, Malhado. Adeus, Malhadinho.
Agora, todos os amigos se foram. Estou sozinho. Não é bom ficar sozinho. Eu queria tanto
que o MEU menino viesse!
Aí vem alguém! É um menino! Até que enfim! Não, este não pode ser o MEU menino. Este
menino me quer. Mas eu não o quero. Está querendo me levar para casa, mas eu não quero ir
com ele. Pare com isso (gravura: o menino puxa o rabo e as orelhas de Beco Barroso). Solteme! Pare com isso! Toma! (Beco Barroso morde o nariz do menino.) Este menino é doido.
251
Mas eu estou contente. Que alívio! Mas eu não quero ficar sozinho. Tomara que o MEU
menino venha logo me buscar. Já é muito tarde. O dono da loja quer ir embora e eu vou ficar
sozinho a noite toda. Acho que o MEU menino não virá nunca mais. Alguém está vindo! Não
quero nem olhar. Pode ser, pode ser... É o MEU! – É um menino! É o MEU! –É um menino!
Claro que é ele. Estou feliz! Você demorou um bocado! Já vai comprar-me. Depois vamos
para casa. Vamos. Vamos. Vamos embora! Por que não vamos logo para casa? O dono da loja
está contando o dinheiro. “Esse dinheiro não dá...”, diz ele.
O MEU menino ficou muito triste. “É todo o dinheiro que eu tenho”, diz ele.
Não pode comprar-me. Não pode levar-me para casa.
“Por favor”, diz ele, “Beco é tão pequenino!”
O homem olha para mim. Olha para o menino. Pensa, pensa, pensa.
E então ri.
“Está bem”, diz ele. “Beco é um cachorrinho pequeno. E eu quero vendê-lo antes de fechar a
loja. Está bem, pode levá-lo”.
Oba! Oba! Oba! Ganhei enfim um amigo!
“Vamos, Beco”, diz o meu amigo. “Vamos para casa”.
Adeus, loja de bichos!
Adeus, dono da loja! Eu agora tenho uma casa e o MEU menino!
Acho que todos os cachorrinhos do mundo deveriam ter um menino-amigo. Você não acha?
BECO BARROSO E O GATO
Olá! Sou o Beco Barroso! Vocês se lembram de mim?
Esta é a minha casa, gosto tanto daqui! Estão vendo? É a minha cama. Aqui está o meu prato.
E olhem quantos brinquedos eu tenho. Gosto muito de brincar. Sou um cachorrinho feliz!
Aí vem o Zeca. Zeca é o meu amigo, vocês sabem. Acho que todos os cachorros precisam de
um menino, vocês não acham? Zeca precisa de mim também. Sou o seu melhor amigo. O que
é que você tem aí nas mãos, Zeca?
Será um cachorro? Não, Zeca. Você não precisa de dois cachorros. EU sou o seu cachorro.
EU, Beco! Mas o que será isso? Que poderá ser? Xi! É um GATO!
Oi, gato... Ui! Pare com isso!
Zeca, eu não gosto deste gato. Leve-o embora. Dá o fora, gato! Sai do meu prato! Pare com
isso! Larga o meu brinquedo! Aí não! Não e não! Sai da minha cama! Chega! Dá cá o meu
patinho. Zeca, por favor! Leve este gato embora daqui. Você não precisa dele. Você tem a
mim. Eu sou o SEU cachorro. E você é o MEU menino. Olhe para mim, Zeca. Olhe! Sou EU
– Beco Barroso!
Puxa, ele me mandou embora! Zeca me mandou embora! Ele não gosta mais de mim. Ele
gosta daquele Gato. Eu queria tanto que aquele gato desse o fora...
Lá está o Gato. Onde será que ele vai? Vai saindo porta afora. Já vai tarde, Gato. Lá vai ele
pela rua. E já vai tarde. Está subindo no caminhão. No caminhão da leiteria. Entrou no
caminhão e está lambendo o leite. Epa!... O homem não viu o Gato! Xi!... Ele fechou a porta
do caminhão! O caminhão está indo embora. Adeus, Gato! Já vai tarde... Não há mais gato
por aqui.
Estou feliz. Zeca voltará a ser meu amigo. Aí vem ele. Perdeu alguma coisa? Está procurando
o gato. Eu sei onde ele está. Mas não digo nada.
Zeca procura, procura, procura... Mas nada de encontrar o Gato. Puxa, ele está triste mesmo!
Não fique triste, Zeca. Brinque comigo. Eu vou alegrar você, está bem? Mas Zeca ainda está
triste. Ele quer mesmo o Gato. Zeca é meu amigo. Eu não quero vê-lo triste. Vou dizer onde
foi o Gato.
252
Anda, Zeca, vem cá. Vou te mostrar onde o Gato está. Por aqui, Zeca. Vamos até ele. Vamos,
Zeca. Confie em mim. O caminhão, o caminhão! Ele está lá dentro do caminhão! Vamos
correndo, temos que alcançar o caminhão. PÁRA! PÁRA! Pára o caminhão!
Vamos, Zeca, depressa, abra a porta!
Lá está ele, o malandro! O malandro do gato... Zeca ficou tão feliz! O gatinho também! Não
precisam mais de mim...Ué, O que é isto, Zeca? Olhem! Zeca também gosta de mim.
Eu... O que é isto, Gato? Olha só, o Gato gosta de mim também. Agora tenho dois amigos.
EU BEM DISSE A VOCÊS: SOU UM CACHORRINHO FELIZ!
BECO BARROSO NO CAMPING
Olá! Meu nome é Beco Barroso! Este é meu amigo Zeca.
Vejam só! O Zeca e seu pai vão fazer camping. Ah... eu vou também fazer camping. Espero
que eles me levem. O camping é legal! Come-se cada coisa boa... Puxa! Aquilo parece ótimo!
O Zeca e o pai já estão prontos para partir. Eu também. Esperem por mim!
Eu... algo errado? Eu não posso ir ao camping com vocês? Por que não? Eu me comporto. E
vou ajudar. Eh... esperem por mim! Deixem-me ir com vocês! Eu não quero ficar em casa!
Quero ir ao camping. E vou mesmo!
Puxa, que viagem longa! Tomara que cheguemos logo. Enfim, chegamos! Espero que eles
gostem de me ver. Ou será que vão se zangar?
Xi... ficaram zangados! Não se zanguem. Eu vou me comportar. Vou ajudar a levantar a
barraca. Epa, vejam só... Vou ajudá-los. Vou puxar esta caixa. Cuidado, Zeca! Cuidado com
os ovos! Ih! Olha o que aconteceu!
Agora vamos pescar. Vou ajudar na pescaria. Zeca, você pegou um peixe. Não deixe ele
fugir! Vou segurar para ele. Ora... escapuliu! Acho que eles estão zangados comigo. Puxa,
ainda estão zangados comigo! Por que será? Eu só queria ajudar...
Olhe o bolo! Quem deu esta dentada? Não, Zeca! Juro que não fui eu! Já é hora de dormir. Eu
também quero dormir na barraca... Aqui fora é muito escuro...
Ah... eles não gostam de mim. Epa, venham ver! É um urso! Foi ele quem comeu o bolo. E
eles disseram que tinha sido eu. Por mim... pode comer tudo que eu nem ligo! Eles puseram a
culpa em mim... Puxa, vejam só! Que faço agora? Preciso avisar o Zeca e o pai. Preciso
acordá-los. Acorda, Zeca! Por favor, acordem! Sou eu, Beco, Beco Barroso.
Vejam! Ursos! Dois brutos ursos! Caiam fora, ursos malandros! Vou ajudar o Zeca. Adeus,
ursos! E não se atrevam a voltar!
Espero que eles não estejam zangados agora. Eu só queria ajudar.
O que é que há?! Fiz alguma coisa errada?
Ah, eles gostam de mim! Até que enfim: fiz alguma coisa certa.
253
ANEXO E – TESTES DE ELICIAÇÃO DE TEMPO E DE ASPECTO
Nas tarefas de eliciação, criávamos oportunidades para que as crianças produzissem as
formas verbais em estudo. Tais oportunidades se davam a partir de perguntas feitas pela
pesquisadora. A seguir, apresentamos as perguntas, seguidas de menção às histórias e às
gravuras a que estávamos nos referindo. Apresentamos também as respostas esperadas.
254
TEMPO PRESENTE/ ASPECTO PROGRESSIVO
1ª bateria: tema – Beco Barroso e o gato
Contação da história, apresentação posterior de
gravuras do livro e pergunta eliciadora: O que
está acontecendo aqui?
Pergunta 1
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Beco Barreiro está lambendo o menino (Beco Barroso
e o gato, capa).
Pergunta 2
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Beco Barroso está comendo (Beco Barroso e o gato,
p. 5).
Pergunta 3
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Beco Barroso está jogando o osso para cima (Beco
Barroso e o gato, p.7).
Pergunta 4
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Beco Barroso está pulando na perna de Zeca. (Beco
Barroso e o gato, p.11).
Pergunta 5
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Beco Barroso está correndo atrás do gato. (Beco
Barroso e o gato, p. 19).
Pergunta 6
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Zeca está segurando o gato. (Beco Barroso e o gato,
p.9).
Pergunta 7
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Zeca está brincando com o gato/Beco Barroso está
olhando o gato. (Beco Barroso e o gato, p.17).
Pergunta 8
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele
está latindo. (Beco Barroso e o gato, p. 18).
Pergunta 9
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:
Zeca está brincando com o gato/O Beco está
chorando. (Beco Barroso, p. 23).
Pergunta 10
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele
está bebendo o leite. (Beco Barroso e o gato, p. 31).
56
2ª bateria: tema – Turma da Mônica, do livro: O
Aurélio com a Turma da Mônica - Página 96
Comando dado pela pesquisadora: Nesta gravura,
todas as crianças estão brincando. Agora me
responda: o que cada uma delas está fazendo?56
Pergunta 1
O que o Titi está fazendo? ________________
Resposta esperada: está empinando papagaio.
Pergunta 2
O que o menino (Do contra) está fazendo?
____________ Resposta esperada: está rodando pião.
Pergunta 3
O que o Pelezinho está fazendo?
____________ Resposta esperada: está andando de
patins.
Pergunta 4
O que a Magali está fazendo? _______________
Resposta esperada: está pulando amarelinha.
Pergunta 5
O que o menino está fazendo? _______________
Resposta esperada: está chutando a bola.
Pergunta 6
O que a Mônica está fazendo?_________ Resposta
esperada: está gangorrando.
Pergunta 7
O que a menina está fazendo?____________
Resposta esperada: está abraçando a boneca.
Pergunta 8
O que o Xaveco está fazendo? __________ Resposta
esperada: está escorregando.
Pergunta 9
O que a menina está fazendo? ___________ Resposta
esperada: está brincando de bambolê (Página 97).
Pergunta 10
O que o Zé Lelé está fazendo?________ Resposta
esperada: está tocando viola (Página 98).
Conforme explicitado no capítulo 5, uma forma verbal no gerúndio era a mais provável de ocorrer na fala das
crianças. Colocamos, entretanto, como respostas esperadas neste teste, a perífrase “presente + gerúndio” para
tornar a leitura mais clara.
255
3ª bateria: tema – Turma da Mônica
4ª bateria: Tema - (Livro: O Aurélio com a Turma
da Mônica - Página 46)
Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai
observar algumas gravuras da Turma da Mônica.
Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai
Eu vou falar algumas frases e você vai completar
observar esta gravura da Turma da Mônica. Eu
de acordo com o que você está vendo nas gravuras.
vou falar algumas frases e você vai completar de
acordo com o que você está vendo na gravura.
Pergunta 1
Pergunta 1
Aqui a Mônica e o Cebolinha estão dando as mãos.
Aqui o casal está atravessando a rua e aqui o
Aqui a Mônica _________________________ Franjinha _________ Resposta esperada: está
Resposta esperada: está abraçando o coelhinho.
passeando com o cachorro.
Pergunta 2
Pergunta 2
Aqui Cebolinha está entregando o coelhinho para a
Aqui o gatinho está andando no fio e aqui os
Mônica.
passarinhos ____________ Resposta esperada: estão
Aqui o Anjinho _________________________
cantando.
Resposta esperada: está sorrindo.
Pergunta 3
Aqui este homem está olhando o movimento pela
Pergunta 3
Aqui a sereia está cantando e aqui o indiozinho
janela e aqui este homem _________ Resposta
______________ Resposta esperada: está voando.
esperada: está caminhando na calçada.
Pergunta 4
Pergunta 4
Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento.
Aqui a Tina está saindo da loja com um vaso de flor e
Aqui o Chico Bento_____________________
Resposta esperada: está chegando/ está trazendo aqui o Cascão _______ Resposta esperada: está
flores.
correndo.
Pergunta 5
Aqui a mãe está abrindo a porta.
Pergunta 5
Aqui o neném ___________________ Resposta Aqui o garçon está chamando as pessoas para entrar
no restaurante e aqui a Magali __________ Resposta
esperada: está passando batom.
esperada: está comendo.
Pergunta 6
Aqui a Mônica está carregando os pais dela.
Pergunta 6
Aqui a Mônica _______________ Resposta esperada: Aqui o Cebolinha está passeando na praça e aqui esta
está abraçando/apertando a almofada.
moça ________ Resposta esperada: está lendo.
Pergunta 7
Aqui o Rolo está mexendo no computador.
Pergunta 7
Aqui o Astronauta ___________ Resposta esperada: Aqui o carro de bombeiros está andando rápido na rua
está desenhando um coração.
e aqui o avião _______ Resposta esperada: está
Pergunta 8
voando.
Aqui a cachorrinha está chamando o Bidu.
Aqui o Franjinha _________________ Resposta
Pergunta 8
esperada: está olhando/namorando a menina.
Aqui este homem está pilotando a moto e aqui este
Pergunta 9
homem ________ Resposta esperada: está
Aqui a Thuga está pensando no Piteco.
Aqui o Cascão e a Maria Cascuda __________
correndo/está caçando borboletas.
Resposta esperada: estão namorando/passeando no
rio.
Pergunta 9
Aqui os carros estão andando na rua e aqui a velhinha
Pergunta 10
___________ Resposta esperada: está dormindo.
Aqui, a Tina está ouvindo música e pensando no
namorado.
Pergunta 10
Aqui o bombeiro está consertando o encanamento e
Aqui, a médica _________ Resposta esperada: está
fazendo exames.
aqui esta mulher _________ Resposta esperada: está
estendendo roupa.
256
5ª bateria: Tema - Acampamento com Pato
Donald e seus sobrinhos
6ª bateria: Outros temas - (1) a Galinha Ruiva e
(2) crianças se divertindo
Comando dado pela pesquisadora: Os sobrinhos
do Pato Donald estão no acampamento. Agora
vamos ver algumas coisas que estão acontecendo
lá.
Pergunta 1
Comando dado pela pesquisadora: agora, vou te
mostrar gravuras da história da galinha ruiva e
mostrar gravuras de outras histórias. Depois, vou
te fazer algumas perguntas.
Pergunta 1
Este patinho quer construir uma cabana. O que está
acontecendo aqui? Resposta esperada: ele está
carregando as varas.
Pergunta 2
O outro patinho quer brincar. O que ele está
acontecendo aqui? Resposta esperada: O patinho está
empinando papagaio.
Pergunta 3
Quando a fome aperta, eles vão à cantina. Mas lá tem
uma mulher doida. O que está acontecendo aqui?
Resposta esperada: os patinhos estão correndo com
um vidro cheio de coisas de comer.
Pergunta 4
E o que está acontecendo aqui? Resposta esperada: a
dona está correndo atrás dos patinhos, está xingando.
Pergunta 5
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: os
patinhos estão carregando uvas.
Pergunta 6
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Os
patinhos estão molhando, aguando a árvore.
Pergunta 7
O patinho mandou o avião na cabeça do Tio Donald.
Mas foi sem querer. O que está acontecendo aqui?
Resposta esperada: O Tio Donald está correndo atrás
do patinho, está querendo pegar o patinho.
Pergunta 8
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele
está olhando a paisagem.
Pergunta 9
Olhe o que está acontecendo durante a noite. O que
está acontecendo aqui? Resposta esperada: Está
chovendo.
Pergunta 10
E o que está acontecendo aqui? Resposta esperada: o
esquilo está fugindo da chuva.
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A
galinha está plantando o milho.
Pergunta 2
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A
galinha está quebrando os ovos.
Pergunta 3
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A
galinha está colocando o bolo no forno.
Pergunta 4
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: A
galinha está fazendo o bolo, está misturando o bolo.
Pergunta 5
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: As
crianças estão comemorando um aniversário, estão
cantando parabéns.
Pergunta 6
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: As
crianças estão empinando papagaio.
Pergunta 7
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O
pato está soltando papagaio.
Pergunta 8
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada:o
homem está entrevistando as crianças.
Pergunta 9
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho está lendo um livro.
Pergunta 10
O que está acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho está atirando.
257
A seguir, apresentamos dois exemplos de gravuras que foram usadas no teste de
eliciação de tempo presente/ aspecto progressivo.
A gravura pertencia à bateria 2 e a pergunta feita pela pesquisadora foi: “O que cada
criança está fazendo?”.
258
A gravura pertencia à bateria 3 e a pesquisadora solicitou a produção da forma verbal
da seguinte maneira: Aqui a Rosinha está esperando o Chico Bento. Aqui o Chico
Bento_____________________ .” A resposta esperada era “está chegando/ está trazendo
flores”.
259
Pretérito Imperfeito/ Aspecto Progressivo
1ª bateria: tema – Beco Barroso no Camping
2ª bateria: Tema- (Livro: O Aurélio com a Turma
da Mônica - Página 100)
Contação da história, apresentação posterior de
Teste de preenchimento de lacuna – perífrase
gravuras do livro e pergunta eliciadora, do tipo: O
que Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca
estava cozinhando?57
Comando feito pela pesquisadora: aqui temos uma
gravura de uma festa da Turma da Mônica, que já
aconteceu uns tempos atrás. O que cada pessoa
estava fazendo nesta gravura?58
Pergunta 1
Pergunta 1
O que Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca O que o Rolo estava fazendo? _________ Resposta
estava cozinhando? Resposta esperada: Beco estava
esperada: estava tocando violão.
olhando para a comida... (Beco Barroso no camping,
capa)
Pergunta 2
O que as moças estavam fazendo? _________
Pergunta 2
O que os ursos estavam fazendo enquanto Beco Resposta esperada: estavam ouvindo a música.
estava se escondendo? Resposta esperada: Eles Pergunta 3
estavam comendo. (Beco Barroso no camping, p. 45) O que o neném estava fazendo? ________ Resposta
esperada: estava engatinhando.
Pergunta 3
O que Beco Barroso estava fazendo enquanto a mãe Pergunta 4
estava levando o bolo no carro? Resposta esperada: O que o cachorro estava fazendo? ___________
ele estava olhando, ele estava querendo comer o bolo. Resposta esperada: estava correndo atrás do gato.
(Beco Barroso no camping, p. 7)
Pergunta 5
O que o moço estava fazendo?__________ Resposta
Pergunta 4
O que Zeca estava fazendo enquanto Beco Barroso esperada: estava carregando a panela na cabeça.
estava pulando para pegar o bolo? Resposta esperada: Pergunta 6
Ele estava levantando o bolo. (Beco Barroso no O que o casal estava fazendo?____________
Resposta esperada: estava namorando.
camping, p. 9)
Pergunta 7
Pergunta 5
O que Zeca estava fazendo enquanto Beco Barroso O que as crianças estavam fazendo?_________
estava brincando com as minhocas? Resposta Resposta esperada: estavam brincando.
esperada: Estava calçando as botas. (Beco Barroso no Pergunta 8
O que o Cascão estava fazendo?________ Resposta
camping, p. 27)
esperada: estava batendo/jogando bola.
Pergunta 6
O que o Zeca e o pai estavam fazendo enquanto Beco Pergunta 9
Barroso estava comendo? Resposta esperada: eles O que o menino estava fazendo? __________
estavam cozinhando. (Beco Barroso no camping, p. Resposta esperada: estava tocando tambor.
33)
Pergunta 10
O que o rapaz estava fazendo? ________ Resposta
Pergunta 7
O que o urso estava fazendo enquanto Zeca e o pai esperada: estava dormindo.
estavam dormindo? Resposta esperada: estava
entornando o suco/ comendo o bolo. (Beco Barroso
no camping, p.41/42/47)
Pergunta 8
O que o Beco Barroso estava fazendo enquanto Zeca
estava pescando? Resposta esperada: estava
atrapalhando a pescaria/estava pulando.
Pergunta 9
O que Beco estava fazendo enquanto o urso estava
chegando? Resposta esperada: ele estava chorando.
57
Conforme explicitado no capítulo 5, uma forma verbal no gerúndio era a mais provável de ocorrer na fala das
crianças. Colocamos, entretanto, como respostas esperadas neste teste, a perífrase “pretérito imperfeito +
gerúndio” para tornar a leitura mais clara.
58
Idem.
260
(Beco Barroso no camping, p. 40)
Pergunta 10
O que o Zeca estava fazendo enquanto o Beco
Barroso estava puxando a caixa? Resposta esperada:
estava arrumando as coisas. (Beco Barroso no
camping, p. 24)
261
3ª bateria: tema - livro: O Aurélio com a Turma
da Mônica - Página 100
Teste de Preenchimento de lacunas –
perífrase
4ª bateria: tema – gravuras da Turma da Mônica
Teste de Preenchimento de lacunas –
perífrase
Comando feito pela pesquisadora: agora, você vai
Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai
continuar a observar essa gravura. Eu vou falar
algumas frases e você vai completar de acordo com observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas
o que estava acontecendo na festa.
frases e você vai completar de acordo com o que
você está vendo nas gravuras.
Pergunta 1
Enquanto esta criança estava correndo, este homem
________ Resposta esperada: estava trabalhando.
Pergunta 2
Enquanto o Cascão estava jogando bola, o Cebolinha
e esta menina ________ Resposta esperada: estavam
tampando o nariz.
Pergunta 3
Enquanto o Dudu estava roubando um docinho, a
Magali _________ Resposta esperada: estava
chupando um picolé.
Pergunta 4
Enquanto a vovó estava arrumando a mesa, o
Franjinha ____________ Resposta esperada: estava
fazendo carinho no gato.
Pergunta 5
Enquanto o menino estava dormindo, o outro menino
__________ Resposta esperada: estava amarrando o
sapato.
Pergunta 6
Enquanto o moço estava tocando a buzina do
carrinho, as crianças __________ Resposta esperada:
estavam comendo sanduíche.
Pergunta 7
Enquanto este menino estava comprando balão, estes
outros dois _________ Resposta esperada: estavam
chorando.
Pergunta 8
Enquanto o pai da Mônica e o pai do Cebolinha
estavam trazendo o banco, o neném _______
Resposta esperada: estava engatinhando.
Pergunta 9
Enquanto o menino estava brincando de cabra cega,
estes meninos _________ Resposta esperada:
estavam brigando.
Pergunta 10
Enquanto um balão estava voando, o Anjinho
________ Resposta esperada: estava pegando o balão.
Pergunta 1
Aqui as crianças estavam levando presentes para a
Mônica.
E aqui? A Mônica_______ Resposta esperada: estava
soprando velinha, estava cantando parabéns.
Pergunta 2
Aqui o sanfoneiro estava tocando uma música bem
legal. E aqui? As crianças _________ Resposta
esperada: estavam dançando.
Pergunta 3
Aqui o Cebolinha estava assoviando. E aqui? O
Cascão _________ Resposta esperada: estava rindo.
Pergunta 4
Aqui o Cebolinha estava soprando a velinha. E aqui?
A Magali ___________ Resposta esperada: estava
pedindo bolo.
Pergunta 5
Aqui o Horácio estava saindo do ovo. E
aqui? A pequena dinossaura _________ Resposta
esperada: estava rindo/ estava cantando.
Pergunta 6
Aqui as crianças estavam saindo de dentro do bolo. E
aqui? A Magali _________ Resposta esperada: estava
fazendo bolo.
Pergunta 7
Faça de conta que as duas festas estavam acontecendo
ao mesmo tempo. Aqui a menina estava fazendo o
bolo. E aqui? O Chico Bento ___________ Resposta
esperada: estava cantando parabéns, estava soprando
a vela.
Pergunta 8
Era aniversário do Cascão. Aqui as crianças estavam
cantando parabéns. E aqui? O moço _________
Resposta esperada: estava dando presente para o
Cascão.
Pergunta 9
Aqui, a Mônica estava dando presente para a Magali.
E aqui? A Magali ______ Resposta esperada: estava
olhando para o bolo.
Pergunta 10
262
5ª bateria: tema – Turma do Pato Donald
Comando: Ontem os sobrinhos do Pato Donald
foram para a floresta, para um acampamento.
Aqui temos algumas gravuras do que aconteceu no
acampamento. Vamos ver o que estava
acontecendo lá?
Pergunta 1
O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho estava tirando retrato.
Pergunta 2
O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho estava pesquisando/ olhando a natureza.
Pergunta 3
O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
Patinho estava lendo e observando uma flor.
Pergunta 4
Em uma determinada hora, estava dando a maior
confusão. O que estava acontecendo aqui? Resposta
esperada:O urso estava tentando pegar o Donald.
Pergunta 5
O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho estava lendo.
Pergunta 6
O que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
patinho estava pedindo silêncio.
Pergunta 7
O pateta e os sobrinhos do Mickey estavam de férias
na floresta. O que estava acontecendo aqui? Resposta
esperada: O Pateta estava vendo TV.
Pergunta 8
O que estava acontecendo aqui? Resposta
esperada:Os sobrinhos do Mickey estavam jogando
bola.
Pergunta 9
O Pateta estava brincando de homem das cavernas. O
que estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O
Pateta estava colocando comida no prato.
Pergunta 10
O Tio patinhas é muito rico. Ele adora seu dinheiro.
Ele adora entrar na sala onde está o seu dinheiro e
adora fazer coisas engraçadas. O que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele estava
mergulhando em seu dinheiro.
Aqui a Magali estava roubando o bolo da festa. E
aqui? As crianças _________ Resposta esperada:
estavam correndo atrás da Magali.
6ª bateria: Tema – Zé Carioca e futebol
Comando: Você conhece o Zé Carioca? Ele é um
papagaio que adora futebol. Um tempo atrás,
foram feitas umas gravuras com o Zé Carioca.
Agora, eu vou te mostrar as gravuras. Às vezes, o
Zé carioca era jogador, outras vezes, juiz, médico,
torcedor.
Pergunta 1
Nesta gravura, por exemplo, o que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: Os homens
estavam jogando futebol.
Pergunta 2
E o que estava acontecendo aqui? Resposta esperada:
O Zé Carioca estava vendo o jogo com um binóculo.
Pergunta 3
Neste jogo, o Zé Carioca era o médico. O que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: Ele estava
enfaixando o jogador.
Pergunta 4
Neste jogo, estava caindo uma tempestade. O que
estava acontecendo aqui? Resposta esperada: As
pessoas estavam se afogando.
Pergunta 5
Neste jogo, o Zé Carioca era um torcedor. O que
estava acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé
carioca estava gritando de felicidade.
Pergunta 6
Você conhece o Pelé? Ele foi o maior jogador de
futebol do Brasil. Quando o Pelé fez o gol nº 1000, o
Zé Carioca estava lá. O que estava acontecendo aqui?
Resposta esperada: O Zé Carioca estava carregando o
Pelé.
Pergunta 7
Neste jogo, o Zé Carioca era o jogador. O que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca
estava dando uns chutes.
Pergunta 8
O time do Zé Carioca estava perdendo. O que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca
estava rezando.
Pergunta 9
Neste jogo, a bola furou. O que estava acontecendo
aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca estava
enchendo a bola.
Pergunta 10
Neste jogo, estava a maior confusão. O que estava
acontecendo aqui? Resposta esperada: O Zé Carioca
estava brigando com o outro jogador.
263
A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação
de tempo pretérito imperfeito/ aspecto progressivo.
A gravura pertencia à bateria 1 e a pergunta feita pela pesquisadora foi: “O que o urso
estava fazendo enquanto Zeca e o pai estavam dormindo? As respostas eram “estava
entornando o suco/ comendo o bolo”.
264
A gravura pertencia à bateria 5 e o comando dado pela pesquisadora foi: em uma
determinada hora, estava dando a maior confusão. O que estava acontecendo aqui? A resposta
esperada era: Ourso estava tentando pegar o Donald”.
265
Pretérito Perfeito/ Aspecto Perfectivo
1ª bateria: tema – Gravuras da história do Beco
Barroso no camping e outras gravuras
2ª bateria: Tema: assuntos diversos
Comando dado pela pesquisadora: agora eu vou te
Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai
mostras algumas gravuras. Depois, vou te fazer
observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas
umas perguntas e você me responde, tá?
frases e você vai completar de acordo com o que
você está vendo nas gravuras.
Pergunta 1
Aqui os pintinhos estão quebrando a casca do ovo.
Aqui os pintinhos já _______ (nasceram).
Pergunta 2
O menino estava dormindo. Mas já amanheceu. Aqui
o menino já _____________ (acordou).
Pergunta 1
Aqui o menino ia dar leite para o gato e aí o que
aconteceu? Resposta esperada: o leite caiu.
Pergunta 2
O menino estava doente, de cama e a mãe dele deu
remédio e aí o que aconteceu? Resposta esperada: ele
sarou.
Pergunta 3
Você sabe o que é fazer embaixada? Aqui ele estava
fazendo embaixada com a bola. O que aconteceu
aqui? Resposta esperada: a bola caiu.
Pergunta 4
A menina veio para jogar bola com ele. E aí o que
aconteceu? Resposta esperada: o menino não quis
brincar com a menina.
Pergunta 5
Aqui a galinha estava brincando com os pintinhos. Aí
veio o cachorro. E o que aconteceu? Resposta
esperada: ela cobriu os pintinhos.
Pergunta 6
A Mônica contou que, no final do arco-íris, tinha um
pote cheio de ouro. Aí o que a turma fez? Resposta
esperada: eles correram atrás do pote.
Pergunta 7
Cebolinha estava dirigindo o carro. Aqui o que
aconteceu? Resposta esperada: o carro caiu na lama.
Pergunta 8
Aqui o menino está tranqüilo, pescando e ouvindo
Pergunta 3
Aqui o menino estava pescando. Aqui ele já
___________ (pescou).
Pergunta 4
Aqui o menino saiu de casa para ir à escola. Aqui ele
_______ (chegou).
Pergunta 5
Aqui o menino estava lavando o seu pé na bacia. Aqui
ele ___________ (já lavou).
Pergunta 6
Aqui o menino puxava a corda da barraca para ela
não cair. Aqui ela já ____ (caiu). (Beco Barroso no
camping, p.21 e 22)
Pergunta 7
Aqui Zeca queria calçar as botas. Aqui Zeca já
___________ (calçou). (Beco Barroso no camping, p.
27 e 28)
Pergunta 8
Aqui Beco Barroso queria assustar os ursos. Aqui ele
__________(assustou).
(Beco Barroso no camping, p. 51 e 52)
Pergunta 9
Aqui o pai queria dar um pedaço de bolo para o
música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O que
cachorro. Aqui ele já ________ (deu). (Beco Barroso
aconteceu? Resposta esperada: ele caiu no rio.
no camping, p. 54 e 55)
Pergunta 10
Pergunta 9
Aqui Zeca e seu pai estavam com sono. (Beco
O elefante pisou no pé do lobo. Aí o que aconteceu?
Resposta esperada: o lobo machucou o pé.
Barroso no camping, p. 37) aqui Zeca e seu pai
Pergunta 10
A mãe do Cebolinha fez um bolo. A turma comeu
_____________ (dormiram). (Beco Barroso no
camping, p. 47)
muito. E o que aconteceu aqui? Resposta esperada:
sobraram dois pedaços, a mãe guardou os pedaços.
266
3ª bateria: Tema – Turma da Mônica
Teste de Preenchimento de lacunas –
observação de fichas
4ª bateria: Tema - diversos
Teste de Preenchimento de lacunas –
observação de fichas
Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai Comando dado pela pesquisadora: agora, você vai
observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas observar algumas gravuras. Eu vou falar algumas
frases e você vai completar de acordo com o que frases e você vai completar de acordo com o que
você está vendo nas gravuras.
você está vendo nas gravuras.
Pergunta 1
Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Aqui ele já
Pergunta 1
Aqui os homens foram colher mangas. Aqui eles já
______ Resposta esperada: já caiu.
________. Resposta esperada: colheram.
Pergunta 2
Aqui os meninos queriam carregar o Cebolinha. Aqui
eles já _____ Resposta esperada: carregaram.
Pergunta 3
Aqui o Cebolinha queria subir no poste. Aqui ele já
____ Resposta esperada: subiu.
Pergunta 4
Aqui a Tina queria vestir um vestido bonito. Aqui ela
já _______ Resposta esperada: vestiu.
Pergunta 5
Aqui o Cascão queria muito fazer um gol. Aqui ele já
_______ Resposta esperada: fez.
Pergunta 6
Aqui o indiozinho queria pegar água. Aqui ele já
______ Resposta esperada: pegou.
Pergunta 7
Aqui o Chico Bento queria colocar o espantalho na
horta. Aqui ele já _____ Resposta esperada: colocou.
Pergunta 8
Aqui o Cascão queria muito fazer um chapéu de
papel. Aqui ele já ________ Resposta esperada: fez.
Pergunta 9
Aqui a Mônica queria muito pôr a carta no correio.
Aqui ela já _____ Resposta esperada: pôs.
Pergunta 10
Aqui a Mônica queria muito calçar os patins. Aqui ela
Pergunta 2
É dia de aula. O menino acordou, tomou banho,
tomou café e________. Resposta esperada: foi para
escola.
Pergunta 3
Aqui os filhotes estão na barriga da gata. E aqui eles
já ________. Resposta esperada: nasceram.
Pergunta 4
Aqui é o pé de um menino. Ele calçou a meia e aqui
ele já ________.
Resposta esperada: já calçou.
Pergunta 5
Aqui o homem plantou a semente. E aqui ______
Resposta esperada: a planta já nasceu.
Pergunta 6
Aqui o picolé está inteiro. Aqui alguém ________
Resposta esperada: já comeu, mordeu.
Pergunta 7
Aqui o homem regou as plantas. Aqui elas já ______
Resposta esperada: cresceram.
Pergunta 8
Estas duas gravuras mostram a mesma pessoa. Aqui
ele era pequeno. Aqui ele já _________ Resposta
esperada: cresceu.
Pergunta 9
Os três estavam brincando de “macaco mandou” e o
Cascão mandou todos trazerem uma coisa verde.
Xaveco ______ Resposta esperada: trouxe uma bola
verde.
Pergunta 10
A Mônica ganhou uma maçã. Ela ficou feliz e veio
andando com a maçã na mão. Aí veio a Magali e
_________ Resposta esperada: pegou a maçã.
já _______ Resposta esperada: calçou.
267
5ª bateria: tema – Turma do Pato Donald
Comando
dado
pela
pesquisadora:
6ª bateria: Tema – Turma do Pato Donald
ontem
Comando
dado
pela
pesquisadora:
ontem
aconteceram várias coisas. Agora, eu vou te
aconteceram várias coisas. Agora, eu vou te
mostrar algumas gravuras e você me responde, tá?
mostrar algumas gravuras e você me responde, tá?
Pergunta 1
Ontem, o Pato Donald estava lendo um livro debaixo
da árvore. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: A
jaca caiu nele.
Pergunta 2
Ontem, os homens foram conversar com o Zé
Carioca. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: Eles
bateram na cabeça do Zé Carioca.
Pergunta 3
Ontem, quando o Zé Carioca estava no gol, o que
aconteceu? Resposta esperada: Ele recebeu uma bola
muito forte e caiu.
Pergunta 4
Ontem, o Zé Carioca foi jogar futebol e quis ser
goleiro. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: O
jogador fez um golaço.
Pergunta 5
Ontem , Peninha foi trabalhar. Aí aconteceu um
acidente. O que aconteceu? Resposta esperada: As
pilhas de folhas caíram nele.
Pergunta 6
Ontem, este homem foi para pescaria. Aí o que
aconteceu? Resposta esperada: Ele pescou um peixe
grande.
Pergunta 7
Ontem, o Peninha foi fazer mágica. Aí o que
aconteceu? Resposta esperada: Ele tirou um gato da
cartola e o gato arranhou o Peninha.
Pergunta 8
O Pato Donald estava jogando futebol. Aí o que
aconteceu? Resposta esperada: Ele fez um gol.
Pergunta 9
O Donald e seu primo gostam da Margarida. Ontem
eles se encontraram. Aí o que aconteceu? Resposta
esperada: Eles brigaram.
lanche. Aí o que aconteceu? Resposta esperada: O Pergunta 10
Ontem, o Peninha entrou na cidade mal-assombrada.
pássaro levou o lanche.
Aí o que aconteceu? Resposta esperada: um fantasma
Pergunta 1
Ontem, o Pato Donald foi escovar dentes. Aí o que
aconteceu? Resposta esperada: A pasta de dentes
estourou.
Pergunta 2
Ontem, o que o Mickey fez? Resposta esperada: Ele
assou biscoitos.
Pergunta 3
E o seu sobrinho? O que ele fez? Resposta esperada:
Ele comeu os biscoitos.
Pergunta 4
E o que aconteceu ontem na estrada? Resposta
esperada: O caminhão caiu.
Pergunta 5
Este avião estraga sempre. Ontem, o que aconteceu?
Resposta esperada: O avião estragou, a hélice do
avião quebrou.
Pergunta 6
Ontem, a vovó passou com o carro em uma pedra, o
que aconteceu? Resposta esperada: O sorvete das
crianças caiu.
Pergunta 7
Ontem, o que o Tio Patinhas fez? Resposta esperada:
Ele nadou.
Pergunta 8
Ontem, os ladrões entraram na casa do Tio Patinhas.
Aí o que aconteceu? Resposta esperada:o Tio
Patinhas correu.
Pergunta 9
O Tio Patinhas é muito pão-duro. Ontem, quando o
garçom trouxe a conta, o que aconteceu? Resposta
esperada: Ele brigou com o garçom.
Pergunta 10
O Pato Donald estava na caverna. Preparou seu
assustou o Peninha.
268
A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação
de tempo pretérito perfeito/ aspecto perfectivo.
A gravura pertencia à bateria 3 e a sentença que visava provocar o preenchimento de
lacuna falada pela pesquisadora foi: Aqui o pai do Cebolinha escorregou. Aqui ele já ______ .
A resposta esperada era “caiu”.
A gravura pertencia à bateria 2 e a pergunta feita foi: Aqui o menino está tranqüilo,
pescando e ouvindo música. Aí veio a onça e rosnou para ele. O que aconteceu? A resposta
esperada era: “ele caiu no rio”.
269
Tempo Presente/ Aspecto Habitual
1ª bateria: Tema – Beco Barroso
2ª bateria: Tema - (Livro: O Aurélio com a Turma
da Mônica - Página 32)
Contação de história, pergunta eliciadora com o
adjunto adverbial “todos os dias” ou similar.
Comando dado pela pesquisadora: Agora vou te
mostrar umas gravuras que mostram coisas que
Cebolinha faz todos os dias. Perguntas de 1 a 5.
Pergunta 1
O que Beco Barroso faz todos os dias na loja?
Resposta esperada: ele brinca com os outros
cachorros. (Beco Barroso, p. 3)
Pergunta 2
O que este homem (dono da loja) faz todos os dias?
Resposta esperada: ele vende. (Beco Barroso, p. 52)
Pergunta 3
Faça de conta que todos os dias este menino vai à loja
de animais. Então o que o menino faz, todos os dias,
parado na vitrine? Resposta esperada: Brinca com o
cachorro. (Beco Barroso, p. 12)
Pergunta 4
O que o Beco Barroso faz todas as vezes que entra
alguém na loja? Resposta esperada: Ele abana o
rabo/ele fica feliz. (Beco Barroso, p. 12)
Pergunta 5
O que as pessoas normalmente fazem quando
compram cachorros? Resposta esperada: pagam o
dono/ dão dinheiro ao dono da loja. (Beco Barroso,
p.14)
Pergunta 6
O que Beco Barroso faz todas as vezes que as outras
pessoas compram os outros cachorros? Resposta
esperada: chora. (Beco Barroso, p.23)
Pergunta 7
O que os cachorros fazem todas as vezes que as
pessoas entram na loja? Resposta esperada: Pulam nas
pessoas. (Beco Barroso, p. 27)
Pergunta 8
O que meninos malvados fazem com os cachorros?
Resposta esperada: Puxam as orelhas dos cachorros.
(Beco Barroso, p. 37)
Pergunta 9
Há pessoas que gostam muito de cachorros. O que
estas pessoas fazem quando os cachorros chegam
perto delas? Resposta esperada: fazem carinho. (Beco
Barroso, p. 18 e 28)
Pergunta 10
O que as pessoas fazem quando compram os
cachorros? Resposta esperada: Colocam coleira,
pagam pelo cachorro. (Beco Barroso, p. 54)
Pergunta 1
O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada:
__________ escova os dentes.
Pergunta 2
O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada:
__________ lava as mãos.
Pergunta 3
O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada:
__________ toma banho.
Pergunta 4
O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada:
__________ corta as unhas.
Pergunta 5
O que Cebolinha faz aqui? Resposta esperada:
__________ penteia os cabelos.
As questões de 6 a 8 referem-se a outro quadro,
localizado no livro: O Aurélio com a Turma da
Mônica - Página 48.
Comando dado pela pesquisadora: este quadro
mostra o dia a dia no sítio do Chico Bento. Fale
para mim o que cada um faz.
Pergunta 6
O pai do Chico Bento é muito trabalhador. O que ele
faz todos os dias? Resposta esperada: capina.
Pergunta 7
A mãe do Chico Bento trabalha muito no sítio. O que
ela faz todos os dias? Resposta esperada: dá comida
para as galinhas.
Pergunta 8
O Chico Bento, pelo contrário, não gosta muito de
trabalhar. O que ele faz enquanto todos trabalham?
__________ Resposta esperada: dorme.
Pergunta 9
As perguntas 9 e 10 referem-se à página 60.
9) Algumas pessoas têm profissão. O que a babá faz?
(página 60) _________ Resposta esperada: passeia
com o neném.
Pergunta 10
O que a atleta faz? _________ Resposta esperada:
corre.
270
3ª bateria: Tema - Gravuras relativas à
profissão
(Livro: O Aurélio com a Turma da Mônica –
Páginas 58, 59 e 61)
4ª bateria: tema – Gravuras do livro: O Aurélio
com a Turma da Mônica
Pesquisadora: agora, você vai observar algumas
Comando dado pela pesquisadora: as pessoas, de gravuras deste livro. Eu vou falar algumas frases e
um modo geral, têm uma profissão. O que estas você vai completar de acordo com o que você está
pessoas fazem?
vendo nas gravuras.
Pergunta 1
A mãe do Cascão é dona de casa. O que ela faz?
Pergunta 1
Todos os dias, a professora _______ Resposta
_________ Resposta esperada: varre a casa. (Página
esperada: dá aula. (Página 14)
59)
Pergunta 2
Todos os dias, a mamãe ________ Resposta esperada:
Pergunta 2
Este homem é médico. O que ele faz? ________
Resposta esperada: examina o menino.
(Página 59)
Pergunta 3
Este homem é veterinário. O que ele faz?
___________ Resposta esperada: cuida dos animais.
(Página 59)
Pergunta 4
Este homem é carteiro. O que ele faz? __________
Resposta esperada: entrega a carta.
(Página 59)
Pergunta 5
Este rapaz trabalha no escritório. O que ele faz?
___________ Resposta esperada: mexe no
computador. (Página 59)
Pergunta 6
Este homem é garçom. O que ele faz? ___________
Resposta esperada: traz a comida.
(Página 59)
Pergunta 7
Esta menina é artista. O que ela faz? ___________
Resposta esperada: pinta um quadro.
(Página 59)
Pergunta 8
Este homem é pedreiro. O que ele faz? __________
Resposta esperada: conserta o telhado/constrói a casa.
(Página 58)
Pergunta 9
Este homem é faxineiro. O que ele faz? ___________
Resposta esperada: limpa o chão. (Página 61)
Pergunta 10
Esta mulher é telefonista. O que ela faz?
____________ Resposta esperada: atende o telefone.
(Página 61)
dá comida para a filhinha/ faz comida. (Página 13)
Pergunta 3
Nas noites escuras, o fantasma __________ Resposta
esperada: assusta as pessoas. (Página 13)
Pergunta 4
Quando faz calor, as pessoas _______ Resposta
esperada: tomam banho. (Página 33)
Pergunta 5
Esta mulher é lavadeira. Todos os dias, ela _______
Resposta esperada: lava roupa. (Página 41)
Pergunta 6
Antes de ir para o trabalho, o papai _______ Resposta
esperada: faz a barba. (Página 41)
Pergunta 7
Todas as noites, as crianças ________ Resposta
esperada: dormem. (Página 40)
Pergunta 8
Quando os carros estragam. as pessoas levam o carro
ao mecânico. Aí o mecânico _________ Resposta
esperada: conserta o carro. (Página 63)
Pergunta 9
Na escola, na hora do recreio, as crianças ________
Resposta esperada: brincam. (Página 64)
Pergunta 10
Quando a Mônica vai à casa da vovó, a vovó ______
Resposta esperada: conta história. (Página 66)
271
5ª bateria: Tema - diversos
Pergunta 1
Aqui estão as gravuras de coisas que cada uma das
crianças faz sempre. Me fale o que cada uma delas faz
sempre.
Pergunta 1: Me fale o que esta criança faz.
Resposta esperada: Estuda, lê.
Pergunta 2: Me fale o que esta criança faz.
Resposta esperada:Varre a casa.
Pergunta 3: Me fale o que esta criança faz.
6ª bateria: Tema - diversos
Pergunta 1
Me fale o que este menino faz todos os dias. Resposta
esperada: ele estuda, escreve.
Pergunta 2
Me fale o que esta menina faz todos os dias. Resposta
esperada: Ela telefona.
Pergunta 3
Me fale o que estas crianças fazem quando a
professora vai tirar retrato. Resposta esperada: eles
Resposta esperada: Dorme.
sorriem.
Pergunta 4: Me fale o que esta criança faz. Pergunta 4
Me fale o que estas crianças fazem todas as manhãs.
Resposta esperada: Brinca com as plantas, abraça as
Resposta esperada: elas vão para a escola.
plantas.
Pergunta 5
Pergunta 5: Me fale o que esta criança faz.
Me fale o que estas crianças fazem na escolinha.
Resposta esperada: escreve, estuda.
Resposta esperada: elas pintam.
Pergunta 6: Me fale o que esta criança faz. Pergunta 6
Me fale o que estas crianças fazem na escola todo
Resposta esperada: Vê televisão.
mês de julho. Resposta esperada: Enfeitam a sala com
Pergunta 7
bandeirinhas.
Nas férias, o Pato Donald gosta de ir à praia. Me fale Pergunta 7
o que ele faz lá. Resposta esperada: come pizza.
Me fale o que estas crianças fazem nas férias.
Resposta esperada: Elas nadam.
Pergunta 8
Pergunta 8
Aqui, há um pato e uma pata. Nesta gravura, estão
Me fale o que estas meninas fazem todas as manhãs.
sendo retratadas coisas que os dois fazem ao final da
Resposta esperada: Elas brincam de roda.
tarde. Me fale o que o pato faz. Resposta esperada:
Pergunta 9
fuma cachimbo.
Me fale o que esse menino faz todas as manhãs.
Pergunta 9
Resposta esperada: Ele vende jornais.
Me fale o que a pata faz. Resposta esperada: descansa Pergunta 10
Os patinhos gostam de fazer coisas diferentes. Me
na cadeira de balanço.
Pergunta 10
fale uma das coisas que eles fazem nas férias.
Nas férias, a Margarida gosta de ir ao campo. Me fale
o que ela faz lá. Resposta esperada: anda pelos
Resposta esperada: eles brincam, fazem mágica.
campos, colhe flores.
272
A seguir, apresentamos exemplos de gravuras que foram usadas no teste de eliciação
de tempo presente/ aspecto habitual. As gravuras pertenciam à bateria 3 e as perguntas eram:
1. A mãe do Cascão é dona de casa. O que ela faz? _________ .
2. Este homem é médico. O que ele faz? ________ .
3.
4.
5.
6.
7.
Este homem é veterinário. O que ele faz? ___________.
Este homem é carteiro. O que ele faz? __________ .
Este rapaz trabalha no escritório. O que ele faz? ___________.
Este homem é garçom. O que ele faz? ___________.
Esta menina é artista. O que ela faz? ___________.
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