Valências Verbais - Maria Clara Paixão de Sousa

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Valências Verbais
no Português Clássico
Maria Clara Paixão de Sousa
Pesquisa de pós-doutorado
sob a supervisão de
Esmeralda Vailati Negrão
Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas
Departamento de Lingüística
Outubro de 2007 – Agosto de 2008
Relatório Técnico de Pesquisa
Apresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq)
Novembro, 2008
sumário
I. Relatório de Atividades ___________________________________________________ 3
II. Relatório Científico ______________________________________________________ 7
Introdução....................................................................................................................................6
1. Levantamento de dados.....................................................................................................12
1.1 Resumo do universo de análise.....................................................................................................................................12
1.2 Metodologia e Procedimentos .....................................................................................................................................13
1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas .............................................................................................14
1.2.2 Formação de classes de comparação ................................................................................................................16
1.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos .........................................................................................20
2. Resultados Iniciais.............................................................................................................24
2.1 Mapeamento inicial das construções............................................................................................................................24
2.1.1 Quadro-Resumo....................................................................................................................................................25
2.1.2 Quadros Descritivos.............................................................................................................................................26
I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus ......................................................26
II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus.......................................................................31
III. Verbos atetestados em construções intransitivas e em construções transitivas no corpus.............41
IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus.......................................................................45
2.2 Padrões de expressão dos argumentos.........................................................................................................................59
2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos...............................................................................................................59
2.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade”...........................................................................59
2.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese comparadas.................................................61
2.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese e “agentividade” ........................................64
3. Detalhamento.......................................................................................................................68
3.1 Observações iniciais........................................................................................................................................................68
3.2 Exame das alternâncias .................................................................................................................................................70
3.3 Exame dos padrões de expressão dos sujeitos ........................................................................................................102
4. Resumo e Perspectivas....................................................................................................107
Referências Bibliográficas..................................................................................................109
Anexo
1:
Lista completa dos verbos...................................................................................................112
Anexo 2......................................................................................................................................120
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I. Relatório de Atividades
Nesta primeira parte do Relatório de Pesquisa apresento um resumo das atividades realizadas ao longo da
vigência da bolsa, isto é, entre novembro de 2007 e agosto de 2008. O quadro abaixo apresenta um
calendário pontual das atividades comentadas em seguida.
Quadro: Calendário de Atividades
Atividade de Pesquisa: levantamento e análise de dados
Atividade de Pesquisa: consulta à bibliografia
Atividade de Pesquisa: encontros periódicos de supervisão
Apresentação de resultados: workshop Unicamp
Apresentação de resultados: Alfal
Atividade didática: curso ministrado na pós-graduação do DL-USP
Atividade didática: orientação de mestrado (G. Menezes)
Outras atividades: participação em concurso junto ao DLCV-USP
2007
11
12
x
x
x
x
x
x
2008
1
2
3
4
5
6
7
8
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x
x
x
O investimento principal de tempo e trabalho neste período remete ao levantamento e análise dos dados.
Conforme se detalha no Relatório Técnico, o levantamento completo inclui 323 verbos, num total de
46.685 ocorrências. Desse total, 4.386 ocorrências relativas a 172 verbos estão inteiramente sistematizadas
e revisadas. As demais 42.435 ocorrências (213 verbos) estão selecionadas e tabuladas, e se encontram
atualmente em exame. Esse universo de dados foi colhido em dois corpora, uma vez que ao corpus
originalmente planejado, o “Corpus Histórico do Português Tycho Brahe” (CTB), veio somar-se o corpus do
projeto “Dicionário Histórico do Português no Brasil (séculos XVI, XVII e XVIII)” (DHPB). A possibilidade de
incluir este material veio da minha inclusão na equipe de pesquisa do projeto DHPB (Edital MCT/CNPq
01/2005 - Institutos do Milênio) como colaboradora, em novembro de 2007, após o início desta pesquisa,
a partir do convite da coordenação do projeto. Desde então venho sendo responsável pela redação dos
verbetes relacionados aos verbos neste dicionário. O trabalho de análise dos dados foi acompanhado de
leituras e encontros periódicos com minha supervisora, a Profa Dra Esmeralda Vailati Negrão, atividades
regulares ao longo desses meses de pesquisa.
Pontuando essas atividades regulares, neste período tive a oportunidade de apresentar os resultados
parciais do trabalho em duas ocasiões, e de preparar uma terceira apresentação, realizada em setembro:.
•
Em fevereiro, apresentei o trabalho “.'... em nascendo o sol torna a abrir, e quando se põe torna a fechar...':
O Português Brasileiro e o Português Clássico interessam comparar?”, no Workshop Variação e Gramática:
diacronia e aquisição do Projeto Padrões rítmicos, fixação de parâmetros e mudança linguística
(Paixão de Sousa 2008a), que discutia os dados preliminares da pesquisa.
•
Em agosto, apresentei o trabalho “Proeminência à esquerda na diacronia do português: Inovação e
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x
continuidade”, na XXV Conferência Internacional da Associação de Liingüística e Filologia da
América Latina (Alfal) - Romania Nova (Paixão de Sousa 2008b), no qual busquei reunir os
resultados desta pesquisa com meus trabalhos anteriores sobre a sintaxe da ordem no Português
Clássico.
•
Em setembro, apresentei o trabalho “Português Brasileiro e Português Clássico: Conservação, inovação, e
contato”, no Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa, (Simelp), (Paixão de Sousa
2008c), preparado durante a vigência da bolsa, no qual desenvolvo a hipótese preliminar para a
reanálise sofrida pelo Português Clássico na origem do Português Brasileiro, com base nos
resultados desta pesquisa.
Além dessas atividades mais estritamente ligadas ao projeto, neste período conduzi também atividades
didáticas, em duas frentes. A primeira e mais constante delas tem sido a orientação da dissertação de
mestrado de Gilcélia de Menezes da Silva, aluna do Instituo de Estudos da Linguagem da Unicamp. O
acompanhamento desse trabalho vem sendo importante para o andamento deste projeto, uma vez que a
aluna escolheu como tema de sua dissertação as mudanças observáveis na diátese do verbo “chamar” ao
longo da história do português (examinando desde textos do século 14 até o Português Brasileiro). A
segunda frente de atividades didáticas foi um curso ministrado junto à pós-graduação do Departamento
de Lingüística da USP, como parte das atividades do programa de pós-doutoramento desta instituição. A
convite da coordenadora da pós-graduação do DL, a profa. Evani Viotti, ofereci uma disciplina centrada
nas teorias da mudança lingüística vigentes no século XIX (“O Pensamento Lingüístico no Século XIX”, sigla
FLL5078, cf. programa da disciplina em <http://sistemas1.usp.br:8080/fenixweb/fexDisciplina?
sgldis=FLL5078>). A extensa bibliografia preparada para o trabalho com os alunos incluiu alguns itens
que tiveram impacto importante sobre minha reflexão nesta pesquisa. Em especial, neste contexto
conheci o trabalho de W. Lehmann sobre a história do Indo-Europeu, que para o autor seria marcada
pelas mudanças em torno da propriedade de agentividade dos sujeitos, idéia central para a reflexão que
detalharei no Relatório Científico.
Por fim, no mês de maio de 2007 apresentei-me ao concurso público para provimento de uma vaga de
professor doutor junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo,
tendo sido aprovada em primeiro lugar para a vaga de Sintaxe. A aprovação teve como impacto a
interrupção da vigência da bolsa de pós-doutorado CNPq após o início de meu vínculo empregatício na
Universidade, em agosto de 2008. Entretanto, este novo cenário não significará a interrupção das
atividades desta pesquisa. Ao contrário, o estudo das Valências Verbais no Português Clássico conforma o
estágio atual de meu projeto de pesquisa docente para o regime de dedicação integral junto à
Universidade. Assim sendo, os resultados que apresento no Relatório Científico, a seguir, são apenas
parciais, e constituem pontos de partida a serem aprofundados no contexto de um projeto de pesquisa de
longo prazo, segundo os caminhos que apontarei.
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II. Relatório Científico
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Introdução
Esse projeto de pesquisa teve como ponto de partida as observações de E. Negrão e E. Viotti em
“Alternância de Diátese no Português Brasileiro” (Viotti e Negrão, 2008) sobre a flexibilidade das diáteses no
Português Brasileiro, que para as autoras seria um fator central para a compreensão da gramática do PB
atual e o diferenciariam tanto da variante européia, como das demais línguas românicas. Diante disso, o
projeto propunha algumas perguntas:
•
Como os padrões de diátese do Português Brasileiro se comparam com os padrões do Português
Clássico, ou seja, da variante trazida para o Brasil no período colonial?
•
As diferenças entre as duas variantes atuais teriam suas raízes nesse antecente diacrônico?
Além disso, o projeto original previa os possíveis impactos de um estudo da estrutura argumental sobre o
meu próprio trabalho sobre a gramática do Português Clássico (PC), centrado, desde Paixão de Sousa
(2004), na análise da ordem dos constituintes, numa perspectiva que unia propriedades sintáticas e
discursivas – como a topicalização – mas não se detia na reflexão de fundo semântico. Nos meus
trabalhos anteriores, defendia que a organização superficial da ordem no PC decorreria do movimento de
um dos constituintes do predicado verbal para uma posição de proeminência à esquerda, codificadora de
propriedades de saliência discursiva – operação, em princípio, independente da estrutura argumental e de
sua semântica. À luz do trabalho de Negrão & Viotti (2008) sobre as estratégias de promoção argumental
no Português Brasileiro, e do que afirmam as autoras sobre a relação estreita entre a semântica do verbo e
o potencial de flexibilidade de sua diátese, pareceu-me que novas perspectivas poderiam surgir quanto à
gramática do PC, ao se investigarem as relações entre estrutura argumental e realização sintática dos
argumentos.
Tendo se consumado dez meses de pesquisa, embora não apresente respostas para aquelas perguntas
iniciais, parece-me que o caminho para explorá-las está mais definido, como pretendo mostrar neste
relatório. Os resultados estritos do trabalho são a lista parcial dos verbos examinados (da qual se pode
aproveitar, mais que um mapa das diáteses, uma metodologia de trabalho para a elaboração futura de um
mapa completo), e uma uma indicação de que a estrutura argumental representa uma variável relevante
para o estudo da sintaxe do Português Clássico, se não primordialmente quanto à ordem dos
constituintes, certamente no que remete à relação ordem-apagamento de argumentos.
Fundamentalmente, ao final desse percurso de análise dos verbos, não tenho ainda elementos que
contradigam minha hipótese inicial de que a ordem dos constituintes no Português Clássico é governada
centralmente por propriedades discursivas; ao contrário, essa característica cada vez mais me parece
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central na compreensão do PC, e me levou a propor, em “Proeminência à esquerda na diacronia do português:
Inovação e continuidade” (Paixão de Sousa 2008b) a análise do PC como uma língua de tópico. Entretanto,
nessa gramática a propriedade de tópico proeminente à esquerda se combina com uma propriedade forte
de sujeito nulo, sendo a possibilidade de sujeitos não-lexicais não só estatisticamente elevada, como
também livre dos constrangimentos configuracionais que governariam o sistema residual de sujeitos nulos
no Português Brasileiro segundo diversos autores, como argumentei no mesmo artigo. Nesse sentido, o
estudo da semântica argumental revelou um fato que considero extremamente interessante: a correlação
entre agentividade e probabilidade de apagamento dos sujeitos no Português Clássico. Ao refletir sobre
esta propriedade com relação ao conjunto das outras propriedades da gramática do Português Clássico
(proeminência à esquerda e liberdade dos sujeitos nulos), e ao contrapor todas elas às características atuais
da gramática do Português Brasileiro, acredito ter em mãos elementos importantes para esboçar uma
hipótese sobre a reanálise entre os dois estágios. Essa hipótese poderá partir das observações que resumo
a seguir.
O Português Clássico, como dito, combina as propriedades de proeminência discursiva à esquerda com a
liberdade e elevada incidência de sujeitos nulos. Entretanto, esses “sujeitos nulos” não formam um grupo
semanticamente indistinto: como este levantamento mostra, os sujeitos nulos são preferencialmente
sujeitos do tipo “desencadeador com controle” (na terminologia de Cançado, 2005, que estou
seguindo). Como decorrência dessas três propriedades, vemos, nos dados do português desta época, uma
elevada proporção de construções:
(i) com sujeito nulo “agente” e
(ii) com tópicos não-sujeitos, “não-agentes”, à esquerda do verbo.
Serão sentenças do tipo:
(a) uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa
Nessa sentença, {uma chamada Dona Urraqua} é um tópico; sua função sintática é de objeto direto; seu
estatuto temático é de paciente. Na sentença há um sujeito agente elidido; seu referente é “El -Rei”, como
mostra o contexto maior abaixo:
(a) Era este Conde Dom Anrique muito discreto, e esforçado Cavaleiro , e não menos
de todas outras bondades comprido, trazia em seu Escudo de Armas campo
branco sem outro nenhum sinal, e andando sempre depois, na guerra dos Mouros
com El-Rei Dom Affonso , fez muitas, e assinadas cavalarias, por onde Del-Rei, e
de todos os da terra era muito estimado, e querido, e assi o Conde de Tolosa seu
tio, e o Conde de São Gil de Proença, e tendo El-Rei assi deles contentamento
querendo honrá-los, e remunerar seus nobres feitos, e trabalhos, que em sua
companhia passaram na guerra contra os infiéis, determinou de casar três filhas
suas com eles, uma chamada Dona Urraqua, casou com o Conde Dom
Reymão de Tolosa , de que depois nasceu El-Rei Dom Affonso de Castela
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chamado também Imperador , donde descendem também todos os Reis de
Castela , outra Dona Elvira , casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de
Proença; outra chamada Dona Tareja deu por mulher a Dom Anrique sobrinho
do Conde de Tolosa , dando-lhe com ela em casamento Coimbra , com toda a terra
até o Castelo de Lobeira , que é uma légua além de ponte Vedra , em Gualiza ,e
com toda a terra de Vizeu , e Lameguo , que seu pai El-Rei Dom Fernando , e
ele ganharam nas Comarcas da Beira .
Ou seja: no contexto vemos claramente que {uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom
Reymão de Tolosa } deve ser interpretado como {uma chamada Dona Urraqua, [El-Rei] casou com o
Conde Dom Reymão de Tolosa }; o mesmo se aplica às construções semelhantes que seguem no
período, ou seja: {outra Dona Elvira, __ casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença},
{outra chamada Dona Tareja __ deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa}.
Pois bem: o que eu noto, antes de qualquer coisa, é que este é justamente o tipo de construção que causa
dificuldades interpretativas para um falante do PB. De fato, eu mesma, ao ler essa sentença pela primeira
vez, interpretei o elemento à esquerda do verbo, {uma chamada Dona Urraqua}, como o sujeito, nãoagente:
(a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-SUJ, casou com o Conde Dom Reymão de
Tolosa
O fenômeno da dificuldade de interpretação das sentenças do Português Clássico por parte de falantes do
Português Brasileiro me parece muito revelador da diferença entre as duas gramáticas. Ele me mostra que
para o falante do PB a interpretação imediata de um constituinte à esquerda do verbo é a de sujeito; e que
o falante do PB não parece ter problemas com o estatuto semântico de paciente para seus sujeitos. Por
contraste, podemos propor que na gramática do PC a posição à esquerda do verbo não configura
necessariamente uma “posição de sujeito”; eu de fato venho defendendo que no PC, “sujeito” não é uma
posição, é uma relação abstrata entre o verbo e um de seus argumentos (Paixão de Sousa 2008b). Essa
relação parece ser forte o suficiente para permitir sujeitos nulos com muita liberdade de configuração, o
que já de partida traz mais dificuldades para a interpretação dos dados pelos falantes brasileiros. Podemos
ver um exemplo disso com a frase a seguir; em (a), estão as lacunas e pronomes a serem interpretados; em
(b) a interpretação do PC que me parece autorizada pelo contexto em (d); e (c), a interpretação que me é
fornecida em consulta a falantes do PB. Nesse caso, como em outros semelhantes, os falantes do PB só
conseguem interpretar “corretamente” as referências da lacuna depois de sucessivos exames do contexto
maior da sentença:
(a) quando __ vão para os __ apanhar, __ botão-lhes aquella tinta diante dos olhos
(b) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-1]-SUJ botão-[lhes]-2 ...
(c) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-2]-SUJ botão-[lhes]-1 ...
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(d) Polvos — O mar destas partes he muito abundante de polvos; tem este marisco hum capello,
sempre cheio de tinta muito preta; e esta he sua defesa dos peixes maiores, porque quando
vão para os apanhar, botão-lhes aquella tinta diante dos olhos, e faz-se a agua muito preta,
então se acolhem. Tomão-se á frecha, e assovião-lhe primeiro; tambem se tomão com fachos
de fogo de noite. Para se comerem os açoitão primeiro, e quanto mais lhe derem então ficão
mais molles e gostosos.
(i.e.: quando quando os peixes maiores vão para apanhar os polvos, os polvos botam aquela tinta
diante dos olhos dos peixes maiores)
Dados como esse me levaram a afirmar, já em Paixão de Sousa 2008b, que a relação entre o verbo e o
sujeito sintático, no PC, é suficientemente “forte” parece prescindir de fatores configuracionais (ordem),
tanto no que remente à ordem superficial dos sujeitos lexicais, como no que remente às relações
posicionais que podem ser atribuídas aos sujeitos não lexicais – estando, naturalmente, as duas
características relacionadas. Naquele trabalho eu defendi que haveria uma propriedade abstrata forte
licenciando o sujeito no PC, que se preserva independentemente da lexicalização e da ordem, e formalizei
preliminarmente essa propriedade como “T forte” - ou seja: um núcleo de concordância abstrata com
propriedades de licenciamento pleno para seu especificador, nos termos da sintaxe gerativa. Sustentei,
também, que o principal contraste entre PB e PC seria o enfraquecimento desse núcleo T, mantidas,
entretanto, as propriedades de proeminência discursiva à esquerda, ao longo dessa reestruturação.
Agora, adiciono a isso o que encontro nos dados desta pesquisa: os sujeitos nulos do PC tendem a ser
argumentos agentes (ou melhor, desencadeadores com controle). Isso significa que em construções com
sujeitos pacientes, a probabilidade de “elisão” do sujeito (ou por outra, a probabilidade de ele se realizar
como pronome nulo) é consideravelmente mais baixa que em construções com sujeito agente.
Assim, a gramática do Português Clássico parece reunir as seguintes propriedades: (i) liberdade do sujeito
nulo; (ii) proeminência do sujeito agente; (iii) posição de tópico à esquerda.
Vamos ver como isso se reflete nas nossas análises sobre a gramática do Português do Brasil. A expressão
dos sujeitos tem sido um dos aspectos mais discutidos da gramática do PB (Pontes 1986, Galves 1993,
Kato & Negrão 1999), mas apenas recentemente as suas características singulares começam a ser
abordadas do ponto de vista da semântica argumental, notadamente com Negrão & Viotti 2007, 2008. Na
literatura anterior, o problema dos sujeitos no PB é tratado a partir da relação entre o plano informacional
e o sintático, ou mesmo de modo limitado ao plano sintático. A pergunta clássica, nessa literatura, tem
sido: quais as condições sintáticas da expressão dos sujeitos no português do Brasil, com a possível
ampliação “sintáticas e informacionais”. Negrão & Viotti (2008) reformulam a pergunta clássica,
acrescentando: quais as condições “semânticas” da expressão dos sujeitos no português do Brasil? Somos
obrigados a voltar os olhares para um plano até agora pouco discutido: na conhecida tendência à
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expressão lexical dos sujeitos pronominais do PB, além dos aspectos sintáticos (por exemplo, condições
estruturais de recuperação referencial) e informacionais (por exemplo, saliência de “tópico”), estaria em
jogo o papel semântico do constituinte sujeito - como agente, paciente, etc.? Duas perguntas surgem. A
primeira: haveria “papéis semânticos” mais ou menos “apagáveis”, mais ou menos “lexicalizáveis”? A
segunda: entre os “sujeitos nulos”, estaremos incluindo constituintes presentes na grade semântica, porém
“apagados” (o que seriam verdadeiros sujeitos nulos) e constituintes não presentes na grade semântica (ou
seja: não-sujeitos, por não-constituintes)?
Negrão & Viotti (2008) apresentam alguns caminhos para essa investigação ao analisar a promoção
argumental e o apagamento no PB como uma escala contínua de estratégias de impessoalização, que
seriam um fator central a diferenciar PB e PE. Neste trabalho, tentei transportar essa reflexão para o
estágio diacrônico anterior, propondo a pergunta sobre semântica,
“apagabilidade” e ordem no
Português Clássico. O percurso anterior de pesquisa sobre o PC me levara a propror, como já mencionei,
duas características centrais dessa gramática (liberdade do sujeito nulo e posição de tópico à esquerda), às
quais acrescento agora uma terceira: proeminência do sujeito agente. Observemos, então, que segundo a
literatura dedicada ao PB, dessas três propriedades, apenas a proeminência do tópico. A mudança entre as
duas gramáticas, portanto, deve ter incidido sobre a liberdade do sujeito nulo e a proeminência do agente.
Eu me pergunto, diante disso, se essas duas propriedades não remetem a uma única propriedade
gramatical profunda. Voltando à sentença com {casar}: um caminho para entendermos a interpretação do
PC, {uma chamada Dona Urraqua, [ El-Rei ] casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa } seria:
nessa gramática, o que é que “garante” a interpretação do sujeito nulo “ele =[ El-Rei ]” nessa
configuração? Me parece que são dois fatores combinados: um fator
sintático (condições de
licenciamento de pronome nulo nominativo) e um fator semântico (proeminência do agente).
Nenhum desses dois fatores, sintático e semântico, parece disponível para o falante do PB, que, diante de
uma construção {a}-(objeto) {_}-sujeito V {c}-objeto, tende a interpretar como sujeito o constituinte
que aparecer à esquerda do verbo, lexical, embora não-agente. Interessa notar que em alguns casos, o
falante brasileiro pode se “enganar” até mesmo na interpretação de senteças do PC com sujeito lexical:
isso acontece em orações com ordem OVS, nas quais, de alguma forma, os falantes brasileiros parecem
preferir reestruturar a semântica da frase a identificar como “objeto” um constituinte à esquerda do
verbo. Na sentença abaixo, por exemplo, os falantes interpretaram a {A quinta capitania...} como sujeito,
e {Pero do Campo Tourinho} como objeto (entendendo “conquistar” no sentido de 'cativar, encantar'),
enquanto a interpretação original da sentença é de {Pero do Campo Tourinho}como sujeito, e {a quinta
capitania...} como objeto (isto é, Pero do Campo Tourinho 'tomou, colonizou' a quinta capitania):
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(b) A quinta capitania a que chamam Porto Seguro, conquistou Pero do Campo Tourinho
O interessante é que no caso de {consquistar}, o contraste nas interpretações incide na semântica
referencial da frase; já com {casar}, muda, primordialmente, a valência do verbo. O falante toma
{casar}como um verbo de valência 2 (em oposição a 3 no original). Na minha análise, {casar} é um tipo
de verbo para o qual a diátese com “três lugares” é causativa, e a com “dois lugares” é não-causativa. Na
diátese causativa, o argumento “causador”, agente, será o sujeito; na não-causativa, o argumento paciente
será o sujeito. Assim, diante de uma construção com {casar} causativo com sujeito agente nulo do PC, o
falante do PB opta por atribuir uma diátese não-causativa ao verbo, e interpreta um de seus
complementos como o sujeito expresso.
Esse exemplo me parece revelador de como o problema das diáteses se une ao problema do contraste
entre as duas gramáticas quanto à ordem e apagamento de constituintes. Passo passo a me perguntar,
diante desse tipo de fenômeno, até que ponto a amplitude de diáteses hoje observada no Português
Brasileiro se relaciona com as propriedades do sujeito nulo do Português Clássico. Ou seja: observando
que os argumentos que mais tendem a ser elididos no PC são os sujeitos agentes, e entre eles, mais
fortemente ainda os argumentos agentes dos verbos que hoje, no PB, aceitam alternância de
transitividade; que o PB parece ter como diferença em relação ao PC uma liberdade muito menor de
licenciamento para sujeitos nulos; e que (segundo Negrão e Vioti 2008, e Perini no prelo) o PB apresenta
uma expansão da propriedade de alternância transitiva dos verbos, considero interessante perseguir a
hipótese de que a reanálise entre as duas gramáticas se deu em torno dessas duas propriedades. Mais
interessante ainda seria construir a hipótese de que não se trata de duas, mas sim de uma propriedade
gramatical profunda. Nas seções a seguir mostro os elementos que me parecem embasar essas
observações.
A apresentação está organizada de modo a refletir o percurso da pesquisa; começo portanto resumindo o
estabelecimento da forma de análise dos dados segundo as perguntas inicialmente colocadas, passando a
explicar as observações possibilitadas pelo exame dos dados e as novas perguntas que foram surgindo. A
Seção 1 apresenta um um
panorama geral da pesquisa com os dados, explicitando os critérios
estabelecidos para descrever o quadro geral dos verbos examinados. A Seção 2 comenta esse panorama
sob a perspectiva da amplitude de alternância dos diferentes verbos, e discute a relação entre as
propriedades semânticas e a tendência de apagamento dos argumentos. A Seção 3 resume as perspectivas
e desafios que permanecem para a pesquisa.
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1. Levantamento de dados
1.1 Resumo do universo de análise
Os dados deste levantamento foram colhidos em dois corpora representativos do português escrito nos
séculos 16 e17: o Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB), do qual selecionei inicialmente dois
textos (GANDAVO 1576, GALVÃO 1502), com cerca de 200.000 palavras ( <www.tycho.iel.unicamp.br/
~tycho/corpus/ >), e o corpus do “Dicionário Histórico do Português no Brasil” (DHPB), no qual trabalhei
com 196 textos (~3.000.000 de palavras; <http://lablex.fclar.unesp.br>).
Os dados referentes ao CTB estão sendo trabalhados de forma extensiva: de uma lista com todas as
sentenças de cada texto, separo e ordeno em ordem alfabética todos os verbos registrados (em principais
e encaixadas, finitos e não-finitos); em seguida começo a examinar as ocorrências de cada verbo segundo
sua expressão argumental, e classifico os dados tabulados da forma como se explicita na seção 1.2. Já os
dados do corpus do DHPB estão sofrendo uma pesquisa intensiva: a partir de uma lista de verbos que me
foi fornecida pela coordenação do dicionário, pesquiso e seleciono todas as ocorrências de cada verbo na
integridade do corpus. Em seguida, estou tabulando os dados da mesma maneira que os dados referentes
ao CTB, para incluí-los nesse estudo. Além disso, naturalmente, redijo os verbetes relativos a cada item
para o Dicionário. As etapas de extração junto aos corpora e ordenação geral das ocorrências foram
aplicadas a um universo total de 46.658 ocorrências de 385 verbos, distribuídos entre os corpora como
mostra a tabela a seguir:
TABELA 1: Universo de dados trabalhados (dados sistematizados e dados em exame)
Corpus
Número de Verbos
Número de Ocorrências
Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB)
62
44.996
Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB)
323
1.662
385
46.658
Até este momento, selecionei dos dois corpora 323 verbos, num total de 46.658 ocorrências, todas elas já
Desse total de dados já organizados, 50 verbos do DHPB (compreendendo 42.221 ocorrências) e 163
verbos do CTB (compreendendo 1.214 ocorrências) estão ainda em exame. Os resultados parciais
apresentados neste relatório se fundamentam na análise de 172 verbos, compreendendo 4.836 ocorrências
já sistematizadas:
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TABELA 2: Universo de dados sistematizados
Corpus
Número de Verbos
Número de Ocorrências
Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB)
12
4.388
Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB)
160
448
172
4.836
Os dados selecionados dos textos foram organizados em um documento de base (arquivo .xls) de modo a
permitir o controle da contagem de ocorrências e a ordenação segundo diferentes critérios de análise,
formando assim um quadro geral a partir do qual os dados foram tabulados. Os quadros apresentados
neste relatório (seção 2 a seguir) são excertos desse arquivo de base, o qual inclui, além do que sepublica
aqui, todas as ocorrências em cada item, tabuladas (no total, são portanto 4.836 linhas de arquivo .xls,
mais as cerca de 45.000 ainda em exame). Para os verbos correspondentes ao trabalho junto ao DHPB,
além do código das construções e dos exemplos, o quadro completo compreende ainda as definições que
redigi para cada verbete. Por conta desse volume, não anexei o quadro completo – o qual, finalizada a
pesquisa, formará a base do dicionário a ser publicado (em formato eletrônico, com o total dos verbos e
exemplos selecionados, pertinentes a cada construção).
Com os dados selecionados e reunidos, o passo seguinte da pesquisa foi compor critérios para analisar
esse panorama, segundo as generalizações que já começavam a transparecer dos dados, e segundo os
objetivos centrais do trabalho: descrever a estrutura argumental de cada verbo, esperando com isso
ampliar a compreensão da gramática do Português Clássico e, consequentemente (como acredito), da
gramática do Português Brasileiro. Nas seções a seguir apresento a metodologia de descrição e análise dos
dados, procurando justificar as considerações que levaram ao estabelecimento desta metodologia.
1.2 Metodologia e Procedimentos
A escolha de critérios de análise consumiu boa parte da reflexão desta etapa da pesquisa, pois o universo
de dados selecionados nos textos sugere infinitos desdobramentos. As construções permitem inúmeras
observações na direção da semântica, da lexicologia, da morfologia, da sintaxe, e da pragmática. Diante
desta multitude de possibilidades, as opções de descrição e análise adotadas nesta pesquisa representam
um entre muitos recortes possíveis, deixando de lado diversos fatos interessantes revelados pelos dados.
A pesquisa buscou apenas montar um padrão de observação que permitisse uma primeira aproximação
junto a esse universo de construções, preferencialmente de modo a favorecer os futuros desdobramentos
de análise. O padrão de observação afinal escolhido é dos menos sofisticados: o critério central é a
“potência de valência”, ou seja, a possibilidade de realização transitiva ou intransitiva de cada item lexical.
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Os dados foram organizados em três etapas, explicadas e justificadas nas três seções que seguem:
1. Composição de um mapa de valências atestadas
2. Formação de classes comparadas, pela classificação por grupos de diáteses potenciais
3. Exame dos padrões de expressão dos argumentos em cada grupo
1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas
A primeira fase da descrição – composição do mapa de valências atestadas – consistiu simplesmente em
procurar distinguir, para cada ocorrência de cada verbo, quantos argumentos compreenderia a grade
temática. Naturalmente, a identificação dos argumentos dos verbos não se restringiu à observação de sua
realização lexical; considerei também a possibilidade de argumentos elididos. A combinação entre a grade
semântica de cada verbo e a possibilidade de apagamento ou expressão dos argumentos constitui,
justamente, o cerne da análise que se pretende construir com essa pesquisa. Assim, no exemplo (a) abaixo,
considerei dois argumentos para {colher}, em {como são de vez colhem esses cachos}, analisando um
argumento elidido em { __ (= 3 PP) colhem} e um lexical, {esses cachos}; mas apenas um argumento,
elidido, para {amadurecer} em {dali a alguns dias amadurecem}: { __ (=esses cachos) amadurecem}.
No exemplo (b), considerei um argumento para {cavalgar}, analisando uma elisão em { __ cavalgou à
pressa} (ou seja, [ __(=Dom Eguas Moniz)]), e três argumentos para {dar}, analisando a elisão de [ __ (a
Rainha)] em {que __ lhe desse o filho que lhe nascera}:
(a) Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem.
[ __ ( = 3 PP) ]-1
[ __ (= esses cachos) ]-1
colhem
amadurecem.
[ estes cachos ]-2 ...
(b) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, cavalgou à pressa , e veio-se a
Guimarães onde o Conde estava, e pediu-lhe por mercê que lhe desse o filho que lhe nascera
para o haver de criar, como lhe tinha prometido.
[ __(=Dom Eguas Moniz) ]-1
cavalgou
[__ (a Rainha)]-1
[lhe]-2 desse
nascera]-3 ...
...
[ o filho que lhe
Grande parte do tempo de trabalho se gastou em analisar e revisar cuidadosamente os dados para garantir
o máximo de objetividade quanto à interpretação de “ausência” de argumentos versus “elisão” de
argumentos, o que não foi sempre banal, como mostra o exemplo abaixo, sobre o qual ainda tenho
dúvidas quanto ao número de argumentos de “esgotar”:
(a) Feito isto [ __ (3PP)] metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que [ __ (3PP)]
fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali [ __ (3PP)] a espremem daquele
sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar
(b)
[ _ (= 3pp) ]
esgotar [ nenhuma coisa]
esgotar [ nenhuma coisa ]
(= um argumento), ou
(= dois argumentos) ?
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Na minha interpretação (brasileira), “esgotar” ficaria muito bem construído com um argumento apenas
na sentença acima. Entretanto, não seria impossível pensar que há nesta ocorrência um segundo
argumento, elidido (a “terceira pessoa” também elidida nos verbos antecedentes); some-se a isso que
outras vezes este verbo pode também aparecer como transitivo, como fica claro no exemplo abaixo:
(a) E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que
a acabam de [ esgotar ] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer sua viagem.
[ _ (= 3pp) ] esgotar [ a ]
(= dois argumentos)
Evidentemente, não posso confiar inteiramente que minha interpretação coincida com a interpretação
“original”, pois o que estou estudando, justamente, são as possibilidades de mudança nos verbos.
Conforme já mencionei na Introdução, as dificuldades na interpretação de lacunas argumentais
enfrentadas nesse processo tiveram como fruto a intuição central do meu trabalho “Proeminência à esquerda
na diacronia do português: Inovação e continuidade” , sobre os contrastes no licenciamento de sujeitos nulos no
PC e no PB, e fundam também a hipótese com que estou trabalhando sobre a reanálise da gramática do
Português Clássico, como detalho adiante. Por ora, importa salientar que essas dificuldades tornam o
trabalho de descrição bastante delicado. No caso de {esgotar}, agrupei o verbo entre os transitivos;
entretanto, se, no prosseguimento do levantamento, eu vier a encontrar ocorrências em contextos mais
claros com um argumento apenas, poderei passar a classificá-lo como “alternante”, isto é, transitivo ou
intransitivo.
Uma vez que a simples identificação dos argumentos já se mostrava desafiadora, decidi postergar a
classificação dos verbos fundada nos papéis temáticos dos argumentos identificados, que havia tentado
num primeiro momento. Pareceu-me que seria recomendável montar um esquema mínimo de
formalização descritiva inicial, adotando uma nomenclatura generalizante para os argumentos – “x”, “y”,
“z” – sob o critério da restrição de expressão, e que não remete primariamente a propriedades de cunho
semântico (“Agente”, “Paciente”, etc). Assim, estou chamando de “x” o argumento que nunca está
ausente da grade de um verbo, seu argumento por assim dizer “primário”:
(a)
(b)
(a)
(b)
(c)
“O sol apareceu”
> [o sol]- x
“O menino acordou”
> [o menino]-x
“A mãe acordou o menino” > [o menino]-x
“O copo quebrou”
> [o copo]-x
“O menino quebrou o copo”> [o copo]-x
Em princípio, “x”, nesta classificação, representa o argumento único dos “verbos intransitivos” (sejam
aqueles com semântica “ativa”, seja “passiva”), e o argumento não-apagável dos verbos de alternância
transitiva (em geral, com semântica “passiva”). Como definirei adiante, portanto, “x” compreende os
argumentos únicos de verbos [V x * y] (Grupo 1 da minha análise) e o argumento sempre presente dos
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verbos de alternância transitiva, verbos [ V x (y)] (ou Grupo 2 da minha análise).
Em contraste, “y” representaria o argumento por assim dizer “secundário”, ou seja, aquele que pode ou não
estar presente nos verbos de alternância:
(c) “A mãe acordou o menino” > [o menino]-x, [a mãe]-y
(d) “O menino quebrou o copo”> [o copo]-x, [o menino]-y
Por consistência operacional, estou chamando também de “x” e “y” os dois argumentos sempre
presentes dos verbos transitivos estritos ([V x y] ou Grupo 3). Em princípio por analogia aos grupos
anteriores, optei por usar “y” para os argumentos que seriam secundários caso o verbo aceitasse
alternância, uma opção potencialmente problemática, como discutirei adiante. Deste modo, teríamos:
(a) “O menino escovou os dentes”
(b) “O menino comeu cereal”
> [os dentes]-x, [o menino]-y
> [cereal]-x,
[o menino]-y
Finalmente, o que chamo de “z” nesta nomenclatura são os argumentos que não me parecem ser
obrigatórios para nenhum grupo de verbos. Isso inclui elementos de tipo locativo, argumentos com papel
temático de “Alvo” ou “Beneficiário”, e argumentos de tipo “Instrumento” (identificando-se em larga
medida, em termos semânticos, com a propriedade de [ ESTATIVO] de Cançado 2005, por exemplo).
Note-se que a possibilidade de expressão desse tipo de elemento não foi um critério para definir grupos
fundamentais de diátese neste trabalho, como discuto mais adiante no Detalhamento:
(a) “Ele escovou os dentes com pasta nova” > [ele]-x, [os dentes]-y, [ pasta nova]-z
(b) “Ele chegou na escola”
> [ele]-x, [a escola]-z
Essa nomenclatura mínima “x”, “y”, “z” teve por objetivo inicial apoiar a descrição dos fenômenos de
valência e de alternância; na fase final do trabalho, procurei traduzir a relação entre os argumentos
possíveis dos verbos por meio de uma formalização mínima, pensando em apoiar a ampliação do trabalho
com os dados, que é apresentada também no Detalhamento. Na seção 2 a seguir, mostro os quadros
resumidos das construções atestadas no corpus de acordo com esses procedimentos.
1.2.2 Formação de classes de comparação
O mapa dos padrões de valência atestados mostrou três cenários básicos quanto aos padrões de
transitividade, se comparamos as construções atestadas no corpus com as previsões quanto ao PB. Há
verbos que não apresentam alternância de transitividade nem no corpus, nem no PB; verbos que
apresentam alternância nos dois estágios; e verbos que apresentam alternância no PB, mas não no corpus.
A partir dessas observações, proponho três grupos para classificar os dados:
1. Verbos de diátese intransitiva estrita, [ V: x *y ]:
Valência 1 no corpus do Português Clássico e no PB: {acontecer}
2. Verbos de diátese transitiva e intransitiva, [ V: x (y) ]:
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2.1 Valência 1
no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acordar}
2.2 Valência 1~2 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {abrir}
2.3 Valência 2
no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acabar}
3. Verbos de diátese transitiva estrita, [ V: x y ] ou [ V: x *(y) ]
Valência 2 no corpus do Português Clássico e no PB: {defender}
Os três grupos podem ser esquematizados inicialmente como segue, com as construções atestadas no
corpus em negrito, e as construções que eu analiso como possíveis e impossíveis no PB entre parênteses:
grupo
1. [V x *y]
exemplo
(valência 1)
intransitivos
2. [V: x (y)] (valência 1, 2)
alternância transitiva
3. [V: x y]
(valência 2)
transitivos
[x]
[ x ], [ y ]
1. {acontecer}
x aparecer
(* y aparecer x)
2.1 {acordar}
x acordar
( y acordar x )
2.2 {abrir}
x abrir
y abrir x
2.3 {acabar}
(x acabar )
y acabar x
3. {defender}
(* x defender)
y defender x
Deixando à parte, neste momento, os problemas de análise que ainda preciso enferentar quanto à
descrição das construções atestadas (principalmente quanto aos verbos marcados com (?) nos quadros em
geral), e que explicito nas seções que seguem, procuro agora mostrar alguns pontos de interesse da
classificação dos dados nesses três grupos básicos.
A primeira vantagem desse agrupamento é libertar a pesquisa da classificação estritamente empírica, que
no caso de um trabalho com dados de corpora históricos pode ser problemática. A idéia inicial do
trabalho era simplesmente classificar as realizações registradas para cada verbo, e analisar tematicamente
os argumentos (cf. Projeto). Entretanto, com o decorrer do trabalho, concluí que esta não seria a melhor
estratégia de organização. Antes de tudo, observo que atestar ou não atestar uma determinada realização
de valência para cada verbo não esgota o que podemos saber sobre ele, uma vez que, mesmo em um
corpus razoável como é este, não se está de modo algum livre da eventualidade de não se deparar com
uma construção possível.
Este é de fato o problema fundamental do trabalho de descrição gramatical de fases pretéritas de uma
língua, como eu mesma já destaquei em diversos trabalhos (cf. Paixão de Sousa, 2004): a impossibilidade
de acesso à intuição do falante significa que (i) não temos “evidência negativa”, pois, não podemos saber
nunca com certeza se determinada construção não é registrada por ser agramatical ou por outras razões
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fortuitas; e (ii) estamos constantemente sujeitos a idiossincrasias dos corpora, que tornam as
generalizações precárias. Neste ponto chamo a atenção para um detalhe importante: quando me feriro a
“construções atestadas/não atestadas no corpus do Português Clássico”, em oposição por exemplo a
“construções possíveis/não possíveis no Português Clássico”, isto é deliberado; antes de tudo, porque
não considero impossível ainda vir a atestar construções raras para alguns verbos. É por conta disso, por
sinal, que sigo pesquisando alguns verbos importantes já estudados no CTB no corpus do DHPB, como
{achar}, faltando cerca de 9.000 ocorrências. Além disso, nunca é demais ressaltar que o fato de não vir a
atestar determinada construção não significa necessariamente que ela não fosse possível na língua.
Assim, conforme também venho defendendo em diversos trabalhos, embora o perfil descritivo de
pesquisa seja muito importante, isso não significa uma limitação estreita ao campo do empírico. Acredito
que as descrições devem partir de generalizações relevantes, formadas ao longo de um cuidadoso
processo de ida e volta aos dados. Por conta disso, considerei justificável e proveitosos orientar a
classificação dos dados pela generalização da possibilidade “diacrônica” de alternância, mesmo que para
isso eu precisasse contar com previsões da minha própria intuição – o que de início julgara tão
impeditivo, que hestei em levar a cabo o expreimento. Em seguida, entretanto, considando a reflexão
metodológica exposta acima, e ainda, o fato de que a descrição empírica está bem explicitada, e os dados,
disponíveis (permitindo que a organização seja reordenada a qualquer momento), decidi seguir em frente.
Para minimizar os efeitos potencialmente desvantajosos do recurso à minha intuiçãode falante do PB,
ainda, estou experimentando testes mais objetivos para determinar as classes de alternância (como o teste
da perífrase causativa, que apreseno mais adiante). Além disso, para balisar minha própria intuição com a
de outros falantes do PB, tenho buscado ajuda na literatura pertinente. Em especial, consultei
sistematicamente o “Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil” (1991) e “Uma
gramática de valências para o português” (1996), de Francisco Borba, e a “Gramática Descritiva do Português: as
valências verbais”, de Mário Perini (no prelo - na forma das provas editoriais gentilmente enviadas pelo
autor).
A segunda vantagem da classificação nesses moldes é que ela possibilita estudos comparativos. De fato,
esta descrição da gramática do Português Clássico tem interesse centralmente diacrônico – isto é, a
intenção é comparar este estado de língua com o PB. Sendo assim, não é absurdo partir de classes
definidas segundo a gramática do PB; isto torna possível, justamente, uma comparação entre os dois
estados da língua, de modo que os dados de intuição do PB servem como guias para compreender a
gramática do PC. Com tudo isso, entretanto, saliento novamente o caráter desse estudo como um
experimento, cujos frutos espero colocar à prova por meio da divulgação dos resultados, para então
decidir se vale a pena prosseguir na pesquisa com estes moldes.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |18|
Nesse sentido da comparação diacrônica, destaco, de partirda, um primeiro resultado da análise realizada
nesses moldes (e que pode ser conferido nos quadros da seção 2 a seguir): no corpus relativo ao
Português Clássico os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor que aquela observada
por estudos recentes sobre o PB, como Negrão & Viotti (2008), Perini (2008), Cançado (2005) entre
outros. Esse resultado inicial confirmaria, portanto, a previsão diacrônica de Negrão & Viotti (2008), no
sentido de um aumento na flexibilidade das diáteses no PB. De 172 verbos estudados, em apenas 6 se
atestam alternativamente construções transitivas e intransitivas. Observo que Perini (2008), entre 120
verbos analisados, classifica 90 como passíveis de “alternância ergativa” - ou seja, de aparecerm ora
transitivos, ora intransitivos. Embora seja impossível sabermos se esta proproção remete imediatamente à
siutuação geral da língua na época (como destaquei acima) , a diferença entre as duas situações é colossal:
no estudo de Perini (2008) para o PB, a proporção de 90/120 equivale a cerca de 75% de verbos de
alternância ergativa; neste estudo para o PC, 6/172 equivaleria a cerca de 5% de verbos de alternância.
Quanto ao segundo tipo de alternância que abordo no Detalhamento (a alternância entre os argumentos
da grade que podem se construir como sujeito), trata-se de um fenômeno mais amplo que o da
alternância de transitividade, conforme irei comentar depois.
Uma terceira propriedade que eu gostaria de apontar quanto a esta maneira de agrupar os dados é a visão
que ele permite sobre a relação entre agentividade e apagabilidade. De fato, como detalho nas seções a
seguir, embora a intuição sobre a relação entre a propriedade de “agentividade” de um argumento e a
propriedade de esse argumento ser “apagado” tenha se revelado muito cedo no trabalho de análise, foi
com a organização dos dados segundo a amplitude potencial de diátese que esta correlação se verificou
mais claramente, como se detalha mais adiante.
O experimento revelou ainda uma propriedade inesperada. Ao agrupar os dados conforme a amplitude
“potencial” de diátese, percebo que se abre um caminho para compreender um dos aspectos mais
espinhosos da análise comparada entre o PC e o PB: a realização do pronome SE. O que se observa
preliminarmente nos quadros a serem apresentados é que a realização assim chamada “inerente” de SE no
PC parece fortemente correlacionada com a amplitude de valência que cada verbo virá a desenvolver no
PB. De fato, os verbos que tendem a aparecer com SE são justamente ou aqueles que aparecem como
intransitivos ou como transitivos no PC (e que, no PB, também parecem aceitar ambas as construções),
ou aqueles que aceitam alternância de transitividade no PB: {abrir-SE}, {acabar-SE}, {corromper-SE}.
Isso poderia ser visto simplesmente como mais um sinal da “perda do SE” no PB; entretanto, não é essa
a perspectiva que adoto. Com Cavalcante (2006), entre outros, considero que “SE” não está “em
desaparecimento” no PB; o que me parece é que as propriedades gramaticais que se manifestavam, no
PC, pelo uso do SE, estão hoje erodidas no PB. “SE”, acredito, realiza uma camada estrutural da frase
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verbal no PC, e seu “menor uso” no PB é sinal da maior possibilidade de essa camada estrutural não ser
realizada. O estudo detalhado da sintaxe do SE será centralmente relevante para o prosseguimento da
pesquisa, e volto a este aspecto na seção 3. Por ora, compõe-se o seguinte quadro:
_ valência
grupo
1. [V x *y]
exemplo
(valência 1)
intransitivos
2. [V: x (y)] (valência 1, 2)
alternância transitiva
3. [V: x y]
(valência 2)
transitivos
[x]
+ valência
[x y] ?
[x], [y]
1. {acontecer} x acontecer
(* acontecer-SE)
(* y acontecer x)
2.1 {acordar}
x acordar
(? acordar-SE)
(y acordar x)
2.2 {abrir}
x abrir
x abrir-SE
y abrir x
2.3 {acabar}
(x acabar )
(x acabar-SE)
y acabar x
3.
{defender}
(*x defender )
(x defender- SE)
y defender x
Na Seção 3 adiante, ao detalhar os resultados preliminares, tentarei desenvolver melhor esses pontos aqui
introduzidos, e vou procurar também comentar e explicitar os empecilhos ainda presentes na análise das
diáteses (como por exemplo o tratamento dado aos argumentos “oblíquos”, [ z ]).
1.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos
Os dados organizados segundo a valência atestada para cada ocorrência e classificados segundo os
critérios acima definidos foram analisados ainda quanto à expressão dos diferentes argumentos, lexical ou
nula.
Ao longo do trabalho de levantamento e análise dos dados, comecei a observar uma correlação entre a
propriedade semântica de “agentividade” e a probabilidade de um argumento ser “apagado”, ou seja, de
não ser expresso lexicalmente, embora sua interpretação esteja disponível. Considerando que esta
correlação poderia ser um fator importante na compreensão das propriedades gramaticais envolvidas na
expressão dos argumentos nesta fase do português, passei a revisar todos os dados estudados,
classificando os argumentos elididos e não elididos conforme a propriedade de “agentividade”, e
tabulando os números relativos à forma da expressão dos argumentos sujeitos, fossem nulos ou lexicais.
Nesta seção mostro os fatos empíricos assim sistematizados, e comento suas conseqüências para o
prosseguimento da pesquisa.
A correlação entre “agentividade” e expressão so sujeito começou a se revelar com a análise dos verbos
de diátese ampla, do Grupo 2, uma vez que nesses casos podemos facilmente contrapor usos “agentivos”
e “não-agentivos” de um mesmo verbo. Vamos tomar inicialmente, por exemplo, o verbo {dar}. Ele
aparece nos dados do Corpus Tycho Brahe 33 vezes com três argumentos, um dos quais eu interpretei
como “agentivo”, como no exemplo abaixo:
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(a) E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-se direito para cima como
um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e estando assim a par com ele, __ [deu]lhe uma estocada pela barriga, e dando-lha no mesmo instante se desviou para uma parte
com tanta velocidade, que não pode o Monstro levá-lo debaixo de si : porém não pouco
afrontado, porque o grande torno de sangue que saiu da ferida, lhe deu no rosto com tanta
força que quase ficou sem nenhuma vista .
Em outras 8 ocorrências de {dar}, não interpreto um argumento “agentivo” na grade; são casos como os
seguintes:
(a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada )
[deu]-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se [apartarem] alguns
navios da companhia.
(b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram
[dar] na costa desta província
(c) E dali a poucos dias __ [deram] consigo na terra dos contrários ( que seria distância de três
jornadas pouco mais ou menos) onde fizeram suas ciladas junto da aldeia em parte que
mais pudessem ofender a seus inimigos
Pois bem; entre as 33 ocorrências com três argumentos, um deles agente, em 29 casos (88%) o argumento
agente está apagado; já nos 8 casos em que não há um argumento agente, em apenas 2 (25%) casos o
argumento principal está apagado (são eles os exemplos (b) e (c) acima).
Um levantamento inicial dos dados, cruzando a expressão lexical ou nula dos sujeitos com a propriedade
de “agentividade” dos argumentos sujeitos revelou que esta observação inicial a respeito de {dar} até se
confirmava no geral dos dados: enquanto os sujeitos que eu interpretava como “não-agentes” aparecem
nulos em 50% dos dados, os sujeitos “agentes” aparecem nulos em 65% dos dados (cf. Gráficos 2 e 3 a
seguir). Entretanto, ainda não me pareceu que esse resultado estatístico (embora expressivo, com 15
pontos de diferença entre os dois grupos) refletisse a observação intuitiva dos dados, nos quais a
desproporção me parecia muito maior.
O principal problema dessa tabulação inicial dos dados quanto à “agentividade” foi o de conferir
objetividade à classificação dos argumentos entre “agentivos” e “não-agentivos”. De início procurei
contrapor a interpretação da minha própria reflexão com consultas à bibliografia especializada. Para o
caso de {dar}, por exemplo, Borba (1991) registra usos equivalentes ao que eu encontrei no Corpus:
(a) ... [deu]-lhe uma estocada pela barriga
V: dar, SN dar SN SP: [ + agentivo ] V [ - agentivo] em [ + - agentivo ]
‘conceder, aplicar’ (Borba 1991: 364)
(b) ... [deu]-lhes um temporal.
V: SN dar SP: [ - agentivo ] V [ - agentivo ]
‘manifestar-se em, acomenter’ (Borba 1991: 365)
obs.: “com sujeito paciente”; ex. “Deu uma bruta febre na criança”
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |21|
(c) ... foram [dar] na costa desta província
(d) E dali a poucos dias [deram] consigo na terra dos contrários
V: dar, SN SP
‘encontrar, topar, deparar’ (Borba 1991: 364)
obs: “com sujeito paciente”
Entretanto, nem todos os usos que encontro nos textos da época clássica estão registrados nos
dicionários contemporâneos. Nesses casos, busquei interpretar os dados pelo critério fundamental da
propriedade de controle que o argumento sujeito me parecia exercer sobre o processo expresso pelo
verbo. Entretanto, em muitos casos, a semântica das orações torna desafiador esse tipo de análise;
considere-se por exemplo a seguinte frase em que me parece haver controle do sujeito de {aparecer}:
(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos, lhe
[apareceu] nossa Senhora , e disse: ...
Note-se, a propósito, que os dados trabalhados neste estudo, além de serem dados atestados e não de
intuição, são atestados nos mais diversos tipos de texto (ou seja, simplesmente, aqueles que se encontram
disponíveis para o período), e incluem os mais variados contextos discursivos, envolvendo metáforas,
usos figurados, etc. “Limpar” os dados desse tipo de ocorrência significaria reduzir drasticamente o
universo de pesquisa. Assim, tendo em vista o interesse em prosseguir na investigação daquela primeira
correlação observada, passei a buscar meios de análise mais objetivos, pensando em métodos para poder
capturar a generalização da agentividade sem depender exclusivamente da análise “caso a caso”, e
procurei estudar a literatura lingüística sobre essa relação entre as propriedades semânticas e os padrões
de expressão dos argumentos.
Quanto à pesquisa bibliográfica sobre a questão da relação entre propriedades semânticas e apagamento,
encontrei na teoria de Preferred Argument Structure um campo promissor para pesquisas futuras. Essa
linha de pesquisa (Du Bois et al. 2003) se propõe a estudar as relações entre a semântica e a forma dos
constituintes argumentais nas diferentes línguas. Seu ponto de partida é a tendência observada por Du
Bois de que a hierarquia entre os papéis temáticos se revela não apenas a escolha dos argumentos sujeitos,
mas também a forma que estes tomam na sentença, de mais lexical (NP) para menos lexical (pronomes
lexicais ou nulos). Com o desenvolvimento da pesquisa, poderei contrapor os dados do Português
Clássico com o que se discute em Du Bois (2003) a respeito da hierarquia temática da expressão do
sujeito em diferentes línguas.
Nota-se que o desenvolvimento desta linha da pesquisa depende crucialmente do aprofundamento da
reflexão sobre “papéis temáticos”, visando uma melhor descrição e compreensão dos dados. Nesse
aspecto tenho me apoiado, centralmente, no trabalho de Marcia Cançado sobre a hierarquia temática no
Português Brasileiro (Cançado 2003, 2005, 2006 entre outros). No detalhamento, discuto a visão dos
papéis temáticos como característica composicional derivada da combinação entre algumas propriedades
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |22|
semânticas fundamentais acarretadas pelos verbos nas diferentes construções, procurando indicar como
essa proposta ajuda a compreender os dados aqui pesquisados.
Por fim, no que remete à busca de critérios mais objetivos, o cruzamento dos dados de apagamento de
sujeito com a tabulação por grupos de diátese se reveleou muito interessante: nota-se, com isso, um
quadro um pouco mais claro da relação entre “agentividade” e apagamento. Como se mostra na seção 2
se comenta no detalhamento, o peso do fator “agentividade” (considerado interpretativamente, “caso a
caso”) sobre a expressão dos sujeitos é menor que o peso do fator classe de diátese; e a combinação dos
dois fatores resulta num panorama muito interessante sobre a relevância da semântica agentiva sobre a
expressão dos sujeitos.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |23|
2. Resultados Iniciais
Nessa seção apresento os resultados iniciais obtidos pela descrição dos dados a partir dos procedimentos
resumidos até este ponto. Em 2.1, estão os quadros formados pela verificação das valências de cada verbo
já sistematizado. Em 2.2, estão os gráficos que mostram os padrões de expressão dos sujeitos (nulos ou
lexicais) nos dados. Na seção 3, Detalhamento, esses resultados serão comentados.
2.1 Mapeamento inicial das construções
Os quadros a seguir apresentam os padrões de realização argumental de 172 verbos, organizados segundo
as construções atestadas no corpus até este momento. Cada quadro inclui dois campos principais
definidores da classificação: realização de [ x ], realização de [ y ]. Entre os dois há um terceiro campo
importante, que remete à realização inerente ou reflexiva do pronome SE. Quanto à realização de [ z ],
como já mencionei acima, esta não foi considerada como característica definidora de classe de alternância,
e por isso é listada abaixo de cada um dos três grupos principais. O número que segue imediatamente
cada verbo nos quadros representa a valência atestada; o número em seguida a este, entre parênteses,
refere-se ao grupo que os vebos integram em termos de diáteses potenciais. Nos campos que descrevem a
expressão de [ x ] e de [ y ], os itens marcados com negrito representam construções efetivamente
registradas no corpus; os itens em itálico e entre parênteses representam construções previstas como
possíveis, mas que não se registraram até este ponto do corpus. Exemplifico com a seguinte entrada:
1. dissolver 3 (2.3) (x dissolver)
x dissolver-SE
x dissolver-SE em z
y dissolver x
y dissolver x em z
z dissolver x
... porem o grão formado se
[dissolve] pela decomposição das
partes oleozas
... porque liquor algum não [dissolve] estas
peliculas
Seria muito vantajoso para a economia
Este sal ferveo notavelmente com o domestica encontrar-se huma substancia
espirito de vitriolo, e a sua maior
antiseptica que , tendo hum cheiro, e hum
parte nelle se [dissolveo]
gosto agradavel, possa ser [dissolvida] nas
substancias oleosas
A entrada especifica que para {dissolver}, atestam-se as construções {x dissolver-SE} (e sua
subordinada, {x dissolver-SE em z}) e {y dissolver x} (e suas subordinadas, {y dissolver x em z}, e {z
dissolver x}). Especifica também que eu prevejo como possível a construção {( x dissolver )} no PB. O
número 3 mostra que o item aprensenta padrão de valência 3, transitivo; (2.3) indica que está analisado no
grupo 2.3 (transitivos do corpus que aceitam construção intransitiva no PB). Assim, os quadros se
organizam de acordo com a relação entre as construções atestadas no corpus e as construções previstas
no PB. O Quadro-resumo que precede os demais mostra o cenário assim composto.
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dhpb 57
2.1.1 Quadro-Resumo
Esquema de
Valência
Descrição
[x],
[ x ][ z ]
I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas
classe
no de
verbos
no de
ocorrências
falecer
12
897
2.1
engordar
20
59
II.1 Em construções intransitivas e com {SE}
(analisados como intransitivos ~ transitivos no PB)
2.1
correr
2
26
II.2 Apenas em construções com {SE}
(analisados como intransitivos ~ transitivos no PB)
2.1
corromper
18
23
II.3 Em construções transitivas e com {SE},
analisados como intransitivos ~ transitivos no PB
2.2
conservar
9
224
3
achar
8
1299
2.2
abrir
6
1879
?
casar
2
65
2.3
acabar
12
17
IV.2 Analisados como transitivos estritos no PB
3
defender
62
342
IV.3 Analisados como transitivos estritos no PB
(complemento apagável)
3
comer
5
16
IV.4 Analisados como transitivos estritos no PB
(objeto preposicionado)
3
bater
16
27
172
4874
I.1 Analisados como intransitivos estritos no PB
I.2 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB
1
exemplo
[ x ]-SE [ y ] ? II.Verbos atestados em construções com {SE}
[ x ][ y ]-SE ?
II.4 Em construções transitivas e com {SE},
analisados como transitivos estritos no PB
[x],
[ x ][ z ],
[ x ][ y ],
[ x ][ y ][ z ]
III. Verbos atestados em construções intransitivas,
construções com {SE} e construções transitivas
III.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB
III.2 Casos duvidosos
[ x ][ y ],
[ x ][ y ][ z ]
IV. Verbos atestados apenas em construções transitivas
IV.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |25|
2.1.2 Quadros Descritivos
I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus
I.1 Verbos em construções intransitivas,
analisados como intransitivos estritos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
acontecer
1 (1)
x acontecer
x acontecer (a) z-DAT
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
dhpb
ctb
868
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
11
ctb
4
E muitas vezes é tamanho o peso delas,
que [acontece] quebrar a planta pelo meio .
2.
agir
1 (1)
x agir
e portanto faze filho sempre como [ajam]
todos direito assi grandes como pequenos
3.
aparecer
1 (1)
(x aparecer)
x aparecer (a) z-DAT
E jazendo Dom Eguas uma noite
dormindo, sendo já o Menino de cinco
anos, lhe [apareceu] nossa Senhora, e disse:
4.
bastar
1 (1)
(x bastar)
x bastar (a) z
porque não há lá impedimento de coutadas
como nestes Reinos, e um só Índio [basta] (
se é bom caçador) a sustentar uma casa de
carne do mato:
5.
brotar
1 (1)
(x brotar)
x brotar de z-LOC
mas tornam logo a nascer dela uns filhos
que [brotam] do mesmo pé
6.
caber
1 (1)
x caber
x caber em z-LOC
Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros
spirituais, e agora que vierão os filhos não
[cabe] de alegria por ver que a
descarregarão da governança e que tem
tempo para se dar a Deos.
7.
cair
1 (1)
x cair
x cair em z-LOC
x cair de z-LOC
E tanto que as tais castanhas são maduras,
[caem] estas sapadoiras , e dali começam as
mesmas castanhas também a [cair] pouco a
pouco até não ficar nenhuma dentro dos
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[x]
[ x ][ z ]
vasos.
desaparecer
8.
1 (1)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
x desaparecer
ctb
1
ctb
2
ctb
4
ctb
2
ctb
1
[Desaparecida] esta visão ficou muito
consolado Dom Eguas Moniz
dormir
9.
1 (1)
x dormir
Dom Eguas, [dormes]?
10.
durar
1 (1)
(x durar)
? x durar z
A fresca é mais mimosa e de melhor gosto
mas não [dura] mais que dois ou três dias, e
como passa deles, logo se corrompe.
11.
escapar
1 (1)
(x escapar)
x escapar (a) z-DAT
Estes são muito ligeiros e de maravilha lhe
[escapa] ave , ou qualquer outra caça a que
remetam.
12.
falecer
1 (1)
x falecer
... e tanto que ele [faleceu] logo seu filho
Dom Affonso Anriques ficando em idade
de dezoito anos se fez chamar Príncipe
897
I.2 Verbos em construções intransitivas,
analisados como transitivos ~ intransitivos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
acordar
1 (2.1)
(x acordar)
x acordar a z
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
(y acordar x)
Ele a esta voz , e visão [acordando]
respondeu:
2.
acudir
1 (2.1)
x acudir
x acudir a z
(y acudir x)
ctb
E [acudiu] a Rainha sua mãe dizendo:
Minha é a terra, e serra, que meu pai
ma deu, e ma deixou
Neste tempo [acodiram] alguns
escravos aos gritos da Índia que estava
em vela
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4
[x]
[ x ][ z ]
3.
1 (2.1)
adoecer
x adoecer
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
(y adoecer x)
ctb
1
(y afastar x)
ctb
1
(y amadurecer x)
ctb
1
(y andar x)
ctb
8
(y arrebentar x)
ctb
2
(y cavalgar x)
ctb
1
(y cessar x)
ctb
3
E tendo-a assi preitejada veio o Conde
a [ adoecer] de modo, que bem
conheceu não haver nele vida.
4.
1 (2.1)
afastar
x afastar
Alguns deles nascem no interior do
Sertão , os quais vem por longas e
tortuosas vias a buscar o mesmo
Oceano: onde suas correntes fazem
[afastar] as marinhas águas por força, e
entram nele com tanto ímpeto , que
com muita dificuldade e perigo se pode
por eles navegar.
5.
amadurecer
1 (2.1)
x amadurecer
Como são de vez colhem estes cachos,
e dali a alguns dias [amadurecem].
6.
andar
1 (2.1)
x andar
Tem uma gadelha grande no toutiço
que lhe cobre o pescoço , e [anda]
sempre com a barriga lançada pelo
chão , sem nunca se levantar em pé
como os outros animais
Neste tempo [andando] a era de
Nosso Senhor de mil cento e três , foi
este Conde Dom Anrique a ultramar à
Casa Santa de Jerusalém, conquistada
havia quatro anos de Cristãos
7.
arrebentar
1 (2.1)
x arrebentar
E acima desta cachoeira se mete o
mesmo rio debaixo da terra e vem sair
daí uma légua: e quando há cheias
[arrebenta] por cima e arrasa toda a
terra.
8.
cavalgar
1 (2.1)
x cavalgar
Tanto que Dom Eguas Moniz soube
que a Rainha parira, [cavalgou] à
pressa , e veio-se a Guimarães onde o
Conde estava
9.
cessar
1 (2.1)
x cessar
y cessar de x ?
A viração destes ventos entra ao meio
dia pouco mais ou menos, e dura até de
madrugada: então [cessa] por causa dos
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |28|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
vapores da terra que o apagam .
... e assi como os bons pela justiça se
fazem melhores recebendo prêmio, e
galardão de suas boas obras assi os
maus vem a ser bons, ou ao menos
[cessam] de seus males com receio da
pena
10.
1 (2.1)
crescer
x crescer
(y crescer x)
ctb
2
(y curtir x)
ctb
1
(y emprenhar x)
ctb
1
(y engordar x)
ctb
1
(y enobrecer y)
ctb
1
(y entrar x)
ctb
21
E assim antes de muito tempo
(segundo a gente vai [crescendo]) se
espera que haja outros muitos edifícios
e templos muito suntuosos com que de
todo se acabe nesta parte a terra de
enobrecer.
11.
1 (2.1)
curtir
x curtir
E tanto que as arrancam, põem-nas a
[curtir] em água três quatro dias, e
depois de curtidas, pisam-nas muito
bem.
12.
emprenhar
1 (2.1)
x emprenhar
Depois que o Conde Dom Anrique
foi casado com a Rainha Dona
Tareja , filha del-Rei de Castela como
dito é, vindo ela a [emprenhar], Dom
Eguas Moniz muito esforçado , e
nobre Fidalgo , grande seu privado, que
com ele viera da sua terra, e a quem
tinha feito muita mercê, chegou ao
Conde pedindo-lhe que qualquer filho,
ou filha , que a Rainha parisse lhe o
quisesse dar para o ele criar, e o
Conde lhe o outorgou
13.
engordar
1 (2.1)
x engordar
Vivem todos muito descansados sem
terem outros pensamentos , senão de
comer, beber, e matar gente , e por isso
[engordam] muito: mas com qualquer
desgosto pelo conseguinte tornam a
emagrecer.
14.
enobrecer
1 (2.1)
x enobrecer [ ?]
... com que de todo se acabe nesta parte
a terra de [enobrecer]
15.
entrar
1 (2.1)
x entrar
x entrar z-LOC
x entrar em z-LOC
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |29|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
x entrar por z-LOC
Como se acham famintos [entram] nos
currais do gado, e matam muitas vitelas
e novilhos que vão comer ao mato, e o
mesmo fazem a todo animal que
podem alcançar.
16.
assistir
1 (2.1)
(x assisitr)
x assistir em z-LOC
(y assistir x)
ctb
2
(y aproveitar x)
ctb
2
(y aportar x)
ctb
1
(y ancorar x)
ctb
1
(y chegar x)
ctb
5
Mas porque de umas a outras há muita
distância , e a gente vai em muito
crescimento, repartiu-se agora em duas
governações, convém a saber, da
capitania de Porto Seguro para o Norte
fica uma , e da do Espírito Santo para o
Sul fica outra: e em cada uma delas
[assiste] seu governador com a mesma
alçada.
17.
aproveitar
1 (2.1)
(x aproveitar)
x aproveita a z
x aproveita para z
Também [aproveita] para as mesmas
enfermidades , e aqueles que o
alcançam têm-no em grande estima e
vendem-no por muito preço
... mas segue todavia justiça temendo ,
e amando muito a Deus , para que
sejas dos teus amado, e temido, tendo
Deus em tua ajuda, terás as gentes para
teu serviço, e sem ela não há poder,
nem saber que te [aproveite].
18.
aportar
1 (2.1)
(x aportar)
x aportar em z-LOC
...e a causa porque a terra se chamou
Portugal , foi que antigamente sobre o
Douro foi povoado o Castelo de
Guaya, e por [aportarem] aí
mercadores, e navios...
19.
ancorar
1 (2.1)
(x ancorar)
x ancorar em z-LOC
... e por aportarem aí mercadores, e
navios , e assi pescadores pelo Rio
dentro [ancorarem] e estenderem suas
redes da outra parte para isso mais
conveniente, se povoou outro lugar,
que se chamou o Porto
20.
chegar
1 (2.1)
(x chegar)
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |30|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
x chegar a z-LOC
e com aquele vento que lhes era largo
por aquele rumo, foram correndo a
costa até [chegarem] a um porto limpo
e de bom surgidouro onde entraram
59
II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus
II.1 Verbos em construções intransitivas e em construções com {SE}
(analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)
[x]
[ x ][ z ]
1.
2.
correr
esgalhar
1 (2.1)
1 (2.1)
↔
x correr
x correr z-LOC
x correr-SE de z a z-LOC
Está formada esta província à
maneira de uma harpa: cuja costa
pela banda do Norte [corre] do
Oriente ao Ocidente e está olhando
direitamente a Equinocial
[Corre]-se da boca , do Sul para
o Norte: dentro é muito fundo e
limpo, e pode-se navegar por ele
até sessenta léguas como já se
navegou .
x esgalhar
x esgalhar-SE
Em cada uma dellas têm os
lavradores estudado o que sabem e
podem observar, para se
deliberarem a plantal-a: Observam,
por exemplo, que dando bôa raiz, a
maniba-mirim [esgalha] tanto, que
difficulta o accesso dos Indios, e
em os esgalhos que deita diminue a
raiz, se os não decotam
Este grande paiz faz assento
sobre a encosta oriental da
grande, lombada ou serra , que
desprendendo-se e [esgalhando]se da grande e principal serra de
Minas, na altura de 21, corre a
Poente, e vai separando as aguas
de dois grandes rios ...
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
(y correr x)
ctb
2
? (y esgalhar x)
dhpb 24
26
II.2 Verbos atetestados apenas em construções com {SE}
(analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)
[x]
[ x ][ z ]
1.
abalar
1 (2.1)
↔
(x abalar)
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
(y abalar x)
ctb
1
(y afadigar x)
ctb
1
x abalar-SE contra z
Quando El-Rei de Castela viu
o recado de sua tia, aprouve-lhe
muito com ele , e fez logo
prestes suas gentes de Castela,
e de Lião, e de Araguão, e de
Gualiza, e [abalou] com muito
grande poder contra Portugal
2.
afadigar
1
? (x afadigar)
x afadigar-SE
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |31|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
Príncipe não nos [afadiguemos]
mais nesta contenda, mas
ajuntemos-nos um dia em
batalha
3.
1
apartar
(? x apartar)
(y apartar x)
ctb
2
(y arredar x)
ctb
1
(y comedir x)
ctb
1
(y conjurar x)
ctb
1
(y corromper x)
ctb
1
x apartar-SE de z
E sendo já entre as ilhas do
Cabo Verde (as quais iam
demandar para fazer aí aguada )
deu-lhes um temporal, que foi
causa de as não poderem tomar,
e de se [apartarem] alguns navios
da companhia.
4.
1
arredar
(? x arredar)
x arreda-SE de z
e por tanto faze filho sempre
como ajam todos direito assi
grandes como pequenos , e
nunca por rogo , nem cobiça ,
nem outra nenhuma afeição
deixes de fazer justiça , que o
dia que um só palmo a
deixares de fazer logo no outro
se [arredará] de teu coração
uma braçada.
5.
1
comedir
(? x comedir)
x comedir-SE em z
Enfim que assim se houve a
Natureza com todas as coisas
desta província , e de tal maneira
se [comediu] na temperança dos
ares, que nunca nela se sente frio
nem quentura excessiva .
6.
1
conjurar
? (x conjurar)
x conjurar-SE
O primeiro capitão que a
conquistou e que a começou de
povoar , foi Francisco Pereira
Coutinho : ao qual desbarataram
os Índios , com a força da muita
guerra que lhe fizeram , a cujo
ímpeto não pode resistir , pela
multidão dos inimigos que então
se [conjuraram] por todas
aquelas partes contra os
Portugueses .
7.
corromper
1 (2.1)
(x corromper)
x corromper-SE
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |32|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
A fresca é mais mimosa e de
melhor gosto mas não dura mais
que dois ou três dias, e como
passa deles , logo se [corrompe].
1.
3 (3.3)
cozer
(* x cozer)
x cozer-SE
(x cozer)
ctb
1
(y desmandar x)
ctb
3
(y desviar x)
ctb
1
(y embarcar x)
ctb
1
(y empegar x)
ctb
1
Também se [coze] com couves
e guisa-se como carne, e assim
não há pessoa que o coma, que
o julgue por peixe: salvo se o
conhecer primeiro.
8.
desmandar
1
(? x desmandar)
x desmandar-SE em z
A esta fruta chamam Cajús: tem
muito sumo , e come-se pela
calma para refrescar , porque é
ela de sua natureza muito fria, e
de maravilha faz mal, ainda que
se [desmandem] nela
9.
desviar
1 (2.1)
(x desviar)
x desviar-SE para z-LOC
E vendo o monstro que ele lhe
embargava o caminho, levantouse direito para cima como um
homem, fincado sobre as
barbatanas do rabo, e estando
assim a par com ele , deu-lhe
uma estocada pela barriga, e
dando-lha no mesmo instante se
[desviou] para uma parte com
tanta velocidade, que não pode o
Monstro levá-lo debaixo de si
10.
embarcar
1 (2.1)
(x embarcar)
x embarcar-SE em z-LOC
E quando acontece alagar-se
alguma os mesmos Índios , se
lançam ao mar, e a sustentam até
que a acabam de esgotar , e
outra vez se [embarcam] nela e
tornam a fazer sua viagem.
11.
empegar
1
(? x empegar)
x empegar-SE a z-LOC
E depois de haver bonança junta
outra vez a frota, [empegaram]se ao mar, assim por fugirem das
calmarias de Guiné, que lhes
podiam estorvar sua viagem,
como por lhes ficar largo
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |33|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
poderem dobrar o cabo de Boa
Esperança.
12.
1 (2.1)
encolher
(x encolher)
x encolher-SE
(y encolher x)
ctb
1
(y encomendar x)
ctb
1
(y endurecer x)
ctb
1
(x esquecer y)
ctb
1
(y estreitar x)
ctb
1
Quando alguém lhe toca com as
mãos, ou com qualquer outra
coisa que seja , naquele
momento se [encolhe] e murcha
de maneira, que parece criatura
sensitiva que se enoja e recebe
escândalo com aquele
tocamento
13.
encomendar
1
(* x encomendar)
x encomendar-SE (a) z-DAT
Começando de escrever das
vidas , e muito excelentes
feitos dignos de eterna
memória , dos muito
esclarecidos Reis de Portugal ,
[encomendo]-me àquele
guiador de seus nobres , e
virtuosos corações Espírito
Santo , que assi como
participou com eles de sua
infinda graça para as obrar, me
queira dar alguma para os
escrever ...
14.
endurecer
1 (2.1)
(x endurecer)
x endurecer-SE
Este âmbar todo quando logo
sai , vem solto como sabão e
quase sem nenhum cheiro: mas
daí a poucos dias se [endurece],
e depois disso fica tão odorífero
como todos sabemos.
15.
esquecer
1
(*x esquecer)
x esquecer-SE de z
Por onde não parece razão, que
lhe neguemos este nome, nem
que nos [esqueçamos] dele tão
indevidamente por outro que lhe
deu o vulgo mal considerado ,
depois que o pau da tinta
começou de vir a estes Reinos
16.
estreitar
1 (2.1)
(x estreitar)
x estreitar-SE
Aqui se metem dois rios nele
que vem do sertão, por um dos
quais entraram alguns
Portugueses quando foi do
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |34|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
descobrimento que foram fazer
no ano de 35 e navegaram por
ele acima duzentas e cinqüenta
léguas, até que não puderam ir
mais por diante por causa da
água ser pouca e o rio se ir
[estreitando] de maneira, que
não podiam já por ele caber as
embarcações.
17.
finar
1
(? x finar)
x finar-SE
ctb
1
ctb
2
Desta doença se veio a [ finar ]
o Conde Dom Anrique em
Estorgua dois meses , e cinco
dias antes que o prazo de Lião
fosse acabado.
18.
acolher
3 (3.3)
(* x acolher)
(y acolher x)
x acolher-SE em z
Quando o Príncipe Dom
Affonso Anriques viu que não
tinha onde se [acolher], e que
sua mãe tão pouco dele
curava, ...
23
II.3 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE}
(analisados como transitivos ~ intransitivos no PB)
[x]
[ x ][ z ]
1.
2.
ajuntar
conservar
3 (2.3)
3 (2.3)
(x ajuntar)
(x conservar)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
x ajuntar-SE
y ajuntar x (?)
e os Índios da terra que ali se
[ajuntaram] ouviam tudo com
muita quietação
... e a causa porque a terra se chamou
Portugal , foi que antigamente sobre o
Douro foi povoado o Castelo de
Guaya, e por aportarem aí mercadores,
e navios , e assi pescadores pelo Rio
dentro ancorarem , e estenderem suas
redes da outra parte para isso mais
conveniente, se povoou outro lugar, que
se chamou o Porto, que ora é Cidade
muito principal, donde [ajuntando] estes
dois nomes, foi chamado Portugal
x conservar-SE
y conservar x
E depois de criadas desta
maneira, se logo as não querem
arrancar para comer, cortamlhe a planta pelo pé, e assim
estão estas raízes cinco, seis
meses debaixo da terra em sua
... de sua mão somos isso, que somos, e
o que temos não teríamos, se da sua
mão, e bondade o não tivéssemos, e por
tanto trabalhaste por [conservar] em seu
serviço.
ctb
ctb
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |35|
5
2
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
perfeição sem se danarem: e
em São Vicente se [conservam]
vinte, trinta anos da mesma
maneira.
3.
4.
danar
deitar
3 (2.3)
3 (2.3)
(x danar)
(x deitar)
x danar-SE
y danar x
... e assim estão estas raízes
cinco, seis meses debaixo da
terra em sua perfeição sem se
[danarem] ...
E como todos estes procedam da parte
do mar, ventam puros e coados, que não
somente não [danam]: mas recreiam e
acrescentam a vida do homem.
x deitar-SE em z-LOC
(y deitar x)
y deitar x em z-LOC (?)
ctb
3
ctb
2
dhpb
57
ctb
2
dhpb
30
Em lugar delas se [deitam] seus Não devia de aprazer a Deus tal coisa
maridos nas redes, e assim os que vós me queirais [deitar] fora da terra
visitam e curam como se eles que meu pai ganhou.
fossem as mesmas paridas.
5.
6.
dissolver
estender
3 (2.3)
3 (2.3)
(x dissolver)
x dissolver-SE
x dissolver-SE em z
y dissolver x
y dissolver x em z
z dissolver x
... porem o grão formado se
[dissolve] pela decomposição
das partes oleozas
... porque liquor algum não [dissolve]
Este sal ferveo notavelmente
com o espirito de vitriolo, e a
sua maior parte nelle se
[dissolveo]
Seria muito vantajoso para a economia
domestica encontrar-se huma substancia
antiseptica que , tendo hum cheiro, e
hum gosto agradavel, possa ser
[dissolvida] nas substancias oleosas
(x estender)
x estender-SE de z-LOC a z-
estas peliculas
(y estender x)
y estender x para z-LOC
LOC
Dista o seu princípio dois graus
da equinocial para a banda do
Sul, e daí se vai [estendendo]
para o mesmo Sul até quarenta
e cinco graus
7.
mexer
3 (2.3)
(x mexer)
... e por aportarem aí mercadores, e
navios , e assi pescadores pelo Rio
dentro ancorarem e [estenderem] suas
redes da outra parte para isso mais
conveniente, se povoou outro lugar, que
se chamou o Porto
x mexer-SE
y mexer x
y mexer x com z
y mexer x em z
Estão estas pinhas pegadas, e
por baixo das folhas, nas quaes
tocando os caminhantes logo
principiam a [mexer]-se, qual
formigueiro, quando lhe tocam
Ali põem o cacao, o qual vão [mexendo]
para se torrar todo igualmente, e ali se
torra tãobe, e se vai separando a casca da
pevide}
e fica esta massa toda muito enxuta, da
qual se faz a farinha que se come, que
cozem em um alguidar para isso feito,
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |36|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
em o qual deitam esta massa e a enxugam
sobre o fogo, onde uma Índia a [meche]
com um meio cabaço, como quem faz
confeitos
... & levada na Repartideira para o
Tendal, ſe enchem as Formas,
continuando com a Eſpatula a [mexer]
nellas todas as tres Temperas, de ſorte
que perfeitamente ſe encorporem, & de
tres se faça hum ſo corpo
8.
ornar
3 (2.3)
(x ornar)
x ornar-SE
x ornar-SE com z
x ornar-SE de z
y ornar x
y ornar x com z
y ornar x de z
A superstição de todas ellas,
seus differentes costumes,
extravagancia no vestir e em se
[ornarem], as suas festas e
bailes, os seus instrumentos
marciaes e festivos, as suas
armas e utensilios domesticos,
tudo isto apresenta um dilatado
campo de observações, ...
Disse que era amigo das cousas da egreja,
porque, não satisfeito de honrar todas as
festas com sua presença, tratando de
concertar e [ornar] as egrejas, como se vê
em Nossa Senhora do Rosario e Santo
Christo, ...
É contudo tão natural a paixão
de [ornar]-se com enfeites no
sexo amável, que elas, não por
falta de outros ornatos, tinham
furado o beiço de baixo e
pendente dêle um pedaço de
resina dura e alambreada,
ponteaguda, do comprimento
de um palmo, ... [
dhpb
60
dhpb
60
Os Saparas', Uaiumarás e Pauxianas,
[ornam] o peito com riscos, que com
direcção obliqua vão terminar ás costas.
Frey Ruperto de Jesus, monge de S.
Bento natural de Igrassu, de quem
fizemos memoria no livro quarto, foy
[ornado] de hu engenho agudo,
comprehenção rara, memoria feliz, cujos
dotes o fizerão igualmente celebre na
cadeira, como no pulpito, ...
E as mulheres se [ornam]
esquisitamente de missangas
grossas pelos braços, pernas, e
outros ao tiracol: ...
9.
pulverizar
3 (2.3)
(x pulverizar)
x pulverizar-SE com z
Lance-ſe huma gotta de leyte
de peyto em hum prato, nelle
ſe lance hum pano de linho
fino do tamanho, que cubra, a
tal inchaçaõ;e eſtando
eſtendido , e affogado no leyte,
ſe. [pulverize] todo o pano com
pós ſutis de incenſo
y pulverizar x
y pulverizar x com z
Para que os callos naõ tornem a naſcer.
He remedio de grande eſtimaçaõ
[pulverizar] a cova, donde ſe tirou o
callo, com a cinza, que ſe fizer das caſcas
das oſtras
224
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |37|
II.4 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE}
analisados como transitivos estritos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
achar
3 (3.3)
(* x achar)
↔
x achar-SE
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y achar x
y achar x (a) z-DAT
ctb
23
dhpb
74
dhpb
ctb
709
e os que lá forem viver com E até hoje um só caminho lhe
esta esperança não creio que [acharam] os homens vindos do Peru à
se [acharão] enganados.
esta província
2.
3.
benzer
criar
3 (3.3)
3 (3.3)
(* x benzer)
(* x criar)
x benzer-SE
y benzer x
y benzer (x) (?)
O louco namorado não
descansa, Enquanto tem
quem ouça as aventuras,
Que fez com as madamas,
mais Senhoras; [Benzendo]se mil vezes, quando chega
Aos lances apertados de ser
visto Dos maridos, dos Pais,
e dos parentes, Em que só
por milagre não foi morto.
[A00_1224].
No dia, em que ſe bota a Canna a
moer, ſe o Senhor do Engenho naõ
convidar ao Vigario; o Capellaõ
[benzerá] o Engenho, & pedira a Deos,
que dè bom rendimento, & livre
Cultura, aos que nelle trabalhaõ de
todo o deſaſtre. [A00_2576 P. 13].
x criar-SE
x criar-SE em z-LOC
y criar x
y criar (x)
y criar x em z-LOC
Estes papagaios são
variados de muitas cores , e
[criam]-se muito longe pelo
sertão dentro: e depois que
os tomam vêm a ser tão
domésticos que põem ovos
em casa e acomodam-se
mais à conversação da gente
que outra qualquer ave que
haja , por mais doméstica e
mansa que seja
... e isto feito farás aí vigília pondo o
Menino que [crias] sobre o Altar , e
sabe que guarecerá , e será sã de todo,
e não menos te trabalha daí avante de
o bem guardar, e criar como faze;
porque meu filho quer por ele destruir
muitos inimigos da Fé .
Se algua peſſoa adivinha, ou [benze],
ou cura com
palavras, ou
bençoes ſem noſſa
licença, ou de
noſſo Proviſor, &
ſe ha alguem que
a và buſcar,
cre ndo q̃ com ſua s
bençoens póde haver ſaude, ...
[A00_2472 ].
Os Índios da terra as costumam tomar
em seus ninhos quando são pequenas,
e [criam]-nas em umas sorças para
depois de grandes se aproveitarem das
penas em suas galantarias acostumadas
Esta planta não é muito grossa e tem
muitos nós: quando a querem plantar
em alguma roça, cortam-na e fazem-na
em pedaços, os quais metem debaixo
da terra, depois de cultivada como
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |38|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
estacas e daí tornam a arrebentar
outras plantas de novo : e cada estaca
destas [cria] três ou quatro raízes e daí
para cima (segundo a virtude da terra
em que se planta) as quais põem nove
ou dez meses em se cria
4.
envolver
3 (3.3)
(* x envolver)
x envolver-SE em z
y envolver x
y envolver x com z
y envolver x em z
É verdade, que entre elles a
dansa se não deve chamar
divertimento, antes é uma
occupação muito séria e
importante, que se [envolve]
em todas as circumstancias
da sua vida publica e
particular, e de que depende
o principio, e o fim de todas
as suas deliberações.
Dir-se-ha que a natureza encerrou no
Cacao hum remedio para todos estes
inconvenientes; o volatil sulphureo, de
que abunda, he capaz de repôr todos
os dias tudo quanto a grande idade faz
o sangue perder; embota a força dos
saes, os [envolve], os concentra, e
repõem ao sangue a sua doçura
acostumada, com pouca differença,
como o espirito de vinho, circulando
da com o espirito de sal, fórma hum
liquor doce de hum poderoso
corrosivo.
dhpb
71
dhpb
381
Passaram por ali acaso dois soldados
portugueses; um dêles, movido de
compaixão, deita-se, com piedade
cristã, aos pés do seu Deus, toma-o
nos braços com muitas lágrimas e
suspiros, [envolve]-o em uma capa de
baêta, e passa-se com êle ao lugar onde
se recolhe, sofrendo mil injúrias e
ouvindo mil blasfêmias dos hereges.
5.
temperar
3 (3.3)
(* x temperar)
x temperar-se
y temperar x
y temperar x com z
z temperar x
Daqui vem tambem não
poder o sal e o assucar, por
mais que o sequem, e
resguardem, conservar-se
sem humedecer-se, e o
ferro, e aço de huma espada
ou navalha, por mais limpo,
e sacalado, que seja se enche
logo de ferrugem, e esta
humidade he causa de que o
calor desta terra se
[tempere], e faz este clima
de boa complexão, outra he
pelos ventos Leste, e
Nordeste, que ventão do
mar todo o verão do meio
dia pouco mais ou menos,
athé a meia noite, e lavão e
Quando o querem cozinhar, lavam-no
muito bem, e depoes o cozinham, e
[temperam]
.. a qual comem os Indios e os
mestiços crua, e [temperam] as panellas
dos seus manjares com ella
Fuy [temperando] aquella inflãmaçaõ, e
dor com remedios anodinos ...
O Clima do Brasil geralmente he
[temperado] de bons, delicados, e
salutiferos ares
... porem accudiu divina Providencia
com chuvas e virações, que [temperam]
estas calmas
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |39|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
refrescão toda a terra.
6.
ajudar
3 (3.3)
(* x ajudar)
y ajudar x
ctb
5
dhpb
34
ctb
2
x ajudar-SE de z
Além disto [ajudam]-se da Estes moradores todos pela maior
carne de muitos animais que parte se tratam muito bem, e folgam de
matam
[ajudar] uns aos outros com seus
escravo
...há outras de que os
moradores fazem suas
fazendas, convém a saber ,
muitas canas de açúcar e
algodões, que é a principal
fazenda que há nestas
partes, de que todos se
[ajudam] e fazem muito
proveito em cada uma
destas capitania
7.
8.
arremessar
entregar
3 (3.3)
1 (3.3
(* x arremessar)
x arremessa-SE a z
(y arremessar x)
y arremessa x contra z
Rodeia a náu o tubarão nas
calmarias da Linha com os
seus pegadores ás costas,
tão cerzidos com a pelle,
que mais parecem
remendos, ou manchas
naturaes, que hospedes, ou
companheiros. Lançam-lhe
um anzol de cadeia com a
ração de quatro soldados,
[arremessa]-se furiosamente
á presa, engole tudo de um
bocado, e fica preso.
Êstes guaribas costumam a fazer-se a
barba uns aos outros, quando as têm
crescidas, ajudando-se para isso de
certas pedras agudas, unhas e dentes; e
quando lhes tiram com algumas flechas
e delas são ligeiramente feridos tornam
com muita brevidade a tirá-la logo do
corpo e, com acendida cólera, a
[arremessam] contra o que lha atirou,
intentando querer fazer o mesmo que
lhe fizeram; e a ferida curam depois
com facilidade, aplicando-lhe certas
ervas só dêles conhecidas.
x entregar-SE (a) z-DAT
y entregar x a z-DAT
São muito desonestos e
dados à sensualidade , e
assim se [entregam] aos
vícios como se neles não
houvera razão de homens
... e lhes foi forçado preitejarem-se por
esta guiza , que se El-Rei Dom
Affonso de Castela seu primo
chamado Imperador , lhes não
socorresse até quatro meses, eles lhe
[entregassem] a Cidade de Lião com
todas as rendas, e senhorio que El-Rei
nela tinha
(*x entregar)
1299
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |40|
III. Verbos atetestados em construções intransitivas
e construções transitivas no corpus
III.1 Verbos intransitivos e transitivos,
analisados como intransitivos e transitivos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
2.
abrir
abranger
2
3
(2.2)
(2.3)
↔
x abrir
x abrir-SE
y abrir x
y abrir x com z
Esta erva toda a noite está
murcha, e como dormente,
e em nascendo o sol torna a
[abrir], e quando se põe
torna a fechar.
... e como o algodão está
de vez, que é de Agosto
por diante, [abrem]-se
estas folhas, com que se
fecham estes capulhos, e
vão-se seccando e
mostrando o algodão que
tem dentro muito alvo
Estas aves pastam ervas
como qualquer outro
animal do campo, e nunca
se levantam da terra, nem
voam como as outras,
somente [abrem] as asas e
com elas vão ferindo o ar
ao longo da mesma terra
x abranger
x abranger z-LOC
( ? x abranger-SE)
y abranger x
? y abranger a x
2
(2.2)
dhpb 82
mas tanto que D. Isabel
commetteu sua jurisdicção a
outro, logo conheceu a
verdade, e assentou, que a
Capitania de S. Vicente
[abrangia] a Ilha de Santo
Amaro
E q' eu os encomendaria ao
s.or g.dor q' os deffendesse
e emparasse delles, dei aos
principais alguas reliquias
de ferramenta velha q' ficou
dos tapuyas, mas nem p.
isso os contentey porque
cuidão q' tudo isso e muito
mais se lhe deve, aonde não
[abrangerão] os machados e
fouces dei alguas facas ou
tizouras e entre estes avia
hu p. nome lagartixa
espalmada o qual era
sobrebisse...
achegar
dhpb 31
+ctb
As maõs cheyas, em que
tenho falado, e hey de falar,
he regularmente quanto
póde [abranger] huma maõ
com os dedos. E a palavra
dóſe, ou dóſes he o
meſmo, que huma porçaõ
tudo o mais he o
commum.
Tem este recolhimento
concessão para vinte
mulheres convertidas que
querem largar o mundo e
viver com honestidade, para
cuja sustentação tem
bastantes propriedades de
que os rendimentos sendo
bem administrados,
[abrangem] com suficiencia
3.
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
Esta é a mais ordinária, que
se vende, porque [abrange] a
todos, é o remédio dos
pobres, é o jornal dos
jornaleiros, o viático nas
jornadas, e a matalotagem
nas viagens de canoas, e
navios
x achegar
x achegar em z-LOC
x achegar-SE
x achegar-SE a z-LOC
y achegar x
y achegar x a z-LOC
E logo que achegou,
tomada a emformaçao da
terra, desembarcou à mea
noite, ...
Aconteceo hum dia que
estando hum feiticeiro
tirãodo huma palha a hum
doente, hum menino da
Huns christãos, que se ali
acharão, o puserao no
terreiro e achegavam-lhe
lume já, o que se fazia por
dhpb 58
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |41|
[x]
[ x ][ z ]
4.
dar
2
(2.2)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
escola se [achegou] e
estando o feiticeiro
gloriando-sse de aver tirado
a palha que era a doença
daquele, o moço movido
por Nosso Senhor e com
zelo da fee, porque era já
christão, lha arrebatou da
mão, ...
fazer medo aos outros: até
que vierão huns principaes
velhos e postos os jiolhos
em terra, lhe pedião a vida
e que o levasse comigo
pera taipar nas taipas de
Sant Spritus que se fazia, e
eu o levei, não pera taipar,
mas pera se doutrinar na
fee, e doutrina, com os
outros.
x dar
x dar em z-LOC
x dar a z-DAT
x dar-SE
y dar x
y dar x (a) z-DAT
Estando assim surtos nesta
parte que digo, [deu]-lhes
um temporal, que foi causa
de não as poderem tomar
... tem muito páo de que se ... e huu dos nosos [deu]lhe
fazem as tintas. Em
algumas partes d'elle se [dá]
trigo, cevada, e vinho
muito bom, e em todas
todos os fructos e
sementes de Hespanha ...
pola pedra huu sonbreiro
uelho {1500, Caminha}
(x quebrar)
x quebrar (a) z-DAT (?)
x quebrar-SE
y quebrar x
y quebrar (a) z-DAT
y quebrar x com z
Segunda-feira, 22 de
Outubro (e) no quarto de
alva, me [quebrou] o aúste
da âncora, de forma que
tornei outra vez a caçar
como dantes.
Aqui se [quebrou] o
desencantamento do
Paraaçu, onde ninguem
ousava sayr em terra, e
perderem os christãos o
medo que tinhão àquele
gentio, vindo com muyta
victoria sem lhe matarem
ninguem.
foy dito que tinha feitos
muitos seruiços a el Rey e
que ajmda que elle
[quebrara] a cabeça a Jesus
christo
E havendo já um mês , que
iam naquela volta
navegando com vento
próspero, foram [dar] na
costa desta província
ctb
1643
+
dhpb
Hum dia, achando-me eu
perto delle, [deu] huma
bofetada grande a hum dos
seus, ...
E todavia, não deixarei de
relatar ho açoute de Nosso
Senhor que [deu] a esta
Baya nas guerras civis
5.
quebrar
2
(2.2)
Aqui nesta ilha estivemos
quarenta e quatro dias.
Neles nunca vimos o Sol;
de dia e de noite nos
choveo sempre com muitas
trovoadas e relâmpados.
Nestes dias nos nom
ventaram outros ventos
desde o sueste até o sul:
deram-nos tam grandes
tromentas destes ventos e
tam rijos como eu em outra
nenh[u]a parte os vi ventar.
Aqui perdemos muitas
dhpb 37
Estes ramos são muito
tenros, e têm hum miolo
branco por dentro, e de
palmo em palmo têm
certos nós. E desta
grandura se [quebrão], e
plantão na terra em huma
pequena cóva, e lhes
ajuntão terra ao pé, e ficão
mettidos tanto quanto
basta para se terem, e dahi
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |42|
[x]
[ x ][ z ]
6.
queimar
2
(2.2)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
âncoras e nos [quebraram]
muitos cabres
a seis, ou nove mezes têm
já raizes tão grossas que
servem de mantimento.
x queimar
x queimar-SE
y queimar x
y queimar x a z-DAT
Deste trato quero eu e
desejo que aja muito nessa
terra, ao menos antre
aquelles que bem sabem
chorar seus peccados,
deixando o trato maldito de
peccar, pois por retorno
não tem senão fogo de
emxofre que [queima] e
nunqua acaba de [queimar].
Com estas cousas, e outras
muitas que ho mesmo
Spiritu de vida sabe mui
bem ensinar nos corações,
onde entra, queria eu que
de tal maneira ardeseis em
charidade, que até os matos
se [queimassem] com elle.
Não estimão os Irmãos
este trabalho porque sabem
por quem o padecem, nem
os espinhos que se lhe
metem polos pees, nem os
ardores que lhe [queimão]
os pees, nem a fome que
sofrem:
ctb
21
1879
III.2 Verbos intransitivos e transitivos,
analisados como intransitivos e transitivos no PB – casos duvidosos
[x]
[ x ][ z ]
1.
casar
3 (2.3)
(x casar)
? x casar com z ou
? y casar x com z
Quando ele viu a terra tomada
mandou desafiar a El-Rei
Dom Affonso de Castela
chamado Imperador seu primo
com irmão filho do Conde
Dom Reymão de Tolosa , e de
Dona Urraqua irmã de sua mãe
a Rainha Dona Tareja, mas logo
foram reconciliados, e amigos ,
e então se foi a Portugal , e
não achou onde se acolhesse:
porque toda a terra se alçara
com sua mãe a qual [casou]
com Dom Vermuy Paes de
Trava , e depois Dom Fernando
Conde de Trastamara seu
irmão dele lha tomou , e
[casou] com ele , e Dom
Vermuy Paes [casou] depois
com uma filha desta Rainha
Dona Tareja , e do Conde Dom
Anrique já finado, que ele tinha
em sua casa , que chamavam
Dona Tareja Anriques , e por
este pecado foi feito em
Gualiza um Mosteiro chamado
de Sobrado.
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y casar x com z
ctb
... e tendo El-Rei assi deles
contentamento querendo honrá-los , e
remunerar seus nobres feitos , e trabalhos
, que em sua companhia passaram na
guerra contra os infiéis , determinou de
[casar] três filhas suas com eles , uma
chamada Dona Urraqua , [casou] com o
Conde Dom Reymão de Tolosa , de que
depois nasceu El-Rei Dom Affonso de
Castela chamado também Imperador ,
donde descendem também todos os
Reis de Castela , outra Dona Elvira ,
[casou] com o Conde Dom Reymão de
São Gil , de Proença; outra chamada
Dona Tareja deu por mulher a Dom
Anrique sobrinho do Conde de Tolosa ,...
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |43|
7
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
Outra filha ficou do Conde
Dom Anrique, que havia nome
Dona Sancha que foi [casada]
com Dom Fernão Mendes
Depois que o Conde Dom
Anrique [foi casado] com a
Rainha Dona Tareja , filha delRei de Castela como dito é,
vindo ela a emprenhar, Dom
Eguas Moniz muito esforçado,
e nobre Fidalgo, grande seu
privado, que com ele viera da
sua terra, e a quem tinha feito
muita mercê, chegou ao
Conde pedindo-lhe que
qualquer filho, ou filha , que a
Rainha parisse lhe o quisesse
dar para o ele criar, e o Conde
lhe o outorgou
2. condescender
1 (1)
x condescender
? x-y condescender a z-x
? x-y condescender em z- x
? x-y condescender com z-x
Com efeito, [condescenderam] e
pôs-se por obra a fatura da
fortaleza, a qual o capitão José
Matol, meio convalescido, foi
delinear de figura pentágona.
Tambem se publicou depois de espalhada
est a noticia, a de q.' o Gn.al Sucedendo no
Gov.o de S. Paulo passava aos Goyazes §
Ponderando eu .q' as vozes, de que a
Cobrança da Capitação no Certão, era
disposição minha, a q ' quazi violento
[condescendera] o Gn.al, derão grande corpo
aos motins do Certão, que das devassas se
inferia terem aquelles motins quem os
fomentasse nas Minas
Chegou a enchente a noite,
porem como não era conveniente
fazer viagem senão de dia, pedi ao
tal tenente que se quizesse
demorar para pela manhã, pois
me achava incapaz do estomago:
elle logo [condescendeu],
rendendo-me a fineza de que por
meu respeito ia por aquelle
caminho detendo a sua viagem.
... e que como o dito Prelado
tinha faltado às obrigações de
Religioso, porque se tinha
excedido o modo, era por
bondade e não por malícia, e com
cujos roubos logo segurei a V.
Revma. que não [condescendia],
porque a sua desobediência e
orgulho tinha sido fato publico e
notório a todos
dhpb 58
Não podendo deixar de concordar com V.
Ex. no parecer de se crearem de novo dous
parocos mais, destinado um a ajudar os
dous que já tem as povoações da parte
superior do Rio-Negro, e o outro ao que se
acha parochiando as do Rio-Branco, passei
logo a conferir com o Exm. e Revm. Sr.
bispo este ponto, o qual, levado do seu
grande zêlo, não hesitou um só instante em
[condescender] tambem no proposto por V.
Ex., nomeando logo alguns sacerdotes, que
na presente occasião passão para essa
capitania
A primeira, me parece que foi dar Nosso
Senhor graça ao Governador para saber
soffrer tudo, e dar-lhe prudencia para em tal
tempo saber trazer as vontades de todos tão
contrarias á sua [condescenderem] com
aquillo que elle entendia, e Nosso Senhor
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |44|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
lhe inspirava
O remedio que Christo Senhor nosso,
[condescendendo] com a fraqueza humana,
deixou para os peccados que depois do
baptismo se commettessem, foi a confissão
dos mesmos peccados
65
IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus
IV.1 Verbos em construções transitivas,
analisados como transitivos ~ intransitivos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
3 (2.3)
acabar
(x acabar)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y acabar x
ctb
2
ctb
1
ctb
1
ctb
4
ctb
1
ctb
1
Depois daí a certo tempo pelo conseguinte a mudam, e
tornam-se a cobrir de outra muito vermelha, e tanto,
como o mais fino e puro carmesim que no mundo se
pode ver: e nesta [acabam] seus dias.
2.
3 (2.3)
apagar
(x apagar)
y apagar x
A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou
menos , e dura até de madrugada: então cessa por causa
dos vapores da terra que o [apagam] .
3.
3 (3.3)
começar
(x começar)
y começar x
Eu sou a Virgem Maria, que te mando que vai a um tal
lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí cavar, e
acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi
[começada] em meu nome, e uma Imagem minha; ...
4.
3 (2.3)
cortar
(x cortar)
y cortar x
y cortar x z-LOC (?)
Depois de colhidos, [cortam] esta planta, porque não
frutifica mais que a primeira vez ...
E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando
com vento próspero, foram dar na costa desta província:
ao longo da qual [cortaram] todo aquele dia, parecendo a
todos que era alguma grande ilha que ali estava ...
5.
3 (2.3)
dobrar
(x dobrar)
y dobrar x
E depois de haver bonança junta outra vez a frota,
empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias
de Guiné, que lhes podiam estorvar sua viagem, como
por lhes ficar largo poderem [dobrar] o cabo de Boa
Esperança.
6.
enriquecer
1 (2.1)
(x enriquecer)
y enriquecer x
E assim as terras que há nesta capitania, também são as
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |45|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
melhores e mais aparelhadas para [enriquecerem] os
moradores de todas quantas há nesta província ...
7.
esfolar
3 (2.3)
(x esfolar)
y esfolar x
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
2
ctb
1
Quando querem guisá-las para comer, pelam-nas como
leitão, e não as [esfolam], porque tem um couro muito
tenro e saboroso, e a carne também é muito gostosa, e
das melhores que há na terra.
8.
esgotar
1 (2.13
(x esgotar)
y esgotar x (?)
Feito isto metem aquela massa em umas mangas
compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas,
tecidas à maneira de cesto: e ali a espremem daquele
sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por [
esgotar ];
E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios ,
se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de
[esgotar] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer
sua viagem.
9.
extinguir
3 (2.3)
(x extinguir)
y extinguir x
Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que
tanto trabalhou e trabalha por [extinguir] a memória da
Santa Cruz , e desterrá-la dos corações dos homens ...
10.
acalmar
3 (2.3)
(x acalmar)
(y acalmar x)
y acalmar x com z
E neste intervalo sopra um vento brando que na terra se
gera , até que o Sol com seus raios o [acalma] , e entrando
o vento do mar acostumado , torna o dia claro e sereno ,
e faz ficar a terra limpa e desempedida de todas estas
exalações
11.
assentar
3 (2.3)
(x assentar)
(y assentar x)
y assentar x em z-LOC
Filho esta hora derradeira que me Deus ordena para te
haver de deixar com a vida deste mundo me faz que te
veja, e fale com dobrado amor, e sentido do nosso
apartamento, e por isso [assenta] em teu coração minhas
palavras como de pai a quem após estas já não hás de
ouvir outras.
12.
estragar
3 (2.3)
(x estragar)
(y estragar x)
y estragar x (a) z-DAT
... a qual tendo tomada, e metida sob seu senhorio, dali
os guerreou fazendo continuamente muitas cavalgadas
pela terra [estragando]-lhes pães , e vinhas , matando , e
prendendo muita gente deles ...
17
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IV.2 Verbos em construções transitivas
analisados como transitivos estritos no PB
[x]
[ x ][ z ]
1.
acrescentar
3 (3.3)
? (* x acrescentar)
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y acrescentar x
ctb
5
ctb
1
ctb
1
ctb
3
ctb
3
ctb
1
ctb
2
ctb
2
E como todos estes procedam da parte do mar, ventam
puros e coados, que não somente não danam: mas recreiam
e [acrescentam] a vida do homem
2.
abastar
3 (3.3)
? (* x abastar)
y abastar x
Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de
que se faz pão muito alvo , e muito arroz, e muitas favas de
diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam]
muito a terra.
3.
adquirir
3 (3.3)
(* x adquirir)
y adquirir x
E a primeira coisa que pretendem [adquirir], são escravos
para nelas lhes fazerem suas fazendas
4.
afirmar
3 (3.3)
(* x afirmar)
y afirmar x
y afirmar x de z
Este rio procede de um lago muito grande que está no
íntimo da terra, onde [afirmam] que há muitas povoações ,
cujos moradores ( segundo fama) possuem grandes haveres
de ouro e pedraria.
Destes animais se [afirma] que não concebem nem geram os
filhos dentro da barriga senão em aqueles bolsos , porque
nunca de quantos se tomaram se achou algum prenhe
5.
alçar
3 (3.3)
(* x alçar)
y alçar x
E tornando a Pedro Álvares seu descobridor , passados
alguns dias que ali esteve fazendo sua aguada e esperando
por tempo que lhe servisse, antes de se partir, por deixar
nome aquela província, por ele novamente descoberta,
mandou [alçar] uma Cruz no mais alto lugar de uma
árvore ...
6.
amoestar
3 (3.3)
(* x amoestar)
y amoestar x
... tornemos-lhe a restituir seu nome, e chamemos-lhe
província de Santa Cruz como em princípio (que assim o
[amoesta] também aquele ilustre e famoso escritor João de
Barros na sua primeira Década, tratando deste mesmo
descobrimento).
7.
arrancar
3 (3.3)
(* x arrancar)
y arrancar x
E tanto que as [arrancam], põem-nas a curtir em água três
quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem.
8.
arrasar
3 (3.3)
(* x arrasar)
y arrasar x
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |47|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da
terra e vem sair daí uma légua: e quando há cheias arrebenta
por cima e [arrasa] toda a terra.
9.
arvorar
3 (3.3)
(* x arvorar)
y arvorar z
ctb
1
ctb
1
ctb
3
ctb
1
ctb
2
ctb
1
ctb
1
ctb
1
... mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma
árvore , onde foi [arvorada] com grande solenidade e
benções de Sacerdotes que levava em sua companhia
10.
atravessar
3 (3.3)
(* x atravessar)
y atravessar x
Destes e de outros extremos semelhantes carece esta
província Santa Cruz: porque com ser tão grande, não tem
serras (ainda que muitas) nem desertos nem alagadiços, que
com facilidade se não possam [atravessar].
11.
buscar
3 (3.3)
(* x buscar)
y buscar x
Alguns deles nascem no interior do Sertão , os quais vem
por longas e tortuosas vias a [buscar] o mesmo Oceano:
onde suas correntes fazem afastar as marinhas águas por
força, e entram nele com tanto ímpeto , que com muita
dificuldade e perigo se pode por eles navegar .
12.
castigar
3 (3.3)
(* x castigar)
y castigar x
Quando este morre fica seu filho no mesmo lugar por
sucessão , e não serve de outra coisa senão de ir com eles à
guerra, e aconselhá-los como se hão de haver na peleja: mas
não [castiga] seus erros, nem manda sobre eles coisa alguma
contra suas vontades.
13.
causar
3 (3.3)
(* x causar)
y causar x
Um certo gênero de árvores há também pelo mato dentro
na capitania de Paranambuco a que chamam Copahíbas de
que se tira bálsamo muito salutífero e proveitoso em
extremo para enfermidades de muitas maneiras ,
principalmente nas que procedem de frialdade [causa]
grandes efeitos e tira todas as dores por graves que sejam
em muito breve espaço
14.
celebrar
3 (3.3)
(* x celebrar)
y celebrar x
...mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore ,
onde foi arvorada com grande solenidade e benções de
Sacerdotes que levava em sua companhia , dando a terra
este nome de Santa Cruz: cuja festa [celebrava] naquele
mesmo dia a santa madre Igreja (que era aos três de Maio).
15.
cercar
3 (3.3)
(* x cercar)
y cercar x
Este braço de mar que [cerca] esta ilha tem duas barras cada
uma para sua parte.
16.
cobrar
3 (3.3)
(* x cobrar)
y cobrar x
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |48|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
... enviou seus recados o mais secreto que pôde a El-Rei
Dom Affonso de Castela chamado Imperador como El-Rei
Dom Affonso seu avô , em que lhe fazia queixume do
Príncipe seu filho a ter presa dizendo que Portugal
pertencia a ele de direito , e que assi por ele [cobrar] o que
seu era, como pelo que devia à virtude em acudir por uma
sua tia posta fora de seu marido ...
17.
3 (3.3)
cobrir
(* x cobrir)
y cobrir x
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
4
ctb
11
ctb
2
ctb
2
ctb
3
Todos andam nus e descalços assim machos como fêmeas,
e não [cobrem] parte alguma de seu corpo.
18.
3 (3.3)
colher
(* x colher)
y colher x
Como são de vez [colhem] estes cachos, e dali a alguns dias
amadurecem.
19.
3 (3.3)
conformar
(* x conformar)
y conformar x
.. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao
diante acrescentado, e [conformado] pelos Reis seus
sucessores, ...
20.
3 (3.3)
conhecer
(* x conhecer)
y conhecer x
Nisto [conheceu] o mancebo que era aquilo coisa do mar, e
antes que nele se metesse , acodiu com muita presteza a
tomar-lhe a dianteira.
21.
3 (3.3)
conquistar
(* x conquistar)
y conquistar x
A sétima capitania, é a do Rio de Janeiro a qual
[conquistou] Mem de Sá, e a força d´armas, ...
22.
3 (3.3)
consentir
(* x consentir)
y consentir x
Também costumam todos arrancarem a barba, e não
[consentem] nenhum cabelo em parte alguma do seu corpo:
salvo na cabeça, ainda que ao redor dela por baixo tudo
arrancam.
23.
constranger
3 (3.3)
(* x constranger)
y constranger x
Deves filho de saber, que o poderio que o Senhor Deus
neste mundo ordenou de alguns Príncipes sobre outros
submetidos a eles foi por tal, que os maus sejam
[constrangidos], e os bons vivam entre eles em paz , e a
sossego, ...
24.
contar
3 (3.3)
(* x contar)
y contar x
y contar x de z (?)
A este propósito [contarei] alguns casos notáveis que
aconteceram entre eles, deixando outros muitos a parte de
que eu pudera fazer um grande volume
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |49|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
.. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao
diante acrescentado, e conformado pelos Reis seus
sucessores, os quais, [contando] deste primeiro Rei, são
por todos quatorze...
25.
conter
3 (3.3)
(* x conter)
y conter x
ctb
1
ctb
1
ctb
2
ctb
4
ctb
2
ctb
1
ctb
3
Tem esta província assim como vai lançada da linha
Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de
Portugueses, que [contém] cada uma em si, pouco mais ou
menos, cinqüenta léguas de costa
26.
corrigir
3 (3.3)
(* x corrigir)
y corrigir x
... e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi
começada em meu nome, e uma Imagem minha; faze
[correger] a Imagem, e a Igreja feita à minha honra; ..
27.
crer
3 (3.3)
(* x crer)
y crer x
São muito inconstantes e mutáveis: [crêem] de ligeiro tudo
aquilo que lhe persuadem por dificultoso e impossível que
seja , e com qualquer disuasão facilmente o tornam logo a
negar.
28.
cuidar
3 (3.3)
(* x cuidar)
y cuidar x
E logo pelos primeiros dias põem-lhe seus parentes de
comer em cima da cova , e também alguns lho costumam a
meter dentro quando o enterram , e totalmente [cuidam]
que comem, e dormem na rede que têm consigo na mesma
cova
Tornaram então a batalha, e venceram-no, e o Príncipe
prendeu aí seu padrasto, e sua mãe , e quando se o Conde
Dom Fernando viu preso, [cuidou] logo de ser morto, e
fez preito, e homenagem ao Príncipe de nunca mais entrar
em Portugal
29.
cumprir
3 (3.3)
(* x cumprir)
y cumprir x
... e que não querendo o Conde Dom Anrique [cumprir]
assi isto, qualquer que fosse Rei de Castela pudesse tomar
a terra ao dito Conde...
30.
declarar
3 (3.3)
(* x declarar)
y declarar x
E porque então lhe foi posto este nome de Porto seguro ,
como atrás deixo [declarado], ficou daí a capitania com o
mesmo nome: e por isto se diz Porto Seguro.
31.
defender
3 (3.3)
(* x defender)
y defender x
y defender x (a) z-DAT
y defender x de z
Todas estão já muito povoadas de gente, e nas partes mais
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |50|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
importantes guarnecidas de muita e muito grossa artilharia
que as [defende] e assegura dos inimigos , assim da parte do
mar como da terra
32.
3 (3.3)
deixar
(* x deixar)
y deixar x
y deixar x (a) z-DAT
ctb
8
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
4
ctb
2
ctb
2
E tanto que o Monstro se lançou em terra [deixa] o caminho
que levava, e assim ferido urrando com a boca aberta sem
nenhum medo, remeteu a ele indo para o tragar a unhas e a
dentes
Minha é a terra, e serra, que meu pai ma deu, e ma
[deixou]: ...
33.
3 (3.3)
demandar
(* x demandar)
y demandar x
E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam
[demandar] para fazer aí aguada) deu-lhes um temporal,...
34.
3 (3.3)
demarcar
(* x demarcar)
y demarcar x
Tem esta província assim como vai lançada da linha
Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de
Portugueses, que contém cada uma em si , pouco mais ou
menos, cinqüenta léguas de costa e [demarcam]-se umas das
outras por uma linha lançada Leste Oeste
35.
desamparar
3 (3.3)
(* x desamparar)
y desamparar x
... nas quais hoje em dia estiveram feitas grossas fazendas , e
os moradores foram em muito mais crescimento , e
floresceram tanto em prosperidade como em cada uma das
outras, se o mesmo capitão Pero Lopez residira nela mais
alguns anos , e não a [desamparara] no tempo que a
começou de povoar
36.
descobrir
3 (3.3)
(* x descobrir)
y descobrir x
Do outro não [descobriram] coisa alguma, e assim se não
sabe até agora de onde procedem ambos.
37.
destruir
3 (3.3)
(* x destruir)
y destruir x
Junto delas havia muitos Índios , quando os Portugueses
começaram de as povoar : mas porque os mesmos Índios se
levantavam contra eles e faziam-lhes muitas traições , os
governadores e capitães da terra [destruíram]-nos pouco a
pouco e mataram muitos deles
38.
determinar
3 (3.3)
(* x determinar)
y determinar x
E porque estas dissensões não fossem tanto por diante,
[determinaram] atalhar a isto usando do remédio seguinte,
para por esta via se poderem melhor conservar na paz e se
fazerem mais fortes contra seus inimigos.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |51|
[x]
[ x ][ z ]
39.
dividir
3 (3.3)
(* x dividir)
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y dividir x
y dividir x de z
ctb
6
ctb
22
ctb
6
ctb
2
ctb
2
ctb
3
ctb
1
dhpb
86
Duas delas estão situadas em uma ilha que [divide] um
braço de mar da terra firme à maneira de rio.
40.
dizer
3 (3.3)
(* x dizer)
y dizer x
y dizer x (a) z-DAT
Ao outro dia seguinte , saiu Pedro Álvares em terra com a
maior parte da gente: na qual se [disse] logo Missa cantada ,
e houve pregação
41.
edificar
3 (3.3)
(* x edificar)
y edificar x
Depois Thomé de Sousa sendo governador [edificou] a
cidade do Salvador mais a diante meia légua , por ser lugar
mais decente e proveitoso para os moradores da terra.
42.
enxergar
3 (3.3)
(* x enxergar)
y enxergar x
y enxergar x em z-LOC
Pois o esterco naquela parte onde a natureza o despede, não
tem nenhuma semelhança de âmbar, nem se [enxerga] nele
ser menos digesto que o dos outros animais.
43.
escolher
3 (3.3)
(* x escolher)
y escolher x
Além destes rios há outros muitos, que pela costa ficam,
assim grandes como pequenos, e muitas enseadas, baías, e
braços de mar, de que não quis fazer menção, porque meu
intento não foi senão [escolher] as coisas mais notáveis e
principais da terra
44.
escrever
3 (3.3)
(* x escrever)
y escrever x
São tantas e tão diversas as plantas, frutas e ervas que há
nesta província, de que se podiam notar muitas
particularidades, que seria coisa infinita [escrevê]-las aqui
todas
45.
esperar
3 (3.3)
(* x esperar)
y esperar x
E o que é bom pescador (para que não faça tiro em vão)
quando os vê vir deixa-os primeiro passar, e [espera] até que
fiquem a jeito que possa arpoá-los por detrás
46.
esquipar
3 (3.3)
(* x esquipar)
y esquipar x
y esquipar x com z
Vieram os segundos navios de Pernambuco com nova de
haverem tomado cinco presas de açúcar, e foi tal a mudança
que causou nos ânimos de todos, principalmente nos de
Zelanda, que tendo-se resoluto nos Estados de nos darem
conferência, êles a contradisseram fortemente, e se
excluíram de vir a ela; antes pediram licença para armar
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |52|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
contra Portugal em toda a parte, oferecendo que em dois
meses [esquipariam] cincoenta fragatas de guerra, tanto para
os mares do Reino, como para os das conquistas.
[A00_0140 P. 234].
47.
exaltar
3 (3.3)
(* x exaltar)
y exaltar x
ctb
1
ctb
2
ctb
77
dhpb
34
ctb
1
ctb
1
... por onde se mais manifesta a esclarecida glória dos Reis
de Portugal , pela nosso Senhor de todo os cabos tanto a
[exaltar], que de Nobreza, e Realeza de sangue não menos,
que de excelentes virtudes, fossem em tanto grau ilustrados.
48.
favorecer
3 (3.3)
(* x favorecer)
y favorecer x
Estes moradores todos pela maior parte se tratam muito
bem, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e
[favorecem] muito os pobres que começam a viver na terra.
49.
fazer
3 (3.3)
(* x fazer)
y fazer x
y fazer x de z
y fazer x (a) z-DAT
Trabalhaste muito de saber se os que te] teu carrego
[fazem] justiça, e direito compridamente, e se a [fizerem],
[faze]-lhe compridamente bem , e mercê
Por esta barra se serviam antigamente, que é o lugar por
onde costumavam os inimigos de [fazer] muito dano aos
moradores .
50.
provocar
3 (3.3)
(* x provocar)
y provocar x
y provocar x (a) z-DAT
Feyto iſto ſe uſará de remedios antimoniacs para [provocar]
ſuor, cuſos, e vomitos; pois ſó os remedios aſperos lhe
aproveyraráõ, lançando o veneno para fóra, que os brandos
de nada ſerviráõ. [B00_0039 P. 467].
É o vício da carne neles tão usual, e comum, que o não tem
por vício; nem ordinariamente os pais reparam nos filhos,
ou filhas, no que imitam, assim como na desnudez os
brutos; a que também os [provocam] 1o o clima por muito
quente, 2o o exemplo dos mais, e a mesma desnudez de
todos, 3o a ignorância de Deus, e a falta de leis, além da
propensão da natureza corrupta. [A00_1834 P. 209].
51.
enviar
3 (3.3)
(* x enviar)
(y enviar x)
x enviar y (a) z-DAT
Vendo assi Dona Tareja Rainha como o Príncipe Dom
Affonso seu filho a não queria soltar [enviou] seus recados
o mais secreto que pôde a El-Rei Dom Affonso de Castela
chamado Imperador como El-Rei Dom Affonso seu avô...
52.
espremer
3 (3.3)
(* x espremer)
(y espremer x )
y espremer x de z
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |53|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas
e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas à
maneira de cesto: e ali a [espremem] daquele sumo, de
maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar
53.
deserdar
3 (3.3)
(* x deserdar)
(y deserdar x)
y deserdar x de z
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
2
ctb
1
ctb
1
ctb
1
Filho Dom Affonso prendestes-me, e [deserdastes]-me da
terra, e honra que me deixou meu pai ...
54.
denunciar
3 (3.3)
(* x denunciar)
(y denunciar x)
y denunciar x a z
No que mostravam claramente estarem dispostos para
receberem a doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse
[denunciada] como gente que não tinha impedimento de
ídolos, nem professava outra lei alguma que pudesse
contradizer a esta nossa, como adiante se verá no capítulo
que trata de seus costumes.
55.
cultivar
3 (3.3)
(* x cultivar)
(y cultivar x)
y cultivar x (a) z-DAT
... se uma pessoa chega na terra a alcançar dois pares, ou
meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu)
logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua
família: porque um lhe pesca , e outro lhe caça, os outros lhe
[cultivam] e granjeiam roças ...
56.
assegurar
3 (3.3)
(* x assegurar)
(y assegurar x)
y assegurar x de z
... ao qual puseram então este nome, que hoje em dia tem de
Porto Seguro, por lhes dar colheita e os [assegurar] do
perigo da tempestade que levavam.
57.
assinar
3 (3.3)
(* x assinar)
(y assinar x)
y assinar x a z
E ainda lhe [assinou] mais terra da que os Mouros
possuíam, que a conquistasse, e tomando-a , a acrescentasse
em seu Condado
58.
despedir
3 (3.3)
(* x despedir)
(y despedir x)
y despediu x a z
Então [despediu] logo Pedro Álvares um navio com a nova
a el-Rei Dom Manuel, a qual foi dele recebida com muito
prazer e contentamento
59.
desterrar
3 (3.3)
(* x desterrar)
(y desterrar x)
y desterrar x de z-LOC
Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que
tanto trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |54|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
Cruz , e [desterrá]-la dos corações dos homens ...
60.
dever
3 (3.3)
(* x dever)
(y dever x)
y dever x a z
ctb
1
ctb
1
ctb
1
... e que assi por ele cobrar o que seu era, como pelo que
[devia] à virtude em acudir por uma sua tia posta fora de seu
marido, e em prisão tão desonesta...
61.
encarregar
3 (3.3)
(* x encarregar)
(y encarregar x)
y encarregar x em z
E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a
Dom Eguas Moniz queria, de o [encarregar] em semelhante
criação, por causa da aleijão da criança, contudo lhe a deu
por lhe comprazer
62.
estorvar
3 (3.3)
(* x estorvar)
(y estorvar x)
y estorvar x (a) z-DAT
E depois de haver bonança junta outra vez a frota,
empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de
Guiné, que lhes podiam [estorvar] sua viagem, como por
lhes ficar largo poderem dobrar o cabo de Boa Esperança.
342
IV.3 Verbos em construções transitivas
analisados como transitivos estritos no PB (complemento “apagável”)
[x]
[ x ][ z ]
1.
falar
3 (3.3)
(* x falar)
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y falar x
y falar (x)
ctb
2
ctb
8
ctb
3
Outros há pela costa tamanhos como melros, a que
chamam Maracanãs: os quais tem a cabeça grande e um
bico muito grosso: também são verdes e [falam] como
cada um dos outros.
Estes também [falam] e são muito formosos e
aprazíveis em extremo .
2.
comer
3 (3.3)
(* x comer)
y comer x
y comer (x)
Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os
moradores fazem seus mantimentos que lá [comem]
em lugar de pão.
3.
beber
3 (3.3)
(* x beber)
y beber x
y beber (x)
... e é tanto o ímpeto de água doce que traz de todas as
vertentes do Peru , que os navegantes primeiro no mar
[bebem] suas águas, que vejam a terra de onde este bem
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |55|
[x]
[ x ][ z ]
↔
[ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
lhes procede.
O sumo desta raiz não é peçonhento, como o que sai da
outra, nem faz mal a nenhuma coisa ainda que se [beba].
4.
caçar
3 (3.3)
(* x caçar)
(y caçar x)
y caçar (x) (a) z-DAT
ctb
1
ctb
2
... porque um lhe pesca, e outro lhe [caça], os outros lhe
cultivam e granjeiam roças ...
5.
cavar
3 (3.3)
(* x cavar)
(y cavar x)
y cavar (x)
Eu sou a Virgem Maria , que te mando que vai a um tal
lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí [cavar], e
acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi
começada em meu nome, e uma Imagem minha; ...
Desaparecida esta visão ficou muito consolado
Dom Eguas Moniz , e alegre , como vassalo que com
são , e verdadeiro amor amava seu Senhor, e suas
coisas, e tanto que foi manhã levantou-se logo , e foise com gente àquele lugar , que lhe fora dito, e
mandando aí [cavar] achou aquela Igreja , e Imagem
pondo em obra todas as coisas que lhe Nossa Senhora
mandara.
16
IV.4 Verbos em construções transitivas
analisados como transitivos estritos no PB (objeto preposicionado)
[x]
[ x ][ z ]
1.
adorar
3
(* x adorar)
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y-x adorar a x-z
ctb
1
ctb
3
ctb
1
ctb
1
Não [adoram] a coisa alguma, nem tem para si que há depois da morte
glória para os bons , e pena para os maus
2.
amar
3
(* x amar)
y amar x
y-x amar a x-z
Desaparecida esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz ,
e alegre , como vassalo que com são, e verdadeiro amor [amava] seu
Senhor, e suas coisas
mas segue todavia justiça temendo, e [amando] muito a Deus , para
que sejas dos teus amado
3.
aprazer
3
(* x aprazer)
y-x aprazer a x-z
Não devia de [aprazer] a Deus tal coisa que vós me queirais deitar
fora da terra que meu pai ganhou.
4.
bater
3
(* x bater)
y-x bater em x-z
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |56|
[x]
[ x ][ z ]
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
E assim se punham de joelhos e [batiam] nos peitos , como se tiveram
lume de Fé
5.
3
cometer
(* x cometer)
y-x cometer a x-z
ctb
1
ctb
1
ctb
1
ctb
3
ctb
1
ctb
1
ctb
1
E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também
[cometem] aos homens : e nesta parte são tão ousados , que já
aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar de um destes
animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore ,
não bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos
gritos do Índio , antes a todos os medos, se deixou estar muito seguro
guardando sua presa , até que sendo noite se tornaram outra vez, sem
ousarem de lhe fazer nenhuma ofensa , dizendo ao Índio que se
deixasse estar , que ele se enfadaria de o esperar
6.
comprazer
3
(* x comprazer)
y-x comprazer a x-z
E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a Dom
Eguas Moniz queria, de o encarregar em semelhante criação , por causa
da aleijão da criança , contudo lhe a deu por lhe [comprazer], e quando
Dom Eguas viu a criança tão formosa , e com tal aleijão, houve muita
grande dó dela, ...
7.
3
confiar
(* x confiar)
y-x confiar em x-z
... houve muita grande dó dela, .e [confiando] em Deus, que lhe
poderia dar saúde, a tomou, e fez criar, não com menos amor , e
cuidado como se fora sã.
8.
3
confinar
(* x confinar)
y-x confinar com x-z
Está formada esta província à maneira de uma harpa: cuja costa pela
banda do Norte corre do Oriente ao Ocidente e está olhando
direitamente a Equinocial . E pela do Sul [confina] com outras
províncias da mesma América povoadas e possuídas de povo gentílico
com que ainda não temos comunicação.
9.
3
consistir
(* x consistir)
y-x consistir em x-z
... que todo o governo, e bem comum [consiste] principalmente em
duas coisas, a saber: ...
10.
11.
contradizer
curar
3
3
(* x
contradizer)
y-x contradizer a x-z
(* x curar)
y curar de x
No que mostravam claramente estarem dispostos para receberem a
doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse denunciada como gente
que não tinha impedimento de ídolos , nem professava outra lei alguma
que pudesse [contradizer] a esta nossa... .
Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se
acolher, e que sua mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado
muitas vezes vemos as mães com novos esposos se tornarem
madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |57|
[x]
[ x ][ z ]
12.
desafiar
3
(* x desafiar)
↔ [ x ][ y ]
[ x ][ y ][ z ]
y desafiar a x
ctb
2
ctb
2
ctb
2
ctb
1
ctb
5
Quando ele viu a terra tomada mandou [desafiar] a El-Rei Dom
Affonso de Castela chamado
Imperador seu primo com irmão
filho do Conde Dom Reymão de Tolosa
13.
diferir
3
(* x diferir)
y diferir de x
Estes animais parecem-se naturalmente com gatos, e não [diferem]
deles em outra cousa salvo na grandeza do corpo, porque alguns são
tamanhos como bezerros, e outros mais pequenos.
14.
distar
3
(* x distar)
y distar de x
[Dista] o seu princípio dois graus da equinocial para a banda do Sul, e
daí se vai estendendo para o mesmo Sul até quarenta e cinco graus .
15.
encontrar
3
(* x encontrar)
y encontrar com x
A batalha foi gravemente pelejada, e o Príncipe Dom Affonso lançado
do campo desbaratado, e indo ele assi uma légua de Guimarães
[encontrou] com Dom Eguas Moniz seu Aio, que o vinha ajudar
16.
alcançar
3
(* x alcançar)
x alcançar a y
y alcançar x de y
... se acertam de suar ficam muito mais odoríferos e [alcança] o cheiro a
todos os circunstantes.
Também há muito pau brasil nestas capitanias de que os mesmos
moradores [alcançam] grande proveito
27
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |58|
2.2 Padrões de expressão dos argumentos
2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos
•
O Gráfico 1 mostra que considerando o conjunto de todas as orações incluídas neste estudo, a
proporção é de 57% de sujeitos nulos, contra 43% de expressão lexical (nominal e pronominal):
GRÁFICO 1: Sujeitos nulos versus lexicais
lexicais x nulos:
panorama geral
sujeito
nulo:
57%
sujeito
lexical:
43%
2.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade”
Os Gráficos 2 e 3 a seguir mostram a proporção de nulos e lexicais segundo a “agentividade” do
argumento sujeito. As orações foram separadas pela interpretação mais ou menos “agentiva” dos
argumentos em posição de sujeito, formando dois grupos, e a proproção de sujeitos nulos e lexicais foi
medida em cada um:
•
O Gráfico 2 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “mais agentivos”:
são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos neste grupo é
portanto maior do que aquela atestada para o geral dos dados (65% contra 57%, 8 pontos de
diferença)
•
O Gráfico 3 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “menos agentivos”:
são exatamente 50% de sujeitos nulos e 50% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos é
portanto 7 pontos mais baixa que o geral (50% contra 57%).
•
Note-se, portanto, que a proporção de nulos entre sujeitos “agentivos” foi mais alta que entre
“não-agentivos” (15 pontos, 65% contra 50%) .
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |59|
GRÁFICO 2: Sujeitos nulos versus lexicais, sujeitos [ + agentivos ]
lexicais x nulos:
sujeito [ + agentivo ] (todos os verbos)
sujeito
nulo
65%
sujeito
lexical
35%
GRÁFICO 3: Sujeitos nulos versus lexicais, sujeitos [ - agentivos ]
lexicais x nulos:
sujeito [ - agentivo ] (todos os verbos]
sujeito
lexical
50%
S +ag,
lexical
(35%)
versus
S +ag,
nulo
(65%)
sujeito
nulo
50%
Tipo de dados contrastados no gráfico 2:
(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe
[apareceu] nossa Senhora , e disse: ...
(b) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou
(c) ... e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido.
(d) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa, e veio-se a
Guimarães onde o Conde estava
(e) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga
(f) ... ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho
Tipo de dados contrastados no gráfico 3:
S – ag, (a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras
lexical
(b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes
(50%)
um temporal, que foi causa de as não poderem tomar...
(c) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima
versus
S – ag,
nulo
(50%)
(g) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos, e dura até de madrugada: então
__ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam
(d) E havendo já um mês, que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na
costa desta província
(e) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e
quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |60|
2.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de
diátese comparadas
Os gráficos 3, 4 e 5 a seguir mostram o cenário da expressão dos sujeitos em cada um dos grupos de
diátese potencial aqui considerados, tomando separadamente as orações referentes a cada grupo e
medindo a proporção de sujeitos nulos contra lexicais:
•
O Gráfico 4 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 1 (verbos
intransitivos estritos): são 36% de sujeitos nulos, e 64% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos
no Grupo 1 é portanto notavelmente mais baixa que para o geral dos dados (21 pontos de
diferença, 36% contra 57%).
•
O Gráfico 5 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 2 (verbos
transitivos ou intransitivos): são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de
sujeitos nulos no Grupo 2 é portanto ligeiramente mais alta que para o geral dos dados (8 pontos
de diferença, 65% contra 57%).
•
O Gráfico 6 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 3 (verbos
transitivos estritos): são 56% de sujeitos nulos, e 44% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos
no Grupo 3 é portanto praticamente a mesma que para o geral dos dados (1 pontos de diferença,
56% contra 57%).
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |61|
GRÁFICO 4: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 1
lexicais x nulos:
verbos intransitivos estritos, Grupo 1
sujeito
lexical 64%
sujeito nulo
36%
GRÁFICO 5: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 2
lexicais x nulos:
verbos de alternância transitiva, Grupo 2
sujeito
nulo:
65%
sujeito
lexical :
35%
GRÁFICO 6: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 3
lexicais x nulos:
verbos transitivos estritos, Grupo 3
sujeito
nulo:
56%
sujeito
lexical :
44%
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |62|
Tipo de dados contrastados no gráfico 4:
S (± ag)
Grupo 1
lexical
(64%)
versus
S (± ag)
Grupo 1
nulo
(36%)
(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe
[apareceu] nossa Senhora , e disse:
(b) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras
(c) e tanto que ele [ faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de
dezoito anos se fez chamar Príncipe
(d) Desta doença se veio a [finar] o Conde Dom Anrique em Estorgua
(e) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos
(f) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada:
então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam
(g) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve
de tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja.
(h) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se
a Guimarães onde o Conde estava
Tipo de dados contrastados no gráfico 5:
S (± ag)
Grupo 2
lexical
(35%)
(a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou
(b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se apartarem alguns navios
da companhia.
versus
S (± ag)
Grupo 2
nulo
(65%)
(c) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga
(d) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram
[dar] na costa desta província
Tipo de dados contrastados no gráfico 6:
S (± ag)
Grupo 3
lexical
(44%)
versus
S (± ag)
Grupo 3
nulo
(56%)
(a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima
(b) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou]
meu pai, e quitaste-me de meu marido.
(c) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e
quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra
(d) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a
terra a vosso filho, se mais puder que nós.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |63|
2.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de
diátese e “ agentividade ”
Os gráficos 7 a 12 mostram a o cenário da expressão dos sujeitos quando ao combinarmos o critério de
mais ou menos “agentividade” do argumento sujeito com o critério de padrão de diátese dos verbos. No
interior de cada grupo anteriormente considerado, agora separamos os sujeitos interpretados como “mais
agentivos” dos “menos agentivos”:
•
O Gráfico 7 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do
Grupo 1 (verbos intransitivos estritos): são 38% de sujeitos nulos, e 62% de lexicais.
•
O Gráfico 8 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo
grupo: 67% de sujeitos nulos, e 33% de lexicais. Para os verbos intransitivos, portanto, a
“agentividade” é um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma
diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil ( 29 pontos, 67% versus 38%).
•
O Gráfico 9 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do
Grupo 2 (verbos de alternância transitiva no PB): são 55% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais.
•
O Gráfico 10 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo
grupo: 84% de sujeitos nulos, e 16% de lexicais. Para esses verbos, portanto, a “agentividade” é
novamente um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma
diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil (29 pontos, 84% versus 55%).
•
O Gráfico 11 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do
Grupo 3 (verbos transitivos estritos): são 65% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais.
•
O Gráfico 12 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo
grupo:59% de sujeitos nulos, e 41% de lexicais. Para esses verbos, em contraste com os
anteriores, a “agentividade” não aparece como fator relevante na probabilidade de o sujeito ser
nulo. Ao contrário, os sujeitos “mais agentivos” desse grupo tem probabilidade ligeiramente
menor de aparecerem nulos (menos 6 pontos, 65% versus 59%).
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |64|
GRÁFICO 7: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 1, [ - agentivos]
lexicais x nulos:
verbos intransitivos estritos, Grupo 1,
sujeitos [ - agentivos ]
sujeito
lexical
68%
sujeito
nulo
32%
GRÁFICO 8: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 1, [ + agentivos]
lexicais x nulos:
verbos intransitivos estritos, Grupo 1,
sujeitos [ + agentivos ]
sujeito
nulo
67%
sujeito
lexical
33%
Tipo de dados contrastados no gráfico 7:
S – ag
Grupo 1
lexical
(68%)
versus
S – ag
Grupo 1
nulo
(32%)
(a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras
(b) e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de
dezoito anos se fez chamar Príncipe
(c) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada:
então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam
(d) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve de
tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja
Tipo de dados contrastados no gráfico 8:
S + ag
Grupo 1
lexical
(33%)
versus
S + ag
Grupo 1
nulo
(67%)
(a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe
[apareceu] nossa Senhora , e disse:
(b) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos
(c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se
a Guimarães onde o Conde estava
GRÁFICO 9: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 2, [ - agentivos]
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |65|
lexicais x nulos:
verbos de alternância transitiva, Grupo 2,
sujeitos [ - agentivos ]
sujeito
lexical
55%
sujeito
nulo
45%
GRÁFICO 10: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 2, [ + agentivos]
lexicais x nulos:
verbos de alternância transitiva, Grupo 2,
sujeitos [ + agentivos ]
sujeito
nulo
84%
sujeito
lexical
16%
Tipo de dados contrastados no gráfico 9
S – ag
Grupo 2
lexical
(55%)
versus
S – ag
Grupo 2
nulo
(45%)
(a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar
(b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram
[dar] na costa desta província
Tipo de dados contrastados no gráfico 10:
S + ag
Grupo 2
lexical
(16%)
versus
S + ag
Grupo 2
nulo
(84%)
(a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou
(b) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |66|
GRÁFICO 11: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 3, [ - agentivos]
lexicais x nulos:
verbos transitivos estritos, Grupo 3,
sujeitos [ - agentivos ]
sujeito
nulo
65%
sujeito
lexical
35%
GRÁFICO 12: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 3, [ + agentivos]
lexicais x nulos:
verbos transitivos estritos, Grupo 3,
sujeitos [ + agentivos ]
sujeito
nulo
59%
sujeito
lexical
41%
Tipo de dados contrastados no gráfico 11:
S – ag
(a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima
Grupo 3
lexical
(35%)
versus
S – ag
Grupo 3
nulo
(65%)
(b) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e
quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra
Tipo de dados contrastados no gráfico 12:
S + ag
Grupo 3
lexical
(41%)
S + ag
grupo 3
nulo
(59%)
(a) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu
pai, e quitaste-me de meu marido.
(b) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a
terra a vosso filho, se mais puder que nós.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |67|
3. Detalhamento
3.1 Observações iniciais
Conforme já mencionei em diversos pontos, este estudo está preocupado centralmente com o problema
da flexibilidade de diáteses, em especial a partir da seguinte afirmação de Negrão & Viotti (2008):
“Em português brasileiro, diferentes tipos de verbo sofrem mudanças em sua estrutura temática e
permitem certas realizações sintáticas de sua estrutura argumental que, em português europeu, ou
não são possíveis, ou são restritas a uma classe específica e limitada de verbos”.
Essa observação motivou a comparação entre as diáteses do PB e as diáteses do português falado no
período colonial – ou seja, do Português Clássico. Vimos já, na apresentação dos resultados preliminares,
que no corpus relativo ao PC os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor do que
aquela hoje observada no PB, o que confirma a idéia de Negrão & Viotti (2008) quanto à singularidade
dessa propriedade do PB – nesse caso, sua singularidade na diacronia do português. Isso se aplica,
sobretudo, ao fenômeno da alternância de transitividade, como vou comentar mais adiante.
Quero observar, entretanto, um aspecto da análise das diáteses no corpus que me parece importante, e
que remete a uma preocupação central deste trabalho. Os dados do PC pesquisados, embora revelem esse
contraste em relação ao PB, me parecem muito distantes daquilo que eu chamei de “português padrão
difuso” (em Paixão de Sousa 2008a e Paixão de Sousa 2008c), a língua que tendemos a tomar como ponto
de comparação diacrônica quando tratamos das mudanças ou inovações do Português Brasileiro. Como
observei naquele trabalho, muitas vezes qualificamos como “inovações” do PB características muitas
vezes já presentes em estágios anteriores da língua; em outras, deixamos de observar o ponto exato em
que o PB de fato inova. Podemos notar, nesse sentido, que os verbos analisados neste estudo apresentam
algumas construções que não se atestam nos dicionários tradicionais, como:
{aproveitar}, intransitivo, sujeito paciente:
(a) Também [aproveita] para as mesmas enfermidades, e aqueles que o alcançam têm-no em
grande estima e vendem-no por muito preço
{acrescentar}, transitivo, sujeito paciente:
(b) E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente
não danam: mas recreiam e [acrescentam] a vida do homem.
{abastar}, transitivo, sujeito paciente (versus {bastar}, intransitivo)
(c) ...Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de que se faz pão muito alvo , e
muito arroz, e muitas favas de diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam]
muito a terra.
{caber}, intransitivo, sem complemento locativo expresso
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |68|
(d) Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros spirituais, e agora que vierão os filhos não [cabe]
de alegria por ver que a descarregarão da governança e que tem tempo para se dar a Deos.
{abrir}, intransitivo, sujeito paciente:
(e) Esta erva toda a noite está murcha, e como dormente, e em nascendo o sol torna a [abrir],
e quando se põe torna a fechar.
{quebrar}, intransitivo, sujeito paciente:
(f) Segunda-feira, 22 de Outubro (e) no quarto de alva, me [quebrou] o aúste da âncora, de
forma que tornei outra vez a caçar como dantes.
As construções “inesperadas” desse levantamento, de modo geral, remetem à realização de sujeitos
pacientes, verificando-se no corpus construções dessa natureza não apenas com verbos tradicionalmente
esperados, mas também com verbos como {abrir}, {dar}, {quebrar} – com diátese alternante.
Inversamente, entrentanto, notei que algumas construções avaliadas como transitivizações inovadoras do
PB aparecem também no corpus, sendo até, em alguns casos, a construção preferida de determinados
verbos, como {casar} (em “O rei casou a filha”). Saliento este ponto principalmente no sentido de
reafirmar o interesse do estudo comparado entre o Português Brasileiro e o Português Clássico.
Entretanto, a idéia deste trabalho não é listar pontos de contrastes isolados, mas sim compreender
padrões que permitam uma comparação gramatical entre os dois estágios de língua – ou seja, o objetivo é
interpretar os resultados do levantamento de dados em termos de evolução diacrônica. Aqui chego a um
problema central para este estudo: a variação diacrônica na diátese verbal é um problema
fundamentalmente lexical, ou fundamentalmente gramatical? Num estudo de mudança, em princípio, uma
“reorganização” do inventário lexical de verbos em torno de estruturas argumentais possíveis não é uma
mudança gramatical, é uma mudança no léxico. Assim, uma coisa será dizermos que determinados verbos
(i.e.: determinados itens lexicais) que apresentavam valência “a” num estágio de língua passam a
apresentar valência “b” num outro estágio; outra, bem diferente, é dizer que um estágio de língua
apresenta uma organização diferente entre léxico, semântica e sintaxe, que tem como efeito essa aparente
migração de certos itens lexicais para diferentes classes.
O problema remete de fato ao “cerne” do estudo da estrutura argumental: ele é um estudo na confluência
de léxico, semântica, sintaxe, como observam, entre outros, Du Bois (2001), Perini (2008). Embora,
naturalmente, aqui não se trate de buscar algum tipo de resolução para esse problema, observo que este
estudo pode mostrar que, no caso específico da mudança entre o PC e o PB, os contrastes nas diáteses de
certos verbos são reveladores de contrastes gramaticais importantes. Aqui volto ao que afirmei acima
sobre a questão de compreendermos onde o Português Brasileiro de fato inova. Os dados desse
levantamento mostram que a construção com sujeito paciente faz parte da gramática do Português
Clássico (como indicam os dados acima, até em construções inesperadas), mas que nessa gramática o
“sujeito” está muito fortemente ligado a uma hierarquia de realizações argumentais encabeçada
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |69|
claramente pela propriedade semânticas ligadas à agentividade. Ao contrário, me parece que no Português
Brasileiro o “sujeito” é muito menos ligado à agentividade. Essa hipótese não se fundamenta estritamente
nos contrastes de diátese observados em si, mas sim na combinação desses contrastes e outras
propriedades da expressão dos sujeitos no PC e no PB. Por isso, neste Detalhamento vou apresentar as
observações realizadas ao longo do estudo sob o prisma da expressão dos sujeitos nas realizações dos
verbos estudados. Vou me preocupar com dois aspectos, nesse contexto: quantos e quais argumentos
aparecem na grade temática de cada verbo (3.2); quais deles podem aparecer como sujeitos sintáticos, e
sob que forma (3.3).
3.2 Exame das alternâncias
Começamos pela exposição resumida dos dados que precisamos analisar. Em primeiro plano coloco os
dados referentes à alternância de transitividade, aspecto no qual há contrastes importantes entre os dados
atestados no corpus do Português Clássico e a minha intuição para o Português Brasileiro, compondo o
seguinte quadro aproximado de exemplos paradigmáticos:
Alternância de Transitividade:
PC:
(*)
(*)
(*)
(*)
PB:
[ intransitividade]
O rei faleceu
O conde agiu
A fruta amadureceu
O menino correu
A flor abriu
O mastro quebrou
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
O castelo entregou
O reino defendeu
O rei faleceu
O conde agiu
A fruta amadureceu
O menino correu
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
A flor abriu
O mastro quebrou
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
* O castelo entregou
* O reino defendeu
(*)
(*)
(?)
(?)
[ transitividade ]
O príncipe faleceu o rei
A rainha agiu o conde
O calor amadureceu a fruta
O grito correu o menino
O sol abriu a flor
A tempestade quebrou o mastro
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O rei entregou o castelo
O conde defendeu o reino
* O príncipe faleceu o rei
* A rainha agiu o conde
O calor amadureceu a fruta
O grito correu o menino
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O sol abriu a flor
A tempestade quebrou o mastro
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O rei entregou o castelo
O conde defendeu o reino
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |70|
O esquema de sombreamento aplicado ao quadro acima pretende mostrar visulamente o fato de que no
PB há maior circulação dos verbos entre a transitividade e a intransitividade. Essa “amplificação” da
alternância transitiva será considerada aqui como ponto-chave para a compreensão do contraste
diacrônico entre PC e PB.
Entretanto, o quadro acima não está completo; entre o “+” e o “–” transitivo, me parece, temos as
construções com SE, como comentarei mais adiante; considerando isso, comporíamos o seguinte quadro
alternativo:
Alternância de Transitividade, 2:
[ intransitividade]
PC:
(*)
(*)
(*)
(*)
PB:
*
*
[ transitividade ]
←→
O rei faleceu
O conde agiu
A fruta amadureceu
O menino correu
A flor abriu
O mastro quebrou
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
O castelo entregou
O reino defendeu
(*) O rei se faleceu
(*) O conde se agiu
(?) A fruta se amadureceu
O menino se correu
A flor se abriu
O mastro se quebrou
O âmbar se endureceu
O sal se dissolveu
O castelo se entregou
O reino se defendeu
(*)
(*)
(?)
(?)
O príncipe faleceu o rei
A rainha agiu o conde
O calor amadureceu a fruta
O grito correu o menino
O sol abriu a flor
A tempestade quebrou o mastro
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O rei entregou o castelo
O conde defendeu o reino
O rei faleceu
* O rei se faleceu
* O príncipe faleceu o rei
O conde agiu
A fruta amadureceu
O menino correu
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
A flor abriu
O mastro quebrou
O âmbar endureceu
O sal dissolveu
O castelo entregou
O reino defendeu
* O conde se agiu
? A fruta se amadureceu
O menino se correu
O âmbar se endureceu
O sal se dissolveu
A flor se abriu
O mastro se quebrou
O âmbar se endureceu
O sal se dissolveu
O castelo se entregou
O reino se defendeu
* A rainha agiu o conde
O calor amadureceu a fruta
O grito correu o menino
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O sol abriu a flor
A tempestade quebrou o mastro
A água endureceu o âmbar
O ácido dissolveu o sal
O rei entregou o castelo
O conde defendeu o reino
Em segundo lugar, temos dados que eu colocaria em outro plano, referente aos verbos transitivos que
podem apresentar diferentes qualidades de argumentos como sujeitos. Essa alternância, que eu chamaria
preliminarmente de alternância “entre causadores” , não se mostra essencialmente diferente entre PC e
PB. O quadro só fica interessante quando combinamos essa propriedade com a propriedade de
alternância de transitividade, uma vez que alguns dos verbos que aceitam alternância de causadores no PB
aceitam também alternância de transitividade, como veremos.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |71|
Alternância “entre causadores”:
PC/PB:
[ transitividade ]
A princesa abriu a flor com o leque
O leque abriu a flor
O capitão quebrou o mastro com o machado
O machado quebrou o mastro
O cientista endureceu o âmbar com água
A água endureceu o âmbar
O cientista dissolveu o sal no ácido
O ácido dissolveu o sal
O conde defendeu o reino com armas
As armas defenderam o reino
O rei entregou o castelo aos inimigos
(*) Os inimigos entregaram o castelo
Esses quadros resumem o que eu considero serem os contrastes principais que o prosseguimento dessa
pesquisa precisará compreender em termos de mudança lingüística. Para isso será preciso pensar todo um
campo de conceitos sobre a alternância de realização de argumento – sobretudo, frente à própria natureza
do fenômeno da alternância, que pode ser abordada de modos variados, como tento resumir aqui.
No estudo das alternâncias, B. Levin, em Levin (1993), estabeleceu um paradigma segundo o qual a
semântica e a sintaxe dos verbos estão estreitamente relacionadas:
The behaviour of a verb, particularly with respect to the interpretation and expression of its
arguments, is to a large extent determined by its meaning. Thus verb behaviour can be used
effectively to probe for linguistically relevant pertinent aspects of verb meaning (Levin 1993:1).
A tradição de estudos nessa linha, no geral, parte do princípio de que é possível compreender ou até
prever o comportamento sintático dos verbos a partir das classes semânticas apontadas por Levin como
pertinentes para a compreensão dos aspectos gramaticalmente relevantes da semântica verbal. Esta
pesquisa, por enquanto, ainda não chegou a esse plano de refinamento da análise, por uma razão central.
A metodologia inaugurada por Levin (1993), em meu entendimento, parte da semântica dos verbos para
estudar sua sintaxe. Entretanto, no caso específico de um estudo diacrônico, a semântica é justamente o
plano de maior dificuldade de análise, em especial no nível de detalhamento dos trabalhos filiados a Levin
(1993). O plano mais seguro de descrição, e que a meu ver deve ser o ponto de partida de um trabalho
diacrônico, são as “construções” – a sintaxe, e ainda mais, a sintaxe “superficial”. Ou seja: aquilo que de
fato podemos observar num primeiro momento. Nas próximas etapas da pesquisa buscarei analisar as
construções já descritas no levantamento a partir da perspectiva das classes semânticas, na esperança de
compreender melhor os padrões de realização dos argumentos.
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |72|
Entretanto, me parece que, mesmo com o aprofundamento da pesquisa nos dados, uma abordagem mais
fina da semântica dos verbos em uma perspectiva diacrônica será extrememante delicada. Avalio isso por
causa do problema central da “uniformidade lexical”, e para explicá-lo, vou partir de uma contraposição
que me parece fundamental: a contraposição entre as abordagens mais lexicais e mais sintáticas da
alternância verbal. No primeiro caso, estamos no campo dos estudos de “valência”; no segundo, no
campo dos estudos da “estrutura argumental”.
O termo “valência” aplicado à linguagem foi introduzido por Lucien Tesnière em 1959, e toma
emprestado o termo usado na química orgânica: em química, “valência” é um número que indica a
capacidade que um átomo de um elemento tem de se combinar com outros, medida pelo número de
elétrons que um átomo pode dar, receber, ou compartilhar de forma a constituir uma ligação química, de
acordo com o número de espaços omissos nas camadas eletrônicas do átomo. Para Tesnière, o “verbo”
pode ser comparado a um átomo, podendo exercer seu poder de atração sobre um número maior ou
menor de particiapantes (“actants”) no processo que expressa. Os verbos se classificariam de acordo com
o número de “participantes” que consegue atrair: zero (“Valência-0”), como nos impessoais; um
(Valência-1), como nos tradicionais intransitivos;
dois (Valência-2), os tradicionais transitivos; e 3
(Valência-3), os verbos com participantes “dativos”. Assim como os átomos, os verbos seriam monovalentes, bi-valentes, tri-valentes, etc. Aqui importa sobretudo notar que apesar da distinção fundamental
de Tesnière, entre “actantes” e “circunstantes” (esses últimos, meras expressões do lugar, tempo, ou
modo do processo expresso pelo verbo), a noção de valência não se funda numa hierarquia lógica entre
os termos (ao menos, entre os participantes atraídos). Fundamentalmente, podemos entender que a
proposta de Tesnière conceitua “argumentos” como “participantes”, elementos diretamente dependentes
do verbo.
A “estrutura argumental”, em contraste, é uma noção fundamentalmente geométrica: a descrição da
estrutura deve incluir relações lógicas de dependência e dominância entre os argumentos do verbo. O
conceito é trazido para a lingüística a partir de uma longa tradição da filosofia, e mais precisamente depois
de sua aplicação na lógica formal de G. Frege (Frege (1879), (1918 (2002)) . Na sua origem portanto, o
conceito de “argumento” se presta à análise lógica da predicação abstrata; trata-se, de partida, de uma
noção estruturante. Podemos observar a diferença entre os dois conceitos pela própria notação adequada
a cada um deles: uma notação mínima da estrutura argumental deve descrever hierarquias, enquanto a
notação de valência é plana:
valência: = [ V ] =, ou [ NP V NP ]
estrutura argumental: [ NP [ verbo [ NP ] ] ]
Note-se portanto que a idéia de “valência” remete primordialmente à descrição de um item lexical,
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |73|
enquanto a idéia de “estrutura argumental” remete primordialmente à descrição de um predicado.
Essa distinção resumida reflete diretamente no problema da noção de “alternância”. Do ponto de vista
dos estudos de valência, a “alternância verbal” pode ser definida por exemplo como “a ocorrência de um
verbo em mais de uma moldura de valência” (Alencar 2005). Nesse sentido, fala-se em “construções
alternativas”, não se remetendo, necessariamente, a relações de derivação ou transformação entre uma e
outra construção. Do ponto de vista dos estudos centrados na estrutura argumental, em oposição, a
“alternância” é normalmente pensada como diferentes realizações estruturais de um mesmo verbo, que passa
por “processos” de transitivização, de-transitivização, etc. O exame dos contrastes abaixo pode nos
mostrar a amplitude da diferença entre essas abordagens. As orações em (a) e (b) têm a estrutura básica
[NP [ V NP ]], ou seja, “transitiva”; os sujeitos são argumentos com papel temático de “agentes”, e os
complementos, “pacientes”. As orações em (c) e (d), com os mesmos verbos, têm a estrutura básica [NP [
V ]], ou seja, “intransitiva”, e seus sujeitos são argumentos com papel temático de “pacientes”:
(a) O menino quebrou o copo
(b) A moça abriu a porta
(c) O copo quebrou
(d) A porta abriu
Esse contraste clássico embute duas possibilidades básicas de análise. Podemos dizer que os verbos
{quebrar} e {abrir} apresentam mais de uma “moldura de valência”, V-1 e V-2. Em em (a) e (b) vemos
esses verbos construídos conforme a moldura transitiva, e em (c) e (d) conforme sua moldura intransitiva.
Desse ponto de vista, os verbos {abrir} e {quebrar} podem ser analisados (cada um) como duas entradas
lexicais: {abrir} transitivo, e {abrir} intransitivo; {quebrar} transitivo e {quebrar} intransitivo.
De outro lado, podemos ver em (c) e (d) transformações das estruturas de (a) e (b), ou seja, detransitivizações. Desse ponto de vista, há apenas uma entrada lexical para cada verbo, e quaisquer diferenças
devem remeter a operações da gramática sobre o léxico. Nessa linha de análise das alternâncias, as
alterações na estrutura argumental serão conceituadas como supressões e promoções de diferentes papéis
temáticos por por meio de mecanismos sintáticos. Podemos avaliar isso examinando um exemplo de
análise essencialmente transformacional, a de Inês Duarte e Ana Maria Brito (Duarte & Brito, 2003), para
algumas alternâncias importantes do português que aqui focalizamos, e que elas reúnem na “família das
construções inacusativas” do PE:
“A família das inacusativas”, Duarte & Brito (2003):
“Promoção de argumento tema: verbos mono-argumentais”
(a) [O Pedro]-TEMA chegou
(b) [As flores]-TEMA murcharam
“Promoção de argumento tema e supressão de argumento fonte: verbos de Alternância Incoativa”
(a) [ O calor ]-FONTE derreteu [a manteiga] TEMA
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |74|
(b) [ A manteiga ]-TEMA derreteu com o calor
(c) [ A manteiga ]-TEMA derreteu
“Promoção de argumento tema e supressão de argumento agente: Construções Passivas”
(a) [Os alunos ]-AGENTE compraram [ o livro ]-TEMA
(b) [ O livro ]-TEMA foi comprado pelos alunos
(c) [ O livro ]-TEMA foi comprado
(d) [ O livro ]-TEMA comprou-se
Para Duarte & Brito, as propriedades de promoção e supressão de argumentos
... podem ser o resultado de características idiossincráticas do verbo, i.e., do facto de o verbo
escolhido ser inacusativo, [cf. {O Pedro chegou}], ou podem ser o efeito de processos sintácticos
ou morfo-sintácticos que inacusitivizam um verbo transitivo [cf. {A manteiga derreteu}]
(Duarte & Brito 2003:509, [meu grifo]).
Quanto aos verbos “inacusativizáveis”, ou “de-transitivizáveis”, ou de “alternância causativa”, como
{derreter}, a autora destaca o problema que nós comentávamos acima:
... é necessário decidir se o léxico do português contém uma entrada lexical causativa e uma
entrada lexical inacusativa para um verbo de alternância causativa ou se apenas contém uma
entrada lexical (a causativa), da qual se deriva, por operações lexicais sobre os papéis temáticos, a
variante inacusativa. Adopta-se aqui a segunda posição, que se pode sintetizar através da seguinte
generalização:
Princípio da Uniformidade Lexical:
Cada conceito verbal corresponde a uma entrada lexical com uma estrutura temática:
abrir V: θ1 θ2 ,
derreter V: θ1 θ2
Desta perspectiva, portanto, um verbo como {chegar} tem a estrutura temática V: θ1, e a realização de
argumento “tema” como sujeito se explica, muito simplesmente, pela falta de outras opções. Já um verbo
como {derreter} tem a estrutura temática básica V: θ1 θ2, e uma construção com sujeito “tema”, como
{A manteiga derreteu}, é analisada como a realização intransitiva desse verbo, possível mediante a
supressão do primeiro de seus papéis temáticos (θ1) e consequente promoção do segundo papel temático
(θ2) a sujeito. A “alternância”, portanto, manifesta uma operação de transformação, ou “Redução
Lexical”:
Uma vez que a operação lexical de Redução suprime o papel temático externo, o verbo perde a
capacidade de legitimar casualmente o seu argumento interno directo, pelo que a forma resultante
da operação de Redução tem as propriedades de um verbo inacusativo.
Passo agora a expor os problemas que essa linha de abordagem me parece trazer para um estudo centrado
na mudança lingüística. Antes de tudo, ao longo desta pesquisa, tive diversas oportunidades para observar
as dificuldades que o “princípio da uniformidade lexical” traz para a análise diacrônica dos verbos. Para mim
não é banal entender precisamente a idéia de “conceito verbal” ao longo do eixo temporal. Vamos
observar, por exemplo, as seguintes orações, com os verbos {cometer}, {curar}, {criar}:
(a) E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens : e
nesta parte são tão ousados , que já aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar
V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |75|
de um destes animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore , não
bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos gritos do Índio , antes a
todos os medos, se deixou estar muito seguro
(b) Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se acolher, e que sua
mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado muitas vezes vemos as mães com novos
esposos se tornarem madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos
(c) Jaború é outra ave tamanha como um grou, tem a côr cinzenta, as pernas compridas, o bico
delgado e mais que de palmo de comprido; estas aves [criam] em terra ao longo do salgado, e
comem o peixe que tomam no mar, perto da terra por onde andam
No exemplo (a), em {quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens}, reconheço
em {cometer} o sentido de 'atacar, acometer'. Na acepção atual desse verbo, segundo os principais
dicionários, as acepções registradas para {cometer} são algo como: “1. Fazer, praticar, prepetrar”; “2.
Empreender, tentar”; “3. Propor, oferecer”; “4. Arriscar-se, expor-se (a)” (Borba, 1991: 289:290). Não encontrei
registro da acepção “atacar” nos dicionários atuais. No exemplo (b), em {que sua mãe tão pouco dele
[curava]}, reconheço em {curar} a acepção de 'cuidar, preocupar-se com'. Nos dicionários, atuais, {curar}
aparece com as seguintes acepções: “1. Restabelecer a saúde de”; “2. Corrigir”; “3. Secar ao calor ou ao fumeiro”;
“4. Branquear, corar”; e “4. Cuidar, tratar” (Borba 1991: 360). A última acepção registrada por Borba,
portanto, se aproxima daquela encontrada no corpus; entretanto, note-se a especificação do autor: “III.
Indica ação, com sujeito agente e com complemento da forma de + oração infinitiva: Nem cuidei de saber a data do concurso;
Previdente, o funcionário cuidou de dar todas as informações”. Assim, não apenas {curar} 'cuidar, tratar' é a última
acepção registrada no dicionário de Borba (o que indica ser a menos usual), como está relacionada a uma
construção que não remete exatamente àquela que se registra no corpus (cuidar de NP, não cuidar de +
infinitiva). Por fim, no exemplo (c), entendo {criar} no sentido de 'procriar, dar cria'. Nos dicionários
atuais {criar} apresenta múltiplas acepções (12 em Borba 1991), e apenas Borba (1991: 355) dá, dentro da
acepção “Dar existência a, gerar” - um exemplo de construção sem complemento (Chamam de maninha a vaca
que não cria), sem comentar a construção. Note-se que pelo meu levantamento até este ponto, das cerca de
709 ocorrências de {criar}, cerca de 300 têm essa acepção de 'procriar' e essa construção sem
complemento.
Vem agora a minha pergunta: será metodologicamente correto analisarmos as diferentes construções
possíveis com {criar}, {curar}, {cometer}, no PB e no PC, como alternâncias resultantes de operações
gramaticais sobre as mesmas entradas lexicais ? Lembrando a definição de Duarte & Britto (2003) para o
princípio da uniformidade lexical (que funda sua teoria da redução lexical como explicação para a
alternância) – serão {cometer} 'atacar' e {cometer} 'perpetrar' um mesmo conceito verbal ? No caso de
criar, por exemplo, podemos ver como as diferentes acepções do português remetem, cada uma, a
diferentes traduções em outras línguas – no inglês, {create} para 'fazer surgir'; {raise} para 'educar, fazer
desenvolver-se'; {breed} para 'procriar'. Note-se que cada um desses verbos em inglês tem uma sintaxe (os
dois primeiros são estritamente transitivos, o último é de alternância); e não nos ocorreria levantar o
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problema de porque {breed} pode alternar, enquanto {create} não pode. Em inglês vemos aí duas
entradas lexicais. Em português, o sentido expresso por cada uma delas está na “mesma entrada”, {criar}.
Diante disso, me parece razoável considerar que as entradas lexicais em diferentes etapas de uma
“mesma” língua são tão comparáveis entre si como diferentes entradas lexicais de línguas diferentes - ou,
para sermos menos radiciais, ao menos, de línguas aparentadas. Isso recomenda imenso cuidado no
estudo comparado, em especial quanto à abordagem “transformacional” das alternâncias. Assim, de
partida, me parece que o princípio da uniformidade lexical conforme exposto em Duarte & Brito (2003) é
pensado no contexto de uma sincronia, e não é aplicável de modo rigoroso a estudos de mudança. Como
a idéia da uniformidade lexical (ao que me parece) fundamenta toda uma tradição de trabalhos voltados à
explicação abstrata das estruturas de evento e das operações de alternância possíveis sobre essas
estruturas, neste estudo não parti dessa linha de abordagem. Note-se ainda que, mesmo que fossemos
aplicar a formulação de Duarte & Brito (2003), o estudo diacrônico da alternância pode ser um estudo de
como certos verbos mudam de classe: de verbos que não podiam sofrer a operação de Redução, para
verbos que agora podem sofrê-la; ou ainda: pode ser um estudo da ampliação ou redução nos papéis
temáticos de cada “entrada lexical”. Assim, mesmo de uma perspectiva transformacional, as diferenças
diacrônicas na realização da estrutura argumental parecem tocar, de alguma forma, na organização lexical.
A resolução desse problema está longe dos limites possíveis da condução da pesquisa nesta etapa, e será
deixada para o longo prazo.
Note-se que o problema das acepções dos verbos remete à dificuldade central desse trabalho - a
interferência da gramática do PB (minha gramática internalizada) na interpretação dos dados, dificuldade
que entendo como fruto do contraste entre as duas gramáticas. O contraste incide no problema dos
apagamentos de argumentos (como já adiantei na seção 1) e, como procurei mostrar agora, na própria
interpretação do sentido dos verbos. O contraste, e portanto a dificuldade, são inevitáveis; diante disso,
tomei como decisão de transformar o problema em ferramenta de análise. Por isso a metodologia é
refletir sobre cada verbo atestado no levantamento a partir da minha intuição do PB, para posteriormente
contrastar isso com outros critérios mais objetivos. Assim, foram formadas classes comparadas de
diáteses que remetem à minha interpretação da potência de valência dos verbos, partindo da interpretação
inicial das acepões atuais dos verbos (na minha intuição e nos dicionários). Em seguida, procuro tentar
interpretar possíveis sentidos contrastantes, que possam estar ligados às diferentes construções. Por isso,
o trabalho se conduziu no sentido de estabelecer contrastes entre as construções encontradas no corpus
com certos verbos e as construções que esses verbos permitem no PB, sem formular a questão em termos
de operações de transformação.
O que apresento neste ponto portanto é uma abordagem preliminar dos dados, que procura distinguir,
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em meio ao universo dos dados levantados, padrões mínimos de comportamento construcional que
levem ao adiantamento futuro da pesquisa. Essa abordagem compreendeu duas etapas: primeiro tentei
distinguir a grade temática manifestada em cada construção atestada no corpus, abordando as
“alternâncias” de modo pré-estrutural, por assim dizer (identificando as alternâncias de valência
atestadas); e em seguida procurei entender como isso se relacionava com a realização sintática dos
argumentos.
Para começar esse processo me pareceu interessante partir da observação dos verbos com menor
amplitude de valência possível – os quais, por definição, devem ser os que menos permitem alternâncias,
de qualquer tipo. Lembrando o quadro apresentado na seção 1, observemos os itens que apresentam
uma amplitude mínima de valência tanto no corpus como no PB (cf. Seção 2, Quadro I.1 ), e que podem
ser descritos de duas maneiras alternativas segundo o que considerei acima sobre valência e estrutura
argumental:
Verbos de Valência-1
V= ou [ NP V ]
(i.e. verbos que se ligam a um participante apenas)
[ NP [V] ]
(i.e. verbos com um argumento apenas, este sujeito)
Vou considerar que a propriedade mais interessante desses verbos, e que os diferencia dos demais grupos,
não é simplesmente aparecerem com um argumento, mas sim não poderem aparecer com mais de um. A
notação preliminar, como já adiantei na seção 1, inclui uma nomenclatura simplificada para os
argumentos realizados; nela, o argumento único dos verbos de Valência-1 é chamado de x. Assim, a
descrição preliminar plana para esses verbos é:
Verbos do Grupo 1: {falecer}, {cair}, {aparecer}, ...
[ V: x ], *[ V: x y ]
ou
[ V: x *y]
Em contraste, os “verbos transitivos” seriam de dois tipos básicos. Primeiro, teríamos aqueles que podem
ser transitivos (ou seja, os verbos de alternância transitiva), segundo, aqueles que devem ser transitivos. A
descrição para esses grupos, segundo o critério de comparação diacrônica, seria:
Verbos do Grupo 2: {amadurecer}, {endurecer}, {abrir}, {quebrar}, ...
[ V: x ] ~ [ V: x y ]
ou
[ V: x (y)]
Verbos do Grupo 3: {fazer}, {comer}, {deixar}, ...
* [ V: x ], [V: x y ]
ou
[ V: x y ]
A descrição inicial se resume, portanto, em mostrar a alternância de transitividade possível em um plano
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não-estruturado – ou seja, alternância de valência. É que mostram os quadros da seção 1, I a IV.
Partindo desse espírito mínimo, podemos partir para a observação de algumas características que
diferenciam cada uma dessas três classes de verbos no PB. Começando pelos verbos que apresentam
valência mínima, observo antes de tudo que na minha classificação esse grupo [V: x ] inclui intransitivos
com sujeito “paciente” ou “tema” e intransitivos com sujeito “agente”. Isso se justifica uma vez que a
classificação em três grupos não é semântica, e sim “construcional”. Entretanto, será importante
refletirmos sobre as propriedades temáticas dos verbos desse grupo, para futuramente compreendermos a
relação entre as propriedades semânticas e as construções possíveis.
Para a reflexão sobre as propriedades semânticas, estou partindo de Cançado (2003) e (2005), para quem
“papel temático” não deve ser a noção de partida para se compreender as relações argumentais. Os
tradicionais “papéis temáticos”, para a autora, seriam derivados composicionalmente da combinação entre
propriedades semânticas fundamentais que cada verbo acarreta para seus argumentos em diferentes
construções – aproximando-se do conceito de acarretamentos lexicais de Dowty (1989). A autora define
como propriedades fundamentais [desencadeador ], [afetado], [estativo] e [controle]; desencadeador seria
a “propriedade acarretada pelo verbo a seu argumento quando este argumento possui algum papel no desencadear do
processo”; [afetado] é a “propriedade de mudança de estado acarretada pelo verbo a seu argumento, ou seja, se o verbo
acarretar mudança de um estado A para um estado B a um argumento, este será associado à propriedade de afetado”;
[estativo] é a propriedade acarretada ao participante que não tem papel no desencadeamento, nem muda
de estado com o processo; e [controle] remete, literalmente, ao controle que determinado argumento
pode ter sobre o processo. A depender do verbo e da construção, essas propriedades combinam-se para
formar os papéis de “agente”, “paciente”, “fonte”, “instrumento”, etc. Assim, um papel temático
tradicional como “fonte” pode ser um desencadeador sem controle. O tradicional “Agente” pode ser um
desencadeador com controle.
A proposta de Cançado se mostra especialmente interessante para a análise dos verbos monoargumentais; em Ciríaco e Cançado (2006), as autoras salientam:
A vantagem dessa proposta é que podemos ter um papel temático que possua as propriedades ser
um desencadeador e ser afetado, sem que isso seja um problema para a teoria, pois o papel temático de
um argumento é exatamente o grupo de propriedades a ele atribuídas a partir da composição de
sentidos dos itens lexicais da sentença em que esse papel temático encontra-se.
Para Ciríaco e Cançado (2006), os verbos intransitivos se dividem em “inergativos prototípicos”, como
{correr}, {dançar}, {voar} e “inacusativos prototípicos”, como {morrer}, {brotar}, {sumir}. O contraste
entre eles remete, principalmente, à capacidade de cada verbo acarretar a propriedade [ desencadeador ],
além de [afetado], a seu argumento único. Os verbos “inacusativos” seriam os que acarretam apenas
[afetado]; os “inergativos” acarretam [afetado] e [desencadeador] (“só existe um argumento que desencadeia o
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processo em si mesmo”, (Ciríaco & Cançado, 2006:11). Nas palavras das autoras,
a distinção entre inacusatividade e inergatividade será marcada pela existência da propriedade
desencadeador : verbos mono-argumentais que apresentem o desencadeador como uma das
propriedades do papel temático de seu argumento terão uma natureza mais inergativa
Ou seja,
(a) {morrer}: x morrer,
(b) {voar}:
x voar,
[ x ] afetado
[ x ] desencadeador-afetado
“mais inacusativo”
“mais inergativo”
Além disso, alguns verbos “inergativos” podem acarretar a propriedade de controle para seu argumento
único, a depender da construção. Vamos dizer, por exemplo, que um verbo como {voar} acarreta
[desencadeador][afetado] + controle a seu argumento único na construção (a) abaixo, e [desencadeador]
[afetado] - controle em (b) abaixo:
(a) O pássaro voôu para pegar a minhoca
(b) Os papéis voaram com a ventania
Adotando a proposta de Ciríaco e Cançado (2006), vou considerar que os verbos do meu Grupo 1
podem se diferenciar por esse contraste de “mais inacusatividade” versus “mais inergatividade”, definido
pela capacidade de cada verbo acarretar [ desencadeador ] além de [afetado] para seu argumento único – a
que se adiciona a possibilidade de acarretamento de [controle] em diferentes construções. Numa análise
preliminar das relações entre as propriedades semânticas fundamentais nas construções do corpus em
comparação ao que as autoras propoem para o PB, teríamos:
(a) . e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em
idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe
[ x ]: [afetado] – controle
(b) ... mas tornam logo a nascer dela uns filhos que [brotam] do mesmo pé
[ x ]: [desencadeador][afetado] – controle
(c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, [cavalgou] à pressa
[ x ]: [desencadeador][afetado] +controle
Passamos então ao problema dos verbos transitivos. Pela lógica, se entre os verbos intransitivos existe a
capacidade de acarretar [desencadeador] e [afetado] para um mesmo argumento, os verbos transitivos
estritos deveriam poder ser descritos como verbos que não conseguem acarretar as propriedades de
[ desencadeador ] e [afetado] para um mesmo argumento – precisam “distribuí-las” entre dois
participantes, vamos dizer. Essa seria uma abordagem interessante da “transitividade”, a propriedade de
“transitar” entre dois pólos. Essa análise parece bem adequada para alguns dos verbos desse tipo no PB
pelo menos (aos demais voltaremos ems eguida); notadamente, observemos:
(a) {matar}:
y matar x,
(b) {derrubar}: y derrubar x,
[ x ] afetado
[ y ] desencadeador
[ x ] afetado
[ y ] desencadeador
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Essa análise torna interessante o contraste entre certos “pares lexicais” como {matar}/{morrer}, {cair}/
{derrubar}; os segundos itens de cada par podem acarretar [ desencadeador ] e [ afetado ], os primeiros,
apenas [afetado]:
(a) {morrer}:
morrer x,
(b) {matar}: y matar x,
[ x ] afetado
[ x ] afetado
(* [ y ] desencadeador )
[ y ] desencadeador
(c) {cair}:
cair x,
(d) {derrubar}: y derrubar x,
[ x ] afetado
[ x ] afetado
(* [ y ] desencadeador )
[ y ] desencadeador
Esses pares lexicais são interessantes pois podem mostrar a relação entre as diferentes propriedades
semânticas, sua distribuição entre os argumentos, e a expressão de causatividade. O que alguns verbos de
“alternância ergativa” realizam por alternância de construção poderia ser semelhante ao que vemos nesses
verbos como “alternância lexical”:
(a) {abrir}:
(b) {abrir}:
abrir x,
y abrir x,
[ x ] afetado
[ x ] afetado
[ y ] desencadeador
Uma outra análise seria a de que esse “mesmo verbo” sempre acarreta as duas propriedades semânticas,
mas pode ora concentrá-las num mesmo argumento, ora distribuí-las entre dois:
(a) {abrir}:
(b) {abrir}:
abrir x,
y abrir x,
[ x ] afetado desencadeador
[ x ] afetado /[ y ] desencadeador
Na primeira análise, {abrir} pode se construir ou como os mono-argumentais inacusativos, ou como
transitivo causativo; na segunda, ou como inergativo ou como causativo. Evidentemente a cada análise
corresponderiam diferentes interpretações da semântica de {abrir} monoargumental: com ou sem
[desencadeador]. A análise que equipara {abrir} monoargumental com os inacusativos encerraria o
problema de se explicar como “mesmo verbo” pode ora acarretar [desencadeador], ora não; a análise
para o lado dos inergativos encerraria o problema de explicar porque um “mesmo verbo” pode ora
distribuir as propriedades [desencadeador] e [afetado] entre dois argumentos, ora concentrá-las num único
argumento.
Ciríaco e Cançado (2007), parrtindo de Ciríaco (2007), consideram que a alternância “causativo-ergativa”
canônica se aplica justamente a verbos que apresentam a propriedade inerente de acarretamento lexical de
[desencadeador] – caso em que elas encaixam {abrir} (e também {quebrar}, outro verbo que apresenta
essa alternância no PB e no PC). Para as autoras a semântica desses verbos acarreta necessariamente um
“desencadeamento”, que pode ser inferido mesmo nas construções intransitivas deses verbos. Essa
propriedade de desencadeador lexicalmente acarretada pode se concentrar no argumento que também
recebe [afetado], ou se distribuir entre dois argumentos.
Note-se então que isso nos remete de volta ao problema da interpretação do sentido dos verbos. Seria
percário transportar diretamente uma análise como essa para o PC, uma vez que eu não posso saber se
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naquele estágio, {abrir} e {quebrar} corresponderiam “inerentemente” a uma interpretação de
desencadeamento, e nem posso realizar os testes de confirmação propostos pelas autoras para o PB.
Tampouco me parece adequado partir partir de princípios generalizantes de sentido – do tipo a “idéia
abstrata” de “quebrar” ou de “abrir” implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador. Por
exemplo, digamos que a “idéia” de “morrer” não implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador
(já que este verbo só acarreta [afetado]); onde isso nos deixa com {matar}, que expressaria a “mesma
idéia” expressa por {morrer}, mas com uma causa/desencadeamento/origem/iniciador? De fato o
problema em pauta não remete a “idéias”, mas sim à organização da língua; isso fica bastante claro
quando notamos que os verbos “anti-causativos” podem ser usados em perífrases como:
(a) O acidente aconteceu *Alguém aconteceu o acidente Alguém fez o acidente acontecer
(b) O menino caiu
*Alguém caiu o menino
Alguém fez o menino cair
(c) O gato morreu
*Alguém morreu o gato
Alguém fez o gato morrer
A possibilidade da perífrase causativa mostra que o problema não são as “noções” ou as “idéias”, mas sim
a organização dos itens lexicais – e esta, justamente, pode mudar com o tempo. Assim, ausente a
possibilidade de partir de intuição para determinar a semântica precisa dos verbos no PC, resta encontrar
evidências nas construções atestadas, e compará-las com as intuições possíveis para o PB. O interesse
desse exercício é procurar caminhos para compreender o seguinte ponto: se o PB apresenta uma
ampliação das diáteses possíveis no PC, onde incide essa ampliação?
Em princípio, estou partindo da idéia de Cançado e Ciríaco (2007) sobre a alternância causativo-ergativa
no PB: ela se traduziria numa alternância entre construções com concentração e com distribuição das
propriedades [desencadeador]/[afetado], possível com alguns verbos (mas me afasto da análise de Ciríaco
(2007) no sentido de serem as formas transitivas desses verbos mais básicas que as intransitivas, como já
explicarei). Por enquanto, encontramos dois verbos incluídos na análise das autoras para o PB: {quebrar}
e {abrir}; não pretendo determinar sua semântica precisa no PC, como assinalei, mas vou aceitar que no
PB eles podem acarretar [afetado] e [desencadeador] para um mesmo argumento. No PC, a situação pode
por hipótese ser a mesma. Outros verbos de alternância no PC não me parecem poder vir a se encaixar
nessa análise (como {queimar}, pelas razões que já mencionarei).
Vamos ver de que forma isso nos ajuda a entender os contrastes entre os dois estágios, comparando as
construções que atestamos com esses dois verbos no corpus, e as que atestamos com verbos que não
apareceram em alternância. No Quadro I.2 da seção 2 apresentei os verbos que eu aceito tanto em
construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como intransitivos no corpus
do PC (como {acordar}, {afastar}, {amadurecer}, {adoecer}, {andar}, {arrebentar}, {crescer}, {curtir},
{emprenhar}, {engordar}, {enobrecer}, {entrar}). No Quadro IV.1 estão os verbos que eu aceito tanto
em construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como transitivos no
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corpus do PC (como {acabar}, {apagar}, {começar}, {cortar}, {dobrar}, {enriquecer}, {esfolar},
{esgotar}, {extinguir}, {acalmar}, {estragar}). A pergunta para começar a análise comparada seria: no
PB, esses verbos parecem poder acarretar [afetado] e [desencadeador] para seus argumentos únicos
quando intransitivos? Novamente ressalto que me parece extremamente difícil definir isso objetivamente
apenas refletindo sobre o sentido dos verbos. O máximo a que consergui chegar, até este ponto, foi
definir que todos os verbos acima de fato me parecem expressar, nas construções transitivas,
causatividade. Isso é interessante pois os contrasta com os “transitivos estritos”, como mostro adiante.
Para verificar se os verbos podem expressar causatividade estou usando o teste da paráfrase com “fazer
V”:
(a) O gato acordou
Alguém acordou o gato
(b) O carro arrebentou Alguém arrebentou o carro
(c) O carro estragou Alguém estragou o carro
= Alguém fez o gato acordar
= Alguém fez o carro arrebentar
= Alguém fez o carro estragar (etc)
Repetindo-se o teste nota-se que todos os verbos acima entram nesse paradigma. Vamos constrastar isso
com certos verbos que me parecem estritamente transitivos no PB:
(a)
(b)
(c)
(d)
? O gato matou
? O menino castigou
? A cidade defendeu
? A minhoca comeu
≠ Alguém matou o gato
≠ Alguém castigou o menino
≠ Alguém defendeu a cidade
≠ Alguém comeu a minhoca
≠ Alguém fez o gato matar
≠ Alguém fez o menino castigar
≠ Alguém fez a cidade defender
≠ Alguém fez a minhoca comer
Coloco as construções à esquerda nas colunas com (?) pois me parece cada vez mais difícil distinguir se
um verbo pode ou não aceitar construção intransitiva no PB; além disso, construções assim podem ser
aceitáveis por apagamento dos complementos (como com {comer}). Mas o importante é notar que as
construções da primeira coluna, possíveis ou não, não equivalem às da segunda, e as da segunda não
equivalem às da terceira. Ou seja: {o gato matou} não se aproxima do sentido de {alguém matou o gato},
e {alguém matou o gato} não se aproxima de {alguém fez o gato matar}. Repetindo esse teste com todos
os verbos que eu analiso como transitivos estritos no PB (Quadro IV.2 da seção 2), me parece que todos
se equivalem. Ou seja: os verbos que eu tomo como estritamente transitivos no PB não expressam
causatividade nas suas construções transitivas.
Com isso a única coisa que obtive foi uma separação entre verbos “causativos” e “não-causativos”, sem
ainda entrar no problema das propriedades semânticas em relação à realização dos argumentos. Neste
ponto será interessante detalhar um pouco esse problema da causatividade.
A “expressão de causatividade”, como estou colocando em termos muito preliminares, é mais uma
característica das estruturas que da semântica de cada argumento em si; importantes linhas na literatura,
com formulações diversas, abordam o problema nesse espírito (Levin e Rappaport-Hovav, 2005; Croft,
1990; Jackendoff, 1990 entre outros). Ou seja: os predicados são causativos, não os argumentos.
Lembremos, então, que Levin e Rappaport-Hovav (1999) defendem que cada “camada” de uma estrutura
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de evento deve corresponder a realização de um argumento na sintaxe.
Assim, uma boa descrição dos verbos de “alternância transitiva” seria a de que esses verbos ora se
constróem com duas, ora com uma “camada” na estrutura de evento, como é já clássico. Seria
interessante combinar isso com a proposta de Cançado & Ciríaco (2007) sobre a concentração e
distribuição das propriedades semânticas acarretadas pelos verbos. Nesse sentido importa salientar que o
axioma de Levin & Rappaport-Hovav (1999) remete a “argumentos” como ocupantes das camadas de
eventos, não a propriedades semânticas (nem papéis temáticos). Ou seja: está aberta a opção de que um
argumento de uma camada estrutural receab duas propriedades semânticas do verbo.
Assim, podemos preliminarmente entender a alternância de transitividade da seguinte maneira.
Começando com os intransitivos estritos: as construções mono-argumentais (por definição)
corresponderiam a uma camada de evento apenas; o argumento único do verbo, realizado nessa camada
única, pode receber do verbo as duas propriedades semânticas fundamentais, ou uma delas apenas:
verbos [ V: x ], *[ V: x y ]:
[ V x ], [ x ]-[afetado]
[ x ]-[afetado][desencadeador ]
Nas construções transitivas, como já vimos, as propriedades [afetado] e [desencadeador] estão
“distribuídas” entre diferentes argumentos. Além disso, se há dois argumentos, vamos entender
preliminarmente que possa haver duas camadas de evento. Para representar essas possibilidades vou
acrescentar um pouco de estrutura à minha descrição mínima dos verbos; sem remeter propriamente a
camadas de “evento”, falarei em camadas estrtuturais, representadas por chaves, simplesmente:
verbos *[ V: x ], [ V: x y ]:
[ y [ V x ] ],
[ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador]
Agora olhamos para o problema da perspectiva dos “verbos de alternância”. Quando eles se contróem
transitivamente, correspondem a duas camadas estruturais; e quando se constróem intransitivamente, a
apenas uma. Quanto à distribuição das propriedades semânticas, na construção com duas camadas, as
propriedades semânticas estariam distribuídas, uma para cada argumento em cada camada. Quando se
constróem intransitivamente, temos duas possibilidades: ou as propriedades podem estar concentradas
(como nos verbos sempre mono-argumentais), ou uma delas pode estar ausente:
verbos [ V: x ] ~ [ V: x y ] :
[ y [ V x ] ],
[ x [ V ]],
[ x [ V ]],
[ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador]
[ x ][afetado][desencadeador ]
ou
[ x ][afetado]
Essa idéia inicial me parece interessante, pois a diferença entre os três tipos de verbos remteria às
diferentes extensões de “distribuição” das propriedades semânticas dos argumentos que eles podem
acarretar. Os transitivos estritos podem acarretar concentradamente as propriedades de [afetado] e
[desencadeador] (ou acarretar apenas [afetado]); os intransitivos estritos só podem acarretá-las
distribuidamente entre dois argumentos; os de alternância transitiva (em princípio) podem acarretá-las
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concentradamente ou distribuídamente. Ao acarretarem uma propriedade semântica apenas, seriam
semelhantes aos mono-argumentais “inacusativos” na análise de Ciríaco e Cançado (2006), como
{brotar} ou {morrer}, em contraste aos inergativos, como {correr} ou {dançar}. As possibilidades
podem ser expressas da seguinte forma:
“intransitivos”:
“trnasitivos”:
[ V: x ], *[ V: x y ]:
* [ V: x ], [ V: x y ]:
“de alternância”: [ V: x ]~[ V: x y ] :
[ V x ],
[ V x ],
[ V x ],
[ x ]-[afetado]
[ x ]-[afetado][desencadeador ]
[ y [ V x ],
[ x ]-[afetado],
[ y ]-[desencadeador]
[ y [ V x ],
[ x ]-[afetado],
[ x ][afetado][desencadeador ]
[ x ][afetado]
[ y ]-[desencadeador]
O interssante da idéia é como se poderia entender a variação diacrônica nas possibilidades de alternância.
Verbos que hoje podem ser transitivos além de intransitivos teriam passado do esquema “mais
concentrado” para o “menos concentrado” (em termos de distribuição das propriedades semânticas
acarretadas), e vice-versa. Ou seja, se pensarmos que a diferença entre os verbos das classes de diátese
encontradas hoje no Português Brasileiro parte da capacidade que cada verbo apresenta em “distribuir” as
propriedades semânticas fundamentais de [afetado] e [desencadeador], poderemos começar a nos
aproximar da compreensão da mudança pensado que ela incide justamente sobre essa capacidade de
“distribuição”. Ou seja: não precisaremos falar necessariamente em mudança nas propriedades
acarretadas por cada verbo em si, mas sim sobre a forma que o verbo as distribui entre diferentes
argumentos:
Verbos do Grupo 2.1
[ x [ V ]], *[ y [ x [ V ]]]
> [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]]
[ x [ V ]]:
[ x ] [afetado][desencadeador ]
[ x [ V ]]:
= [ x ] [afetado][desencadeador ]
{arrebentar}, PC > PB
ou
> [ y [ x [ V ]]]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador ]
Verbos do Grupo 2.3
* [ x [ V ]]], [ y [ x [ V ]]]
> [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]]
[ y [ x [ V ]]]:
[ x ] [afetado],
[ y ] [desencadeador ]
= [ y [ x [ V ]]]:
[ x ] [afetado],
[ y ] [desencadeador ]
{apagar}, PC > PB
ou
> [ x [ V ]]
[ x ] [afetado][desencadeador ]
Assim, se é adequado dizer que um verbo como {apagar} é “transitivo” no Português Clássico, mas pode
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ser transitivo ou intransitivo no Português Brasileiro, a mudança teria sido na direção de maior > menor
distribuição argumental das propriedades semânticas de {apagar}. Em contraste, se um verbo como
{arrebentar} é “intransitivo” no Português Clássico, mas pode ser transitivo ou intransitivo no Português
Brasileiro, a mudança teria sido na direção de menor > maior distribuição de propriedades semânticas
entre os argumentos de {arrebentar}. No esquema abaixo, tento descrever essa “capacidade de
distribuição” dos verbos por “=” (distribuição concentrada, duas propriedades semânticas para um
mesmo argumento) e “<” (distribuição de uma propriedade para cada argumento):
Verbos que mudam de mais distribuição para menos distribuição (transitivo > intransitivo) {apagar}:
[ y [ x [ V ]]]
V
<
→ [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =
[x] [afetado]
→ V=[x][afetado][desenc] , V
<
[y] [desenc]
[x] [afetado]
[y] [desenc]
Verbos que mudam de menos distribuição para mais distribuição (intransitivo > transitivo) {arrebentar}:
[ x [ V ]]
→ [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =
[x] [afetado]
V [x] [afetado][desencadeador] → V=[x][afetado][desenc] , V
<
[y] [desenc]
Verbos que permanecem alternantes {quebrar}:
[ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]]
[ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]]
V [x] [afetado][desencadeador], V
<
[x] [afetado]
[y] [desencadeador]
Verbos que adquirem propriedade [desencadeador] {amadurecer} ?:
? [ x [ V ]]
→ [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] =
[x] [afetado]
? V=[x] [afetado]
→ V
<
[y] [desencadeador]
Um outro ponto de interesse do esquema seria a abordagem das construções com {SE}. Elas ficariam na
metade do caminho entre mais e menos distribuição das propriedades fundamentais. Nos quadros II da seção
1 apresentei os verbos atestados com essa partícula; o quadro II.2 reúne os verbos que aparecem no
corpus apenas na construção V-SE; os seguintes, na minha interpretação, podem ser intransitivos e
transitivos no PB: {corromper}, {desviar}, {embarcar}, {endurecer}, {estreitar}.
Note-se que no PB para mim esses verbos são causativos:
(a) A moça embarcou Alguém embarcou a moça
(b) O pão endureceu Alguém endureceu o pão
(c) A rua estreitou
Alguém estreitou a rua
= Alguém fez a moça embarcar
= Alguém fez o pão endurecer
= Alguém fez a rua estreitar
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Notemos também que verbos de alternância no PC aparecem em construções transitivas, intransitivas e
com o pronome {SE}(cf. Quadro III na seção 1); também verbos transitivos estritos aparecem com
{SE}. No PB esses dois grupos ainda aceitam a construção com {SE}, a meu ver:
(a)
(b)
(c)
(d)
A porta se abriu
O mastro se quebrou
As folhas se mexeram
O sal se dissolveu
Já os verbos mono-argumentais estritos não costumam aparececer em construções com essa partícula
“espinhosa”; para o PB, temos:
(a) *O menino se caiu
(b) *O passarinho se morreu
(c) *O passarinho se respirou
Por conta disso vou considerar a realização do pronome SE como indicadora de uma camada de
estrutura, o que explicaria sua incaceitabilidade com os mono-argumentias verdadeiros em contraste com
os demais verbos. De fato, vou tomar o SE como nada mais que um indicador de estrutura. Notemos
como, nas orações acima, seria complicado definir quais argumentos são [ x ] , quais são [ y ] ({a porta}/
se?, {o mastro}/ se?, etc). Isso deve remeter à fragilidade referencial de SE, que pode receber a
interpretação reflexiva, indeterminada, etc. - nunca com uma referencialidade própria. Este seria um
caminho interessante para compreender as mudanças em torno dessa partícula na diacronia do português
(cf. Cavalcante 2006 entre outros). Deixando isso de lado momentaneamente, considerarei apenas que é
adequado tomar {se} como um indicador de camada na estrutura argumental.
Se sustentarmos que {SE} é de fato indicativo de uma estrutura (i.e., é um argumento), mas tem
propriedades muito fracas de estabelecimento de referencialidade, certas construções com {SE}
mostrariam os verbos cuja propriedades semânticas são menos dependentes de distribuição, já que podem
aparecer tanto com um argumento próximo a reflexivo – ou seja, que pode remeter ao mesmo referente
que o outro argumento:
(a) Este âmbar todo quando logo sai , vem solto como sabão e quase sem nenhum cheiro: mas daí a
poucos dias se [endurece], e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos
[ y ][densenc] endurecer [ x ][afetado] > [ ? ] endurecer [ SE]-? > [ x ][afetado] endurecer
(b) A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não dura mais que dois ou três dias, e como passa
deles , logo se [corrompe]
[ y ][densenc] corromper [ x ][afetado] > [ ? ] corromper [ SE]-? > [ x ][afetado] corromper
(c) Estão estas pinhas pegadas, e por baixo das folhas, nas quaes tocando os caminhantes logo
principiam a [mexer]-se, qual formigueiro, quando lhe tocam
[ y ][densenc] mexer [ x ][afetado] > [ ? ] mexer [ SE]-? > [ x ][densenc][afetado] mexer
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A descrição das construções com {SE} neste esquema é um setor aberto para análises. Entretanto, me
parce interessante notar que as dificuldades de interpretação remetem sempre aos verbos que, ao que
tudo indica, passam a ser aceitos como flexíveis no PB. Este aspecto portanto nos leva diretamente ao
cerne desta análise: a circulação dos diferentes verbos pelas diferentes construções nos dois pontos da
diacronia.
Por enquanto, saliento que essa análise do SE como ocupante de uma camada estrutural nos ajudará a
entender o outro tipo de alternância, a alternância “entre causadores”. Observemos os seguintes
contrastes:
(a) A moça abriu a porta
(b) *A moça se abriu a porta
(c) A porta abriu
(d) A porta se abriu
(e) A moça abriu a porta com a chave
(f) *A moça se abriu a porta com a chave
(g) A chave abriu a porta
(h) * A chave se abriu a porta.
(i) A porta abriu com a chave
(j) A porta se abriu com a chave
Partindo do pressuposto de que a cada argumento corresponde uma camada de estrutura, podemos
analisar que:
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
(f)
(g)
(h)
A porta abriu
A porta se abriu
A moça abriu a porta com a chave
*A moça se abriu a porta com a chave
A chave abriu a porta
* A chave se abriu a porta
A porta abriu com a chave
A porta se abriu com a chave
>
>
>
>
>
>
>
>
[ x abrir ];
[ x abrir ];
[ x abrir ]] [ z ]
[ x abrir ]] [ z ]
[ abrir x ]]
[ abrir x ]]
[ x abrir ] [ z ]
[ y [ abrir x ]]
[y
[y
[y
[y
[y
? se ?
? se ?
A impossibilidade de *{A chave abriu-se a porta} indicaria o preenchimento de todas as camadas
possíveis em {A chave abriu a porta}, de modo que não tenho onde situar o {se}. Isso seria um indicador
preliminar de que os argumentos do tipo “instrumento” podem ocupar a mesma posição na estrutura que
os argumentos [ y ]; mas nem sempre, como indicaria a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}.
Assim, os argumentos [ z] desse tipo parecem só poder ocupar a mesma posição de [ y ] na ausência de
[ y], num predicado causativo. Interessantemente, a natureza estrutural de [z] quando não há um [ y] deve
ser diferente, como atesta a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}. Outros verbos de ampla
valência me parecem confirmar os contrastes vistos com {abrir}:
(a) O menino quebrou o copo
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(b) *O menino se quebrou o copo
(c) O copo quebrou
(d) O copo se quebrou
(e) O menino quebrou o copo com um grito
(f) *O menino se quebrou o copo com um grito
(g) O grito quebrou o copo
(h) * O grito se quebrou o copo
(i) O copo quebrou com o grito
(j) O copo se quebrou com o grito
Aplicando então o teste aos verbos de valência não tão ampla, por exemplo {temperar}, teremos:
(a) A mãe temperou a água quente
(b) *A mãe se temperou a água quente
(c) *A água quente temperou
(d) A água quente se temperou
(e) A mãe temperou a água quente com gelo
(f) * A mãe se temperou a água quente com gelo
(g) O gelo temperou a água quente
(h) *O gelo se temperou a água quente
(i) *A água quente temperou com gelo
(j) A água quente se temperou com gelo
Na minha avaliação {temperar} não aceita a “alternância transitiva”: *{A água quente temperou}, e *{A
água quente temperou com gelo}. Aceita, entretanto, a alternância “entre causadores”, [ y ] ~[ z] ({A mãe
temperou a água quente com gelo} / {O gelo temperou a água quente}), e nesse âmbito se comporta
como {quebrar} ou {abrir} (pares (a)(b), (f)(g)).
Ou seja, [ z ] “instrumento”, o “terceiro” argumento de alguns verbos do grupo 2 e 3, pode alternar com
[ y ] numa construção causativa, mas não deve ocupar a mesma camada estrutural que [ y ] realizado (ou
não teríamos {A moça abriu a porta com a chave}, que indica haver três camadas). Na minha formulação
mínima, passo a representar isso anotando [ z ] instrumento como ocupante, alternativamente, de uma
estrutura adicional próxima a [ y ], ou autônoma, quando não há [y]:
verbos *[ x [ V ]], [ y [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [ z [ y [ x [ V ]]], {temperar}
(a) Deus tempera sua ira com o amor divino, [ z [ y [ x [ V ]]]
[ x ]: sua ira
[ y ]: Deus
[ z ]: o amor divino
(b) O amor divino tempera a ira de Deus, [ z [ x [ V ]]]
[ x ]: a ira de Deus
[ z ]:O amor divino
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verbos [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [z [ y [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]] {abrir}:
(a) A moça abriu a porta com a chave
[ x ]: a porta
[ y ]: a moça
[ z ]: a chave
(b) A chave abriu a porta
[ x ]: a porta
[ z ]: a chave
(c) A porta abriu
[ x ]: a porta
(d) A porta abriu com a chave
[ x ]: a porta
[ z ]: a chave
Note-se, entretanto, que nem todo argumento [ z ] pode entrar em alternância com [ y ]. Notadamente, os
argumentos [estativo] do tipo “alvo” ou dativos não alternam com [ y ]:
(a)
(b)
(c)
(d)
(e)
(f)
A mãe deu a água ao menino
*A mãe se deu a água ao menino
*A água deu ao menino
A água se deu ao menino
* O menino deu a água
(com {o menino}-[estativo])
*O menino se deu a água
(com {o menino}-[estativo])
A impossibilidade da alternância com [ y ] parece mostrar que em contraste com a representação acima ( [
z [ y [ x [ V ]]]]) , os argumentos [ z ] “alvo” deveriam ser descritos, na fórmula mínima, de modo distinto
aos argumentos “instrumento”. De início vou fazer isso colocando-os, na estrutura, no interior do
predicado de [ x ]. Isto captaria dois fatos: essa questão da impossibilidade de sua alternância, e a questão
de sua realização possível com verbos do Grupo 1 (que não teriam a camada causativa), sob forma por
exemplo de oblíquos “benefactivos”:
[ x [ V ] ], [ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]
(a) Apareceu-lhe Nossa senhora
[ x ]: Nossa senhora
[ z ]: lhe
[ x z [ V ]], ~ [ y [ x z [ V ]]
(b) Deu-lhes um temporal
[ x ]: um temporal
[ z ]: lhes
(c) Deu-lhe uma estocada pela barriga
[ x ]: uma estocada pela barriga
[ y ]: _, 3a pessoa singular
[ z ]: lhe
*[[ x (z) [ V ]], [ y [ x z [ V ]]
(a) Os castelhanos lhe entregaram a cidade
[ x ]: a cidade
[ y ]: os castelhanos
[ z ]: lhe
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Essa análise dos argumentos [ z ] “dativos”, “benefactivos”, “locativos” precisa ser aprofundada,
consistindo no momento a área mais problemática do meu esquema descritivo. Note-se entretanto que os
dativos e beneficiários não participam, no geral, da alternância de transitividade; assim, para os objetivos
dessa etapa do trabalho, que se concentrou no problema dessa alternância, a classificação provisória é
razoável.
Uma possível exceção é o verbo {chamar}, que apresenta uma diátese muito peculiar do ponto de vista
diacrônico, e que está sendo estudado por G. de Menezes em sua dissertação de mestrado sob minha
orientação (Menezes da Silva, em curso). Nos textos do Português Clássico esse verbo se constrói com o
argumento “recebedor do nome” como dativo; já no Português Brasileiro, o “recebedor do nome” pode
ser o sujeito:
(a) PC: A essas aves chamam Emas; Chamam-lhe Emas
[ x ]: Ema
[ y ]: __, 3a pessoa plural
[ z ]: essa ave/lhe
(b) PB: Essa ave chama Ema
[ x ]: Ema
[ y ]: essa ave/lhe
Outro problema dos argumentos [ z ] são os locativos. Em princípio, seria interessante incluir os locativos
na mesma análise dos [ z ] “dativos”, até em consistência com o papel temático tradicional de “alvos”
desses últimos. Na maioria dos casos isto parece adequado; por exemplo, nos verbos de movimento,
com os quais nunca atestamos a alternância locativa:
(a) Ele chegou na escola
~ Ele chegou
* ~A escola chegou
Esse tipo de locativo seria portanto um argumento do plano do primeiro predicado, [ x ], asssim como os
dativos:
[ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]
(a) Chegamos a esta província o outro padre e eu
[ x ]: o outro padre e eu
[ z ]: esta província
De fato, os verbos que expressam ‘deslocamento’ podem ser analisados segundo a fórmula abstrata ‘ir de
um ponto a outro’, por exemplo [GO [THING] TO [α]] para Jackendoff (1990). Assim, os locativos são
argumentos bastante “internos” a esses verbos, e quando expressados, especificam um dos pontos
espaciais ( [ α]). Vamos pensar, por exemplo, nos verbos {ir} e {vir}; a diferença básica entre eles é que
{ir} faz subentender um deslocamento no sentido do ponto de vista do falante para fora, e {vir} faz
subentender um deslocamento no sentido de fora para o ponto de vista do falante (ou, nos termos de
Coseriu, 1977, “vir” tem o “término do movimento no espaço de primeira pessoa”, enquanto “ir” tem o
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“término do movimento no espaço da segunda pessoa”). Nesses verbos um dos pontos espaciais é tão
evidente que não precisa ser expresso, a não ser que os lugares de partida ou chegada necessitem de
especificação:
[ x (z-LOC)(z-LOC) [ V ]], *[ y [ x (z) (z) [ V ]] {ir}, {vir}
(b) Ele foi do Sul para o Norte
[ x ]: ele
[ z ]: o Norte
[ z ]: o Sul
(c) Ele veio do Norte para o Sul
[ x ]: ele
[ z ]: o Norte
[ z ]: o Sul
Nesse espírito poderemos descrever as ocorrências com os verbos de movimento e locativos, ainda que
estes possam tomar formas desafiadoras, como em (a) abaixo:
“Foram correndo a costa, até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro”:
(a) Foram correndo a costa
[ x ]: __, 3a pessoa plural
[ z ]: a costa
(b) ... até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro
[ x ]: __, 3a pessoa plural
[ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro
O problema do [z] locativo se torna interessante quando saímos do grupo dos locativos que
“especificam” pontos espaciais embutidos nos verbos que expressam claramente movimentos. Para certos
verbos de semântica menos evidente, a qualidade de certos argumentos como locativos também se torna
mais opaca. Vamos examinar um verbo como {colocar}, em analogia com {chegar}:
(a) “Eles colocaram o dinheiro no bolso”
[ x ]: o dinheiro
[ y ]: eles
[ z ]: o bolso
O argumento que remete ao local onde [ y ]-eles “colocaram” [ x ]-o dinheiro me parece ser uma
especificação do “ponto espacial” envolvido no movimento expresso por “colocar”; portanto, [z-LOC]-o
bolso, à analogia de [z-LOC]-um porto limpo.... Mas o interessante é que, à diferença de {chegar}, um
verbo como {colocar} não parece prescindir do argumento locativo: {Eles colocaram o dinheiro} é de
aceitabilidade no mínimo duvidosa.
Creio que a capacidade de prescindir ou não prescindir de um argumento locativo não está relacionada a
estruturas argumentais diferentes, mas sim à maior ou menor especificidade do próprio evento descrito.
Essa questão dos locativos nos remete, portanto, à dimensão dos sentidos específicos dos verbos. Como
já comentei, esta é uma dimensão central tanto para o estudo das valências como das alternâncias, a ser
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aprofundada com o prosseguimento da pesquisa. O que me parece imediatamente relevante, nesta etapa,
é uma noção defendida por H. Boas em Boas (2002) a respeito da relação entre a complexidade de
significado e a amplitude das diáteses dos verbos. Boas parte da análise de Snell-Hornby (1993) sobre a
composição lexical dos verbos, na qual o verbo é formado de um núcleo mais um modificador:
V = Núcleo + Modificador
Esses autores observam que a depender do Modificador, o sentido associado às diferentes unidades
lexicais pode ser mais ou menos especificado – nas suas palavras, um verbo pode ser mais ou menos
“descritivo”, descriptive. Um exemplo simples é a comparação entre {gritar} e {falar}: {gritar} é “falar
alto”, de modo que {gritar} é “mais descritivo” que {falar}. O interessante é verificar como Boas aplica
essa tese à classe dos verbos de movimento autônomo, self-movement, mostrando uma escala de
especificação:
(a)
(b)
(c)
(d)
walk
parade
totter
stagger
‘ to move along on foot’
‘ to move along on foot’ + with great display or ostentation
‘ to move along on foot’ + with unsteady steps, with difficulty
‘ to move along on foot’ + with a swaying movement, as from weakness
Podemos adaptar o paradigma de Boas para o inglês e propor a seguinte mini-classe para o português,
com verbos que expressam diferentes formas de “mover-se”:
(a)
(b)
(c)
(d)
{andar}
{correr}
{cambalear}
{marchar }
<[
<[
<[
<[
i
i
i
i
]-núcleo >
]-núcleo [ A ]-modificador >
]-núcleo [ B ]-modificador >
]-núcleo [ C ]-modificador >
No esquema, todas as unidades lexicais teriam a mesma estrutura [ i ], cada uma com diferentes
modificadores [ A ], [ B ],..., por exemplo correspondentes à ‘maneira de se deslocar’: “com maior
velocidade”, “com dificuldade”, “a passos rápidos/deliberados”, e assim por diante. Com isso, de partida, podemos
capturar por exemplo o fato de que há certos grupos de verbos que tem estrutura semelhante, com
“significados” diferentes; seriam as unidades que compartilham estrutura, com diferentes modificadores.
O mais interessante entretanto é o que o autor observa quanto à flexibilidade de diátese: quanto mais
descritivo for um verbo, menor a probabilidade de ele entrar em relações de alternância. Assim, {andar}
teria mais probabilidade de apresentar alternância que por exemplo {marchar}. De fato, Boas (2002)
equipara seu conceito de “verbos descritivos” ao que seriam “verbos pesados”, em oposição aos “verbos
leves”. As combinações entre [núcleos] e [modificadores] podem ser colocadas de modo mais abstrato e
com maior detalhe; o importante, para os fins deste estudo, seria colocar a questão de forma a que seja
possível entender como o conteúdo “descritivo” dos verbos pode se realizar, em alguns casos, como
argumentos. Parece-me, assim, que certos argumentos podem ser analisados como especificações de
partes do sentido do verbo: tanto os argumentos [ z ] com a semântica de instrumentos (como já volto a
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comentar), como os argumentos [ z ] com a semântica de locativos (como os locativos de {ir}, {vir}).
Nesse sentido seria possível compreender por que sua realização pode ser opcional.
Essa linha de investigação pode também elucidar alguns itens do grupo dos verbos transitivos “estritos”:
esse grupo reúne tipos bastante heterogêneos em termos semânticos, incluindo alguns casos em que o
argumento que estou chamando de [ x ] parece ser uma super-especificação: é o caso de {comer},
{beber}, e outros verbos de “complemento apagável”. De fato, Levin &Rappaport-Hovav (2002)
argumentam fortemente contra a análise causativa de predicados x Verbo y com verbos de “consumição”,
(ou seja, nos quais o participante aqui representado por [ x ] é “consumido” pelo participante [ y ]), que,
conforme elas também salientam, são justamente os verbos que apresentam a possibilidade de elisão do
argumento-complemento, ou “complementos cognatos”, do tipo “comer comida”, “beber bebida”, etc.
Assim, o meu “grupo 3” poderia sofrer um refinamento de classificação, separando-se os verbos de
acordo com sua potência causativa. Isso pode ser importante para examinarmos melhor o problema da
expressão dos sujeitos, como veremos adiante.
Por enquanto, estou preocupada centralmente com o problema das alternâncias, e essa idéia de certos
argumentos como “superespecificações” interessa, primordialmente, para entender as características dos
argumentos [ z ] que podem entrar em alternância com [ y ] e os que não podem. Vamos voltar ao caso de
{temperar}. Pelo meu levantamento, a realização mais simples (isto é, de menor amplitude) de
{temperar} é aquela na qual há um [ x ] [afetado], e (a) um [ y ] ou (b) um [ z ]. Nessa construção de
menor amplitude, segundo segundo minha própria definição junto ao dicionário DHPB, {temperar}
pode significar “Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de condimentos; condimentar”; “Fazer
reduzir a intensidade da temperatura de; esfriar”; “Tornar mais brando ou ameno; moderar” (acepções
2.1, 2.2 e 2.3 no quadro apresentado no Anexo 2). Comparando essas acepções com aquelas
correspondentes ao uso “transitivo direto e indireto” de {temperar} (em 1.1 a 1.3 no quadro), o elemento
argumental e de sentido que “falta” ao uso transitivo direto é o elemento adicionado para “modificar por
harmonização”. Parece-me, entretanto, que nesse uso sem a expressão do argumento “instrumento”,
subentende-se que algum elemento precisa entrar em jogo para efetivar a “harmonização”. De modo que
“temperar a comida com z” especifica o “instrumento” (‘condimento”) usado para modificar a comida,
harmonizando-a; em “temperar a comida” este elemento não está identificado, mas se subentende. Ou
seja, {temperar} implicaria um “z a ser combinado a x”, que pode estar sub-especificado nas construções do
tipo “y temperar x”.
Assim, [ z ] “instrumento” pode ser a especificação de um dos elementos implicados na semântica dos
verbos, em analogia ao que acontece com os z locativos – e podem ou não ser realizados na construção:
*[ x [ V ]], [ y [ x (z) [ V ]] {chegar}
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(a) .. até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro
[ x ]: __, 3a pessoa plural
[ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro
(b) ... eles chegaram.
[ x ]: eles
[ x [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]] {temperar}
(c) “Eu temperei a comida com sal e pimenta”
[ x ]: a comida
[ y ]: eu
[ z ]: sal e pimenta
(d) “O sal e a pimenta temperaram a comida”
[ x ]: a comida
[ z ]: o sal e a pimenta
(e) ? “A comida se temperou”
[ x ]: a comida
[ y ]: se
A diferença central seria que os [ z ] locativos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ x ],
e os [ z ] instrumentos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ y ], explicando a
possibilidade de alternância entre [ z ] “instrumento” e [ y ]. O interessante é notar que [ z ]
“instrumento”, nesse esquema, pode receber duas propriedades semânticas diferentes do verbo:
[ estativo ], quando há na grade um [ y ] que recebe [desencadeador]; e [desencadeador], quando não há
um [ y ]. Ou, seguindo Ciríaco e Cançado (2007), esse tipo de argumento com papel temático tradicional
de “instrumento” acarretam do verbo a propriedade de [desencadeador] “indireto” (que pode co-ocorrer
com [desencadeador] “direto” na mesma construção). Assim, argumentos que configurariam
“superespecificações” do desencadeamento podem alternar com o desencadeador (e portanto, podem ser
sujeitos), enquanto argumentos que configurariam “superespecificações” da propriedade “afetado”, não.
Como já adiantei mais acima, o grande problema dessa abordagem seria explicar a alternância locativa.
Deixo isso para etapas futuras da pesquisa. Entretanto, me parece que a chave da questão estará em
compreender melhor a estrutura dos verbos de “alternância locativa”, para o que um estudo diacrônico
pode ser importante. Notemos por exemplo os contrastes já clássicos de (Pontes, 1986):
(a) Cabe muita gente na belina ~ A belina cabe muita gente
Pode-se pensar que “A belina”, sendo semanticamente um locativo, não deveria alternar com “muita
gente”. Entretanto, o que eu estou dizendo é que [ z ] locativo não pode alternar com [ y ] causativo; e
não me parece que com {caber}, sob nenhuma forma, tenhamos uma estrutrura causativa. Assim, a
alternância acima seria:
[ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]] {caber}
(b) “Cabe muita gente na Belina”
[ x ]: muita gente
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[ z ]: a Belina
(c) “A Belina cabe muita gente”
[ x ]: muita gente
[ z ]: a Belina
Onde o contraste remete ao argumento que ocupa a posição de sujeito; mas em nenhum dos dois casos
são sujeitos “causativos”, [ y ]. Nesse caso, o que temos que compreender não é o contraste desses
locativos “alternantes” do PB com os [ z ] “instrumentos” alternantes, mas sim com os locativos nãoalternantes. Uma diferença que eu observo é que não me parece possível aceitar locativos “alternantes”
com verbos de movimento, nem com os dativos, como eu já especifiquei acima. Assim, a diferença pode
ser que os locativos selecionados por verbos como {caber}, que não expressam movimento, sejam mais
independentes do predicado de [ x ] que os locativos “verdadeiros”. Assim, eles podem se construir até
mesmo como sujeitos do predicado de [ x ], ao contrário dos “verdadeiros”. Nesse ponto, apenas quero
apontar que seja qual for a análise para a alternância locativa com {caber}, trata-se de uma alternância do
grupo de [ x ], não do grupo de [ z ] - uma alternância de transitividade, não entre causadores (como a de
{temperar}).
Para resumir, portanto, segundo meu esquema descritivo temos as seguintes possibilidades de realização
argumental, combinando lugares estruturais mínimos e as propriedades semânticas acarretadas, seguindo
Cançado (2003, 2005):
verbos [ x (z) [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]]
[ x ] [estativo],
[ x ] [afetado],
[ x ] [afetado][desencadeador ]
[ z ] [estativo]
verbos [ x (z) [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]]], [ z [ x [ V ]]]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador ]
[ z ] [desencadeador ]
[ z ] [estativo]
verbos * [ x [ V ]]], [ y (z) [ x [ V ]]] ~ [ z [ x [ V ]]]
[ x ] [afetado],
[ y ] [desencadeador ]
[ z ] [desencadeador ]
Até o momento, a pesquisa se concentrou em organizar as valências possíveis nos verbos estudados com
base na minha intuição do PB. Futuramente será necessário descrever as construções que podemos
encontrar no PC, com base no esquema básico das relações possíveis entre o número de argumentos e as
propriedades semânticas acarretadas, chegando-se a uma tipificação dos papéis temáticos, e a um mapa
completo das construções de alternância.
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Nesse ponto será possível investigar a relação entre as propriedades semânticas acarretadas nos
predicados básicos e a realização dos diferentes argumentos como sujeitos sintáticos, em um e outro
estágio da língua. O esquema básico das relações entre o número de argumentos e as propriedades
semânticas acarretadas nos dá o seguinte quadro de partida:
esquema
argumentos
e propriedades acarretadas
sujeito sintático
ex (PB)
[x
[ x ][estativo]
[ x ][estativo]
{bastar}
[ x z V]
[ x ] [estativo] +
[ z ] [estativo]
[ x ][estativo] ( + controle)
{amar}
[x
[ x ][afetado]
[ x ][afetado]
{morrer}
[ x z V]
[ x ] [afetado]
[ z ] [estativo]
[ x ] [afetado]
{chegar}
[x
V]
[ x ][afetado][desencadeador]
[ x ][afetado][desencadeador]
{correr}
{engordar}
[ x z V]
[ x ][afetado][desencadeador]
[ z ] [estativo]
[ x ][afetado][desencadeador]
{correr}
[ x z V]
[ x ] [estativo] +
[ z ] [estativo]
[ x ][estativo] ( + controle)
{amar}
[ y [ x V ]] [ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ y ][desencadeador]
(+ controle),
( - controle)
{arrancar}
[ y [ x z V]] [ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [estativo]
[ y ][desencadeador]
{entregar}
[ y z [ x V ]] [ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador] +
[ z ] [desencadeador] -
[ y ][desencadeador]
(+ controle)
{temperar}
V]
V]
A partir desse quadro básico o mapa das construções apresentadas nos Quadros I a IV da seção 1 será
refinado, acrescentando-se à informação pura de valência informações sobre as propriedades semânticas
acarretadas em cada construção – e consequentemente, sobre os papéis temáticos (como adianto as
seguir). A reunião dessas informações permitirá uma visão aprofundada do fenômenos das alternâncias
no PC e sua evolução no PB, abrindo a a possibilidade de verificarmos detalhadamente a relação entre os
papéis temáticos e a expressão dos sujeitos.
Até este momento esse quadro de construções não está terminado; apresento aqui um esquema inicial
baseado na verificação das valências exposta nos Quadros I a IV da seção 1.
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Alternâncias atestadas no PC: Quadros preliminares
1. Verbos com alternância de valência 1 ~ 2 (aparecem com um ou dois argumentos)
1.1 Alternância quanto ao argumento [ y ] [desencadeador]
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[x V]
~
[ y [ x V ]]
[ x ] [afetado]
{abrir}
{abranger}
{achegar}
{dar}
{quebrar}
{queimar}
x abrir
x abranger
x achegar
x dar
x quebrar
x queimar
Sujeito: [ x ] [afetado]
[ x ] [afetado]
Sujeito: [ y ] [desencadeador]
[ y ] [desencadeador]
y abrir x
y abranger x
y achegar x
y dar x
y quebrar x
y queimar x
1.2 Alternância quanto ao argumento [ z ] [estativo]
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[ x (z) V ]
[ x ] [afetado]
([ z ] [estativo])
(sujeito é sempre [ x ][afetado])
{achegar}
{correr}
{cair}
{cortar}
{entrar}
x achegar a z
x correr para z, z
x cair de/em z
x cortar z
x entrar em z
{caber}
{acudir}
{condescender}
x caber a z
x acudir a z
x condescender a z
-
2. Verbos com alternância de valência 2 ~ 3 (aparecem com dois ou três argumentos)
2.1 Alternância quanto ao argumento [desencadeador] indireto (“instrumento”)
2.1.1 Verbos em construções com e sem [desencadeador] indireto (“instrumento”)
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[ y (z) [ x V ]]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [desencadeador] indireto
(sujeito é sempre [ y ][desencadeador])
{dissolver}
{pulverizar}
{temperar}
{mexer}
{ornar}
{defender}
y dissolver x (com/em z)
y pulverizar x (com z)
y temperar x (com z)
y mexer x (com /em z)
y ornar x (com z)
y defender x (com z)
-
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2.1.2 Verbos em construções com e sem [desencadeador] direto
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[ y (z) [ x V ]]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [desencadeador] indireto
SUJEITO: [ y ] [desencadeador]
[ z [ x V ]]
[ x ] [afetado]
[ z ] [desencadeador] indireto
SUJEITO: [ z ] [desencadeador] indireto
{dissolver}
{temperar}
{defender}
y dissolver x (com/em z),
y temperar x (com z),
y defender x (com z),
z dissolver x
z temperar x
z defender x
~
2.2 Alternância quanto ao argumento [estativo]
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[ y [ x (z) V ]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [estativo]
{deixar}
{esquipar}
{fazer}
{provocar}
{envolver}
y deixar x a z
y esquipar x a z
y fazer x a z
y provocar x a z
y envolver x em z
-
3. Verbos com alternância de valência apenas se contarmos SE como argumento
Alternância de valência
Alternância do sujeito
[x V]
~
[ y [ x V ]]
[ x ] [afetado]
Sujeito: [ x ] [afetado]
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
Sujeito: [ x ] [afetado]
{correr}
{esgalhar}
x correr
x esgalhar
x correr-se
x esgalhar-se
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As possibilidades de alternância de sujeito no PC podem se esquematizar como segue. No quadro, não se
incluem argumentos [ z ] estativo que não sejam ligados à propriedade de [desencadeador] secundário
(provavelmente ligada ao papel temático “instrumento”), uma vez que esses não entram na alternância de
sujeito (é o caso de [ z ] estativo ligados aos papéis temáticos de “locativo”, “alvo”, “beneficiário”, que
podem entrar na grade de verbos abaixo nos diversos grupos).
grade [ x ] [ z ]
grade [ x ] [ y ] [ z ]
grade [ x ] [ y ]
grade [ x ]
x [ bastar ]
x [ falecer ]
x [ acontecer ]
+y,-y
z~y
z [ abrir x ]
z [ abranger x ]
z [ quebrar x ]
z [ queimar x ]
z [ temperar x ]
z [ dissolver x ]
z [ defender x ]
y [ abrir x ]
com z
y [ abranger x ] com z
y [ quebrar x ] com z
y [ queimar x ] com z
y [ temperar x ] com z
y [ dissolver x ] com z
y [ defender x ] com z
y [ abrir x ]
y [ abranger x ]
y [ quebrar x ]
y [ queimar x ]
x [ abrir ]
x [ abranger ]
x [ quebrar ]
x [ queimar ]
y [ achegar x ]
y [ dar x ]
x [ achegar ]
x [ dar ]
y [ temperar x ]
y [ dissolver x ]
y [ defender x ]
y [ pulverizar x ] com z y [ pulverizar x ]
y [ mexer x ] com z
y [ mexer x ]
y [ ornar x ] com z
y [ ornar x ]
SUJEITOS [ z ]
SUJEITOS [ y ]
SUJEITOS [ x ]
propriedades:
propriedades:
propriedades:
[desencadeador]
- controle
[desencadeador]
+ controle, - controle
[estativo] /
[afetado] /
[afetado][desencadeador]
Quanto aos pontos de comparação com o PB, até este ponto do levantamento, o único tipo de
construção que não encontro no corpus do PC mas me parece aceitável no PB é a construção com [ x ]
sujeito e um [ y ] ligado ao papel temático “instrumento”, do tipo {A porta abriu com a chave}, {O
mastro quebrou com o machado}. Se for correto analisarmos esse tipo de “ [ z ]” estativo como
“desencadeador secundário”, a partir do que propõe Ciríaco e Cançado (2007), esse contraste poderia vir
a mostrar diferenças interessantes entre os dois pontos da diacronia, uma vez que no PC mesmo numa
grade que inclui um desencadeador secundário seria possível a realização de um [afetado] como sujeito,
mas no PC, não.
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Entretanto, o esquema montado até este ponto é evidentemente muito inicial. Seu ponto central de
interesse seria a possibilidade que ele abre para captar a intuição de que o processo de mudança entre PC
e PB, do ponto de vista da estrutura argumental, passa centralmente pela expressão dos argumentos que
podem ocupar a camada causativa. Isso se nota bem em seguida, ao analisarmos a relação entre as
possibilidades de alternância no PB e a expressão mais ou menos lexical dos sujeitos no PC, a qual parece
estar relacionada ao problema da “agentividade”.
O desenvolvimento dessa proposta remete ao problema dos “papéis temáticos” envolvidos nas
construções acima. Para Cançado 2003, 2005, (que seguimos) os papéis temáticos são interpretados de
modo fundamentalmente composicional em cada construção com cada verbo. Assim, a pesquisa neste
ponto implica um estudo dos diferentes papéis temáticos resultantes das diferentes combinações entre
propriedades fundamentais acarretadas e ativação de estruturas. Mais acima, ao procurar explicitar as
diferentes implicações das idéias de “valência” e de “estrutura argumental”, frisei que a primeira remete
primordialmente à descrição de um item lexical, e a segunda à descrição de um predicado. No esquema
que proponho, a “alternância” envolve os dois planos; observemos o contraste estrutural e de distribuição
de propriedades abaixo:
(a) A porta abriu
(b) A moça abriu a porta
[ x V ],
[ y [ x V]],
[ x ] afetado-desencadeador,
[ x ] -afetado, [ y ]-desencadeador
O verbo é “o mesmo”; as propriedades semânticas fundamentais acarretadas (por hipótese) são as
mesmas; as construções diferem no número de argumentos selecionados e, consequentemente, no modo
como o predicado se estrutura. Penso que esse contraste de seleção e construção confere diferentes
semânticas às formações acima não só porque as propriedades semânticas estão “concentradas” num caso
e distribuídas no outro, mas também porque na segunda construção há uma camada a mais de estrutura.
Sendo a “causatividade” uma propriedade de predicados, a segunda construção é causativa, a primeira
não; assim, a interpretação de haver ou não um “causador” não depende de o verbo acarretar ou não a
propriedade de [desencadeador], depende de essa propriedade ser acarretada em um argumento que
ocupe (ou ative) uma camada de estrutura. Nesse sentido, o que me parece interessante observar por
enquanto é a previsão que isso implica em relação ao papel temático tradicional de “Agente”, que está
associado às propriedades fundamentais [desencadeador] e [controle] e à ocupação de uma camada de
estrutura (a camada causativa). Um argumento que acumule essas três propriedades seria o “Agente” mais
bem caracterizado – e é justamente esse o que mais aparece como sujeito nulo nos dados do PC.
É o que veremos na seção a seguir, pela exposição de um exame preliminar da combinação entre a
tendência de expressão lexical ou nula dos sujeitos e sua natureza argumental - [ z ], [ y ], [ x ], associados
ainda às propriedades de [desencadeador] e [controle].
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3.3 Exame dos padrões de expressão dos sujeitos
Considerando as classes de diátese aqui descritas, e do quadro geral das possibilidades de alternância
acima esboçado, compõe-se o quadro lógico dos argumentos que podem ser realizados como sujeitos:
sujeito =
sujeito =
sujeito =
[x]
[ x ], [ y ], [ z ]
[ x ], [ y ], [ z ]
de verbos intransitivos estritos (Grupo 1)
de verbos de alternância (Grupo 2)
de verbos transitivos estritos (Grupo 3)
Contrapondo essas possibilidades com o sumário das prorpriedades semânticas e dos padrões de
alternância de diátese esboçados mais acima, a função sintática sujeito está aberta para incluir os seguintes
tipos básicos de argumentos:
[ x ] [afetado]
[ x ] [afetado] [desencadeador]
O rei faleceu
O conde cavalgou
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [desencadeador]
A flor abriu
A moça abriu a porta
A chave abriu a porta
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [desencadeador]
O médico temperou a febre com remédios
Os remédios temperaram a febre
Combinando os tipos básicos à propriedade de controle, teríamos:
[ x ] [afetado]
[ x ] [afetado][desencadeador]
– controle
+ controle
O rei faleceu
O conde cavalgou
[ x ] [afetado]
[ y ] [desencadeador]
[ z ] [desencadeador]
– controle
+ controle
– controle
A porta abriu
A moça abriu a porta
A chave abriu a porta
[ y ] [desencadeador]
[ z ] desencadeador]
[ y ] [desencadeador]
+ controle
– controle
– controle
O médico temperou a febre com remédios
Os remédios temperaram a febre
O rio arrebentou o barranco
Agora, se nos voltarmos aos resultados medidos preliminarmente para a expressão nula ou lexical dos
sujeitos, mostrados na Seção 1, observaremos alguns fatos interessantes. Primeiro veremos que entre,
quanto aos três grupos comparados de diátese (cf. Gráficos 4 a 6), aqueles em que encontramos mais
sujeitos nulos são, por ordem:
(1) sujeito de verbos do grupo 2: 65% nulos
(2) sujeito de verbos do grupo 3: 56% nulos
(3) sujeito de verbos do grupo 1: 35% nulos
(gráfico 5)
(gráfico 6)
(gráfico 4)
De partida portanto, a relação entre apagamento de sujeito e amplitude de diátese parece apenas revelar
que com os verbos de maoir amplitude, há uma probabilidade maior de sujeitos nulos que nos outros dois
grupos, e que o grupo com menor probabilidade de sujeitos nulos é o dos verbos mono-argumentais.
Combinando, agora, essas proproções de sujeitos nulos e a descrição dos grupos conforme acima
proposta, temos:
(1) 65% sujeito nulo de verbos do grupo 2:
[ x ] [afetado],
[ y ] [desencadeador],
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[ z ] [desencadeador]
(2) 56% sujeito nulo de verbos do grupo 3:
[ y ] [desencadeador],
[ z ] [desencadeador]
(3) 35% sujeito nulo de verbos do grupo 1:
[ x ] [afetado]
[ x ] [afetado][desencadeador]
Nota-se portanto se que no agrupamento acima ainda há muita mistura em termos de propriedades
semânticas ([afetado], [desencadeador], + ou - controle) e em termos da posição estrutural de cada
argumento no predicado primário (ou seja, quanto às “camadas” estruturais que esboçamos mais acima).
Sobretudo, entre os sujeitos dos verbos do Grupo 2 ainda temos argumentos de tipo [ y ][desencadeador]
+, [ y ][desencadeador] – e [ x ][afetado] misturados.
Uma segunda medição foi realizada separando em cada grupo os diferentes tipos de argumentos
encontrados como sujeitos - [ x ], [ y ], [ z ] e a propriedade de [controle]. Futuramente, estando
desenvolvido o mapa das construções segundo papéis temáticos, será feita uma medição correspondente
às propriedades semânticas de [afetado],[desencadeador], etc. Na medição preliminar realizada, temos a
seguinte ordem de proporções de sujeitos nulos (cf. Gráficos 7 a 10, seção 2):
(1) sujeitos + controle de verbos do grupo 2:
(2) sujeitos + controle de verbos do grupo 1:
(3) sujeitos – controle de verbos do grupo 3:
(4) sujeitos + controle de verbos do grupo 3:
(5) sujeitos - controle de verbos do grupo 2:
(6) sujeitos – controle de verbos do grupo 1::
84% nulos
67 % nulos
65% nulos
59% nulos
45% nulos
32% nulos
(gráfico 10)
(gráfico 8)
(gráfico 12)
(gráfico 11)
(gráfico 9)
(gráfico 7)
O ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com verbos de alternância onde
o sujeito é +controle (84%); note-se, pela tipologia aqui apresentada, que estes sujeitos serão sempre [ y ]
[desencadeador ]. O segundo ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com
verbos intransitivos estritos onde o sujeito é + controle (67%, ou seja, 17 pontos abaixo). Esses casos
envolvem sujeitos [ x ][afetado][desencadeador] ou [afetado]. Em terceiro lugar, estão as construções com
verbos transitivos estritos, em que o sujeito é - controle (65 %, ou seja, 2 pontos abaixo de sujeito +
controle de intransitivos e 19 pontos abaixo de [ y ][desencadeador] + controle dos verbos de
alternância). Em quarto, vêm as construções com [ y ] + controle dos verbos transitivos estritos (59%, 7
pontos abaixo do terceiro, 9 pontos abaixo do segundo, e 24 pontos abaixo do primeiro). Em quinto
lugar estão os sujeitos – controle de verbos de alternância transitiva, com 45% de nulos; em último lugar,
os sujeitos [ x ] - controle de verbos intransitivos estritos (32% de nulos).
O resultado mostra de partida o peso do critério “+ ou - controle” sobre a expressão nula ou lexical do
sujeitos. Entretanto, é importante lembrar que quando separamos os dados apenas pela propriedade de
“controle”, a partir da intuição incial apresentada na Seção 1, os resultados não são tão expressivos.
Considerando apenas o critério “+ - controle”, sem considerar a classe de diátese, a diferença entre os
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padrões de sujeito nulo fica na faixa dos 15 pontos (65% de sujeitos nulos para os dados interpretados
como + controle; 50% de nulos para os dados interpretados como – controle, cf. Gráficos 2 e 3). Já
quando consideramos a propriedade de controle aliada à classe de alternância, as diferenças podem chegar
a 38 pontos entre dados do mesmo grupo (é o caso dos 84% de nulos com [ y ][desencadeador]
+controle nos verbos do Grupo 2, contra 16% de lexicais), e a 52 pontos de diferença entre o primeiro
tipo geral e o último (sujeitos + controle de verbos de alternância, contra sujeitos – controle de verbos
intransitivos estritos).
O primeiro comentário importante a respeito desses resultados é que o sistema descritivo construído até
este momento da pesquisa pode permitir distinções importantes entre algumas características envolvidas
na noção difusa incial de “agente”, pela separação da propriedade de desencadeamento e da propriedade
de “controle”, seguindo Cançado (2003, 2005); e subsequentemente, pela separação dos
[desencadeadores] em três tipos básicos: [desencadeador] acarretado por verbo mono-argumental,
“condensado” num único argumento também [afetado]; [desencadeador] que constitui um [ z ]
“instrumento” que ocupa o lugar de [ y ]; [desencadeador] acarretado por verbos transitivos estritos; e
[desencadeador] acarretado por verbos de alternância transitiva a seu argumento “opcional”. Este último
é o argumento que mais tende a aparecer nulo, como vimos.
Creio que uma parte das diferenças medidas deve reflitir ainda inconsistências na análise dos dados.
Certamente este deve ser o caso dos meus critérios para determinar [controle] em algumas ocorrências;
creio também que ainda há muito o que aperfeiçoar na própria classificação dos verbos quanto aos
grupos de diátese, em especial quanto ao “grupo 3”, e que uma separação mais consistente frutificaria em
melhores resultados. Ainda assim, este método de comparar o tipo de verbo com o padrão de expressão
do sujeito parece promissor. Depois de aperfeiçoada, eessa metodologia pode consituir um apoio para o
estudo comparativo entre a expressão argumental no Português Clássico e no Português Brasileiro, pelas
razões que explicito agora.
O exame dos padrões de expressão dos sujeitos em relação às classes de alternância de diáteses me
parecem mostrar propriedades importantes da gramática do Português Clássico do ponto de vista
comparado ao PB. Primeiro, torna-se evidente que a propriedade de “agente” está fortemente associada à
função sintática “sujeito” na gramática do PC. De um ponto de vista das teorias funcionais, por exemplo,
uma vez que os sujeitos “agentes” são os que mais aparecem nulos, eles podem ser considerados os
“sujeitos prototípicos” (Du Bois 2002, entre outros). Notemos, sobretudo, que a propriedade de “agente”
aparece ainda mais fortemente com agentes de verbos causativos.
Isso nos leva à observação principal propiciada pelo levantamento: os argumentos que mais aparecem
como sujeitos nulos no Português Clássico são justamente aqueles tendem a ser “suprimidos”
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no Português Brasileiro. Parece-me que seria interessante estudar a relação entre esses dois fatos em
termos da reanálise diacrônica que marcaria a mudança gramatical entre PC e PB. Nessa perspectiva, e
voltando à idéia esboçada na Introdução, o dado fundamental da reanálise seria algo como:
PC:
(a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-O, [ _ ]-S casou [com o Conde D Reymão de Tolosa]-O
[ x ]: uma chamada Dona Urraqua
[ y ]: __ , (o rei)
[ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa
versus
PB:
(b) [ uma chamada Dona Urraqua ]-S, casou [ com o Conde Dom Reymão de Tolosa ]-O
[ x ]: uma chamada Dona Urraqua
[ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa
A diferença entre os dados gira em torno da propriedades de “proeminência do agente” e licenciamento
de sujeitos nulos. A semelhança reside na proeminência discursiva da posição à esquerda do verbo. Por
isso seria interessante uma hipótese de reanálise na qual, mantida a propriedade de saliência à esquerda, a
gramática do PB seria uma reestruturação da gramática do PC na qual a propriedade de saliência à
esquerda se mantém enquanto a relação entre sujeitos e verbos se reestrutura. Em Paixão de Sousa
(2008b) sugeri uma hipótese preliminar da seguinte forma:
(a) PC: [FP
(b) PB: [FP
F
F
[TP
[TP
T
T
[VP [V]]]
[VP [V]]]
onde F= “forte”;
onde F= “forte”;
T = “forte”
T = “fraco”
>
Naquele trabalho, entretanto, ainda não havia elaborado essa questão do peso da “agentividade” sobre a
expressão nula dos sujeitos. Como resultado do presente estudo, pergunto-me se a “proeminência do
agente” não teria alguma relação com a relação “forte” que T consegue estabelecer com seu especificador
no PC. Essa relação não é imediatamente evidente num contexto de estudos em sintaxe formal, onde não
se remete a idéias do tipo “prototipicidade” do sujeito, como nas teorias funcionais. Entretanto, se
pensamos na importância da hierarquia temática para os estudos da sintaxe de sujeitos no âmbito da
teoria gerativa, por exemplo a partir de Baker (1988), (1997) e Larson (1988), veremos o quanto a
“saliência” de determinado papel temático pode refletir na sintaxe das línguas – em especial, quanto aos
mecanismos de especificação da categoria que codifica a relação de sujeito sintático.
Sobretudo, entretanto, o problema da relação entre a propriedade de “agentividade” e a expressão nula
dos sujeitos pode interessar como elemento para se compreender a reanálise entre os dois estágios da
língua. Nas teorias da mudança no quadro gerativo (Lightfoot 1999 entre outros), um problema central é
compreender como uma determinada geração de falantes chega a adquirir uma gramática diferente
daquela que gerava os dados produzidos pela geração anterior de falantes – sendo que, por definição, são
esses os dados disponíveis para a aquisição. Nesse quadro, a possibilidade de ambiguidade nas
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construções presentes nos dados primários de aquisição é um fator central para explicar mudanças.
Parece-me que as construções que podem expressar diferentes estruturas argumentais com “o mesmo
verbo” são um campo fértil de ambiguidades; de modo que um constituinte como {uma chamada Dona
Urraqua} na construção {uma chamada Dona Urraqua casou com o Conde D Reymão de Tolosa} pode
ter uma interpretação ambígua (sujeito? complemento?) a depender de como se analise a valência do
verbo {casar}. As mudanças de valência configuram, portanto, um campo importante da reflexão
gerativista sobre mudança gramatical (cf. por exemplo, a análise de Lightfoot 1999 sobre a relação entre o
enfraquecimento do “efeito V2” e a mudança na valência de verbos como {like},{please}, etc. no Inglês
Médio).
Na última seção, a seguir, comento as perspectivas que se abrem para a pesquisa a partir desses
resultados parciais.
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4. Resumo e Perspectivas
Este trabalho partiu de perguntas sobre as raízes diacrônicas da flexibilidade de diáteses observada no
Português Brasileiro atual. Aliando o mapeamento das estruturas verbais realizada ao longo da pesquisa a
trabalhos anteriores sobre a ordem de constituintes no Português Clássico, desenha-se um quadro dos
contrastes gramaticais entre PC e PB centrado na relação entre a alternância de diáteses e os mecanismos
reguladores da ordem e do apagamento de constituintes nas duas gramáticas.
Na gramática do Português Clássico “sujeito sintático” é uma relação independente de (i) lexicalização e
(ii) posição: há uma relação fortemente “amarrada” entre o verbo e seu argumento externo, que permite
que este argumento seja licenciado como nulo, e o torna livre de restrições configuracionais. Com esse
trabalho, observei que no PC, embora a incidência de sujeitos nulos seja alta no geral, ela é
particularmente alta no que respeita os argumentos externos cuja semântica é de desencadeadores com
controle sobre o evento expresso pelo verbo - ou seja: com “Agentes”. A propriedade de “agente” seria a
propriedade do sujeito prototípico nessa língua, como no Indo-Europeu em geral (segundo Lehmann,
1976); e essa “saliência” do agente pode ser um dos fatores envolvidos na propriedade de sujeito nulo
plena dessa gramática. Já na gramática do Português Brasileiro, “sujeito sintático” é uma relação
fortemente dependente de posição: na interpretação dos falantes, sujeito é tipicamente o constituinte que
aparece pré-verbal; e o sujeito só pode não ser pronunciado quando a sua posição é suficientemente
explícita dada a configuração da oração. Além disso, contrapondo-se ao que se disse acima sobre a
semântica dos sujeitos no PC, no PB, como têm mostrado alguns estudos, já não é clara a preponderância
do “Agente” na hierarquia dos papéis temáticos (como é comum em línguas não Indo-Européias, ainda
segundo Lehmann, 1976). Fica então a pergunta: estarão esses dois fatos interligados, e de que modo?
A pergunta leva a pesquisa a se dirigir, a partir deste ponto, a um estudo aprofundado das relações entre
as propriedades de “agentividade” (“desencadeamento”, “controle”) e os padrões de expressão dos
argumentos nas gramáticas da realização argumental no português e em diferentes línguas. Será
importante investigar, por exemplo, se a propriedade de licenciamento de constituintes nulos na sintaxe
aparece, nas línguas, relacionada a uma hierarquia forte e determinada entre os diferentes papéis
temáticos. Em caso positivo, seria interessante estudar casos em que essas propriedades tenham sofrido
mudanças, examinando a relação de antecedência entre os dois processos. Além disso, tendo em vista
minha hipótese sobre a proeminência à esquerda no Português Clássico – de fato, minha hipótese de ser
essa a propriedade constante do processo de mudança – será preciso pesquisar também o peso das
propriedades de “topicalidade” sobre a gramática das realizações argumentais.
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Para possibilitar esse desenvolvimento futuro, além do aprofundamento do estudo teórico, a pesquisa
deverá se dedicar ao aperfeiçoamento da metodologia de trabalho. Em primeiro lugar, será fundamental
ampliar o mapa das valências atestadas, aumentando o número de verbos estudados (inclusive
selecionando verbos de acordo com suas classes semânticas). De início, conto com os dados já
selecionados dos corpora de pesquisa, e atualmente em exame:
TABELA: Universo de dados a serem finalizados
Corpus
Número de Verbos
Número de Ocorrências
Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB)
50
42.221
Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB)
163
1.214
213
43.435
Em segundo lugar, quanto à metodologia do trabalho, há ainda muito o que se refinar nos critérios de
formação de classes comparadas de diáteses, e inúmeros impasses de análise que aguardam reflexão,
muitos deles já apontados ao longo do relatório. Será importante, também, melhorar o método de
medição da expressão dos argumentos; em especial, pretendo aprofundá-lo classificando os argumentos
também quanto à sua morfologia específica (particularmente no que remete aos argumentos oblíquos),
além de melhorar a classificação quanto aos papéis temáticos. Por fim, será fundamental realizar uma
descrição da ordem dos constituintes no mesmo universo já trabalhado quanto à realização argumental;
para esse aspecto é central que a análise passe a levar em conta propriedades discursivas ligadas à
topicalidade (informação nova, informação dada, etc), uma vez que, como venho defendendo, a ordem
neste período da língua é fortemente ligada à saliência discursiva. Aliando os aperfeiçoamentos
metodológicos e a ampliação do universo de pesquisa ao aprofundamento da reflexão teórica, será
possível publicar o Dicionário das Valências Verbais do Português Clássico, o qual espero que venha a ser
uma ferramenta útil para os estudos da diacronia do português em geral, e da expressão argumental no
Português Brasileiro em particular.
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|111|
Anexo 1:
Lista completa dos verbos
TABELA 1:
Verbos sistematizados
Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB)
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
abalar
abastar
abranger
abrir
acabar
acalmar
achar
achegar
acolher
acontecer
acordar
acrescentar
acudir
adoecer
adorar
adquirir
afadigar
afastar
afirmar
agir
ajudar
ajuntar
alcançar
alçar
amadurecer
amar
amoestar
ancorar
andar
apagar
aparecer
apartar
aportar
aprazer
aproveitar
arrancar
arrasar
arrebentar
arredar
arremessar
arvorar
assegurar
assentar
assinar
assistir
atravessar
corpus
ctb
ctb
dhpb
dhpb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
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ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
no ocorrências
1
1
82
31
2
1
23
58
2
868
1
5
4
1
1
1
1
1
3
1
5
5
5
3
1
3
1
1
8
1
1
2
1
1
2
2
2
2
1
34
1
2
2
1
2
1
|112|
47.
48.
49.
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
57.
58.
59.
60.
61.
62.
63.
64.
65.
66.
67.
68.
69.
70.
71.
72.
73.
74.
75.
76.
77.
78.
79.
80.
81.
82.
83.
84.
85.
86.
87.
88.
89.
90.
91.
92.
93.
94.
95.
96.
97.
98.
99.
100.
101.
102.
103.
104.
105.
106.
107.
108.
bastar
bater
beber
benzer
brotar
buscar
caber
caçar
cair
casar
castigar
causar
cavalgar
cavar
celebrar
cercar
cessar
chegar
cobrar
cobrir
colher
começar
comedir
comer
cometer
comprazer
condescender
confiar
confinar
conformar
conhecer
conjurar
conquistar
consentir
conservar
consistir
constranger
contar
conter
contradizer
correr
corrigir
corromper
cortar
cozer
crer
crescer
criar
cuidar
cultivar
cumprir
curar
curtir
danar
dar
declarar
defender
deitar
deixar
demandar
demarcar
denunciar
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb + ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
1
1
3
74
1
3
11
1
4
7
1
2
1
2
1
1
3
5
1
1
1
1
1
8
1
1
58
1
3
1
4
1
11
2
2
1
2
3
1
1
2
1
1
4
1
2
2
709
4
1
2
1
1
3
41
1
3
2
8
1
1
1
|113|
109.
110.
111.
112.
113.
114.
115.
116.
117.
118.
119.
120.
121.
122.
123.
124.
125.
126.
127.
128.
129.
130.
131.
132.
133.
134.
135.
136.
137.
138.
139.
140.
141.
142.
143.
144.
145.
146.
147.
148.
149.
150.
151.
152.
153.
154.
155.
156.
157.
158.
159.
160.
161.
162.
163.
164.
165.
166.
167.
168.
169.
170.
desafiar
desamparar
desaparecer
descobrir
deserdar
desmandar
despedir
desterrar
destruir
desviar
determinar
dever
diferir
dissolver
distar
dividir
dizer
dobrar
dormir
durar
edificar
embarcar
empegar
emprenhar
encarregar
encolher
encomendar
encontrar
endurecer
engordar
enobrecer
enriquecer
entrar
entregar
enviar
envolver
enxergar
escapar
escolher
escrever
esfolar
esgalhar
esgotar
esperar
espremer
esquecer
esquipar
estender
estorvar
estragar
estreitar
exaltar
extinguir
falar
falecer
favorecer
fazer
finar
mexer
ornar
provocar
pulverizar
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
2
1
1
4
1
3
1
1
2
1
2
1
2
57
2
6
22
1
2
4
6
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
21
2
1
71
2
2
2
3
1
24
1
1
1
1
86
2
1
1
1
1
1
2
1
2
77
1
30
60
34
60
|114|
171.
172.
173.
quebrar
queimar
temperar
total sistematizado
dhpb
ctb+dhpb
dhpb
37
21
381
3.263
|115|
TABELA 2:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
22.
23.
24.
25.
26.
27.
28.
29.
30.
31.
32.
33.
34.
35.
36.
37.
38.
39.
40.
41.
42.
43.
44.
45.
46.
47.
48.
49.
50.
51.
52.
53.
54.
55.
56.
57.
58.
Verbos em exame
Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB)
achar
açoitar
acometer
acompanhar
aconselhar
acontecer
acrescentar
aprender
avisar
comunicar
conceder
confessar
confirmar
congregar
cortar
criar
dar
deferir
desaguar
desertar
dificultar
distribuir
dominar
efetuar
empenhar
envolver
expedir
favorecer
fiar
ficar
fixar
florescer
folgar
forçar
frequentar
frutificar
fugir
furtar
ganhar
ganhar
gastar
gerar
governar
grangear
guardar
guarecer
guerrear
guisar
habitar
habitar
haver
honrar
honrar
ilustrar
imitar
inchar
inferir
inquerir
corpus
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
no ocorrências
9.515
232
360
337
246
868
756
490
1.456
1.230
1.743
1.735
879
368
1.504
689
1602
208
374
513
134
346
38
132
783
71
163
300
230
935
250
98
69
795
394
1.070
446
215
306
785
34
3.150
218
426
584
330
967
107
116
351
33
1
1
1
2
1
1
3
|116|
59.
60.
61.
62.
63.
64.
65.
66.
67.
68.
69.
70.
71.
72.
73.
74.
75.
76.
77.
78.
79.
80.
81.
82.
83.
84.
85.
86.
87.
88.
89.
90.
91.
92.
93.
94.
95.
96.
97.
98.
99.
100.
101.
102.
103.
104.
105.
106.
107.
108.
109.
110.
111.
112.
113.
114.
115.
116.
117.
118.
119.
120.
ir
jazer
julgar
julgar
juntar
lançar
lavar
levantar
levar
livrar
magoar
maldizer
mamar
mandar
manifestar
manter
matar
mendigar
menear
meter
mexer
morar
morrer
mostrar
mover
mudar
multiplicar
murchar
nascer
navegar
negar
nomear
notar
obrar
ocupar
ofender
oferecer
olhar
ordenar
outorgar
ouvir
parar
parecer
parir
participar
particularizar
partir
passar
pastar
pedir
pelar
pelejar
perder
perdoar
perguntar
permanecer
permitir
perseguir
pertencer
pesar
pescar
pisar
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
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ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
1
5
2
1
1
2
2
3
2
1
2
117
2
1
1
1
1
45
2
1
1
9
1
8
6
4
1
2
1
11
1
1
11
1
1
8
1
1
4
3
1
2
2
1
11
9
1
1
2
3
2
2
2
2
3
1
3
1
15
3
5
1
|117|
121.
122.
123.
124.
125.
126.
127.
128.
129.
130.
131.
132.
133.
134.
135.
136.
137.
138.
139.
140.
141.
142.
143.
144.
145.
146.
147.
148.
149.
150.
151.
152.
153.
154.
155.
156.
157.
158.
159.
160.
161.
162.
163.
164.
165.
166.
167.
168.
169.
170.
171.
172.
173.
174.
175.
176.
177.
178.
179.
180.
181.
182.
plantar
poder
por
por
possuir
povoar
prazar
preitejar
prejudicar
prender
prestar
presumir
pretender
prezar
proceder
procurar
procurar
produzir
professar
projetar
prometer
prosperar
prover
provocar
quebrar
querer
querer
quitar
realçar
receber
recolher
reconciliar
recorrer
recrear
redimir
referir
reger
reinar
remeter
remunerar
renovar
reparar
repartir
repartir
represar
residir
residir
residir
resistir
resolver
respeitar
responder
restituir
revelar
rodear
romper
roubar
saber
sair
saltar
sarar
satisfazer
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
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ctb
ctb
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ctb
ctb
ctb
ctb
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ctb
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ctb
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ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
2
8
5
1
1
5
3
1
2
3
1
1
1
2
41
16
8
5
11
1
2
7
1
1
1
1
7
1
2
1
1
1
1
3
27
1
1
5
1
1
1
1
1
1
1
1
2
2
2
1
7
9
10
5
2
1
1
1
9
15
1
1
|118|
183.
184.
185.
186.
187.
188.
189.
190.
191.
192.
193.
194.
195.
196.
197.
198.
199.
200.
201.
202.
203.
204.
205.
206.
207.
208.
209.
210.
211.
212.
213.
214.
215.
216.
seguir
sentir
ser
situar
soar
socorrer
sofrer
soprar
suprir
surgir
sustentar
temer
ter
tingir
tirar
tocar
tomar
tornar
torrar
trabalhar
tratar
trazer
trepar
usar
valer
vedar
vencer
vender
ventar
ver
vir
visitar
viver
voar
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
dhpb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
ctb
total em exame
1
3
6
291
1
1
2
1
1
1
3
6
3
109
1
5
1
15
22
6
14
7
1
3
1
1
2
1
1
17
32
1
7
8
46.658
|119|
Anexo 2
Entrada para “temperar” (DHPB)
temperar, v. (~tẽperar). 1. Transitivo direto e indireto: 1.1 Juntar (a alimentos) substâncias que realçam
sabor, condimentos, temperos: “Ha uma herva que se chama nhamby, que se parece na folha com coentro, e queima
como mastruços, a qual comem os Indios e os mestiços crua, e temperam as panellas dos seus manjares com ella, de quem
é mui estimada. GSS (1938) [1587],”; “O suco de qualquer das duas massas, ou da mandioca de agua ou seca encorpado
com a mesma massa de qualquer d'ellas, e temperado igualmente com o tucupí, toma o nome de uarubé. O mesmo suco
da mandioca encorpado com a tipioca faz, depois de fervido, um molho gelatinoso, que tem o nome de tucupiica.
ARF[n.d.],”. 1.2. Fazer se tornar mais brando ou ameno pela adição de; suavizar: “Fez hum governo plausivel,
e justo, irmanando o rigor com o agrado de fórma, que os que recebiaõ delle os premios, ou os castigos, todos ficavaõ
satisfeitos ; taõ poderosa he a Justiça quando se tempera com a brandura ; por estas qualidades deixou tantas memorias,
como saudades na Bahia. SRP(1878)[1730]”; “Fuy temperando aquella inflãmaçaõ, e dor com remedios anodinos,
mas ſem fruto ; porque veyo a eſcoriarſe, ou para melhor dizer a esfolarſe toda aquella parte, aonde tinhao chegado os ditos
ſaquinhos, e ficou tudo em carne viva com dores quaſi inſupportaveis; e applicando variedade de remedios por conſelho, naõ ſó
meu, como de hum Cirurgiaõ,e hum Medico amigos, todos foraõ baldados e neſte tempo chegárão as dores, e ardores a tal
extremo ,que me impediaõ o comer , e o tomar a reſpiraçaõ , naõ podendo conſentir, que as taes partes chegaſſe pano, maõ, ou
lançol; LGF(1735) [1735]”. 1.3. Combinar proporcionalmente; conciliar; harmonizar: “Em todas as cousas
que tratava, grandes e pequenas, prosperas e adversas sempre achava a Deos, e trazia seu espirito no céo, e o que é muito de
espantar, com tanta destresa descia a cumprir com as empresas de serviço de Deos que trazia entre mãos, que parece que nem
no céo nem na terra faltava um ponto, assim sabia ajuntar e temperar a occupação de Martha com a contemplação de
Magdalena, que nem o cuidado exterior do bem do proximo o perturbava, nem o trato continuo com Deos dava logar ao
terem por ocioso, antes muitas pessoas, quando menos o esperavam o acharam comsigo em seus perigos da alma e do corpo.
PPR(1897) [1607]”
2. Transitivo direto: 2.1. Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de
condimentos; condimentar: “Picam ou cortam o repolho também em fios, e onde costumam esta menestra, tem já
instrumentos, que por engenho fazem depressa: assim picado o põe em vasilhas de pao, lançando-lhe bastante sal, como quem
salga carnes; põe-lhe por cima alguma táboa com ua boa pedra, ou outro peso em cima, para que o repolho fique totalmente
coberto, e afogado na salmoura. Quem quer lhe lança também alguma pimenta, ou mostarda, ainda que não necessita disso.
Quando o querem cozinhar, lavam-no muito bem, e depoes o cozinham, e temperam; e se é com gordura, ou manteiga
melhor: e afirmam os práticos, que é uma das mais excelentes iguarias, que usam os alemães, e outras nações. PJD(1976)
[1757]”; “Para tirar os dentes é o seu leite remédio eficacíssimo: bem a sua custa o experimentou uma dona, que não
podendo suportar a dor de um dente, o tocou com este leite, e para logo lhe caíram todos: não há boticão mais eficaz! Deste
leite tomam alguns doentes purgantes, mas como não o sabem temperar, ou modificar, nem também a doce regrada, tem
deitado a muitos na cova, exasperando-lhe as entranhas com o seu fogo; mas na verdade será de muitos préstimos, depoes que
os químicos souberem temperar, e modificar. PJD(1976) [1757]”. 2.2 Tornar mais brando ou ameno; moderar:
“E, na verdade, assim é; porque os mantimentos, ainda que não poem tantas forças, não são de tanta resistencia ao calor
natural como os de Europa, e os ares são mais temperados em os frios e quentura, que os de outras regiões, sem embargo de
|120|
estar esta dentro da zona torrida, e o sol passar duas vezes no anno por cima das cabeças dos moradores, uma quando vae
para o sul, e outra quando dá volta, o que nesta Baia de Todos os Santos ha começo (comuco) aos 28 de outubro a ida do
sol para baixo, e aos 14 de fevereiro a tornada; porem accudiu divina Providencia com chuvas e virações, que temperam
estas calmas. PPR(1897) [1607]; “O mesmo fizeram todos os moradores da Baía, que tinham fazendas fora, que
agasalharam com muita caridade, por muitos dias, quem cento, quem duzentas e trezentas pessoas, dando-lhes todo o
necessário até buscarem remédio. Por esta grande piedade e misericórdia pôs Deus seus piedosos olhos em nós, para nos
acudir e temperar o rigor do seu castigo. AV(1925) [1626]”; “Só agua faltava, a qual tambem fiz buscar por
Francisco, feitor da roça, dizendo-lhe cavasse onde achasse hervas mais verdes, fel-o assim achou, uma veia de agua junto á
olaria, a qual serve para beber e lavar a roupa dos que lá assistem e quizDeus Nosso Senhor, em honra de sua Mãe
Santissima, a Virgem Senhora da Luz, a quem esta olaria se dedicou, que em o mesmo logar onde se cavou para fazer
amolecer o barro sahiu uma veia de agua que servisse para temperal-o, e reparou-se como cousa digna de admiração, que,
tendo o irmão Manoel da Silva feito limpar o egualar a casa da olaria, que dentro de uma noite ou pouco mais, cresceram
alli tres lyrios brancos sahidos de um só talo PJFB(1910) [1699]”. 2.3. Fazer reduzir a intensidade da temperatura
de; esfriar: “Muytas vezes acontece, e he muy ordinario neſtas obſtrucçoens, ſendo antigas, haver grande calor; e ſuccedendo
aſſim , ſe naõ dará o vomitorio, que digo no principio deſte tratado, ſe naõ depois, que o tal calor eſtiver temperado ; ſalvo ſe
houverem baſtantes ſinaes de enchimento de eſtomago, que neſte caſo ſe dará ,e ſerá em diminuta quantidade; e depois delle ſe
temperará o doente, ſe eſtiver eſquentado com grande calor; o que ſe fará com banhos de agua morna em canoa, que fique
ſó a cabeça de fóra; no qual banho eſtará em quanto a agua eſtiver tépida, ſendo em tempo. quente, e eſtando o Sol alto; e
naõ ſendo com eſtas condiçoens, ſenaõ devem tomar, e neſſe caſo ſe refreſcará o doente com frangos feytos na fórma ſeguinte.
LGF(1735) [1735]” ; “Neste intermedio quiz o enfermo beber um copo dagua do cosimento das sementes de cidra, cuja
potagem mandavam os medicos que usasse para temperar a massa do sangue, ainda exaltada da enfermidade das
bexigas. PTAPL(1980) [n.d.]”. 2.4. Pôr (instrumento musical) no devido tom; afinar: “Em tom de graça / ao
terno amante manda Marília que toque e cante. Pega na lira, sem que a tempere, / a voz levanta, e as cordas fere.
TAG(1961) [1792]”. 3. Intransitivo [pronominal]: 3.1. Tornar-se ameno, suavizar-se: “Daqui vem tambem
não poder o sal e o assucar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem humedecer-se, e o ferro, e aço de huma
espada ou navalha, por mais limpo, e sacalado, que seja se enche logo de ferrugem, e esta humidade he causa de que o calor
desta terra se tempere, e faz este clima de boa complexão, outra he pelos ventos Leste, e Nordeste, que ventão do mar
todo o verão do meio dia pouco mais ou menos, athé a meia noite, e lavão e refrescão toda a terra. FVS (1888) [1627]”.
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