Valências Verbais no Português Clássico Maria Clara Paixão de Sousa Pesquisa de pós-doutorado sob a supervisão de Esmeralda Vailati Negrão Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de Lingüística Outubro de 2007 – Agosto de 2008 Relatório Técnico de Pesquisa Apresentado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (CNPq) Novembro, 2008 sumário I. Relatório de Atividades ___________________________________________________ 3 II. Relatório Científico ______________________________________________________ 7 Introdução....................................................................................................................................6 1. Levantamento de dados.....................................................................................................12 1.1 Resumo do universo de análise.....................................................................................................................................12 1.2 Metodologia e Procedimentos .....................................................................................................................................13 1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas .............................................................................................14 1.2.2 Formação de classes de comparação ................................................................................................................16 1.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos .........................................................................................20 2. Resultados Iniciais.............................................................................................................24 2.1 Mapeamento inicial das construções............................................................................................................................24 2.1.1 Quadro-Resumo....................................................................................................................................................25 2.1.2 Quadros Descritivos.............................................................................................................................................26 I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus ......................................................26 II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus.......................................................................31 III. Verbos atetestados em construções intransitivas e em construções transitivas no corpus.............41 IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus.......................................................................45 2.2 Padrões de expressão dos argumentos.........................................................................................................................59 2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos...............................................................................................................59 2.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade”...........................................................................59 2.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese comparadas.................................................61 2.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese e “agentividade” ........................................64 3. Detalhamento.......................................................................................................................68 3.1 Observações iniciais........................................................................................................................................................68 3.2 Exame das alternâncias .................................................................................................................................................70 3.3 Exame dos padrões de expressão dos sujeitos ........................................................................................................102 4. Resumo e Perspectivas....................................................................................................107 Referências Bibliográficas..................................................................................................109 Anexo 1: Lista completa dos verbos...................................................................................................112 Anexo 2......................................................................................................................................120 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | n o v e m b r o , 2 0 0 8 |2| I. Relatório de Atividades Nesta primeira parte do Relatório de Pesquisa apresento um resumo das atividades realizadas ao longo da vigência da bolsa, isto é, entre novembro de 2007 e agosto de 2008. O quadro abaixo apresenta um calendário pontual das atividades comentadas em seguida. Quadro: Calendário de Atividades Atividade de Pesquisa: levantamento e análise de dados Atividade de Pesquisa: consulta à bibliografia Atividade de Pesquisa: encontros periódicos de supervisão Apresentação de resultados: workshop Unicamp Apresentação de resultados: Alfal Atividade didática: curso ministrado na pós-graduação do DL-USP Atividade didática: orientação de mestrado (G. Menezes) Outras atividades: participação em concurso junto ao DLCV-USP 2007 11 12 x x x x x x 2008 1 2 3 4 5 6 7 8 x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x x O investimento principal de tempo e trabalho neste período remete ao levantamento e análise dos dados. Conforme se detalha no Relatório Técnico, o levantamento completo inclui 323 verbos, num total de 46.685 ocorrências. Desse total, 4.386 ocorrências relativas a 172 verbos estão inteiramente sistematizadas e revisadas. As demais 42.435 ocorrências (213 verbos) estão selecionadas e tabuladas, e se encontram atualmente em exame. Esse universo de dados foi colhido em dois corpora, uma vez que ao corpus originalmente planejado, o “Corpus Histórico do Português Tycho Brahe” (CTB), veio somar-se o corpus do projeto “Dicionário Histórico do Português no Brasil (séculos XVI, XVII e XVIII)” (DHPB). A possibilidade de incluir este material veio da minha inclusão na equipe de pesquisa do projeto DHPB (Edital MCT/CNPq 01/2005 - Institutos do Milênio) como colaboradora, em novembro de 2007, após o início desta pesquisa, a partir do convite da coordenação do projeto. Desde então venho sendo responsável pela redação dos verbetes relacionados aos verbos neste dicionário. O trabalho de análise dos dados foi acompanhado de leituras e encontros periódicos com minha supervisora, a Profa Dra Esmeralda Vailati Negrão, atividades regulares ao longo desses meses de pesquisa. Pontuando essas atividades regulares, neste período tive a oportunidade de apresentar os resultados parciais do trabalho em duas ocasiões, e de preparar uma terceira apresentação, realizada em setembro:. • Em fevereiro, apresentei o trabalho “.'... em nascendo o sol torna a abrir, e quando se põe torna a fechar...': O Português Brasileiro e o Português Clássico interessam comparar?”, no Workshop Variação e Gramática: diacronia e aquisição do Projeto Padrões rítmicos, fixação de parâmetros e mudança linguística (Paixão de Sousa 2008a), que discutia os dados preliminares da pesquisa. • Em agosto, apresentei o trabalho “Proeminência à esquerda na diacronia do português: Inovação e V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | n o v e m b r o , 2 0 0 8 |3| x continuidade”, na XXV Conferência Internacional da Associação de Liingüística e Filologia da América Latina (Alfal) - Romania Nova (Paixão de Sousa 2008b), no qual busquei reunir os resultados desta pesquisa com meus trabalhos anteriores sobre a sintaxe da ordem no Português Clássico. • Em setembro, apresentei o trabalho “Português Brasileiro e Português Clássico: Conservação, inovação, e contato”, no Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa, (Simelp), (Paixão de Sousa 2008c), preparado durante a vigência da bolsa, no qual desenvolvo a hipótese preliminar para a reanálise sofrida pelo Português Clássico na origem do Português Brasileiro, com base nos resultados desta pesquisa. Além dessas atividades mais estritamente ligadas ao projeto, neste período conduzi também atividades didáticas, em duas frentes. A primeira e mais constante delas tem sido a orientação da dissertação de mestrado de Gilcélia de Menezes da Silva, aluna do Instituo de Estudos da Linguagem da Unicamp. O acompanhamento desse trabalho vem sendo importante para o andamento deste projeto, uma vez que a aluna escolheu como tema de sua dissertação as mudanças observáveis na diátese do verbo “chamar” ao longo da história do português (examinando desde textos do século 14 até o Português Brasileiro). A segunda frente de atividades didáticas foi um curso ministrado junto à pós-graduação do Departamento de Lingüística da USP, como parte das atividades do programa de pós-doutoramento desta instituição. A convite da coordenadora da pós-graduação do DL, a profa. Evani Viotti, ofereci uma disciplina centrada nas teorias da mudança lingüística vigentes no século XIX (“O Pensamento Lingüístico no Século XIX”, sigla FLL5078, cf. programa da disciplina em <http://sistemas1.usp.br:8080/fenixweb/fexDisciplina? sgldis=FLL5078>). A extensa bibliografia preparada para o trabalho com os alunos incluiu alguns itens que tiveram impacto importante sobre minha reflexão nesta pesquisa. Em especial, neste contexto conheci o trabalho de W. Lehmann sobre a história do Indo-Europeu, que para o autor seria marcada pelas mudanças em torno da propriedade de agentividade dos sujeitos, idéia central para a reflexão que detalharei no Relatório Científico. Por fim, no mês de maio de 2007 apresentei-me ao concurso público para provimento de uma vaga de professor doutor junto ao Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade de São Paulo, tendo sido aprovada em primeiro lugar para a vaga de Sintaxe. A aprovação teve como impacto a interrupção da vigência da bolsa de pós-doutorado CNPq após o início de meu vínculo empregatício na Universidade, em agosto de 2008. Entretanto, este novo cenário não significará a interrupção das atividades desta pesquisa. Ao contrário, o estudo das Valências Verbais no Português Clássico conforma o estágio atual de meu projeto de pesquisa docente para o regime de dedicação integral junto à Universidade. Assim sendo, os resultados que apresento no Relatório Científico, a seguir, são apenas parciais, e constituem pontos de partida a serem aprofundados no contexto de um projeto de pesquisa de longo prazo, segundo os caminhos que apontarei. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | n o v e m b r o , 2 0 0 8 |4| II. Relatório Científico V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |5| Introdução Esse projeto de pesquisa teve como ponto de partida as observações de E. Negrão e E. Viotti em “Alternância de Diátese no Português Brasileiro” (Viotti e Negrão, 2008) sobre a flexibilidade das diáteses no Português Brasileiro, que para as autoras seria um fator central para a compreensão da gramática do PB atual e o diferenciariam tanto da variante européia, como das demais línguas românicas. Diante disso, o projeto propunha algumas perguntas: • Como os padrões de diátese do Português Brasileiro se comparam com os padrões do Português Clássico, ou seja, da variante trazida para o Brasil no período colonial? • As diferenças entre as duas variantes atuais teriam suas raízes nesse antecente diacrônico? Além disso, o projeto original previa os possíveis impactos de um estudo da estrutura argumental sobre o meu próprio trabalho sobre a gramática do Português Clássico (PC), centrado, desde Paixão de Sousa (2004), na análise da ordem dos constituintes, numa perspectiva que unia propriedades sintáticas e discursivas – como a topicalização – mas não se detia na reflexão de fundo semântico. Nos meus trabalhos anteriores, defendia que a organização superficial da ordem no PC decorreria do movimento de um dos constituintes do predicado verbal para uma posição de proeminência à esquerda, codificadora de propriedades de saliência discursiva – operação, em princípio, independente da estrutura argumental e de sua semântica. À luz do trabalho de Negrão & Viotti (2008) sobre as estratégias de promoção argumental no Português Brasileiro, e do que afirmam as autoras sobre a relação estreita entre a semântica do verbo e o potencial de flexibilidade de sua diátese, pareceu-me que novas perspectivas poderiam surgir quanto à gramática do PC, ao se investigarem as relações entre estrutura argumental e realização sintática dos argumentos. Tendo se consumado dez meses de pesquisa, embora não apresente respostas para aquelas perguntas iniciais, parece-me que o caminho para explorá-las está mais definido, como pretendo mostrar neste relatório. Os resultados estritos do trabalho são a lista parcial dos verbos examinados (da qual se pode aproveitar, mais que um mapa das diáteses, uma metodologia de trabalho para a elaboração futura de um mapa completo), e uma uma indicação de que a estrutura argumental representa uma variável relevante para o estudo da sintaxe do Português Clássico, se não primordialmente quanto à ordem dos constituintes, certamente no que remete à relação ordem-apagamento de argumentos. Fundamentalmente, ao final desse percurso de análise dos verbos, não tenho ainda elementos que contradigam minha hipótese inicial de que a ordem dos constituintes no Português Clássico é governada centralmente por propriedades discursivas; ao contrário, essa característica cada vez mais me parece V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |6| central na compreensão do PC, e me levou a propor, em “Proeminência à esquerda na diacronia do português: Inovação e continuidade” (Paixão de Sousa 2008b) a análise do PC como uma língua de tópico. Entretanto, nessa gramática a propriedade de tópico proeminente à esquerda se combina com uma propriedade forte de sujeito nulo, sendo a possibilidade de sujeitos não-lexicais não só estatisticamente elevada, como também livre dos constrangimentos configuracionais que governariam o sistema residual de sujeitos nulos no Português Brasileiro segundo diversos autores, como argumentei no mesmo artigo. Nesse sentido, o estudo da semântica argumental revelou um fato que considero extremamente interessante: a correlação entre agentividade e probabilidade de apagamento dos sujeitos no Português Clássico. Ao refletir sobre esta propriedade com relação ao conjunto das outras propriedades da gramática do Português Clássico (proeminência à esquerda e liberdade dos sujeitos nulos), e ao contrapor todas elas às características atuais da gramática do Português Brasileiro, acredito ter em mãos elementos importantes para esboçar uma hipótese sobre a reanálise entre os dois estágios. Essa hipótese poderá partir das observações que resumo a seguir. O Português Clássico, como dito, combina as propriedades de proeminência discursiva à esquerda com a liberdade e elevada incidência de sujeitos nulos. Entretanto, esses “sujeitos nulos” não formam um grupo semanticamente indistinto: como este levantamento mostra, os sujeitos nulos são preferencialmente sujeitos do tipo “desencadeador com controle” (na terminologia de Cançado, 2005, que estou seguindo). Como decorrência dessas três propriedades, vemos, nos dados do português desta época, uma elevada proporção de construções: (i) com sujeito nulo “agente” e (ii) com tópicos não-sujeitos, “não-agentes”, à esquerda do verbo. Serão sentenças do tipo: (a) uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa Nessa sentença, {uma chamada Dona Urraqua} é um tópico; sua função sintática é de objeto direto; seu estatuto temático é de paciente. Na sentença há um sujeito agente elidido; seu referente é “El -Rei”, como mostra o contexto maior abaixo: (a) Era este Conde Dom Anrique muito discreto, e esforçado Cavaleiro , e não menos de todas outras bondades comprido, trazia em seu Escudo de Armas campo branco sem outro nenhum sinal, e andando sempre depois, na guerra dos Mouros com El-Rei Dom Affonso , fez muitas, e assinadas cavalarias, por onde Del-Rei, e de todos os da terra era muito estimado, e querido, e assi o Conde de Tolosa seu tio, e o Conde de São Gil de Proença, e tendo El-Rei assi deles contentamento querendo honrá-los, e remunerar seus nobres feitos, e trabalhos, que em sua companhia passaram na guerra contra os infiéis, determinou de casar três filhas suas com eles, uma chamada Dona Urraqua, casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa , de que depois nasceu El-Rei Dom Affonso de Castela V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |7| chamado também Imperador , donde descendem também todos os Reis de Castela , outra Dona Elvira , casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença; outra chamada Dona Tareja deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa , dando-lhe com ela em casamento Coimbra , com toda a terra até o Castelo de Lobeira , que é uma légua além de ponte Vedra , em Gualiza ,e com toda a terra de Vizeu , e Lameguo , que seu pai El-Rei Dom Fernando , e ele ganharam nas Comarcas da Beira . Ou seja: no contexto vemos claramente que {uma chamada Dona Urraqua , casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa } deve ser interpretado como {uma chamada Dona Urraqua, [El-Rei] casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa }; o mesmo se aplica às construções semelhantes que seguem no período, ou seja: {outra Dona Elvira, __ casou com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença}, {outra chamada Dona Tareja __ deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa}. Pois bem: o que eu noto, antes de qualquer coisa, é que este é justamente o tipo de construção que causa dificuldades interpretativas para um falante do PB. De fato, eu mesma, ao ler essa sentença pela primeira vez, interpretei o elemento à esquerda do verbo, {uma chamada Dona Urraqua}, como o sujeito, nãoagente: (a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-SUJ, casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa O fenômeno da dificuldade de interpretação das sentenças do Português Clássico por parte de falantes do Português Brasileiro me parece muito revelador da diferença entre as duas gramáticas. Ele me mostra que para o falante do PB a interpretação imediata de um constituinte à esquerda do verbo é a de sujeito; e que o falante do PB não parece ter problemas com o estatuto semântico de paciente para seus sujeitos. Por contraste, podemos propor que na gramática do PC a posição à esquerda do verbo não configura necessariamente uma “posição de sujeito”; eu de fato venho defendendo que no PC, “sujeito” não é uma posição, é uma relação abstrata entre o verbo e um de seus argumentos (Paixão de Sousa 2008b). Essa relação parece ser forte o suficiente para permitir sujeitos nulos com muita liberdade de configuração, o que já de partida traz mais dificuldades para a interpretação dos dados pelos falantes brasileiros. Podemos ver um exemplo disso com a frase a seguir; em (a), estão as lacunas e pronomes a serem interpretados; em (b) a interpretação do PC que me parece autorizada pelo contexto em (d); e (c), a interpretação que me é fornecida em consulta a falantes do PB. Nesse caso, como em outros semelhantes, os falantes do PB só conseguem interpretar “corretamente” as referências da lacuna depois de sucessivos exames do contexto maior da sentença: (a) quando __ vão para os __ apanhar, __ botão-lhes aquella tinta diante dos olhos (b) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-1]-SUJ botão-[lhes]-2 ... (c) ... quando [ _-1]-SUJ vão para [ _-1]-SUJ [os]-2 apanhar, [ _-2]-SUJ botão-[lhes]-1 ... V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |8| (d) Polvos — O mar destas partes he muito abundante de polvos; tem este marisco hum capello, sempre cheio de tinta muito preta; e esta he sua defesa dos peixes maiores, porque quando vão para os apanhar, botão-lhes aquella tinta diante dos olhos, e faz-se a agua muito preta, então se acolhem. Tomão-se á frecha, e assovião-lhe primeiro; tambem se tomão com fachos de fogo de noite. Para se comerem os açoitão primeiro, e quanto mais lhe derem então ficão mais molles e gostosos. (i.e.: quando quando os peixes maiores vão para apanhar os polvos, os polvos botam aquela tinta diante dos olhos dos peixes maiores) Dados como esse me levaram a afirmar, já em Paixão de Sousa 2008b, que a relação entre o verbo e o sujeito sintático, no PC, é suficientemente “forte” parece prescindir de fatores configuracionais (ordem), tanto no que remente à ordem superficial dos sujeitos lexicais, como no que remente às relações posicionais que podem ser atribuídas aos sujeitos não lexicais – estando, naturalmente, as duas características relacionadas. Naquele trabalho eu defendi que haveria uma propriedade abstrata forte licenciando o sujeito no PC, que se preserva independentemente da lexicalização e da ordem, e formalizei preliminarmente essa propriedade como “T forte” - ou seja: um núcleo de concordância abstrata com propriedades de licenciamento pleno para seu especificador, nos termos da sintaxe gerativa. Sustentei, também, que o principal contraste entre PB e PC seria o enfraquecimento desse núcleo T, mantidas, entretanto, as propriedades de proeminência discursiva à esquerda, ao longo dessa reestruturação. Agora, adiciono a isso o que encontro nos dados desta pesquisa: os sujeitos nulos do PC tendem a ser argumentos agentes (ou melhor, desencadeadores com controle). Isso significa que em construções com sujeitos pacientes, a probabilidade de “elisão” do sujeito (ou por outra, a probabilidade de ele se realizar como pronome nulo) é consideravelmente mais baixa que em construções com sujeito agente. Assim, a gramática do Português Clássico parece reunir as seguintes propriedades: (i) liberdade do sujeito nulo; (ii) proeminência do sujeito agente; (iii) posição de tópico à esquerda. Vamos ver como isso se reflete nas nossas análises sobre a gramática do Português do Brasil. A expressão dos sujeitos tem sido um dos aspectos mais discutidos da gramática do PB (Pontes 1986, Galves 1993, Kato & Negrão 1999), mas apenas recentemente as suas características singulares começam a ser abordadas do ponto de vista da semântica argumental, notadamente com Negrão & Viotti 2007, 2008. Na literatura anterior, o problema dos sujeitos no PB é tratado a partir da relação entre o plano informacional e o sintático, ou mesmo de modo limitado ao plano sintático. A pergunta clássica, nessa literatura, tem sido: quais as condições sintáticas da expressão dos sujeitos no português do Brasil, com a possível ampliação “sintáticas e informacionais”. Negrão & Viotti (2008) reformulam a pergunta clássica, acrescentando: quais as condições “semânticas” da expressão dos sujeitos no português do Brasil? Somos obrigados a voltar os olhares para um plano até agora pouco discutido: na conhecida tendência à V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |9| expressão lexical dos sujeitos pronominais do PB, além dos aspectos sintáticos (por exemplo, condições estruturais de recuperação referencial) e informacionais (por exemplo, saliência de “tópico”), estaria em jogo o papel semântico do constituinte sujeito - como agente, paciente, etc.? Duas perguntas surgem. A primeira: haveria “papéis semânticos” mais ou menos “apagáveis”, mais ou menos “lexicalizáveis”? A segunda: entre os “sujeitos nulos”, estaremos incluindo constituintes presentes na grade semântica, porém “apagados” (o que seriam verdadeiros sujeitos nulos) e constituintes não presentes na grade semântica (ou seja: não-sujeitos, por não-constituintes)? Negrão & Viotti (2008) apresentam alguns caminhos para essa investigação ao analisar a promoção argumental e o apagamento no PB como uma escala contínua de estratégias de impessoalização, que seriam um fator central a diferenciar PB e PE. Neste trabalho, tentei transportar essa reflexão para o estágio diacrônico anterior, propondo a pergunta sobre semântica, “apagabilidade” e ordem no Português Clássico. O percurso anterior de pesquisa sobre o PC me levara a propror, como já mencionei, duas características centrais dessa gramática (liberdade do sujeito nulo e posição de tópico à esquerda), às quais acrescento agora uma terceira: proeminência do sujeito agente. Observemos, então, que segundo a literatura dedicada ao PB, dessas três propriedades, apenas a proeminência do tópico. A mudança entre as duas gramáticas, portanto, deve ter incidido sobre a liberdade do sujeito nulo e a proeminência do agente. Eu me pergunto, diante disso, se essas duas propriedades não remetem a uma única propriedade gramatical profunda. Voltando à sentença com {casar}: um caminho para entendermos a interpretação do PC, {uma chamada Dona Urraqua, [ El-Rei ] casou com o Conde Dom Reymão de Tolosa } seria: nessa gramática, o que é que “garante” a interpretação do sujeito nulo “ele =[ El-Rei ]” nessa configuração? Me parece que são dois fatores combinados: um fator sintático (condições de licenciamento de pronome nulo nominativo) e um fator semântico (proeminência do agente). Nenhum desses dois fatores, sintático e semântico, parece disponível para o falante do PB, que, diante de uma construção {a}-(objeto) {_}-sujeito V {c}-objeto, tende a interpretar como sujeito o constituinte que aparecer à esquerda do verbo, lexical, embora não-agente. Interessa notar que em alguns casos, o falante brasileiro pode se “enganar” até mesmo na interpretação de senteças do PC com sujeito lexical: isso acontece em orações com ordem OVS, nas quais, de alguma forma, os falantes brasileiros parecem preferir reestruturar a semântica da frase a identificar como “objeto” um constituinte à esquerda do verbo. Na sentença abaixo, por exemplo, os falantes interpretaram a {A quinta capitania...} como sujeito, e {Pero do Campo Tourinho} como objeto (entendendo “conquistar” no sentido de 'cativar, encantar'), enquanto a interpretação original da sentença é de {Pero do Campo Tourinho}como sujeito, e {a quinta capitania...} como objeto (isto é, Pero do Campo Tourinho 'tomou, colonizou' a quinta capitania): V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |10| (b) A quinta capitania a que chamam Porto Seguro, conquistou Pero do Campo Tourinho O interessante é que no caso de {consquistar}, o contraste nas interpretações incide na semântica referencial da frase; já com {casar}, muda, primordialmente, a valência do verbo. O falante toma {casar}como um verbo de valência 2 (em oposição a 3 no original). Na minha análise, {casar} é um tipo de verbo para o qual a diátese com “três lugares” é causativa, e a com “dois lugares” é não-causativa. Na diátese causativa, o argumento “causador”, agente, será o sujeito; na não-causativa, o argumento paciente será o sujeito. Assim, diante de uma construção com {casar} causativo com sujeito agente nulo do PC, o falante do PB opta por atribuir uma diátese não-causativa ao verbo, e interpreta um de seus complementos como o sujeito expresso. Esse exemplo me parece revelador de como o problema das diáteses se une ao problema do contraste entre as duas gramáticas quanto à ordem e apagamento de constituintes. Passo passo a me perguntar, diante desse tipo de fenômeno, até que ponto a amplitude de diáteses hoje observada no Português Brasileiro se relaciona com as propriedades do sujeito nulo do Português Clássico. Ou seja: observando que os argumentos que mais tendem a ser elididos no PC são os sujeitos agentes, e entre eles, mais fortemente ainda os argumentos agentes dos verbos que hoje, no PB, aceitam alternância de transitividade; que o PB parece ter como diferença em relação ao PC uma liberdade muito menor de licenciamento para sujeitos nulos; e que (segundo Negrão e Vioti 2008, e Perini no prelo) o PB apresenta uma expansão da propriedade de alternância transitiva dos verbos, considero interessante perseguir a hipótese de que a reanálise entre as duas gramáticas se deu em torno dessas duas propriedades. Mais interessante ainda seria construir a hipótese de que não se trata de duas, mas sim de uma propriedade gramatical profunda. Nas seções a seguir mostro os elementos que me parecem embasar essas observações. A apresentação está organizada de modo a refletir o percurso da pesquisa; começo portanto resumindo o estabelecimento da forma de análise dos dados segundo as perguntas inicialmente colocadas, passando a explicar as observações possibilitadas pelo exame dos dados e as novas perguntas que foram surgindo. A Seção 1 apresenta um um panorama geral da pesquisa com os dados, explicitando os critérios estabelecidos para descrever o quadro geral dos verbos examinados. A Seção 2 comenta esse panorama sob a perspectiva da amplitude de alternância dos diferentes verbos, e discute a relação entre as propriedades semânticas e a tendência de apagamento dos argumentos. A Seção 3 resume as perspectivas e desafios que permanecem para a pesquisa. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |11| 1. Levantamento de dados 1.1 Resumo do universo de análise Os dados deste levantamento foram colhidos em dois corpora representativos do português escrito nos séculos 16 e17: o Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB), do qual selecionei inicialmente dois textos (GANDAVO 1576, GALVÃO 1502), com cerca de 200.000 palavras ( <www.tycho.iel.unicamp.br/ ~tycho/corpus/ >), e o corpus do “Dicionário Histórico do Português no Brasil” (DHPB), no qual trabalhei com 196 textos (~3.000.000 de palavras; <http://lablex.fclar.unesp.br>). Os dados referentes ao CTB estão sendo trabalhados de forma extensiva: de uma lista com todas as sentenças de cada texto, separo e ordeno em ordem alfabética todos os verbos registrados (em principais e encaixadas, finitos e não-finitos); em seguida começo a examinar as ocorrências de cada verbo segundo sua expressão argumental, e classifico os dados tabulados da forma como se explicita na seção 1.2. Já os dados do corpus do DHPB estão sofrendo uma pesquisa intensiva: a partir de uma lista de verbos que me foi fornecida pela coordenação do dicionário, pesquiso e seleciono todas as ocorrências de cada verbo na integridade do corpus. Em seguida, estou tabulando os dados da mesma maneira que os dados referentes ao CTB, para incluí-los nesse estudo. Além disso, naturalmente, redijo os verbetes relativos a cada item para o Dicionário. As etapas de extração junto aos corpora e ordenação geral das ocorrências foram aplicadas a um universo total de 46.658 ocorrências de 385 verbos, distribuídos entre os corpora como mostra a tabela a seguir: TABELA 1: Universo de dados trabalhados (dados sistematizados e dados em exame) Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 62 44.996 Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 323 1.662 385 46.658 Até este momento, selecionei dos dois corpora 323 verbos, num total de 46.658 ocorrências, todas elas já Desse total de dados já organizados, 50 verbos do DHPB (compreendendo 42.221 ocorrências) e 163 verbos do CTB (compreendendo 1.214 ocorrências) estão ainda em exame. Os resultados parciais apresentados neste relatório se fundamentam na análise de 172 verbos, compreendendo 4.836 ocorrências já sistematizadas: V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |12| TABELA 2: Universo de dados sistematizados Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 12 4.388 Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 160 448 172 4.836 Os dados selecionados dos textos foram organizados em um documento de base (arquivo .xls) de modo a permitir o controle da contagem de ocorrências e a ordenação segundo diferentes critérios de análise, formando assim um quadro geral a partir do qual os dados foram tabulados. Os quadros apresentados neste relatório (seção 2 a seguir) são excertos desse arquivo de base, o qual inclui, além do que sepublica aqui, todas as ocorrências em cada item, tabuladas (no total, são portanto 4.836 linhas de arquivo .xls, mais as cerca de 45.000 ainda em exame). Para os verbos correspondentes ao trabalho junto ao DHPB, além do código das construções e dos exemplos, o quadro completo compreende ainda as definições que redigi para cada verbete. Por conta desse volume, não anexei o quadro completo – o qual, finalizada a pesquisa, formará a base do dicionário a ser publicado (em formato eletrônico, com o total dos verbos e exemplos selecionados, pertinentes a cada construção). Com os dados selecionados e reunidos, o passo seguinte da pesquisa foi compor critérios para analisar esse panorama, segundo as generalizações que já começavam a transparecer dos dados, e segundo os objetivos centrais do trabalho: descrever a estrutura argumental de cada verbo, esperando com isso ampliar a compreensão da gramática do Português Clássico e, consequentemente (como acredito), da gramática do Português Brasileiro. Nas seções a seguir apresento a metodologia de descrição e análise dos dados, procurando justificar as considerações que levaram ao estabelecimento desta metodologia. 1.2 Metodologia e Procedimentos A escolha de critérios de análise consumiu boa parte da reflexão desta etapa da pesquisa, pois o universo de dados selecionados nos textos sugere infinitos desdobramentos. As construções permitem inúmeras observações na direção da semântica, da lexicologia, da morfologia, da sintaxe, e da pragmática. Diante desta multitude de possibilidades, as opções de descrição e análise adotadas nesta pesquisa representam um entre muitos recortes possíveis, deixando de lado diversos fatos interessantes revelados pelos dados. A pesquisa buscou apenas montar um padrão de observação que permitisse uma primeira aproximação junto a esse universo de construções, preferencialmente de modo a favorecer os futuros desdobramentos de análise. O padrão de observação afinal escolhido é dos menos sofisticados: o critério central é a “potência de valência”, ou seja, a possibilidade de realização transitiva ou intransitiva de cada item lexical. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |13| Os dados foram organizados em três etapas, explicadas e justificadas nas três seções que seguem: 1. Composição de um mapa de valências atestadas 2. Formação de classes comparadas, pela classificação por grupos de diáteses potenciais 3. Exame dos padrões de expressão dos argumentos em cada grupo 1.2.1 Composição de um mapa de valências atestadas A primeira fase da descrição – composição do mapa de valências atestadas – consistiu simplesmente em procurar distinguir, para cada ocorrência de cada verbo, quantos argumentos compreenderia a grade temática. Naturalmente, a identificação dos argumentos dos verbos não se restringiu à observação de sua realização lexical; considerei também a possibilidade de argumentos elididos. A combinação entre a grade semântica de cada verbo e a possibilidade de apagamento ou expressão dos argumentos constitui, justamente, o cerne da análise que se pretende construir com essa pesquisa. Assim, no exemplo (a) abaixo, considerei dois argumentos para {colher}, em {como são de vez colhem esses cachos}, analisando um argumento elidido em { __ (= 3 PP) colhem} e um lexical, {esses cachos}; mas apenas um argumento, elidido, para {amadurecer} em {dali a alguns dias amadurecem}: { __ (=esses cachos) amadurecem}. No exemplo (b), considerei um argumento para {cavalgar}, analisando uma elisão em { __ cavalgou à pressa} (ou seja, [ __(=Dom Eguas Moniz)]), e três argumentos para {dar}, analisando a elisão de [ __ (a Rainha)] em {que __ lhe desse o filho que lhe nascera}: (a) Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem. [ __ ( = 3 PP) ]-1 [ __ (= esses cachos) ]-1 colhem amadurecem. [ estes cachos ]-2 ... (b) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, cavalgou à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava, e pediu-lhe por mercê que lhe desse o filho que lhe nascera para o haver de criar, como lhe tinha prometido. [ __(=Dom Eguas Moniz) ]-1 cavalgou [__ (a Rainha)]-1 [lhe]-2 desse nascera]-3 ... ... [ o filho que lhe Grande parte do tempo de trabalho se gastou em analisar e revisar cuidadosamente os dados para garantir o máximo de objetividade quanto à interpretação de “ausência” de argumentos versus “elisão” de argumentos, o que não foi sempre banal, como mostra o exemplo abaixo, sobre o qual ainda tenho dúvidas quanto ao número de argumentos de “esgotar”: (a) Feito isto [ __ (3PP)] metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que [ __ (3PP)] fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali [ __ (3PP)] a espremem daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar (b) [ _ (= 3pp) ] esgotar [ nenhuma coisa] esgotar [ nenhuma coisa ] (= um argumento), ou (= dois argumentos) ? V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |14| Na minha interpretação (brasileira), “esgotar” ficaria muito bem construído com um argumento apenas na sentença acima. Entretanto, não seria impossível pensar que há nesta ocorrência um segundo argumento, elidido (a “terceira pessoa” também elidida nos verbos antecedentes); some-se a isso que outras vezes este verbo pode também aparecer como transitivo, como fica claro no exemplo abaixo: (a) E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de [ esgotar ] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer sua viagem. [ _ (= 3pp) ] esgotar [ a ] (= dois argumentos) Evidentemente, não posso confiar inteiramente que minha interpretação coincida com a interpretação “original”, pois o que estou estudando, justamente, são as possibilidades de mudança nos verbos. Conforme já mencionei na Introdução, as dificuldades na interpretação de lacunas argumentais enfrentadas nesse processo tiveram como fruto a intuição central do meu trabalho “Proeminência à esquerda na diacronia do português: Inovação e continuidade” , sobre os contrastes no licenciamento de sujeitos nulos no PC e no PB, e fundam também a hipótese com que estou trabalhando sobre a reanálise da gramática do Português Clássico, como detalho adiante. Por ora, importa salientar que essas dificuldades tornam o trabalho de descrição bastante delicado. No caso de {esgotar}, agrupei o verbo entre os transitivos; entretanto, se, no prosseguimento do levantamento, eu vier a encontrar ocorrências em contextos mais claros com um argumento apenas, poderei passar a classificá-lo como “alternante”, isto é, transitivo ou intransitivo. Uma vez que a simples identificação dos argumentos já se mostrava desafiadora, decidi postergar a classificação dos verbos fundada nos papéis temáticos dos argumentos identificados, que havia tentado num primeiro momento. Pareceu-me que seria recomendável montar um esquema mínimo de formalização descritiva inicial, adotando uma nomenclatura generalizante para os argumentos – “x”, “y”, “z” – sob o critério da restrição de expressão, e que não remete primariamente a propriedades de cunho semântico (“Agente”, “Paciente”, etc). Assim, estou chamando de “x” o argumento que nunca está ausente da grade de um verbo, seu argumento por assim dizer “primário”: (a) (b) (a) (b) (c) “O sol apareceu” > [o sol]- x “O menino acordou” > [o menino]-x “A mãe acordou o menino” > [o menino]-x “O copo quebrou” > [o copo]-x “O menino quebrou o copo”> [o copo]-x Em princípio, “x”, nesta classificação, representa o argumento único dos “verbos intransitivos” (sejam aqueles com semântica “ativa”, seja “passiva”), e o argumento não-apagável dos verbos de alternância transitiva (em geral, com semântica “passiva”). Como definirei adiante, portanto, “x” compreende os argumentos únicos de verbos [V x * y] (Grupo 1 da minha análise) e o argumento sempre presente dos V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |15| verbos de alternância transitiva, verbos [ V x (y)] (ou Grupo 2 da minha análise). Em contraste, “y” representaria o argumento por assim dizer “secundário”, ou seja, aquele que pode ou não estar presente nos verbos de alternância: (c) “A mãe acordou o menino” > [o menino]-x, [a mãe]-y (d) “O menino quebrou o copo”> [o copo]-x, [o menino]-y Por consistência operacional, estou chamando também de “x” e “y” os dois argumentos sempre presentes dos verbos transitivos estritos ([V x y] ou Grupo 3). Em princípio por analogia aos grupos anteriores, optei por usar “y” para os argumentos que seriam secundários caso o verbo aceitasse alternância, uma opção potencialmente problemática, como discutirei adiante. Deste modo, teríamos: (a) “O menino escovou os dentes” (b) “O menino comeu cereal” > [os dentes]-x, [o menino]-y > [cereal]-x, [o menino]-y Finalmente, o que chamo de “z” nesta nomenclatura são os argumentos que não me parecem ser obrigatórios para nenhum grupo de verbos. Isso inclui elementos de tipo locativo, argumentos com papel temático de “Alvo” ou “Beneficiário”, e argumentos de tipo “Instrumento” (identificando-se em larga medida, em termos semânticos, com a propriedade de [ ESTATIVO] de Cançado 2005, por exemplo). Note-se que a possibilidade de expressão desse tipo de elemento não foi um critério para definir grupos fundamentais de diátese neste trabalho, como discuto mais adiante no Detalhamento: (a) “Ele escovou os dentes com pasta nova” > [ele]-x, [os dentes]-y, [ pasta nova]-z (b) “Ele chegou na escola” > [ele]-x, [a escola]-z Essa nomenclatura mínima “x”, “y”, “z” teve por objetivo inicial apoiar a descrição dos fenômenos de valência e de alternância; na fase final do trabalho, procurei traduzir a relação entre os argumentos possíveis dos verbos por meio de uma formalização mínima, pensando em apoiar a ampliação do trabalho com os dados, que é apresentada também no Detalhamento. Na seção 2 a seguir, mostro os quadros resumidos das construções atestadas no corpus de acordo com esses procedimentos. 1.2.2 Formação de classes de comparação O mapa dos padrões de valência atestados mostrou três cenários básicos quanto aos padrões de transitividade, se comparamos as construções atestadas no corpus com as previsões quanto ao PB. Há verbos que não apresentam alternância de transitividade nem no corpus, nem no PB; verbos que apresentam alternância nos dois estágios; e verbos que apresentam alternância no PB, mas não no corpus. A partir dessas observações, proponho três grupos para classificar os dados: 1. Verbos de diátese intransitiva estrita, [ V: x *y ]: Valência 1 no corpus do Português Clássico e no PB: {acontecer} 2. Verbos de diátese transitiva e intransitiva, [ V: x (y) ]: V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |16| 2.1 Valência 1 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acordar} 2.2 Valência 1~2 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {abrir} 2.3 Valência 2 no corpus do Português Clássico, Valência 1-2 no PB: {acabar} 3. Verbos de diátese transitiva estrita, [ V: x y ] ou [ V: x *(y) ] Valência 2 no corpus do Português Clássico e no PB: {defender} Os três grupos podem ser esquematizados inicialmente como segue, com as construções atestadas no corpus em negrito, e as construções que eu analiso como possíveis e impossíveis no PB entre parênteses: grupo 1. [V x *y] exemplo (valência 1) intransitivos 2. [V: x (y)] (valência 1, 2) alternância transitiva 3. [V: x y] (valência 2) transitivos [x] [ x ], [ y ] 1. {acontecer} x aparecer (* y aparecer x) 2.1 {acordar} x acordar ( y acordar x ) 2.2 {abrir} x abrir y abrir x 2.3 {acabar} (x acabar ) y acabar x 3. {defender} (* x defender) y defender x Deixando à parte, neste momento, os problemas de análise que ainda preciso enferentar quanto à descrição das construções atestadas (principalmente quanto aos verbos marcados com (?) nos quadros em geral), e que explicito nas seções que seguem, procuro agora mostrar alguns pontos de interesse da classificação dos dados nesses três grupos básicos. A primeira vantagem desse agrupamento é libertar a pesquisa da classificação estritamente empírica, que no caso de um trabalho com dados de corpora históricos pode ser problemática. A idéia inicial do trabalho era simplesmente classificar as realizações registradas para cada verbo, e analisar tematicamente os argumentos (cf. Projeto). Entretanto, com o decorrer do trabalho, concluí que esta não seria a melhor estratégia de organização. Antes de tudo, observo que atestar ou não atestar uma determinada realização de valência para cada verbo não esgota o que podemos saber sobre ele, uma vez que, mesmo em um corpus razoável como é este, não se está de modo algum livre da eventualidade de não se deparar com uma construção possível. Este é de fato o problema fundamental do trabalho de descrição gramatical de fases pretéritas de uma língua, como eu mesma já destaquei em diversos trabalhos (cf. Paixão de Sousa, 2004): a impossibilidade de acesso à intuição do falante significa que (i) não temos “evidência negativa”, pois, não podemos saber nunca com certeza se determinada construção não é registrada por ser agramatical ou por outras razões V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |17| fortuitas; e (ii) estamos constantemente sujeitos a idiossincrasias dos corpora, que tornam as generalizações precárias. Neste ponto chamo a atenção para um detalhe importante: quando me feriro a “construções atestadas/não atestadas no corpus do Português Clássico”, em oposição por exemplo a “construções possíveis/não possíveis no Português Clássico”, isto é deliberado; antes de tudo, porque não considero impossível ainda vir a atestar construções raras para alguns verbos. É por conta disso, por sinal, que sigo pesquisando alguns verbos importantes já estudados no CTB no corpus do DHPB, como {achar}, faltando cerca de 9.000 ocorrências. Além disso, nunca é demais ressaltar que o fato de não vir a atestar determinada construção não significa necessariamente que ela não fosse possível na língua. Assim, conforme também venho defendendo em diversos trabalhos, embora o perfil descritivo de pesquisa seja muito importante, isso não significa uma limitação estreita ao campo do empírico. Acredito que as descrições devem partir de generalizações relevantes, formadas ao longo de um cuidadoso processo de ida e volta aos dados. Por conta disso, considerei justificável e proveitosos orientar a classificação dos dados pela generalização da possibilidade “diacrônica” de alternância, mesmo que para isso eu precisasse contar com previsões da minha própria intuição – o que de início julgara tão impeditivo, que hestei em levar a cabo o expreimento. Em seguida, entretanto, considando a reflexão metodológica exposta acima, e ainda, o fato de que a descrição empírica está bem explicitada, e os dados, disponíveis (permitindo que a organização seja reordenada a qualquer momento), decidi seguir em frente. Para minimizar os efeitos potencialmente desvantajosos do recurso à minha intuiçãode falante do PB, ainda, estou experimentando testes mais objetivos para determinar as classes de alternância (como o teste da perífrase causativa, que apreseno mais adiante). Além disso, para balisar minha própria intuição com a de outros falantes do PB, tenho buscado ajuda na literatura pertinente. Em especial, consultei sistematicamente o “Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo do Brasil” (1991) e “Uma gramática de valências para o português” (1996), de Francisco Borba, e a “Gramática Descritiva do Português: as valências verbais”, de Mário Perini (no prelo - na forma das provas editoriais gentilmente enviadas pelo autor). A segunda vantagem da classificação nesses moldes é que ela possibilita estudos comparativos. De fato, esta descrição da gramática do Português Clássico tem interesse centralmente diacrônico – isto é, a intenção é comparar este estado de língua com o PB. Sendo assim, não é absurdo partir de classes definidas segundo a gramática do PB; isto torna possível, justamente, uma comparação entre os dois estados da língua, de modo que os dados de intuição do PB servem como guias para compreender a gramática do PC. Com tudo isso, entretanto, saliento novamente o caráter desse estudo como um experimento, cujos frutos espero colocar à prova por meio da divulgação dos resultados, para então decidir se vale a pena prosseguir na pesquisa com estes moldes. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |18| Nesse sentido da comparação diacrônica, destaco, de partirda, um primeiro resultado da análise realizada nesses moldes (e que pode ser conferido nos quadros da seção 2 a seguir): no corpus relativo ao Português Clássico os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor que aquela observada por estudos recentes sobre o PB, como Negrão & Viotti (2008), Perini (2008), Cançado (2005) entre outros. Esse resultado inicial confirmaria, portanto, a previsão diacrônica de Negrão & Viotti (2008), no sentido de um aumento na flexibilidade das diáteses no PB. De 172 verbos estudados, em apenas 6 se atestam alternativamente construções transitivas e intransitivas. Observo que Perini (2008), entre 120 verbos analisados, classifica 90 como passíveis de “alternância ergativa” - ou seja, de aparecerm ora transitivos, ora intransitivos. Embora seja impossível sabermos se esta proproção remete imediatamente à siutuação geral da língua na época (como destaquei acima) , a diferença entre as duas situações é colossal: no estudo de Perini (2008) para o PB, a proporção de 90/120 equivale a cerca de 75% de verbos de alternância ergativa; neste estudo para o PC, 6/172 equivaleria a cerca de 5% de verbos de alternância. Quanto ao segundo tipo de alternância que abordo no Detalhamento (a alternância entre os argumentos da grade que podem se construir como sujeito), trata-se de um fenômeno mais amplo que o da alternância de transitividade, conforme irei comentar depois. Uma terceira propriedade que eu gostaria de apontar quanto a esta maneira de agrupar os dados é a visão que ele permite sobre a relação entre agentividade e apagabilidade. De fato, como detalho nas seções a seguir, embora a intuição sobre a relação entre a propriedade de “agentividade” de um argumento e a propriedade de esse argumento ser “apagado” tenha se revelado muito cedo no trabalho de análise, foi com a organização dos dados segundo a amplitude potencial de diátese que esta correlação se verificou mais claramente, como se detalha mais adiante. O experimento revelou ainda uma propriedade inesperada. Ao agrupar os dados conforme a amplitude “potencial” de diátese, percebo que se abre um caminho para compreender um dos aspectos mais espinhosos da análise comparada entre o PC e o PB: a realização do pronome SE. O que se observa preliminarmente nos quadros a serem apresentados é que a realização assim chamada “inerente” de SE no PC parece fortemente correlacionada com a amplitude de valência que cada verbo virá a desenvolver no PB. De fato, os verbos que tendem a aparecer com SE são justamente ou aqueles que aparecem como intransitivos ou como transitivos no PC (e que, no PB, também parecem aceitar ambas as construções), ou aqueles que aceitam alternância de transitividade no PB: {abrir-SE}, {acabar-SE}, {corromper-SE}. Isso poderia ser visto simplesmente como mais um sinal da “perda do SE” no PB; entretanto, não é essa a perspectiva que adoto. Com Cavalcante (2006), entre outros, considero que “SE” não está “em desaparecimento” no PB; o que me parece é que as propriedades gramaticais que se manifestavam, no PC, pelo uso do SE, estão hoje erodidas no PB. “SE”, acredito, realiza uma camada estrutural da frase V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |19| verbal no PC, e seu “menor uso” no PB é sinal da maior possibilidade de essa camada estrutural não ser realizada. O estudo detalhado da sintaxe do SE será centralmente relevante para o prosseguimento da pesquisa, e volto a este aspecto na seção 3. Por ora, compõe-se o seguinte quadro: _ valência grupo 1. [V x *y] exemplo (valência 1) intransitivos 2. [V: x (y)] (valência 1, 2) alternância transitiva 3. [V: x y] (valência 2) transitivos [x] + valência [x y] ? [x], [y] 1. {acontecer} x acontecer (* acontecer-SE) (* y acontecer x) 2.1 {acordar} x acordar (? acordar-SE) (y acordar x) 2.2 {abrir} x abrir x abrir-SE y abrir x 2.3 {acabar} (x acabar ) (x acabar-SE) y acabar x 3. {defender} (*x defender ) (x defender- SE) y defender x Na Seção 3 adiante, ao detalhar os resultados preliminares, tentarei desenvolver melhor esses pontos aqui introduzidos, e vou procurar também comentar e explicitar os empecilhos ainda presentes na análise das diáteses (como por exemplo o tratamento dado aos argumentos “oblíquos”, [ z ]). 1.2.3 Exame dos padrões de expressão dos argumentos Os dados organizados segundo a valência atestada para cada ocorrência e classificados segundo os critérios acima definidos foram analisados ainda quanto à expressão dos diferentes argumentos, lexical ou nula. Ao longo do trabalho de levantamento e análise dos dados, comecei a observar uma correlação entre a propriedade semântica de “agentividade” e a probabilidade de um argumento ser “apagado”, ou seja, de não ser expresso lexicalmente, embora sua interpretação esteja disponível. Considerando que esta correlação poderia ser um fator importante na compreensão das propriedades gramaticais envolvidas na expressão dos argumentos nesta fase do português, passei a revisar todos os dados estudados, classificando os argumentos elididos e não elididos conforme a propriedade de “agentividade”, e tabulando os números relativos à forma da expressão dos argumentos sujeitos, fossem nulos ou lexicais. Nesta seção mostro os fatos empíricos assim sistematizados, e comento suas conseqüências para o prosseguimento da pesquisa. A correlação entre “agentividade” e expressão so sujeito começou a se revelar com a análise dos verbos de diátese ampla, do Grupo 2, uma vez que nesses casos podemos facilmente contrapor usos “agentivos” e “não-agentivos” de um mesmo verbo. Vamos tomar inicialmente, por exemplo, o verbo {dar}. Ele aparece nos dados do Corpus Tycho Brahe 33 vezes com três argumentos, um dos quais eu interpretei como “agentivo”, como no exemplo abaixo: V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |20| (a) E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantou-se direito para cima como um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e estando assim a par com ele, __ [deu]lhe uma estocada pela barriga, e dando-lha no mesmo instante se desviou para uma parte com tanta velocidade, que não pode o Monstro levá-lo debaixo de si : porém não pouco afrontado, porque o grande torno de sangue que saiu da ferida, lhe deu no rosto com tanta força que quase ficou sem nenhuma vista . Em outras 8 ocorrências de {dar}, não interpreto um argumento “agentivo” na grade; são casos como os seguintes: (a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se [apartarem] alguns navios da companhia. (b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província (c) E dali a poucos dias __ [deram] consigo na terra dos contrários ( que seria distância de três jornadas pouco mais ou menos) onde fizeram suas ciladas junto da aldeia em parte que mais pudessem ofender a seus inimigos Pois bem; entre as 33 ocorrências com três argumentos, um deles agente, em 29 casos (88%) o argumento agente está apagado; já nos 8 casos em que não há um argumento agente, em apenas 2 (25%) casos o argumento principal está apagado (são eles os exemplos (b) e (c) acima). Um levantamento inicial dos dados, cruzando a expressão lexical ou nula dos sujeitos com a propriedade de “agentividade” dos argumentos sujeitos revelou que esta observação inicial a respeito de {dar} até se confirmava no geral dos dados: enquanto os sujeitos que eu interpretava como “não-agentes” aparecem nulos em 50% dos dados, os sujeitos “agentes” aparecem nulos em 65% dos dados (cf. Gráficos 2 e 3 a seguir). Entretanto, ainda não me pareceu que esse resultado estatístico (embora expressivo, com 15 pontos de diferença entre os dois grupos) refletisse a observação intuitiva dos dados, nos quais a desproporção me parecia muito maior. O principal problema dessa tabulação inicial dos dados quanto à “agentividade” foi o de conferir objetividade à classificação dos argumentos entre “agentivos” e “não-agentivos”. De início procurei contrapor a interpretação da minha própria reflexão com consultas à bibliografia especializada. Para o caso de {dar}, por exemplo, Borba (1991) registra usos equivalentes ao que eu encontrei no Corpus: (a) ... [deu]-lhe uma estocada pela barriga V: dar, SN dar SN SP: [ + agentivo ] V [ - agentivo] em [ + - agentivo ] ‘conceder, aplicar’ (Borba 1991: 364) (b) ... [deu]-lhes um temporal. V: SN dar SP: [ - agentivo ] V [ - agentivo ] ‘manifestar-se em, acomenter’ (Borba 1991: 365) obs.: “com sujeito paciente”; ex. “Deu uma bruta febre na criança” V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |21| (c) ... foram [dar] na costa desta província (d) E dali a poucos dias [deram] consigo na terra dos contrários V: dar, SN SP ‘encontrar, topar, deparar’ (Borba 1991: 364) obs: “com sujeito paciente” Entretanto, nem todos os usos que encontro nos textos da época clássica estão registrados nos dicionários contemporâneos. Nesses casos, busquei interpretar os dados pelo critério fundamental da propriedade de controle que o argumento sujeito me parecia exercer sobre o processo expresso pelo verbo. Entretanto, em muitos casos, a semântica das orações torna desafiador esse tipo de análise; considere-se por exemplo a seguinte frase em que me parece haver controle do sujeito de {aparecer}: (a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos, lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: ... Note-se, a propósito, que os dados trabalhados neste estudo, além de serem dados atestados e não de intuição, são atestados nos mais diversos tipos de texto (ou seja, simplesmente, aqueles que se encontram disponíveis para o período), e incluem os mais variados contextos discursivos, envolvendo metáforas, usos figurados, etc. “Limpar” os dados desse tipo de ocorrência significaria reduzir drasticamente o universo de pesquisa. Assim, tendo em vista o interesse em prosseguir na investigação daquela primeira correlação observada, passei a buscar meios de análise mais objetivos, pensando em métodos para poder capturar a generalização da agentividade sem depender exclusivamente da análise “caso a caso”, e procurei estudar a literatura lingüística sobre essa relação entre as propriedades semânticas e os padrões de expressão dos argumentos. Quanto à pesquisa bibliográfica sobre a questão da relação entre propriedades semânticas e apagamento, encontrei na teoria de Preferred Argument Structure um campo promissor para pesquisas futuras. Essa linha de pesquisa (Du Bois et al. 2003) se propõe a estudar as relações entre a semântica e a forma dos constituintes argumentais nas diferentes línguas. Seu ponto de partida é a tendência observada por Du Bois de que a hierarquia entre os papéis temáticos se revela não apenas a escolha dos argumentos sujeitos, mas também a forma que estes tomam na sentença, de mais lexical (NP) para menos lexical (pronomes lexicais ou nulos). Com o desenvolvimento da pesquisa, poderei contrapor os dados do Português Clássico com o que se discute em Du Bois (2003) a respeito da hierarquia temática da expressão do sujeito em diferentes línguas. Nota-se que o desenvolvimento desta linha da pesquisa depende crucialmente do aprofundamento da reflexão sobre “papéis temáticos”, visando uma melhor descrição e compreensão dos dados. Nesse aspecto tenho me apoiado, centralmente, no trabalho de Marcia Cançado sobre a hierarquia temática no Português Brasileiro (Cançado 2003, 2005, 2006 entre outros). No detalhamento, discuto a visão dos papéis temáticos como característica composicional derivada da combinação entre algumas propriedades V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |22| semânticas fundamentais acarretadas pelos verbos nas diferentes construções, procurando indicar como essa proposta ajuda a compreender os dados aqui pesquisados. Por fim, no que remete à busca de critérios mais objetivos, o cruzamento dos dados de apagamento de sujeito com a tabulação por grupos de diátese se reveleou muito interessante: nota-se, com isso, um quadro um pouco mais claro da relação entre “agentividade” e apagamento. Como se mostra na seção 2 se comenta no detalhamento, o peso do fator “agentividade” (considerado interpretativamente, “caso a caso”) sobre a expressão dos sujeitos é menor que o peso do fator classe de diátese; e a combinação dos dois fatores resulta num panorama muito interessante sobre a relevância da semântica agentiva sobre a expressão dos sujeitos. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |23| 2. Resultados Iniciais Nessa seção apresento os resultados iniciais obtidos pela descrição dos dados a partir dos procedimentos resumidos até este ponto. Em 2.1, estão os quadros formados pela verificação das valências de cada verbo já sistematizado. Em 2.2, estão os gráficos que mostram os padrões de expressão dos sujeitos (nulos ou lexicais) nos dados. Na seção 3, Detalhamento, esses resultados serão comentados. 2.1 Mapeamento inicial das construções Os quadros a seguir apresentam os padrões de realização argumental de 172 verbos, organizados segundo as construções atestadas no corpus até este momento. Cada quadro inclui dois campos principais definidores da classificação: realização de [ x ], realização de [ y ]. Entre os dois há um terceiro campo importante, que remete à realização inerente ou reflexiva do pronome SE. Quanto à realização de [ z ], como já mencionei acima, esta não foi considerada como característica definidora de classe de alternância, e por isso é listada abaixo de cada um dos três grupos principais. O número que segue imediatamente cada verbo nos quadros representa a valência atestada; o número em seguida a este, entre parênteses, refere-se ao grupo que os vebos integram em termos de diáteses potenciais. Nos campos que descrevem a expressão de [ x ] e de [ y ], os itens marcados com negrito representam construções efetivamente registradas no corpus; os itens em itálico e entre parênteses representam construções previstas como possíveis, mas que não se registraram até este ponto do corpus. Exemplifico com a seguinte entrada: 1. dissolver 3 (2.3) (x dissolver) x dissolver-SE x dissolver-SE em z y dissolver x y dissolver x em z z dissolver x ... porem o grão formado se [dissolve] pela decomposição das partes oleozas ... porque liquor algum não [dissolve] estas peliculas Seria muito vantajoso para a economia Este sal ferveo notavelmente com o domestica encontrar-se huma substancia espirito de vitriolo, e a sua maior antiseptica que , tendo hum cheiro, e hum parte nelle se [dissolveo] gosto agradavel, possa ser [dissolvida] nas substancias oleosas A entrada especifica que para {dissolver}, atestam-se as construções {x dissolver-SE} (e sua subordinada, {x dissolver-SE em z}) e {y dissolver x} (e suas subordinadas, {y dissolver x em z}, e {z dissolver x}). Especifica também que eu prevejo como possível a construção {( x dissolver )} no PB. O número 3 mostra que o item aprensenta padrão de valência 3, transitivo; (2.3) indica que está analisado no grupo 2.3 (transitivos do corpus que aceitam construção intransitiva no PB). Assim, os quadros se organizam de acordo com a relação entre as construções atestadas no corpus e as construções previstas no PB. O Quadro-resumo que precede os demais mostra o cenário assim composto. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |24| dhpb 57 2.1.1 Quadro-Resumo Esquema de Valência Descrição [x], [ x ][ z ] I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas classe no de verbos no de ocorrências falecer 12 897 2.1 engordar 20 59 II.1 Em construções intransitivas e com {SE} (analisados como intransitivos ~ transitivos no PB) 2.1 correr 2 26 II.2 Apenas em construções com {SE} (analisados como intransitivos ~ transitivos no PB) 2.1 corromper 18 23 II.3 Em construções transitivas e com {SE}, analisados como intransitivos ~ transitivos no PB 2.2 conservar 9 224 3 achar 8 1299 2.2 abrir 6 1879 ? casar 2 65 2.3 acabar 12 17 IV.2 Analisados como transitivos estritos no PB 3 defender 62 342 IV.3 Analisados como transitivos estritos no PB (complemento apagável) 3 comer 5 16 IV.4 Analisados como transitivos estritos no PB (objeto preposicionado) 3 bater 16 27 172 4874 I.1 Analisados como intransitivos estritos no PB I.2 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB 1 exemplo [ x ]-SE [ y ] ? II.Verbos atestados em construções com {SE} [ x ][ y ]-SE ? II.4 Em construções transitivas e com {SE}, analisados como transitivos estritos no PB [x], [ x ][ z ], [ x ][ y ], [ x ][ y ][ z ] III. Verbos atestados em construções intransitivas, construções com {SE} e construções transitivas III.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB III.2 Casos duvidosos [ x ][ y ], [ x ][ y ][ z ] IV. Verbos atestados apenas em construções transitivas IV.1 Analisados como intransitivos ~ transitivos no PB V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |25| 2.1.2 Quadros Descritivos I. Verbos atetestados apenas em construções intransitivas no corpus I.1 Verbos em construções intransitivas, analisados como intransitivos estritos no PB [x] [ x ][ z ] 1. acontecer 1 (1) x acontecer x acontecer (a) z-DAT ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] dhpb ctb 868 ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 11 ctb 4 E muitas vezes é tamanho o peso delas, que [acontece] quebrar a planta pelo meio . 2. agir 1 (1) x agir e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos 3. aparecer 1 (1) (x aparecer) x aparecer (a) z-DAT E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos, lhe [apareceu] nossa Senhora, e disse: 4. bastar 1 (1) (x bastar) x bastar (a) z porque não há lá impedimento de coutadas como nestes Reinos, e um só Índio [basta] ( se é bom caçador) a sustentar uma casa de carne do mato: 5. brotar 1 (1) (x brotar) x brotar de z-LOC mas tornam logo a nascer dela uns filhos que [brotam] do mesmo pé 6. caber 1 (1) x caber x caber em z-LOC Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros spirituais, e agora que vierão os filhos não [cabe] de alegria por ver que a descarregarão da governança e que tem tempo para se dar a Deos. 7. cair 1 (1) x cair x cair em z-LOC x cair de z-LOC E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras , e dali começam as mesmas castanhas também a [cair] pouco a pouco até não ficar nenhuma dentro dos V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |26| [x] [ x ][ z ] vasos. desaparecer 8. 1 (1) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] x desaparecer ctb 1 ctb 2 ctb 4 ctb 2 ctb 1 [Desaparecida] esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz dormir 9. 1 (1) x dormir Dom Eguas, [dormes]? 10. durar 1 (1) (x durar) ? x durar z A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não [dura] mais que dois ou três dias, e como passa deles, logo se corrompe. 11. escapar 1 (1) (x escapar) x escapar (a) z-DAT Estes são muito ligeiros e de maravilha lhe [escapa] ave , ou qualquer outra caça a que remetam. 12. falecer 1 (1) x falecer ... e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe 897 I.2 Verbos em construções intransitivas, analisados como transitivos ~ intransitivos no PB [x] [ x ][ z ] 1. acordar 1 (2.1) (x acordar) x acordar a z ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] (y acordar x) Ele a esta voz , e visão [acordando] respondeu: 2. acudir 1 (2.1) x acudir x acudir a z (y acudir x) ctb E [acudiu] a Rainha sua mãe dizendo: Minha é a terra, e serra, que meu pai ma deu, e ma deixou Neste tempo [acodiram] alguns escravos aos gritos da Índia que estava em vela V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |27| 4 [x] [ x ][ z ] 3. 1 (2.1) adoecer x adoecer ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] (y adoecer x) ctb 1 (y afastar x) ctb 1 (y amadurecer x) ctb 1 (y andar x) ctb 8 (y arrebentar x) ctb 2 (y cavalgar x) ctb 1 (y cessar x) ctb 3 E tendo-a assi preitejada veio o Conde a [ adoecer] de modo, que bem conheceu não haver nele vida. 4. 1 (2.1) afastar x afastar Alguns deles nascem no interior do Sertão , os quais vem por longas e tortuosas vias a buscar o mesmo Oceano: onde suas correntes fazem [afastar] as marinhas águas por força, e entram nele com tanto ímpeto , que com muita dificuldade e perigo se pode por eles navegar. 5. amadurecer 1 (2.1) x amadurecer Como são de vez colhem estes cachos, e dali a alguns dias [amadurecem]. 6. andar 1 (2.1) x andar Tem uma gadelha grande no toutiço que lhe cobre o pescoço , e [anda] sempre com a barriga lançada pelo chão , sem nunca se levantar em pé como os outros animais Neste tempo [andando] a era de Nosso Senhor de mil cento e três , foi este Conde Dom Anrique a ultramar à Casa Santa de Jerusalém, conquistada havia quatro anos de Cristãos 7. arrebentar 1 (2.1) x arrebentar E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua: e quando há cheias [arrebenta] por cima e arrasa toda a terra. 8. cavalgar 1 (2.1) x cavalgar Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava 9. cessar 1 (2.1) x cessar y cessar de x ? A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos, e dura até de madrugada: então [cessa] por causa dos V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |28| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] vapores da terra que o apagam . ... e assi como os bons pela justiça se fazem melhores recebendo prêmio, e galardão de suas boas obras assi os maus vem a ser bons, ou ao menos [cessam] de seus males com receio da pena 10. 1 (2.1) crescer x crescer (y crescer x) ctb 2 (y curtir x) ctb 1 (y emprenhar x) ctb 1 (y engordar x) ctb 1 (y enobrecer y) ctb 1 (y entrar x) ctb 21 E assim antes de muito tempo (segundo a gente vai [crescendo]) se espera que haja outros muitos edifícios e templos muito suntuosos com que de todo se acabe nesta parte a terra de enobrecer. 11. 1 (2.1) curtir x curtir E tanto que as arrancam, põem-nas a [curtir] em água três quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem. 12. emprenhar 1 (2.1) x emprenhar Depois que o Conde Dom Anrique foi casado com a Rainha Dona Tareja , filha del-Rei de Castela como dito é, vindo ela a [emprenhar], Dom Eguas Moniz muito esforçado , e nobre Fidalgo , grande seu privado, que com ele viera da sua terra, e a quem tinha feito muita mercê, chegou ao Conde pedindo-lhe que qualquer filho, ou filha , que a Rainha parisse lhe o quisesse dar para o ele criar, e o Conde lhe o outorgou 13. engordar 1 (2.1) x engordar Vivem todos muito descansados sem terem outros pensamentos , senão de comer, beber, e matar gente , e por isso [engordam] muito: mas com qualquer desgosto pelo conseguinte tornam a emagrecer. 14. enobrecer 1 (2.1) x enobrecer [ ?] ... com que de todo se acabe nesta parte a terra de [enobrecer] 15. entrar 1 (2.1) x entrar x entrar z-LOC x entrar em z-LOC V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |29| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] x entrar por z-LOC Como se acham famintos [entram] nos currais do gado, e matam muitas vitelas e novilhos que vão comer ao mato, e o mesmo fazem a todo animal que podem alcançar. 16. assistir 1 (2.1) (x assisitr) x assistir em z-LOC (y assistir x) ctb 2 (y aproveitar x) ctb 2 (y aportar x) ctb 1 (y ancorar x) ctb 1 (y chegar x) ctb 5 Mas porque de umas a outras há muita distância , e a gente vai em muito crescimento, repartiu-se agora em duas governações, convém a saber, da capitania de Porto Seguro para o Norte fica uma , e da do Espírito Santo para o Sul fica outra: e em cada uma delas [assiste] seu governador com a mesma alçada. 17. aproveitar 1 (2.1) (x aproveitar) x aproveita a z x aproveita para z Também [aproveita] para as mesmas enfermidades , e aqueles que o alcançam têm-no em grande estima e vendem-no por muito preço ... mas segue todavia justiça temendo , e amando muito a Deus , para que sejas dos teus amado, e temido, tendo Deus em tua ajuda, terás as gentes para teu serviço, e sem ela não há poder, nem saber que te [aproveite]. 18. aportar 1 (2.1) (x aportar) x aportar em z-LOC ...e a causa porque a terra se chamou Portugal , foi que antigamente sobre o Douro foi povoado o Castelo de Guaya, e por [aportarem] aí mercadores, e navios... 19. ancorar 1 (2.1) (x ancorar) x ancorar em z-LOC ... e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro [ancorarem] e estenderem suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto 20. chegar 1 (2.1) (x chegar) V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |30| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] x chegar a z-LOC e com aquele vento que lhes era largo por aquele rumo, foram correndo a costa até [chegarem] a um porto limpo e de bom surgidouro onde entraram 59 II. Verbos atestados em construções com {SE} no corpus II.1 Verbos em construções intransitivas e em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB) [x] [ x ][ z ] 1. 2. correr esgalhar 1 (2.1) 1 (2.1) ↔ x correr x correr z-LOC x correr-SE de z a z-LOC Está formada esta província à maneira de uma harpa: cuja costa pela banda do Norte [corre] do Oriente ao Ocidente e está olhando direitamente a Equinocial [Corre]-se da boca , do Sul para o Norte: dentro é muito fundo e limpo, e pode-se navegar por ele até sessenta léguas como já se navegou . x esgalhar x esgalhar-SE Em cada uma dellas têm os lavradores estudado o que sabem e podem observar, para se deliberarem a plantal-a: Observam, por exemplo, que dando bôa raiz, a maniba-mirim [esgalha] tanto, que difficulta o accesso dos Indios, e em os esgalhos que deita diminue a raiz, se os não decotam Este grande paiz faz assento sobre a encosta oriental da grande, lombada ou serra , que desprendendo-se e [esgalhando]se da grande e principal serra de Minas, na altura de 21, corre a Poente, e vai separando as aguas de dois grandes rios ... [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] (y correr x) ctb 2 ? (y esgalhar x) dhpb 24 26 II.2 Verbos atetestados apenas em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB) [x] [ x ][ z ] 1. abalar 1 (2.1) ↔ (x abalar) [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] (y abalar x) ctb 1 (y afadigar x) ctb 1 x abalar-SE contra z Quando El-Rei de Castela viu o recado de sua tia, aprouve-lhe muito com ele , e fez logo prestes suas gentes de Castela, e de Lião, e de Araguão, e de Gualiza, e [abalou] com muito grande poder contra Portugal 2. afadigar 1 ? (x afadigar) x afadigar-SE V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |31| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] Príncipe não nos [afadiguemos] mais nesta contenda, mas ajuntemos-nos um dia em batalha 3. 1 apartar (? x apartar) (y apartar x) ctb 2 (y arredar x) ctb 1 (y comedir x) ctb 1 (y conjurar x) ctb 1 (y corromper x) ctb 1 x apartar-SE de z E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) deu-lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se [apartarem] alguns navios da companhia. 4. 1 arredar (? x arredar) x arreda-SE de z e por tanto faze filho sempre como ajam todos direito assi grandes como pequenos , e nunca por rogo , nem cobiça , nem outra nenhuma afeição deixes de fazer justiça , que o dia que um só palmo a deixares de fazer logo no outro se [arredará] de teu coração uma braçada. 5. 1 comedir (? x comedir) x comedir-SE em z Enfim que assim se houve a Natureza com todas as coisas desta província , e de tal maneira se [comediu] na temperança dos ares, que nunca nela se sente frio nem quentura excessiva . 6. 1 conjurar ? (x conjurar) x conjurar-SE O primeiro capitão que a conquistou e que a começou de povoar , foi Francisco Pereira Coutinho : ao qual desbarataram os Índios , com a força da muita guerra que lhe fizeram , a cujo ímpeto não pode resistir , pela multidão dos inimigos que então se [conjuraram] por todas aquelas partes contra os Portugueses . 7. corromper 1 (2.1) (x corromper) x corromper-SE V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |32| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não dura mais que dois ou três dias, e como passa deles , logo se [corrompe]. 1. 3 (3.3) cozer (* x cozer) x cozer-SE (x cozer) ctb 1 (y desmandar x) ctb 3 (y desviar x) ctb 1 (y embarcar x) ctb 1 (y empegar x) ctb 1 Também se [coze] com couves e guisa-se como carne, e assim não há pessoa que o coma, que o julgue por peixe: salvo se o conhecer primeiro. 8. desmandar 1 (? x desmandar) x desmandar-SE em z A esta fruta chamam Cajús: tem muito sumo , e come-se pela calma para refrescar , porque é ela de sua natureza muito fria, e de maravilha faz mal, ainda que se [desmandem] nela 9. desviar 1 (2.1) (x desviar) x desviar-SE para z-LOC E vendo o monstro que ele lhe embargava o caminho, levantouse direito para cima como um homem, fincado sobre as barbatanas do rabo, e estando assim a par com ele , deu-lhe uma estocada pela barriga, e dando-lha no mesmo instante se [desviou] para uma parte com tanta velocidade, que não pode o Monstro levá-lo debaixo de si 10. embarcar 1 (2.1) (x embarcar) x embarcar-SE em z-LOC E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de esgotar , e outra vez se [embarcam] nela e tornam a fazer sua viagem. 11. empegar 1 (? x empegar) x empegar-SE a z-LOC E depois de haver bonança junta outra vez a frota, [empegaram]se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam estorvar sua viagem, como por lhes ficar largo V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |33| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] poderem dobrar o cabo de Boa Esperança. 12. 1 (2.1) encolher (x encolher) x encolher-SE (y encolher x) ctb 1 (y encomendar x) ctb 1 (y endurecer x) ctb 1 (x esquecer y) ctb 1 (y estreitar x) ctb 1 Quando alguém lhe toca com as mãos, ou com qualquer outra coisa que seja , naquele momento se [encolhe] e murcha de maneira, que parece criatura sensitiva que se enoja e recebe escândalo com aquele tocamento 13. encomendar 1 (* x encomendar) x encomendar-SE (a) z-DAT Começando de escrever das vidas , e muito excelentes feitos dignos de eterna memória , dos muito esclarecidos Reis de Portugal , [encomendo]-me àquele guiador de seus nobres , e virtuosos corações Espírito Santo , que assi como participou com eles de sua infinda graça para as obrar, me queira dar alguma para os escrever ... 14. endurecer 1 (2.1) (x endurecer) x endurecer-SE Este âmbar todo quando logo sai , vem solto como sabão e quase sem nenhum cheiro: mas daí a poucos dias se [endurece], e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos. 15. esquecer 1 (*x esquecer) x esquecer-SE de z Por onde não parece razão, que lhe neguemos este nome, nem que nos [esqueçamos] dele tão indevidamente por outro que lhe deu o vulgo mal considerado , depois que o pau da tinta começou de vir a estes Reinos 16. estreitar 1 (2.1) (x estreitar) x estreitar-SE Aqui se metem dois rios nele que vem do sertão, por um dos quais entraram alguns Portugueses quando foi do V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |34| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] descobrimento que foram fazer no ano de 35 e navegaram por ele acima duzentas e cinqüenta léguas, até que não puderam ir mais por diante por causa da água ser pouca e o rio se ir [estreitando] de maneira, que não podiam já por ele caber as embarcações. 17. finar 1 (? x finar) x finar-SE ctb 1 ctb 2 Desta doença se veio a [ finar ] o Conde Dom Anrique em Estorgua dois meses , e cinco dias antes que o prazo de Lião fosse acabado. 18. acolher 3 (3.3) (* x acolher) (y acolher x) x acolher-SE em z Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se [acolher], e que sua mãe tão pouco dele curava, ... 23 II.3 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE} (analisados como transitivos ~ intransitivos no PB) [x] [ x ][ z ] 1. 2. ajuntar conservar 3 (2.3) 3 (2.3) (x ajuntar) (x conservar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] x ajuntar-SE y ajuntar x (?) e os Índios da terra que ali se [ajuntaram] ouviam tudo com muita quietação ... e a causa porque a terra se chamou Portugal , foi que antigamente sobre o Douro foi povoado o Castelo de Guaya, e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro ancorarem , e estenderem suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto, que ora é Cidade muito principal, donde [ajuntando] estes dois nomes, foi chamado Portugal x conservar-SE y conservar x E depois de criadas desta maneira, se logo as não querem arrancar para comer, cortamlhe a planta pelo pé, e assim estão estas raízes cinco, seis meses debaixo da terra em sua ... de sua mão somos isso, que somos, e o que temos não teríamos, se da sua mão, e bondade o não tivéssemos, e por tanto trabalhaste por [conservar] em seu serviço. ctb ctb V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |35| 5 2 [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] perfeição sem se danarem: e em São Vicente se [conservam] vinte, trinta anos da mesma maneira. 3. 4. danar deitar 3 (2.3) 3 (2.3) (x danar) (x deitar) x danar-SE y danar x ... e assim estão estas raízes cinco, seis meses debaixo da terra em sua perfeição sem se [danarem] ... E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não [danam]: mas recreiam e acrescentam a vida do homem. x deitar-SE em z-LOC (y deitar x) y deitar x em z-LOC (?) ctb 3 ctb 2 dhpb 57 ctb 2 dhpb 30 Em lugar delas se [deitam] seus Não devia de aprazer a Deus tal coisa maridos nas redes, e assim os que vós me queirais [deitar] fora da terra visitam e curam como se eles que meu pai ganhou. fossem as mesmas paridas. 5. 6. dissolver estender 3 (2.3) 3 (2.3) (x dissolver) x dissolver-SE x dissolver-SE em z y dissolver x y dissolver x em z z dissolver x ... porem o grão formado se [dissolve] pela decomposição das partes oleozas ... porque liquor algum não [dissolve] Este sal ferveo notavelmente com o espirito de vitriolo, e a sua maior parte nelle se [dissolveo] Seria muito vantajoso para a economia domestica encontrar-se huma substancia antiseptica que , tendo hum cheiro, e hum gosto agradavel, possa ser [dissolvida] nas substancias oleosas (x estender) x estender-SE de z-LOC a z- estas peliculas (y estender x) y estender x para z-LOC LOC Dista o seu princípio dois graus da equinocial para a banda do Sul, e daí se vai [estendendo] para o mesmo Sul até quarenta e cinco graus 7. mexer 3 (2.3) (x mexer) ... e por aportarem aí mercadores, e navios , e assi pescadores pelo Rio dentro ancorarem e [estenderem] suas redes da outra parte para isso mais conveniente, se povoou outro lugar, que se chamou o Porto x mexer-SE y mexer x y mexer x com z y mexer x em z Estão estas pinhas pegadas, e por baixo das folhas, nas quaes tocando os caminhantes logo principiam a [mexer]-se, qual formigueiro, quando lhe tocam Ali põem o cacao, o qual vão [mexendo] para se torrar todo igualmente, e ali se torra tãobe, e se vai separando a casca da pevide} e fica esta massa toda muito enxuta, da qual se faz a farinha que se come, que cozem em um alguidar para isso feito, V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |36| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] em o qual deitam esta massa e a enxugam sobre o fogo, onde uma Índia a [meche] com um meio cabaço, como quem faz confeitos ... & levada na Repartideira para o Tendal, ſe enchem as Formas, continuando com a Eſpatula a [mexer] nellas todas as tres Temperas, de ſorte que perfeitamente ſe encorporem, & de tres se faça hum ſo corpo 8. ornar 3 (2.3) (x ornar) x ornar-SE x ornar-SE com z x ornar-SE de z y ornar x y ornar x com z y ornar x de z A superstição de todas ellas, seus differentes costumes, extravagancia no vestir e em se [ornarem], as suas festas e bailes, os seus instrumentos marciaes e festivos, as suas armas e utensilios domesticos, tudo isto apresenta um dilatado campo de observações, ... Disse que era amigo das cousas da egreja, porque, não satisfeito de honrar todas as festas com sua presença, tratando de concertar e [ornar] as egrejas, como se vê em Nossa Senhora do Rosario e Santo Christo, ... É contudo tão natural a paixão de [ornar]-se com enfeites no sexo amável, que elas, não por falta de outros ornatos, tinham furado o beiço de baixo e pendente dêle um pedaço de resina dura e alambreada, ponteaguda, do comprimento de um palmo, ... [ dhpb 60 dhpb 60 Os Saparas', Uaiumarás e Pauxianas, [ornam] o peito com riscos, que com direcção obliqua vão terminar ás costas. Frey Ruperto de Jesus, monge de S. Bento natural de Igrassu, de quem fizemos memoria no livro quarto, foy [ornado] de hu engenho agudo, comprehenção rara, memoria feliz, cujos dotes o fizerão igualmente celebre na cadeira, como no pulpito, ... E as mulheres se [ornam] esquisitamente de missangas grossas pelos braços, pernas, e outros ao tiracol: ... 9. pulverizar 3 (2.3) (x pulverizar) x pulverizar-SE com z Lance-ſe huma gotta de leyte de peyto em hum prato, nelle ſe lance hum pano de linho fino do tamanho, que cubra, a tal inchaçaõ;e eſtando eſtendido , e affogado no leyte, ſe. [pulverize] todo o pano com pós ſutis de incenſo y pulverizar x y pulverizar x com z Para que os callos naõ tornem a naſcer. He remedio de grande eſtimaçaõ [pulverizar] a cova, donde ſe tirou o callo, com a cinza, que ſe fizer das caſcas das oſtras 224 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |37| II.4 Verbos em construções transitivas e em construções com {SE} analisados como transitivos estritos no PB [x] [ x ][ z ] 1. achar 3 (3.3) (* x achar) ↔ x achar-SE [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y achar x y achar x (a) z-DAT ctb 23 dhpb 74 dhpb ctb 709 e os que lá forem viver com E até hoje um só caminho lhe esta esperança não creio que [acharam] os homens vindos do Peru à se [acharão] enganados. esta província 2. 3. benzer criar 3 (3.3) 3 (3.3) (* x benzer) (* x criar) x benzer-SE y benzer x y benzer (x) (?) O louco namorado não descansa, Enquanto tem quem ouça as aventuras, Que fez com as madamas, mais Senhoras; [Benzendo]se mil vezes, quando chega Aos lances apertados de ser visto Dos maridos, dos Pais, e dos parentes, Em que só por milagre não foi morto. [A00_1224]. No dia, em que ſe bota a Canna a moer, ſe o Senhor do Engenho naõ convidar ao Vigario; o Capellaõ [benzerá] o Engenho, & pedira a Deos, que dè bom rendimento, & livre Cultura, aos que nelle trabalhaõ de todo o deſaſtre. [A00_2576 P. 13]. x criar-SE x criar-SE em z-LOC y criar x y criar (x) y criar x em z-LOC Estes papagaios são variados de muitas cores , e [criam]-se muito longe pelo sertão dentro: e depois que os tomam vêm a ser tão domésticos que põem ovos em casa e acomodam-se mais à conversação da gente que outra qualquer ave que haja , por mais doméstica e mansa que seja ... e isto feito farás aí vigília pondo o Menino que [crias] sobre o Altar , e sabe que guarecerá , e será sã de todo, e não menos te trabalha daí avante de o bem guardar, e criar como faze; porque meu filho quer por ele destruir muitos inimigos da Fé . Se algua peſſoa adivinha, ou [benze], ou cura com palavras, ou bençoes ſem noſſa licença, ou de noſſo Proviſor, & ſe ha alguem que a và buſcar, cre ndo q̃ com ſua s bençoens póde haver ſaude, ... [A00_2472 ]. Os Índios da terra as costumam tomar em seus ninhos quando são pequenas, e [criam]-nas em umas sorças para depois de grandes se aproveitarem das penas em suas galantarias acostumadas Esta planta não é muito grossa e tem muitos nós: quando a querem plantar em alguma roça, cortam-na e fazem-na em pedaços, os quais metem debaixo da terra, depois de cultivada como V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |38| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] estacas e daí tornam a arrebentar outras plantas de novo : e cada estaca destas [cria] três ou quatro raízes e daí para cima (segundo a virtude da terra em que se planta) as quais põem nove ou dez meses em se cria 4. envolver 3 (3.3) (* x envolver) x envolver-SE em z y envolver x y envolver x com z y envolver x em z É verdade, que entre elles a dansa se não deve chamar divertimento, antes é uma occupação muito séria e importante, que se [envolve] em todas as circumstancias da sua vida publica e particular, e de que depende o principio, e o fim de todas as suas deliberações. Dir-se-ha que a natureza encerrou no Cacao hum remedio para todos estes inconvenientes; o volatil sulphureo, de que abunda, he capaz de repôr todos os dias tudo quanto a grande idade faz o sangue perder; embota a força dos saes, os [envolve], os concentra, e repõem ao sangue a sua doçura acostumada, com pouca differença, como o espirito de vinho, circulando da com o espirito de sal, fórma hum liquor doce de hum poderoso corrosivo. dhpb 71 dhpb 381 Passaram por ali acaso dois soldados portugueses; um dêles, movido de compaixão, deita-se, com piedade cristã, aos pés do seu Deus, toma-o nos braços com muitas lágrimas e suspiros, [envolve]-o em uma capa de baêta, e passa-se com êle ao lugar onde se recolhe, sofrendo mil injúrias e ouvindo mil blasfêmias dos hereges. 5. temperar 3 (3.3) (* x temperar) x temperar-se y temperar x y temperar x com z z temperar x Daqui vem tambem não poder o sal e o assucar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem humedecer-se, e o ferro, e aço de huma espada ou navalha, por mais limpo, e sacalado, que seja se enche logo de ferrugem, e esta humidade he causa de que o calor desta terra se [tempere], e faz este clima de boa complexão, outra he pelos ventos Leste, e Nordeste, que ventão do mar todo o verão do meio dia pouco mais ou menos, athé a meia noite, e lavão e Quando o querem cozinhar, lavam-no muito bem, e depoes o cozinham, e [temperam] .. a qual comem os Indios e os mestiços crua, e [temperam] as panellas dos seus manjares com ella Fuy [temperando] aquella inflãmaçaõ, e dor com remedios anodinos ... O Clima do Brasil geralmente he [temperado] de bons, delicados, e salutiferos ares ... porem accudiu divina Providencia com chuvas e virações, que [temperam] estas calmas V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |39| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] refrescão toda a terra. 6. ajudar 3 (3.3) (* x ajudar) y ajudar x ctb 5 dhpb 34 ctb 2 x ajudar-SE de z Além disto [ajudam]-se da Estes moradores todos pela maior carne de muitos animais que parte se tratam muito bem, e folgam de matam [ajudar] uns aos outros com seus escravo ...há outras de que os moradores fazem suas fazendas, convém a saber , muitas canas de açúcar e algodões, que é a principal fazenda que há nestas partes, de que todos se [ajudam] e fazem muito proveito em cada uma destas capitania 7. 8. arremessar entregar 3 (3.3) 1 (3.3 (* x arremessar) x arremessa-SE a z (y arremessar x) y arremessa x contra z Rodeia a náu o tubarão nas calmarias da Linha com os seus pegadores ás costas, tão cerzidos com a pelle, que mais parecem remendos, ou manchas naturaes, que hospedes, ou companheiros. Lançam-lhe um anzol de cadeia com a ração de quatro soldados, [arremessa]-se furiosamente á presa, engole tudo de um bocado, e fica preso. Êstes guaribas costumam a fazer-se a barba uns aos outros, quando as têm crescidas, ajudando-se para isso de certas pedras agudas, unhas e dentes; e quando lhes tiram com algumas flechas e delas são ligeiramente feridos tornam com muita brevidade a tirá-la logo do corpo e, com acendida cólera, a [arremessam] contra o que lha atirou, intentando querer fazer o mesmo que lhe fizeram; e a ferida curam depois com facilidade, aplicando-lhe certas ervas só dêles conhecidas. x entregar-SE (a) z-DAT y entregar x a z-DAT São muito desonestos e dados à sensualidade , e assim se [entregam] aos vícios como se neles não houvera razão de homens ... e lhes foi forçado preitejarem-se por esta guiza , que se El-Rei Dom Affonso de Castela seu primo chamado Imperador , lhes não socorresse até quatro meses, eles lhe [entregassem] a Cidade de Lião com todas as rendas, e senhorio que El-Rei nela tinha (*x entregar) 1299 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |40| III. Verbos atetestados em construções intransitivas e construções transitivas no corpus III.1 Verbos intransitivos e transitivos, analisados como intransitivos e transitivos no PB [x] [ x ][ z ] 1. 2. abrir abranger 2 3 (2.2) (2.3) ↔ x abrir x abrir-SE y abrir x y abrir x com z Esta erva toda a noite está murcha, e como dormente, e em nascendo o sol torna a [abrir], e quando se põe torna a fechar. ... e como o algodão está de vez, que é de Agosto por diante, [abrem]-se estas folhas, com que se fecham estes capulhos, e vão-se seccando e mostrando o algodão que tem dentro muito alvo Estas aves pastam ervas como qualquer outro animal do campo, e nunca se levantam da terra, nem voam como as outras, somente [abrem] as asas e com elas vão ferindo o ar ao longo da mesma terra x abranger x abranger z-LOC ( ? x abranger-SE) y abranger x ? y abranger a x 2 (2.2) dhpb 82 mas tanto que D. Isabel commetteu sua jurisdicção a outro, logo conheceu a verdade, e assentou, que a Capitania de S. Vicente [abrangia] a Ilha de Santo Amaro E q' eu os encomendaria ao s.or g.dor q' os deffendesse e emparasse delles, dei aos principais alguas reliquias de ferramenta velha q' ficou dos tapuyas, mas nem p. isso os contentey porque cuidão q' tudo isso e muito mais se lhe deve, aonde não [abrangerão] os machados e fouces dei alguas facas ou tizouras e entre estes avia hu p. nome lagartixa espalmada o qual era sobrebisse... achegar dhpb 31 +ctb As maõs cheyas, em que tenho falado, e hey de falar, he regularmente quanto póde [abranger] huma maõ com os dedos. E a palavra dóſe, ou dóſes he o meſmo, que huma porçaõ tudo o mais he o commum. Tem este recolhimento concessão para vinte mulheres convertidas que querem largar o mundo e viver com honestidade, para cuja sustentação tem bastantes propriedades de que os rendimentos sendo bem administrados, [abrangem] com suficiencia 3. [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] Esta é a mais ordinária, que se vende, porque [abrange] a todos, é o remédio dos pobres, é o jornal dos jornaleiros, o viático nas jornadas, e a matalotagem nas viagens de canoas, e navios x achegar x achegar em z-LOC x achegar-SE x achegar-SE a z-LOC y achegar x y achegar x a z-LOC E logo que achegou, tomada a emformaçao da terra, desembarcou à mea noite, ... Aconteceo hum dia que estando hum feiticeiro tirãodo huma palha a hum doente, hum menino da Huns christãos, que se ali acharão, o puserao no terreiro e achegavam-lhe lume já, o que se fazia por dhpb 58 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |41| [x] [ x ][ z ] 4. dar 2 (2.2) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] escola se [achegou] e estando o feiticeiro gloriando-sse de aver tirado a palha que era a doença daquele, o moço movido por Nosso Senhor e com zelo da fee, porque era já christão, lha arrebatou da mão, ... fazer medo aos outros: até que vierão huns principaes velhos e postos os jiolhos em terra, lhe pedião a vida e que o levasse comigo pera taipar nas taipas de Sant Spritus que se fazia, e eu o levei, não pera taipar, mas pera se doutrinar na fee, e doutrina, com os outros. x dar x dar em z-LOC x dar a z-DAT x dar-SE y dar x y dar x (a) z-DAT Estando assim surtos nesta parte que digo, [deu]-lhes um temporal, que foi causa de não as poderem tomar ... tem muito páo de que se ... e huu dos nosos [deu]lhe fazem as tintas. Em algumas partes d'elle se [dá] trigo, cevada, e vinho muito bom, e em todas todos os fructos e sementes de Hespanha ... pola pedra huu sonbreiro uelho {1500, Caminha} (x quebrar) x quebrar (a) z-DAT (?) x quebrar-SE y quebrar x y quebrar (a) z-DAT y quebrar x com z Segunda-feira, 22 de Outubro (e) no quarto de alva, me [quebrou] o aúste da âncora, de forma que tornei outra vez a caçar como dantes. Aqui se [quebrou] o desencantamento do Paraaçu, onde ninguem ousava sayr em terra, e perderem os christãos o medo que tinhão àquele gentio, vindo com muyta victoria sem lhe matarem ninguem. foy dito que tinha feitos muitos seruiços a el Rey e que ajmda que elle [quebrara] a cabeça a Jesus christo E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, foram [dar] na costa desta província ctb 1643 + dhpb Hum dia, achando-me eu perto delle, [deu] huma bofetada grande a hum dos seus, ... E todavia, não deixarei de relatar ho açoute de Nosso Senhor que [deu] a esta Baya nas guerras civis 5. quebrar 2 (2.2) Aqui nesta ilha estivemos quarenta e quatro dias. Neles nunca vimos o Sol; de dia e de noite nos choveo sempre com muitas trovoadas e relâmpados. Nestes dias nos nom ventaram outros ventos desde o sueste até o sul: deram-nos tam grandes tromentas destes ventos e tam rijos como eu em outra nenh[u]a parte os vi ventar. Aqui perdemos muitas dhpb 37 Estes ramos são muito tenros, e têm hum miolo branco por dentro, e de palmo em palmo têm certos nós. E desta grandura se [quebrão], e plantão na terra em huma pequena cóva, e lhes ajuntão terra ao pé, e ficão mettidos tanto quanto basta para se terem, e dahi V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |42| [x] [ x ][ z ] 6. queimar 2 (2.2) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] âncoras e nos [quebraram] muitos cabres a seis, ou nove mezes têm já raizes tão grossas que servem de mantimento. x queimar x queimar-SE y queimar x y queimar x a z-DAT Deste trato quero eu e desejo que aja muito nessa terra, ao menos antre aquelles que bem sabem chorar seus peccados, deixando o trato maldito de peccar, pois por retorno não tem senão fogo de emxofre que [queima] e nunqua acaba de [queimar]. Com estas cousas, e outras muitas que ho mesmo Spiritu de vida sabe mui bem ensinar nos corações, onde entra, queria eu que de tal maneira ardeseis em charidade, que até os matos se [queimassem] com elle. Não estimão os Irmãos este trabalho porque sabem por quem o padecem, nem os espinhos que se lhe metem polos pees, nem os ardores que lhe [queimão] os pees, nem a fome que sofrem: ctb 21 1879 III.2 Verbos intransitivos e transitivos, analisados como intransitivos e transitivos no PB – casos duvidosos [x] [ x ][ z ] 1. casar 3 (2.3) (x casar) ? x casar com z ou ? y casar x com z Quando ele viu a terra tomada mandou desafiar a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador seu primo com irmão filho do Conde Dom Reymão de Tolosa , e de Dona Urraqua irmã de sua mãe a Rainha Dona Tareja, mas logo foram reconciliados, e amigos , e então se foi a Portugal , e não achou onde se acolhesse: porque toda a terra se alçara com sua mãe a qual [casou] com Dom Vermuy Paes de Trava , e depois Dom Fernando Conde de Trastamara seu irmão dele lha tomou , e [casou] com ele , e Dom Vermuy Paes [casou] depois com uma filha desta Rainha Dona Tareja , e do Conde Dom Anrique já finado, que ele tinha em sua casa , que chamavam Dona Tareja Anriques , e por este pecado foi feito em Gualiza um Mosteiro chamado de Sobrado. ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y casar x com z ctb ... e tendo El-Rei assi deles contentamento querendo honrá-los , e remunerar seus nobres feitos , e trabalhos , que em sua companhia passaram na guerra contra os infiéis , determinou de [casar] três filhas suas com eles , uma chamada Dona Urraqua , [casou] com o Conde Dom Reymão de Tolosa , de que depois nasceu El-Rei Dom Affonso de Castela chamado também Imperador , donde descendem também todos os Reis de Castela , outra Dona Elvira , [casou] com o Conde Dom Reymão de São Gil , de Proença; outra chamada Dona Tareja deu por mulher a Dom Anrique sobrinho do Conde de Tolosa ,... V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |43| 7 [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] Outra filha ficou do Conde Dom Anrique, que havia nome Dona Sancha que foi [casada] com Dom Fernão Mendes Depois que o Conde Dom Anrique [foi casado] com a Rainha Dona Tareja , filha delRei de Castela como dito é, vindo ela a emprenhar, Dom Eguas Moniz muito esforçado, e nobre Fidalgo, grande seu privado, que com ele viera da sua terra, e a quem tinha feito muita mercê, chegou ao Conde pedindo-lhe que qualquer filho, ou filha , que a Rainha parisse lhe o quisesse dar para o ele criar, e o Conde lhe o outorgou 2. condescender 1 (1) x condescender ? x-y condescender a z-x ? x-y condescender em z- x ? x-y condescender com z-x Com efeito, [condescenderam] e pôs-se por obra a fatura da fortaleza, a qual o capitão José Matol, meio convalescido, foi delinear de figura pentágona. Tambem se publicou depois de espalhada est a noticia, a de q.' o Gn.al Sucedendo no Gov.o de S. Paulo passava aos Goyazes § Ponderando eu .q' as vozes, de que a Cobrança da Capitação no Certão, era disposição minha, a q ' quazi violento [condescendera] o Gn.al, derão grande corpo aos motins do Certão, que das devassas se inferia terem aquelles motins quem os fomentasse nas Minas Chegou a enchente a noite, porem como não era conveniente fazer viagem senão de dia, pedi ao tal tenente que se quizesse demorar para pela manhã, pois me achava incapaz do estomago: elle logo [condescendeu], rendendo-me a fineza de que por meu respeito ia por aquelle caminho detendo a sua viagem. ... e que como o dito Prelado tinha faltado às obrigações de Religioso, porque se tinha excedido o modo, era por bondade e não por malícia, e com cujos roubos logo segurei a V. Revma. que não [condescendia], porque a sua desobediência e orgulho tinha sido fato publico e notório a todos dhpb 58 Não podendo deixar de concordar com V. Ex. no parecer de se crearem de novo dous parocos mais, destinado um a ajudar os dous que já tem as povoações da parte superior do Rio-Negro, e o outro ao que se acha parochiando as do Rio-Branco, passei logo a conferir com o Exm. e Revm. Sr. bispo este ponto, o qual, levado do seu grande zêlo, não hesitou um só instante em [condescender] tambem no proposto por V. Ex., nomeando logo alguns sacerdotes, que na presente occasião passão para essa capitania A primeira, me parece que foi dar Nosso Senhor graça ao Governador para saber soffrer tudo, e dar-lhe prudencia para em tal tempo saber trazer as vontades de todos tão contrarias á sua [condescenderem] com aquillo que elle entendia, e Nosso Senhor V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |44| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] lhe inspirava O remedio que Christo Senhor nosso, [condescendendo] com a fraqueza humana, deixou para os peccados que depois do baptismo se commettessem, foi a confissão dos mesmos peccados 65 IV. Verbos atestados em construções transitivas no corpus IV.1 Verbos em construções transitivas, analisados como transitivos ~ intransitivos no PB [x] [ x ][ z ] 1. 3 (2.3) acabar (x acabar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y acabar x ctb 2 ctb 1 ctb 1 ctb 4 ctb 1 ctb 1 Depois daí a certo tempo pelo conseguinte a mudam, e tornam-se a cobrir de outra muito vermelha, e tanto, como o mais fino e puro carmesim que no mundo se pode ver: e nesta [acabam] seus dias. 2. 3 (2.3) apagar (x apagar) y apagar x A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então cessa por causa dos vapores da terra que o [apagam] . 3. 3 (3.3) começar (x começar) y começar x Eu sou a Virgem Maria, que te mando que vai a um tal lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí cavar, e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi [começada] em meu nome, e uma Imagem minha; ... 4. 3 (2.3) cortar (x cortar) y cortar x y cortar x z-LOC (?) Depois de colhidos, [cortam] esta planta, porque não frutifica mais que a primeira vez ... E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, foram dar na costa desta província: ao longo da qual [cortaram] todo aquele dia, parecendo a todos que era alguma grande ilha que ali estava ... 5. 3 (2.3) dobrar (x dobrar) y dobrar x E depois de haver bonança junta outra vez a frota, empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam estorvar sua viagem, como por lhes ficar largo poderem [dobrar] o cabo de Boa Esperança. 6. enriquecer 1 (2.1) (x enriquecer) y enriquecer x E assim as terras que há nesta capitania, também são as V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |45| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] melhores e mais aparelhadas para [enriquecerem] os moradores de todas quantas há nesta província ... 7. esfolar 3 (2.3) (x esfolar) y esfolar x ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 2 ctb 1 Quando querem guisá-las para comer, pelam-nas como leitão, e não as [esfolam], porque tem um couro muito tenro e saboroso, e a carne também é muito gostosa, e das melhores que há na terra. 8. esgotar 1 (2.13 (x esgotar) y esgotar x (?) Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali a espremem daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por [ esgotar ]; E quando acontece alagar-se alguma os mesmos Índios , se lançam ao mar, e a sustentam até que a acabam de [esgotar] , e outra vez se embarcam nela e tornam a fazer sua viagem. 9. extinguir 3 (2.3) (x extinguir) y extinguir x Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que tanto trabalhou e trabalha por [extinguir] a memória da Santa Cruz , e desterrá-la dos corações dos homens ... 10. acalmar 3 (2.3) (x acalmar) (y acalmar x) y acalmar x com z E neste intervalo sopra um vento brando que na terra se gera , até que o Sol com seus raios o [acalma] , e entrando o vento do mar acostumado , torna o dia claro e sereno , e faz ficar a terra limpa e desempedida de todas estas exalações 11. assentar 3 (2.3) (x assentar) (y assentar x) y assentar x em z-LOC Filho esta hora derradeira que me Deus ordena para te haver de deixar com a vida deste mundo me faz que te veja, e fale com dobrado amor, e sentido do nosso apartamento, e por isso [assenta] em teu coração minhas palavras como de pai a quem após estas já não hás de ouvir outras. 12. estragar 3 (2.3) (x estragar) (y estragar x) y estragar x (a) z-DAT ... a qual tendo tomada, e metida sob seu senhorio, dali os guerreou fazendo continuamente muitas cavalgadas pela terra [estragando]-lhes pães , e vinhas , matando , e prendendo muita gente deles ... 17 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |46| IV.2 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB [x] [ x ][ z ] 1. acrescentar 3 (3.3) ? (* x acrescentar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y acrescentar x ctb 5 ctb 1 ctb 1 ctb 3 ctb 3 ctb 1 ctb 2 ctb 2 E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não danam: mas recreiam e [acrescentam] a vida do homem 2. abastar 3 (3.3) ? (* x abastar) y abastar x Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de que se faz pão muito alvo , e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam] muito a terra. 3. adquirir 3 (3.3) (* x adquirir) y adquirir x E a primeira coisa que pretendem [adquirir], são escravos para nelas lhes fazerem suas fazendas 4. afirmar 3 (3.3) (* x afirmar) y afirmar x y afirmar x de z Este rio procede de um lago muito grande que está no íntimo da terra, onde [afirmam] que há muitas povoações , cujos moradores ( segundo fama) possuem grandes haveres de ouro e pedraria. Destes animais se [afirma] que não concebem nem geram os filhos dentro da barriga senão em aqueles bolsos , porque nunca de quantos se tomaram se achou algum prenhe 5. alçar 3 (3.3) (* x alçar) y alçar x E tornando a Pedro Álvares seu descobridor , passados alguns dias que ali esteve fazendo sua aguada e esperando por tempo que lhe servisse, antes de se partir, por deixar nome aquela província, por ele novamente descoberta, mandou [alçar] uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore ... 6. amoestar 3 (3.3) (* x amoestar) y amoestar x ... tornemos-lhe a restituir seu nome, e chamemos-lhe província de Santa Cruz como em princípio (que assim o [amoesta] também aquele ilustre e famoso escritor João de Barros na sua primeira Década, tratando deste mesmo descobrimento). 7. arrancar 3 (3.3) (* x arrancar) y arrancar x E tanto que as [arrancam], põem-nas a curtir em água três quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem. 8. arrasar 3 (3.3) (* x arrasar) y arrasar x V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |47| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua: e quando há cheias arrebenta por cima e [arrasa] toda a terra. 9. arvorar 3 (3.3) (* x arvorar) y arvorar z ctb 1 ctb 1 ctb 3 ctb 1 ctb 2 ctb 1 ctb 1 ctb 1 ... mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore , onde foi [arvorada] com grande solenidade e benções de Sacerdotes que levava em sua companhia 10. atravessar 3 (3.3) (* x atravessar) y atravessar x Destes e de outros extremos semelhantes carece esta província Santa Cruz: porque com ser tão grande, não tem serras (ainda que muitas) nem desertos nem alagadiços, que com facilidade se não possam [atravessar]. 11. buscar 3 (3.3) (* x buscar) y buscar x Alguns deles nascem no interior do Sertão , os quais vem por longas e tortuosas vias a [buscar] o mesmo Oceano: onde suas correntes fazem afastar as marinhas águas por força, e entram nele com tanto ímpeto , que com muita dificuldade e perigo se pode por eles navegar . 12. castigar 3 (3.3) (* x castigar) y castigar x Quando este morre fica seu filho no mesmo lugar por sucessão , e não serve de outra coisa senão de ir com eles à guerra, e aconselhá-los como se hão de haver na peleja: mas não [castiga] seus erros, nem manda sobre eles coisa alguma contra suas vontades. 13. causar 3 (3.3) (* x causar) y causar x Um certo gênero de árvores há também pelo mato dentro na capitania de Paranambuco a que chamam Copahíbas de que se tira bálsamo muito salutífero e proveitoso em extremo para enfermidades de muitas maneiras , principalmente nas que procedem de frialdade [causa] grandes efeitos e tira todas as dores por graves que sejam em muito breve espaço 14. celebrar 3 (3.3) (* x celebrar) y celebrar x ...mandou alçar uma Cruz no mais alto lugar de uma árvore , onde foi arvorada com grande solenidade e benções de Sacerdotes que levava em sua companhia , dando a terra este nome de Santa Cruz: cuja festa [celebrava] naquele mesmo dia a santa madre Igreja (que era aos três de Maio). 15. cercar 3 (3.3) (* x cercar) y cercar x Este braço de mar que [cerca] esta ilha tem duas barras cada uma para sua parte. 16. cobrar 3 (3.3) (* x cobrar) y cobrar x V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |48| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] ... enviou seus recados o mais secreto que pôde a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador como El-Rei Dom Affonso seu avô , em que lhe fazia queixume do Príncipe seu filho a ter presa dizendo que Portugal pertencia a ele de direito , e que assi por ele [cobrar] o que seu era, como pelo que devia à virtude em acudir por uma sua tia posta fora de seu marido ... 17. 3 (3.3) cobrir (* x cobrir) y cobrir x ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 4 ctb 11 ctb 2 ctb 2 ctb 3 Todos andam nus e descalços assim machos como fêmeas, e não [cobrem] parte alguma de seu corpo. 18. 3 (3.3) colher (* x colher) y colher x Como são de vez [colhem] estes cachos, e dali a alguns dias amadurecem. 19. 3 (3.3) conformar (* x conformar) y conformar x .. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao diante acrescentado, e [conformado] pelos Reis seus sucessores, ... 20. 3 (3.3) conhecer (* x conhecer) y conhecer x Nisto [conheceu] o mancebo que era aquilo coisa do mar, e antes que nele se metesse , acodiu com muita presteza a tomar-lhe a dianteira. 21. 3 (3.3) conquistar (* x conquistar) y conquistar x A sétima capitania, é a do Rio de Janeiro a qual [conquistou] Mem de Sá, e a força d´armas, ... 22. 3 (3.3) consentir (* x consentir) y consentir x Também costumam todos arrancarem a barba, e não [consentem] nenhum cabelo em parte alguma do seu corpo: salvo na cabeça, ainda que ao redor dela por baixo tudo arrancam. 23. constranger 3 (3.3) (* x constranger) y constranger x Deves filho de saber, que o poderio que o Senhor Deus neste mundo ordenou de alguns Príncipes sobre outros submetidos a eles foi por tal, que os maus sejam [constrangidos], e os bons vivam entre eles em paz , e a sossego, ... 24. contar 3 (3.3) (* x contar) y contar x y contar x de z (?) A este propósito [contarei] alguns casos notáveis que aconteceram entre eles, deixando outros muitos a parte de que eu pudera fazer um grande volume V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |49| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] .. segundo que seu imenso louvor não menos se verá ao diante acrescentado, e conformado pelos Reis seus sucessores, os quais, [contando] deste primeiro Rei, são por todos quatorze... 25. conter 3 (3.3) (* x conter) y conter x ctb 1 ctb 1 ctb 2 ctb 4 ctb 2 ctb 1 ctb 3 Tem esta província assim como vai lançada da linha Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de Portugueses, que [contém] cada uma em si, pouco mais ou menos, cinqüenta léguas de costa 26. corrigir 3 (3.3) (* x corrigir) y corrigir x ... e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi começada em meu nome, e uma Imagem minha; faze [correger] a Imagem, e a Igreja feita à minha honra; .. 27. crer 3 (3.3) (* x crer) y crer x São muito inconstantes e mutáveis: [crêem] de ligeiro tudo aquilo que lhe persuadem por dificultoso e impossível que seja , e com qualquer disuasão facilmente o tornam logo a negar. 28. cuidar 3 (3.3) (* x cuidar) y cuidar x E logo pelos primeiros dias põem-lhe seus parentes de comer em cima da cova , e também alguns lho costumam a meter dentro quando o enterram , e totalmente [cuidam] que comem, e dormem na rede que têm consigo na mesma cova Tornaram então a batalha, e venceram-no, e o Príncipe prendeu aí seu padrasto, e sua mãe , e quando se o Conde Dom Fernando viu preso, [cuidou] logo de ser morto, e fez preito, e homenagem ao Príncipe de nunca mais entrar em Portugal 29. cumprir 3 (3.3) (* x cumprir) y cumprir x ... e que não querendo o Conde Dom Anrique [cumprir] assi isto, qualquer que fosse Rei de Castela pudesse tomar a terra ao dito Conde... 30. declarar 3 (3.3) (* x declarar) y declarar x E porque então lhe foi posto este nome de Porto seguro , como atrás deixo [declarado], ficou daí a capitania com o mesmo nome: e por isto se diz Porto Seguro. 31. defender 3 (3.3) (* x defender) y defender x y defender x (a) z-DAT y defender x de z Todas estão já muito povoadas de gente, e nas partes mais V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |50| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] importantes guarnecidas de muita e muito grossa artilharia que as [defende] e assegura dos inimigos , assim da parte do mar como da terra 32. 3 (3.3) deixar (* x deixar) y deixar x y deixar x (a) z-DAT ctb 8 ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 4 ctb 2 ctb 2 E tanto que o Monstro se lançou em terra [deixa] o caminho que levava, e assim ferido urrando com a boca aberta sem nenhum medo, remeteu a ele indo para o tragar a unhas e a dentes Minha é a terra, e serra, que meu pai ma deu, e ma [deixou]: ... 33. 3 (3.3) demandar (* x demandar) y demandar x E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam [demandar] para fazer aí aguada) deu-lhes um temporal,... 34. 3 (3.3) demarcar (* x demarcar) y demarcar x Tem esta província assim como vai lançada da linha Equinocial para o Sul, oito capitanias povoadas de Portugueses, que contém cada uma em si , pouco mais ou menos, cinqüenta léguas de costa e [demarcam]-se umas das outras por uma linha lançada Leste Oeste 35. desamparar 3 (3.3) (* x desamparar) y desamparar x ... nas quais hoje em dia estiveram feitas grossas fazendas , e os moradores foram em muito mais crescimento , e floresceram tanto em prosperidade como em cada uma das outras, se o mesmo capitão Pero Lopez residira nela mais alguns anos , e não a [desamparara] no tempo que a começou de povoar 36. descobrir 3 (3.3) (* x descobrir) y descobrir x Do outro não [descobriram] coisa alguma, e assim se não sabe até agora de onde procedem ambos. 37. destruir 3 (3.3) (* x destruir) y destruir x Junto delas havia muitos Índios , quando os Portugueses começaram de as povoar : mas porque os mesmos Índios se levantavam contra eles e faziam-lhes muitas traições , os governadores e capitães da terra [destruíram]-nos pouco a pouco e mataram muitos deles 38. determinar 3 (3.3) (* x determinar) y determinar x E porque estas dissensões não fossem tanto por diante, [determinaram] atalhar a isto usando do remédio seguinte, para por esta via se poderem melhor conservar na paz e se fazerem mais fortes contra seus inimigos. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |51| [x] [ x ][ z ] 39. dividir 3 (3.3) (* x dividir) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y dividir x y dividir x de z ctb 6 ctb 22 ctb 6 ctb 2 ctb 2 ctb 3 ctb 1 dhpb 86 Duas delas estão situadas em uma ilha que [divide] um braço de mar da terra firme à maneira de rio. 40. dizer 3 (3.3) (* x dizer) y dizer x y dizer x (a) z-DAT Ao outro dia seguinte , saiu Pedro Álvares em terra com a maior parte da gente: na qual se [disse] logo Missa cantada , e houve pregação 41. edificar 3 (3.3) (* x edificar) y edificar x Depois Thomé de Sousa sendo governador [edificou] a cidade do Salvador mais a diante meia légua , por ser lugar mais decente e proveitoso para os moradores da terra. 42. enxergar 3 (3.3) (* x enxergar) y enxergar x y enxergar x em z-LOC Pois o esterco naquela parte onde a natureza o despede, não tem nenhuma semelhança de âmbar, nem se [enxerga] nele ser menos digesto que o dos outros animais. 43. escolher 3 (3.3) (* x escolher) y escolher x Além destes rios há outros muitos, que pela costa ficam, assim grandes como pequenos, e muitas enseadas, baías, e braços de mar, de que não quis fazer menção, porque meu intento não foi senão [escolher] as coisas mais notáveis e principais da terra 44. escrever 3 (3.3) (* x escrever) y escrever x São tantas e tão diversas as plantas, frutas e ervas que há nesta província, de que se podiam notar muitas particularidades, que seria coisa infinita [escrevê]-las aqui todas 45. esperar 3 (3.3) (* x esperar) y esperar x E o que é bom pescador (para que não faça tiro em vão) quando os vê vir deixa-os primeiro passar, e [espera] até que fiquem a jeito que possa arpoá-los por detrás 46. esquipar 3 (3.3) (* x esquipar) y esquipar x y esquipar x com z Vieram os segundos navios de Pernambuco com nova de haverem tomado cinco presas de açúcar, e foi tal a mudança que causou nos ânimos de todos, principalmente nos de Zelanda, que tendo-se resoluto nos Estados de nos darem conferência, êles a contradisseram fortemente, e se excluíram de vir a ela; antes pediram licença para armar V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |52| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] contra Portugal em toda a parte, oferecendo que em dois meses [esquipariam] cincoenta fragatas de guerra, tanto para os mares do Reino, como para os das conquistas. [A00_0140 P. 234]. 47. exaltar 3 (3.3) (* x exaltar) y exaltar x ctb 1 ctb 2 ctb 77 dhpb 34 ctb 1 ctb 1 ... por onde se mais manifesta a esclarecida glória dos Reis de Portugal , pela nosso Senhor de todo os cabos tanto a [exaltar], que de Nobreza, e Realeza de sangue não menos, que de excelentes virtudes, fossem em tanto grau ilustrados. 48. favorecer 3 (3.3) (* x favorecer) y favorecer x Estes moradores todos pela maior parte se tratam muito bem, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e [favorecem] muito os pobres que começam a viver na terra. 49. fazer 3 (3.3) (* x fazer) y fazer x y fazer x de z y fazer x (a) z-DAT Trabalhaste muito de saber se os que te] teu carrego [fazem] justiça, e direito compridamente, e se a [fizerem], [faze]-lhe compridamente bem , e mercê Por esta barra se serviam antigamente, que é o lugar por onde costumavam os inimigos de [fazer] muito dano aos moradores . 50. provocar 3 (3.3) (* x provocar) y provocar x y provocar x (a) z-DAT Feyto iſto ſe uſará de remedios antimoniacs para [provocar] ſuor, cuſos, e vomitos; pois ſó os remedios aſperos lhe aproveyraráõ, lançando o veneno para fóra, que os brandos de nada ſerviráõ. [B00_0039 P. 467]. É o vício da carne neles tão usual, e comum, que o não tem por vício; nem ordinariamente os pais reparam nos filhos, ou filhas, no que imitam, assim como na desnudez os brutos; a que também os [provocam] 1o o clima por muito quente, 2o o exemplo dos mais, e a mesma desnudez de todos, 3o a ignorância de Deus, e a falta de leis, além da propensão da natureza corrupta. [A00_1834 P. 209]. 51. enviar 3 (3.3) (* x enviar) (y enviar x) x enviar y (a) z-DAT Vendo assi Dona Tareja Rainha como o Príncipe Dom Affonso seu filho a não queria soltar [enviou] seus recados o mais secreto que pôde a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador como El-Rei Dom Affonso seu avô... 52. espremer 3 (3.3) (* x espremer) (y espremer x ) y espremer x de z V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |53| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] Feito isto metem aquela massa em umas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas à maneira de cesto: e ali a [espremem] daquele sumo, de maneira que não fique dele nenhuma coisa por esgotar 53. deserdar 3 (3.3) (* x deserdar) (y deserdar x) y deserdar x de z ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 2 ctb 1 ctb 1 ctb 1 Filho Dom Affonso prendestes-me, e [deserdastes]-me da terra, e honra que me deixou meu pai ... 54. denunciar 3 (3.3) (* x denunciar) (y denunciar x) y denunciar x a z No que mostravam claramente estarem dispostos para receberem a doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse [denunciada] como gente que não tinha impedimento de ídolos, nem professava outra lei alguma que pudesse contradizer a esta nossa, como adiante se verá no capítulo que trata de seus costumes. 55. cultivar 3 (3.3) (* x cultivar) (y cultivar x) y cultivar x (a) z-DAT ... se uma pessoa chega na terra a alcançar dois pares, ou meia dúzia deles (ainda que outra coisa não tenha de seu) logo tem remédio para poder honradamente sustentar sua família: porque um lhe pesca , e outro lhe caça, os outros lhe [cultivam] e granjeiam roças ... 56. assegurar 3 (3.3) (* x assegurar) (y assegurar x) y assegurar x de z ... ao qual puseram então este nome, que hoje em dia tem de Porto Seguro, por lhes dar colheita e os [assegurar] do perigo da tempestade que levavam. 57. assinar 3 (3.3) (* x assinar) (y assinar x) y assinar x a z E ainda lhe [assinou] mais terra da que os Mouros possuíam, que a conquistasse, e tomando-a , a acrescentasse em seu Condado 58. despedir 3 (3.3) (* x despedir) (y despedir x) y despediu x a z Então [despediu] logo Pedro Álvares um navio com a nova a el-Rei Dom Manuel, a qual foi dele recebida com muito prazer e contentamento 59. desterrar 3 (3.3) (* x desterrar) (y desterrar x) y desterrar x de z-LOC Mas para que nesta parte magoemos ao Demônio , que tanto trabalhou e trabalha por extinguir a memória da Santa V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |54| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] Cruz , e [desterrá]-la dos corações dos homens ... 60. dever 3 (3.3) (* x dever) (y dever x) y dever x a z ctb 1 ctb 1 ctb 1 ... e que assi por ele cobrar o que seu era, como pelo que [devia] à virtude em acudir por uma sua tia posta fora de seu marido, e em prisão tão desonesta... 61. encarregar 3 (3.3) (* x encarregar) (y encarregar x) y encarregar x em z E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a Dom Eguas Moniz queria, de o [encarregar] em semelhante criação, por causa da aleijão da criança, contudo lhe a deu por lhe comprazer 62. estorvar 3 (3.3) (* x estorvar) (y estorvar x) y estorvar x (a) z-DAT E depois de haver bonança junta outra vez a frota, empegaram-se ao mar, assim por fugirem das calmarias de Guiné, que lhes podiam [estorvar] sua viagem, como por lhes ficar largo poderem dobrar o cabo de Boa Esperança. 342 IV.3 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB (complemento “apagável”) [x] [ x ][ z ] 1. falar 3 (3.3) (* x falar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y falar x y falar (x) ctb 2 ctb 8 ctb 3 Outros há pela costa tamanhos como melros, a que chamam Maracanãs: os quais tem a cabeça grande e um bico muito grosso: também são verdes e [falam] como cada um dos outros. Estes também [falam] e são muito formosos e aprazíveis em extremo . 2. comer 3 (3.3) (* x comer) y comer x y comer (x) Primeiramente tratarei da planta e raiz de que os moradores fazem seus mantimentos que lá [comem] em lugar de pão. 3. beber 3 (3.3) (* x beber) y beber x y beber (x) ... e é tanto o ímpeto de água doce que traz de todas as vertentes do Peru , que os navegantes primeiro no mar [bebem] suas águas, que vejam a terra de onde este bem V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |55| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] lhes procede. O sumo desta raiz não é peçonhento, como o que sai da outra, nem faz mal a nenhuma coisa ainda que se [beba]. 4. caçar 3 (3.3) (* x caçar) (y caçar x) y caçar (x) (a) z-DAT ctb 1 ctb 2 ... porque um lhe pesca, e outro lhe [caça], os outros lhe cultivam e granjeiam roças ... 5. cavar 3 (3.3) (* x cavar) (y cavar x) y cavar (x) Eu sou a Virgem Maria , que te mando que vai a um tal lugar, dando-lhe logo os sinais dele, e faze aí [cavar], e acharás aí uma Igreja que em outro tempo foi começada em meu nome, e uma Imagem minha; ... Desaparecida esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz , e alegre , como vassalo que com são , e verdadeiro amor amava seu Senhor, e suas coisas, e tanto que foi manhã levantou-se logo , e foise com gente àquele lugar , que lhe fora dito, e mandando aí [cavar] achou aquela Igreja , e Imagem pondo em obra todas as coisas que lhe Nossa Senhora mandara. 16 IV.4 Verbos em construções transitivas analisados como transitivos estritos no PB (objeto preposicionado) [x] [ x ][ z ] 1. adorar 3 (* x adorar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y-x adorar a x-z ctb 1 ctb 3 ctb 1 ctb 1 Não [adoram] a coisa alguma, nem tem para si que há depois da morte glória para os bons , e pena para os maus 2. amar 3 (* x amar) y amar x y-x amar a x-z Desaparecida esta visão ficou muito consolado Dom Eguas Moniz , e alegre , como vassalo que com são, e verdadeiro amor [amava] seu Senhor, e suas coisas mas segue todavia justiça temendo, e [amando] muito a Deus , para que sejas dos teus amado 3. aprazer 3 (* x aprazer) y-x aprazer a x-z Não devia de [aprazer] a Deus tal coisa que vós me queirais deitar fora da terra que meu pai ganhou. 4. bater 3 (* x bater) y-x bater em x-z V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |56| [x] [ x ][ z ] ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] E assim se punham de joelhos e [batiam] nos peitos , como se tiveram lume de Fé 5. 3 cometer (* x cometer) y-x cometer a x-z ctb 1 ctb 1 ctb 1 ctb 3 ctb 1 ctb 1 ctb 1 E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens : e nesta parte são tão ousados , que já aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar de um destes animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore , não bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos gritos do Índio , antes a todos os medos, se deixou estar muito seguro guardando sua presa , até que sendo noite se tornaram outra vez, sem ousarem de lhe fazer nenhuma ofensa , dizendo ao Índio que se deixasse estar , que ele se enfadaria de o esperar 6. comprazer 3 (* x comprazer) y-x comprazer a x-z E o Conde posto que tivesse grande pejo pelo bem que a Dom Eguas Moniz queria, de o encarregar em semelhante criação , por causa da aleijão da criança , contudo lhe a deu por lhe [comprazer], e quando Dom Eguas viu a criança tão formosa , e com tal aleijão, houve muita grande dó dela, ... 7. 3 confiar (* x confiar) y-x confiar em x-z ... houve muita grande dó dela, .e [confiando] em Deus, que lhe poderia dar saúde, a tomou, e fez criar, não com menos amor , e cuidado como se fora sã. 8. 3 confinar (* x confinar) y-x confinar com x-z Está formada esta província à maneira de uma harpa: cuja costa pela banda do Norte corre do Oriente ao Ocidente e está olhando direitamente a Equinocial . E pela do Sul [confina] com outras províncias da mesma América povoadas e possuídas de povo gentílico com que ainda não temos comunicação. 9. 3 consistir (* x consistir) y-x consistir em x-z ... que todo o governo, e bem comum [consiste] principalmente em duas coisas, a saber: ... 10. 11. contradizer curar 3 3 (* x contradizer) y-x contradizer a x-z (* x curar) y curar de x No que mostravam claramente estarem dispostos para receberem a doutrina Cristã a todo tempo que lhes fosse denunciada como gente que não tinha impedimento de ídolos , nem professava outra lei alguma que pudesse [contradizer] a esta nossa... . Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se acolher, e que sua mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado muitas vezes vemos as mães com novos esposos se tornarem madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |57| [x] [ x ][ z ] 12. desafiar 3 (* x desafiar) ↔ [ x ][ y ] [ x ][ y ][ z ] y desafiar a x ctb 2 ctb 2 ctb 2 ctb 1 ctb 5 Quando ele viu a terra tomada mandou [desafiar] a El-Rei Dom Affonso de Castela chamado Imperador seu primo com irmão filho do Conde Dom Reymão de Tolosa 13. diferir 3 (* x diferir) y diferir de x Estes animais parecem-se naturalmente com gatos, e não [diferem] deles em outra cousa salvo na grandeza do corpo, porque alguns são tamanhos como bezerros, e outros mais pequenos. 14. distar 3 (* x distar) y distar de x [Dista] o seu princípio dois graus da equinocial para a banda do Sul, e daí se vai estendendo para o mesmo Sul até quarenta e cinco graus . 15. encontrar 3 (* x encontrar) y encontrar com x A batalha foi gravemente pelejada, e o Príncipe Dom Affonso lançado do campo desbaratado, e indo ele assi uma légua de Guimarães [encontrou] com Dom Eguas Moniz seu Aio, que o vinha ajudar 16. alcançar 3 (* x alcançar) x alcançar a y y alcançar x de y ... se acertam de suar ficam muito mais odoríferos e [alcança] o cheiro a todos os circunstantes. Também há muito pau brasil nestas capitanias de que os mesmos moradores [alcançam] grande proveito 27 V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |58| 2.2 Padrões de expressão dos argumentos 2.2.1 Padrão geral de expressão dos sujeitos • O Gráfico 1 mostra que considerando o conjunto de todas as orações incluídas neste estudo, a proporção é de 57% de sujeitos nulos, contra 43% de expressão lexical (nominal e pronominal): GRÁFICO 1: Sujeitos nulos versus lexicais lexicais x nulos: panorama geral sujeito nulo: 57% sujeito lexical: 43% 2.2.2 Padrões de expressão dos sujeitos segundo “agentividade” Os Gráficos 2 e 3 a seguir mostram a proporção de nulos e lexicais segundo a “agentividade” do argumento sujeito. As orações foram separadas pela interpretação mais ou menos “agentiva” dos argumentos em posição de sujeito, formando dois grupos, e a proproção de sujeitos nulos e lexicais foi medida em cada um: • O Gráfico 2 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “mais agentivos”: são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos neste grupo é portanto maior do que aquela atestada para o geral dos dados (65% contra 57%, 8 pontos de diferença) • O Gráfico 3 mostra a proporção de nulos e lexicais nas orações com sujeitos “menos agentivos”: são exatamente 50% de sujeitos nulos e 50% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos é portanto 7 pontos mais baixa que o geral (50% contra 57%). • Note-se, portanto, que a proporção de nulos entre sujeitos “agentivos” foi mais alta que entre “não-agentivos” (15 pontos, 65% contra 50%) . V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |59| GRÁFICO 2: Sujeitos nulos versus lexicais, sujeitos [ + agentivos ] lexicais x nulos: sujeito [ + agentivo ] (todos os verbos) sujeito nulo 65% sujeito lexical 35% GRÁFICO 3: Sujeitos nulos versus lexicais, sujeitos [ - agentivos ] lexicais x nulos: sujeito [ - agentivo ] (todos os verbos] sujeito lexical 50% S +ag, lexical (35%) versus S +ag, nulo (65%) sujeito nulo 50% Tipo de dados contrastados no gráfico 2: (a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: ... (b) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou (c) ... e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido. (d) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa, e veio-se a Guimarães onde o Conde estava (e) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga (f) ... ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho Tipo de dados contrastados no gráfico 3: S – ag, (a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras lexical (b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]-lhes (50%) um temporal, que foi causa de as não poderem tomar... (c) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima versus S – ag, nulo (50%) (g) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos, e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam (d) E havendo já um mês, que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província (e) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |60| 2.2.3 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese comparadas Os gráficos 3, 4 e 5 a seguir mostram o cenário da expressão dos sujeitos em cada um dos grupos de diátese potencial aqui considerados, tomando separadamente as orações referentes a cada grupo e medindo a proporção de sujeitos nulos contra lexicais: • O Gráfico 4 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 1 (verbos intransitivos estritos): são 36% de sujeitos nulos, e 64% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos no Grupo 1 é portanto notavelmente mais baixa que para o geral dos dados (21 pontos de diferença, 36% contra 57%). • O Gráfico 5 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 2 (verbos transitivos ou intransitivos): são 65% de sujeitos nulos, e 35% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos no Grupo 2 é portanto ligeiramente mais alta que para o geral dos dados (8 pontos de diferença, 65% contra 57%). • O Gráfico 6 mostra a proporção de nulos e lexicais para os dados referentes ao Grupo 3 (verbos transitivos estritos): são 56% de sujeitos nulos, e 44% de lexicais. A proporção de sujeitos nulos no Grupo 3 é portanto praticamente a mesma que para o geral dos dados (1 pontos de diferença, 56% contra 57%). V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |61| GRÁFICO 4: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 1 lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1 sujeito lexical 64% sujeito nulo 36% GRÁFICO 5: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 2 lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2 sujeito nulo: 65% sujeito lexical : 35% GRÁFICO 6: Sujeitos nulos versus lexicais, Grupo 3 lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3 sujeito nulo: 56% sujeito lexical : 44% V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |62| Tipo de dados contrastados no gráfico 4: S (± ag) Grupo 1 lexical (64%) versus S (± ag) Grupo 1 nulo (36%) (a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: (b) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras (c) e tanto que ele [ faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe (d) Desta doença se veio a [finar] o Conde Dom Anrique em Estorgua (e) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos (f) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam (g) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve de tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja. (h) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava Tipo de dados contrastados no gráfico 5: S (± ag) Grupo 2 lexical (35%) (a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou (b) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar, e de se apartarem alguns navios da companhia. versus S (± ag) Grupo 2 nulo (65%) (c) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga (d) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província Tipo de dados contrastados no gráfico 6: S (± ag) Grupo 3 lexical (44%) versus S (± ag) Grupo 3 nulo (56%) (a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima (b) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido. (c) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra (d) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho, se mais puder que nós. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |63| 2.2.4 Padrões de expressão dos sujeitos segundo classes de diátese e “ agentividade ” Os gráficos 7 a 12 mostram a o cenário da expressão dos sujeitos quando ao combinarmos o critério de mais ou menos “agentividade” do argumento sujeito com o critério de padrão de diátese dos verbos. No interior de cada grupo anteriormente considerado, agora separamos os sujeitos interpretados como “mais agentivos” dos “menos agentivos”: • O Gráfico 7 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do Grupo 1 (verbos intransitivos estritos): são 38% de sujeitos nulos, e 62% de lexicais. • O Gráfico 8 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo grupo: 67% de sujeitos nulos, e 33% de lexicais. Para os verbos intransitivos, portanto, a “agentividade” é um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil ( 29 pontos, 67% versus 38%). • O Gráfico 9 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do Grupo 2 (verbos de alternância transitiva no PB): são 55% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais. • O Gráfico 10 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo grupo: 84% de sujeitos nulos, e 16% de lexicais. Para esses verbos, portanto, a “agentividade” é novamente um fator muito relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo, fazendo uma diferença grande entre os sujeitos nulos de cada perfil (29 pontos, 84% versus 55%). • O Gráfico 11 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “menos agentivos” do Grupo 3 (verbos transitivos estritos): são 65% de sujeitos nulos, e 45% de lexicais. • O Gráfico 12 mostra a proporção de nulos e lexicais para os sujeitos “mais agentivos” do mesmo grupo:59% de sujeitos nulos, e 41% de lexicais. Para esses verbos, em contraste com os anteriores, a “agentividade” não aparece como fator relevante na probabilidade de o sujeito ser nulo. Ao contrário, os sujeitos “mais agentivos” desse grupo tem probabilidade ligeiramente menor de aparecerem nulos (menos 6 pontos, 65% versus 59%). V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |64| GRÁFICO 7: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 1, [ - agentivos] lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1, sujeitos [ - agentivos ] sujeito lexical 68% sujeito nulo 32% GRÁFICO 8: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 1, [ + agentivos] lexicais x nulos: verbos intransitivos estritos, Grupo 1, sujeitos [ + agentivos ] sujeito nulo 67% sujeito lexical 33% Tipo de dados contrastados no gráfico 7: S – ag Grupo 1 lexical (68%) versus S – ag Grupo 1 nulo (32%) (a) E tanto que as tais castanhas são maduras, [caem] estas sapadoiras (b) e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe (c) A viração destes ventos entra ao meio dia pouco mais ou menos , e dura até de madrugada: então __ [cessa] por causa dos vapores da terra que o apagam (d) Senhor, antes cuido eu que por meus pecados __ [aconteceu]; mas pois a Deus aprouve de tal ser minha ventura , dayme todavia vosso filho , quejando quer que seja Tipo de dados contrastados no gráfico 8: S + ag Grupo 1 lexical (33%) versus S + ag Grupo 1 nulo (67%) (a) E jazendo Dom Eguas uma noite dormindo, sendo já o Menino de cinco anos , lhe [apareceu] nossa Senhora , e disse: (b) e portanto faze filho sempre como [ajam] todos direito assi grandes como pequenos (c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, __ [cavalgou] à pressa , e veio-se a Guimarães onde o Conde estava GRÁFICO 9: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 2, [ - agentivos] V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |65| lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2, sujeitos [ - agentivos ] sujeito lexical 55% sujeito nulo 45% GRÁFICO 10: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 2, [ + agentivos] lexicais x nulos: verbos de alternância transitiva, Grupo 2, sujeitos [ + agentivos ] sujeito nulo 84% sujeito lexical 16% Tipo de dados contrastados no gráfico 9 S – ag Grupo 2 lexical (55%) versus S – ag Grupo 2 nulo (45%) (a) E sendo já entre as ilhas do Cabo Verde (as quais iam demandar para fazer aí aguada ) [deu]lhes um temporal, que foi causa de as não poderem tomar (b) E havendo já um mês , que iam naquela volta navegando com vento próspero, __ foram [dar] na costa desta província Tipo de dados contrastados no gráfico 10: S + ag Grupo 2 lexical (16%) versus S + ag Grupo 2 nulo (84%) (a) Minha é a terra e serra, que meu pai ma [deu], e ma deixou (b) ... e estando assim a par com ele, __ [deu]-lhe uma estocada pela barriga V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |66| GRÁFICO 11: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 3, [ - agentivos] lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3, sujeitos [ - agentivos ] sujeito nulo 65% sujeito lexical 35% GRÁFICO 12: Sujeitos nulos vs. lexicais, Grupo 3, [ + agentivos] lexicais x nulos: verbos transitivos estritos, Grupo 3, sujeitos [ + agentivos ] sujeito nulo 59% sujeito lexical 41% Tipo de dados contrastados no gráfico 11: S – ag (a) ... e cada estaca destas [ cria ] três ou quatro raízes e daí para cima Grupo 3 lexical (35%) versus S – ag Grupo 3 nulo (65%) (b) E acima desta cachoeira se mete o mesmo rio debaixo da terra e vem sair daí uma légua : e quando há cheias arrebenta por cima e __ [arrasa] toda a terra Tipo de dados contrastados no gráfico 12: S + ag Grupo 3 lexical (41%) S + ag grupo 3 nulo (59%) (a) Filho Dom Affonso prendestes-me, e deserdastes-me da terra e honra que me [deixou] meu pai, e quitaste-me de meu marido. (b) Não andemos mais neste debate, ou vós vos ireis comigo para Gualiza, ou __ [deixareis] a terra a vosso filho, se mais puder que nós. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |67| 3. Detalhamento 3.1 Observações iniciais Conforme já mencionei em diversos pontos, este estudo está preocupado centralmente com o problema da flexibilidade de diáteses, em especial a partir da seguinte afirmação de Negrão & Viotti (2008): “Em português brasileiro, diferentes tipos de verbo sofrem mudanças em sua estrutura temática e permitem certas realizações sintáticas de sua estrutura argumental que, em português europeu, ou não são possíveis, ou são restritas a uma classe específica e limitada de verbos”. Essa observação motivou a comparação entre as diáteses do PB e as diáteses do português falado no período colonial – ou seja, do Português Clássico. Vimos já, na apresentação dos resultados preliminares, que no corpus relativo ao PC os verbos apresentam uma flexibilidade de diátese muito menor do que aquela hoje observada no PB, o que confirma a idéia de Negrão & Viotti (2008) quanto à singularidade dessa propriedade do PB – nesse caso, sua singularidade na diacronia do português. Isso se aplica, sobretudo, ao fenômeno da alternância de transitividade, como vou comentar mais adiante. Quero observar, entretanto, um aspecto da análise das diáteses no corpus que me parece importante, e que remete a uma preocupação central deste trabalho. Os dados do PC pesquisados, embora revelem esse contraste em relação ao PB, me parecem muito distantes daquilo que eu chamei de “português padrão difuso” (em Paixão de Sousa 2008a e Paixão de Sousa 2008c), a língua que tendemos a tomar como ponto de comparação diacrônica quando tratamos das mudanças ou inovações do Português Brasileiro. Como observei naquele trabalho, muitas vezes qualificamos como “inovações” do PB características muitas vezes já presentes em estágios anteriores da língua; em outras, deixamos de observar o ponto exato em que o PB de fato inova. Podemos notar, nesse sentido, que os verbos analisados neste estudo apresentam algumas construções que não se atestam nos dicionários tradicionais, como: {aproveitar}, intransitivo, sujeito paciente: (a) Também [aproveita] para as mesmas enfermidades, e aqueles que o alcançam têm-no em grande estima e vendem-no por muito preço {acrescentar}, transitivo, sujeito paciente: (b) E como todos estes procedam da parte do mar, ventam puros e coados, que não somente não danam: mas recreiam e [acrescentam] a vida do homem. {abastar}, transitivo, sujeito paciente (versus {bastar}, intransitivo) (c) ...Além deste mantimento, há na terra muito milho zaburro de que se faz pão muito alvo , e muito arroz, e muitas favas de diferentes castas , e outros muitos legumes que [abastam] muito a terra. {caber}, intransitivo, sem complemento locativo expresso V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |68| (d) Seu gosto hé falar de Deos e ler por livros spirituais, e agora que vierão os filhos não [cabe] de alegria por ver que a descarregarão da governança e que tem tempo para se dar a Deos. {abrir}, intransitivo, sujeito paciente: (e) Esta erva toda a noite está murcha, e como dormente, e em nascendo o sol torna a [abrir], e quando se põe torna a fechar. {quebrar}, intransitivo, sujeito paciente: (f) Segunda-feira, 22 de Outubro (e) no quarto de alva, me [quebrou] o aúste da âncora, de forma que tornei outra vez a caçar como dantes. As construções “inesperadas” desse levantamento, de modo geral, remetem à realização de sujeitos pacientes, verificando-se no corpus construções dessa natureza não apenas com verbos tradicionalmente esperados, mas também com verbos como {abrir}, {dar}, {quebrar} – com diátese alternante. Inversamente, entrentanto, notei que algumas construções avaliadas como transitivizações inovadoras do PB aparecem também no corpus, sendo até, em alguns casos, a construção preferida de determinados verbos, como {casar} (em “O rei casou a filha”). Saliento este ponto principalmente no sentido de reafirmar o interesse do estudo comparado entre o Português Brasileiro e o Português Clássico. Entretanto, a idéia deste trabalho não é listar pontos de contrastes isolados, mas sim compreender padrões que permitam uma comparação gramatical entre os dois estágios de língua – ou seja, o objetivo é interpretar os resultados do levantamento de dados em termos de evolução diacrônica. Aqui chego a um problema central para este estudo: a variação diacrônica na diátese verbal é um problema fundamentalmente lexical, ou fundamentalmente gramatical? Num estudo de mudança, em princípio, uma “reorganização” do inventário lexical de verbos em torno de estruturas argumentais possíveis não é uma mudança gramatical, é uma mudança no léxico. Assim, uma coisa será dizermos que determinados verbos (i.e.: determinados itens lexicais) que apresentavam valência “a” num estágio de língua passam a apresentar valência “b” num outro estágio; outra, bem diferente, é dizer que um estágio de língua apresenta uma organização diferente entre léxico, semântica e sintaxe, que tem como efeito essa aparente migração de certos itens lexicais para diferentes classes. O problema remete de fato ao “cerne” do estudo da estrutura argumental: ele é um estudo na confluência de léxico, semântica, sintaxe, como observam, entre outros, Du Bois (2001), Perini (2008). Embora, naturalmente, aqui não se trate de buscar algum tipo de resolução para esse problema, observo que este estudo pode mostrar que, no caso específico da mudança entre o PC e o PB, os contrastes nas diáteses de certos verbos são reveladores de contrastes gramaticais importantes. Aqui volto ao que afirmei acima sobre a questão de compreendermos onde o Português Brasileiro de fato inova. Os dados desse levantamento mostram que a construção com sujeito paciente faz parte da gramática do Português Clássico (como indicam os dados acima, até em construções inesperadas), mas que nessa gramática o “sujeito” está muito fortemente ligado a uma hierarquia de realizações argumentais encabeçada V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |69| claramente pela propriedade semânticas ligadas à agentividade. Ao contrário, me parece que no Português Brasileiro o “sujeito” é muito menos ligado à agentividade. Essa hipótese não se fundamenta estritamente nos contrastes de diátese observados em si, mas sim na combinação desses contrastes e outras propriedades da expressão dos sujeitos no PC e no PB. Por isso, neste Detalhamento vou apresentar as observações realizadas ao longo do estudo sob o prisma da expressão dos sujeitos nas realizações dos verbos estudados. Vou me preocupar com dois aspectos, nesse contexto: quantos e quais argumentos aparecem na grade temática de cada verbo (3.2); quais deles podem aparecer como sujeitos sintáticos, e sob que forma (3.3). 3.2 Exame das alternâncias Começamos pela exposição resumida dos dados que precisamos analisar. Em primeiro plano coloco os dados referentes à alternância de transitividade, aspecto no qual há contrastes importantes entre os dados atestados no corpus do Português Clássico e a minha intuição para o Português Brasileiro, compondo o seguinte quadro aproximado de exemplos paradigmáticos: Alternância de Transitividade: PC: (*) (*) (*) (*) PB: [ intransitividade] O rei faleceu O conde agiu A fruta amadureceu O menino correu A flor abriu O mastro quebrou O âmbar endureceu O sal dissolveu O castelo entregou O reino defendeu O rei faleceu O conde agiu A fruta amadureceu O menino correu O âmbar endureceu O sal dissolveu A flor abriu O mastro quebrou O âmbar endureceu O sal dissolveu * O castelo entregou * O reino defendeu (*) (*) (?) (?) [ transitividade ] O príncipe faleceu o rei A rainha agiu o conde O calor amadureceu a fruta O grito correu o menino O sol abriu a flor A tempestade quebrou o mastro A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O rei entregou o castelo O conde defendeu o reino * O príncipe faleceu o rei * A rainha agiu o conde O calor amadureceu a fruta O grito correu o menino A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O sol abriu a flor A tempestade quebrou o mastro A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O rei entregou o castelo O conde defendeu o reino V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |70| O esquema de sombreamento aplicado ao quadro acima pretende mostrar visulamente o fato de que no PB há maior circulação dos verbos entre a transitividade e a intransitividade. Essa “amplificação” da alternância transitiva será considerada aqui como ponto-chave para a compreensão do contraste diacrônico entre PC e PB. Entretanto, o quadro acima não está completo; entre o “+” e o “–” transitivo, me parece, temos as construções com SE, como comentarei mais adiante; considerando isso, comporíamos o seguinte quadro alternativo: Alternância de Transitividade, 2: [ intransitividade] PC: (*) (*) (*) (*) PB: * * [ transitividade ] ←→ O rei faleceu O conde agiu A fruta amadureceu O menino correu A flor abriu O mastro quebrou O âmbar endureceu O sal dissolveu O castelo entregou O reino defendeu (*) O rei se faleceu (*) O conde se agiu (?) A fruta se amadureceu O menino se correu A flor se abriu O mastro se quebrou O âmbar se endureceu O sal se dissolveu O castelo se entregou O reino se defendeu (*) (*) (?) (?) O príncipe faleceu o rei A rainha agiu o conde O calor amadureceu a fruta O grito correu o menino O sol abriu a flor A tempestade quebrou o mastro A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O rei entregou o castelo O conde defendeu o reino O rei faleceu * O rei se faleceu * O príncipe faleceu o rei O conde agiu A fruta amadureceu O menino correu O âmbar endureceu O sal dissolveu A flor abriu O mastro quebrou O âmbar endureceu O sal dissolveu O castelo entregou O reino defendeu * O conde se agiu ? A fruta se amadureceu O menino se correu O âmbar se endureceu O sal se dissolveu A flor se abriu O mastro se quebrou O âmbar se endureceu O sal se dissolveu O castelo se entregou O reino se defendeu * A rainha agiu o conde O calor amadureceu a fruta O grito correu o menino A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O sol abriu a flor A tempestade quebrou o mastro A água endureceu o âmbar O ácido dissolveu o sal O rei entregou o castelo O conde defendeu o reino Em segundo lugar, temos dados que eu colocaria em outro plano, referente aos verbos transitivos que podem apresentar diferentes qualidades de argumentos como sujeitos. Essa alternância, que eu chamaria preliminarmente de alternância “entre causadores” , não se mostra essencialmente diferente entre PC e PB. O quadro só fica interessante quando combinamos essa propriedade com a propriedade de alternância de transitividade, uma vez que alguns dos verbos que aceitam alternância de causadores no PB aceitam também alternância de transitividade, como veremos. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |71| Alternância “entre causadores”: PC/PB: [ transitividade ] A princesa abriu a flor com o leque O leque abriu a flor O capitão quebrou o mastro com o machado O machado quebrou o mastro O cientista endureceu o âmbar com água A água endureceu o âmbar O cientista dissolveu o sal no ácido O ácido dissolveu o sal O conde defendeu o reino com armas As armas defenderam o reino O rei entregou o castelo aos inimigos (*) Os inimigos entregaram o castelo Esses quadros resumem o que eu considero serem os contrastes principais que o prosseguimento dessa pesquisa precisará compreender em termos de mudança lingüística. Para isso será preciso pensar todo um campo de conceitos sobre a alternância de realização de argumento – sobretudo, frente à própria natureza do fenômeno da alternância, que pode ser abordada de modos variados, como tento resumir aqui. No estudo das alternâncias, B. Levin, em Levin (1993), estabeleceu um paradigma segundo o qual a semântica e a sintaxe dos verbos estão estreitamente relacionadas: The behaviour of a verb, particularly with respect to the interpretation and expression of its arguments, is to a large extent determined by its meaning. Thus verb behaviour can be used effectively to probe for linguistically relevant pertinent aspects of verb meaning (Levin 1993:1). A tradição de estudos nessa linha, no geral, parte do princípio de que é possível compreender ou até prever o comportamento sintático dos verbos a partir das classes semânticas apontadas por Levin como pertinentes para a compreensão dos aspectos gramaticalmente relevantes da semântica verbal. Esta pesquisa, por enquanto, ainda não chegou a esse plano de refinamento da análise, por uma razão central. A metodologia inaugurada por Levin (1993), em meu entendimento, parte da semântica dos verbos para estudar sua sintaxe. Entretanto, no caso específico de um estudo diacrônico, a semântica é justamente o plano de maior dificuldade de análise, em especial no nível de detalhamento dos trabalhos filiados a Levin (1993). O plano mais seguro de descrição, e que a meu ver deve ser o ponto de partida de um trabalho diacrônico, são as “construções” – a sintaxe, e ainda mais, a sintaxe “superficial”. Ou seja: aquilo que de fato podemos observar num primeiro momento. Nas próximas etapas da pesquisa buscarei analisar as construções já descritas no levantamento a partir da perspectiva das classes semânticas, na esperança de compreender melhor os padrões de realização dos argumentos. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |72| Entretanto, me parece que, mesmo com o aprofundamento da pesquisa nos dados, uma abordagem mais fina da semântica dos verbos em uma perspectiva diacrônica será extrememante delicada. Avalio isso por causa do problema central da “uniformidade lexical”, e para explicá-lo, vou partir de uma contraposição que me parece fundamental: a contraposição entre as abordagens mais lexicais e mais sintáticas da alternância verbal. No primeiro caso, estamos no campo dos estudos de “valência”; no segundo, no campo dos estudos da “estrutura argumental”. O termo “valência” aplicado à linguagem foi introduzido por Lucien Tesnière em 1959, e toma emprestado o termo usado na química orgânica: em química, “valência” é um número que indica a capacidade que um átomo de um elemento tem de se combinar com outros, medida pelo número de elétrons que um átomo pode dar, receber, ou compartilhar de forma a constituir uma ligação química, de acordo com o número de espaços omissos nas camadas eletrônicas do átomo. Para Tesnière, o “verbo” pode ser comparado a um átomo, podendo exercer seu poder de atração sobre um número maior ou menor de particiapantes (“actants”) no processo que expressa. Os verbos se classificariam de acordo com o número de “participantes” que consegue atrair: zero (“Valência-0”), como nos impessoais; um (Valência-1), como nos tradicionais intransitivos; dois (Valência-2), os tradicionais transitivos; e 3 (Valência-3), os verbos com participantes “dativos”. Assim como os átomos, os verbos seriam monovalentes, bi-valentes, tri-valentes, etc. Aqui importa sobretudo notar que apesar da distinção fundamental de Tesnière, entre “actantes” e “circunstantes” (esses últimos, meras expressões do lugar, tempo, ou modo do processo expresso pelo verbo), a noção de valência não se funda numa hierarquia lógica entre os termos (ao menos, entre os participantes atraídos). Fundamentalmente, podemos entender que a proposta de Tesnière conceitua “argumentos” como “participantes”, elementos diretamente dependentes do verbo. A “estrutura argumental”, em contraste, é uma noção fundamentalmente geométrica: a descrição da estrutura deve incluir relações lógicas de dependência e dominância entre os argumentos do verbo. O conceito é trazido para a lingüística a partir de uma longa tradição da filosofia, e mais precisamente depois de sua aplicação na lógica formal de G. Frege (Frege (1879), (1918 (2002)) . Na sua origem portanto, o conceito de “argumento” se presta à análise lógica da predicação abstrata; trata-se, de partida, de uma noção estruturante. Podemos observar a diferença entre os dois conceitos pela própria notação adequada a cada um deles: uma notação mínima da estrutura argumental deve descrever hierarquias, enquanto a notação de valência é plana: valência: = [ V ] =, ou [ NP V NP ] estrutura argumental: [ NP [ verbo [ NP ] ] ] Note-se portanto que a idéia de “valência” remete primordialmente à descrição de um item lexical, V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |73| enquanto a idéia de “estrutura argumental” remete primordialmente à descrição de um predicado. Essa distinção resumida reflete diretamente no problema da noção de “alternância”. Do ponto de vista dos estudos de valência, a “alternância verbal” pode ser definida por exemplo como “a ocorrência de um verbo em mais de uma moldura de valência” (Alencar 2005). Nesse sentido, fala-se em “construções alternativas”, não se remetendo, necessariamente, a relações de derivação ou transformação entre uma e outra construção. Do ponto de vista dos estudos centrados na estrutura argumental, em oposição, a “alternância” é normalmente pensada como diferentes realizações estruturais de um mesmo verbo, que passa por “processos” de transitivização, de-transitivização, etc. O exame dos contrastes abaixo pode nos mostrar a amplitude da diferença entre essas abordagens. As orações em (a) e (b) têm a estrutura básica [NP [ V NP ]], ou seja, “transitiva”; os sujeitos são argumentos com papel temático de “agentes”, e os complementos, “pacientes”. As orações em (c) e (d), com os mesmos verbos, têm a estrutura básica [NP [ V ]], ou seja, “intransitiva”, e seus sujeitos são argumentos com papel temático de “pacientes”: (a) O menino quebrou o copo (b) A moça abriu a porta (c) O copo quebrou (d) A porta abriu Esse contraste clássico embute duas possibilidades básicas de análise. Podemos dizer que os verbos {quebrar} e {abrir} apresentam mais de uma “moldura de valência”, V-1 e V-2. Em em (a) e (b) vemos esses verbos construídos conforme a moldura transitiva, e em (c) e (d) conforme sua moldura intransitiva. Desse ponto de vista, os verbos {abrir} e {quebrar} podem ser analisados (cada um) como duas entradas lexicais: {abrir} transitivo, e {abrir} intransitivo; {quebrar} transitivo e {quebrar} intransitivo. De outro lado, podemos ver em (c) e (d) transformações das estruturas de (a) e (b), ou seja, detransitivizações. Desse ponto de vista, há apenas uma entrada lexical para cada verbo, e quaisquer diferenças devem remeter a operações da gramática sobre o léxico. Nessa linha de análise das alternâncias, as alterações na estrutura argumental serão conceituadas como supressões e promoções de diferentes papéis temáticos por por meio de mecanismos sintáticos. Podemos avaliar isso examinando um exemplo de análise essencialmente transformacional, a de Inês Duarte e Ana Maria Brito (Duarte & Brito, 2003), para algumas alternâncias importantes do português que aqui focalizamos, e que elas reúnem na “família das construções inacusativas” do PE: “A família das inacusativas”, Duarte & Brito (2003): “Promoção de argumento tema: verbos mono-argumentais” (a) [O Pedro]-TEMA chegou (b) [As flores]-TEMA murcharam “Promoção de argumento tema e supressão de argumento fonte: verbos de Alternância Incoativa” (a) [ O calor ]-FONTE derreteu [a manteiga] TEMA V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |74| (b) [ A manteiga ]-TEMA derreteu com o calor (c) [ A manteiga ]-TEMA derreteu “Promoção de argumento tema e supressão de argumento agente: Construções Passivas” (a) [Os alunos ]-AGENTE compraram [ o livro ]-TEMA (b) [ O livro ]-TEMA foi comprado pelos alunos (c) [ O livro ]-TEMA foi comprado (d) [ O livro ]-TEMA comprou-se Para Duarte & Brito, as propriedades de promoção e supressão de argumentos ... podem ser o resultado de características idiossincráticas do verbo, i.e., do facto de o verbo escolhido ser inacusativo, [cf. {O Pedro chegou}], ou podem ser o efeito de processos sintácticos ou morfo-sintácticos que inacusitivizam um verbo transitivo [cf. {A manteiga derreteu}] (Duarte & Brito 2003:509, [meu grifo]). Quanto aos verbos “inacusativizáveis”, ou “de-transitivizáveis”, ou de “alternância causativa”, como {derreter}, a autora destaca o problema que nós comentávamos acima: ... é necessário decidir se o léxico do português contém uma entrada lexical causativa e uma entrada lexical inacusativa para um verbo de alternância causativa ou se apenas contém uma entrada lexical (a causativa), da qual se deriva, por operações lexicais sobre os papéis temáticos, a variante inacusativa. Adopta-se aqui a segunda posição, que se pode sintetizar através da seguinte generalização: Princípio da Uniformidade Lexical: Cada conceito verbal corresponde a uma entrada lexical com uma estrutura temática: abrir V: θ1 θ2 , derreter V: θ1 θ2 Desta perspectiva, portanto, um verbo como {chegar} tem a estrutura temática V: θ1, e a realização de argumento “tema” como sujeito se explica, muito simplesmente, pela falta de outras opções. Já um verbo como {derreter} tem a estrutura temática básica V: θ1 θ2, e uma construção com sujeito “tema”, como {A manteiga derreteu}, é analisada como a realização intransitiva desse verbo, possível mediante a supressão do primeiro de seus papéis temáticos (θ1) e consequente promoção do segundo papel temático (θ2) a sujeito. A “alternância”, portanto, manifesta uma operação de transformação, ou “Redução Lexical”: Uma vez que a operação lexical de Redução suprime o papel temático externo, o verbo perde a capacidade de legitimar casualmente o seu argumento interno directo, pelo que a forma resultante da operação de Redução tem as propriedades de um verbo inacusativo. Passo agora a expor os problemas que essa linha de abordagem me parece trazer para um estudo centrado na mudança lingüística. Antes de tudo, ao longo desta pesquisa, tive diversas oportunidades para observar as dificuldades que o “princípio da uniformidade lexical” traz para a análise diacrônica dos verbos. Para mim não é banal entender precisamente a idéia de “conceito verbal” ao longo do eixo temporal. Vamos observar, por exemplo, as seguintes orações, com os verbos {cometer}, {curar}, {criar}: (a) E pelo conseguinte quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens : e nesta parte são tão ousados , que já aconteceu trepar-se um Índio a uma árvore por se livrar V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |75| de um destes animais , que o ia seguindo , e por-se o mesmo Tigre ao pé da árvore , não bastando a espantá-lo alguma gente que acudiu da povoação aos gritos do Índio , antes a todos os medos, se deixou estar muito seguro (b) Quando o Príncipe Dom Affonso Anriques viu que não tinha onde se acolher, e que sua mãe tão pouco dele [curava], segundo mal pecado muitas vezes vemos as mães com novos esposos se tornarem madrastas, trabalhou de lhe furtar dois Castelos (c) Jaború é outra ave tamanha como um grou, tem a côr cinzenta, as pernas compridas, o bico delgado e mais que de palmo de comprido; estas aves [criam] em terra ao longo do salgado, e comem o peixe que tomam no mar, perto da terra por onde andam No exemplo (a), em {quando se vem perseguidos da fome, também [cometem] aos homens}, reconheço em {cometer} o sentido de 'atacar, acometer'. Na acepção atual desse verbo, segundo os principais dicionários, as acepções registradas para {cometer} são algo como: “1. Fazer, praticar, prepetrar”; “2. Empreender, tentar”; “3. Propor, oferecer”; “4. Arriscar-se, expor-se (a)” (Borba, 1991: 289:290). Não encontrei registro da acepção “atacar” nos dicionários atuais. No exemplo (b), em {que sua mãe tão pouco dele [curava]}, reconheço em {curar} a acepção de 'cuidar, preocupar-se com'. Nos dicionários, atuais, {curar} aparece com as seguintes acepções: “1. Restabelecer a saúde de”; “2. Corrigir”; “3. Secar ao calor ou ao fumeiro”; “4. Branquear, corar”; e “4. Cuidar, tratar” (Borba 1991: 360). A última acepção registrada por Borba, portanto, se aproxima daquela encontrada no corpus; entretanto, note-se a especificação do autor: “III. Indica ação, com sujeito agente e com complemento da forma de + oração infinitiva: Nem cuidei de saber a data do concurso; Previdente, o funcionário cuidou de dar todas as informações”. Assim, não apenas {curar} 'cuidar, tratar' é a última acepção registrada no dicionário de Borba (o que indica ser a menos usual), como está relacionada a uma construção que não remete exatamente àquela que se registra no corpus (cuidar de NP, não cuidar de + infinitiva). Por fim, no exemplo (c), entendo {criar} no sentido de 'procriar, dar cria'. Nos dicionários atuais {criar} apresenta múltiplas acepções (12 em Borba 1991), e apenas Borba (1991: 355) dá, dentro da acepção “Dar existência a, gerar” - um exemplo de construção sem complemento (Chamam de maninha a vaca que não cria), sem comentar a construção. Note-se que pelo meu levantamento até este ponto, das cerca de 709 ocorrências de {criar}, cerca de 300 têm essa acepção de 'procriar' e essa construção sem complemento. Vem agora a minha pergunta: será metodologicamente correto analisarmos as diferentes construções possíveis com {criar}, {curar}, {cometer}, no PB e no PC, como alternâncias resultantes de operações gramaticais sobre as mesmas entradas lexicais ? Lembrando a definição de Duarte & Britto (2003) para o princípio da uniformidade lexical (que funda sua teoria da redução lexical como explicação para a alternância) – serão {cometer} 'atacar' e {cometer} 'perpetrar' um mesmo conceito verbal ? No caso de criar, por exemplo, podemos ver como as diferentes acepções do português remetem, cada uma, a diferentes traduções em outras línguas – no inglês, {create} para 'fazer surgir'; {raise} para 'educar, fazer desenvolver-se'; {breed} para 'procriar'. Note-se que cada um desses verbos em inglês tem uma sintaxe (os dois primeiros são estritamente transitivos, o último é de alternância); e não nos ocorreria levantar o V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |76| problema de porque {breed} pode alternar, enquanto {create} não pode. Em inglês vemos aí duas entradas lexicais. Em português, o sentido expresso por cada uma delas está na “mesma entrada”, {criar}. Diante disso, me parece razoável considerar que as entradas lexicais em diferentes etapas de uma “mesma” língua são tão comparáveis entre si como diferentes entradas lexicais de línguas diferentes - ou, para sermos menos radiciais, ao menos, de línguas aparentadas. Isso recomenda imenso cuidado no estudo comparado, em especial quanto à abordagem “transformacional” das alternâncias. Assim, de partida, me parece que o princípio da uniformidade lexical conforme exposto em Duarte & Brito (2003) é pensado no contexto de uma sincronia, e não é aplicável de modo rigoroso a estudos de mudança. Como a idéia da uniformidade lexical (ao que me parece) fundamenta toda uma tradição de trabalhos voltados à explicação abstrata das estruturas de evento e das operações de alternância possíveis sobre essas estruturas, neste estudo não parti dessa linha de abordagem. Note-se ainda que, mesmo que fossemos aplicar a formulação de Duarte & Brito (2003), o estudo diacrônico da alternância pode ser um estudo de como certos verbos mudam de classe: de verbos que não podiam sofrer a operação de Redução, para verbos que agora podem sofrê-la; ou ainda: pode ser um estudo da ampliação ou redução nos papéis temáticos de cada “entrada lexical”. Assim, mesmo de uma perspectiva transformacional, as diferenças diacrônicas na realização da estrutura argumental parecem tocar, de alguma forma, na organização lexical. A resolução desse problema está longe dos limites possíveis da condução da pesquisa nesta etapa, e será deixada para o longo prazo. Note-se que o problema das acepções dos verbos remete à dificuldade central desse trabalho - a interferência da gramática do PB (minha gramática internalizada) na interpretação dos dados, dificuldade que entendo como fruto do contraste entre as duas gramáticas. O contraste incide no problema dos apagamentos de argumentos (como já adiantei na seção 1) e, como procurei mostrar agora, na própria interpretação do sentido dos verbos. O contraste, e portanto a dificuldade, são inevitáveis; diante disso, tomei como decisão de transformar o problema em ferramenta de análise. Por isso a metodologia é refletir sobre cada verbo atestado no levantamento a partir da minha intuição do PB, para posteriormente contrastar isso com outros critérios mais objetivos. Assim, foram formadas classes comparadas de diáteses que remetem à minha interpretação da potência de valência dos verbos, partindo da interpretação inicial das acepões atuais dos verbos (na minha intuição e nos dicionários). Em seguida, procuro tentar interpretar possíveis sentidos contrastantes, que possam estar ligados às diferentes construções. Por isso, o trabalho se conduziu no sentido de estabelecer contrastes entre as construções encontradas no corpus com certos verbos e as construções que esses verbos permitem no PB, sem formular a questão em termos de operações de transformação. O que apresento neste ponto portanto é uma abordagem preliminar dos dados, que procura distinguir, V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |77| em meio ao universo dos dados levantados, padrões mínimos de comportamento construcional que levem ao adiantamento futuro da pesquisa. Essa abordagem compreendeu duas etapas: primeiro tentei distinguir a grade temática manifestada em cada construção atestada no corpus, abordando as “alternâncias” de modo pré-estrutural, por assim dizer (identificando as alternâncias de valência atestadas); e em seguida procurei entender como isso se relacionava com a realização sintática dos argumentos. Para começar esse processo me pareceu interessante partir da observação dos verbos com menor amplitude de valência possível – os quais, por definição, devem ser os que menos permitem alternâncias, de qualquer tipo. Lembrando o quadro apresentado na seção 1, observemos os itens que apresentam uma amplitude mínima de valência tanto no corpus como no PB (cf. Seção 2, Quadro I.1 ), e que podem ser descritos de duas maneiras alternativas segundo o que considerei acima sobre valência e estrutura argumental: Verbos de Valência-1 V= ou [ NP V ] (i.e. verbos que se ligam a um participante apenas) [ NP [V] ] (i.e. verbos com um argumento apenas, este sujeito) Vou considerar que a propriedade mais interessante desses verbos, e que os diferencia dos demais grupos, não é simplesmente aparecerem com um argumento, mas sim não poderem aparecer com mais de um. A notação preliminar, como já adiantei na seção 1, inclui uma nomenclatura simplificada para os argumentos realizados; nela, o argumento único dos verbos de Valência-1 é chamado de x. Assim, a descrição preliminar plana para esses verbos é: Verbos do Grupo 1: {falecer}, {cair}, {aparecer}, ... [ V: x ], *[ V: x y ] ou [ V: x *y] Em contraste, os “verbos transitivos” seriam de dois tipos básicos. Primeiro, teríamos aqueles que podem ser transitivos (ou seja, os verbos de alternância transitiva), segundo, aqueles que devem ser transitivos. A descrição para esses grupos, segundo o critério de comparação diacrônica, seria: Verbos do Grupo 2: {amadurecer}, {endurecer}, {abrir}, {quebrar}, ... [ V: x ] ~ [ V: x y ] ou [ V: x (y)] Verbos do Grupo 3: {fazer}, {comer}, {deixar}, ... * [ V: x ], [V: x y ] ou [ V: x y ] A descrição inicial se resume, portanto, em mostrar a alternância de transitividade possível em um plano V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |78| não-estruturado – ou seja, alternância de valência. É que mostram os quadros da seção 1, I a IV. Partindo desse espírito mínimo, podemos partir para a observação de algumas características que diferenciam cada uma dessas três classes de verbos no PB. Começando pelos verbos que apresentam valência mínima, observo antes de tudo que na minha classificação esse grupo [V: x ] inclui intransitivos com sujeito “paciente” ou “tema” e intransitivos com sujeito “agente”. Isso se justifica uma vez que a classificação em três grupos não é semântica, e sim “construcional”. Entretanto, será importante refletirmos sobre as propriedades temáticas dos verbos desse grupo, para futuramente compreendermos a relação entre as propriedades semânticas e as construções possíveis. Para a reflexão sobre as propriedades semânticas, estou partindo de Cançado (2003) e (2005), para quem “papel temático” não deve ser a noção de partida para se compreender as relações argumentais. Os tradicionais “papéis temáticos”, para a autora, seriam derivados composicionalmente da combinação entre propriedades semânticas fundamentais que cada verbo acarreta para seus argumentos em diferentes construções – aproximando-se do conceito de acarretamentos lexicais de Dowty (1989). A autora define como propriedades fundamentais [desencadeador ], [afetado], [estativo] e [controle]; desencadeador seria a “propriedade acarretada pelo verbo a seu argumento quando este argumento possui algum papel no desencadear do processo”; [afetado] é a “propriedade de mudança de estado acarretada pelo verbo a seu argumento, ou seja, se o verbo acarretar mudança de um estado A para um estado B a um argumento, este será associado à propriedade de afetado”; [estativo] é a propriedade acarretada ao participante que não tem papel no desencadeamento, nem muda de estado com o processo; e [controle] remete, literalmente, ao controle que determinado argumento pode ter sobre o processo. A depender do verbo e da construção, essas propriedades combinam-se para formar os papéis de “agente”, “paciente”, “fonte”, “instrumento”, etc. Assim, um papel temático tradicional como “fonte” pode ser um desencadeador sem controle. O tradicional “Agente” pode ser um desencadeador com controle. A proposta de Cançado se mostra especialmente interessante para a análise dos verbos monoargumentais; em Ciríaco e Cançado (2006), as autoras salientam: A vantagem dessa proposta é que podemos ter um papel temático que possua as propriedades ser um desencadeador e ser afetado, sem que isso seja um problema para a teoria, pois o papel temático de um argumento é exatamente o grupo de propriedades a ele atribuídas a partir da composição de sentidos dos itens lexicais da sentença em que esse papel temático encontra-se. Para Ciríaco e Cançado (2006), os verbos intransitivos se dividem em “inergativos prototípicos”, como {correr}, {dançar}, {voar} e “inacusativos prototípicos”, como {morrer}, {brotar}, {sumir}. O contraste entre eles remete, principalmente, à capacidade de cada verbo acarretar a propriedade [ desencadeador ], além de [afetado], a seu argumento único. Os verbos “inacusativos” seriam os que acarretam apenas [afetado]; os “inergativos” acarretam [afetado] e [desencadeador] (“só existe um argumento que desencadeia o V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |79| processo em si mesmo”, (Ciríaco & Cançado, 2006:11). Nas palavras das autoras, a distinção entre inacusatividade e inergatividade será marcada pela existência da propriedade desencadeador : verbos mono-argumentais que apresentem o desencadeador como uma das propriedades do papel temático de seu argumento terão uma natureza mais inergativa Ou seja, (a) {morrer}: x morrer, (b) {voar}: x voar, [ x ] afetado [ x ] desencadeador-afetado “mais inacusativo” “mais inergativo” Além disso, alguns verbos “inergativos” podem acarretar a propriedade de controle para seu argumento único, a depender da construção. Vamos dizer, por exemplo, que um verbo como {voar} acarreta [desencadeador][afetado] + controle a seu argumento único na construção (a) abaixo, e [desencadeador] [afetado] - controle em (b) abaixo: (a) O pássaro voôu para pegar a minhoca (b) Os papéis voaram com a ventania Adotando a proposta de Ciríaco e Cançado (2006), vou considerar que os verbos do meu Grupo 1 podem se diferenciar por esse contraste de “mais inacusatividade” versus “mais inergatividade”, definido pela capacidade de cada verbo acarretar [ desencadeador ] além de [afetado] para seu argumento único – a que se adiciona a possibilidade de acarretamento de [controle] em diferentes construções. Numa análise preliminar das relações entre as propriedades semânticas fundamentais nas construções do corpus em comparação ao que as autoras propoem para o PB, teríamos: (a) . e tanto que ele [faleceu] logo seu filho Dom Affonso Anriques ficando em idade de dezoito anos se fez chamar Príncipe [ x ]: [afetado] – controle (b) ... mas tornam logo a nascer dela uns filhos que [brotam] do mesmo pé [ x ]: [desencadeador][afetado] – controle (c) Tanto que Dom Eguas Moniz soube que a Rainha parira, [cavalgou] à pressa [ x ]: [desencadeador][afetado] +controle Passamos então ao problema dos verbos transitivos. Pela lógica, se entre os verbos intransitivos existe a capacidade de acarretar [desencadeador] e [afetado] para um mesmo argumento, os verbos transitivos estritos deveriam poder ser descritos como verbos que não conseguem acarretar as propriedades de [ desencadeador ] e [afetado] para um mesmo argumento – precisam “distribuí-las” entre dois participantes, vamos dizer. Essa seria uma abordagem interessante da “transitividade”, a propriedade de “transitar” entre dois pólos. Essa análise parece bem adequada para alguns dos verbos desse tipo no PB pelo menos (aos demais voltaremos ems eguida); notadamente, observemos: (a) {matar}: y matar x, (b) {derrubar}: y derrubar x, [ x ] afetado [ y ] desencadeador [ x ] afetado [ y ] desencadeador V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |80| Essa análise torna interessante o contraste entre certos “pares lexicais” como {matar}/{morrer}, {cair}/ {derrubar}; os segundos itens de cada par podem acarretar [ desencadeador ] e [ afetado ], os primeiros, apenas [afetado]: (a) {morrer}: morrer x, (b) {matar}: y matar x, [ x ] afetado [ x ] afetado (* [ y ] desencadeador ) [ y ] desencadeador (c) {cair}: cair x, (d) {derrubar}: y derrubar x, [ x ] afetado [ x ] afetado (* [ y ] desencadeador ) [ y ] desencadeador Esses pares lexicais são interessantes pois podem mostrar a relação entre as diferentes propriedades semânticas, sua distribuição entre os argumentos, e a expressão de causatividade. O que alguns verbos de “alternância ergativa” realizam por alternância de construção poderia ser semelhante ao que vemos nesses verbos como “alternância lexical”: (a) {abrir}: (b) {abrir}: abrir x, y abrir x, [ x ] afetado [ x ] afetado [ y ] desencadeador Uma outra análise seria a de que esse “mesmo verbo” sempre acarreta as duas propriedades semânticas, mas pode ora concentrá-las num mesmo argumento, ora distribuí-las entre dois: (a) {abrir}: (b) {abrir}: abrir x, y abrir x, [ x ] afetado desencadeador [ x ] afetado /[ y ] desencadeador Na primeira análise, {abrir} pode se construir ou como os mono-argumentais inacusativos, ou como transitivo causativo; na segunda, ou como inergativo ou como causativo. Evidentemente a cada análise corresponderiam diferentes interpretações da semântica de {abrir} monoargumental: com ou sem [desencadeador]. A análise que equipara {abrir} monoargumental com os inacusativos encerraria o problema de se explicar como “mesmo verbo” pode ora acarretar [desencadeador], ora não; a análise para o lado dos inergativos encerraria o problema de explicar porque um “mesmo verbo” pode ora distribuir as propriedades [desencadeador] e [afetado] entre dois argumentos, ora concentrá-las num único argumento. Ciríaco e Cançado (2007), parrtindo de Ciríaco (2007), consideram que a alternância “causativo-ergativa” canônica se aplica justamente a verbos que apresentam a propriedade inerente de acarretamento lexical de [desencadeador] – caso em que elas encaixam {abrir} (e também {quebrar}, outro verbo que apresenta essa alternância no PB e no PC). Para as autoras a semântica desses verbos acarreta necessariamente um “desencadeamento”, que pode ser inferido mesmo nas construções intransitivas deses verbos. Essa propriedade de desencadeador lexicalmente acarretada pode se concentrar no argumento que também recebe [afetado], ou se distribuir entre dois argumentos. Note-se então que isso nos remete de volta ao problema da interpretação do sentido dos verbos. Seria percário transportar diretamente uma análise como essa para o PC, uma vez que eu não posso saber se V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |81| naquele estágio, {abrir} e {quebrar} corresponderiam “inerentemente” a uma interpretação de desencadeamento, e nem posso realizar os testes de confirmação propostos pelas autoras para o PB. Tampouco me parece adequado partir partir de princípios generalizantes de sentido – do tipo a “idéia abstrata” de “quebrar” ou de “abrir” implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador. Por exemplo, digamos que a “idéia” de “morrer” não implica uma causa/desencadeamento/origem/iniciador (já que este verbo só acarreta [afetado]); onde isso nos deixa com {matar}, que expressaria a “mesma idéia” expressa por {morrer}, mas com uma causa/desencadeamento/origem/iniciador? De fato o problema em pauta não remete a “idéias”, mas sim à organização da língua; isso fica bastante claro quando notamos que os verbos “anti-causativos” podem ser usados em perífrases como: (a) O acidente aconteceu *Alguém aconteceu o acidente Alguém fez o acidente acontecer (b) O menino caiu *Alguém caiu o menino Alguém fez o menino cair (c) O gato morreu *Alguém morreu o gato Alguém fez o gato morrer A possibilidade da perífrase causativa mostra que o problema não são as “noções” ou as “idéias”, mas sim a organização dos itens lexicais – e esta, justamente, pode mudar com o tempo. Assim, ausente a possibilidade de partir de intuição para determinar a semântica precisa dos verbos no PC, resta encontrar evidências nas construções atestadas, e compará-las com as intuições possíveis para o PB. O interesse desse exercício é procurar caminhos para compreender o seguinte ponto: se o PB apresenta uma ampliação das diáteses possíveis no PC, onde incide essa ampliação? Em princípio, estou partindo da idéia de Cançado e Ciríaco (2007) sobre a alternância causativo-ergativa no PB: ela se traduziria numa alternância entre construções com concentração e com distribuição das propriedades [desencadeador]/[afetado], possível com alguns verbos (mas me afasto da análise de Ciríaco (2007) no sentido de serem as formas transitivas desses verbos mais básicas que as intransitivas, como já explicarei). Por enquanto, encontramos dois verbos incluídos na análise das autoras para o PB: {quebrar} e {abrir}; não pretendo determinar sua semântica precisa no PC, como assinalei, mas vou aceitar que no PB eles podem acarretar [afetado] e [desencadeador] para um mesmo argumento. No PC, a situação pode por hipótese ser a mesma. Outros verbos de alternância no PC não me parecem poder vir a se encaixar nessa análise (como {queimar}, pelas razões que já mencionarei). Vamos ver de que forma isso nos ajuda a entender os contrastes entre os dois estágios, comparando as construções que atestamos com esses dois verbos no corpus, e as que atestamos com verbos que não apareceram em alternância. No Quadro I.2 da seção 2 apresentei os verbos que eu aceito tanto em construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como intransitivos no corpus do PC (como {acordar}, {afastar}, {amadurecer}, {adoecer}, {andar}, {arrebentar}, {crescer}, {curtir}, {emprenhar}, {engordar}, {enobrecer}, {entrar}). No Quadro IV.1 estão os verbos que eu aceito tanto em construções transitivas como intransitivas no PB, mas que aparecem apenas como transitivos no V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |82| corpus do PC (como {acabar}, {apagar}, {começar}, {cortar}, {dobrar}, {enriquecer}, {esfolar}, {esgotar}, {extinguir}, {acalmar}, {estragar}). A pergunta para começar a análise comparada seria: no PB, esses verbos parecem poder acarretar [afetado] e [desencadeador] para seus argumentos únicos quando intransitivos? Novamente ressalto que me parece extremamente difícil definir isso objetivamente apenas refletindo sobre o sentido dos verbos. O máximo a que consergui chegar, até este ponto, foi definir que todos os verbos acima de fato me parecem expressar, nas construções transitivas, causatividade. Isso é interessante pois os contrasta com os “transitivos estritos”, como mostro adiante. Para verificar se os verbos podem expressar causatividade estou usando o teste da paráfrase com “fazer V”: (a) O gato acordou Alguém acordou o gato (b) O carro arrebentou Alguém arrebentou o carro (c) O carro estragou Alguém estragou o carro = Alguém fez o gato acordar = Alguém fez o carro arrebentar = Alguém fez o carro estragar (etc) Repetindo-se o teste nota-se que todos os verbos acima entram nesse paradigma. Vamos constrastar isso com certos verbos que me parecem estritamente transitivos no PB: (a) (b) (c) (d) ? O gato matou ? O menino castigou ? A cidade defendeu ? A minhoca comeu ≠ Alguém matou o gato ≠ Alguém castigou o menino ≠ Alguém defendeu a cidade ≠ Alguém comeu a minhoca ≠ Alguém fez o gato matar ≠ Alguém fez o menino castigar ≠ Alguém fez a cidade defender ≠ Alguém fez a minhoca comer Coloco as construções à esquerda nas colunas com (?) pois me parece cada vez mais difícil distinguir se um verbo pode ou não aceitar construção intransitiva no PB; além disso, construções assim podem ser aceitáveis por apagamento dos complementos (como com {comer}). Mas o importante é notar que as construções da primeira coluna, possíveis ou não, não equivalem às da segunda, e as da segunda não equivalem às da terceira. Ou seja: {o gato matou} não se aproxima do sentido de {alguém matou o gato}, e {alguém matou o gato} não se aproxima de {alguém fez o gato matar}. Repetindo esse teste com todos os verbos que eu analiso como transitivos estritos no PB (Quadro IV.2 da seção 2), me parece que todos se equivalem. Ou seja: os verbos que eu tomo como estritamente transitivos no PB não expressam causatividade nas suas construções transitivas. Com isso a única coisa que obtive foi uma separação entre verbos “causativos” e “não-causativos”, sem ainda entrar no problema das propriedades semânticas em relação à realização dos argumentos. Neste ponto será interessante detalhar um pouco esse problema da causatividade. A “expressão de causatividade”, como estou colocando em termos muito preliminares, é mais uma característica das estruturas que da semântica de cada argumento em si; importantes linhas na literatura, com formulações diversas, abordam o problema nesse espírito (Levin e Rappaport-Hovav, 2005; Croft, 1990; Jackendoff, 1990 entre outros). Ou seja: os predicados são causativos, não os argumentos. Lembremos, então, que Levin e Rappaport-Hovav (1999) defendem que cada “camada” de uma estrutura V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |83| de evento deve corresponder a realização de um argumento na sintaxe. Assim, uma boa descrição dos verbos de “alternância transitiva” seria a de que esses verbos ora se constróem com duas, ora com uma “camada” na estrutura de evento, como é já clássico. Seria interessante combinar isso com a proposta de Cançado & Ciríaco (2007) sobre a concentração e distribuição das propriedades semânticas acarretadas pelos verbos. Nesse sentido importa salientar que o axioma de Levin & Rappaport-Hovav (1999) remete a “argumentos” como ocupantes das camadas de eventos, não a propriedades semânticas (nem papéis temáticos). Ou seja: está aberta a opção de que um argumento de uma camada estrutural receab duas propriedades semânticas do verbo. Assim, podemos preliminarmente entender a alternância de transitividade da seguinte maneira. Começando com os intransitivos estritos: as construções mono-argumentais (por definição) corresponderiam a uma camada de evento apenas; o argumento único do verbo, realizado nessa camada única, pode receber do verbo as duas propriedades semânticas fundamentais, ou uma delas apenas: verbos [ V: x ], *[ V: x y ]: [ V x ], [ x ]-[afetado] [ x ]-[afetado][desencadeador ] Nas construções transitivas, como já vimos, as propriedades [afetado] e [desencadeador] estão “distribuídas” entre diferentes argumentos. Além disso, se há dois argumentos, vamos entender preliminarmente que possa haver duas camadas de evento. Para representar essas possibilidades vou acrescentar um pouco de estrutura à minha descrição mínima dos verbos; sem remeter propriamente a camadas de “evento”, falarei em camadas estrtuturais, representadas por chaves, simplesmente: verbos *[ V: x ], [ V: x y ]: [ y [ V x ] ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador] Agora olhamos para o problema da perspectiva dos “verbos de alternância”. Quando eles se contróem transitivamente, correspondem a duas camadas estruturais; e quando se constróem intransitivamente, a apenas uma. Quanto à distribuição das propriedades semânticas, na construção com duas camadas, as propriedades semânticas estariam distribuídas, uma para cada argumento em cada camada. Quando se constróem intransitivamente, temos duas possibilidades: ou as propriedades podem estar concentradas (como nos verbos sempre mono-argumentais), ou uma delas pode estar ausente: verbos [ V: x ] ~ [ V: x y ] : [ y [ V x ] ], [ x [ V ]], [ x [ V ]], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador] [ x ][afetado][desencadeador ] ou [ x ][afetado] Essa idéia inicial me parece interessante, pois a diferença entre os três tipos de verbos remteria às diferentes extensões de “distribuição” das propriedades semânticas dos argumentos que eles podem acarretar. Os transitivos estritos podem acarretar concentradamente as propriedades de [afetado] e [desencadeador] (ou acarretar apenas [afetado]); os intransitivos estritos só podem acarretá-las distribuidamente entre dois argumentos; os de alternância transitiva (em princípio) podem acarretá-las V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |84| concentradamente ou distribuídamente. Ao acarretarem uma propriedade semântica apenas, seriam semelhantes aos mono-argumentais “inacusativos” na análise de Ciríaco e Cançado (2006), como {brotar} ou {morrer}, em contraste aos inergativos, como {correr} ou {dançar}. As possibilidades podem ser expressas da seguinte forma: “intransitivos”: “trnasitivos”: [ V: x ], *[ V: x y ]: * [ V: x ], [ V: x y ]: “de alternância”: [ V: x ]~[ V: x y ] : [ V x ], [ V x ], [ V x ], [ x ]-[afetado] [ x ]-[afetado][desencadeador ] [ y [ V x ], [ x ]-[afetado], [ y ]-[desencadeador] [ y [ V x ], [ x ]-[afetado], [ x ][afetado][desencadeador ] [ x ][afetado] [ y ]-[desencadeador] O interssante da idéia é como se poderia entender a variação diacrônica nas possibilidades de alternância. Verbos que hoje podem ser transitivos além de intransitivos teriam passado do esquema “mais concentrado” para o “menos concentrado” (em termos de distribuição das propriedades semânticas acarretadas), e vice-versa. Ou seja, se pensarmos que a diferença entre os verbos das classes de diátese encontradas hoje no Português Brasileiro parte da capacidade que cada verbo apresenta em “distribuir” as propriedades semânticas fundamentais de [afetado] e [desencadeador], poderemos começar a nos aproximar da compreensão da mudança pensado que ela incide justamente sobre essa capacidade de “distribuição”. Ou seja: não precisaremos falar necessariamente em mudança nas propriedades acarretadas por cada verbo em si, mas sim sobre a forma que o verbo as distribui entre diferentes argumentos: Verbos do Grupo 2.1 [ x [ V ]], *[ y [ x [ V ]]] > [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] [ x [ V ]]: [ x ] [afetado][desencadeador ] [ x [ V ]]: = [ x ] [afetado][desencadeador ] {arrebentar}, PC > PB ou > [ y [ x [ V ]]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador ] Verbos do Grupo 2.3 * [ x [ V ]]], [ y [ x [ V ]]] > [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] [ y [ x [ V ]]]: [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador ] = [ y [ x [ V ]]]: [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador ] {apagar}, PC > PB ou > [ x [ V ]] [ x ] [afetado][desencadeador ] Assim, se é adequado dizer que um verbo como {apagar} é “transitivo” no Português Clássico, mas pode V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |85| ser transitivo ou intransitivo no Português Brasileiro, a mudança teria sido na direção de maior > menor distribuição argumental das propriedades semânticas de {apagar}. Em contraste, se um verbo como {arrebentar} é “intransitivo” no Português Clássico, mas pode ser transitivo ou intransitivo no Português Brasileiro, a mudança teria sido na direção de menor > maior distribuição de propriedades semânticas entre os argumentos de {arrebentar}. No esquema abaixo, tento descrever essa “capacidade de distribuição” dos verbos por “=” (distribuição concentrada, duas propriedades semânticas para um mesmo argumento) e “<” (distribuição de uma propriedade para cada argumento): Verbos que mudam de mais distribuição para menos distribuição (transitivo > intransitivo) {apagar}: [ y [ x [ V ]]] V < → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] = [x] [afetado] → V=[x][afetado][desenc] , V < [y] [desenc] [x] [afetado] [y] [desenc] Verbos que mudam de menos distribuição para mais distribuição (intransitivo > transitivo) {arrebentar}: [ x [ V ]] → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] = [x] [afetado] V [x] [afetado][desencadeador] → V=[x][afetado][desenc] , V < [y] [desenc] Verbos que permanecem alternantes {quebrar}: [ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]] [ x [ V ]] ~ [ y [ x [ V ]]] V [x] [afetado][desencadeador], V < [x] [afetado] [y] [desencadeador] Verbos que adquirem propriedade [desencadeador] {amadurecer} ?: ? [ x [ V ]] → [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]]] = [x] [afetado] ? V=[x] [afetado] → V < [y] [desencadeador] Um outro ponto de interesse do esquema seria a abordagem das construções com {SE}. Elas ficariam na metade do caminho entre mais e menos distribuição das propriedades fundamentais. Nos quadros II da seção 1 apresentei os verbos atestados com essa partícula; o quadro II.2 reúne os verbos que aparecem no corpus apenas na construção V-SE; os seguintes, na minha interpretação, podem ser intransitivos e transitivos no PB: {corromper}, {desviar}, {embarcar}, {endurecer}, {estreitar}. Note-se que no PB para mim esses verbos são causativos: (a) A moça embarcou Alguém embarcou a moça (b) O pão endureceu Alguém endureceu o pão (c) A rua estreitou Alguém estreitou a rua = Alguém fez a moça embarcar = Alguém fez o pão endurecer = Alguém fez a rua estreitar V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |86| Notemos também que verbos de alternância no PC aparecem em construções transitivas, intransitivas e com o pronome {SE}(cf. Quadro III na seção 1); também verbos transitivos estritos aparecem com {SE}. No PB esses dois grupos ainda aceitam a construção com {SE}, a meu ver: (a) (b) (c) (d) A porta se abriu O mastro se quebrou As folhas se mexeram O sal se dissolveu Já os verbos mono-argumentais estritos não costumam aparececer em construções com essa partícula “espinhosa”; para o PB, temos: (a) *O menino se caiu (b) *O passarinho se morreu (c) *O passarinho se respirou Por conta disso vou considerar a realização do pronome SE como indicadora de uma camada de estrutura, o que explicaria sua incaceitabilidade com os mono-argumentias verdadeiros em contraste com os demais verbos. De fato, vou tomar o SE como nada mais que um indicador de estrutura. Notemos como, nas orações acima, seria complicado definir quais argumentos são [ x ] , quais são [ y ] ({a porta}/ se?, {o mastro}/ se?, etc). Isso deve remeter à fragilidade referencial de SE, que pode receber a interpretação reflexiva, indeterminada, etc. - nunca com uma referencialidade própria. Este seria um caminho interessante para compreender as mudanças em torno dessa partícula na diacronia do português (cf. Cavalcante 2006 entre outros). Deixando isso de lado momentaneamente, considerarei apenas que é adequado tomar {se} como um indicador de camada na estrutura argumental. Se sustentarmos que {SE} é de fato indicativo de uma estrutura (i.e., é um argumento), mas tem propriedades muito fracas de estabelecimento de referencialidade, certas construções com {SE} mostrariam os verbos cuja propriedades semânticas são menos dependentes de distribuição, já que podem aparecer tanto com um argumento próximo a reflexivo – ou seja, que pode remeter ao mesmo referente que o outro argumento: (a) Este âmbar todo quando logo sai , vem solto como sabão e quase sem nenhum cheiro: mas daí a poucos dias se [endurece], e depois disso fica tão odorífero como todos sabemos [ y ][densenc] endurecer [ x ][afetado] > [ ? ] endurecer [ SE]-? > [ x ][afetado] endurecer (b) A fresca é mais mimosa e de melhor gosto mas não dura mais que dois ou três dias, e como passa deles , logo se [corrompe] [ y ][densenc] corromper [ x ][afetado] > [ ? ] corromper [ SE]-? > [ x ][afetado] corromper (c) Estão estas pinhas pegadas, e por baixo das folhas, nas quaes tocando os caminhantes logo principiam a [mexer]-se, qual formigueiro, quando lhe tocam [ y ][densenc] mexer [ x ][afetado] > [ ? ] mexer [ SE]-? > [ x ][densenc][afetado] mexer V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |87| A descrição das construções com {SE} neste esquema é um setor aberto para análises. Entretanto, me parce interessante notar que as dificuldades de interpretação remetem sempre aos verbos que, ao que tudo indica, passam a ser aceitos como flexíveis no PB. Este aspecto portanto nos leva diretamente ao cerne desta análise: a circulação dos diferentes verbos pelas diferentes construções nos dois pontos da diacronia. Por enquanto, saliento que essa análise do SE como ocupante de uma camada estrutural nos ajudará a entender o outro tipo de alternância, a alternância “entre causadores”. Observemos os seguintes contrastes: (a) A moça abriu a porta (b) *A moça se abriu a porta (c) A porta abriu (d) A porta se abriu (e) A moça abriu a porta com a chave (f) *A moça se abriu a porta com a chave (g) A chave abriu a porta (h) * A chave se abriu a porta. (i) A porta abriu com a chave (j) A porta se abriu com a chave Partindo do pressuposto de que a cada argumento corresponde uma camada de estrutura, podemos analisar que: (a) (b) (c) (d) (e) (f) (g) (h) A porta abriu A porta se abriu A moça abriu a porta com a chave *A moça se abriu a porta com a chave A chave abriu a porta * A chave se abriu a porta A porta abriu com a chave A porta se abriu com a chave > > > > > > > > [ x abrir ]; [ x abrir ]; [ x abrir ]] [ z ] [ x abrir ]] [ z ] [ abrir x ]] [ abrir x ]] [ x abrir ] [ z ] [ y [ abrir x ]] [y [y [y [y [y ? se ? ? se ? A impossibilidade de *{A chave abriu-se a porta} indicaria o preenchimento de todas as camadas possíveis em {A chave abriu a porta}, de modo que não tenho onde situar o {se}. Isso seria um indicador preliminar de que os argumentos do tipo “instrumento” podem ocupar a mesma posição na estrutura que os argumentos [ y ]; mas nem sempre, como indicaria a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}. Assim, os argumentos [ z] desse tipo parecem só poder ocupar a mesma posição de [ y ] na ausência de [ y], num predicado causativo. Interessantemente, a natureza estrutural de [z] quando não há um [ y] deve ser diferente, como atesta a possibilidade de {A porta se abriu com a chave}. Outros verbos de ampla valência me parecem confirmar os contrastes vistos com {abrir}: (a) O menino quebrou o copo V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |88| (b) *O menino se quebrou o copo (c) O copo quebrou (d) O copo se quebrou (e) O menino quebrou o copo com um grito (f) *O menino se quebrou o copo com um grito (g) O grito quebrou o copo (h) * O grito se quebrou o copo (i) O copo quebrou com o grito (j) O copo se quebrou com o grito Aplicando então o teste aos verbos de valência não tão ampla, por exemplo {temperar}, teremos: (a) A mãe temperou a água quente (b) *A mãe se temperou a água quente (c) *A água quente temperou (d) A água quente se temperou (e) A mãe temperou a água quente com gelo (f) * A mãe se temperou a água quente com gelo (g) O gelo temperou a água quente (h) *O gelo se temperou a água quente (i) *A água quente temperou com gelo (j) A água quente se temperou com gelo Na minha avaliação {temperar} não aceita a “alternância transitiva”: *{A água quente temperou}, e *{A água quente temperou com gelo}. Aceita, entretanto, a alternância “entre causadores”, [ y ] ~[ z] ({A mãe temperou a água quente com gelo} / {O gelo temperou a água quente}), e nesse âmbito se comporta como {quebrar} ou {abrir} (pares (a)(b), (f)(g)). Ou seja, [ z ] “instrumento”, o “terceiro” argumento de alguns verbos do grupo 2 e 3, pode alternar com [ y ] numa construção causativa, mas não deve ocupar a mesma camada estrutural que [ y ] realizado (ou não teríamos {A moça abriu a porta com a chave}, que indica haver três camadas). Na minha formulação mínima, passo a representar isso anotando [ z ] instrumento como ocupante, alternativamente, de uma estrutura adicional próxima a [ y ], ou autônoma, quando não há [y]: verbos *[ x [ V ]], [ y [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [ z [ y [ x [ V ]]], {temperar} (a) Deus tempera sua ira com o amor divino, [ z [ y [ x [ V ]]] [ x ]: sua ira [ y ]: Deus [ z ]: o amor divino (b) O amor divino tempera a ira de Deus, [ z [ x [ V ]]] [ x ]: a ira de Deus [ z ]:O amor divino V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |89| verbos [ x [ V ]], [ z [ x [ V ]], [z [ y [ x [ V ]], [ y [ x [ V ]] {abrir}: (a) A moça abriu a porta com a chave [ x ]: a porta [ y ]: a moça [ z ]: a chave (b) A chave abriu a porta [ x ]: a porta [ z ]: a chave (c) A porta abriu [ x ]: a porta (d) A porta abriu com a chave [ x ]: a porta [ z ]: a chave Note-se, entretanto, que nem todo argumento [ z ] pode entrar em alternância com [ y ]. Notadamente, os argumentos [estativo] do tipo “alvo” ou dativos não alternam com [ y ]: (a) (b) (c) (d) (e) (f) A mãe deu a água ao menino *A mãe se deu a água ao menino *A água deu ao menino A água se deu ao menino * O menino deu a água (com {o menino}-[estativo]) *O menino se deu a água (com {o menino}-[estativo]) A impossibilidade da alternância com [ y ] parece mostrar que em contraste com a representação acima ( [ z [ y [ x [ V ]]]]) , os argumentos [ z ] “alvo” deveriam ser descritos, na fórmula mínima, de modo distinto aos argumentos “instrumento”. De início vou fazer isso colocando-os, na estrutura, no interior do predicado de [ x ]. Isto captaria dois fatos: essa questão da impossibilidade de sua alternância, e a questão de sua realização possível com verbos do Grupo 1 (que não teriam a camada causativa), sob forma por exemplo de oblíquos “benefactivos”: [ x [ V ] ], [ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]] (a) Apareceu-lhe Nossa senhora [ x ]: Nossa senhora [ z ]: lhe [ x z [ V ]], ~ [ y [ x z [ V ]] (b) Deu-lhes um temporal [ x ]: um temporal [ z ]: lhes (c) Deu-lhe uma estocada pela barriga [ x ]: uma estocada pela barriga [ y ]: _, 3a pessoa singular [ z ]: lhe *[[ x (z) [ V ]], [ y [ x z [ V ]] (a) Os castelhanos lhe entregaram a cidade [ x ]: a cidade [ y ]: os castelhanos [ z ]: lhe V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |90| Essa análise dos argumentos [ z ] “dativos”, “benefactivos”, “locativos” precisa ser aprofundada, consistindo no momento a área mais problemática do meu esquema descritivo. Note-se entretanto que os dativos e beneficiários não participam, no geral, da alternância de transitividade; assim, para os objetivos dessa etapa do trabalho, que se concentrou no problema dessa alternância, a classificação provisória é razoável. Uma possível exceção é o verbo {chamar}, que apresenta uma diátese muito peculiar do ponto de vista diacrônico, e que está sendo estudado por G. de Menezes em sua dissertação de mestrado sob minha orientação (Menezes da Silva, em curso). Nos textos do Português Clássico esse verbo se constrói com o argumento “recebedor do nome” como dativo; já no Português Brasileiro, o “recebedor do nome” pode ser o sujeito: (a) PC: A essas aves chamam Emas; Chamam-lhe Emas [ x ]: Ema [ y ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: essa ave/lhe (b) PB: Essa ave chama Ema [ x ]: Ema [ y ]: essa ave/lhe Outro problema dos argumentos [ z ] são os locativos. Em princípio, seria interessante incluir os locativos na mesma análise dos [ z ] “dativos”, até em consistência com o papel temático tradicional de “alvos” desses últimos. Na maioria dos casos isto parece adequado; por exemplo, nos verbos de movimento, com os quais nunca atestamos a alternância locativa: (a) Ele chegou na escola ~ Ele chegou * ~A escola chegou Esse tipo de locativo seria portanto um argumento do plano do primeiro predicado, [ x ], asssim como os dativos: [ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]] (a) Chegamos a esta província o outro padre e eu [ x ]: o outro padre e eu [ z ]: esta província De fato, os verbos que expressam ‘deslocamento’ podem ser analisados segundo a fórmula abstrata ‘ir de um ponto a outro’, por exemplo [GO [THING] TO [α]] para Jackendoff (1990). Assim, os locativos são argumentos bastante “internos” a esses verbos, e quando expressados, especificam um dos pontos espaciais ( [ α]). Vamos pensar, por exemplo, nos verbos {ir} e {vir}; a diferença básica entre eles é que {ir} faz subentender um deslocamento no sentido do ponto de vista do falante para fora, e {vir} faz subentender um deslocamento no sentido de fora para o ponto de vista do falante (ou, nos termos de Coseriu, 1977, “vir” tem o “término do movimento no espaço de primeira pessoa”, enquanto “ir” tem o V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |91| “término do movimento no espaço da segunda pessoa”). Nesses verbos um dos pontos espaciais é tão evidente que não precisa ser expresso, a não ser que os lugares de partida ou chegada necessitem de especificação: [ x (z-LOC)(z-LOC) [ V ]], *[ y [ x (z) (z) [ V ]] {ir}, {vir} (b) Ele foi do Sul para o Norte [ x ]: ele [ z ]: o Norte [ z ]: o Sul (c) Ele veio do Norte para o Sul [ x ]: ele [ z ]: o Norte [ z ]: o Sul Nesse espírito poderemos descrever as ocorrências com os verbos de movimento e locativos, ainda que estes possam tomar formas desafiadoras, como em (a) abaixo: “Foram correndo a costa, até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro”: (a) Foram correndo a costa [ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: a costa (b) ... até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro [ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro O problema do [z] locativo se torna interessante quando saímos do grupo dos locativos que “especificam” pontos espaciais embutidos nos verbos que expressam claramente movimentos. Para certos verbos de semântica menos evidente, a qualidade de certos argumentos como locativos também se torna mais opaca. Vamos examinar um verbo como {colocar}, em analogia com {chegar}: (a) “Eles colocaram o dinheiro no bolso” [ x ]: o dinheiro [ y ]: eles [ z ]: o bolso O argumento que remete ao local onde [ y ]-eles “colocaram” [ x ]-o dinheiro me parece ser uma especificação do “ponto espacial” envolvido no movimento expresso por “colocar”; portanto, [z-LOC]-o bolso, à analogia de [z-LOC]-um porto limpo.... Mas o interessante é que, à diferença de {chegar}, um verbo como {colocar} não parece prescindir do argumento locativo: {Eles colocaram o dinheiro} é de aceitabilidade no mínimo duvidosa. Creio que a capacidade de prescindir ou não prescindir de um argumento locativo não está relacionada a estruturas argumentais diferentes, mas sim à maior ou menor especificidade do próprio evento descrito. Essa questão dos locativos nos remete, portanto, à dimensão dos sentidos específicos dos verbos. Como já comentei, esta é uma dimensão central tanto para o estudo das valências como das alternâncias, a ser V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |92| aprofundada com o prosseguimento da pesquisa. O que me parece imediatamente relevante, nesta etapa, é uma noção defendida por H. Boas em Boas (2002) a respeito da relação entre a complexidade de significado e a amplitude das diáteses dos verbos. Boas parte da análise de Snell-Hornby (1993) sobre a composição lexical dos verbos, na qual o verbo é formado de um núcleo mais um modificador: V = Núcleo + Modificador Esses autores observam que a depender do Modificador, o sentido associado às diferentes unidades lexicais pode ser mais ou menos especificado – nas suas palavras, um verbo pode ser mais ou menos “descritivo”, descriptive. Um exemplo simples é a comparação entre {gritar} e {falar}: {gritar} é “falar alto”, de modo que {gritar} é “mais descritivo” que {falar}. O interessante é verificar como Boas aplica essa tese à classe dos verbos de movimento autônomo, self-movement, mostrando uma escala de especificação: (a) (b) (c) (d) walk parade totter stagger ‘ to move along on foot’ ‘ to move along on foot’ + with great display or ostentation ‘ to move along on foot’ + with unsteady steps, with difficulty ‘ to move along on foot’ + with a swaying movement, as from weakness Podemos adaptar o paradigma de Boas para o inglês e propor a seguinte mini-classe para o português, com verbos que expressam diferentes formas de “mover-se”: (a) (b) (c) (d) {andar} {correr} {cambalear} {marchar } <[ <[ <[ <[ i i i i ]-núcleo > ]-núcleo [ A ]-modificador > ]-núcleo [ B ]-modificador > ]-núcleo [ C ]-modificador > No esquema, todas as unidades lexicais teriam a mesma estrutura [ i ], cada uma com diferentes modificadores [ A ], [ B ],..., por exemplo correspondentes à ‘maneira de se deslocar’: “com maior velocidade”, “com dificuldade”, “a passos rápidos/deliberados”, e assim por diante. Com isso, de partida, podemos capturar por exemplo o fato de que há certos grupos de verbos que tem estrutura semelhante, com “significados” diferentes; seriam as unidades que compartilham estrutura, com diferentes modificadores. O mais interessante entretanto é o que o autor observa quanto à flexibilidade de diátese: quanto mais descritivo for um verbo, menor a probabilidade de ele entrar em relações de alternância. Assim, {andar} teria mais probabilidade de apresentar alternância que por exemplo {marchar}. De fato, Boas (2002) equipara seu conceito de “verbos descritivos” ao que seriam “verbos pesados”, em oposição aos “verbos leves”. As combinações entre [núcleos] e [modificadores] podem ser colocadas de modo mais abstrato e com maior detalhe; o importante, para os fins deste estudo, seria colocar a questão de forma a que seja possível entender como o conteúdo “descritivo” dos verbos pode se realizar, em alguns casos, como argumentos. Parece-me, assim, que certos argumentos podem ser analisados como especificações de partes do sentido do verbo: tanto os argumentos [ z ] com a semântica de instrumentos (como já volto a V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |93| comentar), como os argumentos [ z ] com a semântica de locativos (como os locativos de {ir}, {vir}). Nesse sentido seria possível compreender por que sua realização pode ser opcional. Essa linha de investigação pode também elucidar alguns itens do grupo dos verbos transitivos “estritos”: esse grupo reúne tipos bastante heterogêneos em termos semânticos, incluindo alguns casos em que o argumento que estou chamando de [ x ] parece ser uma super-especificação: é o caso de {comer}, {beber}, e outros verbos de “complemento apagável”. De fato, Levin &Rappaport-Hovav (2002) argumentam fortemente contra a análise causativa de predicados x Verbo y com verbos de “consumição”, (ou seja, nos quais o participante aqui representado por [ x ] é “consumido” pelo participante [ y ]), que, conforme elas também salientam, são justamente os verbos que apresentam a possibilidade de elisão do argumento-complemento, ou “complementos cognatos”, do tipo “comer comida”, “beber bebida”, etc. Assim, o meu “grupo 3” poderia sofrer um refinamento de classificação, separando-se os verbos de acordo com sua potência causativa. Isso pode ser importante para examinarmos melhor o problema da expressão dos sujeitos, como veremos adiante. Por enquanto, estou preocupada centralmente com o problema das alternâncias, e essa idéia de certos argumentos como “superespecificações” interessa, primordialmente, para entender as características dos argumentos [ z ] que podem entrar em alternância com [ y ] e os que não podem. Vamos voltar ao caso de {temperar}. Pelo meu levantamento, a realização mais simples (isto é, de menor amplitude) de {temperar} é aquela na qual há um [ x ] [afetado], e (a) um [ y ] ou (b) um [ z ]. Nessa construção de menor amplitude, segundo segundo minha própria definição junto ao dicionário DHPB, {temperar} pode significar “Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de condimentos; condimentar”; “Fazer reduzir a intensidade da temperatura de; esfriar”; “Tornar mais brando ou ameno; moderar” (acepções 2.1, 2.2 e 2.3 no quadro apresentado no Anexo 2). Comparando essas acepções com aquelas correspondentes ao uso “transitivo direto e indireto” de {temperar} (em 1.1 a 1.3 no quadro), o elemento argumental e de sentido que “falta” ao uso transitivo direto é o elemento adicionado para “modificar por harmonização”. Parece-me, entretanto, que nesse uso sem a expressão do argumento “instrumento”, subentende-se que algum elemento precisa entrar em jogo para efetivar a “harmonização”. De modo que “temperar a comida com z” especifica o “instrumento” (‘condimento”) usado para modificar a comida, harmonizando-a; em “temperar a comida” este elemento não está identificado, mas se subentende. Ou seja, {temperar} implicaria um “z a ser combinado a x”, que pode estar sub-especificado nas construções do tipo “y temperar x”. Assim, [ z ] “instrumento” pode ser a especificação de um dos elementos implicados na semântica dos verbos, em analogia ao que acontece com os z locativos – e podem ou não ser realizados na construção: *[ x [ V ]], [ y [ x (z) [ V ]] {chegar} V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |94| (a) .. até chegarem a um porto limpo e de bom surgidouro [ x ]: __, 3a pessoa plural [ z ]: um porto limpo e de bom surgidouro (b) ... eles chegaram. [ x ]: eles [ x [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]] {temperar} (c) “Eu temperei a comida com sal e pimenta” [ x ]: a comida [ y ]: eu [ z ]: sal e pimenta (d) “O sal e a pimenta temperaram a comida” [ x ]: a comida [ z ]: o sal e a pimenta (e) ? “A comida se temperou” [ x ]: a comida [ y ]: se A diferença central seria que os [ z ] locativos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ x ], e os [ z ] instrumentos seriam argumentos da órbita da relação entre o verbo e [ y ], explicando a possibilidade de alternância entre [ z ] “instrumento” e [ y ]. O interessante é notar que [ z ] “instrumento”, nesse esquema, pode receber duas propriedades semânticas diferentes do verbo: [ estativo ], quando há na grade um [ y ] que recebe [desencadeador]; e [desencadeador], quando não há um [ y ]. Ou, seguindo Ciríaco e Cançado (2007), esse tipo de argumento com papel temático tradicional de “instrumento” acarretam do verbo a propriedade de [desencadeador] “indireto” (que pode co-ocorrer com [desencadeador] “direto” na mesma construção). Assim, argumentos que configurariam “superespecificações” do desencadeamento podem alternar com o desencadeador (e portanto, podem ser sujeitos), enquanto argumentos que configurariam “superespecificações” da propriedade “afetado”, não. Como já adiantei mais acima, o grande problema dessa abordagem seria explicar a alternância locativa. Deixo isso para etapas futuras da pesquisa. Entretanto, me parece que a chave da questão estará em compreender melhor a estrutura dos verbos de “alternância locativa”, para o que um estudo diacrônico pode ser importante. Notemos por exemplo os contrastes já clássicos de (Pontes, 1986): (a) Cabe muita gente na belina ~ A belina cabe muita gente Pode-se pensar que “A belina”, sendo semanticamente um locativo, não deveria alternar com “muita gente”. Entretanto, o que eu estou dizendo é que [ z ] locativo não pode alternar com [ y ] causativo; e não me parece que com {caber}, sob nenhuma forma, tenhamos uma estrutrura causativa. Assim, a alternância acima seria: [ x z [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]] {caber} (b) “Cabe muita gente na Belina” [ x ]: muita gente V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |95| [ z ]: a Belina (c) “A Belina cabe muita gente” [ x ]: muita gente [ z ]: a Belina Onde o contraste remete ao argumento que ocupa a posição de sujeito; mas em nenhum dos dois casos são sujeitos “causativos”, [ y ]. Nesse caso, o que temos que compreender não é o contraste desses locativos “alternantes” do PB com os [ z ] “instrumentos” alternantes, mas sim com os locativos nãoalternantes. Uma diferença que eu observo é que não me parece possível aceitar locativos “alternantes” com verbos de movimento, nem com os dativos, como eu já especifiquei acima. Assim, a diferença pode ser que os locativos selecionados por verbos como {caber}, que não expressam movimento, sejam mais independentes do predicado de [ x ] que os locativos “verdadeiros”. Assim, eles podem se construir até mesmo como sujeitos do predicado de [ x ], ao contrário dos “verdadeiros”. Nesse ponto, apenas quero apontar que seja qual for a análise para a alternância locativa com {caber}, trata-se de uma alternância do grupo de [ x ], não do grupo de [ z ] - uma alternância de transitividade, não entre causadores (como a de {temperar}). Para resumir, portanto, segundo meu esquema descritivo temos as seguintes possibilidades de realização argumental, combinando lugares estruturais mínimos e as propriedades semânticas acarretadas, seguindo Cançado (2003, 2005): verbos [ x (z) [ V ]], *[ y [ x (z) [ V ]]] [ x ] [estativo], [ x ] [afetado], [ x ] [afetado][desencadeador ] [ z ] [estativo] verbos [ x (z) [ V ]], [ y (z) [ x [ V ]]], [ z [ x [ V ]]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador ] [ z ] [desencadeador ] [ z ] [estativo] verbos * [ x [ V ]]], [ y (z) [ x [ V ]]] ~ [ z [ x [ V ]]] [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador ] [ z ] [desencadeador ] Até o momento, a pesquisa se concentrou em organizar as valências possíveis nos verbos estudados com base na minha intuição do PB. Futuramente será necessário descrever as construções que podemos encontrar no PC, com base no esquema básico das relações possíveis entre o número de argumentos e as propriedades semânticas acarretadas, chegando-se a uma tipificação dos papéis temáticos, e a um mapa completo das construções de alternância. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |96| Nesse ponto será possível investigar a relação entre as propriedades semânticas acarretadas nos predicados básicos e a realização dos diferentes argumentos como sujeitos sintáticos, em um e outro estágio da língua. O esquema básico das relações entre o número de argumentos e as propriedades semânticas acarretadas nos dá o seguinte quadro de partida: esquema argumentos e propriedades acarretadas sujeito sintático ex (PB) [x [ x ][estativo] [ x ][estativo] {bastar} [ x z V] [ x ] [estativo] + [ z ] [estativo] [ x ][estativo] ( + controle) {amar} [x [ x ][afetado] [ x ][afetado] {morrer} [ x z V] [ x ] [afetado] [ z ] [estativo] [ x ] [afetado] {chegar} [x V] [ x ][afetado][desencadeador] [ x ][afetado][desencadeador] {correr} {engordar} [ x z V] [ x ][afetado][desencadeador] [ z ] [estativo] [ x ][afetado][desencadeador] {correr} [ x z V] [ x ] [estativo] + [ z ] [estativo] [ x ][estativo] ( + controle) {amar} [ y [ x V ]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ y ][desencadeador] (+ controle), ( - controle) {arrancar} [ y [ x z V]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [estativo] [ y ][desencadeador] {entregar} [ y z [ x V ]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] + [ z ] [desencadeador] - [ y ][desencadeador] (+ controle) {temperar} V] V] A partir desse quadro básico o mapa das construções apresentadas nos Quadros I a IV da seção 1 será refinado, acrescentando-se à informação pura de valência informações sobre as propriedades semânticas acarretadas em cada construção – e consequentemente, sobre os papéis temáticos (como adianto as seguir). A reunião dessas informações permitirá uma visão aprofundada do fenômenos das alternâncias no PC e sua evolução no PB, abrindo a a possibilidade de verificarmos detalhadamente a relação entre os papéis temáticos e a expressão dos sujeitos. Até este momento esse quadro de construções não está terminado; apresento aqui um esquema inicial baseado na verificação das valências exposta nos Quadros I a IV da seção 1. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |97| Alternâncias atestadas no PC: Quadros preliminares 1. Verbos com alternância de valência 1 ~ 2 (aparecem com um ou dois argumentos) 1.1 Alternância quanto ao argumento [ y ] [desencadeador] Alternância de valência Alternância do sujeito [x V] ~ [ y [ x V ]] [ x ] [afetado] {abrir} {abranger} {achegar} {dar} {quebrar} {queimar} x abrir x abranger x achegar x dar x quebrar x queimar Sujeito: [ x ] [afetado] [ x ] [afetado] Sujeito: [ y ] [desencadeador] [ y ] [desencadeador] y abrir x y abranger x y achegar x y dar x y quebrar x y queimar x 1.2 Alternância quanto ao argumento [ z ] [estativo] Alternância de valência Alternância do sujeito [ x (z) V ] [ x ] [afetado] ([ z ] [estativo]) (sujeito é sempre [ x ][afetado]) {achegar} {correr} {cair} {cortar} {entrar} x achegar a z x correr para z, z x cair de/em z x cortar z x entrar em z {caber} {acudir} {condescender} x caber a z x acudir a z x condescender a z - 2. Verbos com alternância de valência 2 ~ 3 (aparecem com dois ou três argumentos) 2.1 Alternância quanto ao argumento [desencadeador] indireto (“instrumento”) 2.1.1 Verbos em construções com e sem [desencadeador] indireto (“instrumento”) Alternância de valência Alternância do sujeito [ y (z) [ x V ]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [desencadeador] indireto (sujeito é sempre [ y ][desencadeador]) {dissolver} {pulverizar} {temperar} {mexer} {ornar} {defender} y dissolver x (com/em z) y pulverizar x (com z) y temperar x (com z) y mexer x (com /em z) y ornar x (com z) y defender x (com z) - V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |98| 2.1.2 Verbos em construções com e sem [desencadeador] direto Alternância de valência Alternância do sujeito [ y (z) [ x V ]] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [desencadeador] indireto SUJEITO: [ y ] [desencadeador] [ z [ x V ]] [ x ] [afetado] [ z ] [desencadeador] indireto SUJEITO: [ z ] [desencadeador] indireto {dissolver} {temperar} {defender} y dissolver x (com/em z), y temperar x (com z), y defender x (com z), z dissolver x z temperar x z defender x ~ 2.2 Alternância quanto ao argumento [estativo] Alternância de valência Alternância do sujeito [ y [ x (z) V ] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [estativo] {deixar} {esquipar} {fazer} {provocar} {envolver} y deixar x a z y esquipar x a z y fazer x a z y provocar x a z y envolver x em z - 3. Verbos com alternância de valência apenas se contarmos SE como argumento Alternância de valência Alternância do sujeito [x V] ~ [ y [ x V ]] [ x ] [afetado] Sujeito: [ x ] [afetado] [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] Sujeito: [ x ] [afetado] {correr} {esgalhar} x correr x esgalhar x correr-se x esgalhar-se V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |99| As possibilidades de alternância de sujeito no PC podem se esquematizar como segue. No quadro, não se incluem argumentos [ z ] estativo que não sejam ligados à propriedade de [desencadeador] secundário (provavelmente ligada ao papel temático “instrumento”), uma vez que esses não entram na alternância de sujeito (é o caso de [ z ] estativo ligados aos papéis temáticos de “locativo”, “alvo”, “beneficiário”, que podem entrar na grade de verbos abaixo nos diversos grupos). grade [ x ] [ z ] grade [ x ] [ y ] [ z ] grade [ x ] [ y ] grade [ x ] x [ bastar ] x [ falecer ] x [ acontecer ] +y,-y z~y z [ abrir x ] z [ abranger x ] z [ quebrar x ] z [ queimar x ] z [ temperar x ] z [ dissolver x ] z [ defender x ] y [ abrir x ] com z y [ abranger x ] com z y [ quebrar x ] com z y [ queimar x ] com z y [ temperar x ] com z y [ dissolver x ] com z y [ defender x ] com z y [ abrir x ] y [ abranger x ] y [ quebrar x ] y [ queimar x ] x [ abrir ] x [ abranger ] x [ quebrar ] x [ queimar ] y [ achegar x ] y [ dar x ] x [ achegar ] x [ dar ] y [ temperar x ] y [ dissolver x ] y [ defender x ] y [ pulverizar x ] com z y [ pulverizar x ] y [ mexer x ] com z y [ mexer x ] y [ ornar x ] com z y [ ornar x ] SUJEITOS [ z ] SUJEITOS [ y ] SUJEITOS [ x ] propriedades: propriedades: propriedades: [desencadeador] - controle [desencadeador] + controle, - controle [estativo] / [afetado] / [afetado][desencadeador] Quanto aos pontos de comparação com o PB, até este ponto do levantamento, o único tipo de construção que não encontro no corpus do PC mas me parece aceitável no PB é a construção com [ x ] sujeito e um [ y ] ligado ao papel temático “instrumento”, do tipo {A porta abriu com a chave}, {O mastro quebrou com o machado}. Se for correto analisarmos esse tipo de “ [ z ]” estativo como “desencadeador secundário”, a partir do que propõe Ciríaco e Cançado (2007), esse contraste poderia vir a mostrar diferenças interessantes entre os dois pontos da diacronia, uma vez que no PC mesmo numa grade que inclui um desencadeador secundário seria possível a realização de um [afetado] como sujeito, mas no PC, não. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |100| Entretanto, o esquema montado até este ponto é evidentemente muito inicial. Seu ponto central de interesse seria a possibilidade que ele abre para captar a intuição de que o processo de mudança entre PC e PB, do ponto de vista da estrutura argumental, passa centralmente pela expressão dos argumentos que podem ocupar a camada causativa. Isso se nota bem em seguida, ao analisarmos a relação entre as possibilidades de alternância no PB e a expressão mais ou menos lexical dos sujeitos no PC, a qual parece estar relacionada ao problema da “agentividade”. O desenvolvimento dessa proposta remete ao problema dos “papéis temáticos” envolvidos nas construções acima. Para Cançado 2003, 2005, (que seguimos) os papéis temáticos são interpretados de modo fundamentalmente composicional em cada construção com cada verbo. Assim, a pesquisa neste ponto implica um estudo dos diferentes papéis temáticos resultantes das diferentes combinações entre propriedades fundamentais acarretadas e ativação de estruturas. Mais acima, ao procurar explicitar as diferentes implicações das idéias de “valência” e de “estrutura argumental”, frisei que a primeira remete primordialmente à descrição de um item lexical, e a segunda à descrição de um predicado. No esquema que proponho, a “alternância” envolve os dois planos; observemos o contraste estrutural e de distribuição de propriedades abaixo: (a) A porta abriu (b) A moça abriu a porta [ x V ], [ y [ x V]], [ x ] afetado-desencadeador, [ x ] -afetado, [ y ]-desencadeador O verbo é “o mesmo”; as propriedades semânticas fundamentais acarretadas (por hipótese) são as mesmas; as construções diferem no número de argumentos selecionados e, consequentemente, no modo como o predicado se estrutura. Penso que esse contraste de seleção e construção confere diferentes semânticas às formações acima não só porque as propriedades semânticas estão “concentradas” num caso e distribuídas no outro, mas também porque na segunda construção há uma camada a mais de estrutura. Sendo a “causatividade” uma propriedade de predicados, a segunda construção é causativa, a primeira não; assim, a interpretação de haver ou não um “causador” não depende de o verbo acarretar ou não a propriedade de [desencadeador], depende de essa propriedade ser acarretada em um argumento que ocupe (ou ative) uma camada de estrutura. Nesse sentido, o que me parece interessante observar por enquanto é a previsão que isso implica em relação ao papel temático tradicional de “Agente”, que está associado às propriedades fundamentais [desencadeador] e [controle] e à ocupação de uma camada de estrutura (a camada causativa). Um argumento que acumule essas três propriedades seria o “Agente” mais bem caracterizado – e é justamente esse o que mais aparece como sujeito nulo nos dados do PC. É o que veremos na seção a seguir, pela exposição de um exame preliminar da combinação entre a tendência de expressão lexical ou nula dos sujeitos e sua natureza argumental - [ z ], [ y ], [ x ], associados ainda às propriedades de [desencadeador] e [controle]. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |101| 3.3 Exame dos padrões de expressão dos sujeitos Considerando as classes de diátese aqui descritas, e do quadro geral das possibilidades de alternância acima esboçado, compõe-se o quadro lógico dos argumentos que podem ser realizados como sujeitos: sujeito = sujeito = sujeito = [x] [ x ], [ y ], [ z ] [ x ], [ y ], [ z ] de verbos intransitivos estritos (Grupo 1) de verbos de alternância (Grupo 2) de verbos transitivos estritos (Grupo 3) Contrapondo essas possibilidades com o sumário das prorpriedades semânticas e dos padrões de alternância de diátese esboçados mais acima, a função sintática sujeito está aberta para incluir os seguintes tipos básicos de argumentos: [ x ] [afetado] [ x ] [afetado] [desencadeador] O rei faleceu O conde cavalgou [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [desencadeador] A flor abriu A moça abriu a porta A chave abriu a porta [ y ] [desencadeador] [ z ] [desencadeador] O médico temperou a febre com remédios Os remédios temperaram a febre Combinando os tipos básicos à propriedade de controle, teríamos: [ x ] [afetado] [ x ] [afetado][desencadeador] – controle + controle O rei faleceu O conde cavalgou [ x ] [afetado] [ y ] [desencadeador] [ z ] [desencadeador] – controle + controle – controle A porta abriu A moça abriu a porta A chave abriu a porta [ y ] [desencadeador] [ z ] desencadeador] [ y ] [desencadeador] + controle – controle – controle O médico temperou a febre com remédios Os remédios temperaram a febre O rio arrebentou o barranco Agora, se nos voltarmos aos resultados medidos preliminarmente para a expressão nula ou lexical dos sujeitos, mostrados na Seção 1, observaremos alguns fatos interessantes. Primeiro veremos que entre, quanto aos três grupos comparados de diátese (cf. Gráficos 4 a 6), aqueles em que encontramos mais sujeitos nulos são, por ordem: (1) sujeito de verbos do grupo 2: 65% nulos (2) sujeito de verbos do grupo 3: 56% nulos (3) sujeito de verbos do grupo 1: 35% nulos (gráfico 5) (gráfico 6) (gráfico 4) De partida portanto, a relação entre apagamento de sujeito e amplitude de diátese parece apenas revelar que com os verbos de maoir amplitude, há uma probabilidade maior de sujeitos nulos que nos outros dois grupos, e que o grupo com menor probabilidade de sujeitos nulos é o dos verbos mono-argumentais. Combinando, agora, essas proproções de sujeitos nulos e a descrição dos grupos conforme acima proposta, temos: (1) 65% sujeito nulo de verbos do grupo 2: [ x ] [afetado], [ y ] [desencadeador], V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |102| [ z ] [desencadeador] (2) 56% sujeito nulo de verbos do grupo 3: [ y ] [desencadeador], [ z ] [desencadeador] (3) 35% sujeito nulo de verbos do grupo 1: [ x ] [afetado] [ x ] [afetado][desencadeador] Nota-se portanto se que no agrupamento acima ainda há muita mistura em termos de propriedades semânticas ([afetado], [desencadeador], + ou - controle) e em termos da posição estrutural de cada argumento no predicado primário (ou seja, quanto às “camadas” estruturais que esboçamos mais acima). Sobretudo, entre os sujeitos dos verbos do Grupo 2 ainda temos argumentos de tipo [ y ][desencadeador] +, [ y ][desencadeador] – e [ x ][afetado] misturados. Uma segunda medição foi realizada separando em cada grupo os diferentes tipos de argumentos encontrados como sujeitos - [ x ], [ y ], [ z ] e a propriedade de [controle]. Futuramente, estando desenvolvido o mapa das construções segundo papéis temáticos, será feita uma medição correspondente às propriedades semânticas de [afetado],[desencadeador], etc. Na medição preliminar realizada, temos a seguinte ordem de proporções de sujeitos nulos (cf. Gráficos 7 a 10, seção 2): (1) sujeitos + controle de verbos do grupo 2: (2) sujeitos + controle de verbos do grupo 1: (3) sujeitos – controle de verbos do grupo 3: (4) sujeitos + controle de verbos do grupo 3: (5) sujeitos - controle de verbos do grupo 2: (6) sujeitos – controle de verbos do grupo 1:: 84% nulos 67 % nulos 65% nulos 59% nulos 45% nulos 32% nulos (gráfico 10) (gráfico 8) (gráfico 12) (gráfico 11) (gráfico 9) (gráfico 7) O ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com verbos de alternância onde o sujeito é +controle (84%); note-se, pela tipologia aqui apresentada, que estes sujeitos serão sempre [ y ] [desencadeador ]. O segundo ambiente em que mais encontramos sujeitos nulos são as construções com verbos intransitivos estritos onde o sujeito é + controle (67%, ou seja, 17 pontos abaixo). Esses casos envolvem sujeitos [ x ][afetado][desencadeador] ou [afetado]. Em terceiro lugar, estão as construções com verbos transitivos estritos, em que o sujeito é - controle (65 %, ou seja, 2 pontos abaixo de sujeito + controle de intransitivos e 19 pontos abaixo de [ y ][desencadeador] + controle dos verbos de alternância). Em quarto, vêm as construções com [ y ] + controle dos verbos transitivos estritos (59%, 7 pontos abaixo do terceiro, 9 pontos abaixo do segundo, e 24 pontos abaixo do primeiro). Em quinto lugar estão os sujeitos – controle de verbos de alternância transitiva, com 45% de nulos; em último lugar, os sujeitos [ x ] - controle de verbos intransitivos estritos (32% de nulos). O resultado mostra de partida o peso do critério “+ ou - controle” sobre a expressão nula ou lexical do sujeitos. Entretanto, é importante lembrar que quando separamos os dados apenas pela propriedade de “controle”, a partir da intuição incial apresentada na Seção 1, os resultados não são tão expressivos. Considerando apenas o critério “+ - controle”, sem considerar a classe de diátese, a diferença entre os V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |103| padrões de sujeito nulo fica na faixa dos 15 pontos (65% de sujeitos nulos para os dados interpretados como + controle; 50% de nulos para os dados interpretados como – controle, cf. Gráficos 2 e 3). Já quando consideramos a propriedade de controle aliada à classe de alternância, as diferenças podem chegar a 38 pontos entre dados do mesmo grupo (é o caso dos 84% de nulos com [ y ][desencadeador] +controle nos verbos do Grupo 2, contra 16% de lexicais), e a 52 pontos de diferença entre o primeiro tipo geral e o último (sujeitos + controle de verbos de alternância, contra sujeitos – controle de verbos intransitivos estritos). O primeiro comentário importante a respeito desses resultados é que o sistema descritivo construído até este momento da pesquisa pode permitir distinções importantes entre algumas características envolvidas na noção difusa incial de “agente”, pela separação da propriedade de desencadeamento e da propriedade de “controle”, seguindo Cançado (2003, 2005); e subsequentemente, pela separação dos [desencadeadores] em três tipos básicos: [desencadeador] acarretado por verbo mono-argumental, “condensado” num único argumento também [afetado]; [desencadeador] que constitui um [ z ] “instrumento” que ocupa o lugar de [ y ]; [desencadeador] acarretado por verbos transitivos estritos; e [desencadeador] acarretado por verbos de alternância transitiva a seu argumento “opcional”. Este último é o argumento que mais tende a aparecer nulo, como vimos. Creio que uma parte das diferenças medidas deve reflitir ainda inconsistências na análise dos dados. Certamente este deve ser o caso dos meus critérios para determinar [controle] em algumas ocorrências; creio também que ainda há muito o que aperfeiçoar na própria classificação dos verbos quanto aos grupos de diátese, em especial quanto ao “grupo 3”, e que uma separação mais consistente frutificaria em melhores resultados. Ainda assim, este método de comparar o tipo de verbo com o padrão de expressão do sujeito parece promissor. Depois de aperfeiçoada, eessa metodologia pode consituir um apoio para o estudo comparativo entre a expressão argumental no Português Clássico e no Português Brasileiro, pelas razões que explicito agora. O exame dos padrões de expressão dos sujeitos em relação às classes de alternância de diáteses me parecem mostrar propriedades importantes da gramática do Português Clássico do ponto de vista comparado ao PB. Primeiro, torna-se evidente que a propriedade de “agente” está fortemente associada à função sintática “sujeito” na gramática do PC. De um ponto de vista das teorias funcionais, por exemplo, uma vez que os sujeitos “agentes” são os que mais aparecem nulos, eles podem ser considerados os “sujeitos prototípicos” (Du Bois 2002, entre outros). Notemos, sobretudo, que a propriedade de “agente” aparece ainda mais fortemente com agentes de verbos causativos. Isso nos leva à observação principal propiciada pelo levantamento: os argumentos que mais aparecem como sujeitos nulos no Português Clássico são justamente aqueles tendem a ser “suprimidos” V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |104| no Português Brasileiro. Parece-me que seria interessante estudar a relação entre esses dois fatos em termos da reanálise diacrônica que marcaria a mudança gramatical entre PC e PB. Nessa perspectiva, e voltando à idéia esboçada na Introdução, o dado fundamental da reanálise seria algo como: PC: (a) [ uma chamada Dona Urraqua ]-O, [ _ ]-S casou [com o Conde D Reymão de Tolosa]-O [ x ]: uma chamada Dona Urraqua [ y ]: __ , (o rei) [ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa versus PB: (b) [ uma chamada Dona Urraqua ]-S, casou [ com o Conde Dom Reymão de Tolosa ]-O [ x ]: uma chamada Dona Urraqua [ z ]: o Conde D Reymão de Tolosa A diferença entre os dados gira em torno da propriedades de “proeminência do agente” e licenciamento de sujeitos nulos. A semelhança reside na proeminência discursiva da posição à esquerda do verbo. Por isso seria interessante uma hipótese de reanálise na qual, mantida a propriedade de saliência à esquerda, a gramática do PB seria uma reestruturação da gramática do PC na qual a propriedade de saliência à esquerda se mantém enquanto a relação entre sujeitos e verbos se reestrutura. Em Paixão de Sousa (2008b) sugeri uma hipótese preliminar da seguinte forma: (a) PC: [FP (b) PB: [FP F F [TP [TP T T [VP [V]]] [VP [V]]] onde F= “forte”; onde F= “forte”; T = “forte” T = “fraco” > Naquele trabalho, entretanto, ainda não havia elaborado essa questão do peso da “agentividade” sobre a expressão nula dos sujeitos. Como resultado do presente estudo, pergunto-me se a “proeminência do agente” não teria alguma relação com a relação “forte” que T consegue estabelecer com seu especificador no PC. Essa relação não é imediatamente evidente num contexto de estudos em sintaxe formal, onde não se remete a idéias do tipo “prototipicidade” do sujeito, como nas teorias funcionais. Entretanto, se pensamos na importância da hierarquia temática para os estudos da sintaxe de sujeitos no âmbito da teoria gerativa, por exemplo a partir de Baker (1988), (1997) e Larson (1988), veremos o quanto a “saliência” de determinado papel temático pode refletir na sintaxe das línguas – em especial, quanto aos mecanismos de especificação da categoria que codifica a relação de sujeito sintático. Sobretudo, entretanto, o problema da relação entre a propriedade de “agentividade” e a expressão nula dos sujeitos pode interessar como elemento para se compreender a reanálise entre os dois estágios da língua. Nas teorias da mudança no quadro gerativo (Lightfoot 1999 entre outros), um problema central é compreender como uma determinada geração de falantes chega a adquirir uma gramática diferente daquela que gerava os dados produzidos pela geração anterior de falantes – sendo que, por definição, são esses os dados disponíveis para a aquisição. Nesse quadro, a possibilidade de ambiguidade nas V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |105| construções presentes nos dados primários de aquisição é um fator central para explicar mudanças. Parece-me que as construções que podem expressar diferentes estruturas argumentais com “o mesmo verbo” são um campo fértil de ambiguidades; de modo que um constituinte como {uma chamada Dona Urraqua} na construção {uma chamada Dona Urraqua casou com o Conde D Reymão de Tolosa} pode ter uma interpretação ambígua (sujeito? complemento?) a depender de como se analise a valência do verbo {casar}. As mudanças de valência configuram, portanto, um campo importante da reflexão gerativista sobre mudança gramatical (cf. por exemplo, a análise de Lightfoot 1999 sobre a relação entre o enfraquecimento do “efeito V2” e a mudança na valência de verbos como {like},{please}, etc. no Inglês Médio). Na última seção, a seguir, comento as perspectivas que se abrem para a pesquisa a partir desses resultados parciais. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |106| 4. Resumo e Perspectivas Este trabalho partiu de perguntas sobre as raízes diacrônicas da flexibilidade de diáteses observada no Português Brasileiro atual. Aliando o mapeamento das estruturas verbais realizada ao longo da pesquisa a trabalhos anteriores sobre a ordem de constituintes no Português Clássico, desenha-se um quadro dos contrastes gramaticais entre PC e PB centrado na relação entre a alternância de diáteses e os mecanismos reguladores da ordem e do apagamento de constituintes nas duas gramáticas. Na gramática do Português Clássico “sujeito sintático” é uma relação independente de (i) lexicalização e (ii) posição: há uma relação fortemente “amarrada” entre o verbo e seu argumento externo, que permite que este argumento seja licenciado como nulo, e o torna livre de restrições configuracionais. Com esse trabalho, observei que no PC, embora a incidência de sujeitos nulos seja alta no geral, ela é particularmente alta no que respeita os argumentos externos cuja semântica é de desencadeadores com controle sobre o evento expresso pelo verbo - ou seja: com “Agentes”. A propriedade de “agente” seria a propriedade do sujeito prototípico nessa língua, como no Indo-Europeu em geral (segundo Lehmann, 1976); e essa “saliência” do agente pode ser um dos fatores envolvidos na propriedade de sujeito nulo plena dessa gramática. Já na gramática do Português Brasileiro, “sujeito sintático” é uma relação fortemente dependente de posição: na interpretação dos falantes, sujeito é tipicamente o constituinte que aparece pré-verbal; e o sujeito só pode não ser pronunciado quando a sua posição é suficientemente explícita dada a configuração da oração. Além disso, contrapondo-se ao que se disse acima sobre a semântica dos sujeitos no PC, no PB, como têm mostrado alguns estudos, já não é clara a preponderância do “Agente” na hierarquia dos papéis temáticos (como é comum em línguas não Indo-Européias, ainda segundo Lehmann, 1976). Fica então a pergunta: estarão esses dois fatos interligados, e de que modo? A pergunta leva a pesquisa a se dirigir, a partir deste ponto, a um estudo aprofundado das relações entre as propriedades de “agentividade” (“desencadeamento”, “controle”) e os padrões de expressão dos argumentos nas gramáticas da realização argumental no português e em diferentes línguas. Será importante investigar, por exemplo, se a propriedade de licenciamento de constituintes nulos na sintaxe aparece, nas línguas, relacionada a uma hierarquia forte e determinada entre os diferentes papéis temáticos. Em caso positivo, seria interessante estudar casos em que essas propriedades tenham sofrido mudanças, examinando a relação de antecedência entre os dois processos. Além disso, tendo em vista minha hipótese sobre a proeminência à esquerda no Português Clássico – de fato, minha hipótese de ser essa a propriedade constante do processo de mudança – será preciso pesquisar também o peso das propriedades de “topicalidade” sobre a gramática das realizações argumentais. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |107| Para possibilitar esse desenvolvimento futuro, além do aprofundamento do estudo teórico, a pesquisa deverá se dedicar ao aperfeiçoamento da metodologia de trabalho. Em primeiro lugar, será fundamental ampliar o mapa das valências atestadas, aumentando o número de verbos estudados (inclusive selecionando verbos de acordo com suas classes semânticas). De início, conto com os dados já selecionados dos corpora de pesquisa, e atualmente em exame: TABELA: Universo de dados a serem finalizados Corpus Número de Verbos Número de Ocorrências Dicionário Histórico do Português no Brasil (DHPB) 50 42.221 Corpus Histórico do Português Tycho Brahe (CTB) 163 1.214 213 43.435 Em segundo lugar, quanto à metodologia do trabalho, há ainda muito o que se refinar nos critérios de formação de classes comparadas de diáteses, e inúmeros impasses de análise que aguardam reflexão, muitos deles já apontados ao longo do relatório. Será importante, também, melhorar o método de medição da expressão dos argumentos; em especial, pretendo aprofundá-lo classificando os argumentos também quanto à sua morfologia específica (particularmente no que remete aos argumentos oblíquos), além de melhorar a classificação quanto aos papéis temáticos. Por fim, será fundamental realizar uma descrição da ordem dos constituintes no mesmo universo já trabalhado quanto à realização argumental; para esse aspecto é central que a análise passe a levar em conta propriedades discursivas ligadas à topicalidade (informação nova, informação dada, etc), uma vez que, como venho defendendo, a ordem neste período da língua é fortemente ligada à saliência discursiva. Aliando os aperfeiçoamentos metodológicos e a ampliação do universo de pesquisa ao aprofundamento da reflexão teórica, será possível publicar o Dicionário das Valências Verbais do Português Clássico, o qual espero que venha a ser uma ferramenta útil para os estudos da diacronia do português em geral, e da expressão argumental no Português Brasileiro em particular. V a l ê n c i a s v e r b a i s n o p o r t u g u ê s c l á s s i c o | r e l a t ó r i o d e p e s q u i s a | 2 0 0 8 |108| Referências Bibliográficas ALENCAR, L. F. (2005). A discrepância entre valência sintática e semântica nas construções anticausativas alemãs. Em “Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela”, vol. 2, 2005, Edições FLUP – Faculdade de Letras da Universidade do Porto. pag. 493-506 BAKER, M.C. (1988). Incorporation: A Theory of Grammatical Function Changing. Chicago: University of Chicago Press. BAKER, M.C. (1997). Thematic roles and syntactic structure. Em M.C. Baker (ed), “Elements of grammar: Handbook of generative syntax”. Dordrecht: Kluwer BOAS, H. C. (2006) A frame-semantic approach to identifying syntactically relevant elements of meaning. Em Steiner, P., Boas H.C., and S. Schierholz (eds.), “Contrastive Studies and Valency. Studies in Honor of Hans Ulrich Boas”. Frankfurt/New York. 119-149 BORBA, F.S (1991). Dicionário Gramatical de Verbos do Português Contemporâneo. Araraquara: Editora da Unesp. BORBA, F.S. (1996). Uma gramática de valências para o português. São Paulo: Ática. CANÇADO, M. (2003). Hierarquia temática: uma proposta para o PB. Revista Letras 61: 60-62 CANÇADO, M. (2005). Propriedades semânticas e posições argumentais. DELTA 21.1: 23-56 CAVALCANTE, S.R. (2006). “O Uso de SE com Infinitivas na História do Português: Do Português Clássico ao Português Europeu e Brasileiro Modernos”. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. CIRÍACO, L. & CANÇADO, M. (2007). A Alternância causativo-ergativa no PB. Apresentação ao V Congresso internacional da Abralin. Belo Horizonte, UFMG. CIRÍACO, L. & CANÇADO, M. (2006). Inacusatividade e Inergatividade no PB. Cadernos de Estudos Lingüísticos. 46 (2). Jul/Dez 2004. p.207-225. UNICAMP COSERIU, E. (1977). Para una semántica diacrónica estructural. Em “Princípios de semántica estructural”, Madri: Gredos (11-86) DU BOIS, J.W. (2003). Argument Structure: Grammar in use. Em J.W. Du Bois, L.E. Kumpf, W. J. Ashby, eds, “Preferred Argument Structure: Grammar as Architecture for Function”. John Benjamins. DU BOIS, J.W., KUMPF, L.E., & ASHBY, W.J. (eds) (2003). “Preferred Argument Structure: Grammar as Architecture for Function”. John Benjamins. |109| DUARTE, I. & BRITO, A. M (2003). Predicação e Classes de Predicadores Verbais. Em M.H.M. Mateus et al, “Gramática da língua portuguesa”. Lisboa:Caminho (179-274). DUARTE, M.E.L (1999). Visible subjects and invisible clitics in Brazilian Portuguese. In: Kato, M. & Negrão, E. V. (orgs.) “Brazilian Portuguese and the Null Subject Parameter”. Frankfurt am Main: Madrid/Frankfurt: Iberoamerica/Vervuert.55-73 GALVES, C. (1993). Ensaios sobre as gramáticas do português. Campinas: Editora da Unicamp (2001) HORNSTEIN, N., NUNES, J., & GROTHMAN, K.K. (2005) Understanding Minimalism. New York: Cambridge University Press. JACKENDOFF, R. (1990). Semantic Structures. Cambridge, MA: MIT Press. KATO, M. & NEGRÃO, E. orgs (1999). Brazilian Portuguese and the Null Subject Parameter. Frankfurt am Main: Madrid/Frankfurt: Iberoamerica/Vervuert LARSON, R.K. (1988). On the Double Object Construction. Linguistic Inquiry 21, 589-632. LEHMANN, W.P. (1976): From topic to Subject in Indo-European . In C. Li (ed) “Subject and Topic”. NY, Academic Press. LEVIN, B. (1993). English Verb Classes and Alternations. Chicago: Chicago University Press. LEVIN, B. & RAPPAPORT-HOVAV, M. (1998). Building Verb Meaning. Em Geuder, W & Butt, M., eds, “The Projection of Arguments”. Stanford: CSLI Publications. LEVIN, B. & RAPPAPORT-HOVAV, M. (2002). The Semantic determinants of argument expression: A view from the English resultative construction. Em J. Guéron & J. Lecarne, eds, “The syntax of time”. Cambridge MA: MIT Press. LEVIN, B. & RAPPAPORT-HOVAV, M. (2005). Argument Realization. Cambridge: Cambridge University Press. LIGHTFOOT, D. (1999). The Development of language. New York: Blackwell. MENEZES DA SILVA, G. (em curso). Desmistificando o predicador “chamar”: Um estudo de crônicas portuguesas dos séculos XV e XVI. Dissertação de mestrado em curso, Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp. NEGRÃO, E.V. & VIOTTI, E. (2008). Estratégias de impessoalização no português brasileiro. In: José Luiz Fiorin; Margarida Maria Taddoni Petter. (Orgs.). “África no Brasil: A formação da língua portuguesa”. São Paulo: Editora Contexto, 2008, (179-203) PAIXÃO DE SOUSA, M.C. (2004). “Língua Barroca: Sintaxe e História do Português nos 1600.” Tese de Doutorado. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas. |110| PAIXÃO DE SOUSA, M.C. (2006). Lingüística Histórica. Em "Introdução às Ciências da Linguagem: Língua, Sociedade e Conhecimento". José Horta Nunes e Claudia Pfeiffer (Orgs.). Campinas, Pontes. PAIXÃO DE SOUSA, M.C. (2008a). “... e em nascendo o sol torna a abrir, e quando se põe torna a fechar ...”: o Português Brasileiro e o Português Clássico interessam comparar?. Comunicação ao Workshop Variação e gramática: diacronia e aquisição. Campinas, 26 de fevereiro, 2008. PAIXÃO DE SOUSA, M. C. (2008b). “Proeminência à esquerda na diacronia do Português: inovação e continuidade”. Comunicação ao XV ALFAL - Congresso Internacional da Associação de Lingüística e Filologia da América Latina (Romania Nova), 2008, Montevidéu. Libro de Resúmenes, Montevidéu : Imprenta Gega, 2008. v. 1. p. 332-333. PAIXÃO DE SOUSA, M. C. (2008c). Português Brasileiro e Português Clássico: Conservação, Inovação, & Contato. Comunicação ao Seminário Mundial de Estudos da Língua Portuguesa, São Paulo, 2 de setembro, 2008. PERINI, M. A. (2008) Estudos de gramática descritiva: As Valências verbais. São Paulo: Parábola. No prelo. PONTES, E. (1986). Sujeito: da sintaxe ao discurso. São Paulo: Ática. SNELL-HORNBY, M. (1983). Verb descriptivity in German and English. Heidelberg: Carl Winter. TESNIÈRE, L. (1959). Élements de syntaxe structurale. Paris: Editions Klincksieck. |111| Anexo 1: Lista completa dos verbos TABELA 1: Verbos sistematizados Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB) 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. abalar abastar abranger abrir acabar acalmar achar achegar acolher acontecer acordar acrescentar acudir adoecer adorar adquirir afadigar afastar afirmar agir ajudar ajuntar alcançar alçar amadurecer amar amoestar ancorar andar apagar aparecer apartar aportar aprazer aproveitar arrancar arrasar arrebentar arredar arremessar arvorar assegurar assentar assinar assistir atravessar corpus ctb ctb dhpb dhpb ctb ctb ctb dhpb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb no ocorrências 1 1 82 31 2 1 23 58 2 868 1 5 4 1 1 1 1 1 3 1 5 5 5 3 1 3 1 1 8 1 1 2 1 1 2 2 2 2 1 34 1 2 2 1 2 1 |112| 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. bastar bater beber benzer brotar buscar caber caçar cair casar castigar causar cavalgar cavar celebrar cercar cessar chegar cobrar cobrir colher começar comedir comer cometer comprazer condescender confiar confinar conformar conhecer conjurar conquistar consentir conservar consistir constranger contar conter contradizer correr corrigir corromper cortar cozer crer crescer criar cuidar cultivar cumprir curar curtir danar dar declarar defender deitar deixar demandar demarcar denunciar ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb + ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb 1 1 3 74 1 3 11 1 4 7 1 2 1 2 1 1 3 5 1 1 1 1 1 8 1 1 58 1 3 1 4 1 11 2 2 1 2 3 1 1 2 1 1 4 1 2 2 709 4 1 2 1 1 3 41 1 3 2 8 1 1 1 |113| 109. 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120. 121. 122. 123. 124. 125. 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 137. 138. 139. 140. 141. 142. 143. 144. 145. 146. 147. 148. 149. 150. 151. 152. 153. 154. 155. 156. 157. 158. 159. 160. 161. 162. 163. 164. 165. 166. 167. 168. 169. 170. desafiar desamparar desaparecer descobrir deserdar desmandar despedir desterrar destruir desviar determinar dever diferir dissolver distar dividir dizer dobrar dormir durar edificar embarcar empegar emprenhar encarregar encolher encomendar encontrar endurecer engordar enobrecer enriquecer entrar entregar enviar envolver enxergar escapar escolher escrever esfolar esgalhar esgotar esperar espremer esquecer esquipar estender estorvar estragar estreitar exaltar extinguir falar falecer favorecer fazer finar mexer ornar provocar pulverizar ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb dhpb dhpb dhpb 2 1 1 4 1 3 1 1 2 1 2 1 2 57 2 6 22 1 2 4 6 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 21 2 1 71 2 2 2 3 1 24 1 1 1 1 86 2 1 1 1 1 1 2 1 2 77 1 30 60 34 60 |114| 171. 172. 173. quebrar queimar temperar total sistematizado dhpb ctb+dhpb dhpb 37 21 381 3.263 |115| TABELA 2: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31. 32. 33. 34. 35. 36. 37. 38. 39. 40. 41. 42. 43. 44. 45. 46. 47. 48. 49. 50. 51. 52. 53. 54. 55. 56. 57. 58. Verbos em exame Dicionário Histórico do Português do Brasil (DHPB) e Corpus Tycho Brahe (CTB) achar açoitar acometer acompanhar aconselhar acontecer acrescentar aprender avisar comunicar conceder confessar confirmar congregar cortar criar dar deferir desaguar desertar dificultar distribuir dominar efetuar empenhar envolver expedir favorecer fiar ficar fixar florescer folgar forçar frequentar frutificar fugir furtar ganhar ganhar gastar gerar governar grangear guardar guarecer guerrear guisar habitar habitar haver honrar honrar ilustrar imitar inchar inferir inquerir corpus dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb no ocorrências 9.515 232 360 337 246 868 756 490 1.456 1.230 1.743 1.735 879 368 1.504 689 1602 208 374 513 134 346 38 132 783 71 163 300 230 935 250 98 69 795 394 1.070 446 215 306 785 34 3.150 218 426 584 330 967 107 116 351 33 1 1 1 2 1 1 3 |116| 59. 60. 61. 62. 63. 64. 65. 66. 67. 68. 69. 70. 71. 72. 73. 74. 75. 76. 77. 78. 79. 80. 81. 82. 83. 84. 85. 86. 87. 88. 89. 90. 91. 92. 93. 94. 95. 96. 97. 98. 99. 100. 101. 102. 103. 104. 105. 106. 107. 108. 109. 110. 111. 112. 113. 114. 115. 116. 117. 118. 119. 120. ir jazer julgar julgar juntar lançar lavar levantar levar livrar magoar maldizer mamar mandar manifestar manter matar mendigar menear meter mexer morar morrer mostrar mover mudar multiplicar murchar nascer navegar negar nomear notar obrar ocupar ofender oferecer olhar ordenar outorgar ouvir parar parecer parir participar particularizar partir passar pastar pedir pelar pelejar perder perdoar perguntar permanecer permitir perseguir pertencer pesar pescar pisar ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb 1 5 2 1 1 2 2 3 2 1 2 117 2 1 1 1 1 45 2 1 1 9 1 8 6 4 1 2 1 11 1 1 11 1 1 8 1 1 4 3 1 2 2 1 11 9 1 1 2 3 2 2 2 2 3 1 3 1 15 3 5 1 |117| 121. 122. 123. 124. 125. 126. 127. 128. 129. 130. 131. 132. 133. 134. 135. 136. 137. 138. 139. 140. 141. 142. 143. 144. 145. 146. 147. 148. 149. 150. 151. 152. 153. 154. 155. 156. 157. 158. 159. 160. 161. 162. 163. 164. 165. 166. 167. 168. 169. 170. 171. 172. 173. 174. 175. 176. 177. 178. 179. 180. 181. 182. plantar poder por por possuir povoar prazar preitejar prejudicar prender prestar presumir pretender prezar proceder procurar procurar produzir professar projetar prometer prosperar prover provocar quebrar querer querer quitar realçar receber recolher reconciliar recorrer recrear redimir referir reger reinar remeter remunerar renovar reparar repartir repartir represar residir residir residir resistir resolver respeitar responder restituir revelar rodear romper roubar saber sair saltar sarar satisfazer ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb 2 8 5 1 1 5 3 1 2 3 1 1 1 2 41 16 8 5 11 1 2 7 1 1 1 1 7 1 2 1 1 1 1 3 27 1 1 5 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 2 1 7 9 10 5 2 1 1 1 9 15 1 1 |118| 183. 184. 185. 186. 187. 188. 189. 190. 191. 192. 193. 194. 195. 196. 197. 198. 199. 200. 201. 202. 203. 204. 205. 206. 207. 208. 209. 210. 211. 212. 213. 214. 215. 216. seguir sentir ser situar soar socorrer sofrer soprar suprir surgir sustentar temer ter tingir tirar tocar tomar tornar torrar trabalhar tratar trazer trepar usar valer vedar vencer vender ventar ver vir visitar viver voar ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb dhpb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb ctb total em exame 1 3 6 291 1 1 2 1 1 1 3 6 3 109 1 5 1 15 22 6 14 7 1 3 1 1 2 1 1 17 32 1 7 8 46.658 |119| Anexo 2 Entrada para “temperar” (DHPB) temperar, v. (~tẽperar). 1. Transitivo direto e indireto: 1.1 Juntar (a alimentos) substâncias que realçam sabor, condimentos, temperos: “Ha uma herva que se chama nhamby, que se parece na folha com coentro, e queima como mastruços, a qual comem os Indios e os mestiços crua, e temperam as panellas dos seus manjares com ella, de quem é mui estimada. GSS (1938) [1587],”; “O suco de qualquer das duas massas, ou da mandioca de agua ou seca encorpado com a mesma massa de qualquer d'ellas, e temperado igualmente com o tucupí, toma o nome de uarubé. O mesmo suco da mandioca encorpado com a tipioca faz, depois de fervido, um molho gelatinoso, que tem o nome de tucupiica. ARF[n.d.],”. 1.2. Fazer se tornar mais brando ou ameno pela adição de; suavizar: “Fez hum governo plausivel, e justo, irmanando o rigor com o agrado de fórma, que os que recebiaõ delle os premios, ou os castigos, todos ficavaõ satisfeitos ; taõ poderosa he a Justiça quando se tempera com a brandura ; por estas qualidades deixou tantas memorias, como saudades na Bahia. SRP(1878)[1730]”; “Fuy temperando aquella inflãmaçaõ, e dor com remedios anodinos, mas ſem fruto ; porque veyo a eſcoriarſe, ou para melhor dizer a esfolarſe toda aquella parte, aonde tinhao chegado os ditos ſaquinhos, e ficou tudo em carne viva com dores quaſi inſupportaveis; e applicando variedade de remedios por conſelho, naõ ſó meu, como de hum Cirurgiaõ,e hum Medico amigos, todos foraõ baldados e neſte tempo chegárão as dores, e ardores a tal extremo ,que me impediaõ o comer , e o tomar a reſpiraçaõ , naõ podendo conſentir, que as taes partes chegaſſe pano, maõ, ou lançol; LGF(1735) [1735]”. 1.3. Combinar proporcionalmente; conciliar; harmonizar: “Em todas as cousas que tratava, grandes e pequenas, prosperas e adversas sempre achava a Deos, e trazia seu espirito no céo, e o que é muito de espantar, com tanta destresa descia a cumprir com as empresas de serviço de Deos que trazia entre mãos, que parece que nem no céo nem na terra faltava um ponto, assim sabia ajuntar e temperar a occupação de Martha com a contemplação de Magdalena, que nem o cuidado exterior do bem do proximo o perturbava, nem o trato continuo com Deos dava logar ao terem por ocioso, antes muitas pessoas, quando menos o esperavam o acharam comsigo em seus perigos da alma e do corpo. PPR(1897) [1607]” 2. Transitivo direto: 2.1. Preparar (alimentos) para o consumo pela adição de condimentos; condimentar: “Picam ou cortam o repolho também em fios, e onde costumam esta menestra, tem já instrumentos, que por engenho fazem depressa: assim picado o põe em vasilhas de pao, lançando-lhe bastante sal, como quem salga carnes; põe-lhe por cima alguma táboa com ua boa pedra, ou outro peso em cima, para que o repolho fique totalmente coberto, e afogado na salmoura. Quem quer lhe lança também alguma pimenta, ou mostarda, ainda que não necessita disso. Quando o querem cozinhar, lavam-no muito bem, e depoes o cozinham, e temperam; e se é com gordura, ou manteiga melhor: e afirmam os práticos, que é uma das mais excelentes iguarias, que usam os alemães, e outras nações. PJD(1976) [1757]”; “Para tirar os dentes é o seu leite remédio eficacíssimo: bem a sua custa o experimentou uma dona, que não podendo suportar a dor de um dente, o tocou com este leite, e para logo lhe caíram todos: não há boticão mais eficaz! Deste leite tomam alguns doentes purgantes, mas como não o sabem temperar, ou modificar, nem também a doce regrada, tem deitado a muitos na cova, exasperando-lhe as entranhas com o seu fogo; mas na verdade será de muitos préstimos, depoes que os químicos souberem temperar, e modificar. PJD(1976) [1757]”. 2.2 Tornar mais brando ou ameno; moderar: “E, na verdade, assim é; porque os mantimentos, ainda que não poem tantas forças, não são de tanta resistencia ao calor natural como os de Europa, e os ares são mais temperados em os frios e quentura, que os de outras regiões, sem embargo de |120| estar esta dentro da zona torrida, e o sol passar duas vezes no anno por cima das cabeças dos moradores, uma quando vae para o sul, e outra quando dá volta, o que nesta Baia de Todos os Santos ha começo (comuco) aos 28 de outubro a ida do sol para baixo, e aos 14 de fevereiro a tornada; porem accudiu divina Providencia com chuvas e virações, que temperam estas calmas. PPR(1897) [1607]; “O mesmo fizeram todos os moradores da Baía, que tinham fazendas fora, que agasalharam com muita caridade, por muitos dias, quem cento, quem duzentas e trezentas pessoas, dando-lhes todo o necessário até buscarem remédio. Por esta grande piedade e misericórdia pôs Deus seus piedosos olhos em nós, para nos acudir e temperar o rigor do seu castigo. AV(1925) [1626]”; “Só agua faltava, a qual tambem fiz buscar por Francisco, feitor da roça, dizendo-lhe cavasse onde achasse hervas mais verdes, fel-o assim achou, uma veia de agua junto á olaria, a qual serve para beber e lavar a roupa dos que lá assistem e quizDeus Nosso Senhor, em honra de sua Mãe Santissima, a Virgem Senhora da Luz, a quem esta olaria se dedicou, que em o mesmo logar onde se cavou para fazer amolecer o barro sahiu uma veia de agua que servisse para temperal-o, e reparou-se como cousa digna de admiração, que, tendo o irmão Manoel da Silva feito limpar o egualar a casa da olaria, que dentro de uma noite ou pouco mais, cresceram alli tres lyrios brancos sahidos de um só talo PJFB(1910) [1699]”. 2.3. Fazer reduzir a intensidade da temperatura de; esfriar: “Muytas vezes acontece, e he muy ordinario neſtas obſtrucçoens, ſendo antigas, haver grande calor; e ſuccedendo aſſim , ſe naõ dará o vomitorio, que digo no principio deſte tratado, ſe naõ depois, que o tal calor eſtiver temperado ; ſalvo ſe houverem baſtantes ſinaes de enchimento de eſtomago, que neſte caſo ſe dará ,e ſerá em diminuta quantidade; e depois delle ſe temperará o doente, ſe eſtiver eſquentado com grande calor; o que ſe fará com banhos de agua morna em canoa, que fique ſó a cabeça de fóra; no qual banho eſtará em quanto a agua eſtiver tépida, ſendo em tempo. quente, e eſtando o Sol alto; e naõ ſendo com eſtas condiçoens, ſenaõ devem tomar, e neſſe caſo ſe refreſcará o doente com frangos feytos na fórma ſeguinte. LGF(1735) [1735]” ; “Neste intermedio quiz o enfermo beber um copo dagua do cosimento das sementes de cidra, cuja potagem mandavam os medicos que usasse para temperar a massa do sangue, ainda exaltada da enfermidade das bexigas. PTAPL(1980) [n.d.]”. 2.4. Pôr (instrumento musical) no devido tom; afinar: “Em tom de graça / ao terno amante manda Marília que toque e cante. Pega na lira, sem que a tempere, / a voz levanta, e as cordas fere. TAG(1961) [1792]”. 3. Intransitivo [pronominal]: 3.1. Tornar-se ameno, suavizar-se: “Daqui vem tambem não poder o sal e o assucar, por mais que o sequem, e resguardem, conservar-se sem humedecer-se, e o ferro, e aço de huma espada ou navalha, por mais limpo, e sacalado, que seja se enche logo de ferrugem, e esta humidade he causa de que o calor desta terra se tempere, e faz este clima de boa complexão, outra he pelos ventos Leste, e Nordeste, que ventão do mar todo o verão do meio dia pouco mais ou menos, athé a meia noite, e lavão e refrescão toda a terra. FVS (1888) [1627]”. |121|