1 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CRM-SC CONSULTA Nº 2444/16 CONSULENTE: G. C. de O. RELATOR: Marcelino Osmar Vieira ASSUNTO: Tempo de consulta / nº de pacientes atendidos EMENTA: Interferência dos gestores municipais no tempo de consulta em PSF e na orientação recebida quanto à renovação de receitas de repetição. DA CONSULTA: Em março do corrente ano, a consulente, assim se manifestou: “Sou médica em Santa Catarina, registrado nesse conselho. Atuo como médica em unidade de ESF, concursada na Prefeitura de Jaraguá do Sul desde junho de 2014, tendo para tanto efetuado além do concurso para médica 40hs semanais, concurso interno para atendimento em unidade de ESF. A referida Prefeitura, através de decreto estabelece que a gratificação de ESF está vinculada a meta quantitativa, dentre outras. Neste decreto fica estabelecido meta de quantidade de no mínimo 360 atendimentos para meses com 20 dias úteis, decreto que só temei conhecimento há aproximadamente 1 mês. Desde a minha admissão deixei claro de que não conseguiria realizar atendimentos de 15 minutos por paciente conforme sugerido, estabelecendo para mim uma agenda de atendimentos a cada 25 minutos. Com base na demanda crescente de pacientes nas unidades os gestores sugeriram a realização de "grupos para renovação de receitas", onde os pacientes assinariam um termo de responsabilidade de que estão deixando uma receita de repetição para renovação na unidade e caso necessidade seja por efeitos adversos a alguma medicação ou alguma situação clinica os mesmos deverão agendar consulta, as receitas seriam renovadas previamente conforme registros em prontuários e entregues aos devidos pacientes após "atividade em grupo/reunião em grupo/ roda de conversa". Diante dessa situação tenho alguns questionamentos: 1. Esse estabelecimento de obrigatoriedade de metas de produtividade (número de atendimentos) pode ser realizado, tendo em vista que assim os mesmos acabam estabelecendo tempo de consulta padrão, sem levar em consideração as características individuais de cada profissional e de cada paciente? Esse tipo de cobrança configura confronto direto com princípios fundamentais da medicina, inseridos no código de ética médica? 2. Os grupos de receitas propostos pela prefeitura acima mencionados, sem a avaliação individualizada do paciente, tendo os mesmos apenas uma breve roda de conversa ou palestra em grupo, ferem o código de ética? Diante dos questionamentos acima, aguardo posicionamento.” PARECER E CONCLUSÃO: O tema é relevante e recorrente, e pode comportar diferentes avaliações, dependendo de quem as faz: médicos, gestores ou órgãos de controle. Em relação à visão da ética médica, no entanto, o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina têm se pronunciado de maneira uniforme sobre o principal assunto aqui questionado, ou seja, tempo de duração de consulta. Vejamos: 1. Parecer Consulta no 3236/89 – PC/CFM/no30/1990 (Conselheiro Sérgio Ibapina Ferreira Costa): “É consentâneo que o exercício da Medicina tem se modificado em razão das várias modalidades de relacionamento médico/paciente, considerando-se que a intermediação deste relacionamento no SEDE: RODOVIA SC-401, KM 4 – BAIRRO SACO GRANDE FONE: (48) 3952-5000 CEP 88032-005 – FLORIANÓPOLIS-SC SITE: WWW.CREMESC.ORG.BR E-MAIL: [email protected] DEL. BLUMENAU: (47) 3326-4554 DEL. CONCÓRDIA: (49) 3422-0814 DEL. CHAPECÓ: (49) 3323-0502 DEL. CRICIÚMA: (48) 3433-7223 DEL. CURITIBANOS: (49) 3241-6042 DEL. ITAJAÍ: (47) 3349-7724 DEL. JOAÇABA: (49) 3521-1611 DEL. JOINVILLE: (47) 3433-9452 DEL. LAGES: (49) 3222-8519 DEL. MAFRA (47) 3643-6140 DEL. PORTO UNIÃO: (42) 3522-0936 DEL. RIO DO SUL: (47) 3522-6399 DEL. S. M. O.: (49) 3621-3484 DEL. TUBARÃO: (48)3632-7876 G:\PARECERES\PARECERES 2016\PARA PUBLICAR\244416.docx 2 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CRM-SC - 2. 3. 4. 5. 6. I. presente, constitui-se o maior óbice a ser eliminado. Por outro lado, observa-se que a inexistência de uma política objetiva de saúde nos vários níveis de governo, deixa o médico tutelado às ordens de serviços, portarias, regimentos, ceifando dentre outras coisas, a liberdade profissional para o correto julgamento, resultando na automação do atendimento, na despersonalização do paciente que se sente discriminado quando busca ser ouvido e examinado com interesse. Recorre-se ao cronômetro no afã de obter-se um serviço médico eficiente. Abdica-se por vezes, de parâmetro fundamental para a Instituição, qual seja, o acesso do paciente ao sistema. Não deve ser da competência de nenhum órgão ou entidade a determinação do número de atendimentos médicos para qualquer carga horária em qualquer especialidade. Convém lembrar que o Art. 8º. do CEM estabelece que: “O médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar a sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção do seu trabalho” (Obs.: no atual CEM, Princípio Fundamental VIII). O receio de premiar os ociosos, fez com que algumas instituições do nosso país estabelecessem o número de pacientes de ambulatórios a serem atendidos numa determinada carga horária. Tal limitação temporal, via de regra, aleatoriamente imposta, atenta contra a boa prática médica, ignora a impossibilidade de se planificar, aprazar e modelar o atendimento médico e, com frequência, torna-se absurda, relegando fatores determinantes do tempo mínimo ideal para assistência do paciente, tais como as peculiaridades e destinação de cada serviço, e as condições e necessidades do assistido...”; Parecer Consulta no523/98, CREMESC (Conselheiro Nelson Grisard): “A limitação temporal de uma consulta, via de regra aleatoriamente, atenta contra a boa prática médica, tornando-se com frequência, impedimento mínimo para uma assistência ideal ao paciente ignorando peculiaridade do próprio paciente, da instituição e das necessidades biopsicossociais do assistido”; Parecer CFM no01/2010 (Conselheiro Gerson Zafalon Martins). Ementa: “Nenhum órgão ouu instituição tem competência para determinar o tempo de avaliação médica ou estabelecer o número de atendimentos médicos para qualquer carga horária ou atividade médica”; Parecer CRM/MS no15/2011 (Conselheiro Luís Henrique Mascarenhas Moreira): “Concluímos que a consulta médica é um ato médico, cujo tempo ideal necessário para sua realização é um direito do médico baseado na sua experiência e capacidade profissional...”; Parecer CFM no14/16 (Conselheiro Hideraldo Luís Souza Cabeça): “...estabelecer um número, mesmo que aproximado, na relação entre médico e número de consultas é extremamente perigoso. O médico necessita de autonomia na condução de seu atendimento, em virtude da situação ímpar da vida, da necessidade de se estabelecer uma adequada relação médico-paciente e da diferenciação na complexidade de cada paciente”.; Resolução CFM o 1958/2010: Art. 5º.: “Instituições de assistência hospitalar ou ambulatorial, empresas que atuam na saúde suplementar e operadoras de planos de saúde não podem estabelecer prazos específicos que interfiram na autonomia do médico e na relação médico-paciente, nem estabelecer prazo de intervalo entre consultas. Parágrafo único: Os Diretores Técnicos das entidades referidas no caput deste artigo serão eticamente responsabilizados pela desobediência a esta Resolução”. Isto posto, respondendo especificamente as questões formuladas, temos: Meta de produtividade como a citada pela Consulente são potencialmente antiéticas, pelas razões apresentadas acima. Conflitam, em relação ao atual CEM principalmente em relação aos seguintes tópicos: 1. Item VIII dos Princípios Fundamentais (“O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho”); SEDE: RODOVIA SC-401, KM 4 – BAIRRO SACO GRANDE FONE: (48) 3952-5000 CEP 88032-005 – FLORIANÓPOLIS-SC SITE: WWW.CREMESC.ORG.BR E-MAIL: [email protected] DEL. BLUMENAU: (47) 3326-4554 DEL. CONCÓRDIA: (49) 3422-0814 DEL. CHAPECÓ: (49) 3323-0502 DEL. CRICIÚMA: (48) 3433-7223 DEL. CURITIBANOS: (49) 3241-6042 DEL. ITAJAÍ: (47) 3349-7724 DEL. JOAÇABA: (49) 3521-1611 DEL. JOINVILLE: (47) 3433-9452 DEL. LAGES: (49) 3222-8519 DEL. MAFRA (47) 3643-6140 DEL. PORTO UNIÃO: (42) 3522-0936 DEL. RIO DO SUL: (47) 3522-6399 DEL. S. M. O.: (49) 3621-3484 DEL. TUBARÃO: (48)3632-7876 G:\PARECERES\PARECERES 2016\PARA PUBLICAR\244416.docx 3 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SANTA CATARINA – CRM-SC 2. Item VIII dos Direitos do Médicos (“Decidir, em qualquer circunstância, levando em consideração sua experiência e capacidade profissional, o tempo a ser dedicado ao paciente, evitando que o acúmulo de encargos ou de consultas venha prejudicá-lo”; 3. Art. 18 (Responsabilidade Profissional): “É vedado ao médico desobedecer aos acórdãos e às Resoluções dos Conselho Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los”. No caso, o disposto no Art. 5º. da Res. CFM no1958/2010, acima descrito. É importante ressaltar que, dada a complexidade do tema, como já foi mencionado, e considerando que os gestores e os órgãos de controle, principalmente da esfera pública, frequentemente tem visões divergentes nesta questão daquelas preconizadas pela ética médica, é fundamental que os profissionais médicos busquem, como o apoio das suas entidades representativas, acordos estáveis com os gestores, preferencialmente aprovados pelos órgãos de controle, para que se faça a prevenção de conflitos de interesses, capazes de promover a judicialização da prestação de serviços de saúde à população, e prejudicar a tão almejada assistência médica de qualidade. Julgo importante destacar que os princípios acima ressaltados em relação ao tempo de consulta necessário ao bom atendimento do paciente no setor público, valem igualmente para os atendimentos realizados através dos planos de saúde e nos consultórios privados. II. Já os “Grupos de Receitas” propostos pela Prefeitura são inaceitáveis do ponto de vista da ética médica. Os prazos de validade das receitas médicas decorrem de legislações sanitárias específicas, as quais o médico é obrigado a acatar por força do Art. 21 do atual CEM (“É vedado ao médico deixar de colaborar com as autoridades sanitárias ou infringir legislação pertinente”). Por outro lado, é claro que após 3 a 6 meses de uso de uma medicação, como antidepressivo ou antihipertensivos, para citar situações do cotidiano, o paciente precisa ser reexaminado, numa consulta formal, antes da emissão de uma nova receita. Assim não procedendo, o médico pode estar infringido o Art. 37 do CEM (“É vedado ao médico prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame direto do paciente, salvo em casos de urgência ou emergência e impossibilidade comprovada de realizá-lo, devendo, nessas circunstâncias, fazê-lo imediatamente após cessar o impedimento”). É o parecer, s.m.j. MARCELINO OSMAR VIEIRA Relator SEDE: RODOVIA SC-401, KM 4 – BAIRRO SACO GRANDE FONE: (48) 3952-5000 CEP 88032-005 – FLORIANÓPOLIS-SC SITE: WWW.CREMESC.ORG.BR E-MAIL: [email protected] DEL. BLUMENAU: (47) 3326-4554 DEL. CONCÓRDIA: (49) 3422-0814 DEL. CHAPECÓ: (49) 3323-0502 DEL. CRICIÚMA: (48) 3433-7223 DEL. CURITIBANOS: (49) 3241-6042 DEL. ITAJAÍ: (47) 3349-7724 DEL. JOAÇABA: (49) 3521-1611 DEL. JOINVILLE: (47) 3433-9452 DEL. LAGES: (49) 3222-8519 DEL. MAFRA (47) 3643-6140 DEL. PORTO UNIÃO: (42) 3522-0936 DEL. RIO DO SUL: (47) 3522-6399 DEL. S. M. O.: (49) 3621-3484 DEL. TUBARÃO: (48)3632-7876 G:\PARECERES\PARECERES 2016\PARA PUBLICAR\244416.docx