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Conhecimento científico e senso comum
O conhecimento científico é uma conquista relativamente recente da humanidade. A
revolução científica do século XVII marca a autonomia da ciência, a partir do
momento que ela busca seu próprio método desligado da reflexão filosófica.
O exemplo clássico de procedimento científico das ciências experimentais nos
mostra o seguinte: inicialmente há um problema que desafia a inteligência humana,
o cientista elabora uma hipótese e estabelece as condições para seu controle, a fim
de confirmá-la ou não, porém nem sempre a conclusão é imediata sendo necessário
repetir as experiências ou alterar inúmeras vezes as hipóteses. A conclusão é então
generalizada, ou seja, considerada válida não só para aquela situação, mas para
outras similares. Assim, a ciência, de acordo com o pensamento do senso comum,
busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações
universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever acontecimentos
e, conseqüentemente, também agir sobre a natureza. Para tanto, a ciência utiliza
métodos rigorosos e atinge um tipo de conhecimento sistemático, preciso e
objetivo.
Nos primórdios da civilização, os gregos foram os primeiros a desenvolver um tipo
de conhecimento racional mais desligado do mito, porém foi o pensamento laico,
não religioso, que logo se tornou rigoroso e conceitual fazendo nascer a filosofia no
século VI a.C.
Nas colônias gregas da Jônia e Magna Grécia, surgiram os primeiros filósofos, e sua
principal preocupação era a cosmologia ou estudo da natureza. Buscavam o
principio explicativo de todas as coisas (arché), cuja unidade resumiria a extrema
multiplicidade da natureza. As respostas eram as mais variadas, mas a teoria que
permaneceu por mais tempo foi a de Empédocles, para quem o mundo físico é
constituído de quatro elementos:terra, água, ar e fogo.
Muitos desses filósofos, tais como Tales e Pitágoras no século VI a.C. e Euclides no
século III a.C., ocupavam-se com astronomia e geometria, mas, diferentemente
dos egípcios e babilônios, desligavam-se de preocupações religiosas e práticas,
voltando-se para questões mais teóricas.
Alguns princípios fundamentais da mecânica foram estabelecidos por Arquimedes
no séculoIII a.C., visto por Galileu como único cientista grego no sentido moderno
da palavra devido a utilização de medidas e enunciação do resultado sob a forma
de lei geral. Dentre os filósofos antigos,Arquimedes constitui uma exceção, já que a
ciência grega era mais voltada para a especulação racional e desligada da técnica e
das preocupações práticas.
O auge do pensamento grego se deu nos séculos Ve IV a.C., período em que
viveram Sócrates, Platão e Aristóteles.
Platão opõem de maneira vigorosa os sentidos e a razão, e considera que os
primeiros levam a opinião (doxa), forma imprecisa, subjetiva e mutável de
conhecer. Por isso é preciso buscar a ciência (episteme), que consiste no
conhecimento racional das essências, das idéias imutáveis, objetivas e universais.
As ciências como a matemática, a geometria, a astronomia são passos necessários
a serem percorridos pelo pensador, até atingir as culminâncias da reflexão
filosófica.
Aristóteles atenua o idealismo platônico, e seu olhar é sem duvida mais realista,
não desvalorizando tanto os sentidos. Filho de médico, herdou o gosto pela
observação e deu grande contribuição a biologia, mas, como todo grego, Aristóteles
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também procura apenas conhecer, estando suas reflexões desligadas da técnica e
das preocupações utilitárias. Além disso, persiste a concepção estática do mundo,
pela qual os gregos costumam associar a perfeição ao repouso, a ausência de
movimento.
Embora Aristarco de Samos tenha proposto um modelo heliocêntrico, a tradição
que recebemos dos gregos a partir de Eudoxo, confirmada por Aristóteles e mais
tarde por Ptolomeu, baseia-se no modelo geocêntrico: a Terra se acha imóvel no
centro do universo e em torno dela giram as esferas onde estão cravadas a Lua, os
cinco planetas e o Sol.
Nesse sentido, para Aristóteles, a física é a parte da filosofia que busca
compreender a essência das coisas naturais constituídas pelos quatros elementos e
que se encontram em constante movimento retilíneo em direção ao centro da Terra
ou em sentido contrário a ele. Isso porque os corpos pesados como a terra e a água
tendem para baixo, pois este é o seu lugar natural. Já os corpos leves como o ar e
o fogo tendem para cima. O movimento é então compreendido como a transição do
corpo que busca o estado de repouso, no seu lugar natural. A física aristotélica
parte, portanto, das definições das essências e da análise das qualidades
intrínsecas dos corpos.
A partir deste breve esboço, podemos conferir a ciência grega as seguintes
características:

Encontra-se ligada à filosofia, cujo método orienta o tipo de abordagem dos
problemas;

é qualitativa porque a argumentação se baseia na análise das propriedades
intrínsecas dos corpos;

não é experimental, e se acha desligada da técnica;

é contemplativa, porque busca o saber pelo saber, e não a aplicação prática
do conhecimento;

baseia-se em uma concepção estática do mundo.
A Idade Média, período compreendido do século V até o século XV, recebe a
herança grego-latina e mantém a mesma concepção de ciência. Apesar das
diferenças evidentes, é possível compreender essa continuidade, devido ao fato de
que o sistema de servidão também se caracterizar pelo desprezo a técnica e a
qualquer atividade manual.
Fora algumas exceções – como as experimentações de Roger Bacon e a fecunda
contribuição dos árabes -, a ciência herdada da tradição grega se vincula aos
interesses religiosos e se subordina aos critérios da revelação, pois, na Idade
Média, a razão humana devia se submeter ao testemunho da fé.
A partir do século XIV, a Escolástica – principal escola filosófica e teológica
medieval – entra em decadência. Esse período foi muito prejudicial ao
desenvolvimento da ciência porque novas idéias fermentavam nas cidades, mas os
guardiões da velha ordem resistiam as mudanças de forma dogmática. Esterilizados
pelo princípio da autoridade, aferravam-se às verdades dos velhos livros, fossem
eles a Bíblia, Aristóteles ou Ptolomeu.
Tais resistências não se restringiam apenas ao campo intelectual, mas resultavam
muitas vezes em processos e perseguições. O Santo Oficio, ou Inquisição, ao
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controlar toda produção, fazia a censura prévia das idéias que podiam ser
divulgadas ou não. Giordano Bruno foi queimado vivo no século XVI porque sua
teoria do cosmos infinito era considerada panteísta, uma vez que a infinitude era
atributo exclusivo de Deus.
O método científico, como nós o conhecemos hoje, surge na Idade Moderna, no
século XVII. O Renascimento Científico não constituiu uma simples evolução do
pensamento científico, mas verdadeira ruptura que supõe nova concepção de
saber.
É preciso examinar o contexto histórico onde ocorreram transformações tão
radicais, a fim de perceber que elas não se desligam de outros acontecimentos
igualmente marcantes: emergência da nova classe dos burgueses, desenvolvimento
da economia capitalista, revolução comercial, renascimento das artes, as letras e
da filosofia. Tudo isso indica o surgimento de um novo homem, confiante na razão
e no poder de transformar o mundo.
Os novos tempos foram marcados pelo racionalismo, que se caracterizou pela
valorização da razão enquanto instrumento de conhecimento que dispensa o critério
da autoridade e da revelação. Chamamos de secularização ou laicização do
pensamento a preocupação em se desligar das justificativas feitas pela religião, que
exigem adesão pela crença, para só aceitar as verdades resultantes da investigação
da razão mediante demonstração. Daí a intensa preocupação com o método, ponto
de partida para a reflexão de inúmeros pensadores do século XVII: Descartes,
Spinoza, Francis Bacon, Galileu, entre outros.
Outra característica dos novos tempos é o saber ativo, em oposição ao saber
contemplativo. Não só o saber visa a transformação da realidade, como também
passa ele próprio a ser adquirido pela experiência, devido à aliança entre a ciência
e a técnica.
Uma explicação possível para justificar a mudança é que a classe comerciante,
constituída pelos burgueses, se impôs pela valorização do trabalho, em oposição ao
ócio da aristocracia. Além disso, os inventos e descobertas tornam-se necessários
para o desenvolvimento da indústria e do comércio.
O novo método científico mostrou-se fecundo, não cessando de ampliar sua
aplicação. Os resultados obtidos por Galileu na física e na astronomia, bem como as
leis de Kepler e as conclusões de Tycho-Brahe, possibilitaram a Newton a
elaboração da teoria da gravitação universal. Ao longo desse processo surgem as
academias científicas onde os cientistas se associam para troca de experiências e
publicações.
Aos poucos, o novo método é adaptado a outros campos de pesquisa, fazendo
surgir diversas ciências particulares. No século XVIII, Lavoisier torna a química uma
ciência de medidas precisas; o século XIX foi o do desenvolvimento das ciências
biológicas e da medicina, destacando-se o trabalho de Claude Bernard com a
fisiologia e o de Darwin com a teoria da evolução das espécies.
O método científico inicialmente ocorre do seguinte modo: há um problema que
desafia a inteligência; o cientista elabora uma hipótese e estabelece as condições
para seu controle, a fim de confirmá-la ou não. A conclusão é então generalizada,
ou seja, considerada válida não só para aquela situação, mas para outras similares.
Além disso, quase nunca se trata de um trabalho solitário do cientista, pois, hoje
em dia, cada vez mais as pesquisas são objeto de atenção de grupos especializados
ligados às universidades, às empresas ou ao Estado. De qualquer forma, a
objetividade da ciência resulta do julgamento feito pelos membros da comunidade
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científica que avaliam criticamente os procedimentos utilizados e as conclusões,
divulgadas em revistas especializadas e congressos.
Assim, dentro da visão do senso comum (isto é, um vasto conjunto de concepções
geralmente aceitas como verdadeiras num determinado meio social. Repetidas
irrefletidamente no cotidiano, algumas dessas noções escondem idéias falsas,
parciais ou preconceituosas. É uma falta de fundamentação, tratando-se de um
conhecimento adquirido sem base crítica, precisa, coerente e sistemática), a ciência
busca compreender a realidade de maneira racional, descobrindo relações
universais e necessárias entre os fenômenos, o que permite prever os
acontecimentos e, conseqüentemente, também agir sobre a natureza. Para tanto, a
ciência utiliza métodos rigorosos e atinge um tipo de conhecimento sistemático,
preciso e objetivo. Entretanto, apesar do rigor do método, não é conveniente
pensar que a ciência é um conhecimento certo e definitivo, pois ela avança em
contínuo processo de investigação que supõe alterações à medida que surgem fatos
novos, ou quando são inventados novos instrumentos. Por exemplo, nos séculos
XVIII e XIX, as leis de Newton foram reformuladas por diversos matemáticos que
desenvolveram técnicas para aplicá-las de maneira mais precisa. No século XX, a
teoria da relatividade de Einstein desmentiu a concepção clássica de que a luz se
propaga em linha reta. Isso serve para mostrar o caráter provisório do
conhecimento científico sem, no entanto, desmerecer a seriedade e o rigor do
método e dos resultados. Ou seja, as leis e as teorias continuam sendo de fato
hipóteses com diversos graus de confirmação e verificabilidade, podendo ser
aperfeiçoadas ou superadas.
A partir da explanação feita acima será que podemos afirmar que existe um método
universal? Será que os métodos universais devem ser considerados válidos para
situações diversas? E tendo situações diferentes podemos qualificá-las como
universais? Como descrever relações universais através de métodos “individuais”?
Será que esse tipo de método é realmente válido universalmente? Será que
podemos nomear o método como sendo universal?
Segundo Alan Chalmers, em sua obra A Fabricação da ciência, “a generalidade e o
grau de aplicabilidade de leis e teorias estão sujeitos a um constante
aperfeiçoamento”. A partir dessa afirmação, podemos concluir que o método
universal, na realidade, não é tão genérico assim, ou melhor, não é tão absoluto,
pois está sujeito a uma substituição constante. Para Chalmers, não existe nenhum
método universal ou conjunto de padrão universal, entretanto, permanecem
modelos a-históricos ocasionais subentendidos nas atividades bem-sucedidas,
porém, isso não significa que vale tudo na área epistemológica.
A questão da substituição constante das teorias ficou bem explícita na sucinta
explanação da história da ciência realizada anteriormente, onde tivemos a clara
mudança de uma teoria, método ou hipótese por outra mais coerente dentro de sua
época histórica e/ou científica.
Diante disso tudo que foi visto, podemos, pelo menos, fundamentar que aciência
tem por objetivo estabelecer generalizações aplicáveis ao mundo, pois, desde a
época da revolução, estamos em posição de saber que essas generalizações
científicas não podem ser estabelecidas a priori; temos que aceitar que a exigência
de certeza é mera utopia. Entretanto, a exigência de que nosso conhecimento
esteja sempre sendo transformado, aperfeiçoado e ampliado é pura realidade.
Fonte:
OLIVEIRA, Cristina G. Machado de. Conhecimento científico e senso comum. [S.l.:
s.n.]. disponível na biblioteca virtual - FGV
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