Estado de Bem Estar Social Primeira resenha Filipe Recch França Guimarães Belo Horizonte 2009 MARSHALL, T. H.. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. 221 p. As Políticas Públicas são um objeto do campo de estudo das Ciências Sociais. A natureza destas políticas está relacionada com recursos de poder e interações sociais, na medida em que podem ser definidas como toda e qualquer ação do Estado que tem como objetivo produzir algum resultado esperado na sociedade, campo das interações sociais. Faz-se necessário esclarecer a distinção entre Estado e Sociedade. No pólo Sociedade temos indivíduos cuidando da esfera privada, de seus interesses particulares. O pólo do Estado pode ser definido como uma estrutura de poder organizada, na qual se localiza o poder político que regulamenta as relações sociais. Independente do grau de mobilização da sociedade, entendendo-se como mobilização a capacidade de autoregulação do convívio social, um lugar de regulamentação e decisão é necessário, o Estado. É interessante uma definição mais precisa das duas esferas citadas acima. Como Sociedade deve-se entender o conjunto de indivíduos e grupos que se associam e se acham vinculados por variados padrões de interação, como crenças, valores, identidades e interesses. É a esfera das iniciativas e interesses privados, contrapondo-se ao Estado. Este último trata do exercício da função política, com a implementação de leis e normas que são impostas por autoridades dotadas de poder de sanção. É correto afirmar, portanto, que a relação Estado-Sociedade é equivalente à relação Público-Privado. Assim, público tem a ver com a regulamentação das relações entre indivíduos e grupos sociais. O Estado deve ser entendido como Governo, forma de administração pública, e as Políticas Públicas se encontram em intervenções do Estado no âmbito da vida social. Por fazer parte de um coletivo, o indivíduo é afetado pela implementação de políticas públicas, o provimento de segurança e saúde pública pelo Estado são exemplos de políticas públicas que afetam o indivíduo. No entanto, deve-se salientar a existência de sub-coletividades dentro do coletivo complexo, a sociedade. Em um ambiente pluralista, indivíduos, mesmo fazendo parte de uma mesma sociedade, experimentam realidades sociais diferentes. A partir daí diferentes necessidades se fazem presentes na esfera da sociedade e são transferidas para o Estado na forma de demandas. Os governantes devem considerar tal cenário no momento da formulação de políticas públicas. Entendendo que existem interesses gerais e interesses específicos na esfera da sociedade é possível delimitar um tipo específico de Política Pública, as Políticas Sociais. Vale tomar como referência que Política Pública é toda e qualquer forma de ação governamental que tenha algum grau de continuidade e esteja referida a órgãos e cargos específicos da administração pública. Sendo assim, a política só se torna pública quando ela é adotada, implementada e garantida por alguma instituição governamental, que lhe concede legitimidade através das obrigações legais que fundamentam a obediência dos indivíduos às prescrições do Estado. E mais, somente o Estado produz políticas públicas universalistas, garantindo sua execução através da coerção, isto é, uma violação das políticas é punida pelo Estado. Para a conceituação de Política Social, é necessária a definição de cidadania, pois é tal status, o de cidadão, é definido por Marshall como uma exigência para que o indivíduo participe da herança social. O cidadão detém direitos e deveres na sociedade em que está inserido, e cabe ao Estado garanti-los. Marshall define como condição plena de cidadania, a existência de direitos civis, políticos e sociais. Para o autor “a cidadania exige um elo de natureza diferente, um sentimento direto de participação numa comunidade baseado numa lealdade de homens livres, imbuídos de direitos e protegidos por uma lei comum. Seu desenvolvimento é estimado tanto pela luta para adquirir tais direitos quanto pelo gozo dos mesmos, uma vez adquiridos” (Marshall, 1967:65). É nas políticas que visam garantir direitos sociais àqueles cidadãos excluídos pelo sistema, que se encontram as Políticas Sociais. Tais políticas são caracterizadas como políticas focalizadas, pois buscam promover àqueles desfavorecidos bem-estar sócioeconômico. Assim, pode-se ver o caráter essencial das políticas sociais como o provimento de justiça social, tais políticas buscam que elementos essenciais – direitos sociais – estejam ao alcance de todos os cidadãos. A discussão proposta por T. H. Marshall no que diz respeito à definição de cidadania oferece base para a chamada Teoria da Cidadania, que vê o surgimento do Estado de Bem-Estar Social como paralelo à expansão dos direitos dos cidadãos. O autor define como cidadania a efetivação de direitos civis (liberdades individuais), direitos políticos (participação política) e direitos sociais (como seguridade social e pleno emprego). Assim, pode-se dizer que o Estado de Bem-Estar Social é resultado da progressiva ampliação dos direitos individuais. Para apresentar analiticamente o desenvolvimento dos três tipos de direitos mencionados acima, Marshall define períodos temporais onde cada um deles predominava na história da Inglaterra, a saber: direitos civis tiveram sua expansão durante o séc. XVIII; direitos políticos durante o séc. XIX; e direitos sociais apenas durante o séc. XX. O direito civil mais básico, segundo Marshall, surge como uma reação aos monopólios das corporações de ofício, onde o artesão responsável detinha o conhecimento do ofício e só o repassava àqueles que ele determinasse capazes. Para o autor, “o direito civil básico é o direito a trabalhar, isto é, o de seguir a ocupação de seu gosto no lugar de escolha, sujeito apenas à legítima exigência do treinamento” (Marshall, 1967:67). Como alicerce do desenvolvimento dos direitos civis, tem-se a institucionalização dos tribunais de justiça, via a qual foi possível a mudança de paradigmas do passado. Os direitos políticos só foram possíveis após a consolidação mínima dos direitos civis, que ocorre no séc. XIX. O status de cidadão passa a ser ligado aos direitos de grupos, expandindo os direitos políticos de uma pequena camada da população para uma amplitude maior. Vale lembra que é somente no séc. XX que chega-se ao sufrágio universal, com voto de mulheres e analfabetos. Finalmente, os direitos sociais passam a se desenvolver de maneira mais continua apenas no séc. XX. Marshall divide em dois períodos de desenvolvimento: o primeiro sendo de direitos sociais de transição (de âmbito local e funcional) e o segundo como o status de cidadania. Como exemplo do primeiro tipo de direito social pode-se citar a Poor Law, onde o assistido era quem necessitava de auxílio e não era capaz de se sustentar. Para ser beneficiado, este deveria abrir mão de seus direitos políticos e civis, deixando de ser um cidadão. Já no segundo tipo, o cidadão tem direito à assistência não por necessidade, mas porque faz parte dos direitos de cidadania o auxílio do governo. Dentro da discussão sobre o desenvolvimento da cidadania, Marshall incorpora o questionamento de como foi possível o surgimento da cidadania, que é claramente universalizando, paralelamente ao desenvolvimento das classes sociais, que é um conceito segregador. O autor afirma que só foi possível esta coexistência, pois existem dois conceitos de classe social: uma que é hierarquizada pelo status e acesso a direitos; e outra que é baseada em níveis sócio-econômicos. A primeira é combatida diretamente pelo surgimento da cidadania, que quebra o status social como definidor de direitos. Contudo, por ter se desenvolvido em uma sociedade capitalista, marcada pelo ideal liberal, a cidadania se limitou em dar direitos e não condições plenas de oportunidades. Seguindo o ideal liberal de individualismo e não intervenção estatal, a ação para aplacar desigualdades sociais de nível econômico era vista como prejudicial à sociedade como um todo. Porém, é através do processo de aquisição de diretos, formação da cidadania, que a esfera de atuação do Estado se expande, em virtude de demandas políticas por ações que reconheçam condições de realização plena de grupos específicos. Assim, as Políticas Públicas passam a ter como finalidade a realização dos direitos sociais globais, visando a igualdade de oportunidades.