O curto prazo pode nos condenar Zeina Latif – Economista chefe XP Investimentos O ambiente político tumultuado turva o cenário econômico. Menos pelo impacto direto da Lava Jato sobre investimentos (pois parte da queda do investimento em óleo e gás e construção já estava contratada), e mais pelo aumento da incerteza, que pressiona preços de ativos e ameaça o grau de investimento. A visibilidade se reduziu muito, afetando a confiança e tomada de decisão dos agentes econômicos. Consumidores, empresários e investidores precisam enxergar o horizonte para tomar decisões. Com pouca visibilidade, o foco acaba se voltando para o curto prazo, que por sua vez também é bastante desafiador, e pode influenciar o cenário no médio-longo prazo. Isso porque uma recessão prolongada poderá gerar uma desorganização tal do setor produtivo, que uma volta cíclica poderá ser adiada ou muito tímida. Os economistas chamam esse fenômeno de histerese. É quando fatores cíclicos se transformam em estrutural, podendo adiante reduzir o potencial de crescimento. É como um indivíduo, que depois de período prolongado de enfermidade, não consegue recuperar sua condição física rapidamente, ainda que curado. Utilizando um modelo econométrico simples para previsão do PIB, que leva em consideração a taxa real de juros (ex-ante), a taxa real efetiva de câmbio e o comércio internacional, chegou-se a conclusão que poderemos bater o fundo do poço no terceiro trimestre deste ano. Poço fundo, pois a estimativa para recuo do PIB está em torno de 2,5% em 2015. E o que vem depois? Difícil dizer. A potência dos modelos é limitada com tantas incertezas. Haverá uma recuperação do tipo “L”, “V” ou “U”? Se for em “L”, pelo eventual efeito histerese, o que significa estagnação prolongada, o cenário ficaria muito vulnerável a descontinuidades, como a perda do grau de investimento, o que poderia gerar uma nova retração da economia. o “L” sofreria um golpe. Outra notícia indigesta é que mesmo que seja uma dinâmica em “L”, o resultado final do PIB em 2016 seria negativo, pelo carrego estatístico. Seria algo em torno de -1%, sendo necessário um crescimento em torno 0,5% em cada trimestre de 2016 para o PIB apresentar variação neutra na média do ano. Número ainda ruim, mas reversão importante. O ajuste do setor externo em curso poderá ajudar na recuperação cíclica, conforme discutido no artigo anterior. Mas, sem sombra de dúvida, a política monetária terá papel central. Por essa razão, tirando a crise fiscal que nos ameaça e exige novas iniciativas do governo para cortar despesas obrigatórias, talvez a principal variável para permitir uma volta cíclica do crescimento seja a inflação em queda. Pelo consequente alívio monetário, e adicionalmente pela menor inflação de serviços poderá ajudar a indústria ao reduzir pressões de custos. Alguma luz no fim do túnel no front inflacionário? Talvez. A taxa de inflação é termômetro importante das condições econômicas. Seu ciclo reflete em boa medida descompassos entre demanda e oferta. É um erro desprezar seus sinais. Equivale ao médico desprezar os sinais vitais do paciente. O problema é que a inflação é um fenômeno defasado. Diferente da medicina, em que a febre passa com a cura da doença, a inflação pode demorar a ceder uma vez eliminado o hiato entre oferta e demanda. Além da questão temporal, há ainda o desafio de separar ruído - ou fatores transitórios e mudanças de preços relativos que afetam a inflação -, do ciclo, que é onde efetivamente os bancos centrais podem atuar. Não parece haver excesso de demanda na economia, pelo contrário. Esse ponto é reforçado pelas sondagens que indicam acúmulo de estoques de forma generalizada. No entanto, pode demorar para a inflação cair. Por um lado, uma tendência cíclica de desinflação, mas por outro, choques que acabam alimentando a inflação. Vetores em sentidos opostos. O ajuste da taxa de câmbio e o choque de tarifas, ainda que necessários, cobram seu preço. No caso do câmbio, o destaque é para a inflação de alimentos, o grupo mais sensível ao repasse cambial, com coeficiente em torno de 12% para cada 1% de ajuste cambial, contra 3% no IPCA pleno, segundo o BC. A inflação de alimentos comercializáveis, que chegou a registrar 5,5% ao ano em fevereiro de 2014, rompeu 8,5% em julho de 2015. Importante notar que são bens com demanda mais inelástica, menos sensível a ajuste de preços, propiciando o repasse do câmbio. Fatores climáticos tampouco ajudam, pois a inflação de alimentos não-comercializáveis atingiu quase 20%. Assim, estamos novamente com inflação de alimentos de dois dígitos, com impacto na inflação fora do domicílio. Quanto ao choque de tarifas, há contaminação sobre a inflação de serviços. Como afirmado pelo BC no último Relatório de Inflação, esse grupo é considerado o “mais endógeno devido a sua grande dependência de insumos provenientes dos demais setores”. É o caso, certamente, de condomínio e despesas associadas a manutenção (de carros, utensílios), e possivelmente cuidados de saúde e pessoais; grupos que apresentaram aceleração da inflação (em torno de 10%) concomitante ao choque de tarifa de energia. Possivelmente, com a superação deste choque, a tendência de recuo da inflação de serviços fique mais clara. O impacto do câmbio também poderá ser amortecido adiante, pois este tende a ficar mais circunscrito a este ano, considerando sua defasagem usual. O grosso do repasse sobre a inflação ocorre até dois trimestres após o ajuste da taxa de câmbio. Em outras palavras, a não ser que se repita em 2016 um ajuste forte do câmbio como tem sido 2015, a desinflação ficará mais clara. Enfim, a luz do túnel é ainda fraca. O grau de incertezas é elevado, enquanto os instrumentos de política econômica têm limitações para atenuar a recessão atual. Muito trabalho a ser feito para que o ambiente fique menos incerto e vulnerável a acidentes de percurso. E o principal instrumento deve ser o ajuste fiscal, para ajudar na queda da inflação e reduzir o risco de solvência.