INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS PADRÕES E PROCESSOS EM DINÂMICA DE USO E COBERTURA DA TERRA HETEROGENEIDADE ESPACIAL DA MALARIA: PADRÕES DE PAISAGEM EM FONTES E SUMIDOUROS DE INFECÇÔES Jaidson Nandi Becker Atualmente a malária é considerada um dos mais relevantes problemas de saúde pública existentes no mundo. A doença esta condicionada à interação de três fatores: o parasito (plasmódio), o hospedeiro (homem) e o vetor (mosquito). Sua transmissão atribuída à forma de ocupação do solo, a exploração dos recursos naturais, ao movimento humano e as características sociais e culturais de dada região (Barbieri e Sawyer, 1996). Embora em declínio, o número total de casos de malária contraídos em território nacional no ano de 2012 foi superior a 270 mil (dados SIVEP_malária). Aproximadamente 99,8% dos casos são contraídos na Região Amazônica, onde as condições ambientais e socioculturais são favoráveis à transmissão da doença (BRASIL, 2010). Conforme Lambin et al (2010) a paisagem pode ser utilizada como uma indicação (associação) da presença de vetores e hospedeiros da malária. Áreas de borda (transição de paisagem), mais complexas e fragmentadas, apresentam maior probabilidade de contato entre espécies (vetores e hospedeiros). Deste modo, espera-se que áreas de paisagem fragmentada apresentem um maior risco de transmissão de malária que áreas não fragmentadas. Neste contexto, este estudo explora a heterogeneidade espacial da malária através da análise dos padrões de paisagem nas áreas fontes e sumidouros da doença. O estudo foi aplicado ao município de Manaus/AM. Esta informação é um forte contribuinte na compreensão da dinâmica de disseminação da doença, assim como no planejamento de ações de controle. Os termos “fontes” e “sumidouros” da malária foram retirados de Wesolowski et al (2012) e estão diretamente relacionados aos conceitos de chegada, estabelecimento e disseminação de doenças exóticas descritos por Randolph e Roger (2010). Resumidamente, as fontes da malária são áreas onde os três fenômenos da doença ocorrem (chegada, estabelecimento e disseminação), sendo a mesma então transmitida, assim persistindo. Enquanto, os sumidouros da malária são áreas onde a doença chega mas não se estabelece, não havendo disseminação ou transmissão da mesma, portanto extinguindo-se. Método Foram utilizados os seguintes dados no estudo: Localidades de Transmissão da Malária (LTM) referentes ao Município de Manaus, disponibilizado pelo SIVEP_malária; Dados de notificação da malária referente ao Município de Manaus no ano de 2011, disponibilizado pelo SIVEP_malária; Mapa digital Terra Class 2010, disponibilizado pelo INPE. Os dados de notificação da malária constam dos registros de pacientes atendidos com suspeita da doença. Empregaram-se no estudo os dados referentes ao Município de Manaus para o ano de 2011. Somente os registros de notificação positiva da doença que não eram LVC (Lâmina de Verificação de Cura) foram utilizados (casos incidentes). Destes, unicamente os casos autóctones à Manaus foram analisados (casos naturais). Desta forma, foram desconsideradas as infecções ocorridas em outros municípios por pacientes residentes em Manaus, assim como as ocorridas em Manaus por pacientes residentes em outros municípios. Para cada LTM obteve-se a incidência de malária por: “local de provável infecção”, que é o número de casos atribuídos a LTM como local de ocorrência da infecção; e por “local de residência”, que é o numero de casos atribuídos aos residentes da LTM. O Plano Nacional de Controle da Malária descreve a LTM como sendo a menor unidade epidemiológica de agregação de dados para a doença. Sua função é possibilitar a formação e gerenciamento de um banco de dados de reconhecimento geográfico para acompanhamento, monitoramento e avaliação das ações de controle da malária. O georreferenciamento é realizado pelo registro de um único par de coordenadas geográficas (ponto). Portanto, não possui limites físicos descritos ou graficamente delimitados. Para identificar as LTM fontes e sumidouros da malária elaborou-se uma simples equação baseada no conceito de Número Básico de Reprodução (R0) desenvolvido por Dietz (1975) e Hethcote (1976). O R0 expressa o potencial de transmissibilidade, tradicionalmente definido como o número de casos resultantes de um indivíduo infectado em uma população totalmente susceptível. Portanto, se pela estatística o valor de R0 for maior que 1, um individuo infectado transmite a doença a um número maior de indivíduos que ele mesmo, assim a doença persistindo. Enquanto, se o valor de R0 for menor que 1, um individuo infectado transmite a doença a um número menor de indivíduos que ele mesmo, assim a doença extinguindo. A equação elaborada é apresentada abaixo, sendo denominada de potencial de infecção (Pi). A mesma é obtida pela simples divisão do número de casos por local de provável infecção (Ci) pelo número de casos por local de residência (Cr). se Ci > 0 e Cr = 0, então Pi = Ci se Ci = 0 e Ri = 0, então Pi = inexistente (livre de transmissão) A equação foi aplicada para cada LTM referente à Manaus utilizando-se os valores de malária notificados em 2011. Para Pi > 1 definiu-se LTM como fonte de malária. Para Pi < 1 definiu-se LTM como sumidouro de malária. Para Pi = 1 definiu-se LTM como estável para a transmissão da malária, sendo esta considerada como uma condição muito incerta quanto disseminação da doença. Para o caso de Ci > 0 e Cr = 0, considerou-se Pi = Ci pelo motivo de se uma LTM foi notificada como local de provável infecção é necessário que pelo menos um individuo residente na LTM estivesse infectado para que a transmissão ocorresse. Para delimitação das áreas fonte, sumidouro e estável foi criado uma grade regular com células de 4x4 km sobre o mapa TerraClass e atribuídas a estas células os valor médio de Pi das LTM nelas espacialmente inseridas. O tamanho de células 4x4 km foi adotado baseado na capacidade de voo do mosquito Anopheles darlingi (entorno de 2 km), que é o principal vetor da malária no Brasil, na paisagem observada e nos resultados esperados. Para a análise dos padrões de paisagem, o mapa digital TerraClass teve sua classes agrupadas de modo a associar a paisagem à presença do vetor e/ou hospedeiro da malária (tabela 01). Sobre a grade celular 4x4 km (citada anteriormente) foi atribuído os dados de paisagem (classes geradas) conforme a tipologia apresentada na tabela 02 (mineração de dados). Observe que a classe reflorestamento não entrou na tipologia, pois a área de estudo não apresenta esse tipo de uso da terra. A análise dos padrões de paisagem nas áreas fontes e sumidouros da malária foi realizada pela simples sobreposição de mapas, seguido de observações qualitativas e quantitativas. Tabela 01: Sistema de classificação. TerraClass Classes geradas Agricultura anual Agricultura Mineração Mineração Reflorestamento Reflorestamento Desflorestamento 2010 Desflorestamento Área urbana Urbano Mosaico de ocupações Ocupações Hidrografia Massa d’agua Floresta Vegetação secundária Pasto com solo exposto Floresta Pasto Pasto limpo Pasto sujo Regeneração com pasto Área não observada Não floresta Outros Pasto sujo Outros Observações Atividade antrópica (exposição) Baixo numero de hospedeiros Provável presença de vetores Atividade antrópica (exposição) Baixo numero de hospedeiros Provável presença de vetores Atividade antrópica (exposição) Baixo numero de hospedeiros Provável presença de vetores Atividade antrópica (exposição) Baixo numero de hospedeiros Provável presença de vetores Alto numero de hospedeiros Baixa probabilidade de vetores Alto numero de hospedeiros Provável presença de vetores Baixa probabilidade de hospedeiros Alta probabilidade de vetores Baixa probabilidade de hospedeiros Alta probabilidade de vetores Provável Atividade antrópica (exposição) Baixo numero de hospedeiros Provável presença de vetores Baixa probabilidade de hospedeiros Alta probabilidade de vetores Não definido Tabela 02: Tipologia da mineração de dados. Tipologia > 99% floresta > 99% urbano > 99% massa d’agua presença: massa d’agua e floresta (somente) presença: massa d’agua e urbano (somente) presença: pasto ou pasto sujo e massa d’agua ou floresta não presença: urbano e ocupação presença: agricultura ou mineração ou desflorestamento e massa d’agua ou floresta não presença: urbano e ocupação presença: urbano ou ocupação e massa d’agua ou floresta presença: outros e massa d’agua ou floresta (salvo as classificações anteriores) Padrão Continuo Pouco fragmentado Classe célula Floresta Urbano Massa d’agua Agua / Floresta Agua / Urbano Baixo contato Fragmentado Médio contato Alto contato Outros Resultados A tabela 03 mostra um resumo dos valores de casos de malária notificados para Manaus em 2011. Tabela 03: Número de casos de malária em Manaus no ano de 2011. Casos Total Incidentes Autóctones à Manaus Por local de Por local de provável infecção residência 16.821 18.862 14.603 16.340 14.282 A figura 01 apresenta a espacializações das 831 LTM georreferenciadas referentes à Manaus (95,96%, 831 de 866). Algumas LTM pertencem geograficamente ao Município de Rio Preto da Eva. Por resultado de pactuação realizada entre os dois Municípios estas LTM são atendidas pela Vigilância Epidemiológica de Manaus quanto às ações de controle da malária. Portanto, serão consideradas como pertencentes ao território de Manaus, sendo incluídas no estudo. Figura 01: LTM em Manaus. A figura 02 apresenta as LTM segundo seu potencial de infecção (Pi) e a figura 03 o mesmo atribuído a grade celular 4x4 km. Figura 02: LTM segundo potencial de infecção. Figura 03: Grade celular segundo potencial de infecção. A figura 04 apresenta o mapa de uso e cobertura da terra gerado conforme agrupamento especificado na tabela 01. Enquanto a figura 05 mostra a grade celular segundo a tipologia descrita na tabela 02. Figura 04: Uso e cobertura da terra. Figura 05: Tipologia (mineração de dados). As figuras 06, 07 e 08 mostram respectivamente a tipologia para as áreas de infecção fonte, sumidouros e estável. Figura 06: Tipologia da área fonte. Figura 07: Tipologia da área sumidouro. Figura 08: Tipologia da área estável. As figuras 09, 10 e 11 apresentam os gráficos com o percentual de cada classe de uso e cobertura da terra para as áreas de infecção fonte, sumidouros e estável. Figura 09: Classes de cobertura e uso da terra na área fonte. Figura 10: Classes de cobertura e uso da terra na área sumidouro. Figura 11: Classes de cobertura e uso da terra lasses na área estável. Discussões A área sumidouro situa-se em grande parte na área rural, enquanto área fonte espalha-se pela zona rural ao longo de rodovias e margens de rios. A área estável encontra-se bem distribuída pela área rural, não se identificando um grande foco, espacialmente a área estável possui uma distribuição próxima ao padrão da área fonte. A tipologia foi elaborada de modo a observarem-se áreas de paisagem contínuas, pouco fragmentadas e fragmentadas. Para a paisagem contínua (massa d’agua, floresta e urbano) é esperado encontrar sumidouros da malária ou área livre de transmissão, ou ainda, sem a presença de LTM. Pois, estas paisagens estão associadas a áreas de baixo contato entre vetores e hospedeiros. No caso da floresta e, principalmente da massa d’água, são baixas as probabilidades de populações significantes e a paisagem urbana é pouco propícia a proliferação dos vetores. Nas paisagens pouco fragmentadas é esperado encontrar áreas fontes para a tipologia água/floresta e sumidouros para a água/urbano. Embora na tipologia água/urbano se encontre grandes populações próximas a massa d’água, a mesma ainda é muitas vezes pouco propícia para a proliferação de vetores, seja pela falta de sombra, poluição e/ou grande agitação das águas. Para as áreas fragmentadas é esperado encontrar áreas fonte de malária. A tipologia de baixo contato exclui a presença de populações observadas diretamente (urbano e ocupações) e às insere de forma indireta como pasto e pasto sujo. Onde há uma baixa probabilidade da presença de populações, provavelmente por criação de gado. A presença do vetor esta associada à massa d’agua e floresta. Portanto o baixo contato é referente à baixa população indicada. A tipologia de médio contato, semelhante à de baixo contato, exclui a presença de populações observadas diretamente (urbano e ocupações) e às insere de forma indireta como agricultura, mineração, e desmatamento. Onde é esperado uma população maior que nas classes pasto e pasto sujo e, consequentemente um contato maior. Nesta paisagem presença do vetor também esta associada à massa d’agua e floresta. Na tipologia de alto contato inseriu-se a presença de populações observadas diretamente (urbano e ocupações), assim como a presença do vetor (massa d’agua e floresta). Desta forma esperando-se uma significativa população em contato com o vetor. Por fim a tipologia outros é de difícil definição, para o caso de Manaus observou-se que a classe de uso e cobertura da terra outros (ver figura 4) representa em grande parte áreas alagáveis, onde a presença de populações é pouco provável. Portanto não é esperado que a mesma represente áreas fonte de infecção. Conclusões Para as áreas fonte o resultado foi o esperado, grande parte da área é representada por tipologia de alto contato. Sendo as demais de médio, baixo contato e água/floresta. Todas consideradas como prováveis áreas fonte de infecção. Para as áreas sumidouros o resultado foi menos congruente. Houve uma representação da área por tipologia contínua urbana e água/ urbano como esperado. Mas também houve uma grande representação por alto contato, o que não era esperado. Por fim, para as áreas estáveis encontrou-se uma grande representação por tipologia de alto, baixo contato e água/floresta (consideradas como prováveis áreas fontes). Uma única célula foi representada por floresta (consideradas como provável área sumidouro). Observando também os gráficos de uso e cobertura da terra chegamos à conclusão que área fonte realmente é bastante fragmentada. Sendo representada por grande percentual de floresta, portanto grande contato entre o homem (hospedeiro) e a floresta (vetor). A área sumidouro possui enorme percentual de uso e cobertura da terra urbano (53%), mas também grande percentual de floresta (23%). O resultado não satisfatório para a análise dos sumidouros pode ser resultado do tamanho de células adotado (4x4 km). Um menor tamanho deve ser testado, desta forma diminuindo a probabilidade de paisagens fragmentadas e consequentemente aumentando a de continuas. Como afirmado anteriormente as áreas estáveis são bastante incertas. Estas áreas apresentaram percentuais de classes de uso e cobertura da terra semelhantes a da área fonte. Reforçando o observado na figura 08 e comentado acima. Pode-se se afirmar que a área estável é mais propensa a tornar-se uma área fonte que sumidouro. Referências BARBIERI, A. F. SAWYER, D. O. Malária nos garimpos do Norte de Mato Grosso: diferenciais na homogeneidade. X Encontro da Associação Brasileira de Estudos Populacionais. Belo Horizonte/MG, 1996. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica, 7º edição. Brasília/DF, 2010. DIETZ, K. 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