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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA
A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO
BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA
FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA
Orientador: Prof.º Phd. Nilson Cortez Crocia de Barros
RECIFE, PERNAMBUCO, BRASIL
2010
A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO
BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA
Área de Concentração do Curso de Doutorado:
Regionalização e Análise Regional
Linha de Pesquisa do Curso de Doutorado:
Organização e Dinâmicas Espaciais: teorias e aplicações regionais
FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA
Professor do Departamento de Geografia e História da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO
BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA
Tese apresentada pelo Geógrafo Francisco Fábio
Dantas da Costa ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Pernambuco, sob a
orientação do Professor Phd. Nilson Cortez Crocia de
Barros, enquanto requisito parcial para a obtenção do
título de DOUTOR EM GEOGRAFIA.
Recife, Pernambuco, Brasil
17 de setembro de 2010
Costa, Francisco Fábio Dantas da
A dinâmica da organização do espaço na região do baixo Mamanguape –
litoral norte do estado da Paraíba / Francisco Fábio Dantas da Costa. –
Recife: O Autor, 2010.
260 folhas: il., tab., graf., mapas, quadros e fotos.
Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. CFCH.
Geografia, 2010.
Inclui: bibliografia e anexos.
1. Geografia. 2. Organização – Espaço. 3. Região – Mamanguape (PB).
4. Litoral – Paraíba. I. Título.
91
910
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2010/34
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS GEOGRÁFICAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
CURSO DE DOUTORADO EM GEOGRAFIA
FRANCISCO FÁBIO DANTAS DA COSTA
A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO
BAIXO MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA
APROVADA em 17 de SETEMBRO de 2010.
BANCA EXAMINADORA
RCMS
iv
BRAVA GENTE
Aos operários-camponeses que construíram com sonho,
dedicação e muito trabalho a cidade de Rio Tinto. Que esse
legado jamais caia no esquecimento.
Aos índios da nação Potiguara que ainda lutam por um
pedaço de chão, por liberdade, por reconhecimento e por
dignidade. Em particular ao Cacique Aníbal, líder dos humildes
habitantes da aldeia de Jaraguá (Rio Tinto).
Aos camponeses/seringueiros que padeceram na luta pela terra.
Em especial a João Pedro Teixeira, Margarida Maria Alves,
Wilson Pinheiro e Chico Mendes.
No Nordeste e na Amazônia, esses bravos trabalhadores
derramaram o suor e o sangue dos seus próprios corpos e fizeram
germinar na terra a esperança de um futuro melhor para todos.
v
DEDICATÓRIA
À ADRIANA, minha esposa e minha companheira,
mulher determinada que conduz as nossas vidas com ternura,
paixão, dedicação e amor sem limites.
Sem a sua ajuda e incentivo jamais teria chegado ao fim
de mais uma longa jornada.
Às minhas filhas, MARIA LETÍCIA e MARIA CECÍLIA.
Enquanto eu escrevia os primeiros capítulos desse
trabalho, Letícia esboçava com entusiasmo as primeiras
letrinhas, as primeiras palavras, e Cecília ensaiava com cautela
os primeiros passinhos.
Elas representam, sem nenhum exagero, a maior razão
das nossas vidas.
Aos meus queridos pais, MANOEL e INÊS, por terem me
concedido a vida, o pão necessário ao corpo, o amor indispensável
ao espírito e a oportunidade de poder estudar muito.
vi
AGRADECIMENTOS
Todo trabalho exige o concurso de várias mãos. Por isso gostaria de agradecer...
Ao Deus que ilumina a minha vida e a vida de todos, fonte inesgotável de felicidade,
ternura e sabedoria – o Deus da liberdade, do amor, da solidariedade e da compaixão.
Aos meus familiares e parentes: esposa (Adriana), filhas (Letícia e Cecília), pais (Manoel e
Inês), irmãs (Suzana, Catarina e Fabiana), sogros (Dedé e Geralda), padrinhos (Neto e Gisélia),
tios, sobrinhos, primos, cunhados e cunhadas (Valéria e Carol), pelas infindáveis demonstrações de
amor e carinho.
As primeiras professoras da minha vida: Inês Dantas (minha mãe), Maria Dantas (minha
avó materna), Tia Marisa e Tia Telma (as dedicadas professoras da Rua da Saudade, onde eu nasci
e vivi). Essas mulheres foram muito importantes para a minha formação pessoal e profissional.
Aos amigos do tradicional e popular bairro do Roger, em especial, às famílias do Sr. Pedro
Braz, Sr. Geraldo Cardoso, Prof. Euvaldo, Dona Silvia, Dona Vanda, Dona Severina, Olindina,
Lourdes, Lúcia, Clotilde, Marivan, Manoel (Manu), Paulo Roberto, Totinha, Mauro, Gê, Altamiro
e Elinei, Joaquim e Zileide. Aos amigos do TNT (Paulinho, Gel, Tarcisio, Ernani, Ederle e
Hildegrey), pelas aventuras, pelos acampamentos e pela valiosa AMIZADE.
Aos amigos Sr. Pedro Paulo e Dona Neta, Marileide, Sueli, Sr. Paulo, Dona Eulina, Dona
Rosália, Dona Maria e Sr. José, Ronismar, Vera, Rachel, Francisca (Fan) e Vitor, Graça e Genival,
Alan, Jobson, Lassiê, Adilson e Aldo.
A todos os professores e funcionários das escolas públicas onde eu tive a feliz oportunidade
de estudar: Escola Estadual Milton Campos (atual Escola Estadual Maria Geni), Grupo Escolar
Epitácio Pessoa, Escola Estadual Prof. Tarcísio Burity e Lyceu Paraibano. Neste último colégio, eu
gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos aos professores José Paulo, Abraão,
Agamércia, Jonatan, José Carlos, Jairo, Geraldo Jorge, Inês, Maria de Fátima, Maria do Carmo,
Alexandre e João Damasceno.
Ao professor Phd. Nilson Cortez Crocia de Barros, meu orientador no Mestrado e no
Doutorado, pela paciência, pela dedicação e pelos valiosos ensinamentos ao longo de toda a minha
permanência na Pós-Graduação em Geografia. Por todos esses motivos, posso me considerar uma
pessoa privilegiada.
Aos professores da banca examinadora (Dra. Ana Cristina, Dra. Aldemir Dantas, Dra. Rita
de Cássia e Dr. José Lacerda) por terem aceitado o convite de avaliar este trabalho. Vale lembrar
que as sugestões e críticas produzidas a partir de suas análises serão imprescindíveis para o
enriquecimento da pesquisa em sua totalidade.
vii
Aos professores do Departamento de Ciências Geográficas e do Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE): Lucivânio Jatobá,
Silvana Moreira Neves, Thaís Correia de Andrade, Rachel Caldas Lins (aposentada), Rui Pordeus,
Jan Bitoun, Alcindo José de Sá, Antônio Carlos de Barros Corrêa, Ana Cristina de Almeida
Fernandes, Marlene Maria da Silva, Edvânia Torres Aguiar Gomes, Hernani Loebler, Cláudio
Jorge Moura de Castilho, Tânia Bacelar de Araújo, Aldemir Dantas Barbosa, Caio Augusto
Amorim Maciel, Beatriz Soares Pontes e Vanice Santiago Frazão Selva.
Aos funcionários do Departamento de Ciências Geográficas e do Programa de PósGraduação: Rosa Marques, Rosaldo, Accioly, Jaci, Rosalva, Domingos, Itamar, Didi e Duprat.
Aos amigos da turma de Doutorado, em particular, a Márcia Braga, Maria Soares, Irecê e
Sandro Virgílio.
Aos professores do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB): Emilia de Rodat Fernandes Moreira (minha primeira orientadora, cujos ensinamentos
foram vitais para o meu amadurecimento intelectual), Eduardo Rodrigues Viana de Lima, Eduardo
Galiza Marinho, Lígia Maria Tavares, Maria de Fátima Rodrigues, Manoel Fernandes de Souza
Neto, Magno Erasto, Paulo Roberto de Oliveira Rosa, Wolf Dietrich Heckendorff, Ana Madruga e
Doralice Sátiro. Gostaria de agradecer também aos professores aposentados: Leda Germóglio, José
Bezerra, Antônio Sérgio Tavares de Melo (in memorian), Eduardo Pazera Junior, Maria do
Rosário, Maria Gelza Fernandes de Carvalho, Vanda Régis, Modesto Seabra, Auxiliadora Lira e
Custódia Magalhães (vocês foram fundamentais para a minha formação pessoal e profissional).
Aos professores do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em
especial, a José Ailton Lira, Elisa Gonsalves, Luizito Rodrigues, Emilia Prestes, Paulo Pinto,
Otaviana Maroja, Ilson Falconi, Espedito Pereira e Esperdito Pedro.
Aos professores do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Acre (UFAC):
Adailton de Souza Galvão, Valtemir Evangelista de Souza, José Alves Costa, Raimundo Muniz
Penha e Miriam Bueno, pelo acolhimento no tempo em que permaneci no quadro daquele
Departamento (1998-2000). Agradeço aos amigos a oportunidade que tive para percorrer e
pesquisar as belas paisagens das áreas drenadas pelo alto curso do rio Acre, na fronteira do Brasil
com a Bolívia e o Peru.
Ainda na Amazônia, gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos aos
amigos Joventina Claro, Maria José, Isaac Ximenes, Waldemir Lima, Marco Antônio, Alexandre
Longin, Alriberto Dourado, Aécio Nogueira e Sibá Machado. Aos demais alunos e funcionários
dos cursos de graduação em Geografia e Sociologia da Universidade Federal do Acre, o meu
reconhecimento.
Aos amigos da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), em especial, aos professores
Lanusse Salim Tuma, Marceleuze de Araújo, Belarmino Mariano, Francisco Fagundes e José
viii
Eduardo de Santana. Vocês são pessoas que apresentam muita atitude – geograficamente falando,
são meus amigos em qualquer LATITUDE e LONGITUDE. Agradeço igualmente aos professores
Ana Glória, Paulo José, Regina Celly, Cléoma Toscano, Maria Aletheia, Robson Pontes, Carlos
Belarmino, Luciene Vieira, Rômulo Sérgio, José Jakson, Waldeci Chagas, Josemar Vieira, Ruston
Lemos, Amanda Marques, Alecsandra Pereira, Edvaldo Carlos, Aldo Gonçalves, Ernani Martins,
Antônio Sérgio, Severino dos Ramos, Anderson Alves, Aline Barboza, Genivaldo Paulino,
Eduardo Jorge, Toninho, Luis Tomaz, Wanilda Vidal, Rosilda Alves, Iara Melo e Rita de Cássia,
pela força e pelas palavras de otimismo e perseverança.
Aos funcionários do Centro de Humanidades do Campus III: Tânia, Severino, Adielson,
Josenilton, Lutélcia, Paula, Marluce, Berta, Josefa, Euda, Luis, Genilda, Amarildo, Baltazar,
Ewerton, Elisângela e Rogério, pelas palavras de carinho, pela dedicação e pela valiosa amizade.
Agradeço ainda aos funcionários da Biblioteca do Campus. Aos amigos Adielson e Maricélia,
pelas boas noites de prosa e descontração.
Aos alunos dos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Geografia (Especialização) da
Universidade Estadual da Paraíba, pelas discussões levantadas, pelo respeito e pela atenção em
todos os momentos. Gostaria de registrar ainda a minha gratidão aos geógrafos Jessé Sena, Marcio
Balbino, Pedro Jeremias, Ryan Brito, Gabriel Saturnino, Francisco de Assis, Napoleão Ângelo,
Rafael Farias, Emiliano Melo, Leandro Paiva, Agostinho Queiroga, Fernando Félix, Willian,
Adalto, Edielson Gonçalo, Manoel Vieira, Edinilza Barbosa, Renato Alves e Paulo Nunes.
Aos amigos José Rinaldo, Fernanda Teixeira e Lamartine Candeia, do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), João Pessoa, pelas orientações e pelo fornecimento das
informações censitárias sobre a região do Baixo Mamanguape.
Aos funcionários da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em especial, ao Sr. Marcos
Antônio (Chefe da Coordenadoria Técnica Local), Célia Maria da Silva e Jamerson Bezerra
Lucena, pelo fornecimento dos dados estatísticos e mapas referentes às Terras Indígenas Potiguara.
À Juçara Fonseca, bibliotecária da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), pelo material bibliográfico fornecido e pela seleção das Cartas Topográficas do Litoral
Norte da Paraíba, indispensáveis ao desenvolvimento da pesquisa.
Aos amigos Lucílio e José Fernando, do Instituto de Terras e Planejamento Agrícola da
Paraíba (INTERPA).
Por fim, gostaria de deixar registrado os meus sinceros agradecimentos à Universidade
Estadual da Paraíba, pela liberação concedida durante parte do Curso de Doutorado. Gostaria de
estender também a minha gratidão aos moradores dos municípios do Baixo Mamanguape, pessoas
humildes e acolhedoras que me ENSINARAM belas lições que só o tempo é capaz de PRODUZIR.
Francisco Fábio Dantas da Costa
Recife, Pernambuco, início da primavera de 2010.
ix
SUMÁRIO
Índice das Figuras, Mapas, Quadros, Tabelas e Gráficos
Índice das Fotografias
....................................................
xi
............................................................................................................. xiv
Siglas e Símbolos Usados
......................................................................................................... xvii
Resumo
.....................................................................................................................................
20
Résumé
.....................................................................................................................................
21
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 22
OBJETIVOS DA PESQUISA ....................................................................................................... 24
METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................................................. 26
O Método de Abordagem
.......................................................................................................
Procedimentos Técnicos da Pesquisa
....................................................................................
26
26
CAPÍTULO 1 – A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS .............................................................................. 30
..................................
31
..............................................................................
49
1.1 A Importância do Conceito de Região para a Análise Geográfica
1.2 As Principais Tipologias de Regiões
1.3 As Experiências de Interpretação Regional na Paraíba e a Posição Ocupada
pelo Baixo Mamanguape
.................................................................................................
74
CAPÍTULO 2 – CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE ......................................................................................................................
83
2.1 Situação e Localização
...................................................................................................
84
2.2 O Quadro Natural .............................................................................................................
88
2.2.1 As Condições Climáticas
..........................................................................................
88
2.2.2 A Rede Hidrográfica
.............................................................................................
97
2.2.3 A Cobertura Vegetal
............................................................................................. 101
2.2.4 O Substrato Geológico
............................................................................................. 111
2.2.5 Os Compartimentos Geomorfológicos
2.2.6 Os Solos
.................................................................... 114
................................................................................................................... 122
CAPÍTULO 3 – A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE ...................................................................................................................... 126
3.1 A Natureza do Projeto Colonial Açucareiro e a Consolidação do
Latifúndio no Nordeste do Brasil
.................................................................................... 127
3.2 O Processo Histórico de Ocupação do Baixo Vale do Rio Mamanguape ......................... 136
3.3 O Advento do Proálcool e a Expansão Recente da Cultura
da Cana-de-Açúcar (Pós-1975)
....................................................................................... 153
x
CAPÍTULO 4 – A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO
............................... 172
4.1 A Importância da Cotonicultura no Processo de Industrialização do Nordeste
Brasileiro
.......................................................................................................................... 173
4.2 A Experiência Industrial na Cidade de Rio Tinto e o Papel da Família Lundgren
4.2.1 Alguns Antecedentes Históricos
......... 182
.............................................................................. 182
4.2.2 A Companhia de Tecidos e o Nascimento do Aglomerado Urbano de Rio Tinto ......... 184
CAPÍTULO 5 – AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE ........................................................................................................................ 204
5.1 Uso do Solo, Impactos Ambientais e Políticas de Proteção do Meio Ambiente
............ 205
5.2 A Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape ......................................... 216
5.3 As Terras Indígenas Potiguaras e o Papel da FUNAI ........................................................ 229
CONSIDERAÇÕES FINAIS
....................................................................................................... 236
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
.......................................................................................... 242
ANEXOS ..................................................................................................................................... 253
Anexo 1 – Séries Estatísticas
................................................................................................. 253
Anexo 2 – Artigos de Jornais
................................................................................................. 256
xi
ÍNDICE DAS FIGURAS, MAPAS, QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS
FIGURAS
...........................................................................................
29
Figura 2 – As Regiões Geográficas na Concepção de Vidal de La Blache ..................................
54
Figura 1 – Metodologia da Pesquisa
Figura 3 – Perfil Esquemático das Fisionomias das Áreas de Influência
Marinha (Restinga)
................................................................................................................ 104
Figura 4 – Perfil Esquemático das Formações da Floresta Ombrófila Densa
............................ 109
Figura 5 – Perfil Esquemático das Formações da Savana (Cerrado) ........................................... 111
Figura 6 – Corte Esquemático Representando a Utilização do Solo no Vale
Inferior do Rio Paraíba do Norte
........................................................................................... 150
Figura 7 – Planta Baixa de uma Casa Operária Inglesa no Início do Século XIX
Figura 8 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 1
...................... 192
........................................... 194
Figura 9 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 1
........................... 194
Figura 10 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 6 ........................................... 195
Figura 11 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 6
Figura 12 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 4
............................ 195
........................................ 195
Figura 13 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 4
............................ 195
Figura 14 (acima) – Croqui das Casas Enquadradas na Tipologia 5 ........................................... 195
Figura 15 (ao lado) – Planta Baixa de uma Casa Enquadrada na Tipologia 5
Figura 16 – Divisão das Unidades de Conservação Segundo o SNUC
Figura 17 – A Interceptação das Chuvas pela Vegetação
............................ 195
...................................... 217
............................................................ 228
MAPAS
........................................
32
Mapa 2 – Regionalismo Literário ................................................................................................
48
Mapa 3 – Brasil: Divisão Regional de 1950 (Regiões Naturais) .................................................
60
Mapa 4 – Brasil: Divisão Regional de 1970 (Regiões Homogêneas)
........................................
60
Mapa 5 – Brasil: Hierarquia Urbana (2000) .................................................................................
64
Mapa 6 – Região Metropolitana de Fortaleza ..............................................................................
67
Mapa 7 – Região Metropolitana de Fortaleza Captada pelo Satélite Landsat-5
........................
67
Mapa 8 – Divisão do Território Paraibano em 1892 (Segundo a Distribuição da Flora) ............
79
Mapa 9 – Divisão do Território Paraibano em 1945 (Segundo as Zonas Fisiográficas)
............
79
as Formas de Uso da Terra) ....................................................................................................
79
Mapa 1 – Regiões e Civilizações Dominadas pelo Império Romano
Mapa 10 – Divisão do Território Paraibano em 1965 (Segundo os Limites Naturais e
Mapa 11 – Divisão do Território Paraibano em 1968 (Segundo as Microrregiões
Homogêneas) ..........................................................................................................................
79
Mapa 12 – Divisão do Território Paraibano em 1970 (Segundo as Regiões Agrárias) ...............
80
Mapa 13 – A Paraíba no Nordeste do Brasil
85
..............................................................................
Mapa 14 – Mesorregião da Mata Paraibana e Microrregiões
.....................................................
86
xii
Mapa 15 – Projeto Radambrasil – Folha Jaguaribe/Natal: Pluviometria Total
Média Anual (mm) – 1981 .......................................................................................................
92
Mapa 16 – Imagem do Satélite Meteorológico GOES-12 Mostrando a Intensa
Nebulosidade Sobre o Litoral e Parte dos Estados da Costa Oriental do Nordeste ................
94
...................................................... 97
Mapa 17 – As Massas de Ar que Atuam na América do Sul
Mapa 18 – Delimitação Espacial das Bacias e Micro-bacias Hidrográficas do
Estado da Paraíba ....................................................................................................................
98
Mapa 19 – As Atividades Econômicas do Território Colonial Português no Início
do Século XVI
....................................................................................................................... 129
Mapa 20 – As Capitanias Hereditárias em 1534 ........................................................................... 131
Mapa 21 – Planta Baixa da Fazenda Leitão em 1942 (Usina Monte Alegre) ............................... 149
Mapa 22 – Zona da Mata Paraibana: Área de Domínio do Sistema Canavieiro (1970-1986) ....... 155
Mapa 23 – A Organização do Espaço na Zona da Mata e Agreste Potiguar,
Paraibano e Pernambucano
.................................................................................................... 177
Mapa 24 – Aspectos da Topografia do Sítio Original da Cidade de Rio Tinto ............................ 186
Mapa 25 – Delimitação Espacial da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape
.......................................................................................................................... 219
Mapa 26 – Principais Comunidades Localizadas na Área de Proteção Ambiental da
Barra do Rio Mamanguape e Entorno .................................................................................... 220
QUADROS
Quadro 1 – Relação das Cartas Topográficas que Cobrem a Região do Baixo
Mamanguape e Áreas Adjacentes ............................................................................................ 28
Quadro 2 – A Geografia na Concepção de Alfred Hettner
......................................................... 39
Quadro 3 – O Significado da Palavra Região e de Outras Acepções em Alguns
Idiomas Selecionados .............................................................................................................
43
...............
51
Quadro 5 – As Regiões de Planejamento ....................................................................................
58
Quadro 4 – A Região Natural na Concepção de Fábio Guimarães e Pierre Monbeig
Quadro 6 – As Ações da SUDENE no Vale do São Francisco e a Visão de
Manuel Correia de Andrade ....................................................................................................
72
Quadro 7 – Divisão do Território Paraibano em 1892 (Segundo a Distribuição da Flora) .........
75
Quadro 8 – As Regionalizações do Espaço Agrário Paraibano
78
.................................................
Quadro 9 – As Características da Zona Intertropical e o Papel Desempenhado
Sobre o Espaço Brasileiro .......................................................................................................
89
Quadro 10 – Estratigrafia do Baixo Vale do Rio Mamanguape .................................................. 112
Quadro 11 – A Ocupação do Território Colonial Português Segundo Manuel Correia de
Andrade e Caio Prado Júnior
................................................................................................. 138
Quadro 12 – As Transformações nos Sistemas de Organização Agrária do Nordeste
Canavieiro na Visão de Mário Lacerda de Melo ..................................................................... 151
Quadro 13 – Região do Baixo Mamanguape: Principais Conflitos Fundiários
Quadro 14 – Principais Fábricas Têxteis Instaladas na Região Nordeste Entre
......................... 167
xiii
os Séculos XIX e XX
............................................................................................................. 175
Quadro 15 – Relação das Empresas Compradoras das Terras Pertencentes à
Companhia de Tecidos Rio Tinto
.......................................................................................... 199
Quadro 16 – A Ação do Homem na Superfície da Terra e a Ruptura do Equilíbrio
Natural
................................................................................................................................... 207
Quadro 17 – Principais Eventos Internacionais Sobre Questões Ambientais Realizados
Após a Conferência de Estocolmo
....................................................................................... 214
Quadro 18 – Características das Terras Indígenas Potiguaras (Municípios Abrangidos,
Total de Aldeias e População Recenseada) .............................................................................. 231
TABELAS
Tabela 1 – Clima Tropical Litorâneo (As’): Dados de Algumas Estações
Meteorológicas do Litoral da Paraíba (1981)
........................................................................
93
Tabela 2 – Balanço Pluviométrico de Algumas Estações Meteorológicas do Litoral
da Paraíba – 2003/2004/2005 (abril a julho)
...........................................................................
Tabela 3 – A Organização do Espaço na Capitania da Paraíba em 1774
93
................................... 141
Tabela 4 – Estado da Paraíba e Região do Baixo Mamanguape: Índice de Gini
(1970, 1980 e 1985)
................................................................................................................. 165
Tabela 5 – Município de Baía da Traição: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985)
Tabela 6 – Município de Mamanguape: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985)
Tabela 7 – Município de Rio Tinto: Estrutura Fundiária (1970, 1980 e 1985)
................ 165
....................... 166
............................. 166
Tabela 8 – Microrregião do Litoral Norte e Região do Baixo Mamanguape:
População Total, Urbana e Rural (1970, 1980, 1991, 2000 e 2007) ......................................... 169
Tabela 9 – Indústria Têxtil do Nordeste em Relação a do Brasil (em percentagem) .................... 179
Tabela 10 – Produção Pesqueira na Região do Baixo Mamanguape (em toneladas) ................... 233
Tabela 11 – Região do Baixo Mamanguape: Alguns Indicadores Sociais (2000)
....................... 234
GRÁFICOS
Gráfico 1 – Município de Mamanguape: Cultura da Cana-de-Açúcar (1970, 1980,
1996 e 2006) ............................................................................................................................. 160
Gráfico 2 – Município de Rio Tinto: Cultura da Cana-de-Açúcar (1970, 1980,
1996 e 2006) ............................................................................................................................. 160
Gráfico 3 – Município de Mamanguape: Cultura da Mandioca (1970, 1980, 1996 e 2006) ......... 160
Gráfico 4 – Município de Rio Tinto: Cultura da Mandioca (1970, 1980, 1996 e 2006) ............... 160
Gráfico 5 – Município de Mamanguape: Cultura do Feijão (1970, 1980, 1996 e 2006) ............... 161
Gráfico 6 – Município de Rio Tinto: Cultura do Feijão (1970, 1980, 1996 e 2006) ..................... 161
Gráfico 7 – Município de Baía da Traição: Cultura do Arroz (1970 e 1980) ..............................
161
Gráfico 8 – Município de Rio Tinto: Cultura do Arroz (1970 e 1980) ........................................ 161
xiv
ÍNDICE DAS FOTOGRAFIAS
Foto 1 – Vista panorâmica do estuário do rio Mamanguape, com destaque para a grande
amplitude transversal da sua foz. Em primeiro plano, observa-se a sucessão de cordões
arenosos (restinga) com cerca de 10 metros de altitude, colonizados pela floresta baixa
e por vegetação herbácea-arbustiva. ..............................................................................................
103
Foto 2 – Vista parcial da praia do Coqueirinho. À direita, observam-se os meandros e os
manguezais do rio Estiva e, ao fundo, o estuário do rio Mamanguape. ....................................... 103
Foto 3 – Aspecto das dunas baixas colonizadas por plantas alófitas das espécies Ipomoea
pes-caprae Roth. (salsa-da-praia) e Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre). ....................... 106
Foto 4 – Manguezal da espécie Avicennia schaueriana Stap. Lechm (mangue-canoé ou
siriúba), localizado no estuário do rio Mamanguape. .................................................................... 106
Foto 5 – Superfície dos tabuleiros costeiros ocupada pela formação dos cerrados (destaque
para as árvores baixas e para a cobertura de capim sobre o solo). ................................................. 110
Foto 6 – Aspecto das belas falésias vivas situadas ao norte da sede municipal
de Baía da Traição. ......................................................................................................................... 116
Foto 7 – A ação das ondas sobre as falésias provoca a desagregação e o desmoronamento
dos materiais constitutivos, formando um talude na base delas. .................................................... 116
Foto 8 – Vista parcial da restinga situada ao norte da foz do rio Mamanguape. A presença
dessa flecha arenosa impediu o contato do rio Estiva com as águas do oceano (destaque
para os exuberantes meandros dispostos paralelamente à linha de costa e
para a formação de manguezais). .................................................................................................. 119
Foto 9 – Vista panorâmica da planície do rio Sinimbu. Em primeiro plano, destacam-se
os campos de várzea (higrófilos e hidrófilos) e, ao fundo, as falésias mortas
ocupadas por densa vegetação. ..................................................................................................... 122
Foto 10 – Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída pelos padres Jesuítas na vila de
Monte Mor durante a colonização do baixo vale do rio Mamanguape (século XVII). ................... 142
Foto 11 – Os últimos casarões identificados na paisagem urbana testemunham a época de
esplendor da cidade que comandava a dinâmica regional do vale. ................................................. 147
Foto 12 – Aspecto das fachadas das casas comerciais localizadas no centro da cidade
(destaque para as portas em formato de arco). .............................................................................. 147
Foto 13 – Várzea do rio Mamanguape ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. Ao
fundo, observam-se as instalações da usina Monte Alegre. ..........................................................
159
Foto 14 – A presença de uma topografia plana facilitou a propagação da cana-de-açúcar
sobre os tabuleiros costeiros. Antes do PROÁLCOOL essas áreas eram ocupadas pelas
florestas ombrófilas, pelos cerrados e pela pequena produção de alimentos. ................................ 159
Foto 15 – Igreja de Santa Rita de Cássia, construída no ano de 1942 em substituição à
antiga igreja edificada no início dos anos 20 (destaque para o estilo Art Déco). .........................
Foto 16 – A construção de áreas de lazer fazia parte da política utilizada pela Companhia
para controlar de maneira sutil a vida dos operários e moradores de Rio Tinto.
188
xv
Aspecto do Cine-Teatro Orion, construído em 1944 no centro da cidade. ................................... 188
Fotos 17 e 18 – Antiga locomotiva da Companhia de Tecidos Rio Tinto usada para
transportar matérias-primas e mercadorias para abastecer o parque fabril e as demais atividades.
Origem do equipamento: Berlim – Alemanha. .............................................................................. 190
Fotos 19 e 20 – Máquina utilizada para prensar chapas de ferro e aço.
Origem do equipamento: Stuttgart – Alemanha.
.......................................................................
190
Fotos 21 e 22 – Máquina utilizada para produzir energia termelétrica.
Origem do equipamento: Breslau/Berlim – Alemanha. .............................................................. 190
Foto 23 – Os chalés localizados na praça João Pessoa destinavam-se aos funcionários
mais especializados da Companhia. ..............................................................................................
Foto 24 – Mansão da família Lundgren encontrada em estado de abandono.
193
................................... 193
Foto 25 – Casas da vila operária localizada na lateral da praça João Pessoa (Tipologia 1). ...............
194
Foto 26 – Casas da vila operária localizada na vila de Monte Mor (Tipologia 6). .............................. 195
Foto 27 – Fachada de uma casa localizada na rua Formosa (Tipologia 4).
....................................... 195
Foto 28 – Conjunto formado por pequenas casas localizadas na vila Regina (Tipologia 5).
............. 195
Fotos 29 e 30 – Instalações do antigo hospital da Companhia de Tecidos, prédio hoje
pertencente ao INSS. ..................................................................................................................... 199
Fotos 31 e 32 – Antigo barracão para venda de alimentos aos operários da Companhia de
Tecidos, hoje transformado em garagem da Empresa Viação Rio Tinto. ...................................
199
Foto 33 – Duas gerações de ex-operários da Companhia de Tecidos. ................................................
203
Foto 34 – Sr. José da Silva Martiniano, ex-operário da Companhia (ao lado, observa-se
um galpão abandonado da antiga tecelagem localizada na vila de Monte Mor). .........................
203
Foto 35 – Ex-operários da Companhia de Tecidos em uma rodada de bate-papo. ............................
203
Foto 36 – Instalações abandonadas do setor de carpintaria.
203
.............................................................
Foto 37 – Antigos pavilhões da Companhia localizados na parte norte da cidade
(vila de Monte Mor). ..................................................................................................................... 203
Foto 38 – Pavilhões abandonados da Companhia de Tecidos.
.......................................................... 203
Foto 39 (superior) – Viveiro de “propriedade particular” construído no interior da APA da Barra
do Rio Mamanguape para criação de camarão. .............................................................................. 223
Foto 40 (lado esquerdo) – Equipamento usado para retirar água do manguezal para
abastecer os viveiros. ...................................................................................................................... 223
Foto 41 (lado direito) – Canal construído para abastecer os viveiros com água transportada
do próprio manguezal (esse processo acaba contaminando os rios e riachos pelo
vazamento de efluentes). ............................................................................................................... 223
Foto 42 (inferior) – Placa instalada pela FUNAI para delimitar o território indígena Potiguara
...... 223
Foto 43 – Aspecto da aldeia Potiguara Tramataia, localizada na margem esquerda do
estuário do rio Mamanguape. ........................................................................................................ 226
xvi
Foto 44 – Pequenas embarcações utilizadas para a pescaria no manguezal (a pesca artesanal
constitui a principal atividade econômica dos índios que vivem no estuário). ............................. 226
Foto 45 (centro) – Dona Maria da Silva, índia de 68 anos que reside em uma humilde casa
na aldeia Galego (Baía da Traição). .............................................................................................. 235
Foto 46 (canto superior esquerdo) – Aspecto de um pequeno roçado para cultivo da mandioca. ...... 235
Foto 47 (canto superior direito) – A pesca é considerada uma importante fonte de sobrevivência
para os índios Potiguaras.
........................................................................................................ 235
Foto 48 (canto inferior esquerdo) – Pequena escola municipal localizada na aldeia Caieira, municí-
pio de Marcação.
........................................................................................................ 235
Foto 49 (canto inferior direito) – Aspecto de uma pequena casa de pau-a-pique (taipa) com
cobertura de telha de cerâmica. ..................................................................................................... 235
xvii
SIGLAS E SÍMBOLOS USADOS
SIGLAS
AESA – Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba
AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros
APA – Área de Proteção Ambiental
AQUAFER – Aqüicultura Fernando Ltda.
BNB – Banco do Nordeste do Brasil
BNDE – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
CAIS’s – Complexos Agroindustriais
CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
CNAT – Commission Nationale à l’Aménagement du Territoire
CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
CODER – Commission de Développement Économique Regional
CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente
CPT – Comissão Pastoral da Terra
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CTP – Companhia de Tecidos Paulista
CTRT – Companhia de Tecidos Rio Tinto
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CVRD – Companhia Vale do Rio Doce
DATAR – Délégation à l’Aménagement du Territoire et à l’Action Régionale
DNER – Departamento Nacional de Estradas e Rodagem
DNOCS – Departamento Nacional de Obras Contra a Seca
FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura
FASASA – Fonds d’Action Sociale pour l’Aménagement des Structures Agricoles
FDES – Fonds de Développement Économique et Social
FORMA – Fonds d’Orientation et de Régularisation des Marchés Agricoles
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica
GTDN – Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool
IAURP – Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région de Paris
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
IBG – Instituto Brasileiro de Geografia
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBIO – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
xviii
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
INTERPA – Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do Estado da Paraíba
IOCS – Inspetoria de Obras Contra a Seca
IPEA/PNUD – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento
ITR – Imposto Territorial Rural
IUCN – União Internacional para a Conservação da Natureza
MCT – Ministério da Ciência e Tecnologia
MIN – Ministério da Integração Nacional
MINTER – Ministério do Interior
MMA – Ministério do Meio Ambiente
MMN – Ministério das Minas e Energia
NEPREMAR – Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
PB – Paraíba
PCdoB – Partido Comunista do Brasil
PE – Pernambuco
PEA – População Economicamente Ativa
PIB – Produto Interno Bruto
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool
PT – Partido dos Trabalhadores
RADAMBRASIL – Projeto Radambrasil de Levantamento dos Recursos Naturais
RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima
RN – Rio Grande do Norte
S.A. – Sociedade Anônima
SEMARH – Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais
SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
TERRA – Grupo de Pesquisas Urbanas, Rurais e Ambientais
UEPB/DGH – Universidade Estadual da Paraíba/Departamento de Geografia e História
UFAC/DG – Universidade Federal do Acre/Departamento de Geografia
UFPB/DGEOC – Universidade Federal da Paraíba/Departamento de Geociências
UFPE/DCG – Universidade Federal de Pernambuco/Departamento de Ciências Geográficas
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNIPÊ – Centro Universitário de João Pessoa
xix
SÍMBOLOS
% – Percentagem
6º 02’ 12” – Graus, minutos e segundos
a.C – Antes de Cristo
As’ – Clima tropical quente e úmido (chuvas de outono-inverno)
Aw – Clima tropical quente e úmido (chuvas de verão)
Aw’ – Clima tropical quente e úmido (chuvas de verão-outono)
Beaufort – Medida que expressa a velocidade dos ventos em metros por segundo
Bsh – Clima tropical quente e seco (semi-árido com curta estação chuvosa)
EP – ER – Correlação entre a evapotranspiração potencial e real
EP – Evapotranspiração potencial
ER – Evapotranspiração real
FPA – Frente Polar Atlântico
ha – Hectare
hab/km² – Habitante por quilômetro quadrado
km – Quilômetro
km² – Quilômetro quadrado
m – Metro
m/s – Metro por segundo
mm – Milímetro
NE-E – Nordeste-Este
ºC – Grau centígrado
P – ER – Correlação entre a precipitação anual e a evapotranspiração real
s – Sul
SE-E – Sudeste-Este
Tk – Massa de Ar Tépido Calaariano
ton – Tonelada
Tp - Massa de Ar Tépido Atlântico
w – Oeste
ZCIT – Zona de Convergência Intertropical, também chamada de Convergência Intertropical (CIT)
20
RESUMO
COSTA, Francisco Fábio Dantas da. A Dinâmica da Organização do Espaço na Região do Baixo
Mamanguape – Litoral Norte do Estado da Paraíba. Recife, 2010, 260 fls. (Tese do Programa de PósGraduação em Geografia. Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de
Pernambuco).
O estudo da região não constitui privilégio único da ciência geográfica. No entanto, o geógrafo
vislumbra nessa categoria uma importante ferramenta para a apreensão da realidade, uma vez que a
mesma encerra valores e estilos de épocas, posturas filosóficas e ideológicas, tendências políticas,
níveis diferenciados do próprio processo de conhecimento técnico-científico, entre outros aspectos. Tal
condição ajuda a compreender a estagnação de algumas regiões e o dinamismo alcançado por outras,
ainda que elas façam parte de um mesmo território. Ela explica também o papel desempenhado por
importantes cidades que comandam a organização do espaço no interior das grandes regiões, a exemplo
das metrópoles e das megalópoles. Por fim, ela é imprescindível para o entendimento da complexa
trama que envolve os atores sociais, suas instituições, suas leis, suas vontades, suas necessidades e seus
desejos. A presente pesquisa tem como objetivo estudar a organização espacial na região do Baixo
Mamanguape, desde o período inicial de sua ocupação até os dias atuais, propondo uma TIPOLOGIA
DE FASES DA DINÂMICA REGIONAL com base nas alterações funcionais e morfológicas
identificadas. A partir da análise da literatura e da iconografia existentes; dos dados estatísticos
fornecidos pelo IBGE, FUNAI e FUNASA; das informações obtidas a partir do levantamento
cartográfico e também nos depoimentos colhidos nos trabalhos de campo, foi possível construir um
modelo teórico fundamentado em seis fases, a saber: Fase 1 – o Litoral era habitado por grupos
indígenas tradicionais (Tabajaras e Potiguaras); Fase 2 – o Litoral passou a ser visto como importante
reserva de matérias-primas; Fase 3 – a região do Baixo Mamanguape foi forjada com base nas
atividades econômicas introduzidas pelos colonizadores (a cana-de-açúcar e a pecuária extensiva);
Fase 4 – a crise política e econômica, o progresso técnico e a nova dinâmica regional; Fase 5 – a
expansão recente da cultura da cana-de-açúcar e os seus impactos sobre a região (pós-1975); e Fase 6 –
a institucionalização de áreas de proteção ambiental. Com efeito, a experiência adquirida ao longo
desta pesquisa permitiu que nós fizéssemos algumas propostas para amenizar os problemas sociais e
ambientais da região. São elas: ampliação das políticas de reforma agrária; promoção de melhorias no
interior das aldeias em relação à habitação, ao saneamento básico, à saúde, à educação e à geração de
renda; revitalização da atividade industrial têxtil com base em pequenas e médias unidades de
produção, capazes de absorver expressivo contingente de trabalhadores; incentivo às práticas do
turismo sustentável, aproveitando as imensas potencialidades que a região oferece aos visitantes
(patrimônio cultural, arquitetônico e natural) e integrando as populações tradicionais nesses programas;
e favorecer o desenvolvimento racional da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape,
de modo que as populações possam usufruir das riquezas naturais existentes nesse vasto ecossistema
costeiro.
Palavras-chave: Organização Espacial; Região; Litoral da Paraíba; Baixo Mamanguape.
21
RÉSUMÉ
COSTA, Francisco Fábio Dantas da. La Dynamique de l'Organisation de l'Espace dans la Région du
Bas Mamanguape - Littoral nord de l'État de Paraíba. Recife, 2010, 260 fls. (Thèse du Programe de
3ème cycle en Géographie. Département de Sciences Géographiques de l’Université Fédérale de
Pernambuco).
L’étude de la région n’est pas privilège seulement de la science géographique. Cependant, le géographe
entrevoit dans cette catégorie un outil d’importance pour l’appréhension de la réalité, étant donné
qu’elle renferme valeurs et styles d’époques, positions philosophiques et idéologiques, tendances
politiques, niveaux différenciés du propre processus de connaissance technico-scientifique, entre autres
aspects. Pareille condition aide à comprendre la stagnation de certaines régions et le dynamisme atteint
par d’autres bien qu’elles fassent, les unes comme les autres, partie d’un même territoire. Elle explique
aussi le rôle joué par des villes importantes qui commandent l’organisation de l’espace à l’intérieur des
grandes régions, à l’exemple des métropoles et mégapoles. Enfin, elle est incontournable pour la
compréhension de la trame complexe où s’imbriquent les acteurs sociaux, leurs institutions, leurs lois,
leurs volontés, leurs besoins et leurs désirs. La présente recherche a pour objectif l’étude de
l’organisation spatiale dans la région du Bas Mamanguape, depuis la période initiale de son occupation
jusqu’à nos jours; elle propose une TYPOLOGIE DE PHASES DE LA DYNAMIQUE RÉGIONALE, en
se basant sur les altérations fonctionnelles et morphologiques identifiées. À partir de l’analyse de la
littérature et de l’iconographie existantes, des donnéees statistiques fournies par l’IBGE, la FUNAI et la
FUNASA, des informations obtenues à partir du relevé cartographique et également des témoignages
recueillis au cours des travaux de terrain, il a été possible de construire un modèle théorique fondé sur
six phases, à savoir : Phase 1 – le Littoral était habité par des groupes indigènes traditionnels
(Tabajaras et Potiguaras); Phase 2 – le Littoral en est venu à être considéré comme une importante
réserve de matières premières; Phase 3 – la région du Bas Mananguape a été forgée pour être une base
pour les activités économiques introduites par les colonisateurs (la canne à sucre et l’élevage extensif);
Phase 4 – la crise politique et économique, le progrès technique et la nouvelle dynamique régionale;
Phase 5 – l’expansion récente de la culture de la canne à sucre et ses impacts sur la région (après
1975); et la Phase 6 – l’insitutionnalisation d’aires de protection environnementale. L’expérience
acquise au long de cette recherche nous a permis, en effet, de faire quelques propositions afin
d’atténuer les problèmes sociaux et environnementaux de la région. Les voici: amplification des
politiques de réforme agraire; promotion d’améliorations au sein des villages pour ce qui est de
l’habitat, du tout à l’égoût, de la santé, de l’éducation et de la création de revenus; revitalisation de
l’activité industrielle textile basée sur de petites et moyennes unités de production, capables d’absorber
un contingent expressif de travailleurs; incitation aux pratiques du tourisme durable, en profitant du
potentiel immense qu’offre la région aux visiteurs (patrimoine culturel, architectural et naturel) et en
intégrant les populations traditionnelles dans ces programmes; et appui au développement rationnel de
l’Aire de Protection Environnementale de la Barre du fleuve Mamanguape, de façon que les
populations puissent jouir des richesses naturelles existantes dans ce vaste écosystème côtier.
Mots-clés: Organisation Spatiale; Région; Littoral de la Paraíba; Bas Mamanguape.
INTRODUÇÃO
De acordo com Milton SANTOS (1994, p. 45), as mudanças que os territórios e as regiões
vêm conhecendo, nas formas de sua organização, acabam por invalidar os conceitos herdados do
passado e a obrigar a atualização das categorias de análise. No entanto, esse movimento de
renovação não se apresenta de maneira linear, direta. Ao contrário, os momentos de crises e as
rupturas, as inovações técnicas, a eclosão de novos modelos e paradigmas constituem fatos
essenciais no contexto da ciência que é o da busca da maturidade técnico-científica.
Tal assertiva pode ser buscada também em Fred SCHAEFER (1977, p. 5), quando recorda
que em um campo ativo da ciência, certos conceitos são constantemente aperfeiçoados ou então
abandonados de vez; leis e hipóteses são, conforme o caso, confirmadas ou invalidadas, ou, talvez,
reduzidas à condição de não mais oferecerem aproximações aceitáveis.
Com efeito, pode-se afirmar que desde a formação da Geografia como ciência autônoma,
no final do século XIX, geógrafos e não-geógrafos de várias partes do mundo vêm realizando
intensos debates envolvendo questões de natureza metodológica e epistemológica. Tem sido assim
com o estudo do espaço, da paisagem, do território, do lugar e, porque não dizer, com o estudo da
região. Por outro lado, como esses conceitos estão relacionados a uma série de particularidades
(históricas, culturais, filosóficas, políticas e econômicas), os desafios para quem busca através
deles a compreensão dos fatores responsáveis pelas transformações espaciais ganham novos
contornos, novas dimensões.
O estudo da região, objeto desta pesquisa, não constitui privilégio único da ciência
geográfica. No entanto, o geógrafo vislumbra nessa categoria uma importante ferramenta para a
apreensão da realidade, uma vez que a mesma encerra valores e estilos de épocas, posturas
filosóficas e ideológicas, tendências políticas, níveis diferenciados do próprio processo de
conhecimento técnico-científico, entre outros aspectos.
Tal condição ajuda a compreender a estagnação de umas regiões e o dinamismo alcançado
por outras, ainda que elas façam parte de um mesmo território. Ela explica também o papel
desempenhado por importantes cidades que comandam a organização do espaço no interior das
grandes regiões, a exemplo das metrópoles e das megalópoles. Por fim, ela é imprescindível para o
entendimento da complexa trama que envolve os atores sociais, suas instituições, suas leis, suas
vontades, suas necessidades e seus desejos, relações essas quase sempre entremeadas por
interesses, conflitos, violência e destruição.
Por esses e outros motivos, Roberto Lobato CORRÊA (2005, p. 194) afirmou que a região,
essa particularidade dinâmica, continua ainda hoje a despertar interesses e a desafiar os geógrafos
em sua tarefa de tornar inteligível a ação humana no tempo e no espaço, ação esta responsável pela
ocorrência de significativos impactos sociais e ambientais.
23
A importância da tradição regional na Geografia estimulou o nosso interesse para a
realização de um trabalho de tese sobre a dinâmica da organização do espaço na região do Baixo
Mamanguape, Litoral Norte do Estado da Paraíba, a partir da compreensão das diversas formas de
organização e utilização do solo verificadas ao longo da história regional, passando pela fase das
culturas da cana-de-açúcar, do algodão e de outros gêneros agrícolas; pela fase industrial
representada pela experiência do grupo Lundgren; até o estágio mais recente, caracterizado pela
criação de áreas institucionalizadas (reservas do patrimônio ambiental e terras indígenas) e pela
expansão das vilas de veraneio ao longo da costa.
É importante salientar, segundo SANTOS (1994, p. 46), que a compreensão dessa dinâmica
passa pelo entendimento do funcionamento da economia ao nível mundial e seu rebatimento no
território de um país, com a intermediação do Estado, das demais instituições e do conjunto de
agentes da economia, a começar pelos seus atores hegemônicos. Estudar uma região significa,
pois, penetrar em um mar de relações, formas, funções, organizações, estruturas, etc., com seus
mais distintos níveis de interação, contradição e escalas.
Neste sentido, entendemos que a categoria região poderá fornecer suporte teóricometodológico a uma pesquisa empírica que acreditamos ser capaz, em seus resultados, de subsidiar
políticas de gerenciamento e planejamento sócio-ambiental voltadas para a realidade das áreas
costeiras tropicais. Esta pesquisa representa ainda um esforço de ampliação dos nossos
conhecimentos no campo da Geografia. Esperamos que ela possa contribuir para a bibliografia em
Geografia dedicada ao tratamento das questões regionais, bem como ao estudo da Geografia Física
e Humana do território do Estado da Paraíba.
Por fim, queremos ressaltar que o tema escolhido enquadra-se na linha de pesquisa
Organização e Dinâmicas Espaciais: teorias e aplicações regionais, oferecida pelo Programa de
Doutoramento em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e que a região do
Baixo Mamanguape apresenta alguns aspectos importantes, tanto do ponto de vista dos elementos
físicos (naturais) como do ponto de vista dos elementos humanos, fatos estes que chamaram a
nossa atenção. Ademais, nenhum estudo em nível de doutorado teve esta região como objeto
empírico específico para uma análise sobre a dinâmica da organização do espaço. Daí a grande
responsabilidade e o grande desafio da pesquisa ora proposta.
24
OBJETIVOS DA PESQUISA
Geral
Estudar a organização espacial na região do Baixo Mamanguape, Litoral Norte do Estado da
Paraíba, desde o período inicial de sua ocupação até os dias atuais, propondo uma TIPOLOGIA
DE FASES DA DINÂMICA REGIONAL com base nas alterações funcionais e morfológicas
identificadas.
De acordo com JOHNSON (1997, p. 240), uma tipologia é um conjunto de categorias usadas
para classificação. Sociedades, por exemplo, podem ser categorizadas usando-se uma tipologia
de sistemas econômicos, que inclui várias fases: caça, pesca e coleta, pastoril, agrária,
comercial, industrial, entre outras. Ainda segundo ele, as tipologias são úteis por chamar
atenção para características particulares do que observamos, o que nos habilita a fazer
comparações em relação aos aspectos sociais, culturais, religiosos, políticos e econômicos.
Para a construção da tipologia de fases da dinâmica regional do Baixo Mamanguape, foram
adotadas duas escalas de observação – uma TEMPORAL e a outra ESPACIAL. Para BARROS
(1998, p. 25-26), trata-se de um procedimento metodológico de grande importância para a
pesquisa em Geografia, uma vez que possibilita a elaboração de representações de agentes
(atores sociais), ações e efeitos territoriais. Por fim, convém salientar que esta tipologia poderá
servir de modelo teórico ao estudo de outras áreas semelhantes ao Baixo Mamanguape, desde
que sejam resguardadas as devidas particularidades.
Específicos
Caracterizar o quadro natural da região do Baixo Mamanguape, destacando a relação entre os
elementos físicos (clima, solos, cobertura vegetal, rede hidrográfica, substrato geológico e
compartimentos geomorfológicos) e a configuração das paisagens criadas pelos grupos
humanos;
Resgatar o processo histórico de ocupação do Litoral da Paraíba a partir da introdução da
principal atividade econômica: a monocultura da cana-de-açúcar;
Compreender o apogeu e a decadência política e econômica das duas principais cidades que
comandavam a dinâmica espacial do baixo vale: Mamanguape e Rio Tinto;
Identificar e analisar os impactos sociais, econômicos e ambientais presentes na área em
questão, com o propósito de compreender as suas repercussões sobre o modo de vida/sistema
25
de uso dos recursos das populações tradicionais (pequenos agricultores dos tabuleiros e da
planície, pescadores caiçaras e índios);
Destacar a presença das Reservas Indígenas Potiguaras, administradas pela Fundação Nacional
do Índio (FUNAI);
Evidenciar a importância da criação da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape, como forma de garantir institucionalmente a conservação dos elementos naturais
e culturais presentes nesse ecossistema costeiro;
Contribuir, através dos resultados alcançados com a pesquisa, para a criação e implementação
de uma política de gestão integrada dos recursos costeiros.
26
METODOLOGIA DA PESQUISA
O MÉTODO DE ABORDAGEM
O método científico, consoante BARBOSA FILHO (1994, p. 44), consiste em um processo
de investigação dos fenômenos da realidade em que a observação é feita de modo sistemático. Os
fatos são tratados de maneira racional, por argumentação lógica, leis apropriadas e teste crucial de
prova. Ele estabelece os conceitos e princípios gerais, os procedimentos e processos básicos, as
técnicas e instrumentos de observação, aplicáveis a qualquer ramo do conhecimento.
Para o desenvolvimento desta proposta de trabalho, foram adotados os princípios do
método ESTRUTURALISTA, uma vez que o mesmo respondia aos anseios da pesquisa e
possibilitava uma análise coerente e aprofundada dos fenômenos observados na teoria e na prática.
Desenvolvido pelo antropólogo francês Lévi-Strauss, este método, segundo LAKATOS e
MARCONI (2000, p. 95), parte da investigação de um fenômeno concreto, eleva-se, a seguir, ao
nível abstrato, por intermédio da constituição de um modelo que represente o objeto de estudo,
retomando, por fim, ao concreto, desta vez com uma realidade estruturada e relacionada com a
experiência do sujeito social.
Através do método Estruturalista é possível entrar na realidade concreta e em seguida
construir modelos que não são diretamente perceptíveis (modelos teóricos). Tais modelos facilitam
a análise e a compreensão dos diversos fenômenos observados no espaço: dinâmica das formas de
ocupação e uso do solo, conseqüências sociais e ambientais provocadas pelas mudanças, papel do
poder público e dos agentes privados no processo transformador, etc.
Não obstante, as mudanças que se processam em uma dada sociedade (a nível espacial,
mais precisamente) devem ser analisadas através do Estruturalismo, pois elas ocorrem em espaços
considerados como uma totalidade, que, por sua vez, pode ser fragmentada e estudada cada
caractere que a compõe, enfocando sempre sua relação com os demais. Vale ainda ressaltar que a
mudança em uma das partes da estrutura implica variações em toda sua totalidade, conforme
lembra SANTOS (1988, p. 50; 71):
“Estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de
organização ou construção. (...)”.
“A estrutura interna, assim considerada, permite verificar as articulações do
fenômeno estudado com outros fenômenos e com a totalidade dos fenômenos.
É, por isso, um bom método de trabalho.”
PROCEDIMENTOS TÉCNICOS DA PESQUISA
De acordo com FRÈMONT (1983, p. 93; 97), para estudar e investigar os fenômenos tornase necessário o uso de instrumentos e documentos. Este último constitui um precioso intermediário
27
entre o investigador e a realidade que se pretende descobrir. Ele não é a realidade propriamente
dita, mas transcreve-a ou reflete-a.
Ainda segundo o autor, o documento pode ser visual (um mapa, uma imagem de radar e/ou
satélite, uma fotografia aérea e/ou convencional); narrativo (um texto, um artigo); ou numérico
(tabelas, gráficos, séries estatísticas). Ele nos permite reconstituir o passado através de arquivos
históricos, revelar aspectos imperceptíveis como situações fundiárias, fluxos de capitais ou de
informações, bem como condensar uma situação em listas de recenseamentos, inventários
descritivos, monografias, etc. Cada vez mais indispensável, o documento invadiu paulatinamente a
área de investigação dos geógrafos (FRÈMONT, op. Cit., p. 97), assim como de outros profissionais
preocupados com o tratamento das questões que envolvem o espaço de vida das sociedades –
historiadores, economistas, sociólogos, antropólogos, planejadores, urbanistas, engenheiros, para
citar apenas alguns exemplos.
Partindo das considerações apresentadas anteriormente, fez-se necessário dividir a pesquisa
em duas etapas principais, a saber:
I) Pesquisa de Gabinete
Constituiu uma etapa essencial na busca de subsídios teórico-metodológicos para a
realização da tese. Para isso, várias atividades foram desenvolvidas simultaneamente durante o
período de elaboração da mesma. Foram elas:
Leitura, compilamento e fichamento do material bibliográfico específico (livros, artigos de
revistas especializadas, periódicos, dissertações, teses, relatórios de pesquisas, etc.);
Levantamento, processamento e análise dos dados secundários dos Censos Demográficos e
Agropecuários da Paraíba e da Produção Agrícola Municipal, ambos publicados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); dos laudos e cadastros do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Instituto de Terras e Planejamento Agrícola do
Estado da Paraíba (INTERPA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Fundação Nacional de saúde
(FUNASA), Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), Agência Executiva de Gestão das Águas do
Estado da Paraíba (AESA), entre outros;
Levantamento, análise e interpretação do material cartográfico do Ministério do Exército; da
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e do Projeto RADAMBRASIL,
referente ao período mais recente do estudo (1970-2000);
Elaboração de representações cartográficas esquemáticas de uso do solo (mapas temáticos)
evidenciando a dinâmica da organização espacial na região do Baixo Mamanguape;
Elaboração do texto final da tese.
28
II) Pesquisa de Campo
Esta etapa consistiu em trabalhos na área com a finalidade de realizar observações diretas
necessárias ao estudo. A partir destas observações, foi possível confrontar as informações contidas
na literatura pesquisada, nos arquivos das instituições citadas anteriormente, bem como no
levantamento cartográfico, com o propósito de esclarecer algumas dúvidas, corrigir possíveis
falhas e levantar novas informações.
A área escolhida para a realização dos trabalhos compreendeu todo o Baixo Mamanguape,
localizado no Litoral Norte do Estado da Paraíba. Trata-se de uma porção territorial que mede
aproximadamente 640 km², abrangendo terras de quatro municípios: Mamanguape, Rio Tinto,
Marcação e Baía da Traição.
Durante as pesquisas de campo foram utilizadas as cartas topográficas discriminadas a
seguir:
QUADRO 1 – RELAÇÃO DAS CARTAS TOPOGRÁFICAS QUE COBREM A REGIÃO
DO BAIXO MAMANGUAPE E ÁREAS ADJACENTES
Cartas Topográficas
Barra de Mamanguape
Baía da Traição
Rio Tinto
Rio Grupiúna
Pindobal
Rio Soé
Itapororoca
Escala
Índices das Folhas
1:25.000
SB.25-Y-A-VI-3-NO
1:25.000
SB.25-Y-A-VI-1-SO
1:25.000
SB.25-Y-A-V-4-NE
1:25.000
SB.25-Y-A-V-2-SE
1:25.000
SB.25-Y-A-V-4-SE
1:25.000
SB.25-Y-A-VI-3-SO
1:25.000
SB.25-Y-A-V-4-NO
Edição/Ano
1ª/1974
1ª/1974
1ª/1974
1ª/1974
1ª/1974
1ª/1974
1ª/1974
Instituição
SUDENE
SUDENE
SUDENE
SUDENE
SUDENE
SUDENE
SUDENE
Fonte: Elaborado com base em:
BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Recife:
SUDENE, 1974.
Vale ressaltar que as alterações mais recentes, do ponto de vista da organização espacial,
assim como depoimentos sobre aspectos da paisagem anterior, foram registradas ao longo desta
etapa. Esta fase envolveu:
A Realização das Entrevistas
Conforme LAKATOS e MARCONI (op. Cit., p. 107), a entrevista é uma conversação
realizada frente a frente e de maneira metódica, proporcionando ao entrevistador o acesso às
informações que deseja.
Em nosso trabalho, as entrevistas apresentaram questões abertas e fechadas. Desta forma,
foram levantadas informações quantitativas e qualitativas. Elas também eram diferenciadas de
acordo com o objetivo e o público entrevistado.
O público contemplado nesta fase da pesquisa compreendeu os seguintes segmentos: as
populações nativas da área, os atuais trabalhadores, os representantes das instituições públicas, dos
sindicatos e cooperativas, entre outros. Algumas informações referentes à mobilidade
29
populacional, condições de vida e trabalho, aspectos históricos e socioculturais, principais
reivindicações junto aos poderes públicos, entre outras, puderam ser aferidas.
Com esta etapa, pretendeu-se, pois, resgatar um pouco da história da região do Baixo
Mamanguape, seu processo de crescimento econômico e político, sua estagnação e sua decadência.
Essa trajetória permitiu lançar um lampejo sobre o futuro da região, com vistas a uma tentativa de
(re) inserção na vida econômica do Litoral.
O Registro Documental em Fotografias
A imagem representa um dos mais antigos e preciosos documentos utilizados pelos
geógrafos (GEORGE, 1980, p. 22). Com efeito, a elaboração de um documento-imagem sobre a
dinâmica espacial da região do Baixo Mamanguape, dinâmica esta provocada pela ação conjunta
de elementos naturais e humanos, além de constituir parte integrante da pesquisa ora proposta,
representa um valioso acervo para as gerações futuras e para a Geografia como um todo.
FIGURA 1 – METODOLOGIA DA PESQUISA
A DINÂMICA DA ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE – LITORAL NORTE DO ESTADO DA PARAÍBA
Método de Abordagem
Procedimentos Técnicos
Capítulo 1 da Tese:
Referencial TeóricoMetodológico
Princípios do Estruturalismo
Modelo Teórico
Adoção de Escalas de
Observação:
Temporal e Espacial
Construção de Uma Tipologia
de Fases da Dinâmica Regional
Pesquisa de Gabinete:
A Importância do
Conceito de Região para a
Análise Geográfica
As Principais Tipologias
de Regiões
Coleta de Dados
Secundários
Levantamento Cartográfico
Região Natural
Produção de Materiais
Derivados
Região Geográfica
Pesquisa de Campo:
Regiões Econômicas (região
homogênea, região
polarizada e região-plano)
Realização de Entrevistas
As Experiências de
Interpretação Regional na
Paraíba e a Posição
Ocupada pelo Baixo
Mamanguape
Organizada pelo autor.
Revisão da Literatura
Cobertura Fotográfica
CAPÍTULO 1
A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS
31
CAPÍTULO 1
A REGIÃO NO DISCURSO GEOGRÁFICO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
EPISTEMOLÓGICAS
“Vista à distância, em suas relações com o homem, a
Geografia não é mais do que a História no espaço, do mesmo modo que
a História é a Geografia no tempo.”
RECLUS, Élisée. L’Homme et la Terre.
1.1 A IMPORTÂNCIA DO CONCEITO DE REGIÃO PARA A ANÁLISE GEOGRÁFICA
Falar de região não é uma tarefa fácil, uma vez que se trata de uma categoria que está
presente no trabalho de inúmeros profissionais: biólogos, geólogos, geomorfólogos, economistas,
sociólogos, historiadores, literatos, artistas, arquitetos e urbanistas, geógrafos, para citar apenas
alguns exemplos. Além disso, o conceito está relacionado a uma série de circunstâncias históricas,
culturais, filosóficas, políticas e econômicas, o que torna ainda maior o grau de complexidade para
aqueles que buscam através do seu estudo a explicação dos diversos fenômenos que se manifestam
em uma dada fração do espaço.
Apesar do seu emprego nas diversas esferas do saber científico, o vocábulo região também
faz parte da linguagem popular. Paulo César da Costa Gomes lembra que, neste caso, a noção de
região parece estar relacionada a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão.
Sendo assim, no cotidiano as pessoas utilizam com freqüência expressões do tipo: “a região mais
pobre da cidade”, “a região que oferece maiores oportunidades de emprego”, “a região Sul é muito
fria”, “a região Amazônica é coberta por florestas”, etc., como referência a um conjunto de área
onde existe o domínio de determinados atributos espaciais que ajudam na diferenciação daquele
lugar em relação aos outros (GOMES, 2005, p. 53). E foi justamente com base nesse entendimento
que, a partir da década de 1960, os geógrafos teorético-quantitativistas passaram a definir as
regiões homogêneas como parte da estratégia do planejamento regional em vigor em diversos
países do mundo, inclusive no Brasil, conforme será discutido mais adiante.
De acordo com a etimologia, a palavra região deriva do latim regere, palavra composta
pelo radical reg, que deu origem a outras palavras como regente, regência, regra, etc. Regione, nos
tempos do Império Romano, era a denominação utilizada para designar unidades territoriais
(províncias) que, ainda que dispusessem de uma administração local, estavam subordinadas às
regras hegemônicas ditadas pelas magistraturas sediadas em Roma (GOMES, op. Cit., p. 50).
De fato, os romanos começaram a conquista territorial por volta da segunda metade do
século IV a.C. e, durante os cinco séculos seguintes, tornaram-se detentores de um vasto império
que se estendeu por parte considerável da Europa, atingindo inclusive as ilhas Britânicas em seu
32
limite mais ao norte; da Ásia Menor; do Oriente Médio e uma estreita e contínua faixa ao norte do
deserto do Saara, já em continente africano. Tal fato só foi possível graças à intensa centralização
do poder, processo este garantido através da organização de um eficiente aparato militar e
burocrático-administrativo.
A coleta sistemática de pesados tributos (impostos) em favor do soberano garantia a
execução de obras de infra-estrutura em todas as partes do império (fortificações, canais,
aquedutos, pontes, portos, estradas), facilitando o domínio e o controle do território por parte das
legiões romanas. A respeito dessa última consideração, BENEVOLO (2005, p. 185) fornece-nos
uma idéia clara da importante rede de estradas que ligava diversos pontos do império, destacando
inclusive os nós de ligação entre várias cidades e regiões. Por fim, observe que o Mapa 1 retrata os
limites alcançados pelo mais poderoso império da Antiguidade, identificando em letras menores os
nomes das cidades existentes e/ou fundadas pelos romanos em suas incursões e, em letras maiores,
os topônimos de importantes regiões e/ou civilizações do Velho Mundo.
MAPA 1 – REGIÕES E CIVILIZAÇÕES DOMINADAS PELO IMPÉRIO ROMANO
Fonte: Adaptado de:
ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico. São Paulo: Ática, 14ª edição, 1996, p. 11.
O esfacelamento deste império seguiu, a princípio, estas linhas de fraturas regionais e a
subdivisão destas áreas foi a origem espacial do poder autônomo dos feudos e das comunidades
eclesiásticas predominantes na Idade Média (GOMES, op. Cit., p. 51). Durante esse período que se
estendeu aproximadamente por dez séculos, o fenômeno urbano retrocedeu consideravelmente,
33
muitas cidades desapareceram, as regiões foram se desarticulando, o comércio perdeu a
importância de outrora e os feudos tiveram que se tornar auto-suficientes, conforme aponta BEZZI
(2004, p. 30):
“A economia feudal era organizada em torno da grande propriedade, que
bastava a si mesma. A carência de meios de transporte rápido implicou a
concentração da população em áreas reduzidas, dentro das quais podiam ser
satisfeitas todas as necessidades da estrutura social. Desse modo, embora o
comércio à longa distância e as colônias mercantis tivessem representado um
papel decisivo na origem das cidades, convém lembrar de que, durante um
longo período histórico, elas formaram regiões economicamente fechadas,
também por força de leis e de costumes sociais.”
Todo esse panorama só começou a sofrer alterações a partir do século XIV, momento em
que se verifica lentamente o renascimento urbano e, com ele, o reativamento do comércio com as
regiões mais distantes. Na ocasião, as cidades localizadas no Mediterrâneo voltaram a realizar o
comércio com o Oriente, através das lucrativas rotas das especiarias. Esses produtos entravam nos
mercados europeus por intermédio dos portos de Constantinopla, Gênova e Veneza,
principalmente.
É importante destacar, segundo SPÓSITO (2001, p. 32), que por volta do ano 1400 as terras
habitadas da Europa Central e Ocidental já contavam com uma malha relativamente densa de
cidades, cuja base de sustentação era o comércio e o artesanato. Essas atividades criaram as
condições necessárias para a estruturação do modo de produção capitalista e, simultaneamente,
para a dissolução dos dois pilares que sustentavam a economia feudal, quais sejam: o latifúndio,
sua economia “fechada” e a servidão. Convém lembrar ainda que as transformações sociais,
políticas e econômicas responsáveis pela transição do feudalismo para o capitalismo foram se
processando de maneira lenta e gradual.
Não obstante, a aventura comercial da burguesia enquanto classe emergente no seio dessa
nova sociedade inaugurou uma fase de acumulação de riquezas nunca antes vista nas cidades
européias. Isso trouxe repercussões positivas nas conquistas territoriais dos séculos seguintes, uma
vez que impulsionou a revolução marítimo-comercial encabeçada pelos povos da Península
Ibérica. Com efeito, novas rotas comerciais foram traçadas nos mapas com o propósito de atingir
as costas da África, Ásia e América.
A partir dessas considerações, é possível perceber que a noção de região ganhou novos
enfoques, ou seja, de acordo com BEZZI (op. Cit., p. 31), enquanto na Antiguidade e na Idade
Média ela estava relacionada apenas a uma condição de domínio e poder, com o advento dos
tempos modernos e com a expansão capitalista ela passou a ter uma importância preponderante em
função dos recursos econômicos nela existentes. Por isso, o interesse dado ao trabalho de
34
localização e descrição das potencialidades naturais das áreas a serem conquistadas, visando ao seu
aproveitamento econômico mais racional.
Entretanto, a autora salienta ainda que a região continuava sendo vista apenas como uma
possibilidade sobre a qual se organizava uma dada sociedade em determinado período histórico. A
mesma não era considerada de forma elaborada, enquanto concepção científica. As descrições que
sobre ela incidiam nasciam de uma necessidade cujo método, obrigatoriamente, era o empírico
(BEZZI, op. Cit., p. 31).
De fato, até o final do século XVIII boa parte dos conhecimentos produzidos nesse campo
estava desprovida de qualquer rigor formal, ou seja, apresentava-se de maneira desarticulada,
fragmentada e sem unidade metodológica. A “Geografia das Regiões” era construída quase sempre
a partir de relatórios de viagens, contatos com povos distantes, inventários sobre recursos naturais,
recensões e recenseamentos desenvolvidos pelos Estados Modernos. A elaboração desses materiais
não exigia preparo erudito e por isso mesmo podia ser realizada por pessoas comuns (viajantes,
aventureiros, comerciantes, funcionários do governo, colecionadores, artistas, etc.).
Todo esse cabedal de informações reunidas no transcurso de vários séculos foi fundamental
para a constituição de sociedades científicas na Europa, entidades estas financiadas pelos governos
locais e pela classe dominante (burguesia), ambos interessados pelas possibilidades de acumulação
de riquezas a partir do projeto imperialista em curso.
Também nesse sentido, ANDRADE (1987, p. 48) destaca que:
“Os conhecimentos sobre as áreas novas deslumbravam a classe dominante
européia, que procurava explicações para as diferenças existentes entre as
várias regiões e países, impressionando-se com as diferenças de hábitos, de
costume, de alimentação, de crenças, etc. Isso alimentou a produção de
numerosos livros, provocou, a médio prazo, a fundação de sociedades
científicas e de exploração, estimulou a organização de expedições militares e o
surgimento de correntes que tentavam explicar essas diferenças. Os europeus,
com condições superiores às dos povos com que se defrontavam, tanto em
função do domínio econômico, das forças políticas, como da tecnologia militar,
deram margem a que se atribuísse a eles uma superioridade sobre os outros
povos, uma suposta superioridade racial conseqüente de uma influência
climática.”
Esse discurso ideológico vai justificar e incentivar as práticas imperialistas em várias
regiões do mundo, práticas essas voltadas para a pilhagem dos recursos naturais, para o controle
das fontes de matérias-primas, para o domínio das populações locais e para a destruição e/ou
subordinação das antigas estruturas produtivas. Foi assim no Egito, no Sudão, na Nigéria, no
Quênia, na Tanganica, no Iraque e na Índia a partir da dominação britânica; na Argélia, no
Marrocos, na Tunísia, na Síria e na Península da Indochina a partir do expansionismo francês.
35
Outros países europeus, ao lado dos Estados Unidos e Japão, também tiveram participação ativa na
partilha dos territórios coloniais e no controle de importantes regiões da África e Ásia1.
Críticas contundentes acerca desse estágio avançado do capitalismo, também conhecido
como capitalismo monopolista, foram formuladas por Vladimir Ulianov (Lênin) na obra
Imperialismo, escrita em Zurique no ano de 1916 e publicada um ano depois em Petrogrado, na
Rússia (CATANI, 1994, p. 10-11), e por Karl Marx e Friedrich Engels no livro Sobre o
Colonialismo (MARX e ENGELS, 1978, passim). Também merece destaque o geógrafo-anarquista
francês Élisée Reclus, que em sua Nouvelle Géographie Universele dedicou um capítulo inteiro
sobre a colonização do subcontinente indiano, demonstrando a exploração dessa região e dos
povos que nela habitam pelo poderoso Império Britânico. Nesse trabalho, ele apresenta através de
uma minuciosa descrição os objetivos geopolíticos e econômicos traçados na Ásia Meridional a
partir da segunda metade do século XIX (RECLUS, 1985, p. 119 seq.).
É oportuno lembrar que a Geografia enquanto saber institucionalizado nasceu na Alemanha
por volta dessa mesma época. Na ocasião, inúmeras questões relacionadas à organização e às
dinâmicas espaciais, às identidades culturais e regionais e ao avanço imperialista das principais
potências do continente estavam em evidência e ocupavam o centro das discussões nos mais
diferentes ambientes das academias alemãs.
Segundo MORAES (1990, p. 46), durante todo o século XIX a Alemanha conviveu com a
sombra do expansionismo territorial dos seus vizinhos, sobretudo dos franceses comandados por
Napoleão Bonaparte. Além disso, a falta da constituição de um Estado Nacional, ou seja, a
ausência de uma unidade social, política e econômica, a extrema diversidade entre os vários
membros da Confederação Germânica instaurada em 1815, a ausência de relações duráveis entre
eles, a inexistência de um centro organizador do espaço ou de um ponto de convergência das
relações econômicas, vão conferir à discussão geográfica uma relevância especial, atraindo a
atenção das classes detentoras de poder político, econômico e intelectual.
Com efeito, o processo de sistematização da Geografia testemunhou todas essas
inquietações que culminaram tardiamente com a formação do Estado Nacional e com o
desenvolvimento do capitalismo. Em meio a esse contexto histórico particular, destacam-se as
obras escritas por dois cientistas prussianos ligados às classes supracitadas: o geólogo e naturalista
Alexandre von Humboldt (1769-1859) e o historiador e filósofo Karl Ritter (1779-1859).
Humboldt admitia que a Geografia seria a parte terrestre da ciência do cosmos, isto é, uma
espécie de síntese de todos os conhecimentos relativos à Terra (MORAES, 1990, p. 47). Em suas
longas viagens exploratórias pela Europa, Ásia Central e Setentrional, América do Sul e do Norte,
procurou coletar amostras de vários elementos naturais (plantas, animais, solos, rochas) para em
1
Convém lembrar que o processo de descolonização das áreas supracitadas só teve início a partir da Segunda Guerra
Mundial, no momento em que se assiste ao enfraquecimento dos países europeus arrasados pelos conflitos.
36
seguida realizar exaustivas classificações e análises pormenorizadas, fazendo sempre correlações
entre o clima e a existência de certo domínio vegetal e animal, entre o clima e a ocorrência de certa
variedade edáfica, entre o clima e a configuração do relevo. As comunidades humanas também
despertaram a curiosidade desse cientista, na medida em que procurava também compreender as
diversas formas de organização do espaço a partir do contato que os homens estabeleciam com a
natureza.
Uma idéia mais detalhada do princípio da causalidade (relação de causa e efeito entre os
fenômenos observados) pode ser constatada nas análises feitas pelo autor quando incursionava
pelas florestas americanas. Em suas palavras:
“Particularidades – Causas que tendem a fazer diminuir a secura e o calor
do Novo Continente.
(...) Nas proximidades do equador, e debaixo do céu nublado do Orenoco
superior, do rio Negro, e do rio das Amazonas, as planuras estão cobertas de
bosques virgens muito profundos; (...) A região florestal tem tríplice influência;
actua, a um tempo, pela frescura da sombra que espalha, pela evaporação das
águas que absorve, e pela irradiação que refresca a temperatura. Os bosques
(...) estão misturados, nos trópicos, com espécies distintas que protegem a terra
da irradiação directa do sol, fazem evaporar as águas que os próprios bosques
condensam por si, e resfriam as camadas de ar, aproximando-as, pela emissão
de calor que irradiam os órgãos apendiculares foleáceos.” (HUMBOLDT,
1952, p. 111 seq.).
E acrescentou ainda:
“Quando a irradiação começa, de todas as folhas que formam a copa de
uma árvore, e que em parte se cobrem umas às outras, as que primeiro resfriam
são as que irradiam livremente para o céu. O resfriamento causado pela perda
de calórico é tanto mais considerável quanto mais delgadas são as lâminas
foleáceas.” (HUMBOLDT, 1952, p. 114).
A sua longa experiência de cientista-viajante permitiu a produção de um notável material
bibliográfico, tanto em termo quantitativo quanto qualitativo. Dentre as suas obras mais
conhecidas estão Quadros da Natureza e Cosmos, todas compostas por uma série de grandes
volumes que foram publicados na primeira metade do século XIX.
Karl Ritter, por sua vez, descreveu uma trajetória intelectual totalmente oposta em relação
ao seu contemporâneo, não apenas no que diz respeito ao aspecto acadêmico propriamente dito,
mas também em termo de influência filosófica. Segundo CLAVAL (1974, p. 29-30; 34), enquanto
Humboldt sofreu profunda influência da tradição racionalista francesa do século XVIII, do
idealismo alemão e do projeto positivista, Ritter pertenceu a uma nova escola filosófica,
espiritualista e histórica da Alemanha do princípio do século XIX.
37
Preceptor de filhos de famílias nobres, Ritter dedicou boa parte da sua carreira profissional
ao ensino de crianças e jovens, tendo assumido a Cátedra de Geografia na Universidade de Berlim
apenas na fase madura de sua vida, momento em que ajudou a formar as primeiras turmas de
geógrafos.
Em certa medida, o seu método de trabalho aproxima-se daquele proposto por Humboldt,
ou seja, para ele o sistema natural corresponde a uma área da superfície terrestre delimitada e
dotada de certa individualidade. A Geografia deveria estudar estes arranjos individuais e comparálos. Cada arranjo abarcaria um conjunto de elementos, representando uma totalidade, onde o
homem seria o principal personagem. Trata-se, portanto, de uma proposta de estudo que valoriza o
antropocentrismo (o homem é o sujeito da natureza) e o regional, apontando sempre para o estudo
das individualidades (MORAES, 1990, p. 48-49).
As obras de Ritter foram, sem dúvida, muito importantes para o processo de sistematização
da Geografia, uma vez que contemplaram aspectos gerais e regionais da disciplina, bem como
aspectos ligados ao conteúdo metodológico propriamente dito. Tanto ele quanto Humboldt
livraram a Geografia das descrições enfadonhas e volumosas, das classificações estanques e
obsoletas e passaram a entender essa ciência a partir da necessidade de buscar explicações para os
fenômenos naturais e humanos que se manifestam no espaço, explicações estas baseadas no
reconhecimento de leis.
Fred SCHAEFER (op. Cit., p. 7) chama a atenção para esse aspecto ao apontar que:
“Na Geografia, as mais importantes variáveis produtoras de padrões são,
naturalmente, as variáveis espaciais. Humboldt, que é oriundo das ciências
naturais, e também Ritter aceitaram a tese de que todas as relações naturais e,
portanto, todas as relações espaciais, eram governadas por leis.”
E destacou mais:
(...) a Geografia deve “ser concebida como a ciência incubida da
formulação de leis que governam a distribuição espacial de certas
características da superfície da Terra. (...) Ela deverá dedicar mais atenção à
distribuição espacial dos fenômenos em determinada área do que aos
fenômenos em si. As relações espaciais, e nenhuma outra, são as que importam
na Geografia.”
As idéias formuladas por Humboldt, principalmente, passaram a influenciar diretamente os
trabalhos desenvolvidos no campo da Geografia Física (Geral), trabalhos estes preocupados com a
elaboração de leis gerais capazes de explicar, por exemplo, a manifestação de determinado
fenômeno natural em uma ou em outra parte da superfície do globo. Trata-se, portanto, de um
enfoque sistemático, de uma Geografia Sistemática que se apóia na construção de modelos
passíveis de observação e experimentação.
38
A impossibilidade de aplicação desses modelos (leis) aos fenômenos sociais contribuiu
para que a Geografia Humana e Regional caísse no esquecimento durante as últimas décadas do
século XIX, fato este que passou a ser alterado, ainda que de maneira tímida, nas primeiras décadas
do século seguinte quando os estudos regionais começaram a ganhar prestígio em várias Escolas
de Geografia da Europa. Como exemplos desses estudos podem-se citar os trabalhos
desenvolvidos por Paul Vidal de La Blache, na França, Andrew Herbertson, na Inglaterra, e
Giuseppe Ricchieri, na Itália.
Nos Estados Unidos, conforme lembra JOHNSTON (1986, p. 63), as idéias e os métodos da
Geografia Regional só foram aceitos um pouco mais tarde, ou seja, no final dos anos 30 dois nãogeógrafos publicaram um grande levantamento sobre o regionalismo americano (Odum e Moore,
1938) e, em 1939, a Associação dos Geógrafos Americanos publicou uma monografia intitulada
The Nature of Geography, de autoria do professor Richard Hartshorne, trabalho este que alcançou
grande repercussão em vários países.
Apesar da importância dessa obra, Hartshorne não foi o primeiro e nem o único geógrafo a
tratar esse paradigma. Nesse sentido, é oportuno ressaltar que Imanuel Kant (século XVIII), Karl
Ritter (século XIX), Paul Vidal de La Blache e Alfred Hettner (séculos XIX e XX) já haviam
dedicado especial atenção aos estudos sobre o método regional. No entanto, foi através de
Hartshorne que a Geografia Regional alcançou maior complexidade teórico-metodológica.
Para a construção das idéias acerca da Filosofia e Metodologia da Geografia, o próprio
Hartshorne fez um resgate e uma interpretação dos trabalhos escritos por esses importantes
geógrafos, notadamente aqueles deixados por Hettner, de quem partilha da seguinte opinião: “a
Geografia é o estudo da diferenciação de áreas”.
O Quadro 2 destaca trechos das obras de Hettner, transcritos por Hartshorne em seu livro
Perspectives on the Nature of Geography, publicado originalmente em 1966 pela Associação dos
Geógrafos Americanos.
Hettner e Hartshorne são enfáticos ao afirmarem que a Geografia é a ciência que estuda a
diferenciação das áreas encontradas na superfície do globo, tanto em relação aos aspectos físicos
(climas, solos, relevo, hidrografia, cobertura vegetal, distribuição faunística), quanto em relação
aos aspectos humanos (agricultura e criação, atividades industriais, comerciais e de serviços,
crescimento urbano, comportamentos demográficos, etc.). Para eles, o foco central da discussão
geográfica – o cerne da disciplina – encontra-se no estudo dessas regiões, cujas diferenças são
evidenciadas a partir da distribuição espacial dos elementos anteriormente mencionados, presentes
na natureza e na sociedade. Paul CLAVAL (2003, p. 15) esclarece ainda que essa diferenciação
regional da Terra aparece, de certa maneira, como um produto da evolução na medida em que
resulta da ação conjugada das forças naturais e da ação humana.
39
Sobre esse aspecto é possível observar que as sociedades mais avançadas do ponto de vista
econômico, científico e tecnológico são capazes de promover significativas transformações na
epiderme da Terra, ao passo que aquelas mais atrasadas estarão subordinadas às intempéries do
meio natural. Para ilustrar bem esse panorama basta considerar, de um lado, as regiões urbanizadas
e industrializadas da Europa e, de outro, as regiões dominadas pelo pastoreio seminômade na
África das Savanas.
QUADRO 2 – A GEOGRAFIA NA CONCEPÇÃO DE ALFRED HETTNER
1. A matéria específica da Geografia, desde os tempos
mais remotos até os dias de hoje, consiste no
conhecimento das áreas da terra na medida em que
diferem umas das outras; que o homem está incluído
como parte integrante da natureza de uma área
(‘Landesnatur’) e que, dado o avanço geral da ciência, a
mera descrição foi substituída, em todos os ramos da
Geografia, pela busca das causas.
2. Ciência Corológica2 da terra ou a Ciência das áreas e
lugares terrestres em termos de suas diferenças e de suas
relações espaciais ou a Ciência da superfície da terra em
termos de suas diferenças regionais, isto é, como um
complexo de continentes, terras (‘lands’), distritos e
localidades.
3. A meta do ponto de vista corológico consiste em
conhecer o caráter das regiões e lugares, através da
compreensão da existência em conjunto e das interrelações dos diferentes domínios da realidade e suas
variadas manifestações, e em compreender a superfície
da terra como um todo, em sua organização natural, por
continentes, regiões maiores e menores e lugares.
HETTNER, Alfred. Die Entwicklung
der Geographie im 19. Jahrhunder.
Geographische Zeitschrift, IV, 1898, p.
305-20.
HETTNER, Alfred. Das Wesen und die
Methoden der Geographie. Geographische Zeitschrift, IX, 1905, p. 545-64,
615-29, 671-86.
HETTNER, Alfred. Die Geographie,
ihre Geschicht, ihr Wessen und ihre
Methoden. Breslau, 1927.
Fonte: Elaborado com base em:
HARTSHORNE, Richard. Propósitos e Natureza da Geografia. São Paulo: Hucitec/Edusp, 2ª edição, 1978,
p. 14.
Para os defensores dessa corrente de pensamento geográfico, o estudo dessas variações
espaciais/regionais só poderá se concretizar através de um método particular: o método regional.
Este por si só daria à Geografia um status único, uma identidade capaz de diferenciá-la das demais
ciências.
Em suas proposições, o próprio Hartshorne não admite a região como o objeto da
Geografia. Segundo ele, importante é o método de identificar as diferenciações de área, que
resultam de uma integração única de fenômenos heterogêneos em seções do espaço terrestre
(CORRÊA, 1995, p. 15-16). A Geografia tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação
de maneira precisa, ordenada e racional do caráter variável da superfície da Terra
2
Hettner retomou as idéias de Richthofen, que, já em 1883, propunha um retorno à tarefa tradicional dos geógrafos,
quando insistia que a Geografia deveria ser uma ciência corológica. Choros é a palavra grega que designa lugar ou
área. Corografia significa a descrição do lugar e corologia a compreensão das inter-relações de coisas e pessoas que
dão caráter aos lugares (BROEK, 1967, apud BEZZI, op. Cit., p. 105).
40
(HARTSHORNE, 1978, p. 22) e, nesse caso, o método regional constitui importante ferramenta de
análise.
Por fim, torna-se oportuno destacar que, enquanto Humboldt e Ritter enquadram a
Geografia no domínio das ciências nomotéticas, isto é, entre aquelas que procuram nos fenômenos
algo que é regular, geral e comum com o propósito de se estabelecer modelos abstratos; Hettner e
Hartshorne defendem que tanto ela quanto a História devem ser enquadradas entre as ciências
idiográficas, uma vez que são descritivas e tratam de fenômenos não repetitivos e não
reprodutíveis, sem aspectos regulares que possam fundamentar leis ou normas gerais (GOMES, op.
Cit., p. 58; SCHAEFER, op. Cit., p. 7; 18; 24).
Ao pensar dessa forma, Hettner acredita que os geógrafos não devem “produzir” leis ou
modelos abstratos, mas sim compreender de que maneira os fenômenos espaciais se manifestam
em determinada situação, lembrando sempre que os mesmos não se manifestam de maneira
idêntica em todos os lugares (princípio da unicidade).
Analisando a clássica obra de Hartshorne, publicada em 1939 pela Associação dos
Geógrafos Americanos, Leonard Guelke pôde concluir que ele nunca havia rejeitado a idéia de
Geografia (incluindo a Geografia Humana) como uma ciência interessada na procura de leis, mas
sobre bases mais pragmáticas que lógicas, pensava que dificilmente a Geografia se tornaria uma
ciência nomotética (GUELKE, 1985, p. 215-216).
Percebe-se, dessa maneira, que a postura assumida por Hettner e Hartshorne é um reflexo
direto da influência que ambos sofreram ao fazer a leitura das obras de Kant, filósofo e geógrafo
alemão responsável pela reivindicação excepcionalista para a Geografia e para a História. De
acordo com SCHAEFER (op. Cit., p. 13), essa atitude excepcional proposta por Kant e por seus
seguidores contribuiu para que a Geografia se afastasse das ciências sistemáticas (nomotéticas) e
passasse a incorporar o sofisma de uma ciência metodologicamente única.
Com efeito, essa característica vivenciada pela Geografia Clássica teve profunda
ressonância durante as duas décadas seguintes à publicação de The Nature of Geography (não por
acaso este livro escrito por Hartshorne tornou-se uma referência mundial sobre o assunto). No
entanto, a partir de meados da década de 1950, com a eclosão da Nova Geografia, críticas incisivas
passaram a ser feitas à perspectiva idiográfica da Geografia e, conseqüentemente, ao método
hartshorniano uma vez que o mesmo apresentava grandes limitações ao trabalho dos geógrafos,
agora preocupados com as transformações que se processavam de maneira acelerada sobre o
espaço. Aliás, com a Nova Geografia o conceito de região deixa de ser encarado como elementochave na discussão geográfica, dando lugar a duas novas categorias: espaço e organização espacial.
A expansão das modernas atividades agropecuárias; a destruição dos antigos modos de
vida; o avanço da urbanização; as transformações no cenário industrial; a emergência do setor
terciário; o fortalecimento dos grandes conglomerados capitalistas a partir da formação de trustes e
41
cartéis; a difusão de novas tecnologias baseadas na cibernética; o aumento exagerado do consumo
de energia e matérias-primas; os problemas ecológicos oriundos do progresso; as novas tendências
demográficas; a dinâmica das fronteiras políticas e a disputa por novos territórios e regiões são
exemplos concretos dessa realidade vivida pelos habitantes do planeta. Com isso, inúmeros
desafios são lançados aos cientistas sociais, sobretudo aos geógrafos, que se deparam com
situações cada vez mais complexas, imbricadas, multifacetadas.
Esse novo paradigma, entretanto, não chega a romper com os fundamentos do pensamento
tradicional, uma vez que ocorre apenas a transição do positivismo clássico para o neopositivismo
(positivismo lógico). A grande mudança de enfoque diz respeito ao uso de nova metodologia, de
uma linguagem mais sofisticada e de técnicas e instrumentos de trabalho que estão agora a
disposição dos geógrafos. Assim, enquanto a Geografia Tradicional limitava-se ao trabalho
retrospectivo, a Nova Geografia vai desenvolver uma série de estudos prospectivos, permitindo a
elaboração de diagnósticos e prognósticos sobre uma determinada região, sobre uma determinada
fração do espaço (uma área rural, uma grande cidade, uma bacia hidrográfica, etc.).
CORRÊA (1995, p. 18) lembra que, ao contrário do paradigma possibilista e da Geografia
hartshorniana, a Nova Geografia procura leis ou regularidades empíricas sob forma de padrões
espaciais. O emprego de técnicas estatísticas dotadas de maior ou menor grau de sofisticação –
média, desvio-padrão, coeficiente de correlação, análise fatorial, cadeia de Markov, etc. –, a
utilização da geometria, exemplificada com a teoria dos grafos, o uso de modelos normativos, a
adoção de certas analogias com as ciências da natureza e o emprego de preceitos da economia
caracterizam o arsenal de regras e princípios adotados por ela. Por esses motivos, a Nova
Geografia ficou conhecida também como Teorética-Quantitativista.
Trata-se de uma corrente de pensamento fortemente engajada com a manutenção da
realidade, ou seja, comprometida com a legitimação das relações capitalistas sobre o espaço e com
o papel intervencionista dos aparelhos estatais. Nesse caso, o planejamento desponta como um
instrumento eficaz para a ação dos agentes públicos e privados na busca da satisfação dos seus
anseios. Segundo ANDRADE (1987, p. 95 seq.), essas políticas de planejamento tiveram grande
difusão na Europa durante e após a Segunda Guerra Mundial: na Inglaterra, ficou conhecida como
política de Town and Country Planning e, na França e na Bélgica, recebeu o nome de política de
Aménagement du Territoire. No Brasil, elas só foram implementadas no final da década de 1950 e
início da década seguinte, já em pleno governo militar, e contaram com o apoio de importantes
instituições públicas para a sua disseminação, a exemplo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), da
Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Universidade Estadual
Paulista, em Rio Claro, através do Departamento de Geografia. Por outro lado, as assembléias
42
promovidas pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) foram também utilizadas como
tribunas de divulgação dessa “revolução quantitativista”.
Em resumo, o dualismo observado ao longo de todo o processo de amadurecimento da
disciplina está longe de ser resolvido. Há quem defenda a idéia de uma ciência sistemática; outros
acreditam que a Geografia seja de fato uma ciência corológica, idiográfica; alguns preferem ainda
enquadrar a Geografia Geral no campo das ciências sistemáticas e a Geografia Regional no campo
das ciências idiográficas. Todo esse debate, no entanto, tem servido para acalentar grandes
discussões acerca da natureza da Geografia, divergências essas que perduram até os dias atuais, no
momento em que os conceitos de região, paisagem, lugar, território e espaço reaparecem
revestidos com novas perspectivas de análise e interpretação.
Antes mesmo de apresentar as principais tipologias de regiões – lembrando sempre que a
categoria região constitui o objeto central dessa discussão – faz-se necessário tentar responder a
seguinte pergunta: qual a origem e o significado do vocábulo região?
De acordo com SORRE (1984-a, p. 163), a explicação para esse questionamento passa pelo
reconhecimento da linguagem (oral e escrita) enquanto meio de comunicação e instrumento de
agrupamento. No interior da sociedade, a linguagem torna-se depositária dos modos de
pensamento e por seu intermédio são transmitidas as tradições, as percepções, os valores e tudo
aquilo que constitui a individualidade do conjunto formado por todos que cotidianamente se
servem dela.
Com efeito, através da lexicologia foi possível estudar a etimologia da palavra região, bem
como analisar a existência de outras acepções muito próximas do ponto de vista do significado
original. O resultado pode ser observado no Quadro 3, exposto logo a seguir. Vale ressaltar que
todos os idiomas pesquisados fazem parte do tronco lingüístico indo-europeu. São eles: o grego e o
latim, cujos primeiros registros datam, respectivamente, de 34 e 27 séculos atrás; o português, o
espanhol, o francês e o italiano, também chamados de neolatinos ou românicos, uma vez que se
originaram a partir do latim praticado pelas classes menos favorecidas (latim vulgar); e o inglês e o
alemão, idiomas pertencentes ao grupo germânico.
43
QUADRO 3 – O SIGNIFICADO DA PALAVRA REGIÃO E DE OUTRAS ACEPÇÕES EM ALGUNS
IDIOMAS SELECIONADOS
Idiomas
Vocábulo Região
Outras Acepções
Xώρα – Espaço, extensão, trecho, sítio,
localidade, praça forte, fortaleza, terra, terra
pátria, região, terreno, campo, campina, Πολιτεία – Governo dum Estado, regime (p.
Do grego
herdade, situação, colocação, posição (p. 251).
635).
PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português e Português-Grego. Porto: Apostolado da Imprensa, 1957.
Rĕgĭonĭs – Logar, região, plaga, paiz;
Rĕgĭmĕntŭm – Direcção, mando, regimen,
districto, comarca; bairro d’uma cidade (p.
Do latim
governação, governo, administração (p. 1015).
1015).
QUICHERAT, L. Novíssimo Dicionário Latino-Português. Rio de Janeiro: Garnier, 10ª edição, sem data.
Região – Grande extensão de superfície
terrestre, incluindo também os mares;
Régie – Administração exercida pelo Estado,
extensão considerável do território dum
de qualquer ramo dos serviços públicos, por
país, com características evidentes que o
Do português
meio de agente que ele indirectamente nomeia
distinguem dos outros territórios; cada uma
(p. 1507).
das
divisões
e
sub-divisões
da
administração pública (p. 1507).
FONTINHA, Rodrigo. Novo Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Porto: Domingos Barreira, sem data.
Región – Zona; comarca; espacio; país;
nación; provincia; division administrativa o Espacio – Capacidad de terreno; zona, área,
militar de un país; territorio; esfera de extensión de una superfície; intervalo de
Do espanhol
actividad; cada una de las partes en que se tiempo; transcurso; distancia (p. 584).
supone divididos los espacios terrestres;
parte de un todo (p. 1093).
CAVER, David Ortega. Diccionario Portugués-Español. Barcelona: Ramón Sopena, 1966.
Région – Entendue de pays caractérisée soit
par
une
unité
administrative
ou Terroir – Province; campagne considérées
économique, soit par lasimilitude du relief, comme le refuge d’habitudes, de goûts
Do francês
du climat, de la végétation; une région typiquement ruraux ou régionaux (p. 1136).
industrielle, agricole; les régions polaires,
tempérées (p. 1105).
LAROUSSE DICTIONNAIRE DU FRANÇAIS CONTEMPORAIN. Paris: Larousse, 1971.
Regiône – Provincia, paese esteso in
Território – Tutto il paese soggètto alla
gènere; tratto di terreno caratterizzato da
giurisdizione d’un potere governativo o
Do italiano
una particolare vegetazione o caràttere, e
municipale (p. 1120).
per est.; parte, plaga, zòna (p. 701).
PETRÒCCHI, P. Novo Dizionàrio Universale della Língua Italiana. Milano: Fratélli Tréves, Volume II, 1924.
Region – Area or division with or without Zone – One of the five parts into which the
definite boundaries or characteristics: the earth’s surface is divided by imaginary lines
Do inglês
forest, the water, the solos, the agrupament parallel to the equator (the torrid, temperate
huimem (p. 709).
and frigid) (p. 1002).
OXFORD ADVANCED LEARNER’S DICTIONARY OF CURRENT ENGLISH. Oxford: University Press, 1990.
Gebieten – Ruhe g. (befehlen); die Klugheit
Gebiet – Das G. eines Staates, einer gebietet, vorsichtig zu sein; über etwas g.; er
Herrschaft; auf diesem G. der Kunst, der hält, erachtet es für (dringend) geboten
Do alemão
Wissenschaft (p. 225).
(erforderlich); Rücksicht scheint hier geboten
(p. 225).
GREBE, Paul e STREITBERG, Gerhart. Der Grobe Duden. Mannheim: Dudenverlag des Bibliographischen Instituts,
1993.
Organizado pelo autor.
44
A partir do exposto no quadro e ainda com base na literatura pesquisada, foi possível
constatar que o vocábulo região revela algumas características fundamentais.
De acordo com GOMES (op. Cit., p. 50-51), durante a Antiguidade alguns filósofos
passaram a interpretar o conceito de região a partir de um momento histórico em que, pela primeira
vez, surgiu de maneira ampla a relação entre a centralização do poder em um local e a extensão
dele sobre uma área de grande diversidade social, cultural e espacial. De posse desse
entendimento, outros conceitos de natureza espacial passaram também a ser enunciados nesta
mesma época, como o conceito de espaço (spatium), visto como “contínuo” ou como “intervalo”,
no qual estão dispostos os elementos seguindo uma certa ordem neste vazio, ou ainda o conceito de
província (provincere), área submetida ao controle hegemônico dos romanos.
Percebe-se, assim, que em sua estrutura original o conceito de região apresenta uma
conotação eminentemente política, uma vez que está associado à idéia de governar, dominar,
controlar, estabelecer o poder e a legitimidade de um Império, de um Estado ou de qualquer outra
instituição, como foi o caso da igreja durante o período medieval.
Na língua grega, por exemplo, o vocábulo Xώρα representa também a idéia de região,
território, terra-pátria, sítio urbano, praça forte, fortaleza e a palavra Πολιτεία quer dizer governo
de um Estado, regime. Na língua latina, Rĕgĭmĕntŭm significa, entre outras coisas, direção,
governo, administração. Na língua portuguesa, Régie é a administração exercida pelo Estado e na
língua espanhola, Región é a divisão administrativa ou militar de um país.
Uma segunda abordagem do conceito de região revela a associação do termo à idéia de país
(plaga), lugar, zona, espaço, território, área, comarca, província, etc. Tal fato pôde ser comprovado
em todos os idiomas pesquisados, o que demonstra a versatilidade do emprego dessa palavra.
Entretanto, dentre as definições analisadas duas merecem especial atenção:
Para o dicionarista português, o termo região diz respeito a uma grande extensão da
superfície terrestre, incluindo também os corpos líquidos, ou ainda, a extensão do território de um
país com características evidentes que o distinguem dos outros territórios. Já para o lexicógrafo
francês, région é a porção de um país caracterizada seja por uma unidade administrativa ou
econômica, seja por apresentar semelhança em relação aos elementos naturais (relevo, clima,
solos, vegetação).
Neste sentido, torna-se oportuno salientar que o vocábulo região está profundamente
relacionado a dois princípios básicos da Geografia – o de localização (onde?) e o de extensão (até
onde?), segundo destacou Paulo César da Costa Gomes no início desse capítulo. Ele também está
associado à idéia de Geografia como estudo da diversidade zonal ou corologia (JOHNSTON et al.,
1987, p. 356), conforme foi visto em Hettner e Hartshorne. BARROS (1998, p. 3) lembra ainda que
na Geografia possibilista francesa a idéia de região pode ser associada à noção de lugar. Os lugares
45
lablachianos seriam, na verdade, o resultado de um quadro complexo de relações estabelecidas
entre o homem (populações) e o meio natural, dando origem a regiões e/ou paisagens peculiares.
Por fim, uma terceira abordagem revela a aproximação do conceito de região à idéia de
província, campo, herdade, campina, terra, terreno, etc. Na língua francesa, por exemplo, a palavra
terroir expressa de maneira eloqüente essa perspectiva interiorana ao considerar o campo como
refúgio dos hábitos e gostos tipicamente rurais e regionais.
O próprio movimento regionalista do final do século XIX floresceu em meio a esse
ambiente idílico, nostálgico, rústico, bucólico, atingindo não só as artes plásticas, mas também a
música e a literatura. Neste último caso, VAINFAS (2002, p. 625) lembra que a produção literária
brasileira das décadas finais do Império esteve ambientada no universo rural, nas roças e nos
sertões, em locais distantes da vida urbana e cosmopolita.
Esses cenários serviram de palco para o desencadeamento de inúmeros romances
regionalistas, tais como os escritos por Bernardo Guimarães (O Seminarista, 1872; O Garimpeiro,
1872; O Índio Afonso, 1873), Franklin Távora (O Matuto, 1878; o Sacrifício, 1879) e José de
Alencar (O Guarani, 1857; Iracema, 1865; O Gaúcho, 1870; O Tronco do Ipê, 1871; Ubirajara,
1874; O Sertanejo, 1875).
Em todas essas narrativas, é possível perceber com clareza a descrição pormenorizada das
paisagens do interior do país e a valorização dos tipos humanos característicos de cada um desses
ambientes, com grande destaque para o elemento indígena, para o camponês e sua vida rústica,
para o vaqueiro das coxilhas do Sul, para o matuto (caipira) da porção central e para o sertanejo
das caatingas da região Norte.
Esse perfil literário só experimentará mudanças significativas (em relação à forma e não ao
conteúdo propriamente dito) a partir da segunda década do século XX, período esse marcado por
importantes transformações sociais, culturais, políticas e econômicas. A Semana de Arte Moderna
em São Paulo, a recessão mundial provocada pela queda da bolsa de valores de Nova Iorque e a
ascensão de Getúlio Vargas ao poder após a Revolução de 30 são apenas alguns exemplos dessa
fase de grande convulsão social.
A literatura modernista/regionalista em sua segunda fase vai consagrar importantes obras
de autores nordestinos, como A Bagaceira, O Boqueirão e Coiteiros, de José Américo de Almeida;
Caetés, São Bernardo e Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Menino de Engenho, Doidinho,
Bangüê, O Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto, de José Lins do Rego; O Quinze e João
Miguel, de Rachel de Queiroz; Terras do Sem Fim, Cacau e São Jorge dos Ilhéus, de Jorge
Amado.
A Bagaceira, publicado em 1928, foi o primeiro romance representativo do novo
regionalismo nordestino, movimento este que teve o seu ponto de partida no Manifesto
Regionalista de 1926. Verdadeiro marco da história literária do Nordeste, sua importância deve-se
46
mais à temática (a seca, os retirantes, o engenho) e ao caráter social do romance, do que aos
valores estéticos em si (FERNANDES NETO, 2008, s.p.). Por outro lado, BARROS (2006-a, p. 27)
destaca que nos romances escritos por Graciliano Ramos e José Lins do Rego as descrições do
ambiente rural nordestino são extremamente ricas em detalhes, o que as tornam memoráveis do
ponto de vista paisagístico, estético e simbólico. Em Vidas Secas, por exemplo, Graciliano Ramos
demonstra uma complexa elaboração artística ao narrar o drama vivido pelos flagelados do Sertão
do Nordeste e em Menino de Engenho, livro inaugural do ciclo da cana-de-açúcar publicado em
1932, José Lins do Rego revela através de uma narrativa própria a exuberância dos cenários e os
detalhes da vida das pessoas que moravam nas terras do engenho. Em suas próprias palavras:
“Ainda tudo estava escuro com a madrugada. A névoa dos altos chegava
até os cajueiros. Tudo parecia branco daquele lado, como grandes paióis de
algodão. Pelo curral começavam a tirar o leite; ouvia-se o bate-boca dos
moleques na manjedoura. Mas o carro já deixara o cercado do engenho,
ganhava a estrada de São Miguel. Vinham cargueiros com sacos brancos de
farinha e caçuás cheios de louças de barro para a feira do Pilar. O chicote deles
estalava naquele silêncio bom da madrugada. Passava-se por casas de
moradores ainda com as portas fechadas; os homens, nus da cintura para cima,
já estavam olhando o tempo, enquanto os meninos e a mulher se encolhiam no
pobre quente das camas de vara. Os bogaris das biqueiras cheiravam no ar frio.
Galinhas empoleiradas em pés de pau, com preguiça de deixar o seu sobrado de
galhos. Mais adiante o sol espelhava pelos partidos, esquentando a folha da
cana ainda pingando de orvalho. As casas dos moradores abertas, de porta e
janela, com a família inteira no terreiro tomando o seu banho de sol, de graça.
Às vezes o carro parava para minha tia falar com as comadres, que vinham
alegríssimas dar duas palavras com a senhora. E os meninos de camisa
comprida tomando a bênção à madrinha.
– Deus te abençoe.
E eram mesmo abençoados por Deus, porque não morriam de fome e
tinham o sol, a lua, o rio, a chuva e as estrelas para brinquedos que não se
quebravam.” (REGO, 2003, p. 56).
Por fim, a literatura modernista/regionalista da fase ulterior, denominada por alguns de
neo-modernista, vai ser marcada também pela publicação de obras de grande envergadura que
retratam as paisagens naturais e humanas da região semi-árida do Nordeste e do Norte de Minas
Gerais (Vale do Jequitinhonha). Destaque para O Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, de
Ariano Suassuna; Sagarana e Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa e Morte e Vida
Severina, de João Cabral de Melo Neto.
Ao contrário dos livros escritos no final do período imperial, considerados pelos críticos
literários como “ingênuos e despolitizados”, esses vão tocar profundamente nas feridas herdadas
do passado colonial e que ainda se fazem presentes na paisagem regional, tais como: o domínio do
latifúndio e a política do coronelismo; a submissão do homem do campo; o beatismo, os
47
movimentos messiânicos e o banditismo (cangaço); o fenômeno da seca e o drama dos retirantes; a
decadência social, econômica e política das áreas produtoras de algodão, cana-de-açúcar e cacau; a
expropriação dos trabalhadores rurais face ao processo de modernização conservadora
(substituição das antigas unidades produtivas – os engenhos e os bangüês – por modernas usinas);
os conflitos envolvendo a posse da terra, etc.
Esses temas, no dizer de ALBUQUERQUE JÚNIOR (2006, p. 120), presentes na literatura
popular, nas cantorias e no discurso político das oligarquias, foram agenciados por essa produção
literária, tomando-os como manifestações que revelariam a essência regional. Eles foram também
resgatados para participarem de uma estratégia política de denúncia das condições regionais.
Estratégia de trazer à tona suas misérias e tudo aquilo que podia servir de indício de
descontentamento com a nova sociedade que se instaurava. Além de impressionarem, de
chamarem a atenção dos leitores de classe média e das grandes cidades, esses temas permitiam
calcar a própria idéia de Nordeste no pólo oposto da modernização capitalista. Estes ofereceriam
uma visão de síntese do que seria esta realidade social regional, pensada como totalidade. Além
disso, as manifestações de revolta popular recebiam a solidariedade de intelectuais também
indignados com as mudanças na sociedade tradicional, que, segundo eles, tinham mecanismos de
controle mais eficazes.
O Nordeste, e não mais o “Norte”, começou a ser gestado, forjado, produzido mentalmente
e intelectualmente a partir dessas contribuições artísticas, literárias e, porque não dizer, históricas e
geográficas, uma vez que em cada uma dessas grandes obras existia uma forte referência temporal
e espacial. O Mapa 2, elaborado pelo IBGE, sintetiza parte dessa discussão ao referenciar e
delimitar no espaço regional brasileiro os cenários descritos em algumas das obras citadas
anteriormente. Ele representa ainda uma visão dos pesquisadores em relação à possibilidade de se
estabelecer novas formas de regionalização do espaço, tomando sempre como ponto de partida
critérios pré-definidos.
Fonte: IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE, 2002, p. 161.
MAPA 2 – REGIONALISMO LITERÁRIO
48
49
1.2 AS PRINCIPAIS TIPOLOGIAS DE REGIÕES
Conforme foi discutido no início desse texto, o estudo da categoria região não representa
uma tarefa fácil, haja vista a complexidade das relações entre os fenômenos naturais e humanos
que se manifestam em uma dada porção do espaço terrestre. Assim sendo, de acordo com a visão e
o propósito do pesquisador é possível identificar vários tipos de regiões: naturais, geográficas,
econômicas (região homogênea, região polarizada e região plano), etc. Apesar de parecer estanque,
tal classificação sintetiza a própria evolução do pensamento geográfico, uma vez que cada uma
delas encerra valores de época, ideologias, percepções dos múltiplos elementos da paisagem, entre
outros aspectos.
A seguir será apresentado um quadro sinótico dos principais tipos de regiões, a saber:
a) A Região Natural
A região natural constitui uma das mais antigas noções geográficas, baseada no decisivo
papel desempenhado por certos elementos físicos na organização do espaço (DOLFUS, 1978, p.
101-102). No entanto, torna-se conveniente ressaltar que foram os geólogos, os geomorfólogos e os
botânicos os primeiros especialistas a empregarem, já na primeira metade do século XIX, o termo
região natural nos trabalhos de reconhecimento das províncias geológicas, na delimitação das
bacias hidrográficas e no mapeamento das áreas ocupadas por determinada espécie vegetal.
Entre os geógrafos, a noção de região natural prevaleceu ativa por mais de cinco décadas
(do final do século XIX, quando a Geografia foi institucionalizada nas universidades européias, até
as primeiras décadas do século XX), tendo sido introduzida em suas pesquisas a partir das idéias
deterministas. Estas, por sua vez, foram edificadas com base nas teorias defendidas por JeanBaptiste Lamarck (1744-1829), naturalista francês que afirmou que as espécies compartilhavam
caracteres adquiridos com a hereditariedade e, por Charles Robert Darwin (1809-1882), naturalista
e viajante inglês que reuniu em seu famoso livro A Origem das Espécies subsídios que
comprovavam que a evolução dos seres vivos seria produto da seleção natural, ou seja, através
desse processo apenas as espécies com maior poder de adaptação (as mais fortes) conseguiriam
sobreviver.
Essas idéias naturalistas foram transplantadas para as ciências humanas através do
pensamento de Herbert Spencer, filósofo inglês que alcançou grande prestígio no século XIX.
Neste contexto histórico particular, é interessante destacar, segundo ANDRADE (1987, p. 50), que:
“Se a seleção natural, como ensinava Darwin, se realizava através da luta
entre as espécies, vencendo os mais capazes, transportando este axioma para as
ciências sociais poderiam os capitalistas justificar a vitória dos bem-sucedidos
como o resultado de sua capacidade superior e a derrota dos demais em face da
sua incapacidade natural. Este pensamento, no plano individual, justificava os
grandes desníveis sociais, a presença dos muito ricos ao lado dos miseráveis, e
50
no plano coletivo justificava a dominação dos estados mais fortes, mais
capazes sobre os mais fracos, os dominados e explorados. Justificaria assim, a
um só tempo, as desigualdades sociais no plano interno e a dominação colonial
no plano externo. Naturalmente, estas idéias não passariam despercebidas aos
fundadores da Geografia.”
De fato, na Geografia o grande introdutor das idéias lamarckianas e darwinistas foi o
alemão Friedrich Ratzel. Em sua Geografia do Homem (Antropogeografia), ele se utiliza das
expressões variabilidade, hereditariedade e seleção natural, chegando a propor no lugar desta
última o uso de três conceitos bastante utilizados pelos geógrafos: difusão, migração e isolamento.
Para ele, as influências fisiológicas (naturais) e as condições geográficas exerciam forte
papel no desenvolvimento de um povo, uma vez que permitiam ampliar ou reforçar cada uma de
suas características ou adquirir outras através de associações adequadas. Assim sendo, um
território fechado em si mesmo favorecia a formação de um povo homogêneo, impedindo ou
limitando a penetração de elementos alóctones. Por esta razão, as ilhas se caracterizam, em geral,
por uma grande homogeneidade étnica. Ao contrário, um território muito aberto favorece a
miscigenação e o cruzamento dos povos (RATZEL, 1990, p. 59).
Sobre esses aspectos, BARROS (2006-b, p. 461) acrescenta ainda que o próprio Ratzel
reconhecia que o foco das explicações das variações nos padrões culturais era o espaço, a terra, o
meio, o teatro da história e, particularmente, os empréstimos de características culturais mediante
as difusões/migrações neste espaço, não o interior biológico do homem (gene), como admitiam
alguns autores de sua época.
Em sua proposta de estudo, Ratzel encara o homem como uma espécie que precisa lutar
para ampliar a sua área de domínio, o seu território, denominado por ele de espaço vital. Ele
observou que, assim como os animais mais aptos conseguem sobreviver, as sociedades mais
avançadas e organizadas são impelidas sobre aquelas mais fracas e estagnadas. Nessa luta
constante o meio natural desempenha papel importantíssimo, uma vez que pode representar grande
obstáculo à propagação dos grupos e é justamente nesse ponto que voltamos à discussão inicial
sobre o conceito de região natural, no momento em que Dolfus afirma que os elementos físicos
(montanhas, escarpas e vales, condições dos solos, disponibilidade de água potável, densidade da
cobertura vegetal, características do clima) são imprescindíveis no trabalho de organização do
espaço.
Com efeito, ao definir uma região natural os geógrafos davam grande ênfase ao conjunto
dos elementos citados anteriormente, demonstrando inclusive as relações de reciprocidade entre os
mesmos, e quase sempre deixavam em um plano secundário as ações exercidas pelos grupos
humanos na superfície da Terra. Essa posição fortemente determinista pode ser evidenciada no
artigo escrito pelo geógrafo Fábio de Macedo Soares Guimarães e publicado na Revista Brasileira
51
de Geografia no ano de 1941. Por outro lado, ao estudar o dinamismo do espaço paulista a partir da
segunda metade do século XIX, o renomado professor Pierre Monbeig propôs uma definição de
região natural menos conservadora. Observe o Quadro 4.
QUADRO 4 – A REGIÃO NATURAL NA CONCEPÇÃO DE FÁBIO GUIMARÃES E PIERRE
MONBEIG
1. Os geógrafos há muito já fixaram o conceito de região natural, de modo relativamente simples.
Deriva de dois dos grandes princípios que servem de base à Geografia moderna: o princípio da
extensão, que serve de base ao estudo da distribuição dos fenômenos pela superfície terrestre,
respondendo às perguntas “onde” e “até onde”, aliado ao princípio da conexão, do qual resulta o
estudo das interrelações existentes entre os fenômenos que ocorrem no mesmo local. Uma região
natural só pode, pois, ser determinada, após a análise da distribuição dos fatos geográficos e das
influências recíprocas que êsses fatos exercem entre si numa dada extensão. Ela é definida assim,
por um conjunto de caracteres (nunca por um único isoladamente) correlacionados entre si, pois tal
correlação é que confere a cada região natural a sua unidade característica (GUIMARÃES, 1941, p.
325-326).
2. Uma região natural é uma parte da superfície da terra no interior da qual os diferentes elementos
físicos e biológicos, em ação recíproca e inseparáveis, constituem uma unidade. Esta provém da
combinação de fatôres que resulta, por sua vez, da situação presente e passada dos elementos. Uma
região natural, portanto, é um complexo geográfico. Sua individualidade se concretiza na paisagem.
Se paisagens vizinhas diferem, é porque há complexos diferentes no interior dos quais a combinação
dos elementos físicos e biológicos se efetuou de modo diferente. O homem se acha integrado no
conjunto de fatôres que constituem o complexo quer por sua ação direta sôbre a cobertura vegetal e
os solos, quer indireta pelas mudanças decorrentes da primeira (evolução do modelado, por
exemplo). A pesquisa regional não deve, pois, deter-se na delimitação espacial da região, nem na
enumeração e simples descrição dos elementos que formam a região natural. Mais do que isso, deve
prender-se à explicação estrutural, isto é, demonstrar o mecanismo que une entre si os agentes
formadores dêsse complexo geográfico (MONBEIG, 1957, p. 127).
Fonte: Elaborado com base em:
GUIMARÃES, Fábio de Macedo Soares. Divisão Regional do Brasil. In: Revista Brasileira de Geografia.
Rio de Janeiro: IBGE, Volume 3, nº 2, abril a junho de 1941.
MONBEIG, Pierre. Novos Estudos de Geografia Humana Brasileira. São Paulo: Difel, 1957.
Ao considerar uma determinada região natural os geógrafos perceberam que os elementos
do meio físico se distribuíam pela superfície e, ao mesmo tempo, mantinham entre si estreita
ligação, formando uma combinação própria. Tal constatação pode ser observada nas duas
definições expostas no quadro. Por outro lado, GUIMARÃES (1941, p. 326-327) acrescenta que
algumas regiões se destacavam pela evidência de certo elemento em relação aos demais, ou seja,
enquanto na Amazônia a cobertura vegetal representada pela Hiléia assumia grande importância na
caracterização regional (uma espécie de síntese dos outros fatores), na região Alpina, o grande
destaque ficava por conta do relevo e, no deserto do Saara, o clima com sua aridez peculiar seria o
fator determinante.
Vale lembrar que o pensamento de Fábio Guimarães sofreu profunda influência dos
trabalhos produzidos por Giuseppe Ricchieri e Delgado de Carvalho, no início da década de 1920.
De acordo com BARROS (2008, p. 321), Delgado de Carvalho foi um grande estimulador da
Geografia no Brasil durante a fase da pré-institucionalização. Além disso, ele ajudou a difundir o
discurso regional e a criar os primeiros sítios de produção geográfica, tendo a cidade do Rio de
Janeiro como ponto de partida. Em suas pesquisas, sempre demonstrou notável interesse pelos
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sertões, ou seja, pelas paisagens agrícolas do interior do território brasileiro ainda despovoado e
desconhecido.
E foi assim, imbuído por essas contribuições, que duas décadas mais tarde Fábio Guimarães
seria convidado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para elaborar a divisão oficial
do território brasileiro, divisão esta baseada em cinco grandes regiões naturais (Norte, Nordeste,
Leste, Sul e Centro-Oeste) que exibiam no seu interior uma quantidade expressiva de unidades
regionais menores, denominadas de zonas fisiográficas. Essa nova regionalização serviria de base
para o desenvolvimento de pesquisas em várias direções, tanto no campo da Geografia Física
quanto no campo da Geografia Humana e Regional. Além disso, ela teria uma finalidade prática
uma vez que permitiria o levantamento periódico de dados censitários em todo o território
nacional.
Mesmo estabelecendo uma definição clássica, Pierre Monbeig, ao contrário de Fábio
Guimarães, deu bastante ênfase às ações dos grupos humanos no trabalho de remodelagem das
regiões naturais. Para ele, tais ações se processam de forma direta ou indireta, afetando com isso o
equilíbrio natural das paisagens. A curto prazo os efeitos decorrentes delas seriam observados na
cobertura vegetal, na fauna e nos solos e a médio prazo poderiam ser notados em algumas unidades
do relevo (praias e vales, por exemplo) e no microclima de um lugar.
A rápida expansão dos cafezais sobre as terras do ocidente paulista, áreas anteriormente
cobertas pela exuberante floresta tropical de altitude, chamou a atenção desse renomado mestre
francês. Em seus estudos sobre a Geografia de São Paulo ele chega a falar de uma certa revolução,
em comparação ao que ocorreu no continente europeu no final do século XVIII: “(...) Amplia-se ao
mesmo tempo o movimento de expansão para oeste, desembarcam imigrantes em massa e firma-se
o império do café. Revolução técnica, revolução social, revolução demográfica com a imigração,
revolução econômica com o afluxo de capitais, revolução geográfica também, uma vez que se
quebram os moldes territoriais até então suficientes.” (MONBEIG, 1957, p. 142-143).
De resto, vale ressaltar que nesse mesmo estudo Monbeig chega a introduzir o conceito de
região geográfica em substituição ao velho conceito de região natural, conforme será discutido a
seguir.
b) A Região Geográfica
A noção de região geográfica, também conhecida como região humana ou ainda regiãopaisagem, surge como uma reação às idéias deterministas que sustentavam a importância e o uso
corrente do conceito de região natural. Ademais, pode-se dizer que ela é fruto de um novo
paradigma que se instaura no ambiente geográfico: o possibilismo.
O termo possibilismo foi criado pelo historiador francês Lucien Febvre, e sistematizado por
Vidal de La Blache através dos seus inúmeros trabalhos. Trata-se de uma reação ao determinismo
alemão, defendido por Ratzel e seus seguidores. Assim, na visão lablachiana o meio natural passou
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a ser encarado não mais como determinante das condições de vida de um grupo social, mas sim
como um quadro de possibilidades para a atuação deste grupo que, de posse de técnicas e
instrumentos de trabalho, seria capaz de promover importantes transformações na superfície da
Terra. Para La Blache, o conjunto dessas técnicas e instrumentos, associado aos hábitos, crenças,
valores e costumes transmitidos de uma geração para outra, seria responsáveis pela criação do que
ele próprio denominou gêneros de vida (LA BLACHE, 1954, p. 377 seq.).
A despeito desse intenso debate envolvendo essas duas correntes de pensamento geográfico
(o determinismo e o possibilismo), bem como o desdobramento do conceito de região (natural e
geográfica), GOMES (op. Cit., p. 55-56) escreveu o seguinte:
“A natureza pode influenciar e moldar certos gêneros de vida, mas é
sempre a sociedade, seu nível de cultura, de educação, de civilização, que tem a
responsabilidade da escolha, segundo uma fórmula que é bastante conhecida –
‘o meio ambiente propõe, o homem dispõe’. A região natural não pode ser o
quadro e o fundamento da geografia, pois o ambiente não é capaz de tudo
explicar. Segundo esta perspectiva ‘possibilista’, as regiões existem como
unidades básicas do saber geográfico, não como unidades morfológica e
fisicamente pré-constituídas, mas sim como o resultado do trabalho humano em
um determinado ambiente. São assim as formas de civilização, a ação humana,
os gêneros de vida, que devem ser interrogados para compreendermos uma
determinada região. São eles que dão unidade, pela complementariedade, pela
solidariedade das atividades, pela unidade cultural, a certas porções do
território. Nasce daí a noção de região geográfica, ou região-paisagem na
bibliografia alemã e anglo-saxônica, unidade superior que sintetiza a ação
transformadora do homem sobre um determinado ambiente, este deve ser o
novo conceito central da geografia, o novo patamar de compreensão do objeto
de investigação geográfica.”
Apesar de não reconhecer a região natural como a principal entidade geográfica, as
monografias regionais propostas pela Escola Francesa, cujo grande mestre foi Vidal de La Blache,
partiam sempre das descrições dos elementos do meio físico para em seguida realizar descrições
das características da população e de suas atividades econômicas de uso do solo (agricultura,
criação, extrativismo, comércio, transporte, etc.). A região geográfica seria, portanto, um produto
sintético dessa combinação de elementos presentes em uma dada fração do espaço. No entanto, é
importante reconhecer que nesses trabalhos não era possível verificar ainda uma integração, no
sentido mais amplo da palavra, dos elementos naturais e humanos, mas sim uma justaposição
destes últimos sobre uma base física.
A Figura 2, exposta a seguir, exibe vários esquemas organizados por CORRÊA (1995, p.
29-31) a partir das idéias de Yves Lacoste acerca do debate envolvendo as regiões geográficas
vidalinas. Observe que o autor propõe, inicialmente, a compartimentação de uma área e a
identificação de quatro regiões (pedológicas, climáticas, fitogeográficas e etnolingüísticas)
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contidas nesse mesmo espaço. As regiões geográficas, por seu turno, vão surgir da justaposição das
regiões identificadas anteriormente, com os seus respectivos elementos constitutivos.
FIGURA 2 – AS REGIÕES GEOGRÁFICAS NA
CONCEPÇÃO DE VIDAL DE LA BLACHE
Fonte: Adaptada de:
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização
Espacial. São Paulo: Ática, 5ª edição, 1995, p. 30.
Para se compreender a gênese, o desenvolvimento e a singularidade de cada região, La
Blache vai propor que os geógrafos realizem contatos diretos com a realidade através dos trabalhos
de campo. Ele vai indicar também o emprego do método descritivo como ponto de partida para
esse entendimento, conforme pode ser percebido no seu discurso: a Geografia distingue-se como
ciência essencialmente descritiva. Não seguramente que renuncie à explicação dos fenômenos,
uma vez que o estudo das suas relações, de seu encadeamento e de sua evolução é também
caminho que leva a ela. Mas esse objeto a obriga, mais que em outra ciência, a seguir
minuciosamente o método descritivo (LA BLACHE, 1985, p. 45).
Assim como qualquer outra manifestação do pensamento, as idéias construídas e
defendidas por La Blache receberam muitos elogios e, ao mesmo tempo, experimentaram críticas
contundentes.
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Em primeiro lugar, o seu modo de pensar e fazer Geografia encontrou terreno profícuo em
seu próprio país, mobilizando setores da sociedade para a importância de se combater o
expansionismo do Estado Alemão e a doutrina do espaço vital, preconizada por Ratzel. Na
verdade, a derrota francesa diante da Prússia, em 1870, custou a perda de dois territórios ricos em
reservas de carvão mineral: a Alsácia e a Lorena. Foi a partir daí que a Geografia ganhou grande
reconhecimento e passou a ocupar lugar de destaque nas escolas de nível secundário e nas
universidades, tendo a figura de La Blache papel decisivo.
Outro ponto relevante do seu discurso diz respeito à rejeição ao paradigma
naturalista/derterminista da Escola Alemã que colocava o homem como um ser miniaturizado,
passivo e submisso diante da natureza. Ao contrário, para a Geografia possibilista francesa o
homem representa o principal agente transformador, na medida em que se apropria de técnicas e
instrumentos capazes de interferir no equilíbrio natural das paisagens.
Por outro lado, Yves LACOSTE (1988, p. 60) adverte que os trabalhos escritos por La
Blache, bem como aqueles produzidos por seus discípulos, apresentavam uma idéia de região
geográfica pronta, acabada. Ou seja, apesar de compreender a região como o resultado da
superposição ao longo da história, das influências humanas e dos dados naturais, as monografias
regionais davam grande destaque para as permanências (heranças de um passado remoto) e
deixavam de lado os fenômenos espaciais recentes, tais como os processos de urbanização e
industrialização, a modernização dos meios de transporte e comunicação, o dinamismo alcançado
pelas atividades agropecuárias, etc.
Nesse sentido, o professor André Cholley, da Universidade de Sorbonne, é enfático ao
afirmar que o conceito de região geográfica é extremamente complexo e dinâmico. Ainda segundo
ele, a idéia de região indica sempre o resultado de uma organização, daí a sua preferência em
reservar esta expressão exclusivamente às organizações realizadas pelo homem na superfície do
planeta. Com efeito, o termo domínio torna-se mais conveniente para designar as unidades físicas
(climáticas, botânicas, pedológicas e morfológicas) de um determinado lugar, bem como para
destacar os fenômenos ligados à atividade humana quando considerados apenas sua extensão:
domínio do trigo, domínio da vinha, domínio da pecuária de corte, etc. (CHOLLEY, 1951, apud
ANDRADE, 1990, p. 43).
Roberto Lobato Corrêa lembra ainda que dois conceitos amplamente usados pela Geografia
possibilista também suscitaram muitas críticas, conforme podem ser observados em suas próprias
palavras: primeiro, os gêneros de vida “exprimiam uma situação de equilíbrio entre população e os
recursos naturais”; segundo, a “região geográfica abrange uma paisagem e sua extensão territorial,
onde se entrelaçam de modo harmonioso componentes humanos e natureza.” (CORRÊA, 1995, p.
13; 28).
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Na verdade, a idéia de uma relação equilibrada e harmoniosa entre o homem e o meio
ambiente só poderia ser aplicada às sociedades mais tradicionais (povos extratores das florestas,
camponeses, pastores, pescadores, etc.). Para LACOSTE (op. Cit., p. 61), o homem-habitante, ou o
homem-vidalino, não habitava as cidades. Ele era um personagem do campo, um habitante de
paisagens que seus ancestrais longínquos modelaram e organizaram.
Em contrapartida, as sociedades que atingiram níveis mais complexos de desenvolvimento
social, político e econômico estariam de fora desses esquemas, uma vez que as relações
estabelecidas entre elas e o meio ambiente são caracterizadas por tensões, conflitos e
desequilíbrios. O que dizer, por exemplo, do poder transformador da grande indústria? Como
empregar o termo gênero de vida aos habitats urbanos (as metrópoles e as megalópoles) da
segunda metade do século XX? Como explicar a efervescência da sociedade de consumo de
massa? Como compreender a velocidade das mutações, o encurtamento do tempo e o dinamismo
do espaço geográfico? Como analisar os desequilíbrios regionais?
A tentativa de encontrar respostas para esses e para outros questionamentos deixou
evidente as limitações da Geografia Tradicional diante da nova realidade que se apresentava aos
geógrafos. A esse respeito, BARROS (2003, p. 8) assim se manifestou:
“O conceito de espaço geográfico e os temas e procedimentos
metodológicos decorrentes dele, como as monografias regionais, tendiam a
produzir uma Geografia descritiva, corográfica, dos lugares, e por isto précientífica segundo os cânones do neopositivismo. A representação topográfica
e empírica da superfície da Terra, uma vez que refletiria a singularidade dos
lugares, serviria mais propriamente aos estudos idiográficos e concretos, mas
não era suficiente ao estudo científico que necessitaria testar hipóteses
(suspendê-las) e identificar regularidades nos assentamentos e comportamentos
espaciais humanos.”
A busca por essas regularidades passou, então, a ser tarefa da Nova Geografia, paradigma
este que emerge no ambiente geográfico europeu e norte-americano por volta de meados da década
de 1950. Com ele, novas categorias serão elaboradas a partir do desdobramento das idéias acerca
das regiões econômicas, também conhecidas como regiões de planejamento.
c) As Regiões Econômicas
Conforme já foi analisado anteriormente, as grandes transformações espaciais que se
processaram em diversas escalas e em diversos lugares do planeta, sobretudo a partir da Segunda
Guerra Mundial, foram determinantes para acentuar a crise que se instalou em vários campos do
conhecimento científico. Com a Geografia, é claro, essa realidade não foi diferente.
Antes de qualquer coisa, torna-se oportuno lembrar que o panorama social, político e
econômico da primeira metade do século XX foi marcado pelas duas grandes guerras mundiais,
pela recessão originada a partir da queda da bolsa de valores em 1929 (Nova Iorque), pelo
57
fortalecimento das idéias do economista inglês John Maynard Keynes, idéias essas em favor da
presença estatal na regulamentação da economia, pela disseminação do sistema fordista de
produção e, por fim, pela passagem do capitalismo para a sua fase ulterior: o capital monopolista.
Com efeito, todas essas transformações repercutiram diretamente sobre o espaço
geográfico, alterando a sua forma e o seu conteúdo, ou seja, uma nova divisão social e territorial
do trabalho passou a reger as relações entre os países industrializados e os países de base agrária,
aumentando ainda mais a dependência desses últimos; novos territórios foram conquistados pelas
grandes corporações capitalistas, agora organizadas em trustes e cartéis; regiões anteriormente
esquecidas ocuparam lugar de destaque no novo mapa político e econômico. De resto, todas essas
relações/transformações sociais, culturais, políticas e econômicas foram beneficiadas pela
ampliação e modernização das redes de comunicação e transporte, cujos reflexos podem ser
observados no “encurtamento” do espaço-tempo.
Já do ponto de vista filosófico, é importante destacar o enfraquecimento dos postulados
positivistas face a esse conjunto de fatores. Nesta época, algumas ciências já haviam dado passos
decisivos na intenção de encontrar novos caminhos, novos suportes teóricos e novas propostas
metodológicas, como forma de tentar superar a crise dos paradigmas. Especificamente falando, a
Geografia (ou a Nova Geografia) iria experimentar a transição do positivismo clássico
(positivismo empírico) para o neopositivismo (positivismo lógico ou empirismo lógico). Este
método buscaria auxílio nas chamadas ciências exatas, notadamente na Matemática, na Estatística
e na Cibernética.
Sandra LENCIONI (1999, p. 191-192) lembra que, por intermédio dos modelos matemáticos
aplicados à Geografia, buscou-se encontrar uma ordem no real, uma lógica na organização do
espaço. A possibilidade de estimar projeções e de fazer prognósticos tornou-se então factível. Por
isso é que, nesse momento, desvendar a ordem subjacente do espaço e estimar projeções
aproximou a Geografia do planejamento. Em particular, desenvolveu-se uma íntima relação entre
os estudos regionais e o planejamento regional e, como decorrência disso, a região tornou-se um
instrumento técnico-operacional a partir do qual procurou-se organizar o espaço.
Na prática, as regiões econômicas, ou regiões de planejamento como preferem alguns,
nasceram da estreita ligação que se estabeleceu entre os profissionais da Geografia, da Economia e
do Urbanismo.
Partindo do conceito econômico de espaço, François Perroux admitiu que o mesmo pudesse
ser encarado sob três ângulos: a) o espaço econômico como conteúdo de um plano; b) o espaço
econômico como um campo de forças; c) o espaço econômico como um conjunto homogêneo. Daí
em conseqüência, os três tipos de regiões econômicas: a) a região-plano; b) a região polarizada; c)
a região homogênea (PERROUX, 1964, apud ANDRADE, 1990, p. 45).
58
Já o engenheiro civil e urbanista Celson FERRARI (2004, p. 317), definiu a região de
planejamento como uma área contínua delimitada segundo critérios previamente estabelecidos. Por
sua vez, a fixação desses critérios depende dos objetivos buscados pelo processo de planejamento.
Assim, podem ser eles: critérios de homogeneidade, de interdependência ou interação e,
finalmente, da política do governo para uma região já existente. As definições dos três tipos de
regiões de planejamento, segundo o autor, estão expostas no quadro abaixo.
QUADRO 5 – AS REGIÕES DE PLANEJAMENTO
1. Região Homogênea (região formal ou uniforme): Região de planejamento caracterizada pela
presença uniforme de alguns elementos físicos, econômicos e sociais, chamados fatores ou
elementos de homogeneização ou de uniformidade. Dada a uniformidade de elementos na região
homogênea, pode ela ser definida como sendo a região que apresenta idênticos problemas em toda a
sua extensão. Uma região homogênea é simples quando caracterizada por um só fator de
homogeneização, como uma região climática, uma região geomorfológica, uma região
fitogeográfica, etc. Diz-se complexa quando são dois ou mais fatores de uniformidade a delimitá-la,
como por exemplo as bacias hidrográficas (fatores prováveis: vegetação, clima, solo, semelhanças
culturais, renda per capita, agricultura, etc). As regiões homogêneas são, de um modo geral,
complexas; a simples é uma abstração teórica, a não ser que seja de pequena dimensão. E, de certa
forma, jamais uma região é perfeita ou totalmente homogênea.
2. Região Polarizada (região nodal ou funcional): Região de planejamento resultante da ação
recíproca das atividades econômicas e sociais entre um pólo de dominância principal e outros de
dominância secundária. É a região de influência resultante de uma forte concentração de atividades
econômicas existentes no pólo principal, bastante interdependentes com as atividades de toda a
região. De acordo com o geógrafo Jacques R. Boudeville, região polarizada “é um conjunto de
unidades ou pólos econômicos que mantêm com um pólo, de ordem imediatamente superior, mais
relações de troca ou conexões que com qualquer outro pólo de mesma ordem.” A cidade-pólo ou,
simplesmente, o pólo pode ser entendido como uma área de atividade econômica muito concentrada
e que mantém forte interdependência com outros pólos. As regiões ou áreas metropolitanas são
exemplos de regiões fortemente polarizadas pela metrópole.
3. Região-plano (região-programa ou região-problema): Região de planejamento previamente
delimitada, cujos problemas principais já são conhecidos das autoridades governamentais que
estabelecem para ela objetivos econômicos, sociais, administrativos e físico-territoriais a serem
atingidos por um plano integrado.
Fonte: Elaborado com base em:
FERRARI, Celson. Dicionário de Urbanismo. São Paulo: Disal, 2004, p. 318-319.
Antes de discutir as três categorias propostas pelo autor, vale ressaltar que a Nova
Geografia apresenta uma visão própria do conceito de região, visão esta que se distancia daquela
construída pelo determinismo alemão e pelo possibilismo francês. Além disso, para os
formuladores dessa corrente de pensamento geográfico, a compreensão da região enquanto
entidade espacial passa a exigir o emprego da teoria das classificações e enumerações, também
denominada de taxonomia pelas ciências naturais, bem como a utilização de métodos quantitativos
aplicados ao estudo regional.
Não obstante, regionalizar passou a ser a tarefa de agrupar objetos e/ou variáveis em classes
determinadas de acordo com o grau de semelhança entre os mesmos. Logo, uma “região Y” será
constituída a partir da analogia em relação a alguns critérios preestabelecidos, como por exemplo,
o número de habitantes, a densidade demográfica, a estrutura etária, o grau de escolaridade, a
renda per capita (poder de compra), etc. Outros critérios também poderão ser considerados, tais
59
como o tamanho médio dos estabelecimentos rurais, o emprego de mão-de-obra, a utilização de
implementos agrícolas, as principais atividades de uso da terra, o valor total da produção, a área
cultivada e a quantidade produzida, etc.
Com efeito, a adoção de tais medidas representa a base para a estruturação da região
homogênea que, segundo BEZZI (op. Cit., p. 136-137), GOMES (op. Cit., p. 63-64) e FRIEDMANN
(1960, p. 33-34), é aquela cuja identidade sempre se relacionará com as características físicas,
econômicas, sociais, políticas, culturais, entre outras, presentes em uma determinada área.
Entretanto, para sua delimitação é necessário que essa uniformidade seja contígua no espaço. Para
isso, parte-se do pressuposto de que selecionando-se variáveis estruturantes, os intervalos, nas
freqüências e na magnitude dessas variáveis estatisticamente mensuradas, definem espaços mais
ou menos homogêneos (regiões isonômicas).
No caso do espaço brasileiro, é possível perceber que a divisão oficial do território,
proposta pelo IBGE no início da década de 1950, considerava a existência de grandes regiões
naturais e de unidades espaciais menores (zonas fisiográficas). Por outro lado, a divisão realizada
pelo órgão em 1968 e reformulada em 1970 estabeleceu-se com base no conceito de regiões
homogêneas. Na oportunidade, foram definidas cinco macrorregiões (Norte, Nordeste, Sudeste,
Sul e Centro-Oeste) e 360 microrregiões homogêneas, unidades essas que passaram a substituir as
antigas zonas fisiográficas.
Essa nova divisão regional não chegou a alterar os limites territoriais das unidades da
federação. No entanto, algumas mudanças foram significativas. Observe os Mapas 3 e 4.
A região Leste foi substituída pela região Sudeste, agora composta pelos Estados do Espírito
Santo, Guanabara3, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Ademais, a criação dessa nova
região demonstrava a intenção dos geógrafos de concentrar, em um mesmo espaço, esses três
últimos Estados, considerados os mais importantes da federação;
A região Nordeste ganhou novos contornos a partir da inclusão dos Estados da Bahia e Sergipe,
antes pertencentes à região Leste;
A região Norte não sofreu nenhuma alteração, apenas dois Territórios Federais mudaram de
nome: Guaporé recebeu a denominação de Rondônia, em 1956, e Rio Branco passou a se
chamar Roraima, em 1962. Neste mesmo ano, o Território Federal do Acre foi elevado à
categoria de Estado;
A região Sul perdeu o Estado de São Paulo, já mencionado anteriormente;
Por fim, com a inauguração da cidade de Brasília, em abril de 1960, a região Centro-Oeste
passou a sediar o Distrito Federal.
3
Em 1974, o Estado da Guanabara foi extinto e seu território foi incorporado ao Estado do Rio de Janeiro.
60
Da mesma forma que a divisão anterior, a regionalização de 1970 tinha como objetivos
permitir a coleta de dados estatísticos em todo o território nacional, fornecer elementos para o
ensino da Geografia ministrado em diversos níveis, além de nortear as ações e as políticas públicas
voltadas para a realidade de cada região do país. Todavia, ao contrário da regionalização de 1950,
esta levou em consideração principalmente a combinação de fatores demográficos e
socioeconômicos, uma vez que o país vivia as fases da maturidade industrial alcançada com o
Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961); da modernização das atividades
agrárias em amplas porções do território e da urbanização acelerada, fenômeno confirmado pelos
dados do Censo Demográfico de 1970. Definitivamente a noção de região natural já não podia mais
ser aplicada à realidade brasileira.
MAPA 3
BRASIL: DIVISÃO REGIONAL DE 1950
MAPA 4
BRASIL: DIVISÃO REGIONAL DE 1970
(REGIÕES NATURAIS)
(REGIÕES HOMOGÊNEAS)
Fonte: Adaptado de:
IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE,
2002, p. 100.
Fonte: Adaptado de:
IBGE. Atlas Geográfico Escolar. Rio de Janeiro: IBGE,
2002, p. 101.
O conceito de região polarizada, por sua vez, só pode ser entendido a partir da constituição
de uma rede urbana que interliga pontos distintos – e não apenas homogêneos – da superfície de
uma região ou mesmo de um país. Esses pontos podem se apresentar afastados ou próximos uns
dos outros e, neste caso, o que vai determinar o distanciamento entre eles é o grau de centralidade
de uma cidade principal que comanda toda essa dinâmica espacial.
Em outras palavras, a rede urbana é formada por uma cidade principal que exerce
influência direta sobre uma quantidade variável de cidades menores, o que vai configurar uma
relação hierárquica entre elas. Assim, de acordo com o tamanho e a importância das atividades
econômicas, notadamente a indústria, o comércio e os serviços, as cidades são classificadas
segundo níveis hierárquicos.
61
Esse fenômeno espacial chamou a atenção de inúmeros geógrafos, que passaram a produzir
estudos sistemáticos sobre a formação de regiões polarizadas (regiões funcionais), o papel
desempenhado pelas cidades-pólos, a importância dos atores sociais envolvidos no processo, a
infra-estrutura criada para dar suporte a essa nova realidade, etc. Nesse sentido, merecem destaque
os trabalhos de Claude Raffestin (Por Uma Geografia do Poder), Pierre George (Geografia Ativa e
Geografia Urbana), Michel Rochefort (A Concepção Geográfica da Polarização Regional e Redes
e Sistemas), Bernardo Kayser (La Région comme Objet d’Etude de la Géographie), Paul Claval (A
Nova Geografia), Brian Berry (The Funcional Bases of the Central Place Hierarchy), Milton
Santos (Manual de Geografia Urbana e Economia Espacial), Roberto Lobato Corrêa (A Rede
Urbana e Região e Organização Espacial), Manuel Correia de Andrade (Espaço, Polarização e
Desenvolvimento), entre outros.
O francês Michel Rochefort pode ser considerado, sem nenhum exagero, um dos pioneiros
no tratamento da questão urbana e regional. No final da década de 1950, ele escreveu e defendeu
uma tese de doutoramento que ganhou grande expressividade em vários lugares do mundo,
inclusive aqui no Brasil. Trata-se de um estudo acerca da Organização Urbana da Alsácia,
localizada no Nordeste da França, estudo no qual ele passou a discutir, analisar e aplicar os
conceitos de rede e hierarquia urbanas.
Em Redes e Sistemas: ensinando sobre o urbano e a região, livro publicado no final da
década de 1990, Rochefort chama a atenção para a formação das redes urbanas não apenas nos
países de industrialização clássica, mas também em outras partes do mundo subdesenvolvido.
Segundo ele:
“As redes urbanas são muito diferentes umas das outras de acordo com as
regiões e os países. Sua variedade resulta da maior ou menor multiplicidade
dos tipos de centros; ela depende também das formas de interdependência e dos
laços existentes entre esses tipos de centros.” (ROCHEFORT, 1998, p. 30).
E acrescentou ainda:
“As redes urbanas são infinitamente mais complexas quando se trata de
velhos países e regiões de alto nível de desenvolvimento econômico e social.
Surgem então numerosos tipos intermediários de centros que são um pouco
mais que centros locais e um pouco menos que centros de sub-regiões. Em
sentido contrário, no caso de um espaço muito pouco povoado ou de nível de
vida muito baixo, a rede urbana se reduz com muita freqüência a um pequeno
número de centros locais diretamente ligados à capital regional, sem que haja
centros de sub-regiões ou centros intermediários.” (ROCHEFORT, 1998, p. 3031).
Em países como os Estados Unidos, Inglaterra, França, Holanda, Alemanha e Japão, as
redes urbanas exibem grande poder de articulação entre vastas áreas dos territórios nacionais,
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graças aos modernos e eficientes sistemas de transporte e comunicação. Para ilustrar bem essa
situação, basta citar a megalópole da costa leste dos Estados Unidos, área fortemente urbanizada
que abriga mais de 30 milhões de habitantes e que se estende de Boston a Washington, passando
por importantes cidades como Providence, Hartford, Stamford, Nova Iorque, Filadélfia e
Baltimore.
A Europa Central também conta com uma importante rede urbana. Trata-se da região
localizada na bacia do rio Reno, importante curso d’água que nasce na fronteira da Suíça com a
Alemanha e atravessa boa parte do território germânico até desaguar no mar do Norte, já em
território holandês. Ao descrever a dinâmica do espaço na região supracitada, JUILLARD, 1968,
apud FRÈMONT (op. Cit., p. 188-189), assim se manifestou:
“A Europa renana, de Basiléia aos grandes portos holandeses, constitui
incontestavelmente um grande espaço de tipo funcional. As burguesias das
grandes cidades mercantis do período pré-industrial, e depois os magnates do
Ruhr do séc. XIX, tinham preparado a emergência de um espaço aberto para
relações internacionais. A época contemporânea consagra a supremacia desse
eixo na Europa. As mais fortes densidades de população, muitas vezes
superiores a várias centenas de habitantes por quilómetro quadrado, acumulamse na sua vizinhança, produtores de grande tecnicidade, consumidores de alto
nível de vida também estão presentes ali. Caminhos de ferro, estradas, autoestradas duplicam a via fluvial do Reno, tornando fáceis os transportes de toda
a natureza. Aos portos (entre os quais Roterdão, o mais importante na Europa)
acrescentam-se os nós rodoviários e os aeroportos internacionais. Por fim,
algumas das maiores firmas mundiais (suíças, alemãs e holandesas) têm aqui os
seus lugares de origem, o seu terreno de eleição, os seus centros de decisão. A
penetração dos capitais americanos acrescenta a este espaço económico uma
dimensão suplementar, a inter-continental. Zurique, Frankforte e Dusseldorf
tornaram-se lugares de irradiação mundial.”
No Brasil essas redes urbanas refletem sobre uma base territorial níveis diferenciados de
desenvolvimento técnico, científico, político e econômico. Assim, enquanto as regiões Sul e
Sudeste apresentam grandes e importantes cidades que articulam uma vasta hinterlândia por meio
de modernos corredores rodoviários, ferroviários, hidroviários e aeroviários, bem como por
intermédio de cabos de fibra ótica (infovias), boa parte das regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste
(à exceção da Zona da Mata) exibe um panorama que chega a se assemelhar com outras regiões
subdesenvolvidas do mundo: presença de algumas cidades importantes, precariedade dos sistemas
de transporte e comunicação e incipiente atividade econômica no campo e nas cidades.
No interior da Amazônia brasileira, por exemplo, “a distância entre os centros urbanos é, ao
mesmo tempo, sinal e causa da fraqueza das trocas.” (SANTOS, 1981, p. 140). Tal constatação
aplica-se também a um grande número de cidades localizadas no interior do Nordeste (Agreste e
Sertão), onde a vida urbana repousa sobre uma base econômica muito limitada, o que acaba
63
corroborando para a constituição de uma região periférica/deprimida com fortes conseqüências
para a vida dos seus habitantes (concentração da renda, deficiência dos serviços públicos, elevadas
taxas de desemprego, aumento do saldo migratório, sobretudo entre a população jovem e adulta).
Ainda segundo SANTOS (1981, p. 140-141), nessas regiões, os fluxos são, ao mesmo
tempo, pouco complexos e pouco intensos, principalmente nas áreas onde a penetração da
economia monetária é fraca. Daí a formação de redes rudimentares, geralmente animadas por
correntes comerciais intermitentes em virtude das condições naturais desfavoráveis (estação das
chuvas, no caso da Amazônia), mas, principalmente, em virtude de uma produção regional pouco
diversificada, que não permite uma atividade contínua.
A análise detalhada do Mapa 5 permite constatar essa diversidade espacial descrita
anteriormente. Em primeiro lugar, pode-se observar o expressivo número de cidades de vários
níveis hierárquicos que compõem a estrutura urbana das regiões Sul e Sudeste, regiões que,
segundo SANTOS e SILVEIRA (2005, p. 53), refletem de maneira contínua sobre o território a
complexidade dos meios técnicos, científicos e informacionais. Com efeito, nesse espaço ultradinâmico encontram-se desde centros sub-regionais de nível 2 (Santa Maria, Chapecó, Governador
Valadares, Cabo Frio, etc.), até metrópoles de influência global (Rio de Janeiro e São Paulo).
Dezenas de outras cidades vão complementar essa hierarquia, fato este que contribui para a
formação de sofisticadas redes onde circulam diariamente pessoas, mercadorias, serviços, capital e
informação. A expansão desse fenômeno espacial, cujo ponto de partida é a moderna cidade
capitalista, foi retratada em duas obras de grande repercussão no cenário acadêmico: As Cidades
na Economia Mundial (SASSEN, 1998, p. 75 seq.) e A Sociedade em Rede (CASTELLS, 1999,
passim).
Por outro lado, a região Nordeste exibe importantes cidades-pólos ao longo da estreita
franja litorânea: Fortaleza, Recife e Salvador, classificadas como metrópoles nacionais, e Natal,
João Pessoa, Maceió e Aracaju, classificadas como centros regionais. Já no interior da região
alguns centros sub-regionais de nível 1 podem ser destacados (Vitória da Conquista, Juazeiro,
Petrolina, Caruaru, Campina Grande, Juazeiro do Norte e Imperatriz). No entanto, vastas áreas
ainda apresentam centenas de pequenas cidades classificadas como centros locais. Elas ocupam o
nível mais elementar na hierarquia urbana.
Já a região Norte apresenta poucas cidades importantes que se distribuem difusamente
sobre uma superfície territorial que alcança milhões de quilômetros quadrados. Este fato reforça as
idéias de Rochefort quando afirma que nessas áreas fracamente povoadas ou de nível de vida
muito baixo, os pequenos núcleos urbanos estão ligados diretamente aos centros regionais (caso de
Rio Branco e Porto Velho) ou até mesmo aos centros sub-regionais (caso de Boa Vista, Macapá e
Palmas). No topo da hierarquia encontram-se as duas metrópoles (Manaus e Belém), cidades que
exibem forte polarização em toda região.
64
MAPA 5 – BRASIL: HIERARQUIA URBANA (2000)
Fonte: Adaptado de:
IBGE. Atlas Nacional do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2001, p. 162.
Por fim, a região Centro-Oeste vai demonstrar dois aspectos interessantes. Enquanto a
porção setentrional do Estado do Mato Grosso guarda as mesmas características da região Norte
(isolamento geográfico e ausência de cidades importantes), as cidades localizadas no Mato Grosso
do Sul e em Goiás vão apresentar forte conexão com as principais cidades das regiões Sul e
Sudeste. Destaque para Brasília (metrópole nacional), Goiânia (metrópole regional), Cuiabá e
Campo Grande (centros regionais).
A partir do exposto, foi possível apreender que as cidades que são capazes de oferecer uma
quantidade expressiva de bens e serviços sofisticados ocupam os pontos mais altos da hierarquia.
Com isto, elas tendem a ampliar a influência sobre outras cidades menos importantes, chegando,
inclusive, a ultrapassar os limites da própria região onde se localizam. Nesse caso, pode-se dizer
que toda essa área de domínio representa a região polarizada pelas cidades em questão.
A constituição de áreas metropolitanas também está associada à idéia de região polarizada
(região funcional urbana, no dizer de FRIEDMANN, op. Cit., p. 37), uma vez que as mesmas são
formadas pelas cidades principais (as metrópoles ou as cidades-pólos) e por outras que apresentam
65
forte dependência em relação a essas cidades, haja vista o dinamismo econômico alcançado por
elas.
Esse dinamismo, por sua vez, pode ser representado pela diversidade e complexidade das
estruturas industriais, pela ampliação das atividades comerciais (redes de atacado e varejo) e pela
oferta de serviços sofisticados que muitas vezes não são encontrados em outros municípios da
própria região metropolitana ou até mesmo do interior do Estado, tais como: hospitais, laboratórios
e clínicas especializadas; escolas técnicas, universidades e institutos de pesquisa; agências
bancárias; corretoras e seguradoras; assessorias contábil e jurídica, entre outros. Na área de lazer,
entretenimento e informação, essas cidades-pólos contam ainda com grandes redes de hotéis e
pousadas, parques temáticos, museus, cinemas, teatros, agências de viagem e publicidade,
emissoras de rádio e televisão, jornais e editoras, etc.
Vale ressaltar que ao lado de todos esses aspectos econômicos positivos, existem também
problemas sócio-espaciais consideráveis, uma vez que a possibilidade de melhoria das condições
de vida e trabalho, aliada ao crescimento econômico dessas regiões, acabou atraindo milhares de
pessoas das pequenas cidades do interior e até mesmo das áreas rurais, que passaram a residir nas
cidades centrais e nas cidades circunvizinhas. A intensificação desse fluxo migratório, sobretudo
no período 1970-1980, contribuiu para o crescimento desordenado das regiões metropolitanas
(fenômeno conhecido como metropolização) e para a deterioração das condições ambientais, cujos
reflexos podem ser vistos na própria paisagem urbana: forte adensamento populacional; falta de
moradias adequadas para as famílias de baixa renda; precariedade dos serviços públicos (escolas,
creches, hospitais, postos de saúde, delegacias de polícia, coleta e destino do lixo, abastecimento
de água potável, canalização e tratamento dos esgotos, pavimentação e iluminação de ruas, etc.).
Problemas como deficiência do sistema de transporte coletivo, aumento da informalidade em
função do desemprego e agravamento da violência urbana também podem ser observados no
cotidiano desses municípios.
O recrudescimento dessa situação chamou a atenção dos profissionais de diversas áreas
(sociólogos, economistas, urbanistas, engenheiros e geógrafos), que passaram a produzir estudos
sobre a realidade urbana, ao mesmo tempo em que começaram a exigir dos legisladores e
governantes medidas no sentido de corrigir e/ou atenuar as disparidades encontradas no espaço
metropolitano.
E foi com base nesse entendimento que o governo federal, através da Lei Complementar n°
14, de 8 de junho de 1973, instituiu oficialmente a idéia de região metropolitana. Trata-se, portanto,
de uma área territorial formada pela cidade principal e pelas cidades polarizadas por ela. Assim,
quando se verifica uma integração física (expansão contígua da mancha urbana) entre os
municípios da região metropolitana, ocorre o que os geógrafos chamam de conurbação. Em outros
66
casos, quando alguns municípios fazem parte desse conjunto, mas são separados por áreas rurais,
diz-se que houve apenas uma integração funcional.
De acordo com FERRARI (op. Cit., p. 318), a região metropolitana nada mais é que uma
região polarizada definida e delimitada pelo IBGE e pelo IBG a partir de três critérios:
demográficos, estruturais e de integração. Sendo assim, a metrópole ou a cidade central deve ter
uma população mínima de 400 mil habitantes e seu distrito deve ter uma densidade demográfica
mínima de 500 hab/Km² (5 hab/ha). Além disso, um município só poderá pertencer à região
metropolitana se, no mínimo, 10% de sua população potencialmente ativa se ocupar em atividades
industriais e também quando o valor total da sua produção industrial for, no mínimo, o triplo do
valor de sua produção agrícola. Finalmente, o município para pertencer à região metropolitana
deve ter pelo menos 10% de sua população trabalhando na metrópole ou na cidade central.
Na prática, a região metropolitana representa um recorte espacial destinado ao
planejamento territorial, ou seja, na medida em que os problemas descritos anteriormente fugiam
do controle e da competência individual de cada município, fez-se necessário pensar toda a
dinâmica espacial em conjunto, com vistas à elaboração e execução de um plano integrado do
desenvolvimento urbano.
As ilustrações exibidas a seguir sintetizam parte da discussão acerca das regiões
polarizadas. O Mapa 6 destaca os 13 municípios que fazem parte da região metropolitana de
Fortaleza, espaço ocupado por 2.974.915 habitantes, dos quais 2.138.234 habitantes residem na
capital (IBGE, 2003). Observe ainda que Fortaleza, no papel de cidade-pólo, organiza a sua
hinterlândia por meio de corredores ferroviários e, sobretudo, rodoviários (presença de rodovias
estaduais e federais que partem do núcleo central em direção aos municípios da região). O
aeroporto internacional, ampliado recentemente, e o porto de Fortaleza vão funcionar também
como elos de ligação da região com o restante do Brasil e com o exterior.
Nesse sentido, torna-se oportuno lembrar que a cidade-pólo representa o centro econômico
e que o seu dinamismo se faz sentir sobre a região que o cerca, de vez que ele cria fluxos da região
para o centro e refluxos do centro para a região. O desenvolvimento regional estará, assim, sempre
ligado ao da cidade-pólo, conforme escreveu PERROUX, 1964, apud ANDRADE (1990, p. 59).
Já o Mapa 7, produzido a partir de uma imagem de satélite, representa a importância dos
modernos recursos tecnológicos colocados à disposição do planejamento territorial. Através dele é
possível perceber com maior exatidão a dinâmica da organização espacial em um dado período.
Observe, por exemplo, os limites entre os municípios, as áreas de forte adensamento populacional
(zonas conurbadas), as áreas ocupadas pelas atividades agropecuárias, a distribuição da cobertura
vegetal, a presença dos corpos líquidos (oceano, rios, lagoas e açudes), entre outros elementos.
Informações como essas são imprescindíveis ao trabalho dos gestores públicos, uma vez que os
mesmos serão os responsáveis pela implementação de grandes obras de infra-estrutura.
67
MAPA 6 – REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA
Fonte: Adaptado de:
GIRARDI, Gisele e VAZ ROSA, Jussara. Novo Atlas Geográfico do Estudante. São Paulo:
FTD, 2005, p. 76.
MAPA 7 – REGIÃO METROPOLITANA DE FORTALEZA CAPTADA PELO
SATÉLITE LANDSAT-5
Fonte: Adaptado de:
GIRARDI, Gisele e VAZ ROSA, Jussara. Novo Atlas Geográfico do Estudante. São Paulo:
FTD, 2005, p. 77.
68
Por fim, deve-se deixar claro que a região metropolitana pode também ser classificada
como uma região-plano (região-programa), haja vista que os “problemas principais já são
conhecidos das autoridades governamentais que estabelecem para ela objetivos econômicos,
sociais, administrativos e físico-territoriais a serem atingidos por um plano integrado.” (FERRARI,
op. Cit., p. 319).
A noção de região-plano (região-programa) foi aplicada com bastante êxito na Europa
Ocidental, particularmente na Inglaterra e na França, a partir da década de 1940. Este último país
instituiu uma ampla política de Aménagement du Territoire, dentro da qual foram traçadas
inúmeras estratégias de développement régional, tais como: grandes investimentos públicos
direcionados para a agricultura de mercado, fato que colocou o país em uma posição privilegiada
em termos de competitividade; ampliação das políticas voltadas à reforma agrária; recuperação das
estruturas destruídas com a guerra (estradas, pontes, ferrovias, parques industriais, usinas de
energia); criação de programas de desenvolvimento social e econômico dos espaços urbanos,
incluindo desde a ampliação da oferta de serviços em cada Departamento, até políticas de
incentivo à descentralização industrial, etc. (ROCHEFORT et al., 1970, passim).
Tais medidas objetivavam também diminuir a concentração econômica e demográfica na
região parisiense. Para tanto, inúmeros organismos, em sua maior parte ligados ao Ministère de la
Construction, foram criados: Commission Nationale à l’Aménagement du Territoire (CNAT),
Commission de Développement Économique Régional (CODER), Délégation à l’Aménagement du
Territoire et à l’Action Régionale (DATAR), Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région
de Paris (IAURP), Fonds de Développement Économique et Social (FDES), Fonds d’Action
Sociale pour l’Aménagement des Structures Agricoles (FASASA), Fonds d’Orientation et de
Régularisation des Marchés Agricoles (FORMA), para citar apenas alguns exemplos.
No Brasil, pode-se afirmar que a idéia de região-plano foi forjada pela Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), órgão de planejamento estatal criado em 1959 durante o
governo do presidente Juscelino Kubitschek.
Na verdade, a SUDENE começou a ser gestada em 1956, através do Grupo de Trabalho
para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), grupo que passou a ser coordenado em 1958 pelo
economista paraibano Celso Furtado, então diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico (BNDE). De acordo com ANDRADE (1988-a, p. 6; 8), o GTDN elaborou um
diagnóstico sucinto da região, demonstrando que o grande problema da mesma não era de ordem
climática, como se afirmava, mas de ordem econômica, face ao atraso em que se encontrava em
relação às outras regiões brasileiras e ao fato de a economia, planejada a nível nacional, fazer com
que a região mais pobre subsidiasse o desenvolvimento das regiões economicamente mais
desenvolvidas.
69
Durante mais de um século, a elite regional, representada por políticos, empresários e
grandes fazendeiros, utilizou o problema hídrico como mecanismo para conseguir verbas públicas
que seriam destinadas ao “combate às secas”. Foi assim com a Inspetoria de Obras Contra a Seca
(IOCS), criada em 1909, com o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), criado
em 1945 durante o Estado Novo, e com o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), criado durante a
seca que assolou a região em 1952.
Com efeito, os recursos públicos que foram destinados ao Nordeste acabaram beneficiando
essa elite, em detrimento da grande parcela da população empobrecida que sofria cada vez mais
com os efeitos das longas estiagens. Essa prática clientelista conduziu políticos inescrupulosos ao
poder, aumentou a concentração das terras e da renda, estagnou a economia local, agravou a
questão migratória (a região tornou-se uma área de repulsão) e promoveu a morte de milhares de
pessoas vitimadas pelas doenças e pela fome.
A SUDENE foi instituída para promover uma grande mudança nesse cenário. Seria ela mais
um órgão público, porém, com outras estratégias capazes de estimular de maneira duradoura o
desenvolvimento social e econômico em toda a região. Neste contexto, é interessante destacar,
segundo SOUZA et al. (2008, p. 225), que:
Ela “foi criada tanto como resultado da perspectiva desenvolvimentista do
governo JK, quanto da necessidade de se dar uma resposta às demandas sociais
por desenvolvimento. Era na verdade uma idéia inovadora. Tanto que na sessão
congressual em que a lei que fundaria a Sudene foi votada, parlamentares
nordestinos ligados às antigas oligarquias se posicionaram contra a sua criação,
muito provavelmente pela possibilidade de mudança do caminho dos recursos
públicos direcionados ao Nordeste. Como a Sudene possuiria um corpo extenso
de burocratas, os créditos para a liberação de recursos seriam técnicos. Isso
certamente dificultaria o clientelismo, marca dos políticos da região.”
Na perspectiva de Celso Furtado, primeiro superintendente do órgão, era preciso antes de
mais nada por fim ao clientelismo, para em seguida transformar as estruturas sociais responsáveis
pela estagnação econômica e pela disseminação da pobreza. Assim sendo, enquanto os órgãos de
combate à seca adotavam uma política de armazenamento de água através da construção de
grandes reservatórios de superfície (barragens e açudes) e de instalação de poços artesianos, a
SUDENE propunha um programa muito mais amplo, calcado nas seguintes bases:
Promoção da industrialização por meio da concessão de incentivos fiscais e creditícios, como
forma de atrair para a região empresas do Centro-Sul do país. A Lei de Incentivos Fiscais, por
exemplo, baseou-se em uma legislação criada para promover o desenvolvimento do
Mezzogiorno, região italiana com características sociais e econômicas semelhantes as do
Nordeste;
70
Ampliação da oferta de energia através da construção de usinas hidrelétricas ao longo dos
principais rios da região: o São Francisco e o Parnaíba. Na ocasião, a Companhia Hidrelétrica
do São Francisco (CHESF) tornou-se uma das grandes parceiras da SUDENE na promoção de
estratégias para o desenvolvimento regional;
Intensificação da exploração de jazidas minerais de grande valor econômico para a indústria
regional, nacional e mundial, com destaque para o ferro, o manganês, a bauxita, a cassiterita, a
xelita e o calcário;
Ampliação e melhoramento da malha rodoviária que atravessa a região, com o propósito de
facilitar o transporte de matérias-primas, mercadorias e pessoas;
Captação de água através da construção de açudes e barragens. Vale lembrar que, ao contrário
das estratégias adotadas no passado, esse importante recurso deveria estar disponível também
para as populações menos favorecidas;
Adoção de uma política de reforma agrária capaz de promover a desapropriação de grandes
propriedades na Zona da Mata e no Sertão e o posterior assentamento de famílias camponesas;
Apoio aos pequenos e médios produtores rurais através de linhas de financiamento condizentes
com a realidade. Assim, por meio do crédito bancário esses produtores poderiam investir no
melhoramento do solo, na seleção de espécies, na irrigação, na compra de maquinário, no
armazenamento e no transporte;
Aumento dos investimentos nas áreas de educação e saúde, como forma de garantir a melhoria
da qualidade de vida da população, etc.
Essas metas estabelecidas por Celso Furtado e por sua equipe de trabalho não foram
totalmente concretizadas. Com o golpe militar de abril de 1964, Furtado foi destituído do cargo de
superintendente, teve os seus direitos políticos cassados e foi obrigado a deixar o país para viver no
exílio. Yná ANDRIGHETTI (1998, p. 31) lembra que a partir daí muitas propostas sugeridas
anteriormente foram abandonadas e a SUDENE transformou-se em mais um organismo voltado
aos interesses das camadas política e economicamente influentes. Assim, deu-se continuidade às
grandes obras e à política de favorecimentos – mas, desta vez, basicamente a serviço de poderosos
grupos econômicos nacionais e estrangeiros, e não da oligarquia tradicional do Nordeste.
No plano econômico é inegável a contribuição da SUDENE, uma vez que houve um
aumento do produto per capita nordestino a taxas anuais de 3,1%, enquanto que o restante do país,
no conjunto, via seu produto per capita crescer apenas 2,8% ao ano. O crescimento da participação
do setor industrial na economia nordestina também foi expressivo. Entre os anos de 1960 e 1996,
as atividades produtivas industriais expandiram-se em mais de 40%, fazendo com que o setor
secundário respondesse por cerca de 29% da produção econômica regional (SOUZA et al., op. Cit.,
p. 227).
71
O setor agropecuário também experimentou modificações substanciais ao longo desse
período. No entanto, as inovações privilegiaram alguns atores sociais, algumas culturas e/ou
espécies de animais e alguns territórios. Na Zona da Mata, por exemplo, destaca-se o pólo agrícola
da porção meridional de Sergipe, onde a laranja é produzida por grandes empresas. A pecuária
semi-intensiva desenvolveu-se em certas áreas do Agreste pernambucano e alagoano, onde a
produção de carne e leite vem ganhando cada vez mais espaço em um cenário tradicionalmente
ocupado pela policultura de alimentos praticada por pequenos sitiantes.
Algumas áreas do Sertão semi-árido vão testemunhar a decadência do trinômio
“pecuária–cotonicultura–agricultura de sequeiro” e a implantação de grandes fazendas que
desenvolvem a fruticultura a partir de modernas técnicas de irrigação, melhoramento dos solos e
das plantas, colheita e armazenamento. Com efeito, os vales dos rios São Francisco
(Pernambuco/Bahia), Mossoró (Rio Grande do Norte), Piranhas-Açu (Paraíba/Rio Grande do
Norte) e Jaguaribe (Ceará) passaram a produzir uva, caju, manga, melão, melancia, abacaxi,
banana, goiaba, coco, entre outras frutas, para abastecer os mercados do Centro-Sul do país e até
do exterior. Além da exportação de frutas in natura, as empresas nacionais e transnacionais
exportam também sucos processados industrialmente e castanha de caju, atividades que geram
vantagens competitivas (menos concorrentes e preços mais estáveis e elevados) quando
comparadas a produtos tradicionais como o algodão, o milho e a cana-de-açúcar.
Em resumo, a associação entre capital, conhecimento científico, tecnologia de ponta e
informação reorganizou profundamente esses espaços que, segundo SANTOS (1997, p. 191),
passaram a atender aos interesses dos atores hegemônicos da economia, da cultura e da política, ao
mesmo tempo em que foram integrados aos mercados globalizados. Por outro lado, as
transformações desencadeadas por essa agricultura empresarial colocou em discussão as idéias
deterministas defendidas pelas oligarquias tradicionais, idéias que atribuíam ao clima semi-árido o
“fracasso” da economia e a miséria que pesa sobre parcela considerável da população regional.
Por fim, observa-se o avanço da monocultura do arroz, do feijão, do milho e,
principalmente, da soja nas áreas anteriormente ocupadas pela formação dos cerrados (oeste da
Bahia e porção meridional do Maranhão e Piauí). Essas culturas foram trazidas por grandes
fazendeiros, especialmente gaúchos, atraídos pela oferta de terras baratas e pelos incentivos
concedidos pelos governos estaduais e municipais. Em pouco mais de duas décadas essas áreas
experimentaram forte crescimento populacional, impulsionado pela expansão recente da fronteira
agrícola. Entretanto, como a monocultura constitui uma atividade poupadora de mão-de-obra por
excelência, as taxas de desemprego também atingiram patamares significativos. O mito do
eldorado da soja, no dizer de Rogério HAESBAERT (1996, p. 382 seq.), contribuiu para o aumento
brutal das desigualdades sociais (concentração da terra, violência no campo, marginalização dos
pequenos produtores rurais, migrações e favelização das cidades do interior) e para o surgimento
72
de graves impactos ambientais em todo o bioma (devastação da cobertura vegetal original, erosão
dos solos, comprometimento dos mananciais hídricos em função da irrigação sem planejamento e
da poluição provocada por agroquímicos, etc.).
Como ficou também evidente, no plano social a SUDENE não conseguiu equacionar os
principais problemas que afetam as populações menos favorecidas. Para ilustrar bem essa situação,
estão expostos no quadro abaixo trechos selecionados de um discurso elaborado e proferido pelo
professor emérito Manuel Correia de Andrade na Assembléia Legislativa de Pernambuco, que
analisou e interpretou o Brasil e o Nordeste a partir de uma visão dinâmica, crítica e multifacetada.
Na ocasião, o autor questionou as ações e os projetos desenvolvidos pela SUDENE nas áreas
drenadas pelo médio curso do rio São Francisco, entre os Estados da Bahia e Pernambuco.
QUADRO 6 – AS AÇÕES DA SUDENE NO VALE DO SÃO FRANCISCO E A VISÃO DE
MANUEL CORREIA DE ANDRADE
(...) No Projeto de Sobradinho pude observar o uso de uma tecnologia de engenharia do mais alto nível,
mas um total desprezo pelos programas de assistência à população rural. E retirou-se a população de
beira-rio, onde eles faziam uma cultura de vazante, de pesca. Alguns foram colocados em campos da
caatinga, onde não havia nenhuma adaptação e que só prestava para a pecuária, outros foram transferidos
para a serra do Ramalho, na Bahia, a 1.700 Km de distância, no município de Bom Jesus da Lapa. A
maioria não suportou as condições do local, abandonou o Programa e voltou. Quer dizer, houve um
desprezo total pelo homem. Entretanto, o homem deve ser o elemento prioritário, deve-se levar em conta
o atendimento às suas necessidades para poder utilizar a tecnologia, e é preciso saber que tecnologia se
adapta ao semi-árido. Eu não sou contra a irrigação, ela é necessária, mas as grandes obras de irrigação
beneficiaram quem? [grifo nosso] As grandes empreiteiras, que têm um poder de pressão enorme para
construção de obras de irrigação. As mesmas que em outros momentos foram contratadas para a
construção de estradas na Amazônia, cujas manutenções eram inviáveis, e todo mundo sabia. (...)
Em segundo lugar, o que é que se observa no São Francisco? As grandes culturas irrigadas são culturas
de exportação para os grandes centros populacionais ou até para o exterior. Uma vez, em Petrolina, um
comerciante disse-me que estava exportando aspargos para a Espanha. Eu disse que era melhor que
tivesse produzindo milho ou sorgo para a população do Nordeste. Temos hoje vinhos da melhor
qualidade, que competem com os melhores vinhos europeus, produzidos no São Francisco. Mas será que
é essa a prioridade que deveria ser dada? [grifo nosso].
Acompanhei a implantação do Projeto Bebedouro. (...) Fiquei entusiasmado com o começo da
implantação, mas sei os percalços por que passou este projeto e, no fim, os grandes beneficiados não são
os agricultores da área, mas quem vem de fora, trazendo grandes capitais, conseguindo investimentos via
Sudene, para aplicar na área. Acho que deveria haver também uma preocupação em fixar a população da
área, evitar sua saída, até porque ela está congestionando as grandes cidades. E aí agravam-se os
problemas sanitários, educacionais, de segurança nas grandes cidades, devido à migração desordenada.
As cidades não têm capacidade de absorver uma mão-de-obra que é especializada em atividades
agrícolas, primárias.
Fonte: Elaborado com base em:
ANDRADE, Manuel Correia de. O Desafio Ecológico: utopia e realidade. São Paulo: Hucitec, 1994, p. 96-98.
Passadas cinco décadas da criação da primeira superintendência de desenvolvimento
regional, muita coisa mudou na região Nordeste e muita coisa também permaneceu praticamente
inalterada. O processo de industrialização intensificou-se e os parques fabris expandiram-se pelas
principais capitais da região, o setor terciário também foi impulsionado por esse crescimento. A
agropecuária experimentou progressos seletivos, como foi visto anteriormente. Por outro lado, a
73
tão sonhada reforma agrária jamais saiu do papel, fazendo com que os pequenos produtores
sobrevivam em condições realmente precárias.
A fala de Manuel Correia de Andrade não deixa nenhuma dúvida nesse sentido: enquanto
as modernas empresas agrícolas instalaram-se na região e aproveitaram as benesses do Estado,
milhares de famílias camponesas migraram para as periferias das cidades na tentativa de fugir da
fome e da miséria. Uma vez nas cidades, essas pessoas acabaram engrossando as estatísticas que
colocam o Nordeste em uma posição desconfortável em relação às demais regiões do país,
exibindo altos índices de mortalidade infantil e adulta, baixa esperança de vida ao nascer, elevadas
taxas de analfabetismo e evasão escolar e insignificante nível de renda da maior parte da
população.
A respeito desse último indicador sócio-econômico, ARAÚJO (1995, p. 147) destacou o
seguinte:
“No Nordeste, o crescimento econômico fez triplicar o PIB (de US$ 20,8
bilhões em 1970 atingiu US$ 65,3 bilhões em 1993, medidos a preços de 1993
pela SUDENE), enquanto o produto per capita apenas duplicou no mesmo
período (passou de US$ 740 para US$ 1.486). Esse já é um primeiro indicador
importante de que a elevação do padrão de vida não decorre linearmente do
mero crescimento econômico, embora seja ainda imperfeito, pois o PIB per
capita esconde um dos mais graves problemas do Nordeste: a forte
concentração da riqueza e, portanto, da renda regional.”
Esse triste panorama reflete-se ainda na posição ocupada pelos Estados nordestinos em
termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), indicador criado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida de uma determinada população. Com efeito,
todos os Estados nordestinos estão entre os piores IDH’s do Brasil, segundo dados do IPEA/PNUD,
2003, apud BRASIL (2006-a, p. 39). Observe os números: Pernambuco (0,705), Rio Grande do
Norte (0,705), Ceará (0,700), Acre (0,697), Bahia (0,688), Sergipe (0,682), Paraíba (0,661), Piauí
(0,656), Alagoas (0, 649) e Maranhão (0,636).
74
1.3 AS EXPERIÊNCIAS DE INTERPRETAÇÃO REGIONAL NA PARAÍBA E A POSIÇÃO OCUPADA
PELO BAIXO MAMANGUAPE
Antes de estabelecer algumas considerações acerca do tema proposto, faz-se necessário
entender o significado da palavra regionalização. Não obstante, do mesmo modo que o conceito de
região está relacionado a uma série de circunstâncias e particularidades, as formas de
regionalização também vão variar conforme a própria evolução do pensamento geográfico.
A regionalização nada mais é que a divisão de um território em unidades menores, com
finalidades que variam de acordo com os interesses e o propósito de cada pessoa, pesquisador ou
instituição. Para BERNARDES (s.d., p. 30), trata-se de um instrumento ou estratégia de ação para a
complementação de uma política de desenvolvimento regional e urbano, assim como para o
planejamento setorial, a descentralização administrativa ou qualquer outro tipo de intervenção em
um espaço territorial.
O geógrafo Pedro GEIGER (1969, p. 11) lembra ainda que o termo refere-se a um processo
tanto mais profundo e nítido quanto mais desenvolvido o país, e inexistente ou inexpressivo nos
territórios mais subdesenvolvidos, onde permanecem diferenciações tradicionais do espaço.
Vale ressaltar que as regiões fluídas, identificadas por Armand Frèmont, encaixam-se
perfeitamente neste último quadro. Segundo ele, nos espaços “inóspitos” do globo (determinados
trechos da Amazônia, parte considerável do deserto do Saara, algumas colinas e planaltos do
interior da Indochina, confins da Sibéria e do Pólo Ártico), a natureza parece apagar a presença dos
homens e a região torna-se de tal modo fluída. Em outras palavras, a região existe de fato, mas
com certa fluidez. Fluidez quer dizer o caráter daquilo que, como um líquido, é facilmente
deformável, móvel e cambiante e, deste modo, bastante difícil de captar. As constantes migrações
dos povos que habitam essas áreas, associadas ao baixo nível técnico apresentado por eles,
dificultam a delimitação precisa das regiões humanas (FRÈMONT, 1983, p. 170 seq.).
No caso do Estado da Paraíba, pode-se observar que as primeiras tentativas de repartição do
território (termo mais apropriado que regionalização) foram elaboradas no final do século XIX a
partir da noção de região natural, conceito prevalecente no meio geográfico de então. Em virtude
das condições operacionais vivenciadas na época – distâncias, isolamento geográfico, precariedade
dos meios de transporte e comunicação e ausência de recursos técnicos – esses trabalhos
apresentam algumas lacunas, algumas imperfeições. No entanto, eles servem de ponto de partida
para estudos mais aprofundados e mais detalhados sobre o mosaico de paisagens naturais e
humanas que compõem o território paraibano.
De acordo com MOREIRA (1988, p. 11), no ano de 1861 o Tenente-Coronel Henrique de
Beaurepaire Rohan baseou-se na cobertura vegetal e no relevo para dividir o território paraibano
em três grandes zonas: o domínio das Matas, das Caatingas e dos Tabuleiros; o domínio do
75
planalto da Borborema (área de ocorrência das cactáceas e das bromeliáceas); e o domínio do
Sertão (área de maior concentração das cactáceas e dos carnaubais).
Três décadas após a realização desse estudo, o magistrado Irenêo Joffily sugeriu uma nova
divisão do território, baseada nas características da cobertura vegetal dominante em cada secção.
Neste trabalho ele relacionou, ainda que de forma sinótica, a distribuição da flora às condições
climáticas e edáficas e destacou algumas intervenções feitas pelo homem nesses ambientes
(Quadro 7 e Mapa 8).
QUADRO 7 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1892
(SEGUNDO A DISTRIBUIÇÃO DA FLORA)
Secções
Espécies Vegetais
Litoral e
Tabuleiros
Coqueirais (praias arenosas), manguezais
(embocadura dos rios até o limite das mares
altas), jatobá, cedro, angelim, sucupira, pau
d’arco, pau brasil, louro, mangabeira,
cajueiro, etc.
Caatingas
(Zona Seca)
Flora adquire características das zonas
contíguas (Litoral, Brejo e Sertão).
Brejos
Massaranduba, camucá, pirauá, pitombeira,
guararema, jurema, gameleira, jaracatiá, etc.
Agreste
Vegetação rasteira, jaboticaba, araçá, murta,
quina, etc.
Sertão
Cariri:
Facheiro, mandacaru, macambira, coroa de
frade, umbuzeiro, angico, catingueira,
baraúna, aroeira, etc.
Alto Sertão:
Vegetação rasteira (campos abertos),
carnaúba, oiticica, faveleiro, catolé, etc.
Observações
Extração de madeira para a construção
de casas e para a produção de
combustível.
As formações florestais encontram-se
bastante destruídas pela ação do
homem.
Terrenos mais férteis (argilosos),
bastante aproveitados para a agricultura.
Destaque para a cotonicultura e para a
criação de animais.
Terrenos mais elevados e acidentados.
Clima mais ameno e solos que exibem
elevada fertilidade natural.
Processo gradativo de substituição das
matas pelos roçados.
Faixa de terra localizada ao ocidente
dos brejos.
Destaque para a criação de animais e
para a agricultura.
Plantas usadas na alimentação dos
animais e na alimentação humana
(períodos de secas prolongadas).
Fonte: Elaborado com base em:
JOFFILY, Irenêo. Notas Sobre a Parahyba. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio, 1892, p. 43 seq.
Apesar de meramente descritivo, Joffily demonstrou neste trabalho certo domínio ao
apresentar as paisagens naturais encontradas em cada porção do território. Na verdade, os seus
conhecimentos no campo da Botânica e da História Natural foram adquiridos no colégio do padre
Ignácio Rolim, localizado na cidade de Cajazeiras, entre os anos de 1856 e 1857. Além disso, as
incursões realizadas pelo interior da Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará também ajudaram a
formar a base da sua regionalização.
Ao longo da primeira metade do século XX outras tentativas de regionalização foram
elaboradas para o Estado da Paraíba, todas seguindo as mesmas características dos trabalhos
mencionados anteriormente. Dentre elas, convém destacar a divisão do território em zonas
76
fisiográficas, proposta elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística no ano de 1945
(Mapa 9). Em síntese, as zonas fisiográficas constituíam unidades espaciais menores inseridas no
contexto das grandes regiões naturais e eram formadas por municípios que apresentavam
semelhanças sociais e econômicas. Essa divisão serviu de base para a coleta e publicação dos
dados estatísticos dos Censos de 1950 e 1960. Além disso, ela foi importante para fornecer
conteúdos para o ensino da Geografia ministrado em diversos níveis, bem como para nortear as
ações do poder público em diversas escalas.
Por fim, deve-se ressaltar que a própria composição do Mapa 9 (Divisão do Território
Paraibano em Zonas Fisiográficas) assinalou uma evolução em termos de conceituação,
metodologia e delimitação das unidades espaciais. Com efeito, os progressos observados no campo
da Geografia e da Cartografia contribuíram de maneira decisiva para a representação espacial das
distintas zonas fisiográficas que integram o território paraibano. Segundo o estudo elaborado pelo
IBGE, a Paraíba foi dividida em 8 zonas fisiográficas: Litoral e Mata, Agreste e Caatinga
Litorânea, Brejo, Agreste e Caatinga Central, Médio Sertão dos Cariris Velhos, Seridó, Baixo
Sertão do Piranhas e Alto Sertão (Mapa 9).
A partir da década de 1960, novas formas de regionalização foram desenvolvidas para o
Estado em questão. Em 1965, por exemplo, Bernard Issler repartiu o território estadual em 5
grandes unidades (Litoral, Depressão, Brejos Serranos, Borborema e Sertão), dentro das quais
destacavam-se 12 subunidades, a saber: Praias, Tabuleiros, Planícies, Brejo, Serras, Agreste,
Cariris do Paraíba, Curimataú, Cariris de Princesa, Sertão do Seridó, Baixo Sertão do Piranhas e
Alto Sertão (Mapa 10). Essa divisão levou em consideração alguns componentes do meio natural
(relevo dominante, presença de rios, tipos de solos, etc.). Entretanto, as principais formas de uso da
terra também foram consideradas como critério para a delimitação das respectivas unidades e
subunidades espaciais, conforme apontou MOREIRA (1988, p. 16-17).
Vale lembrar que as décadas de 1960 e 1970 vão ser marcadas pela retomada das discussões
acerca do processo de regionalização em todo o território nacional, tendo o IBGE e a SUDENE
papéis de destaque na elaboração desses estudos. Sobre esse aspecto, DUARTE (1980, p. 9)
esclarece que duas características podem ser delineadas nessa fase. Uma refere-se à relação entre
os conceitos de região e regionalização e o planejamento regional. Esta foi a época dos “modelos
desenvolvimentistas”, sobretudo na América Latina, e os geógrafos na condição de técnicos do
planejamento regional, produziram estudos sobre regionalização voltados para o desenvolvimento
econômico. A outra é que o espaço geográfico passou, para fins de regionalização, a ser analisado
dualisticamente em regiões homogêneas (formais ou uniformes) e regiões funcionais urbanas
(polarizadas ou nodais).
Ainda de acordo com o autor, as regiões funcionais foram privilegiadas como a base para a
operacionalização das estratégias para se alcançar o desenvolvimento. Com isso, nos países ou nas
77
áreas mais desenvolvidas técnica e economicamente, procurar-se-ia planejar através delas. Já nos
países ou nas áreas menos desenvolvidas, as regiões homogêneas representavam a base espacial
mais apropriada para o planejamento regional (DUARTE, op. Cit., p. 15). As mesmas seriam
caracterizadas a partir da identificação das formas de povoamento, das atividades econômicas
dominantes e dos principais produtos cultivados (GEIGER, op. Cit., p. 5).
Com base nesses critérios, em 1968 o IBGE dividiu o Brasil em 360 regiões homogêneas
(microrregiões homogêneas), 127 delas localizadas na região Nordeste. Na ocasião, o território
paraibano foi dividido em 12 microrregiões, a saber: Catolé do Rocha (89), Seridó Paraibano (90),
Curimataú (91), Piemonte da Borborema (92), Litoral Paraibano (93), Sertão de Cajazeiras (94),
Depressão do Alto Piranhas (95), Cariris Velhos (96), Agreste da Borborema (97), Brejo Paraibano
(98), Agro-pastoril do Baixo Paraíba (99) e Serra do Teixeira (100) (Mapa 11).
No que se refere à regionalização do espaço agrário paraibano, uma série de trabalhos
foram desenvolvidos por importantes pesquisadores, em sua maioria nas décadas de 1970 e 1980.
O Quadro 8, exposto logo a seguir, apresenta um breve resumo dos mesmos.
Como o propósito desse estudo não é realizar uma análise exaustiva das formas de
regionalização, serão destacados apenas alguns pontos relevantes desse processo, na intenção de
que se possa compreender a dinâmica da organização do espaço agrário a partir da visão de vários
especialistas do assunto.
Em primeiro lugar, todos os trabalhos, à exceção daquele produzido por José Ferreira
Irmão, correlacionaram as atividades econômicas de uso da terra aos principais elementos naturais
(fatores climáticos, tipologias de solo, características do relevo, disponibilidade de água). Na
verdade, o entendimento desses mecanismos contribui para uma visão mais abrangente do
processo de organização espacial. Entretanto, alguns cuidados devem ser tomados a fim de que não
se tire conclusões embasadas em premissas deterministas.
Dentre os trabalhos de regionalização, o da professora e pesquisadora Emília de Rodat
Fernandes Moreira apresenta importantes aspectos do processo de transformação recente do espaço
agrário paraibano. Assim sendo, para a identificação dos diferentes subespaços, denominados por
ela de regiões agrárias, a mesma tomou como referência as formas de organização da produção,
que por sua vez passaram a ser definidas pela combinação de diferentes variáveis: modalidades de
uso da terra, características da estrutura fundiária, distribuição espacial da população rural,
relações de trabalho e emprego de tecnologia. O resultado dessas pesquisas apontou, em 1970, a
existência de 13 regiões agrárias, conforme podem ser observadas no Mapa 12.
78
QUADRO 8 – AS REGIONALIZAÇÕES DO ESPAÇO AGRÁRIO PARAIBANO
Regionalizações
Divisões do Território
Metodologias e/ou Critérios
Utilizados
I – Litoral:
Praia – Zona do coqueiro.
Várzea – Zona da cana-de-açúcar.
As Zonas
Caatinga Litorânea – Zona do algodão de fibra curta.
Determinação das regiões de
Agrícolas da
Arisco – Zona da mandioca.
cultura (zonas de cultura) a
Paraíba – 1923
Tabuleiro – Zona da mangaba e do batiputá.
partir do reconhecimento dos
II – Serra:
aspectos físicos (formas do
(Segundo a
Brejo – Zona do café e do fumo.
terreno, modalidades do clima
Inspetoria
Caatinga Serrana – Zona do algodão e da criação.
e composições geológicas).
Agrícola
Agreste – Zona da batata americana e do fumo.
Estadual)
III – Sertão:
Caatinga Sertaneja – Zona exclusiva da criação.
Várzea – Zona do algodão de fibra longa.
ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e Seus Problemas. Brasília: Senado Federal, 4ª edição, 1994, p. 566.
1) Região latifundiária de fraca ocupação do solo.
2) Região canavieira.
3) Região de pecuária de corte e de policultura diversificada.
4) Região canavieira-policultora do Brejo Paraibano.
5) Região minifundiária policultora do Agreste de Esperança.
6) Região de pecuária leiteira do Agreste Meridional.
As Regiões
Compartimentação do territó7) Região de policultura industrial e de pecuária extensiva.
Agrárias da
Paraíba – 1970 8) Região pecuarista-cotonicultora de muito baixa ocupação rio em regiões agrárias, a
partir da análise das formas de
populacional.
(Segundo Emília
organização da produção.
9)
Região
de
policultura
diversificada
e
de
pecuária
de
médio
de Rodat F.
porte.
Moreira)
10) Região cotonicultora de Patos.
11) Região serrana de fraca atividade policultora alimentar.
12) Região serrana de fraca atividade policultora.
13) Região do gado-algodão-policultura alimentar tradicional
e diversificada.
MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João
Pessoa: Gaplan, 1988, p. 22.
1) Região do gado-algodão-policultura alimentar.
As Regiões
Compartimentação do territó2) Região do gado e da policultura mista.
Agrárias da
rio em regiões agrárias, a
3)
Região
do
gado
e
da
policultura.
Paraíba – 1973
partir da análise dos sistemas
4) Região canavieira.
(Segundo José
de produção.
5) Região do algodão e da produção de alimentos.
Ferreira Irmão) 6) Região das serras úmidas.
MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João
Pessoa: Gaplan, 1988, p. 29.
As Regiões
Agrárias da
Paraíba – 1978
1) Área do sistema canavieiro.
2) Área do sistema gado-policultura (Agreste).
3) Área do sistema gado-algodão (Sertão).
Divisão do território a partir
da identificação e caracterização dos sistemas/subsistemas
de uso dos recursos.
1) Área do subsistema gado-sisal.
2) Área do subsistema gado-policultura alimentar tradicional.
3) Área do subsistema gado-fruticultura.
4) Área do subsistema gado-algodão.
Divisão do território a partir
da identificação e caracterização dos sistemas/subsistemas
de uso dos recursos.
(Segundo Mário
L. de Melo)
MELO, Mário Lacerda de. Regionalização Agrária do Nordeste. Recife: SUDENE, 1978, p. 16-17; 133 seq.
Os Espaços
Agrários do
Sertão da
Paraíba – 1982
(Segundo
Marlene M. da
Silva e Diva M.
de A. Lima)
SILVA, Marlene Maria da e LIMA, Diva Medeiros de Andrade. Sertão Norte: área do sistema gado-algodão. Recife:
SUDENE, 1982, p. 259 seq.
Organizado pelo autor.
(SEGUNDO AS MICRORREGIÕES HOMOGÊNEAS)
Fonte: Adaptados de: MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João Pessoa: Gaplan, 1988, p. 14 seq.
MAPA 11 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1968
MAPA 10 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1965
(SEGUNDO AS ZONAS FISIOGRÁFICAS)
(SEGUNDO A DISTRIBUIÇÃO DA FLORA)
(SEGUNDO OS LIMITES NATURAIS E AS FORMAS DE USO DA TERRA)
MAPA 9 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1945
MAPA 8 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1892
79
80
MAPA 12 – DIVISÃO DO TERRITÓRIO PARAIBANO EM 1970
(SEGUNDO AS REGIÕES AGRÁRIAS)
Fonte: Adaptado de:
MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Mesorregiões e Microrregiões da Paraíba: delimitação e caracterização. João
Pessoa: Gaplan, 1988, p. 23.
Em uma outra escala de observação, encontra-se o trabalho produzido por José Ferreira
Irmão, trabalho este que se propôs a regionalizar o Nordeste rural com base no sistema de
produção, unidade de análise resultante da combinação de vários indicadores essencialmente
quantitativos relativos ao valor da produção, à área cultivada e à utilização do trabalho. A partir
desse estudo, o Nordeste foi dividido em 17 regiões agrárias, das quais 6 localizavam-se na Paraíba
(MOREIRA, 1988, p. 29).
Seguindo essa mesma escala de observação, estão os trabalhos produzidos pelos geógrafos
Mário Lacerda de Melo (Regionalização Agrária do Nordeste), Marlene Maria da Silva e Diva
Medeiros de Andrade Lima (Sertão Norte: área do sistema gado-algodão), trabalhos esses
desenvolvidos no Departamento de Ciências Geográficas da Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE) através de um convênio estabelecido com a Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE), órgão que ficou responsável pelo financiamento das pesquisas e pela
publicação dos resultados obtidos.
81
De acordo com a regionalização proposta pelas autoras, o Sertão paraibano foi dividido em
4 subsistemas agrários. Já a regionalização feita por Mário Lacerda de Melo destacou 3 grandes
regiões agrárias no Estado. Não obstante, esses trabalhos objetivavam regionalizar amplas áreas da
superfície macrorregional a partir da identificação e da caracterização dos sistemas/subsistemas de
uso dos recursos. Eles buscavam ainda compreender os mecanismos e os processos responsáveis
pelas diferentes formas de organização do espaço, bem como os fatores que concorriam para
explicar as causas do subdesenvolvimento regional.
De posse das informações apresentadas até aqui, foi possível destacar a posição ocupada
pela região do Baixo Mamanguape, objeto dessa pesquisa, tomando como base os critérios
utilizados por cada pesquisador e/ou instituição para a regionalização do Estado da Paraíba.
Assim posto, na regionalização feita por Beaurepaire Rohan no ano de 1861, o Baixo
Mamanguape estava inserido na zona de domínio das Matas e dos Tabuleiros. Situação semelhante
pode ser observada no trabalho desenvolvido por Irenêo Joffily em 1892. Segundo a sua divisão, o
Baixo Mamanguape enquadrava-se na secção Litoral e Tabuleiros, área de ocorrência dos
coqueirais das praias arenosas, dos manguezais dos estuários e das matas que cobriam os
interflúvios. Nesse trabalho, inclusive, o autor já destacava o processo de transformação dessas
formações vegetais pela ação antrópica (Quadro 7 e Mapa 8).
Na divisão elaborada pelo IBGE em 1945 (primeira divisão oficial do território paraibano),
o Baixo Mamanguape integrava a zona fisiográfica do Litoral e Mata. Conforme foi visto
anteriormente, em 1968 o IBGE substituiu as zonas fisiográficas pelas microrregiões homogêneas.
A partir dessa nova regionalização o Baixo Mamanguape passou a integrar a microrregião
homogênea 93, doravante denominada Litoral Paraibano. Observe os Mapas 9 e 11.
Em termos de nomenclatura, a divisão feita por Bernard Issler no ano de 1965 não
apresentou grandes diferenças em relação aos trabalhos apontados até agora. No entanto, o autor
destacou em seu mapa as três subunidades espaciais presentes no Litoral: as praias, os tabuleiros e
as planícies aluviais, entre elas, a do rio Mamanguape (baixo vale) (Mapa 10). Vale lembrar ainda
que tanto a sua regionalização quanto aquela feita pelo IBGE em 1968, deram grande ênfase as
formas de ocupação do espaço e as atividades econômicas de uso da terra, demonstrando, com
isso, a própria evolução do conhecimento geográfico.
No que concerne às regionalizações do espaço agrário, pode-se destacar um trabalho
pioneiro desenvolvido no início da década de 1920 pela Inspetoria Agrícola do Estado. Naquela
oportunidade o território da Paraíba foi repartido em 3 grandes porções, dentro das quais foram
classificadas várias zonas de cultivo. Observe que, no Litoral, os técnicos identificaram a zona do
coqueiro (praia), a zona da cana-de-açúcar (várzea), a zona da mandioca (arisco) e a zona da
mangaba e do batiputá (tabuleiro) (Quadro 8).
82
De acordo com a regionalização elaborada pela professora Emília de Rodat Fernandes
Moreira, o Litoral Paraibano apresentava, em 1970, as seguintes regiões agrárias: uma região
latifundiária de fraca ocupação do solo, uma região canavieira e uma região de pecuária de corte e
de policultura diversificada (Mapa 12). Com efeito, dos 3 municípios que integravam o Baixo
Mamanguape naquele momento, apenas Mamanguape foi classificado como uma área
tradicionalmente produtora de cana-de-açúcar. Rio Tinto e Baía da Traição foram enquadrados no
domínio da região latifundiária de fraca ocupação do solo. Torna-se oportuno esclarecer que a
compreensão desses cenários possibilitará o entendimento da dinâmica espacial do Litoral e, em
particular, da região do Baixo Mamanguape, uma vez que toda a paisagem sofrerá profundas
modificações no último quartel do século XX, a partir do advento do Programa Nacional do Álcool
(PROÁLCOOL).
Por fim, a regionalização produzida por José Ferreira Irmão, em 1973, considerava a
existência de 2 regiões agrárias no Litoral da Paraíba: uma canavieira e a outra dominada pela
associação gado-policultura. Já a regionalização concebida pelo geógrafo Mário Lacerda de Melo
entendia o Litoral apenas como uma área de domínio da monocultura da cana-de-açúcar. Assim
sendo, tanto na primeira quanto na segunda, o Baixo Mamanguape vai se enquadrar como uma
região tipicamente canavieira (Quadro 8).
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE
84
CAPÍTULO 2
CARACTERIZAÇÃO GEOGRÁFICA DA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE
“O geógrafo segue o conselho dado pelo pintor Paul Klee a um de seus
alunos: aprendemos, desta maneira, a olhar para além das
aparências, a fim de alcançar a raiz das coisas.”
DOLFUS, Olivier. L’Analyse Géographique.
2.1 SITUAÇÃO E LOCALIZAÇÃO
Antes de apresentar uma descrição sobre os aspectos físicos da região do Baixo
Mamanguape, objeto desse estudo, torna-se prudente esclarecer que o conhecimento geográfico
não pode ser visto apenas como um mero estudo descritivo dos locais, isoladamente considerado.
Olivier DOLFUS (1973, p. 18) lembra que Paul Vidal de La Blache, precursor da escola
geográfica francesa no final do século XIX, definia essa disciplina como sendo a “ciência dos
locais”. A sua intenção, contudo, não era restringir a contribuição da Geografia apenas a este
conhecimento, uma vez que pretendia salientar a importância dos problemas de localização para a
análise geográfica4. Atualmente, esses problemas ganham um relevo ainda maior, tendo em vista
os avanços técnicos e científicos colocados à disposição de alguns agentes sociais, econômicos e
políticos que comandam a dinâmica da organização espacial em diversas partes do mundo.
Observe, por exemplo, as disputas envolvendo a localização das reservas petrolíferas, a
(re)localização dos parques fabris, os territórios fornecedores de produtos primários, a
disseminação dos resorts turísticos pelas áreas tropicais do planeta, etc.
Ainda de acordo com esse autor, cada um dos pontos do espaço geográfico está localizado
na superfície terrestre (daí a noção de espaço localizável e diferenciado). Define-se, portanto, por
suas coordenadas, por sua altitude, assim como por seu sítio – o qual é como que o seu receptáculo
– e por sua posição. Este último aspecto evolui de acordo com as relações estabelecidas, levando
em conta outros pontos e outros espaços. Sendo um espaço localizável, o espaço geográfico é
susceptível de ser representado cartograficamente (DOLFUS, 1978, p. 7).
Assim sendo, com o propósito de facilitar a compreensão dos agentes físicos (naturais) e
sociais que interagem no conjunto regional denominado Baixo Mamanguape, várias representações
cartográficas – mapas, perfis longitudinais do relevo, imagens de satélites – serão expostas e
analisadas ao longo dos textos dos capítulos desse trabalho.
4
A importância dos estudos de localização estratégica ficou evidente no momento de eclosão da guerra francoprussiana (1870). Terminada a guerra, a França havia perdido para a Prússia os territórios da Alsácia e Lorena,
territórios esses vitais para a sua industrialização uma vez que neles encontravam-se as principais reservas carboníferas
(MORAES, 1990, p. 63).
85
O Estado da Paraíba está localizado na parte mais oriental do Nordeste do Brasil, entre as
coordenadas geográficas de 6º 02’ 12” e 8º 19’ 18” de latitude sul e 34º 45’ 54” e 38º 45’ 45” de
longitude oeste. Na porção setentrional limita-se com o Estado do Rio Grande do Norte, na
meridional com o Estado de Pernambuco, na ocidental com o Estado do Ceará e na oriental com o
oceano Atlântico (Mapa 13).
MAPA 13 – A PARAÍBA NO NORDESTE DO BRASIL
Fonte: Adaptado de:
RODRIGUEZ, Janete Lins (Coordenadora). Atlas Escolar da Paraíba: espaço geohistórico e cultural. João Pessoa: Grafset, 3ª edição, 2002, p. 11.
Consoante MOREIRA (1985, p. 12), o território paraibano exibe uma forma alongada no
sentido leste-oeste, marcada por duas saliências (a da região de Catolé do Rocha, a noroeste, e a do
platô dos Cariris Velhos na porção centro-sul) e por duas vastas reentrâncias nas proximidades do
meridiano de Patos, representadas, ao norte, pelas bacias dos rios Seridó e Espinharas e, ao sul,
pelo alto vale do rio Pajeú, já em território pernambucano.
A Paraíba possui uma área de 56.439,838 km², o que corresponde a 0,66% da superfície do
Brasil e 3,6% da superfície da macrorregião Nordeste. Seu território está dividido em 4
mesorregiões (Zona da Mata, Agreste, Borborema e Sertão) e 23 microrregiões geográficas,
totalizando 223 municípios e 278 distritos.
86
O Estado apresenta ainda grande diversidade paisagística, favorecida, sobretudo, pela ação
de cinco elementos que se diferenciam e se articulam, a saber: os climas, os solos, a
geomorfologia, a vegetação e as formas de ocupação humana e uso do solo. Neste último caso,
observa-se que a história da ocupação territorial e do uso do solo no Estado, assim como as
tendências atuais de dinâmica econômica, cultural e social, levaram à criação de um notável
mosaico de paisagens, fato que pode ser comprovado na própria organização do espaço. Esta
diversidade foi expressa, esquematicamente, por denominações regionais como Litoral, Agreste,
Borborema e Sertão, embora a heterogeneidade seja muito mais ampla no momento em que se
detalha a escala de observação. É o caso, por exemplo, do Litoral, onde estuários, tabuleiros
costeiros, praias e restingas representam cada qual unidades paisagísticas individualizadas,
conforme será abordado na próxima seção.
A região do Baixo Mamanguape está inserida territorialmente na zona fisiográfica do
Litoral, também conhecida como mesorregião da Mata Paraibana ou mesorregião Canavieira da
Paraíba (MOREIRA, 1988, p. 31-32). Com 5.231 km² (9,3% do território paraibano), a mesorregião
da Mata Paraibana corresponde ao menor compartimento mesorregional, limitando-se ao norte
com o Estado do Rio Grande do Norte, ao sul com o Estado de Pernambuco, a oeste com a
mesorregião do Agreste Paraibano e a leste com o oceano Atlântico (Mapa 14).
MAPA 14 – MESORREGIÃO DA MATA PARAIBANA E MICRORREGIÕES
Fonte: Adaptado de:
RODRIGUEZ, Janete Lins (Coordenadora). Atlas Escolar da Paraíba: espaço geo-histórico e cultural. João Pessoa:
Grafset, 3ª edição, 2002, p. 15.
87
Apesar da diminuta extensão territorial, a Zona da Mata abriga a maior concentração
populacional e exibe a maior densidade demográfica do Estado. De acordo com o Censo
Demográfico, 1.193,459 habitantes estão distribuídos de maneira irregular em 30 municípios, o que
corresponde a mais de 228 hab/km² (IBGE, 2000). A microrregião de João Pessoa abriga o maior
efetivo populacional de todo o Litoral da Paraíba, com destaque para a capital do Estado.
O baixo curso do rio Mamanguape drena áreas de quatro municípios que integram a
microrregião do Litoral Norte – Mamanguape, Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição (Mapa 14),
perfazendo uma superfície de 640 km², aproximadamente. Suas coordenadas geográficas são as
seguintes: 6º 41’ 28” e 6º 52’ 18” de latitude sul e 34º 52’ 30” e 35º 08’ 41” de longitude oeste
(SILVA, 1995, p. 15).
88
2.2 O QUADRO NATURAL
2.2.1 AS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS
O clima pode ser considerado um dos mais importantes elementos naturais, sendo
responsável direta ou indiretamente pelas modificações observadas no arcabouço físico do planeta
(formação, composição e textura dos solos; morfologia e dinâmica do relevo; comportamento e
distribuição das massas líquidas superficiais e de sub-superfície, etc.). Ele é também fator
determinante, ou melhor, condicionante das diferentes formas ou manifestações de vida
encontradas na superfície da Terra, desde os organismos mais simples e comunidades mais
primitivas, até as modernas aglomerações humanas dotadas de grande poder transformador dos
espaços.
Não obstante, essas modificações do ambiente original provocadas pelas atividades
antrópicas, notadamente a expansão dos campos de cultivo de alimentos e de criação de animais e
o crescimento da urbanização e da industrialização, repercutem sobre o equilíbrio climático em
diversas escalas (macro, meso e micro), desencadeando prejuízos econômicos, sociais e ambientais
muitas vezes irreversíveis.
Segundo a clássica definição do geógrafo francês Maximilien Sorre, o clima pode ser
entendido como a sucessão habitual de alguns aspectos do tempo (estados da atmosfera) que se
manifestam em uma dada porção do espaço. Por seu turno, cada tempo define-se por uma
combinação de propriedades a que chamamos elementos do clima: pressão, temperatura,
precipitação, umidade, insolação, nebulosidade, ventos, entre outros (SORRE, 1984-b, p. 32).
O biólogo inglês Henry Art amplia de maneira tímida esse conceito ao acrescentar que o
clima é o conjunto de fenômenos do tempo que ocorrem em um lugar ou em uma região por um
número extenso de anos, levando em consideração a topografia e a proximidade dos oceanos ou
correntes oceânicas (ART, 1998, p. 102).
Como se pôde perceber, apesar de apresentarem certa “analogia”, tempo e clima não
significam a mesma coisa. CONTI e FURLAN (2000, p. 79) lembram que, enquanto o primeiro
corresponde a uma situação transitória da atmosfera, com mudanças diárias e até horárias, o
segundo define-se por padrões estabelecidos após trinta anos de observações, apresentando, no
mínimo, um perfil relativamente estável. Por isso mesmo é fácil detectar modificações no tempo,
porém, difícil demonstrar alterações no clima, principalmente em escala global. Em outras
palavras, nem mesmo as modernas ciências do clima (a meteorologia e a climatologia) conseguem
enxergar com certo grau de clareza os efeitos negativos advindos das transformações
empreendidas pelo homem sobre os ecossistemas do planeta.
Para a compreensão dos fenômenos atmosféricos que individualizam o Litoral Oriental do
Nordeste e, em particular, o Litoral do Estado da Paraíba, torna-se necessário apresentar de
89
maneira sucinta, pois a intenção desse estudo não é realizar uma análise exaustiva das
características bioclimáticas, a principal marca do território brasileiro: a tropicalidade.
Não seria nenhum exagero afirmar que o Brasil é um país-continente, uma vez que o seu
território exibe uma grande dimensão (mais de 8,5 milhões de km²), alongando-se tanto na direção
norte-sul, quanto na direção leste-oeste. Tal característica vai ser responsável pela ocorrência de
três domínios climáticos (equatorial, tropical e sub-tropical) e pelas respectivas massas de ar que
atuam em cada porção desse território.
A maior parte das terras brasileiras encontra-se inserida na zona tropical do planeta, o que
lhe confere temperatura e umidade elevadas e chuvas abundantes e bem distribuídas ao longo do
ano. Esses dois últimos elementos (umidade e precipitação), por seu turno, deixam de ser
expressivos apenas na zona dominada pelo clima tropical semi-árido (BSh), presente em boa parte
do interior do Nordeste.
O quadro exposto a seguir aponta cinco características do ambiente tropical e suas
repercussões sobre o território brasileiro.
QUADRO 9 – AS CARACTERÍSTICAS DA ZONA INTERTROPICAL E O PAPEL
DESEMPENHADO SOBRE O ESPAÇO BRASILEIRO
Características
Papel no Espaço Brasileiro
1. Temperaturas médias superiores a 18ºC e
diferenças sazonais marcadas pelo regime de Ocorre em 95% do território.
chuvas.
Registra-se desde o extremo norte até o
2. Amplitude térmica anual inferior a 6ºC
paralelo de 20º de latitude sul, aproximada(isotermia).
mente.
3. Circulação atmosférica controlada pela Afeta quase todo o espaço do nosso país,
ZCIT, baixas pressões equatoriais (doldrums), exceto ao sul do trópico de Capricórnio e
alísios e altas pressões subtropicais.
onde a ação da frente polar é mais relevante.
Embora os desertos quentes estejam
4. Cobertura vegetal que vai do deserto quente ausentes, a floresta ombrófila e as savanas
cobriam 94% do território brasileiro origià floresta ombrófila, passando pela savana.
nalmente*.
É o que se verifica em todas as bacias
5. Regimes fluviais controlados pelo comporta- hidrográficas, com exceção da Amazônia,
mento da precipitação.
onde alguns afluentes dependem da fusão
das neves andinas.
* Apenas 5,63% eram ocupados por formações não-tropicais: araucárias e campos meridionais.
Fonte: Adaptado de:
CONTI, José Bueno e FURLAN, Sueli Angelo. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS,
Jurandyr Luciano Sanches (Org.) Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 3ª edição, 2000, p. 102.
Todas as marcas da tropicalidade exibidas anteriormente podem ser facilmente
identificadas na região escolhida para o desenvolvimento desta pesquisa, conforme passaremos a
discutir nesta e em outras seções do capítulo em apreço.
A região do Baixo Mamanguape localiza-se ao norte do Litoral da Paraíba e de acordo com
a classificação proposta pelo alemão Wilhelm Köppen, baseada na distribuição sazonal da
precipitação e nas características adicionais de temperatura, encontra-se sob influência do clima
90
As’. Esta nomenclatura indica a presença de um clima tropical chuvoso, quente e úmido, cujas
máximas pluviométricas têm início na estação do outono (março a junho), intensificando-se até
agosto, mês que antecede o fim do inverno no hemisfério sul.
Para ANDRADE (1977, p. 12), trata-se de um clima “pseudo-tropical” da costa nordestina,
devido à posição anômala da estação chuvosa, ou seja, com chuvas concentradas no outonoinverno e não no verão, como é característico dos climas tropicais (Aw e Aw’)5.
É prudente destacar que, nos climas tropicais chuvosos, a precipitação pluvial anual é
sempre superior a evapotranspiração anual (AYOADE, 2002, p. 233), fato que contribui para
promover um excedente hídrico. As temperaturas médias ultrapassam 20ºC e freqüentemente estão
acima de 25ºC, com pequena variação anual (inferior a 6ºC), fenômeno denominado de isotermia
(CONTI e FURLAN, op. Cit., p. 100). Observe a Tabela 1.
Ao analisar os dados das três principais estações meteorológicas do Litoral paraibano,
localizadas nos municípios de Mamanguape, Mataraca e João Pessoa, pode-se traçar um perfil
climático com algumas particularidades. Apesar da proximidade entre elas, denunciada através das
coordenadas geográficas, alguns indicadores atmosféricos como a pluviosidade e o balanço hídrico
ostentam certa discrepância.
A Pluviometria
De acordo com os dados apresentados na tabela, em 1981 a região do Baixo Mamanguape
apresentou uma pluviometria média anual de 1.557,0 mm, índice superior à média histórica de
1.467,0 mm/anuais correspondente aos decênios 1910-1980 (BRASIL/MINTER/SUDENE, 1973, p.
8-9; FAUSTINO NETO et al., 1981, p. 569). Dados
mais
recentes,
relacionados
ao
triênio
2003/2004/2005, apontam uma distribuição espacial da precipitação ora superior, ora inferior à
média histórica. Vale ressaltar que os números coletados referem-se ao período mais chuvoso do
ano, ou seja, os meses de abril a julho (Tabela 2).
Dentre os municípios supracitados, apenas o de João Pessoa exibiu precipitação acima da
média histórica em todos os anos pesquisados, com destaque para 2004, cujo valor atingiu 1.391,9
mm (desvio positivo de 307,2 mm).
Os municípios localizados no Litoral Norte do Estado apresentaram comportamentos
semelhantes: em 2003, Mataraca e Mamanguape tiveram um outono-inverno atípico. Enquanto o
primeiro registrou um índice de 716,6 mm (236,4 mm abaixo da média histórica para o período), o
segundo registrou apenas 617,2 mm (desvio negativo de 251,6 mm); no ano de 2004 observou-se
um período bastante chuvoso em todo o Litoral da Paraíba. Em Mataraca, foram assinalados
1.235,0 mm (desvio positivo de 282,0 mm) e, em Mamanguape, 1.101,1 mm (desvio positivo de
5
A nomenclatura Aw representa o clima tropical propriamente dito: quente e úmido com chuvas de verão. Já o termo
Aw’ indica a presença do clima tropical quente e úmido com chuvas de verão-outono (variação regional do Aw)
(ANDRADE, 1977, p. 12).
91
232,3 mm); em 2005 as chuvas estiveram abaixo da média em Mataraca e ligeiramente acima da
média em Mamanguape.
Regra geral, a pluviosidade no Litoral decresce de leste para oeste, conforme demonstra o
comportamento das isoietas (Mapa 15). Os postos meteorológicos de Mamanguape, Mataraca e
João Pessoa apresentam longitudes decrescentes – 35º 07’ w, 35º 03’ w e 34º 52’ w,
respectivamente. Teoricamente, este fato explicaria por si a diferença entre o maior índice que
seria registrado em João Pessoa e o menor registrado em Mamanguape.
No entanto, ao observar as séries estatísticas expostas nas Tabelas 1 e 2 percebe-se
claramente as vicissitudes do clima: em 1981 o posto de João Pessoa registrou uma precipitação
bem inferior àquela registrada no posto de Mataraca (1.728,0 contra 1.870,0 mm/anuais). No
período de abril a julho de 2005, o posto de Mataraca assinalou uma precipitação ligeiramente
inferior àquela notificada em Mamanguape.
Uma análise mais acurada desses dados chama a atenção para dois aspectos:
Primeiro, que as distâncias entre os postos meteorológicos em questão são muito pequenas,
o que explica a oscilação sazonal das precipitações. Diferenças decrescentes efetivas podem ser
notificadas na medida em que as isoietas dirigem-se para oeste, penetrando no Agreste. Na região
do alto curso do rio Mamanguape, por exemplo, elas flutuam entre 600,0 e 800,0 mm/anuais, ao
passo que na porção terminal do referido rio, já no Litoral, as isoietas vacilam entre 1.800,0 e
2.000,0 mm/anuais (Mapa 15).
Segundo, que as diferenças entre os totais pluviométricos precipitados nos distintos anos,
em regiões tropicais úmidas, são bastante elevadas, dificultando a obtenção de valores médios nos
postos isolados. Para a obtenção de tais informações seria necessário 50 a 70 anos
(HECKENDORFF e LIMA, 1985, p. 38), fato só possível no posto de Mamanguape, onde os
registros começaram a ser feitos na primeira década do século XX.
O Balanço Hídrico
O balanço hídrico em uma dada área pode ser determinado a partir da relação entre o índice
de precipitação e a taxa de evapotranspiração.
A evapotranspiração é o processo simultâneo em que ocorre a evaporação de água contida
em uma superfície líquida (mar, lago, rio, etc.) ou sólida (solo desprovido de vegetação) e a
transpiração da água presente nos diversos tipos de vegetação. Quanto mais elevada for a
temperatura do ar e mais expressivos forem os reservatórios de água e o tamanho da vegetação, em
termos de densidade e porte, tanto maior será a evapotranspiração.
A evapotranspiração potencial (EP) indica a quantidade, teoricamente necessária, de água
no solo para que a planta mantenha-se verde o ano inteiro e possa desempenhar suas funções
biológicas de maneira satisfatória (AZEVEDO e MOREIRA, 1981, p. 706).
92
MAPA 15 – PROJETO RADAMBRASIL – FOLHA JAGUARIBE/NATAL: PLUVIOMETRIA TOTAL
MÉDIA ANUAL (mm) – 1981
Fonte: Adaptado de:
AZEVEDO, Lorisa Maria Pinto e MOREIRA, Rita de Cássia. Climatologia. In: BRASIL. Ministério das Minas e
Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso
potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 708.
No entanto, em determinadas épocas a quantidade de água e umidade varia
consideravelmente, afetando o comportamento da cobertura vegetal sob alguns aspectos
(crescimento, expansão, nível de clorofila, entre outros). A partir desse entendimento foi criada a
idéia de evapotranspiração real (ER), excedente hídrico e deficiência hídrica, conforme salientam
AZEVEDO e MOREIRA (op. Cit., p. 706):
“A evapotranspiração real corresponde à quantidade de água que, nas
condições reais, se evapora do solo e transpira das plantas.
O excedente hídrico é a quantidade de água precipitada que não é
absorvida pelo solo e não é evapotranspirada, incorporando-se à rede de
drenagem superficial ou aos aqüíferos subterrâneos.
Deficiência hídrica é o saldo negativo que ocorre após o início da estação
seca, perdurando até depois do início da estação chuvosa.”
Como pode ser observado na Tabela 1, a região do Baixo Mamanguape, objeto de
investigação desta pesquisa, apresentou um índice de precipitação de 1.557,0 mm/anuais e uma
evapotranspiração real de 1.155,0 mm. Com efeito, a correlação entre a precipitação anual e a
evapotranspiração real, obtida através da equação P – ER, apontou um excedente hídrico da ordem
de 402,0 mm, distribuídos entre o final do outono e início do inverno (maio a julho).
91
104
104
54,0
35,0
28,0
Altitude
(m)
1.728,0
1.870,0
1.557,0
Pluviometria
Total Média
Anual (mm)
25,2
25,6
25,4
Temperatura
Média Anual
(ºC)
1.354,0
1.474,0
1.467,0
Potencial
(mm)
1.145,0
1.284,0
1.155,0
Real
(mm)
Evapotranspiração
209,0
190,0
312,0
Total
(mm)
Novembro-janeiro
Novembro-dezembro
Novembro-janeiro
Distribuição Anual
(meses)
Deficiência
583,0
586,0
402,0
Total
(mm)
Abril-agosto
Abril-julho
Maio-julho
Distribuição Anual
(meses)
Excedente
868,8
868,8
868,8
617,2
1.101,1
889,4
2003
2004
2005
20,6
232,3
−251,6
Desvio (mm)
874,4
1.235,0
716,6
Índice (mm)
953,0
953,0
953,0
Média (mm)
−78,6
282,0
−236,4
Desvio (mm)
Mataraca (06º 36´ s – 35º 03´ w)
1.160,4
1.391,9
1.268,5
Índice (mm)
1.084,7
1.084,7
1.084,7
Média (mm)
75,7
307,2
183,8
Desvio (mm)
João Pessoa (07º 06´ s – 34º 52´ w)
Fonte: Elaborada com base em:
PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais. Monitoramento do Clima: período chuvoso 2003/2004/2005.
João Pessoa: AESA, 2006.
Média (mm)
Índice (mm)
Anos
Mamanguape (06º 50´ s – 35º 07´ w)
TABELA 2 – BALANÇO PLUVIOMÉTRICO DE ALGUMAS ESTAÇÕES METEOROLÓGICAS DO LITORAL DA PARAÍBA –
2003/2004/2005 (ABRIL A JULHO)
Fonte: Adaptada de:
FAUSTINO NETO, Manoel (et al.). Capacidade de Uso dos Recursos Naturais Renováveis. In: BRASIL. Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos
Naturais: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume 23, 1981, p. 569.
Mamanguape
(06º 50´ s – 35º 07´ w)
Mataraca
(06º 36´ s – 35º 03´ w)
João Pessoa
(07º 06´ s – 34º 52´ w)
Estações
Meteorológicas
Índice
Agroclimático
(%)
TABELA 1 – CLIMA TROPICAL LITORÂNEO (As’): DADOS DE ALGUMAS ESTAÇÕES METEOROLÓGICAS DO LITORAL DA PARAÍBA (1981)
93
94
O déficit hídrico, estabelecido a partir da correlação entre a evapotranspiração potencial e
real (EP – ER), assinalou um índice relativamente baixo: 312,0 mm, distribuídos entre os meses de
novembro e janeiro.
Vale ressaltar que as estações de Mataraca e João Pessoa registraram números ainda mais
expressivos. Na primeira, o excedente hídrico foi de 586,0 mm (4 meses) e o déficit hídrico de
190,0 mm (2 meses). Na segunda, o excedente foi de 583,0 mm (5 meses) e o déficit de 209,0 mm (3
meses). Não por acaso a umidade relativa do ar no Litoral oscila entre 80 e 85%, fato que contribui
para a formação de uma intensa nebulosidade ao longo do ano (Mapa 16).
MAPA 16 – IMAGEM DO SATÉLITE METEOROLÓGICO GOES-12
MOSTRANDO A INTENSA NEBULOSIDADE SOBRE O LITORAL E PARTE
DOS ESTADOS DA COSTA ORIENTAL DO NORDESTE
Fonte: Adaptado de:
PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos
Recursos Hídricos e Minerais. Proposta de Instituição do Comitê das Bacias
Hidrográficas do Litoral Norte. João Pessoa: SEMARH, 2004.
No que se refere ao índice agroclimático, todas as estações analisadas apresentaram valores
superiores a 90%. Isso significa dizer que são áreas onde a demanda hídrica anual das plantas está
quase ou plenamente satisfeita (FAUSTINO NETO et al., op. Cit., p. 569). Não obstante, todas essas
características descritas confirmam a presença de um fitoclima superúmido em todo o Litoral da
Paraíba, cujas regiões fitoecológicas serão representadas pelas florestas ombrófilas e, em menor
95
proporção, pela floresta estacional semidecidual (SALGADO et al., 1981, p. 525-526), ambas
profundamente devastadas pelo avanço da monocultura canavieira na região, tema que será
abordado no próximo capítulo.
A seguir, serão apresentados os principais sistemas de circulação atmosférica (sistemas
produtores de tempo) que individualizam o Litoral Oriental do Nordeste e, em particular, o Litoral
da Paraíba (Mapa 17). Segundo AYOADE (op. Cit., p. 98), esses sistemas são responsáveis pelas
variações diárias e semanais no tempo e são muitas vezes mencionados como sendo perturbações
atmosféricas ou meteorológicas. Essas perturbações são extensas ondas, turbilhões ou vórtices de
ar inseridos na circulação geral da atmosfera.
a) Massas de Ar Tépido Calaariano (Tk) e Tépido Atlântico (Ta)
Essas duas massas de ar tépido influenciam as condições climáticas da região Nordeste.
Elas originam-se no centro de altas pressões subtropicais do Atlântico Sul, são dotadas de
movimento de ar advectivo (horizontal) e compõem o sistema dos alísios austrais (ANDRADE,
1977, p. 16).
ANDRADE e LINS (1965, p. 23) acrescentam ainda que o ar da Tk é límpido, estável e
constitui uma projeção das condições térmicas verificadas no deserto de Kalahari, localizado na
porção sudoeste do continente africano. Ao atravessar uma superfície oceânica aquecida, essa
massa vai absorvendo quantidade expressiva de vapor d´água até atingir o Litoral Oriental do
Nordeste.
Vale lembrar que a estabilidade mencionada anteriormente vai ser alterada quando a
mesma, deslocando-se pelo continente, deparar-se com os contrafortes do planalto da Borborema.
Nessa ocasião, o ar carregado de umidade é impelido para camadas mais altas e o vapor d´água se
condensa, desencadeando precipitação em forma de chuva. Por estar condicionada às linhas de
relevo, essa chuva recebe o nome de orográfica.
Os ventos da Tk, também conhecidos como alísios de SE-E em função da trajetória que
descrevem, são classificados como moderados, uma vez que atingem a velocidade de 3 a 4
beaufort, ou seja, são capazes de percorrer 3,4 a 7,9 m/s. Apesar de soprarem durante boa parte do
ano (cerca de 9 meses), não são eles os responsáveis pela ocorrência dos regimes pluviométricos
no Litoral. No entanto, eles são importantes para a compreensão de alguns processos verificados
na área em questão, pois exercem influência sobre parte da dinâmica costeira (morfogênese,
correntes marítimas, balanço hídrico, etc.).
96
b) Frente Polar Atlântico (FPA)
Essa massa de ar frio e úmido tem origem na porção mais meridional do continente
americano (Patagônia Argentina) e apresenta características peculiares, conforme aponta NIMER
(1972, p. 5):
“As correntes perturbadas de S são representadas por invasões de frentes
polares. Estas descontinuidades, oriundas do choque entre os ventos
anticiclônicos da massa polar e massa tropical, somente poucas vezes
conseguem ultrapassar as vizinhanças do trópico de capricórnio durante a
primavera e verão, e quando conseguem, o fazem ao longo das áreas litorâneas,
raramente ultrapassando o paralelo de 15º lat. sul, aproximadamente,
provocando chuvas frontais e pós-frontais ao longo do litoral e encosta do
planalto até o sul da Bahia.”
No inverno, por seu turno, essa massa ganha ainda mais força e se introduz sob o ar tépido,
avançando mais para o norte até alcançar a costa dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio
Grande do Norte. E é justamente nesse período que ela transporta o ar frio em direção a toda a
costa do país, momento em que observam-se grandes descargas de chuvas.
c) Zona de Convergência Intertropical (ZCIT)
Em linhas gerais, pode-se afirmar que a Zona de Convergência Intertropical nada mais é
que uma faixa paralela traçada junto ao equador, para onde convergem os ventos alísios dos
hemisférios boreal e austral. Trata-se, portanto, de um fenômeno atmosférico que se manifesta em
uma área de baixa pressão caracterizada pelas calmarias ou ausência de ventos (doldrums).
Com efeito, durante o verão no hemisfério norte a ZCIT desloca-se para áreas localizadas
bem acima da linha do equador. Por sua vez, durante o verão e o outono no hemisfério sul esse
deslocamento repete-se, agora em sentido oposto. A respeito dessas considerações, ANDRADE
(1977, p. 15) acrescenta:
“No início do verão austral (dezembro-janeiro) suas características
verticais de estrutura manifestam-se enfaticamente ao sul do equador
geográfico e começam a se alastrar pela costa setentrional do Brasil a partir do
Amapá. O alcance desse alastramento inclui quase sempre a costa oriental do
Nordeste ao sul do Cabo de São Roque e nos anos de maior energia a
instabilidade atmosférica generaliza-se em latitudes mais altas até além da
costa alagoana. No fim do outono austral (março, abril, maio) a CIT retrai-se
para o setentrião e logo depois do solstício de junho passa ao hemisfério norte,
no verão boreal.”
É prudente lembrar que a instabilidade atmosférica mencionada anteriormente vai dar
origem a eventos chuvosos bastante intensos, quase sempre acompanhados ou precedidos de
rajadas de ventos fortes e trovoadas.
97
d) Correntes Perturbadas de Leste (Ondas de Leste-Oeste)
As ondas de Leste-Oeste constituem um sistema de correntes perturbadas característico dos
litorais tropicais dominados pelos ventos alísios. De acordo com NIMER (op. Cit., p. 6), esses
fenômenos ocorrem no seio dos anticiclones tropicais sob a forma de “pseudo frentes”, sobre as
quais desaparece a inversão térmica superior, o que permite a mistura de ar das duas camadas
horizontais dos alísios e, conseqüentemente, chuvas mais ou menos abundantes anunciam a sua
passagem. Tais precipitações diminuem bruscamente para oeste e raramente ultrapassam as
escarpas do planalto da Borborema e da chapada Diamantina, sendo mais freqüentes no inverno.
Estas ondas, associadas à ação dos ventos alísios, à insolação, à pluviosidade e à
evapotranspiração representam fatores importantes no trabalho de modelagem do Litoral Oriental
do Nordeste. Elas manifestam-se com maior nitidez no trecho que vai da Zona da Mata de
Pernambuco à Zona Cacaueira da Bahia.
MAPA 17 – AS MASSAS DE AR QUE ATUAM NA AMÉRICA DO SUL
Convenções:
Ep – Equatorial pacífico
Ec – Equatorial continental
Ea – Equatorial atlântico
Tk – Tépido calaariano
Ta – Tépido atlântico
Tc – Tépido continental
Tp – Tropical pacífico
Pa – Polar atlântico
FPA – Frente Polar Atlântico
CIT – Convergência Intertropical
ZD – Posição média anual da
zona de divergência dos alísios
(no litoral)
Trajetórias descritas pelas
descargas de ar frio da FPA
Fonte: Adaptado de:
ANDRADE, Gilberto Osório de e LINS, Rachel Caldas. Os Climas do Nordeste. In: Notas e
Comunicações de Geografia. Recife: UFPE/DCG, Série B, Textos Didáticos nº 11, dezembro de
1992, p. 39.
2.2.2 A REDE HIDROGRÁFICA
Várias bacias e micro-bacias hidrográficas estão presentes na estreita faixa de terra que
compreende o Litoral da Paraíba, região denominada também de Zona da Mata em alusão à antiga
cobertura vegetal que dominava a área em questão. Assim sendo, de norte para sul destacam-se as
seguintes: Guajú, na fronteira com o Estado do Rio Grande do Norte, Camaratuba, Mamanguape
98
Miriri, Paraíba do Norte, Gramame, Abiaí e Goiana, esta última na fronteira com o Estado de
Pernambuco (Mapa 18).
Dentre essas bacias, duas merecem destaque por apresentarem dois aspectos: a expressão
espacial uma vez que drenam áreas significativas (são consideradas, portanto, bacias de grande
porte6); e a importância histórica para a região em função de abrigarem ainda hoje em seus vales a
imponente monocultura da cana-de-açúcar. Trata-se das bacias dos rios Mamanguape e Paraíba do
Norte7.
A bacia do rio Mamanguape, objeto de investigação deste trabalho, drena uma superfície
aproximada de 3.525,0 km². Ela está inserida entre os paralelos de 6º 41’ 57” e 7º 15’ 18” sul e
entre os meridianos de 34º 54’ 37” e 36º oeste (PARAÍBA/SEMARH, 2004, p. 7), limitando-se ao
norte com as bacias dos rios Curimataú e Camaratuba, ao sul com as bacias dos rios Miriri e
Paraíba do Norte, a oeste com as bacias dos rios Curimataú e Paraíba do Norte e a leste com o
oceano Atlântico (Mapa 18).
MAPA 18 – DELIMITAÇÃO ESPACIAL DAS BACIAS E MICRO-BACIAS HIDROGRÁFICAS DO
ESTADO DA PARAÍBA
Bacias e Micro-bacias
Hidrográficas:
1 – Rio Guajú
2 – Rio Camaratuba
3 – Rio Mamanguape
4 – Rio Miriri
5 – Rio Paraíba do Norte
6 – Rio Gramame
7 – Rio Abiaí
8 – Rio Goiana
9 – Rio Curimataú
10 – Rio Jacú
11 – Rio Piranhas
Fonte: Adaptado de:
PARAÍBA. Governo do Estado. Secretaria Extraordinária do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Minerais.
Proposta de Instituição do Comitê das Bacias Hidrográficas do Litoral Norte. João Pessoa: SEMARH, 2004.
6
Em geral, costuma-se considerar como grandes bacias aquelas com área superior a 1.000 km². Essas bacias possuem
redes de canais bem desenvolvidos e são menos sensíveis às precipitações de curta duração (CHRISTOFOLETTI,
1999, p. 13).
7
Devido à importância dessa atividade econômica, esses cursos d’água foram batizados de “Rios do Açúcar do
Nordeste Oriental”, conforme ANDRADE, Manuel Correia de (1957-b, p. 5) e ANDRADE, Gilberto Osório de
(1957-a, p. 5).
99
Assim como o rio Paraíba do Norte, o rio Mamanguape exibe o seu alto curso sobre o
planalto da Borborema. A sua nascente encontra-se na lagoa Salgada, município de Pocinhos
(mesorregião do Agreste Paraibano e microrregião do Curimataú Ocidental). A lagoa supracitada,
de regime intermitente, é formada pela convergência de vários riachos e encontra-se a cerca de 600
metros acima do nível do mar. Apresenta elevada salinidade, pouca profundidade e avançado
processo de colmatagem. A pouca espessura da lâmina d´água corrobora ainda para o aumento da
concentração de sais, advinda da forte evaporação da região (MARINHO, 2002, p. 52).
O Mamanguape percorre cerca de 140 quilômetros até encontrar o oceano Atlântico, na
divisa dos municípios de Marcação e Rio Tinto, Litoral Norte do Estado da Paraíba. Da sua
nascente até a cidade de Mulungu, já no médio curso, ele desenvolve um percurso no sentido
oeste-leste. Em Mulungu ele toma direção sudoeste-nordeste até o trecho em que recebe as águas
do rio Araçagi, seu mais importante tributário, na cidade de mesmo nome. Daí até o mar, toma
novamente uma direção aproximadamente oeste-leste, formando na foz ampla “ria”, hoje bastante
dissimulada (ANDRADE, 1957-b, p. 11-12).
Ao longo de todo esse percurso o Mamanguape recebe importantes afluentes, a exemplo
dos rios Pirpirituba, Quandu, Araçagi e Saquaiba e dos riachos Bloqueio, Bananeiras, Tanque e
Itapororoca. Segundo ANDRADE (1957-b, p. 12-13), o Quandu e o Araçagi nascem e têm grande
parte dos seus cursos no Brejo, região bastante úmida e chuvosa situada no rebordo oriental do
planalto da Borborema8. São eles os responsáveis pela contribuição de grande parte do volume de
água do Mamanguape, uma vez que contam com uma série de afluentes perenes.
Ao atravessarem essa porção da Borborema (o Brejo), os referidos rios encontram-se
encaixados em profundos vales. Nesse local verifica-se um intenso processo erosivo em função da
forte declividade do terreno. Com efeito, o processo erosivo linear, ou vertical, só vai dar lugar a
erosão areolar, ou horizontal, quando esses cursos d’água penetrarem no Agreste. Ao se reportar ao
rio Mamanguape, ANDRADE (1957-b, p. 13-14) chama atenção para esse aspecto:
“Ao penetrar no Agreste, quando a atividade erosiva linear é atenuada pela
menor inclinação do seu perfil longitudinal, exerce grande trabalho de erosão
lateral, alargando o seu leito, como costuma acontecer com vários rios
nordestinos da área semi-árida. Nêsse trecho, a grande quantidade de lagôas
existentes, denunciada até pela toponímia – Alagôa Grande, Alagôa Nova,
Alagoinha, Alagôa da Roça – indica uma intensa erosão areolar.”
8
O segmento espacial denominado Brejo Paraibano, segundo Mário Lacerda de Melo, pode ser considerado uma
grande mancha de exceção situada no interior dos espaços agrestinos da Paraíba. Trata-se de uma área ou mancha
territorial de maior pluviosidade (médias anuais de 900 a 1.300 mm), correspondente à escarpa oriental dissecada do
planalto da Borborema. Como acontece normalmente, a essas características dos planos climático e geomorfológico,
correspondem repercussões positivas nos planos dos recursos edáficos, florísticos e hídricos (MELO, 1988, p. 297).
100
Já no baixo curso do rio Mamanguape verifica-se uma importante atividade deposicional.
Esse trabalho é tão intenso que o seu leito chega a exibir grandes bancos de sedimentos, sobretudo
na porção estuarina (Foto 1). MARINHO (op. Cit., p. 55), lembra que nesses terrenos sedimentares
o rio supracitado atingiu, em alguns pontos, o embasamento cristalino que dá suporte à Bacia
Sedimentar Pernambuco-Paraíba, exumando-o. Tal fato pode ser facilmente constatado entre as
cidades de Mamanguape e Rio Tinto, a mais ou menos 15 metros de altitude.
Vários rios e riachos estão presentes na região do Baixo Mamanguape. Eles nascem nos
topos dos tabuleiros costeiros, onde exibem vales bem encaixados e notável atividade erosiva
sobre esses interflúvios. Dentre eles, os mais significativos estão situados nos tabuleiros ao norte
da várzea do Mamanguape (margem esquerda), a exemplo dos riachos Sertãozinho, Jangada,
Balanças, Passagem da Cobra, Arrepia, Catolé, Bica, Gurubu, São Francisco e Lagoa; e dos rios
Tinto, Jacaré, Grupiúna, Estiva e Sinimbu.
Vale ressaltar que os rios mencionados anteriormente são os mais expressivos desse setor,
pois além de extensos, possuem maior vazão, sobretudo o rio Estiva. Após percorrer longo trecho
sobre os interflúvios, sempre na direção oeste-leste, o referido rio passa a receber as águas dos rios
Jacaré e Sinimbu, este último já na área pantanosa da planície costeira, momento em que muda de
trajetória e toma a direção norte-sul até encontrar o estuário do rio Mamanguape, no limite
meridional da praia do Coqueirinho (Foto 2).
Por outro lado, os cursos d’água que nascem nos tabuleiros situados ao sul da várzea
(margem direita do Mamanguape) são considerados mais modestos em relação àqueles descritos
anteriormente. Em função disso, esse setor evidencia processos erosivos menos acentuados.
Destaque para os riachos Cascata, Taxa, Banco, Goité, Taberaba, Cravaçu, Manimbu e para o rio
Velho.
Os rios Caracabu e Açu nascem e divagam sobre uma área bastante plana (menos de 10
metros de altitude). Este último descreve exuberantes meandros na zona dominada pelos
manguezais, característica também observada ao longo da calha do próprio rio Mamanguape,
sobretudo no trecho compreendido entre a sede municipal de Rio Tinto e a sua desembocadura9.
É prudente lembrar que, mesmo em seu alto curso, o Mamanguape apresenta-se como um
rio intermitente, situação esta que será modificada apenas na sua porção terminal (região do baixo
curso), quando o mesmo torna-se perene em função da combinação de três importantes fatores: os
elevados índices pluviométricos que caracterizam o Litoral, já demonstrados na seção anterior; a
presença de inúmeros afluentes permanentes e a própria dinâmica das marés oceânicas durante a
9
Segundo MARINHO (op. Cit., p. 57), a foz do rio Mamanguape exibe uma grande amplitude transversal e encontrase protegida da ação marinha em virtude dos recifes dispostos de modo oblíquo à desembocadura. Esta individualidade
confere ao Mamanguape um estuário com atributos lagunares (Foto 1).
101
preamar (maré alta) e a baixamar (maré baixa). Esse movimento de fluxo e refluxo, por sua vez, é
responsável pela ocorrência de pequenos cursos d’água, conhecidos localmente como gamboas,
que se formam próximos ao oceano.
Destarte, todos os rios e riachos que drenam a região do Baixo Mamanguape encontram-se
bastante alterados pelas atividades humanas (desmatamento das cabeceiras ou áreas próximas,
destruição das encostas íngrimes, assoreamento dos canais, poluição causada pelo uso
indiscriminado de agroquímicos nas lavouras, canalização dos leitos para uso econômico e/ou
doméstico, entre outros fatores). Nas partes mais elevadas dos tabuleiros a cana-de-açúcar foi a
grande responsável pela destruição. Na planície costeira, os loteamentos imobiliários, as
residências de veranistas e as casas comerciais (bares, restaurantes, pousadas e hotéis) construídas
em locais de grande sensibilidade ecológica promoveram também profundas alterações no
equilíbrio da paisagem, acarretando, assim, prejuízos muitas vezes irreversíveis aos ecossistemas
aquáticos e terrestres. Na zona estuarina as maiores alterações estão sendo produzidas pela
carcinicultura, atividade responsável pela degradação de amplas áreas de manguezais. A análise
pormenorizada desses efeitos negativos será realizada nos capítulos seguintes.
2.2.3 A COBERTURA VEGETAL
Conforme foi visto no final do capítulo anterior, as primeiras tentativas de
compartimentação do território paraibano foram elaboradas por dois não-geógrafos: Henrique de
Beaurepaire Rohan (1861) e Irenêo Joffily (1892), divisões essas que assinalavam de maneira
pouco precisa a distribuição de alguns conjuntos florísticos.
Não obstante, só a partir das décadas de 1970, com a utilização das imagens de radar do
projeto RADAMBRASIL, e de 1990, a partir do uso de imagens semicontroladas de satélites
remotos, notadamente os satélites do programa LANDSAT, foi que os estudos fitogeográficos
ganharam novas bases conceituais e metodológicas, auxiliando o trabalho de pesquisadores das
mais diferentes áreas do conhecimento (biólogos, geógrafos, engenheiros florestais, agrônomos,
etc.).
Ao longo dessa fase, torna-se oportuno destacar a contribuição de inúmeros trabalhos sobre
os aspectos fitogeográficos do Brasil, em geral, e do Nordeste, em particular, trabalhos esses
desenvolvidos por importantes pesquisadores. São eles: Estudos Fitogeográficos de Pernambuco e
as Matas do Engenho São Paulo (Paraíba), de Dárdano de Andrade Lima (1966 e 1970); As
Regiões Naturais do Nordeste, de João de Vasconcelos Sobrinho (1971); As Regiões
Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos, de Odilon Albino Salgado et al.
(1981); Diferentes Combinações do Meio Natural na Zona da Mata Nordestina, de Gilberto Osório
102
de Andrade e Rachel Caldas Lins (1983); L’ Organization des Paysages dans l’Est de La Paraíba
et du Rio Grande do Norte, de Antônio Sérgio Tavares de Melo (1983) e Aspectos da Vegetação
do Brasil, de Dora de Amarante Romariz (1996).
Com efeito, as classificações e as descrições das principais formações vegetais encontradas
na região do Baixo Mamanguape foram baseadas em alguns desses trabalhos, bem como em outras
obras de grande relevância para a pesquisa em apreço. Assim sendo, foram identificadas as
seguintes formações: edáficas, climáticas e relictuais.
Vale lembrar ainda que a delimitação espacial dessas unidades vegetais não representa uma
tarefa simples, uma vez que quase sempre ocorre a interpenetração de espécies de formações
distintas, dando origem aos ecótonos, também chamados de zonas de transição ou áreas de tensão
ecológica. Além disso, a dificuldade para estabelecer os limites de cada formação torna-se ainda
maior quando a transição no interior do ecótono acontece de maneira lenta e gradual. Nesse
sentido, MELO, 1988, apud SILVA (1995, p. 55) adverte que as fronteiras existentes entre as várias
paisagens botânicas são mais nítidas nas planícies litorâneas e nos vales. Por outro lado, nos topos
planos dos baixos planaltos costeiros elas desaparecem: é o domínio de uma vegetação denominada
localmente como “tabuleiro”, secundária sem nenhuma dúvida, decorrente da degradação das antigas
florestas, cujas capoeiras de substituição foram invadidas por espécies litorâneas e dos cerrados.
a) As Formações Edáficas
– O Agrupamento Pioneiro das Praias, dos Terraços Litorâneos e das Dunas
Trata-se das formações localizadas ao longo da estreita faixa de terras que recobre o Litoral
de maneira descontínua. São predominantemente herbáceas, representadas pelo agrupamento
pioneiro pantropical, apresentando plantas halófilas, ou seja, com grande adaptação a ambientes
com elevado teor de salinidade (solos, respingos da arrebentação das ondas, submersão provocada
pela elevação das marés). A pequena variedade de tipos de plantas é também outra característica
desse agrupamento. As principais espécies encontradas são as seguintes: Iresine portulacoides
Moq. (bredo-da-praia), Ipomoea pes-caprae Roth. (salsa-da-praia), Ipomoea stolonifera Poir.
(salsa-branca), Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre), Sporobolus virginicus Kunth.
(capim-barba-de-bode), Crotalaria retusa L. (gergelim), Polygala coriosoides St. Hil.
(pinheirinho-da-praia), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 508).
Por fim, torna-se oportuno esclarecer que essas formações sofrem diretamente os efeitos da
dinâmica dos agentes naturais presentes no Litoral, ou seja, elas são condicionadas pela deposição
de sedimentos provocada pela ação dos ventos, dos rios e das correntes marítimas. Na área da
pesquisa elas são facilmente encontradas nas praias do Oiteiro, Campina, Barra de Mamanguape,
Coqueirinho, Trincheira e Forte (Foto 3).
103
Foto 1 – Vista panorâmica do estuário do rio Mamanguape, com destaque para a grande
amplitude transversal da sua foz. Em primeiro plano, observa-se a sucessão de cordões
arenosos (restinga) com cerca de 10 metros de altitude, colonizados pela floresta baixa e por
vegetação herbácea-arbustiva.
Praia Barra de Mamanguape, município de Rio Tinto, Paraíba.
Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).
Foto 2 – Vista parcial da praia do Coqueirinho. À direita, observam-se os meandros e os
manguezais do rio Estiva e, ao fundo, o estuário do rio Mamanguape.
Município de Marcação, Paraíba.
Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).
104
– A Floresta Baixa e as Formações Arbustivas e Herbáceas da Restinga
Nessa área, à medida que começa a diminuir o grau de salinidade e a aumentar a
quantidade de matéria orgânica nos solos, a vegetação começa a apresentar outras feições,
assumindo um porte arbóreo baixo e adensado. Entretanto, a restinga vai ser também o lugar de
ocorrência de espécies arbustivas e herbáceas (Foto 1 e Figura 3). De acordo com SALGADO et al.
(op. Cit., p. 496; 508), as principais espécies encontradas nesse ambiente são essas: Anacardium
occidental L. (cajueiro), Coccoloba sp. (coaçu), Hancornia speciosa Gomez (mangabeira),
Manilkara sp. (maçaranduba), Tabebuia roseo-alba [Ridley] Sandw. (pau-d’arco), Chrysobalanus
icaco L. (guajiru), Ximenia americana L. (ameixa), Pilosocereus hapalacanthus Werd. (facheiro),
Byrsonima gardneriana Juss. (murici-da-praia), Moquilea tomentosa Benth. (oiti-da-praia), etc.
FIGURA 3 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FISIONOMIAS DAS ÁREAS DE INFLUÊNCIA MARINHA
(RESTINGA)
1) Arbórea
2) Arbustiva
3) Herbácea
Fonte: Adaptada de:
SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL.
Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia,
pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume
23, 1981, p. 497.
– Os Manguezais
Segundo VASCONCELOS SOBRINHO (1971, p. 40), a existência dos manguezais decorre
de condições especiais de habitat edáfico, o substrato no qual se encontram implantadas as
espécies que os habitam e criando condicionantes de uma fauna típica. Eles representam, na visão
do autor, a mais exclusiva e mais facilmente identificável das formações litorâneas, haja vista a
homogeneidade, a densidade e a localização de suas colônias.
As plantas encontradas nesse ecossistema apresentam aspectos peculiares, uma vez que
conseguem se desenvolver e se reproduzir em um ambiente constantemente e/ou periodicamente
alagado pelas marés oceânicas. Com efeito, ao se estabelecer uma análise mais detalhada é
possível identificar inúmeras espécies de manguezais, variação esta decorrente de 3 fatores,
conforme assinalou ROMARIZ (1996, p. 56): 1º) em relação à duração e ao grau de submersão; 2º)
em relação a maior ou menor tolerância das espécies aos diferentes teores de salinidade e de suas
105
variações; e 3º) em relação aos diversos graus de adaptação ao tipo de solo, sempre variável e
inconsistente.
No Estado da Paraíba, segundo MELO e RODRIGUEZ (2003, p. 24), os manguezais são
associados aos estuários e às planícies de maré que ocupam a porção terminal dos rios que
deságuam no Atlântico. Menores ocorrências são encontradas em torno de lagoas litorâneas e
pequenas desembocaduras de riachos barrados por cordões arenosos acumulados pela ação do mar,
chamadas regionalmente de maceiós.
Na área escolhida para o desenvolvimento dessa pesquisa eles são encontrados
principalmente no estuário do rio Mamanguape, ocupando ainda as porções terminais dos
tributários que para ali convergem, a exemplo dos rios Estiva, Velho, Açu, Caracabu e Gelo, e dos
riachos Manimbu, Tijuca, Três Rios, Porto Velho, Bica, Caibá, Cravaçu e Taberaba. Eles também
são vistos na lagoa do Saco, localizada no município de Rio Tinto.
Com efeito, a partir das características apresentadas anteriormente foi possível identificar
as seguintes variações: Rhizophora mangle L. (mangue-verdadeiro ou vermelho), localizado nas
áreas em que os rios e/ou riachos fazem contato direto com o mar; Conocarpus erectus L.
(mangue-do-botão ou cinzento), Avicennia schaueriana Stap. Lechm. (mangue-canoé ou siriúba) e
Laguncularia racemosa Gaertn. f. (mangue-manso ou branco), encontrados nas áreas que sofrem
periodicamente as inundações, ocasionadas durante as preamares (Foto 4). Estas últimas espécies
ocupam, portanto, locais em que o grau de salinidade da água e do solo já está bastante reduzido,
haja vista a distância que guardam em relação à linha de costa.
Ainda sobre esse último aspecto, vale ressaltar que a cidade de Rio Tinto, localizada a
cerca de 17 quilômetros da desembocadura do rio Mamanguape, exibe belas florestas de
manguezais das espécies Laguncularia racemosa Gaertn. f. e Avicennia schaueriana Stap. Lechm.
Além das espécies arbóreas descritas anteriormente, uma série de plantas herbáceas
também são observadas nesse complexo ecossistema, notadamente nas regiões periféricas. Dentre
elas destacam-se: Acrostichum aureum L. (samambaia-açu ou samambaia-do-mangue), Hibiscus
tiliaceus L. (algodão-do-mangue), Montrichardia linifera (aninga) e, por último, os apicuns, que
são terrenos arenosos colonizados por vegetação de gramíneas.
– Os Campos de Várzea
Como a própria nomenclatura sugere, os campos de várzea são formações herbáceas,
densas, compostas em sua maioria de gramíneas e ciperáceas que ocupam as áreas úmidas e
alagadas das planícies aluviais ou depressões pantanosas próximas à linha de costa, onde a
influência das marés é ainda notável. Suas espécies vegetais são perfeitamente adaptadas aos
terrenos úmidos e/ou constantemente alagados, seja pela vazão dos rios e riachos, pelo acúmulo
das águas das chuvas ou pelos ciclos das marés (movimento de fluxo e refluxo).
106
Foto 3 – Aspecto das dunas baixas colonizadas por plantas alófitas das espécies Ipomoea
pes-caprae Roth. (salsa-da-praia) e Paspalum maritimum Trin. (capim-gengibre).
Ponta da Jangadinha, município de Marcação, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
Foto 4 – Manguezal da espécie Avicennia schaueriana Stap. Lechm (mangue-canoé ou
siriúba), localizado no estuário do rio Mamanguape.
Aldeia Potiguara Tramataia, município de Marcação, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (maio/2007).
107
Nesses campos podem-se distinguir dois setores. O das áreas úmidas, não-alagadas
(higrófilos), composto por algumas espécies como Panicum sp. (canarana) e Cyperus giganteus
(junco); e o setor das áreas encharcadas e alagadas (hidrófilos), onde aparecem diversas espécies,
como por exemplo, Cyperus surinamensis (capim-rosa) e Nymphaea rudgeana (lírio d’água)
(SILVA, 1995, p. 62).
Essas formações podem ser facilmente encontradas nos fundos dos vales dos rios que
entalham os tabuleiros costeiros e subcosteiros, a exemplo dos rios Sinimbu (próximo à aldeia
potiguara Laranjeira), Estiva (próximo à fazenda Grota do Bento e ao povoado Estiva Velha) e
Jacaré (nas adjacências do povoado Jacaré de Cima). Elas também estão presentes na periferia do
estuário do rio Mamanguape, bem como em uma ampla planície alagada nas cercanias da cidade
de Baía da Tração, ao longo da calha do rio Sinimbu.
b) As Formações Climáticas
A maior parte dos tratados e manuais de botânica enquadra as formações florestais do
Litoral do Nordeste no bioma Mata Atlântica. Entretanto, após vários anos de intensas pesquisas
de campo e de gabinete, técnicos e pesquisadores do projeto RADAMBRASIL resolveram
compartimentar esse bioma em regiões distintas. No caso específico desta pesquisa foi possível
identificar três formações climáticas, a saber:
– A Floresta Ombrófila Densa Aluvial
Trata-se de uma formação que apresenta estratos arbóreo e arbóreo-arbustivo de porte
mediano, cuja ocorrência está associada aos terraços das planícies dos rios e riachos que drenam a
região litorânea (Figura 4). Também conhecida como mata-galeria ou mata de várzea, essa
floresta foi gradativamente substituída pela monocultura da cana-de-açúcar, cujos primeiros
registros datam da época da colonização.
Ao estudar a associação dessa formação vegetal com o clima e a topografia, SALGADO et
al. (op. Cit., p. 526) escreveram o seguinte:
“Correspondendo ao intervalo de 15 (quinze) a 30 (trinta) dias secos,
encontrou-se um núcleo remanescente da Floresta Ombrófila Densa Aluvial,
caracterizada pela comunidade Buchenavia–Lecythis–Tapirira. Ocupando a
porção média do vale do rio Mamanguape, este fitoclima tem, em Rio Tinto
(PB), sua comunidade remanescente. Embora menor a pluviosidade (em torno
de 1.750 mm), as condições de umidade são asseguradas pela contribuição das
águas que se acumulam nos locais mais deprimidos das planícies aluviais.
Constituem-se dessa forma os vales de paul (...), típicos das planícies aluviais
que se limitam com os Tabuleiros Costeiros.”
Na área em questão, podem-se observar ainda alguns exemplares dessa floresta ao longo
dos riachos Cravaçu e Taberaba, localizados na zona rural do município de Rio Tinto. Dentre as
108
espécies mais comuns, consoante SALGADO et al. (op. Cit., p. 520; 522), estão: Buhenavia capitata
[Vahl] Eichl. (embirindiba), Caraíba sp. (camaçari), Erythrina velutina Willd. (mulungu), Inga sp.
(ingá), Lecythis sp. (sapucaia), Platymiscium floribundum Vog. (rabuge), Sclerolobium
densiflorum Benth. (ingá-porco), Tapirira guianensis Aubl. (cupiúba), etc.
– A Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas (Floresta Subperenifólia dos Tabuleiros)
Ao contrário da formação descrita anteriormente, a floresta ombrófila densa das terras
baixas ocupa os topos mais argilosos, as vertentes e os pequenos vales, conhecidos localmente
como grotões, dos tabuleiros litorâneos. Segundo COSTA (1998, p. 62), essa floresta foi bastante
descaracterizada nas últimas décadas em virtude da expansão da monocultura da cana-de-açúcar
que, através do auxílio de inovações tecnológicas (correção dos solos, irrigação, produção de
sementes melhoradas, etc.), conseguiu superar os limites naturais (vales dos rios) e chegar até essas
áreas de solos mais pobres e arenosos, adaptando-se a tais condições.
Ao percorrer a zona rural dos municípios que compõem a região do Baixo Mamanguape é
possível perceber com facilidade a evolução dessa paisagem. Nesse sentido, alguns remanescentes
da antiga floresta que recobria originalmente vastas áreas ainda podem ser identificados ao longo
de alguns cursos d’água que entalham os tabuleiros, a exemplo dos rios Grupiúna, Tinto e Jacaré.
A Figura 4 retrata de maneira esquemática o perfil da floresta ombrófila que recobre os
terraços aluviais (várzeas quaternárias) e os topos dos interflúvios, estes últimos apresentando
cotas médias em torno de 100 metros de altitude. Através dessa figura, também é possível
visualizar a exuberância, a densidade e o porte desse conjunto florístico, cujas espécies mais
significativas atingem cerca de 40 metros de altura. Convém lembrar ainda que o estrato superior é
composto por algumas árvores caducifólias e que o estrato intermediário é formado por árvores
totalmente perenifólias. Já o estrato inferior é constituído por plantas arbustivas e herbáceas.
As principais espécies encontradas nesse ambiente são as seguintes: Bowdichia virgilioides
(sucupira), Dialium guianense [Aubl.] Stend. (pau-ferro), Hymenaea courbaril L. (jatobá),
Manilkara sp. (maçaranduba), Parkia pendula Benth. (visgueiro), Tabebuia ipe Standl. (paud’arco roxo), Tabebuia caraíba [Mart.] Bur. (caraúba), Tabebuia serratifolia Vahl. (pau-d’arco
amarelo), Tabebuia sp. (peroba), Ocotea glomerata [Ness] (louro), Caesalpinia echinata Lam.
(pau-brasil), Andira sp. (angelim), Lecythis sp. (sapucaia), Cedrela odorata L. (cedro), Swartzia
flaemingii Raddi (jacarandá), Tapirira guianensis Aubl. (cupiúba), Pera ferruginea Muell. Arg.
(sete-cascos), Luehea ochrophylla Mart. (pereiro), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 520-522).
– A Floresta Estacional Semidecidual das Terras Baixas (Floresta Subcaducifólia dos Tabuleiros)
Como a própria nomenclatura sugere, a floresta semidecidual das terras baixas apresenta
como particularidade principal a estacionalidade (sazonalidade) foliar de parte considerável das
espécies dominantes (atingindo até 60% do conjunto florestal). Trata-se de uma formação que
109
exibe árvores finas e com copas pouco desenvolvidas, apresentando menor riqueza fisionômica em
relação às florestas ombrófilas.
Na região do Baixo Mamanguape ela pode ser encontrada em alguns trechos dos tabuleiros
costeiros, notadamente nos locais onde a pluviosidade exibe decréscimo significativo (em torno de
1.000 mm/anuais), conforme aponta o texto de SALGADO et al. (op. Cit., p. 520) :
“Posicionada numa parcela dos Tabuleiros Costeiros com mais de 30 dias
secos na relação ombrotérmica, a área do Rio Tinto possui uma estrutura de
árvores relativamente finas e baixas, mas erectas. Suas duas sinúsias
fanerofíticas são bem nítidas: a meso (árvores em torno de 20 m) é quase toda
constituída de espécies caducifólias e a nano (arvoretas de mais ou menos 10 m
de altura) é totalmente perenifólia. O número de epífitas é bem menor em
relação às comunidades anteriores e a sinúsia gramíneo-lenhosa quase não
existe. Assim, esta comunidade faz parte da Região Fitoecológica da Floresta
Estacional Semidecidual, com uma formação das Terras Baixas, tendo na
época desfavorável (meses secos) uma paisagem florestal parcialmente
desfolhada (menos de 50% de árvores sem folhas).”
Dentre as espécies mais conhecidas, estão: Buhenavia capitata [Vahl] Eichl. (embirindiba),
Pterocarpus violaceus Vag.(pau-sangue), Protium heptaphyllum [Aubl] March. (amescla), Cássia
apoucouita Aubl. (coração-de-negro), Tabebuia serratifolia Vahl. (pau-d’arco amarelo), Tabebuia
ipe Standl. (pau-d’arco roxo), Luehea ochrophylla Mart. (pereiro), Caesalpinia echinata Lam.
(pau-brasil), Clarisia racemosa Ruiz (oiticica-da-mata), Peltophorum dubium Taub. (favinha),
Copaifera langsdorffii Desf. (pau-d’óleo), etc. (SALGADO et al., op. Cit., p. 518-519).
Assim como as florestas ombrófilas, essa formação também se encontra bastante
descaracterizada pelas atividades antrópicas (criação de animais e expansão da monocultura da
cana-de-açúcar e do abacaxi).
FIGURA 4 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FORMAÇÕES DA FLORESTA OMBRÓFILA DENSA
1) Terras baixas
2) Aluvial
Fonte: Adaptada de:
SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL.
Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia,
pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume
23, 1981, p. 495.
110
c) As Formações Relictuais
– Os Cerrados dos Tabuleiros
Os cerrados são conceituados como uma vegetação xeromorfa, preferencialmente de clima
estacional, com cerca de seis meses secos, podendo, todavia, ser encontrada também em áreas
dominadas pelo clima ombrófilo. Eles revestem solos pobres, lixiviados, tóxicos (aluminizados) e
apresentam sinúsias de hemicriptófitos, geófitos, fanerófitos e oligotróficos de pequeno porte, com
ocorrência por toda a zona Neotropical (BRAZÃO e SANTOS, 1997, p. 117).
No Litoral do Nordeste do Brasil os cerrados recebem a denominação particular de
“tabuleiro”, apresentando-se como uma formação arbórea e herbáceo-arbustiva similar – apesar da
menor quantidade de espécies – àquelas encontradas nas Savanas africanas, em boa parte do
Centro-Oeste do Brasil, em alguns trechos do norte da Amazônia (Roraima) e no sul da Venezuela.
Trata-se, pois, de um manto de capim espalhado por todo o solo, com árvores baixas, de troncos e
galhos retorcidos, com cascas grossas, copas abertas e raízes geralmente muito profundas,
características explicadas a partir da deficiência edáfica e hídrica.
Apesar do avanço da monocultura da cana-de-açúcar sobre os tabuleiros, na área dessa
pesquisa ainda é possível encontrar algumas áreas ocupadas pelos cerrados (tanto ao norte como ao
sul do vale do rio Mamanguape), com destaque para as formações herbáceas, arbustivas e arbóreas
(aberta e densa) (Foto 5). Vale lembrar que à medida que diminui a concentração de alumínio e
aumenta a quantidade de fósforo no solo, a vegetação torna-se maior e mais adensada, conforme
pode ser observado na Figura 5.
Foto 5 – Superfície dos tabuleiros costeiros ocupada pela formação dos cerrados (destaque
para as árvores baixas e para a cobertura de capim sobre o solo).
Zona rural do município de Baía da Traição, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
111
Dentre as espécies mais características, estão: Anacardium occidental L. (cajueiro),
Hancornia speciosa Gomez (mangabeira), Byrsonima blanchetiana Miq. (murici), Caryocar
coriaceum Wittn. (piqui), Curatella americana L. (lixeira), Anacardium humile St. Hil. (cajuí),
Ouratea fieldingiana Engl. (batiputá), Stryphnodendron coriaceum Benth. (barbatimão), Myrcia
sp. (murta), Coccoloba sp. (coaçu), Parkia platycephala Benth. (faveira), etc. (MELO, 1958, p. 74).
FIGURA 5 – PERFIL ESQUEMÁTICO DAS FORMAÇÕES DA SAVANA
(CERRADO)
1) Arbórea densa
2) Arbórea aberta
Fonte: Adaptada de:
SALGADO, Odilon Albino (et al.). As Regiões Fitoecológicas, sua Natureza e seus Recursos Econômicos. In: BRASIL.
Ministério das Minas e Energia. Projeto Radambrasil. Levantamento de Recursos Naturais: geologia, geomorfologia,
pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: Secretaria Geral, Folhas SB.24/25-Jaguaribe/Natal, Volume
23, 1981, p. 493.
2.2.4 O SUBSTRATO GEOLÓGICO
Uma análise global da litologia paraibana mostra uma predominância do complexo
cristalino sobre os terrenos sedimentares. Estes últimos, encontrados no Litoral, constituem
afloramentos calcários ou relevos planos, pouco elevados (os tabuleiros), além de planícies
marinhas e flúvio-marinhas. Já no interior do Estado podem ser identificadas as chapadas
sedimentares e a Bacia Sedimentar do Rio do Peixe (ASSIS, 1985, p. 22).
A litologia da região do Baixo Mamanguape é basicamente constituída por rochas
sedimentares do Grupo Barreiras que datam do Cretáceo ao Holoceno. De acordo com SOUTO
MAIOR FILHO (1966, p. 183), essas rochas repousam sobre o escudo Pré-Cambriano, que por sua
vez é formado por rochas do embasamento cristalino (gnaisses e micaxistos) e rochas intrusivas
(granitos) (Quadro 10).
De forma resumida, este cenário está representado pelos (as):
a) Sedimentos Quaternários Holocênicos
O Quaternário foi um período da história geológica do planeta marcado, sobretudo, pela
ocorrência de grandes fases glaciais.
Segundo JATOBÁ (1993, p. 14-15), durante essa época inúmeros fenômenos geográficos se
processaram na superfície da Terra, dentre eles convém destacar: as variações climáticas; a
expressiva regressão marinha; a diminuição da temperatura das massas líquidas; o avanço das
112
geleiras continentais nas zonas de médias e altas latitudes; as mudanças nas características da
cobertura vegetal, etc.
As áreas de baixas latitudes experimentaram significativas oscilações no regime
pluviométrico e no nível do mar (a temperatura, por sua vez, variou muito pouco). Ao longo da
costa, por exemplo, esses eventos contribuíram para a formação de depósitos sedimentares de duas
origens: os depósitos marinhos (areias dunares, recifes, sedimentos de praias, manguezais, etc.) e
os depósitos continentais, associados à períodos de variações do nível do mar (fluviais, lagunares,
aluviões, etc.).
QUADRO 10 – ESTRATIGRAFIA DO BAIXO VALE DO RIO MAMANGUAPE
Eras
Períodos
Quaternária
(Antropozóica)
Holoceno
Terciária
(Cenozóica)
Neogeno
Secundária
(Mesozóica)
Cretáceo
Pré-Cambriano
Principais Características
Sedimentos holocênicos englobando aluviões,
dunas, areias das praias, recifes de arenito,
várzeas, restingas e sedimentos vasosos dos
mangues.
Sedimentos do Grupo Barreiras representados por
argilas variegadas, arenitos avermelhados com
níveis cauliníticos, cascalhos, areias, siltes e
fragmentos de couraças lateríticas.
Grupo Paraíba: calcários da Formação Gramame.
Rochas do embasamento cristalino (gnaisses e
micaxistos) e rochas intrusivas (granitos).
Fonte: Adaptada de:
SOUTO MAIOR FILHO, Joel. Estudo Hidrogeológico do Baixo e Médio Mamanguape, PB.
In: Boletim de Recursos Naturais. Recife: SUDENE, Volume 5, n° 2 e 4, abril a dezembro de
1966, p. 183.
Com efeito, as praias, as restingas e os campos de dunas vão ser marcados pela
predominância dos depósitos marinhos representados por sedimentos variados: areias quartzosas,
areias ricas em fragmentos de conchas (areias calcárias) e concentração de alguns minerais pesados
em determinados lugares.
Já nas depressões alagadas da planície costeira, nas desembocaduras dos rios e riachos e em
toda a porção estuarina do rio Mamanguape é fácil perceber a ocorrência de sedimentos arenosos,
argilosos, argilo-siltosos, vasosos, geralmente associados a uma quantidade muito expressiva de
material orgânico em decomposição (folhas, cascas, raízes, frutos, restos de animais, etc.).
Para o interior, os sedimentos do Holoceno restringem-se às partes de cotas mais baixas,
compreendidas entre elevações, ocupando os fundos dos vales encaixados nos baixos planaltos
costeiros, sopés de encostas, terraços fluviais, várzeas antigas, lagoas e depressões.
Litologicamente, esses depósitos são de natureza, granulometria e composição heterogênea, sendo
encontrados sedimentos argilosos, siltosos, argilo-arenosos, deposições orgânicas e material
grosseiro, incluindo seixos rolados (SILVA, 1995, p. 38).
113
b) Depósitos Sedimentares do Grupo Barreiras
Consoante ANDRADE (1977, p. 25), os depósitos Cenozóicos costeiros da antiga
‘Formação’ ou ‘Série’ Barreiras – para a qual se propõe modernamente a denominação de Grupo
Barreiras, uma vez que não se trata de uma só unidade litocronológica nem tampouco de uma só
unidade litológica genética – são sedimentos afossilíferos de origem continental, pouco
consolidados, às vezes sub-aquáticos, mas quase sempre sub-aéreos.
Esses depósitos ocorrem de forma contínua em toda a faixa costeira, desde o estado do Rio
de Janeiro até a foz do rio Amazonas, penetrando ainda na calha do grande rio. A sua idade varia
entre o Terciário Superior e o Quaternário.
Na Bacia Pernambuco-Paraíba os depósitos sedimentares, regra geral, recobrem
desigualmente as Formações Beberibe e Gramame. Em inúmeros pontos da costa chegam a formar
tabuleiros. Estes apresentam inclinações, ora suaves, ora abruptas, em direção ao mar, dando
origem às vertentes e às falésias vivas ou mortas. CARVALHO (1982, p. 28) lembra que aos pés
dessas falésias, mais frequentemente das vivas, são comuns os terraços de abrasão, constituídos
principalmente por blocos angulosos mais resistentes, originados da crosta laterítica (óxido de
ferro) que ocorre no Grupo Barreiras.
De uma maneira geral, os sedimentos desse grupo são constituídos por argilas variegadas,
arenitos de coloração amarelada e/ou avermelhada (ferruginosos), areias e siltes, todos
apresentando granulometria bastante variada.
c) Sedimentos Mesozóicos do Grupo Paraíba
Após a realização de inúmeras pesquisas sobre a Bacia Sedimentar Pernambuco-Paraíba,
MABESSONE e SILVA (1991, p. 119) concluíram que entre as cidades de Recife (Pernambuco) e
Mamanguape (Paraíba) aparece o Grupo Paraíba com as seguintes formações sedimentares:
Beberibe (arenitos quartzosos e calcíferos), Maria Farinha (calcários detríticos e argilas) e
Gramame (calcários micríticos, calcarenitos e fosforitos).
Com efeito, a estratigrafia da região do Baixo Mamanguape vai ser marcada pela presença
de rochas calcárias oriundas da Formação Gramame (período Cretáceo), conforme pode ser
constatado no Quadro 10.
De acordo com SILVA (1995, p. 40), no Litoral Setentrional essas rochas ocorrem sob a
forma de pequenos afloramentos na margem esquerda do rio Jacaré (fazenda Caieira de Baixo), no
piso da gamboa do rio Estiva em sua margem direita (próximo ao povoado de Vau) e no riacho
Grota do Fedorento (próximo ao povoado Estiva Velha).
As maiores reservas de calcário da Paraíba, no entanto, são encontradas nos municípios do
Litoral Meridional (João Pessoa, Conde, Alhandra e Pitimbu). Devido a sua larga utilização como
matéria-prima (indústrias de cimento e cal, pedras para a construção civil, fabricação de vidros e
114
mármores, preparação de corretivos de solos, etc.), esse recurso natural ocupa importante lugar na
economia regional e local.
d) Rochas do Embasamento Cristalino
As rochas do embasamento cristalino são aquelas que tiveram origem durante a era PréCambriana, ou seja, durante o período de formação da crosta terrestre. O granito e o gnaisse, por
exemplo, são as principais rochas constitutivas do escudo Brasileiro, cuja idade remonta ao
Arqueano.
Na região objeto dessa pesquisa, os granitos, micaxistos e gnaisses podem ser encontrados
em alguns pontos da várzea do rio Mamanguape, na margem da rodovia BR 101-norte e entre as
cidades de Mamanguape e Rio Tinto (próximo ao povoado de Salema). Entretanto, GATTO et al.
(1981, p. 158) lembram que muitas vezes torna-se bastante difícil estabelecer a separação do Grupo
Barreiras Indiviso, da capa de intemperismo de litologias pré-cambrianas, já que em ambos
ocorrem solos arenosos. Em alguns lugares a separação só é possível quando ainda existem
resquícios de estruturas metamórficas, como foleação ou fragmentos de veios de quartzo.
2.2.5 OS COMPARTIMENTOS GEOMORFOLÓGICOS
De acordo com GUERRA e GUERRA (2005, p. 303), a Geomorfologia é a ciência que
estuda as formas de relevo, tendo em vista a origem, estrutura, natureza das rochas, o clima da
região e as diferentes forças endógenas e exógenas que, de maneira geral, atuam como fatores
construtores e destruidores do relevo terrestre.
JATOBÁ e LINS (1998, p. 10) acrescentam ainda que o seu objeto de estudo é o relevo da
superfície do planeta, em seus aspectos genéticos, cronológicos, morfológicos, morfométricos e
dinâmicos. Esse objeto está situado na zona de contato entre a litosfera, a atmosfera e a biosfera.
Já a Geomorfologia Litorânea, segundo Antônio CHRISTOFOLETTI (1980, p. 128-129),
tem como preocupação estudar as paisagens resultantes da morfogênese marinha, na zona de
contato entre as terras e os mares. Em seus detalhes, a morfologia litorânea torna-se muito
complexa por causa da interferência de processos marinhos e subaéreos sobre estruturas e
litologias muito variadas. Além disso, os processos morfogenéticos que atuam sobre as formas de
relevo das costas, dando origem a paisagens diversificadas, são controlados por inúmeros fatores
ambientais (geológicos, climáticos, bióticos, oceanográficos, etc.), que, por seu turno, chegam a
variar de uma área para outra da costa, bem como na escala de variação temporal.
Do ponto de vista da topografia e da geomorfologia, observa-se na região do Baixo
Mamanguape algumas compartimentações litológico-estruturais, a saber:
115
a) Os Baixos Planaltos Costeiros (Tabuleiros)
Os baixos planaltos costeiros constituem uma superfície sub-estrutural semi-tabular que
marca nitidamente a morfologia costeira do Estado da Paraíba. Alcançam, aproximadamente, 60
quilômetros de leste para oeste, com altitudes que vão aumentando no mesmo sentido, de 30-40
metros até 200 metros (CARVALHO, op. Cit., p. 27).
Os seus principais sub-compartimentos são:
– As Falésias
Ao se dirigirem para a costa, os baixos planaltos vão dar origem a grandes escarpas
abruptas, normalmente atingindo 45º de inclinação. Essas escarpas recebem o nome de falésias
vivas e mortas, estas últimas também são chamadas de falésias inativas.
Por estarem em contato direto com o mar, as falésias vivas exibem notável atividade
erosiva (processo de solapamento da base em função da ação das vagas oceânicas e
desmoronamento das partes superiores em função do efeito da gravidade). Esse fato é intensificado
pela fragilidade dos materiais constitutivos, normalmente sedimentos areno-argilosos, pela quase
ausência de cobertura vegetal e pelas atividades praticadas pelo homem no topo dos interflúvios
(corte de estradas, retirada de material para abastecer a construção civil, criação de loteamentos e
avanço da agricultura).
Por outro lado, as falésias mortas encontram-se totalmente protegidas da abrasão marinha,
uma vez que não sofrem mais os efeitos das ondas durante as preamares. Na verdade, elas balizam
uma antiga posição da linha de costa. Entretanto, outros fatores oriundos da própria dinâmica
continental podem ser notados nesse ambiente, tais como: ravinamento, desmoronamento,
deslizamento, solifluxão, etc. As ações humanas, descritas anteriormente, também são evidentes
sobre elas.
Na área em estudo, as falésias vivas chegam a medir entre 10 e 40 metros de altitude. Belas
feições podem ser observadas na praia do Oiteiro, município de Rio Tinto, bem como ao norte da
sede municipal de Baía da Traição, nas praias do Giz Branco, Tambá e Cardosas (Fotos 6 e 7). Já
as falésias mortas atingem até 50 metros de altitude, apresentando, contudo, inclinações menos
acentuadas. Destaque para aquelas localizadas ao norte da aldeia Tramataia, no município de
Marcação, e para as que estão situadas ao sul da sede municipal de Baía da Traição, distando cerca
de 1,3 quilômetro da linha de praia.
– As Vertentes
Vários são os processos responsáveis pela morfologia das vertentes, entre eles destacam-se
as características litológicas (natureza das rochas), as condições climáticas da região, a estrutura do
relevo e os efeitos do tectonismo.
116
Foto 6 – Aspecto das belas falésias vivas situadas ao norte da sede
municipal de Baía da Traição.
Praia do Giz Branco, aldeia Potiguara Galego.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
Foto 7 – A ação das ondas sobre as falésias provoca a desagregação e o desmoronamento
dos materiais constitutivos, formando um talude na base delas.
Praia do Giz Branco, aldeia Potiguara Galego, município de Baía da Traição, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
117
Segundo CARVALHO (op. Cit., p. 29), o modelado das vertentes que compõem os baixos
planaltos costeiros é variado. Sendo assim, elas exibem formas alongadas, côncavas e,
predominantemente, convexas; são bem dissecadas, com sulcos e ravinas alargadas pela ação do
escoamento superficial pluvial e pela interferência humana. Algumas vezes, apresentam-se
lobuladas ou com festões devido aos entalhes fluviais, caracterizando os grotões. Estes coincidem
quase sempre com áreas de cabeceiras cobertas com mata úmida, dando origem a anfiteatros com
declives acentuados.
As vertentes dos cursos d’água situados à esquerda do baixo vale do Mamanguape são mais
expressivas e apresentam inclinações bastante significativas. Destaque para os riachos Jangada,
Arrepia, Gurubu, Catolé e para os rios Tinto, Grupiúna e Jacaré. A análise da altimetria permite
também constatar a presença de belas vertentes na margem esquerda do estuário do rio
Mamanguape (nas proximidades do rio do Gelo, do porto de Marcação e dos povoados Brejinho de
Baixo e Boi Choco).
– Os Vales
No dizer de GUERRA e GUERRA (op. Cit., p. 627), os vales são formas topográficas
constituídas por talvegues e duas vertentes com dois sistemas de declives convergentes. Nesses
locais o processo de dissecação fluvial é notável, mas não único, ou seja, a forma e o traçado dos
vales estão em função de alguns elementos, a saber: o clima, a natureza das rochas, o volume do
relevo e a fase em que ele encontra-se dentro do ciclo morfológico.
Na área dessa pesquisa todos os vales foram entalhados verticalmente sobre os sedimentos
do Grupo Barreiras, atingindo em alguns pontos o embasamento cristalino. Muitos deles são
estreitos e apresentam a forma de V, característica essa que passa a ser modificada quando os rios e
riachos que divagam sobre eles atingem as áreas mais amplas das várzeas, geralmente nas porções
terminais. É o caso do rio Jacaré e do riacho São Francisco (margem esquerda do vale do
Mamanguape) e dos riachos Goité, Freve, Taberaba e Cravaçu (margem direita do referido rio).
Por fim, os vales de maior expressão são os dos rios Estiva, Sinimbu e Mamanguape, cujas
várzeas chegam a contrastar com os compartimentos mais elevados. O leito maior do rio
Mamanguape, por exemplo, chega a medir cerca de 6 quilômetros de largura na área dominada
pelos manguezais (estuário).
– Os Topos (Interflúvios)
Os topos dos baixos planaltos costeiros na Paraíba correspondem a uma superfície
aplainada ou suavemente ondulada que exibe graus diferenciados de dissecação. Regra geral,
aqueles que estão localizados no Litoral Meridional apresentam processo mais avançado de erosão,
fato explicado, principalmente, pela ocorrência de índices mais elevados de umidade e
precipitação.
118
Conforme já foi discutido anteriormente (Seção 2.2.2 – A Rede Hidrográfica), os
interflúvios situados ao sul da várzea do Mamanguape encontram-se mais preservados. Além
disso, eles exibem cotas altimétricas inferiores a 90 metros, decrescendo na direção oeste-leste. Por
outro lado, os interflúvios situados na porção norte são mais dissecados e mais elevados,
ostentando cotas que atingem aproximadamente 200 metros de altitude na margem direita da
rodovia BR-101 (cerca de 10 quilômetros ao norte da cidade de Mamanguape).
b) A Planície Costeira
A planície costeira corresponde a uma faixa descontínua disposta ao longo do Litoral,
formada durante o Quaternário (Holoceno) a partir da acumulação de sedimentos de origem
marinha, fluvio-marinha, lacustre e eólica.
Na região objeto dessa pesquisa ela apresenta três feições bem distintas: ao sul do grande
estuário ela chega a medir cerca de 1,5 quilômetro de largura e exibe certa linearidade. O trecho
localizado ao norte da foz do rio Mamanguape apresenta largura semelhante. No entanto, algumas
enseadas podem ser observadas na paisagem (na praia do Coqueirinho e na ponta da Jangadinha).
Por fim, o trecho compreendido entre a porção norte da praia do Forte e a praia das Cardosas
corresponde ao mais estreito de toda a área estudada, devido à presença das imponentes falésias
vivas.
No que concerne às feições morfológicas, a planície costeira está dividida em:
– Praias Arenosas
As praias são formadas pelo conjunto de sedimentos depositados ao longo do Litoral e são
consideradas os ambientes mais dinâmicos em virtude das forças que atuam sobre elas: ação dos
ventos, dos rios, das ondas, das correntes marítimas, das tempestades, etc. A origem, composição e
preservação dos sedimentos das praias (areias, siltes, argilas, cascalhos, conchas, entre outros)
resultam da ação combinada desses fatores. Não obstante, ao considerar o trabalho realizado pelas
ondas, LEINZ e AMARAL (1985, p. 185) escreveram o seguinte:
“Numa praia ocorrem fenômenos de construção e destruição. Na época das
ressacas predomina a destruição, sendo grande a quantidade de água que
avança por sobre as praias (...). O contínuo vaivém das ondas seleciona os
grãos ou os detritos existentes nas praias segundo o peso; os mais leves sendo
carregados, ficando os mais pesados, geralmente dispostos sob a forma de
cordões.”
Com efeito, a morfologia das praias vai depender da amplitude das marés, da declividade
do terreno e da intensidade do remanejamento eólico.
119
– Restingas
São faixas ou línguas de areia depositadas paralelamente ao Litoral, graças ao dinamismo
das águas oceânicas. Do ponto de vista geomorfológico, o Litoral de restinga possui aspectos
típicos, tais como: faixas paralelas de depósitos sucessivos de areias, lagoas resultantes do
represamento de antigas baías, pequeninas lagoas formadas entre as diferentes flechas de areias,
dunas resultantes do trabalho do vento sobre as areias, formação de barras obliterando a foz de
alguns rios e/ou riachos, etc. (GUERRA e GUERRA, op. Cit., p. 542-543).
Duas grandes restingas podem ser facilmente identificadas na área dessa pesquisa. A
primeira estende-se por cerca de 8 quilômetros ao longo do Litoral do município de Rio Tinto,
sendo interrompida pela foz do rio Mamanguape (Foto 1). A lagoa do Saco e a lagoa da Praia,
ambas localizadas no município supracitado, constituem evidências do processo de barramento dos
pequenos riachos pelos sucessivos depósitos de areias (cordões ou flechas).
A segunda restinga rolonga-se pelo Litoral dos municípios de Marcação e Baía da Traição,
perfazendo aproximadamente 10 quilômetros de extensão. A sua formação impediu o contato dos
rios Sinimbu e Estiva com as águas do oceano Atlântico, obrigando os mesmos a caminharem
paralelamente à linha de costa. Vale lembrar que o rio Sinimbu despeja as suas águas no rio Estiva
e este despeja as suas águas no estuário do rio Mamanguape (Foto 8).
Foto 8 – Vista parcial da restinga situada ao norte da foz do rio Mamanguape. A presença
dessa flecha arenosa impediu o contato do rio Estiva com as águas do oceano (destaque para
os exuberantes meandros dispostos paralelamente à linha de costa e para a formação de
manguezais).
Praia do Coqueirinho, município de Marcação, Paraíba.
Foto: Ricardo Paulo de O. Silva (data desconhecida).
120
– Dunas
São montes de areia móveis depositados em uma área pela ação dos ventos dominantes. A
sua formação só é possível em locais onde existe uma grande quantidade de sedimentos
disponíveis para serem transportados pelos ventos.
Segundo PRATES et al. (1981, p. 316), as dunas apresentam diferentes colorações
relacionadas com a idade, a alteração e a mobilidade. A respeito desses dois últimos aspectos, os
autores lembram que geralmente as dunas móveis possuem cores claras. Já aquelas que são
parcialmente fixadas pela vegetação arbóreo-arbustiva exibem coloração variando de creme ao
vermelho. As de cor creme são mais altas, estão situadas próximas ao mar e constantemente são
reativadas em decorrência de processos naturais e artificiais.
Na área dessa pesquisa, as dunas estão distribuídas de forma oblíqua ao Litoral e são
formadas pela ação dos ventos alísios de SE-E. Com efeito, podem-se destacar dois setores
dunares, ambos separados pela foz do rio Mamanguape. Um deles compreende o trecho entre as
praias do Oiteiro e Barra de Mamanguape (porção sul da várzea) e o outro compreende o trecho
entre as praias do Coqueirinho e Trincheira (porção norte da várzea).
Vale ressaltar que o setor sul exibe as dunas mais significativas, conforme destacou
CARVALHO (op. Cit., p. 21-22):
“Na Barra de Mamanguape, as dunas ocorrem em dois alinhamentos
paralelos que separam a praia da planície marinha. O mais antigo constitui
formações semi-fixa e fixa, com altitude média de 10-12 metros acima do nível
do mar, para as dunas mais elevadas, e de 4-6 metros, para as mais baixas,
apresentando declives acentuados em ambas as faces. A face externa, voltada
para o mar, encontra-se coberta por vegetação rala de praia (...), que deixa
grande parte do terreno exposto; esses terrenos são constituídos por areias
quartzozas, de granulação média a fina, remanejadas por rastejamento e pela
ação eólica. (...) Na face interior, a vegetação é ainda rala, com trechos exíguos
de vegetação arbustiva. (...)
O segundo alinhamento compreende uma formação em franco
desenvolvimento que se coloca ao pé do anterior. Apresenta altitude média
entre 1,0 e 1,5 metros da crista à base, medidos na face interna, onde o declive
é bem acentuado. Na face a barlavento a inclinação é pequena e pode-se
perceber uma superfície rugosa (riple marks) refletindo uma ação constante dos
ventos de sudeste que emprestam mobilidade a esta forma de relevo litorânea.”
– Estuários
Os estuários são ecossistemas representados pela comunicação de um rio com o mar
(flúvio-marinho), constituindo assim um ambiente relativamente complexo onde geralmente
ocorrem formações de manguezais. Eles apresentam ainda propriedades inerentes aos sistemas
121
dulciaqüícola e marinho, com certo gradiente de salinidade e propriedades peculiares (GRISI, 2000,
p. 79).
Na região em apreço, pode-se destacar o grande estuário do rio Mamanguape, cuja
exuberante floresta de mangue estende-se até a cidade de Rio Tinto, formando uma bela paisagem.
O rio Estiva, principal tributário do Mamanguape, exibe um pequeno trecho coberto por essa
vegetação e ambos descrevem notáveis meandros nas proximidades das desembocaduras (Fotos 2 e
8), dando origem, inclusive, a inúmeras gamboas.
Por fim, os estuários apresentam grandes concentrações de areias, argilas, siltes,
sedimentos vasosos, material detrítico e restos de animais e plantas em processo de decomposição.
A associação dessas características com as condições climáticas e botânicas contribui para
transformar esses locais em áreas propícias à alimentação e à reprodução de várias espécies de
animais (peixes, crustáceos, répteis, aves, insetos, etc.).
– Lagoas e Depressões
As lagoas são corpos de água que mantêm conexão mais ou menos restrita com o mar
aberto, ligadas a ele por intermédio de barras que permanecem fechadas durante certo período.
Regra geral, no Litoral elas apresentam formas alongadas, são rasas, estreitas e separadas do mar
por uma barreira arenosa de largura variada (duna e/ou restinga) (NEVES, 1993, p. 39).
A lagoa do Saco e a lagoa da Praia, mencionadas anteriormente, representam bons
exemplos dessa dinâmica costeira. Elas são abastecidas pelas fontes subterrâneas (lençol freático),
pelas águas dos riachos existentes e pelas descargas pluviométricas, o que lhes confere a presença
de uma água com característica salobra.
As depressões, por sua vez, ocupam as porções mais baixas da planície costeira e estão
dispostas entre as dunas e os cordões arenosos ou entre os cordões e as escarpas dos baixos
planaltos (falésias mortas). Nesse aspecto, destacam-se as amplas áreas encharcadas ao longo da
calha do rio Sinimbu, nas cercanias da cidade de Baía da Traição, onde dominam os campos de
várzea com espécies higrófilas, hidrófilas e halófilas (Foto 9). Essas depressões podem também ser
encontradas na periferia do estuário do rio Mamanguape.
c) As Planícies Aluviais (Várzeas)
Assim como a planície costeira, as planícies aluviais (várzeas) também foram formadas
durante o Quaternário (Holoceno) a partir da acumulação de depósitos de natureza variada
(materiais arenosos, argilosos, areno-argilosos, orgânicos, cascalheiros, etc.). Na verdade, o
pequeno gradiente dos rios e a maior capacidade erosiva a montante dos mesmos são responsáveis
pela elaboração dessas áreas, também chamadas de planícies de inundação porque, por ocasião das
cheias, a elevação do nível das águas provoca o transbordamento sobre as margens, inundando as
áreas baixas marginais (NEVES, op. Cit., p. 45-46).
122
Vale ressaltar que as planícies aluviais adquirem maior expressividade espacial quando os
rios de maior vazão atingem superfícies planas e com baixos níveis altimétricos, ou seja, nas
porções terminais. Nesses locais, os processos de deposição de sedimentos são mais intensos em
relação aos processos de erosão. Na área objeto dessa pesquisa destacam-se as planícies dos rios
Mamanguape, Estiva, Sinimbu (Foto 9) e Jacaré. No caso dos dois primeiros, ressalta-se a
ocorrência de áreas cobertas por manguezais e, no caso dos dois últimos, a existência de grandes
áreas pantanosas (encharcadas).
Foto 9 – Vista panorâmica da planície do rio Sinimbu. Em primeiro plano, destacam-se os
campos de várzea (higrófilos e hidrófilos) e, ao fundo, as falésias mortas ocupadas por
densa vegetação.
Município de Baía da Traição, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
2.2.6 OS SOLOS
De acordo com SOUZA (1997, p. 76), o solo diz respeito a uma parcela dinâmica da
superfície terrestre que suporta e mantém as plantas. Suas características são decorrentes da
combinação de vários fatores, tais como: material de origem (rocha matriz), formas de relevo,
condições climáticas, ação dos seres vivos, evolução do tempo, acrescidos dos efeitos de uso pelo
homem.
A região do Baixo Mamanguape, objeto de investigação desta pesquisa, apresenta uma
grande variedade de tipos de solos decorrente da integração dos fatores apontados anteriormente.
Com efeito, os principais tipos encontrados na área são os seguintes:
123
a) Areias Quartzosas Marinhas Distróficas
São solos brutos, muito profundos, de baixa fertilidade natural, excessivamente drenados,
ácidos a fortemente ácidos, que apresentam sérios problemas de erosão nas áreas expostas à ação
dos ventos (SILVA, 1995, p. 75).
Eles estão dispostos na estreita faixa de terras que acompanha o Litoral, área essa dominada
pelas praias, pelas dunas e pelas restingas. Outras características também podem ser destacadas – a
topografia relativamente plana e as baixas altitudes, quase sempre inferiores a 10 metros.
Vale lembrar que esses solos foram constituídos durante o Holoceno e que o material
originário é composto basicamente por sedimentos de origem marinha e eólica (areias quartzosas
não consolidadas) cuja coloração que varia do branco ao cinzento. Os principais tipos de vegetação
encontrados sobre eles são as formações pioneiras pantropicais, as formações da restinga e os
coqueirais, todos já bastante descaracterizados pela ação do homem (construção de loteamentos,
casas de veraneio, bares, pousadas, etc.).
b) Areias Quartzosas Distróficas
Esta classe compreende solos areno-quartzosos, muito profundos e com baixos teores de
argila. São também excessivamente drenados, possuem baixa fertilidade natural e horizonte A
fracamente desenvolvido (NEVES, op. Cit., p. 89).
Esses solos podem ser vistos nos topos dos tabuleiros costeiros e exibem várias limitações
às práticas agrícolas, tais como: baixa fertilidade natural, já referida anteriormente; acidez elevada;
pouca capacidade de retenção de água e nutrientes; dificuldade para a realização de processos de
adubação e correção, entre outras. As formações vegetais dominantes nesses locais são os cerrados
e alguns pequenos trechos de floresta subperenifólia.
c) Solos Aluviais Eutróficos
Classe integrada por solos pouco desenvolvidos, cuja profundidade varia de
moderadamente a muito profundos, formados a partir de deposições de sedimentos aluviais e
colúvio-aluviais não consolidados, de natureza e granulometria bastante variadas, referidos ao
Holoceno (SOUZA et al., 1981, p. 407).
Além disso, eles exibem grande fertilidade natural devido à heterogeneidade dos
sedimentos que são transportados e depositados ao longo das várzeas dos rios e riachos que
drenam a área em questão, locais ocupados tradicionalmente pela monocultura da cana-de-açúcar
e, em menor proporção, pela pequena agricultura de vazante (roças) em função das próprias
condições já referidas.
d) Solos Indiscriminados de Mangues
Esses solos ocorrem, do ponto de vista geomorfológico, nas planícies de marés localizadas
principalmente no complexo estuarino dos rios Mamanguape e Estiva. Eles são salinos
124
(halomórficos), bastante saturados de água e possuem alto teor de matéria orgânica em função da
intensa atividade biológica existente nesses ambientes (MARINHO, op. Cit., p. 58). Além disso,
podem-se encontrar também sedimentos argilosos, argilo-siltosos, vasosos e arenosos, estes
últimos ocupando principalmente as áreas periféricas dos estuários.
Os manguezais representam a formação vegetal dominante nesses locais, uma vez que
conseguem se desenvolver e se adaptar a essas condições particulares. Apesar desses solos
apresentarem significativas limitações para uso humano (agricultura, criação de animais,
construção civil, etc.), devido a grande quantidade de sais e água decorrentes do movimento de
fluxo e refluxo das marés, podem-se observar algumas alterações recentes na paisagem
relacionadas ao processo de aterramento para construção de estradas, casas e abertura de tanques
para a criação de camarão (carcinicultura).
e) Solos Podzólicos Vermelho-Amarelo Distróficos
São aqueles desenvolvidos a partir de sedimentos argilo-arenosos do Grupo Barreiras,
aparecendo sobre os baixos planaltos costeiros. Em geral, são solos profundos, ácidos e com
drenagem imperfeita. Por razão da baixa disponibilidade de nutrientes em sua composição química
e ao alto teor de acidez, oferecem restrições consideráveis ao cultivo de produtos agrícolas,
necessitando, portanto, de adubação e aplicação de corretivos para minimizar as deficiências
(NEVES, op. Cit., p. 92).
Inúmeras culturas agrícolas podem ser encontradas sobre esses solos, destacando-se,
contudo, as culturas da cana-de-açúcar e do abacaxi. Na verdade, elas são responsáveis pela
destruição dos cerrados e da floresta subcaducifólia que recobriam originalmente os topos dos
tabuleiros.
f) Solos Podzólicos Vermelho-Amarelo Eutrófico
São solos desenvolvidos a partir de rochas do Pré-Cambriano e em áreas de contato destas
como os sedimentos do Barreiras. Eles exibem horizonte B textural, não hidromórficos, com argila
de atividade baixa e saturação de bases média e alta, apresentando, em geral, baixa saturação com
alumínio. É característico nesses solos a presença de um horizonte A proeminente (SILVA, 1995, p.
77).
Sobre eles podem ser encontrados ainda alguns remanescentes das formações florestais dos
tabuleiros: a floresta ombrófila densa (floresta subperenifólia) e a floresta estacional semidecidual
(floresta subcaducifólia), ambas bastante devastadas pelo avanço da pecuária extensiva e da
monocultura da cana-de-açúcar na região.
g) Solos Podzol Hidromórfico
Esta classe é constituída por solos com horizonte B podzol, hidromórficos, muito arenosos,
bem diferenciados, profundos, ácidos, com saturação de bases muito baixa e alta saturação com
125
alumínio. São solos de fertilidade natural excessivamente baixa, com drenagem imperfeita ou má.
A permeabilidade, entretanto, é rápida no horizonte A e lenta ou imperfeita nas demais camadas, o
que contribui para acumulação de água na superfície durante a época das chuvas (SILVA, 1995, p.
78-79).
Eles podem ser observados nos topos dos tabuleiros e em alguns terrenos arenosos da
planície costeira. As vegetações identificadas sobre esses solos – os cerrados e a restinga (floresta
baixa e formações arbustivas e herbáceas) – encontram-se bastante alteradas pelas ações do
homem.
h) Solos Gley Distróficos Indiscriminados
Estes solos desenvolvem-se a partir de sedimentos não consolidados, referidos ao
Holoceno. São hidromórficos gleizados, com baixa saturação de bases e textura desde arenosa até
argilosa, formados em terrenos baixos sob influência do lençol freático durante todo o ano ou pelo
menos durante um longo período, em decorrência do relevo que condiciona má drenagem (NEVES,
op. Cit., p. 93-94).
Estes sedimentos aluviais e colúvio-aluviais são provenientes de áreas mais distantes e
foram depositados nas porções terminais dos principais rios que drenam a região, a exemplo do
Mamanguape, Estiva, Sinimbu e Jacaré. Eles podem também ser vistos nas proximidades das
lagoas do Saco e da Praia e sobre os mesmos desenvolvem-se os campos de várzea com espécies
higrófilas, hidrófilas e halófilas.
CAPÍTULO 3
A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE
127
CAPÍTULO 3
A EXPERIÊNCIA CANAVIEIRA NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE
“O Santa Fé ficava encravado no engenho do meu avô. As terras do Santa
Rosa andavam léguas e léguas de norte a sul. O velho José Paulino tinha
este gosto: o de perder a vista nos seus domínios. Gostava de descansar os
olhos em horizontes que fossem seus. Tudo o que tinha era para comprar
terras e mais terras. Herdara o Santa Rosa pequeno, e fizera dele um reino,
rompendo os seus limites pela compra de propriedades anexas.”
REGO, José Lins do. Menino de Engenho.
3.1 A NATUREZA DO PROJETO COLONIAL AÇUCAREIRO E A CONSOLIDAÇÃO DO
LATIFÚNDIO NO NORDESTE DO BRASIL
O surgimento da grande propriedade rural no Brasil, comumente denominada de latifúndio,
remonta ao período da colonização lusitana nas terras localizadas à leste do meridiano de
Tordesilhas, linha divisória estabelecida a partir do acordo celebrado com a Espanha em 1494.
Com efeito, esse processo de conquista territorial está também relacionado aos principais
acontecimentos observados na Europa, África e Ásia a partir do século XV.
Segmentos da burguesia comercial e da nobreza lusitanas, esta última representada pela
dinastia de Avis, haviam se empenhado com firmeza no projeto de devassar os longínquos oceanos
com o propósito de encontrar uma saída para a crise que enfrentavam naquela ocasião: de um lado,
a concorrência política e econômica com outras nações européias (Espanha, Itália, Holanda, França
e Inglaterra) e, de outro, o bloqueio das cidades de Constantinopla e Alexandria10 pelos turcosotomanos, gerando problemas de abastecimento de produtos oriundos dos distantes mercados
orientais (seda, chá, lã, pimenta, gengibre, cravo-da-índia, noz-moscada, essências aromáticas,
papiro, etc.).
O descobrimento de um caminho para as Índias, através do Atlântico, tornara-se possível
graças ao grande aperfeiçoamento técnico alcançado na Península Ibérica, tendo Portugal papel de
vanguarda. De fato, foram os portugueses os responsáveis pelas maiores conquistas no campo da
navegação, uma vez que inventaram a caravela, aperfeiçoaram o uso dos instrumentos de
orientação (bússola, astrolábio e quadrante) e desenvolveram uma cartografia moderna, voltada
para as necessidades dos exploradores. Toda essa revolução significava para os portugueses o
monopólio sobre o comércio dos produtos citados anteriormente, quebrando a hegemonia dos
10
Em 1453 Constantinopla foi dominada pelos turcos, tornando-se a capital do Império Otomano. Na ocasião, passa a
se chamar Istambul (ARRUDA, 1996, p. 18). Alexandria era uma grande cidade portuária localizada no delta do rio
Nilo, às margens do mar Mediterrâneo. Devido à localização privilegiada, elas formavam importantes centros
comerciais, elos de ligação entre o oriente e o ocidente.
128
italianos e dos mouros, limitados ao mar Mediterrâneo e às rotas que atravessavam os inóspitos
desertos da Àsia Menor e Central.
A epopéia marítima lusitana ganhara ressonância em todos os cantos do planeta, alargando
de maneira significativa os horizontes geográficos da época e contribuindo decisivamente para as
explorações dos continentes africano, asiático e americano. Ademais, ela foi vital para a
consolidação do capitalismo comercial enquanto modo de produção e organização do espaçomundo.
Fernando PESSOA (1980, p. 46), grande personagem da cultura portuguesa no século XX,
imortalizou através da poesia a fase áurea dessas conquistas. Em seus versos:
“(...) A alma é divina e a obra é imperfeita
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus
E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas quinas, que aqui vês
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português [grifo nosso]
E a cruz ao alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar.” [grifo nosso].
Ao longo de todo o século XV, os navegadores que estavam a serviço da Coroa portuguesa
concentraram esforços na exploração da costa ocidental da África, em busca de ouro e escravos,
bem como na colonização das ilhas do Atlântico Norte (Madeira, Açores, São Tomé e Cabo
Verde), onde realizaram com sucesso o cultivo da cana-de-açúcar. No início do século seguinte
eles já haviam ultrapassado o Cabo da Boa Esperança, porção mais meridional daquele continente,
ávidos pelas riquezas das Índias. Nessa mesma época atingiram o Litoral brasileiro, donde
começaram a exploração de maneira tímida.
Durante as três primeiras décadas do século XVI, a extração de árvores, notadamente o paubrasil (Caesalpinia echinata), representou a principal atividade econômica do território brasileiro
recém-descoberto. Encontradas em grande quantidade no interior da exuberante formação vegetal
que recobria o Litoral Oriental do Brasil (Mapa 19), sua exploração não exigia a ocupação
definitiva das terras e nem muito menos a presença constante dos colonizadores. Estes,
aproveitando-se da benevolência dos nativos, estabeleceram as bases de um comércio nos quais os
produtos da floresta eram trocados por quinquilharias e transportados até os navios que, após o
carregamento, seguiam além-mar em direção às principais metrópoles européias onde seriam
129
finalmente utilizados na produção de remédios, na indústria de tingimentos, na fabricação de
embarcações e móveis e na construção civil.
MAPA 19 – AS ATIVIDADES ECONÔMICAS DO TERRITÓRIO
COLONIAL PORTUGUÊS NO INÍCIO DO SÉCULO XVI
Fonte: Adaptado de:
ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de (et al.). Atlas Histórico Escolar.
Rio de Janeiro: FAE, 8ª edição, 1988, p. 20.
O fato de não ter firmado as bases de uma política estável de exploração do solo, fez com
que Portugal sentisse de perto a intromissão de corsários ingleses, holandeses e, sobretudo,
franceses, conforme salienta ALMEIDA (1997, p. 41):
“Desde o Tratado de Tordesilhas, 1494, celebrado entre Portugal e
Espanha, mostrou-se a França inconformada por não ser admitida a participar
da partilha das terras que viessem a ser descobertas no aquém mar. Em
represália, estimulou o corso e a pirataria, sob a proteção da bandeira francesa,
no deliberado intuito de apoderar-se de um pedaço do novo mundo.
Os destemidos corsários da Normandia e da Bretanha não cessavam de
saltear as costas brasileiras e de atacar os navios portugueses que demandavam
os portos do reino, carregados de pau brasil ou de especiarias da Índia.”
Celso FURTADO (1991, p. 6) lembra ainda que a ocupação sistemática desse território seria
uma conseqüência da pressão política exercida sobre Portugal pelas demais nações européias.
Nestas últimas, prevalecia o princípio de que os portugueses não tinham direito senão àquelas
terras que houvessem efetivamente ocupado.
130
De posse desse entendimento, o rei D. João III incubiu Martim Afonso de Souza,
importante homem da Corte, de realizar a ocupação e a divisão político-territorial do Brasil. Assim
sendo, no ano de 1531 foram distribuídas as primeiras sesmarias àquelas pessoas que tivessem
interesse de morar e fazer produzir a terra. Na verdade, os primeiros colonos assentados não eram
pessoas ligadas à elite lusitana, mas sim médios comerciantes, militares, navegadores e burocratas
que, de algum modo, haviam prestado serviços à Coroa.
Essa primeira tentativa de ocupação teve fôlego curto. As dificuldades encontradas pelos
sesmeiros obrigaram o governo português a instaurar, em 1534, o sistema de capitanias
hereditárias, com o propósito de dinamizar o povoamento e expandir os campos cultivados com a
cana-de-açúcar. Tal experiência já havia logrado êxito nas ilhas do Atlântico, conforme foi
mencionado anteriormente.
As capitanias, ou donatarias como também eram conhecidas, constituíam grandes porções
de terra, de larguras que variavam entre 30 e 100 léguas, que se estendiam do Litoral até o limite de
Tordesilhas. Com efeito, as linhas paralelas (imaginárias) que delimitavam cada uma delas foram
traçadas de maneira arbitrária, uma vez que não levavam em consideração a existência de serras,
chapadas, vales, florestas, campos, territórios indígenas, etc., denunciando o desconhecimento dos
aspectos naturais e sociais do imenso território colonial.
De acordo com BUENO (2003, p. 42-43), do atual Maranhão às proximidades de Laguna
(Santa Catarina), o território brasileiro foi repartido em 15 capitanias, distribuídas a 12 donatários
(Mapa 20). Ao contrário das sesmarias, elas foram doadas a figuras importantes da Corte que, de
imediato, ficariam encarregados pela sua colonização, assumindo inclusive os custos do
empreendimento. Entretanto, a falta de interesse dos donatários acabou frustrando essa nova
tentativa de ordenamento territorial. Algumas capitanias jamais chegaram a ser ocupadas, outras
experimentaram tímidas tentativas de povoamento. De todas elas, apenas duas conseguiram se
manter desde o início: São Vicente, concedida a Martim Afonso de Souza, e Pernambuco,
concedida e administrada com muito sucesso por Duarte Coelho.
Vale ressaltar que essas unidades territoriais eram autônomas e profundamente
desarticuladas entre si. Segundo o professor Manuel Correia de ANDRADE (1995, p. 30), elas não
atingiram o êxito esperado pela Coroa em função de alguns fatores, a saber: a grande extensão dos
lotes (o maior deles chegava a medir cerca de 600 quilômetros de largura), a falta de recursos
pecuniários para manter o empreendimento (gastos com infra-estrutura, emprego de força de
trabalho), a dificuldade de adaptação dos colonizadores ao ambiente tropical e a forte resistência
por parte dos grupos indígenas que habitavam o território.
Apesar dos êxitos e fracassos observados nos primeiros tempos da colonização, esse
modelo de estrutura fundiária que começou a ser esboçado iria se reproduzir pelos cinco séculos
seguintes. Em outras palavras, ele seria o embrião do latifúndio canavieiro, algodoeiro, cacaueiro e
131
pecuarista no Nordeste; do latifúndio cafeicultor no Sudeste; das estâncias de gado no Sul; do
latifúndio da borracha e da pecuária na Amazônia, para citar apenas alguns exemplos.
MAPA 20 – AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS EM 1534
Fonte: Adaptado de:
ARRUDA, José Jobson de A. Atlas Histórico. São Paulo:
Ática, 14ª edição, 1996, p. 36.
O Litoral Oriental do Nordeste, mais especificamente a área compreendida entre a
capitania de Itamaracá, passando pela próspera capitania de Pernambuco, até a capitania da
Bahia de Todos os Santos, foi o palco onde floresceu a chamada civilização do açúcar (Mapas 19
e 20).
Os portugueses ali estabelecidos encontraram condições bastante favoráveis à expansão da
monocultura açucareira. A própria localização da Zona da Mata corroborava para que o tempo e os
custos de transporte do açúcar e de outros produtos em direção aos mercados metropolitanos
fossem reduzidos, fato que colocou o Nordeste em uma posição confortável em relação às demais
áreas do Litoral (Mapa 19). Além disso, outros fatores de ordem natural devem ser destacados: a
presença de um clima chuvoso, quente e úmido, associado à ocorrência de um solo argiloso de
elevada fertilidade natural (massapê) e de uma topografia suave, contribuíram para que os partidos
132
de cana-de-açúcar se alastrassem rapidamente pelas várzeas de importantes rios que drenam a área
em questão, a exemplo do Mamanguape, Paraíba do Norte, Goiana, Igarassu, Capibaribe,
Pirapama, Ipojuca, Serinhaém, etc.
Esse processo foi acompanhado pela derrubada de longos trechos de floresta e instalação de
unidades produtivas (engenhos reais e engenhocas), onde eram fabricados além do açúcar –
principal produto destinado aos mercados supracitados – o mel de furo, a rapadura e a aguardente,
sendo esta última um subproduto consumido na colônia e exportado em quantidades significativas
para as costas africanas, onde servia para alimentar o tráfico negreiro11 (PRADO JÚNIOR, 1987, p.
38). Ao lado do comércio de açúcar, o comércio de homens proporcionava vultosos rendimentos
aos aristocratas, latifundiários e traficantes, fato que fez com que a escravidão se difundisse por
mais de três séculos, perdurando mesmo depois da decadência econômica do Nordeste.
O aumento considerável da população escrava que desembarcava dos “tumbeiros”, ainda
que em condições deploráveis, podia ser interpretado como um indicador positivo do crescimento
da economia açucareira, cujos reflexos estavam associados também ao aumento do número de
engenhos, conforme destaca FERLINI (1988, p. 24):
“Os primeiros engenhos de Pernambuco começaram a funcionar a partir de
1535, com Duarte Coelho. Em 1550, já eram 4 os estabelecimentos, 30 em
1570 e 140 na época da conquista holandesa. A produção canavieira avançava
para a Paraíba e para o Rio Grande do Norte, que em meados do século XVII
possuíam cerca de 22 engenhos.
No século XVI, a produção também prosperava na Bahia. O Recôncavo,
que em 1570 contava com 18 engenhos, em 1584 já atingia 40 unidades de
produção.
Ao final do primeiro século de colonização, o Brasil produzia anualmente
350 mil arrobas de açúcar,” contribuindo para reduzir os preços desse produto
nos mercados europeus e para disseminar o seu consumo entre a população.”
Caio PRADO JÚNIOR (1987, p. 32) lembra que antes da introdução dos canaviais no
Nordeste do Brasil, o açúcar chegava à Europa em pequenas quantidades e por isso era vendido em
boticas, pesado em gramas. O mesmo era fornecido pela Sicília, Madeira, Cabo Verde e pelo
oriente de onde chegava por intermédio dos árabes e dos traficantes italianos do Mediterrâneo.
Tratava-se, portanto, de um artigo de luxo consumido exclusivamente pelas pessoas mais
abastadas da sociedade.
O Nordeste açucareiro viu nascer importantes cidades, todas erguidas na franja litorânea:
Recife, Igarassu (1535), Olinda (1537), Salvador (1549) e Nossa Senhora das Neves, atual João
11
Na África, milhares de negros (homens, mulheres e crianças) passaram a ser sistematicamente capturados por outros
negros e conduzidos até às feitorias localizadas no Litoral para serem trocados por cachaça e tabaco. Essa mão-de-obra
representou, sem sombra de dúvidas, a grande força motriz que esteve por trás da grande empresa agrícola colonial.
133
Pessoa (1585)12. Para elas convergiam os capitais provenientes de banqueiros e negociantes
holandeses, quase sempre judeus, que seriam utilizados não apenas na constituição e expansão das
lavouras, mas também na infra-estrutura necessária ao funcionamento de todo o empreendimento
colonial (melhoramento dos portos, compra de equipamentos, construção de estradas, casas,
edifícios públicos, igrejas, cemitérios, oficinas, armazéns, etc.).
Com o tempo essas cidades passaram a atrair cada vez mais pessoas da Europa, motivadas
pela possibilidade de conseguir terra para cultivar ou mesmo trabalho nas instalações urbanas.
Alimentar toda essa população, juntamente com o grande contingente de escravos, exigia certo
esforço no que concerne à produção de gêneros de subsistência como a mandioca, o cará, o feijão,
o arroz e o milho, produtos cultivados no interior dos próprios engenhos, normalmente em áreas
que foram relegadas pela monocultura da cana-de-açúcar em função das limitações edáficas, como
é o caso dos tabuleiros arenosos.
Regra geral, as terras dos engenhos exibiam nítida espacialização da produção. De um lado,
os partidos de cana ocupando os melhores “nichos”; de outro, as atividades complementares –
áreas destinadas às culturas de subsistência, pastagens e reservas florestais de onde se extraia as
madeiras de jacarandá, sucupira, cedro, ipê, visgueiro, pau-d’árco, entre outras que eram utilizadas
na construção de embarcações, casas, móveis e na produção de lenha, fonte energética
indispensável ao funcionamento das fornalhas.
A intensificação da produção de açúcar significava maior demanda desse combustível,
acarretando assim o definhamento dos bosques localizados nos arrabaldes dos engenhos. Diante
desta situação, restava ao proprietário ordenar a procura por madeiras em terras cada vez mais
distantes, sendo que, para isso, contava com a ajuda de escravos e animais de tração (cavalos,
éguas e bois) que foram trazidos pelos europeus. Esses animais eram utilizados ainda no transporte
da cana, no processo de moagem e no escoamento do produto final (açúcar e aguardente) em
direção aos terminais de exportação (portos).
Percebe-se, dessa maneira, que a monocultura foi introduzida nas terras do Nordeste de
maneira voraz, impiedosa, destruindo tudo o que encontrava pelo caminho. Com efeito, a
diversidade dos ecossistemas foi rompida pela uniformidade dos canaviais e os espaços coletivos
das nações indígenas, anteriormente destinados ao roçado, à pesca, à caça e à coleta, foram
suprimidos em nome do processo “civilizatório”. A esse respeito, o sociólogo Gilberto FREYRE
(1967, p. 45) escreveu o seguinte:
“Sabe-se o que era a mata do Nordeste, antes da monocultura da cana: um
arvoredo ‘tanto e tamanho e tão basto e de tantas plumagens que não podia
homem dar conta.’
12
De acordo com MORAES (1999, p. 31), essas cidades funcionavam como centros de atração e difusão dos fluxos
comerciais e financeiros, articulando a hinterlândia explorada com as rotas oceânicas. Daí a razão dos seus sítios
urbanos estarem situados nas margens de rios, baías e/ou estuários.
134
O canavial desvirginou todo êsse mato grosso do modo mais cru: pela
queimada. A fogo é que foram se abrindo no mato virgem os claros por onde se
estendeu o canavial civilizador mas ao mesmo tempo devastador [grifo nosso].
O canavial hoje tão nosso, tão da paisagem desta sub-região do Nordeste
que um tanto irônicamente se chama ‘a zona da mata’, entrou aqui como um
conquistador em terra inimiga: matando as árvores, secando o mato,
afugentando e destruindo os animais e até os índios, querendo para si tôda a
fôrça da terra. Só a cana devia rebentar gorda e triunfante do meio de tôda essa
ruína de vegetação virgem e de vida nativa esmagada pelo monocultor.”
E acrescentou ainda:
“A floresta tropical, devastada pelo colonizador português no interêsse
quase exclusivo da monocultura da cana ou da Metrópole faustosa, era um
obstáculo enorme a ser vencido pela colonização agrária do Nordeste. O
colonizador português venceu tão poderoso inimigo, destruindo-o.” (FREYRE,
op. Cit., p. 54).
Assim sendo, na medida em que os solos ocupados pela cana-de-açúcar iam demonstrando
sinais de esgotamento, os senhores de engenho necessitavam ocupar novas áreas para recomeçar o
ciclo destrutivo, seguindo sempre a mesma seqüência: coivara – cultivo – colheita – abandono dos
terrenos. Esta prática perdurou durante séculos e provocou a degradação dos recursos naturais
(água, solos, fauna e flora), sem falar nos danos sociais desencadeados a partir do avanço da
monocultura.
Esse modelo de exploração praticado sem a devida preocupação com os elementos do meio
físico, associado à ausência de aperfeiçoamento técnico da produção agrícola, contribuiu para a
decadência social, política e econômica da empresa portuguesa nas terras do Nordeste brasileiro. O
açúcar produzido pelos holandeses nas Antilhas (Caribe), em meados do século XVII, chegaria à
Europa em condições econômicas mais vantajosas, uma vez que o cultivo e a industrialização
experimentaram progressos substanciais. Além disso, o açúcar de beterraba já estava sendo
produzido em larga escala no velho continente.
De acordo com PRADO JÚNIOR (1987, p. 87), o desenvolvimento da agricultura brasileira
nesse período, embora bastante considerável, era muito mais quantitativo que qualitativo. No que
se refere ao aperfeiçoamento técnico, o progresso observado era praticamente nulo. Veja as razões
apontadas pelo autor:
O método empregado no preparo do terreno era bastante pernicioso ao meio ambiente: a coivara
figurava como um poderoso instrumento de destruição dos recursos faunísticos, florísticos e
edáficos;
Os instrumentos agrícolas estavam limitados à enxada e ao machado;
135
Os senhores de engenho sequer cogitavam usar o bagaço da cana-de-açúcar como adubo
orgânico e/ou combustível, coisa que nas colônias inglesas, francesas e holandesas já se tornara
processo rotineiro. O próprio esterco dos animais era desperdiçado;
A irrigação tão necessária em muitos lugares e relativamente fácil em vários casos, devido à
presença de importantes cursos d’água, era desprezada;
A drenagem dos solos e outros processos de regularização do fornecimento da água eram
praticamente desconhecidos na colônia;
Não existia preocupação com a escolha ou seleção de variedades de cana. Até o início do século
XIX só se conhecia uma variedade de cana-de-açúcar, a mesma que se cultivava desde o início
da colonização (cana crioula);
Os engenhos continuavam operando com aparelhagem obsoleta, resultando numa produção com
baixo rendimento. Apenas algumas fábricas utilizavam a água corrente como força motriz e a
maioria dos engenhos se restringia ao uso da força animal (animais de tiro) (PRADO JÚNIOR,
1987, p. 87-90).
136
3.2 O PROCESSO HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DO BAIXO VALE DO RIO MAMANGUAPE
Antes de discorrer sobre a ocupação do vale em apreço, torna-se oportuno lembrar que,
segundo Ambrósio Fernandes BRANDÃO13 (Diálogos das Grandezas do Brasil) apud ALMEIDA
(1997, p. 172), as riquezas do Brasil, no início do século XVII, consistiam em seis coisas: a
primeira, a lavoura do açúcar; a segunda, a mercancia; a terceira, o pau a que chamam Brasil; a
quarta, o algodão e as demais espécies de madeira; a quinta, a lavoura de mantimentos; a sexta e
última, a criação de gado. De todas estas coisas, o principal nervo e substância da riqueza da terra
era a lavoura do açúcar.
De fato, o relevo dado à grande lavoura açucareira vai estar presente também nas
descrições feitas por outros cronistas que percorreram esse território, como André Antonil, Adrien
van der Dussen e Elias Herckman. Além disso, a importância dessa atividade para a formação
social, cultural, política e econômica do Brasil pode ser observada ainda nas obras de grandes
cientistas sociais brasileiros, a exemplo de Casa Grande & Senzala e Sobrados & Mocambos, de
Gilberto Freyre; Geografia da Fome, de Josué de Castro; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de
Holanda; A Terra e o Homem no Nordeste e Os Rios do Açúcar do Nordeste Oriental, de Manuel
Correia de Andrade; O Açúcar e o Homem, de Mário Lacerda de Melo; Formação Econômica do
Brasil, de Celso Furtado; História Econômica do Brasil e Formação do Brasil Contemporâneo, de
Caio Prado Júnior, entre outras.
A respeito desse último trabalho, o próprio Caio Prado Júnior reforça a idéia de Ambrósio
Fernandes Brandão ao afirmar que a lavoura açucareira significava a espinha dorsal da sociedade
colonial, servindo de esteio econômico durante os primórdios da conquista e de base material para
o estabelecimento do europeu neste território que haveria de constituir o Brasil (PRADO JÚNIOR,
1999, p. 143-144).
Entretanto, conforme foi analisado na seção 3.1 (A Natureza do Projeto Colonial
Açucareiro e a Consolidação do Latifúndio no Nordeste do Brasil), antes da introdução das
primeiras mudas de cana-de-açúcar ao longo dos vales fluviais, a atividade de extração do paubrasil (Caesalpinia echinata), inicialmente praticada por corsários franceses, representou a
primeira manifestação econômica do território recém-conquistado. Através do auxílio dos índios
que habitavam a extensa faixa costeira, estes puderam se apropriar de grandes carregamentos da
“madeira de tinta”.
Ao se reportar aos índios que viviam na porção norte do Litoral paraibano, JOFFILY (1892,
p. 22-23) destacou o seguinte:
13
Oficial de infantaria nas primeiras expedições da conquista do território paraibano, Brandão foi também um dos
primeiros a receber sesmarias da Coroa, estabelecendo com isso a ocupação da terra através da edificação de dois
engenhos (MARIZ, 1978, p. 4).
137
“Os Potyguaras tinhão como limite meridional do extenso territorio que
dominavão, a margem esquerda do Parahyba, occupando, portanto, metade do
litoral (...).
Por muitos annos forão alliados dos francezes, os quaes tinhão na foz do
Parahyba e na bahia da Traição feitorias [grifo nosso]; e oppuzerão tenaz
resistencia ao estabelecimento do dominio portuguez.
De Potyguaras erão os diversos aldêamentos estabelecidos antes da invasão
hollandeza, ás margens dos rios Mamanguape e Camaratuba e na bahia da
Traição, dos quaes desapparecêrão uns, e outros servirão de nucleos ás actuais
cidades de Mamanguape e villa da Bahia da Traição, onde ainda hoje se vê
prevalecendo o seu sangue na maioria da população.”
Vale ressaltar que esta aliança com os franceses foi reprimida de maneira impiedosa pelas
tropas militares a serviço da Coroa portuguesa, de modo que muitas aldeias foram totalmente
destruídas, centenas de índios fugiram para o interior ou foram mortos violentamente e outros
tiveram que se submeter ao trabalho cativo. Não obstante, da mesma forma que os franceses
conquistaram a confiança dos Potiguaras, os portugueses encontraram nos Tabajaras seus grandes
aliados na luta contra aqueles que, não concordando com as determinações impostas pelo Tratado
de Tordesilhas, tentavam penetrar no território em questão. Sobre esse aspecto, o historiador José
Octávio de Arruda MELLO (1995, p. 29) lembrou que os portugueses aproveitaram-se das
divergências existentes entre as tribos indígenas para jogar umas contra as outras e, com isso,
poder prevalecer. Assim, aliás, atuou sempre o colonialismo, no Brasil, na América, na Ásia, na
África e na Oceania, ou seja, sem a cisão dos povos nativos os representantes do Império não
teriam dominado parte alguma do mundo.
Apesar de pertencerem ao mesmo grupo étnico-lingüístico (tronco tupi-guarani), os
Tabajaras e os Potiguaras viviam em conflitos constantes. Seus territórios estavam separados pelo
grande estuário do rio Paraíba do Norte e ambos praticavam uma economia semi-nomâde de
caráter coletivo, baseada no extrativismo (caça, pesca, coleta de frutos, cascas e raízes) e numa
incipiente agricultura de subsistência (roçado), onde cultivavam fumo, milho, feijão, batata,
inhame, mandioca (para a produção de bebida e farinha) e algodão (para a confecção de peças de
tecidos). Além disso, produziam também esteiras, redes, cestos, cerâmicas e alguns adereços.
Com efeito, a ruptura desse modo de vida/utilização dos recursos naturais começou a se
configurar com a exploração desmedida das florestas localizadas próximas à costa e,
posteriormente, com a implantação dos partidos de cana-de-açúcar e instalação de unidades fabris
– os engenhos, tendo a figura do colonizador papel de destaque. Na verdade, o que se observou no
território paraibano a partir desse momento foi apenas a continuação de um processo mais amplo e
complexo que teve início em outras partes do território colonial português nos primórdios do
século XVI, conforme destacaram Manuel Correia de Andrade e Caio Prado Júnior. Observe o
Quadro 11.
138
QUADRO 11 – A OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO COLONIAL PORTUGUÊS SEGUNDO
MANUEL CORREIA DE ANDRADE E CAIO PRADO JÚNIOR
1. O povoamento da costa nordestina se iniciaria por Itamaracá onde, admite-se, tenha sido instalada
uma feitora desde 1515, e onde foi implantada, após a criação das capitanias, uma vila – a de Nossa
Senhora da Conceição, atual Vila Velha – e em Pernambuco, então chamada a Nova Lusitânia, com
a criação, na quarta década do século XVI, das vilas de Igarassu e de Olinda. Na verdade, Olinda
seria, por cem anos, o grande centro irradiador de povoamento do Nordeste, competindo com a
Capital da Colônia, Salvador, fundada em 1549. De lá partiram as diretrizes para a ocupação dos
vales que seriam, depois, produtores de cana-de-açúcar como o do Capibaribe, do Ipojuca, do Una,
do Manguaba, do Mundaú, do Paraíba do Meio e do Jequiá, situados na Capitania, de que era a
Capital. De lá também partiram os povoadores e as tropas que, para combater franceses e índios, a
eles aliados, ocupariam, em território de outras Capitanias, os vales do Goiana, do Paraíba do Norte,
do Mamanguape, do Trairi, do Ceará-Mirim e a costa setentrional do Rio Grande do Norte e do
Ceará, levando o povoamento até o Maranhão e ao Pará, onde foi fundada a cidade de Belém.
A conquista da Paraíba, do atual espaço territorial paraibano, ocorreu nas duas últimas décadas do
século XVI, em função da necessidade de conquistar terras para a cultura da cana e criação de gado
e atenuar a ameaça francesa que pesava sobre a Capitania (ANDRADE, 1984, p. 110-111).
2. A distribuição geográfica da cana é ampla; encontramo-la disseminada por todo o litoral, do
Extremo-Norte, no Pará, até o sul, em Santa Catarina; e no interior, salvo nas regiões semi-áridas do
sertão nordestino, ela aparece, em maior ou menor escala, por todas as zonas habitadas do território
da colônia. É quase como a mandioca, um acompanhamento necessário do Homem.
Os seus grandes centros produtores todavia, aqueles que “contam”, restringem-se a algumas poucas
e restritas áreas do litoral. É aí que se localiza o que propriamente constitui a grande lavoura
açucareira. No mais, trata-se apenas de uma pequena produção local, onde aliás a cana é muito
menos aproveitada para fabricação do açúcar que para a da aguardente, do melado ou da rapadura; e
de pequena expressão no conjunto da economia canavieira. O litoral nordeste, da Paraíba a Sergipe,
e os contornos do Recôncavo baiano, formam as duas áreas mais importantes e mais antigas.
Naquele, as plantações de cana e os engenhos se condensam no baixo curso destes pequenos rios
que, todos paralelos, se sucedem de norte a sul, desde o Mamanguape, na Paraíba, multiplicando-se
consideravelmente em Pernambuco, até o rio Real em Sergipe. Cursos dágua que serviram de vias
de penetração, comunicação e transporte dos produtos; de fertilizadores do “massapê” em que a
cana se encontra tão à vontade. No Recôncavo baiano, similarmente, as culturas se concentram
também no estuário dos numerosos rios, braços de mar e endentações que retalham o contorno.
Pontos de acesso e de comunicação fáceis (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 144).
Fonte: Elaborado com base em:
ANDRADE, Manuel Correia de. Poder Político e Produção do Espaço. Recife: Massangana, 1984.
PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1999.
Especificamente falando, no final do século XVI a região do baixo curso do rio
Mamanguape, Litoral Norte da Paraíba, despertou a cobiça de contrabandistas de madeira
interessados na coleta do pau-brasil (Caesalpinia echinata). Essa exploração, no dizer de
ANDRADE (1957-b, p. 25-26), teve como ponto de partida a praia de Baía da Traição, situada entre as
desembocaduras dos rios Mamanguape (ao sul) e Camaratuba (ao norte). Além disso, ela foi realizada
desenfreadamente, com caráter de verdadeira devastação, provocando o esgotamento da madeira
nas poucas matas litorâneas que circunscreviam os vales dos rios. Em virtude dessas
características, não houve a ocupação definitiva das terras, nem por parte dos contrabandistas,
sobretudo franceses, nem por intermédio dos portugueses, interessados nas riquezas advindas com
o lucrativo comércio do Oriente (especiarias). Nesse momento é possível perceber que o gentio
não ofereceu nenhuma resistência ao colonizador, tendo, inclusive, colaborado com a extração e o
transporte da madeira. Para o professor Manuel Correia de ANDRADE (1979, p. 12), a região ainda
139
não existia enquanto fração do espaço organizado, uma vez que o colonizador não havia instalado
o seu “aparelho de exploração.”
O Baixo Mamanguape enquanto região geográfica resultou, a princípio, da implantação de
uma estrutura espacial produtiva no contexto colonial exportador do açúcar. A localização dos
partidos de cana-de-açúcar ao longo dos solos de aluvião dos rios e riachos que drenam a área e a
concentração produtiva e demográfica resultante, produzia uma denominação regional com base
no próprio curso d’água, o rio. Este exerceu importante papel no transporte da produção
(cabotagem), de sorte que se verifica uma estreita vinculação entre os assentamentos humanos
(cluster econômico e demográfico) e a rede de drenagem, à época.
Com efeito, a presença de uma extensa rede hidrográfica na porção litorânea da Paraíba
contribuiu também para facilitar a ocupação e o controle do território por parte dos colonizadores
portugueses, que logo trataram de fundar os primeiros núcleos populacionais (cidades, vilas e
povoados), quase sempre protegidos por grandes fortificações. Ademais, esses rios funcionaram
durante muitos anos como via de penetração para o interior e como palco onde floresceu a
civilização do açúcar.
Na verdade, durante o período colonial é possível identificar no Nordeste três grandes
núcleos difusores de povoamento. O primeiro deles estava representado pela cidade de Salvador,
de onde partiam tropas de homens e animais para colonizar o interior da região, seguindo sempre o
curso do rio Jacuípe, onde fundaram a cidade de Feira de Santana, e do rio Itapicuru, onde
fundaram a cidade de Jacobina, até atingir o vale do São Francisco na porção oeste da Capitania. O
segundo núcleo tinha a cidade de Recife como ponto de partida para as incursões pelos rios
Capibaribe e Ipojuca, alcançando ainda os vales do Pajeú e do São Francisco na área dominada
pelo clima semi-árido. Nesse longo trajeto, inúmeras cidades foram surgindo para dar suporte à
expansão da pecuária, a exemplo de Limoeiro, Pesqueira, Sertânia, Serra Talhada e Cabrobó. Por
fim, o terceiro núcleo partia da cidade de Olinda em direção ao Litoral setentrional, alcançando
pontos extremos dos territórios da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará. Convém ressaltar
ainda que, em A Terra e o Homem no Nordeste, Manuel Correia de Andrade citando o grande
folclorista Luís da Câmara Cascudo descreve os caminhos das boiadas que demandavam de Recife
e Olinda em direção ao interior da região, passando por várias povoações localizadas no Litoral, a
exemplo de Goiana, També, Mamanguape, Canguaretama e Natal (CASCUDO, 1956, apud
ANDRADE, 2005, p. 189).
Os textos expostos no Quadro 11 realçam ainda a importância que os rios tiveram na
ocupação do território colonial luso-brasileiro, destacando, inclusive, a função que os vales do
Paraíba do Norte e do Mamanguape desempenharam nesse processo.
Entretanto, é forçoso reconhecer que ao contrário do que ocorreu no vale do Paraíba do
Norte, durante essa fase a cana-de-açúcar não constituía a atividade econômica dominante no
140
Baixo Mamanguape, uma vez que dividia espaço com outras culturas (algodão, agave, milho,
mandioca, arroz, feijão, fava) e com a pecuária bovina e eqüina, atividades que ocupavam as
porções elevadas dos tabuleiros e eram responsáveis pelo fornecimento de animais de tração para
as atividades rurais e de alimentos para os habitantes dos engenhos e das cidades litorâneas que
não paravam de crescer.
Sobre esse aspecto, Manuel Correia de ANDRADE (1957-b, p. 26-27) escreveu o seguinte:
“À conquista portuguêsa seguiu-se a introdução da cana de açúcar na
região, mas, apesar do vale do Mamanguape ser o mais amplo e prestar-se
melhor à fundação de engenhos, os engenhos do Norte da Paraíba, por ocasião
da conquista holandesa, eram apenas o Camaratuba (VERDONK, Adrien,
1949) e o Miriri (DUSSEN, Adrien van der, 1947), situados nas bacias dos rios
do mesmo nome. Todos os demais engenhos paraibanos localizavam-se na
várzea do Paraíba, que teve para o Estado dêste nome uma função povoadora
semelhante à exercida em Pernambuco pelo Capibaribe.”
E destacou ainda:
“A cultura da cana era feita na várzea quaternária, em proporções ínfimas,
de tal forma que em 1774 (...) existiam aí apenas quatro engenhos, ao lado de
setenta e cinco fazendas. Era, assim, a pecuária, a atividade econômica
dominante, fazendo-se ao seu lado a cultura do algodão e de produtos de
subsistência, sobretudo a mandioca (Manihot utillissima Pohl).” (ANDRADE,
1957-b, p. 28).
Os dados apresentados na Tabela 3 sintetizam a evolução da organização do espaço na
Capitania da Paraíba no final do século XVIII, oportunidade em que se pode destacar os dois
aglomerados urbanos presentes na região do Baixo Mamanguape: a vila de Monte Mor e a vila da
Traição.
No entanto, antes de estabelecer algum comentário acerca das informações constantes na
tabela, torna-se oportuno esclarecer, segundo RODRIGUES (2008, p. 39-40), que a vila de Monte
Mor, atualmente localizada no município de Rio Tinto com a denominação de vila Regina, foi
construída pelos padres Jesuítas em uma colina mais próxima do mar para abrigar os índios
Potiguaras que viviam em constantes desavenças com os colonos portugueses (Foto 10). Assim,
com a saída dos índios, a povoação de Mamanguape ficou sendo habitada apenas pelos colonos e
pelas autoridades locais.
Observe que a vila supracitada constituía a terceira maior aglomeração urbana da Capitania,
com 1.313 fogos14 e 4.458 pessoas do rol de desobriga15, ficando atrás apenas da cidade da Paraíba
14
O termo fogo designava domicílio, residência, casa. Já o vocábulo fogal dizia respeito ao tributo que se pagava sobre
cada fogo (BOTELHO e REIS, 2008, p. 88).
15
As pessoas que constituíam o rol de desobriga estavam livres do pagamento do fogal.
141
e da vila de Pombal, esta última localizada na porção oeste do território. A presença de sete
aglomerações na zona conhecida hoje como Litoral denuncia o sentido inicial da colonização, uma
vez que a penetração para o interior (Sertão) demandava grandes esforços para superar os
obstáculos naturais (clima semi-árido, presença de inúmeros rios intermitentes, topografia elevada,
vegetação densa, etc.) e as numerosas tribos indígenas que ofereciam tenaz resistência ao avanço
do povoamento.
Através dos dados é possível perceber também que os aglomerados situados no vale do rio
Paraíba do Norte (cidade da Paraíba, vila Nossa Senhora do Pilar e freguesia de Taipu)
apresentavam 29 engenhos e apenas 1 fazenda de criação de gado. A vila de Monte Mor, por sua
vez, exibia 4 engenhos e 75 fazendas de criação. Por fim, a vila de Pombal e as freguesias de
Campina Grande e dos Cariris de Fora possuíam apenas áreas de criação, totalizando 211 fazendas
no ano de 1774. Com efeito, à exceção da vila de Monte Mor, pode-se estabelecer nitidamente a
separação entre o Litoral canavieiro e o Sertão pecuarista.
TABELA 3 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA CAPITANIA DA PARAÍBA EM 1774
Principais Aglomerações
Cidade da Paraíba
Vila Nossa Senhora do Pilar
Vila do Conde
Vila de Alhandra
Vila da Traição
Vila de Monte Mor
Vila de Pombal
Freguesia de Taipu
Freguesia de Campina Grande
Freguesia dos Cariris de Fora
Fogos
2.437
249
445
620
265
1.313
2.451
780
421
410
Pessoal do Rol
de Desobriga
10.000
965
744
1.009
628
4.458
5.422
3.700
4.190
1.799
Engenhos
Fazendas
17
--3
1
--4
--12
-----
--1
------75
77
--47
87
Fonte: Adaptada de:
Annaes da Biblioteca do Rio de Janeiro, 1923, apud ANDRADE, Manuel Correia de. Poder
Político e Produção do Espaço. Recife: Massangana, 1984, p. 117-118.
Ao se reportar ao baixo vale do rio Mamanguape, o historiador Irineu PINTO (1912, p. 158)
lembrou que, no período da colonização, o mesmo foi ocupado por inúmeras fazendas de criação
de gado bovino e eqüino, destacando-se aquelas que pertenceram ao seu povoador, Duarte Gomes
da Silveira e, posteriormente, as de André Vidal de Negreiros e dos padres Jesuítas. Estes últimos
possuíam uma fazenda de gado em Mamanguape, casa, cento e sessenta e três bois, duzentas e
cinqüenta e três vacas, setenta e três cavalos, nove escravos e nove escravas.
Ao contrário do que era exigido para a instalação dos engenhos e dos canaviais, a pecuária
extensiva representava um empreendimento relativamente barato que podia contar com um
pequeno número de trabalhadores. Esses fatores contribuíram para que as fazendas se expandissem
pela superfície dos tabuleiros cobertos pelos campos e pelos cerrados, deixando as várzeas mais
úmidas e mais férteis para o cultivo da cana-de-açúcar. Assim sendo, duas estruturas sociais e
142
econômicas puderam conviver lado a lado: a primeira era formada pelos engenhos açucareiros,
pelos coronéis e por uma grande quantidade de escravos; a segunda era constituída pelos currais de
gado, pelos fazendeiros e por um pequeno número de trabalhadores livres (os vaqueiros).
Foto 10 – Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, construída pelos
padres Jesuítas na vila de Monte Mor durante a colonização do baixo
vale do rio Mamanguape (século XVII).
Município de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
A cultura do algodão também se fez presente no vale do rio Mamanguape, incentivada
pelos acontecimentos desencadeados a partir da Primeira Revolução Industrial. Com efeito, entre o
final do século XVIII e início do século seguinte as plantações de algodão espalharam-se
rapidamente por amplas áreas da Província da Paraíba do Norte e passaram a abastecer
regularmente o mercado inglês e a sua nascente indústria têxtil. Mais tarde, com a eclosão da
guerra separatista nos Estados Unidos, entre os anos de 1860 e 1865 (Guerra de Secessão), a
cotonicultura experimentou um impulso ainda maior, haja vista a destruição dos algodoais na
porção meridional daquele país, até então o maior fornecedor dessa matéria-prima.
Os lucros obtidos com a exportação do algodão atingiram níveis significativos, fazendo
com que muitas cidades, sobretudo do Agreste e do Sertão, prosperassem com o cultivo da
143
malvácea. Celso MARIZ (op. Cit., p. 16) recorda que no século XIX o algodão tomou o caráter de
ouro branco, adquirindo peso maior na balança econômica e nas rendas orçamentárias da
Província da Paraíba do Norte. A Província que, em 1807, arrecadara Cr$ 29.000,00 de impostos
gerais, em 1815, só do algodão obtinha Cr$ 25.668,00 e, naquele exercício de 1816, alcançava Cr$
45.000,00.
No que se refere à cana-de-açúcar, apenas nas últimas décadas do século XIX foi que essa
cultura transformou-se de fato na atividade econômica mais importante do baixo e do médio vale
do rio Mamanguape, momento em que se verifica o aparecimento dos engenhos movidos a vapor.
Ela, que antes dividia espaço e prestígio com a pecuária e com o algodão, tornou-se dominante e
ocupou todo o baixo vale (só o município de Mamanguape contava com 40 engenhos de açúcar);
em direção ao Agreste estendeu-se até quase Guarabira, até onde as limitações pluviométricas o
permitiram. Na verdade, a introdução de melhoramentos na agroindústria do açúcar, com a
utilização do bagaço de cana como combustível, a importação de sementes de cana caiana e a
utilização do arado para fazer as plantações, trouxe um florescimento à região e incentivou a
cultura desse produto (ANDRADE, 1957-b, p. 29).
O vigor econômico do município de Mamanguape, representado pela produção,
beneficiamento e comercialização dos dois principais produtos de exportação – o algodão e o
açúcar – perdurou por quase cem anos, fazendo com que ele se transformasse no grande centro
comercial do Litoral Norte da Província, organizando e dinamizando uma vasta hinterlândia. Nesse
período áureo, Mamanguape cresceu em tamanho e em número de habitantes, tornando-se o
segundo mais populoso município da Paraíba16, ampliou a sua infra-estrutura urbana para dar
suporte a essas atividades e manteve um incontestável poder político sobre uma dezena de
municípios, vilas e povoados da região banhada pelo rio homônimo. Essa posição de destaque
passou a incomodar as autoridades provinciais, uma vez que toda a produção da região era
exportada para a cidade do Recife através do porto de Salema, desconsiderando o controle
tributário da capital.
A estreita ligação com a praça do Recife acabou atraindo para Mamanguape importantes
famílias pernambucanas – os Ramos do Rego Barros, os Cavalcanti de Albuquerque e os
Albuquerque Melo – e portuguesas, como os Teorga, os Castro Pinto, os Pereira de Almeida, os
quais formariam com os proprietários da terra a aristocracia local. Desta aristocracia sairia o único
titular do Império – Flávio Clementino da Silva Freire (o Barão de Mamanguape). Como
entreposto comercial, teve Mamanguape grandes armazéns, sobradões de azulejos (hoje
demolidos), igrejas seculares, cadeia e mercado públicos, estação telegráfica, tipografia e até foi
sede de um Vice-Consulado de Portugal (ANDRADE, 1957-b, p. 31; JOFFILY, op. Cit., p. 175-176).
16
Segundo JOFFILY (op. Cit., p. 253), no final do século XIX a cidade da Paraíba do Norte, capital da Província,
possuía 17.522 habitantes e o município de Mamanguape 8.395 habitantes.
144
Moradores antigos da cidade recordam com entusiasmo e saudosismo as histórias contadas
por seus pais e avós, sobre esses tempos de prosperidade. Sr. José Romero, 82 anos, conta que o
seu avô ganhou muito dinheiro produzindo algodão para exportação. Ele lembra que a cidade
possuía algumas máquinas para descaroçar o produto antes de embarcá-lo no porto de Salema. Ao
perguntar sobre como era a movimentação de carga no porto, ele acrescenta que diariamente vários
pequenos navios ancoravam no lugar para buscar nossos produtos (açúcar, algodão, carne seca,
farinha de mandioca, feijão, milho) e deixar outros para serem vendidos no comércio da cidade,
inclusive produtos importados da Europa (queijos, vinhos, louças e vitrais, tecidos finos, tapetes,
sapatos, etc.).
Dona Rita de Cássia, 73 anos, recorda que o comércio da cidade era bastante freqüentado
por pessoas que moravam em outras localidades mais distantes, como Guarabira, Areia e Alagoa
Grande. Seus pais, por exemplo, costumavam se deslocar do campo para buscar apoio na cidade,
atraídos pela variedade de mercadorias que o comércio oferecia e pela possibilidade de encontrar
um serviço de saúde, em caso de necessidade. Para ela, a cidade de Mamanguape era sinônimo de
modernidade, de progresso, de cultura e de lazer.
Ainda sobre esse contexto, é interessante destacar, segundo Celso MARIZ, 1985, apud
RODRIGUES (2008, p. 49), que:
“Na Rua Duque de Caxias, no Largo da Inspeção e na Rua da Carreira as
pilhas de algodão fechavam o trânsito, e o açúcar, com aquele cheiro
característico, melava as calçadas aguardando o momento de serem
embarcados pelo porto de Salema, denunciando trabalho e riqueza, terra fértil,
suor de cativos (...).
Em Mamanguape já se encontravam ruas calçadas e iluminadas por
lampiões de azeite, em cada esquina. As lojas maçônicas se reuniam. Cada
partido político tinha sua banda musical. No Teatro Santa Cecília, que
posteriormente, passou a se chamar São José, vinham e se apresentavam as
companhias de Recife. As famílias de melhores condições econômicas
mandavam seus filhos estudarem nos colégios de Recife (...).
As casas tinham suas frentes revestidas de azulejos. Em Mamanguape
moravam famílias portuguesas e italianas. Em Mamanguape havia
representação de firmas estrangeiras, entre elas a francesa Cahn Frères & Cia.”
Não obstante, a cidade de Mamanguape com sua economia pujante, com suas famílias
abastadas e com uma intensa vida política e cultural começou a mostrar sinais de decadência no
último quartel do século XIX. Na verdade, três episódios concorreram para isto: as limitações
apresentadas pelo porto de Salema, a construção da primeira estrada de ferro ligando a capital ao
interior da Província no ano de 1883 e a assinatura da Lei Áurea, abolindo o sistema de escravidão
no Brasil no ano de 1888.
145
Sobre o porto supraciado, torna-se oportuno destacar que, no ano de 1861, Henrique de
Beaurepaire Rohan lembrou que o comércio, a agricultura e a navegação de cabotagem formavam
a base da riqueza de Mamanguape. Todavia, ela seria mais avultada se fosse melhorada a entrada
da barra do rio homônimo (ROHAN, 1911, apud RODRIGUES, 2008, p. 46). Problema semelhante
foi descrito em 1892 por Irenêo JOFFILY (op. Cit., p. 176): “todo o seu commercio de exportação e
de importação é feito com a praça do Recife, por meio de barcaças, porque o rio, muito sinuoso e
cada vez mais estreito à proporção que se aproxima da cidade, não permitte navegação à barcos de
maior calado e dimensões.”
Segundo alguns estudiosos, a falta de investimentos para melhorar a infra-estrutura do rio
Mamanguape (alargamento e aprofundamento do leito) e do porto de Salema foi apenas um
elemento que contribuiu para a estagnação da economia do município. Para a maioria deles, o fator
de maior peso foi a inauguração da ferrovia Conde D’Eu, construída com capital inglês para
facilitar o escoamento do algodão, do açúcar e de outras mercadorias produzidas no interior do
território, em locais cada vez mais distantes do Litoral. Estas passaram a ser transportadas até o
porto da capital em um menor espaço de tempo, tornando-as mais baratas e mais competitivas no
mercado internacional.
A forte rivalidade política cultivada entre a capital (cidade da Paraíba) e o município de
Mamanguape talvez tenha contribuído para que os trilhos não contemplassem o território
mamanguapense, embora fosse este o segundo mais rico e populoso da Província naquela ocasião.
Sendo assim, em 1883 a ferrovia partiu da capital e atingiu a cidade de Itabaiana, localizada no
baixo vale do rio Paraíba do Norte; em seguida, os trilhos expandiram-se por outras áreas do
Agreste e alcançaram as cidades de Guarabira, em 1884, e Campina Grande, em 1907.
COSTA (1986, p. 167) chama a atenção para os desdobramentos desses acontecimentos
sobre a economia e sobre a vida dos moradores de Mamanguape:
“A população de Mamanguape entrou em verdadeiro pânico, quando
verificou que as riquezas estavam fugindo de lá. As mercadorias antes
comercializadas e embarcadas pelo Porto de Salema, estavam sendo
comercializadas em outras Cidades e transportadas em vagões sobre os trilhos
da Conde D’Eu, depois, Great Western.
Cada comerciante que via sair outro da cidade, no dia seguinte, também,
fugia dela. Desta forma, em pouco tempo estavam fechadas as casas comerciais
e as residências. Parecia ter havido uma peste na Cidade, onde não seria mais
possível a vida.”
Sr. Armando da Silva, 65 anos, conta que antes da construção da ferrovia todos os produtos
que chegavam ou partiam daquela região (vale do Mamanguape) eram transportados pelo porto de
Salema e por isso a cidade tinha um grande contingente de trabalhadores e um comércio muito
dinâmico. Segundo ele, a ferrovia trouxe progresso para as cidades que foram contempladas com
146
os trilhos, ao mesmo tempo em que contribuiu para a decadência social, política e econômica de
Mamanguape (Fotos 11 e 12).
Um terceiro episódio também corroborou para piorar ainda mais essa situação, ou seja, com
a abolição da escravatura no ano de 1888, os senhores de engenho tiveram que libertar os seus
escravos e instituir uma outra relação de trabalho – o cambão. Através desta relação, o proprietário
cedia uma pequena parcela de terra do engenho para que os trabalhadores pudessem morar com as
suas famílias, podendo, inclusive, constituir roçados e criar pequenos animais para o próprio
consumo. Em troca, esses trabalhadores eram obrigados a trabalhar sem remuneração durante
alguns dias da semana na grande lavoura da cana-de-açúcar. No entanto, aqueles senhores que
antes detinham uma grande quantidade de escravos acabaram perdendo muito dinheiro com a
libertação dos mesmos, fato que contribuiu para o fechamento de vários engenhos da região.
Mamanguape só começou a recuperar o prestígio que manteve durante muitos anos, após o
início das obras de construção da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT), no ano de 1918, de
propriedade da família Lundgren. Com a compra das terras do engenho Preguiça, o Coronel
Frederico João Lundgren deu um passo importante na concretização do seu plano de expansão da
indústria têxtil, uma vez que possuía também outra Companhia na cidade pernambucana de
Paulista. Esse tema será discutido com mais propriedade no Capítulo 4 (A Experiência Têxtil na
Cidade de Rio Tinto).
A inauguração de outra indústria, no início da década de 1940, consolidou novamente a
posição de Mamanguape no cenário político e econômico do Estado da Paraíba. A usina Monte
Alegre, na época pertencente aos irmãos Fernandes de Lima, veio impulsionar ainda mais a
economia da região do Baixo Mamanguape, ao mesmo tempo em que passou a competir
diretamente com o poderoso Coronel Frederico João Lundgren em busca de terras para a expansão
de suas atividades.
ANDRADE (1957-b, p. 44-45) é quem levanta essa questão e acrescenta ainda:
“Construída em 1940 e tendo tido em sua primeira safra (1940) a produção
irrisória de 3.000 sacos de açúcar, vem a Usina Monte Alegre em progresso
constante, avassalando o vale do baixo Mamanguape. Sua expansão em direção
à foz do rio deteve-se ante a Fábrica de Tecidos Rio Tinto que, fundada em
1922, adquiriu os engenhos que lhe ficavam nas imediações para saciar a sua
eterna fome de lenha. Tão extenso é o domínio dessa fábrica que abrange todo
o novo município de Rio Tinto, onde, se diz, ‘só o ar que se respira não é
propriedade da fábrica.
Limitada ao Leste por tão forte competidor, teve a Usina Monte Alegre que
estender sua área de influência para o Oeste, acompanhando o vale do
Mamanguape e aproveitando os grotões dos seus pequenos afluentes. Também,
atravessando os interflúvios do Mamanguape com o Miriri, estendeu a sua
influência aos canaviais dêsse vale onde possue (sic) dois engenhos: Alagamar
e Santa Cruz. Além dêsses e do da sede, dispõe, nos vales principais, dos
147
seguintes engenhos: Dique, Leitão, Linhares, Santíssimo, N. Sa. da Penha,
Almacega e Pindobeira. Essas propriedades, apesar de muito extensas, não são
inteiramente utilizadas pela cultura canavieira, uma vez que só os vales úmidos
oferecem condições vantajosas a essa cultura. Nos tabuleiros cultivam-se
outros produtos e cria-se o gado.”
Foto 11 – Os últimos casarões identificados na paisagem urbana testemunham a época de
esplendor da cidade que comandava a dinâmica regional do vale.
Município de Mamanguape, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
Foto 12 – Aspecto das fachadas das casas comerciais localizadas no centro da cidade
(destaque para as portas em formato de arco).
Município de Mamanguape, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
148
De fato, naquela época a cultura da cana-de-açúcar encontrava na superfície dos tabuleiros
costeiros grandes limitações naturais (solos muito arenosos, pobres em nutrientes e com drenagem
imperfeita) e por isso só podia ser cultivada nas várzeas quaternárias e nas vertentes de solos mais
férteis. O Mapa 21 representa uma das inúmeras propriedades pertencentes à usina Monte Alegre –
a fazenda Leitão (engenho Leitão). Observe que a cana-de-açúcar ocupava principalmente os solos
localizados nas várzeas do rio Mamanguape (parte central do mapa) e dos seus principais afluentes
(rios e riachos que drenam as duas margens). Observe também que inúmeras florestas cobriam o
topo dos interflúvios, ao lado das formações de cerrados. Estas últimas ofereciam extensas áreas
para a criação de animais (gado bovino, sobretudo). Esses tabuleiros eram também utilizados para
a produção de algodão herbáceo e de gêneros agrícolas de subsistência – mandioca, inhame, milho,
feijão, arroz, batata, frutas, etc.
Com exceção da pecuária extensiva e da cotonicultura, esse modelo de organização agrária
também podia ser visto em outros vales fluviais do Litoral da Paraíba, conforme atestou Orlando
VALVERDE (1955, p. 53-54):
“O vale inferior do Paraíba do Norte é formado por uma larga planície
aluvial, limitada de ambos os lados por tabuleiros de arenito Barreiras, que
devem ter 20 a 30 metros de altura relativa, cujos topos são perfeitamente
planos. Todo êle é um vasto canavial; um domínio clássico da plantation. Aí, a
utilização do solo é cuidadosamente planejada; tudo em função do rei açúcar:
as aluviões do vale são aproveitadas exclusivamente para a cultura da cana, na
qual se emprega o arado. As estradas de ferro e de rodagem esgueiram-se pela
base dos tabuleiros, à margem dos canaviais. A ferrovia tem estações cujo
único fim é servir às usinas.
Os solos do vale são úmidos, férteis (...). Os solos dos tabuleiros de arenito
são amarelo-avermelhados, mais secos e francamente mais pobres que os do
vale. Nêles são feitas as roças de subsistência dos empregados das usinas,
predominando por larga margem a cultura da mandioca, seguindo-se em
importância a do feijão. Nelas só se emprega a enxada.” (Figura 6).
Através do Mapa 21 e da Figura 6 é possível perceber que as casas dos moradores estavam
distribuídas, ora de maneira dispersa, ora de forma concentrada, pela superfície dos tabuleiros. Em
alguns pontos elas ocupavam as encostas dos vales. Esses moradores eram chamados de
cambãozeiros, foreiros ou condiceiros, classificações baseadas nos tipos de relação de trabalho
que mantinham com os donos das terras: o cambão, o aforamento (arrendamento) e a moradia de
condição. Segundo Mário Lacerda de MELO (1975, p. 29 seq.), essas formas de relação de trabalho
tiveram início naquilo que ele próprio convencionou chamar de sistema engenho, do mesmo modo
que passaram a ser incorporadas ao sistema usina até que foram lentamente perdendo expressão
numérica ao longo da primeira metade do século XX.
Fonte: Adaptado de: ANDRADE, Manuel Correia de. Os Rios do Açúcar do Nordeste Oriental: o rio Mamanguape. Recife: Instituto Joaquim Nabuco
de Pesquisas Sociais, Volume 2, 1957-b.
MAPA 21 – PLANTA BAIXA DA FAZENDA LEITÃO EM 1942 (USINA MONTE ALEGRE)
149
150
FIGURA 6 – CORTE ESQUEMÁTICO REPRESENTANDO A UTILIZAÇÃO
DO SOLO NO VALE INFERIOR DO RIO PARAÍBA DO NORTE
Fonte: Adaptada de:
VALVERDE, Orlando. O Uso da Terra no Leste da Paraíba. In: Revista Brasileira de
Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, Volume 17, nº 1, janeiro a março de 1955, p. 53.
Vale ressaltar que o processo de expansão das usinas se fez em detrimento dos antigos
engenhos (bangüês), muitos deles encontrados em estágio de fogo morto. Amparadas através de
grandes incentivos públicos (mecanismos de isenção fiscal por longo período e política de crédito
subsidiado), as usinas passaram a incorporar de maneira gradual as terras que antes pertenceram
aos poderosos senhores de engenho, agora decadentes devido aos endividamentos contraídos no
passado ou até mesmo em função da ausência de modernização de suas unidades produtivas, fato
que contribuiu para colocar no mercado do açúcar um produto mais caro e de qualidade
indiscutivelmente inferior. Os tempos áureos da sociedade patriarcal rural, o posterior processo de
definhamento desses engenhos e o aparecimento das usinas como advento da modernização
técnica serviram de fonte de matéria-prima para muitos romances escritos pelo paraibano José Lins
do Rego, a exemplo de Menino de Engenho (1932), Bangüê (1934), Usina (1936) e Fogo Morto
(1943). Ao assistir e testemunhar de perto todas essas transformações, Zé Lins, como também era
conhecido, pôde deixar um legado literário de grande valiosidade para a Geografia Regional
Brasileira.
Segundo MOREIRA e TARGINO (1997, p. 62), a instalação e a expansão das usinas foram
responsáveis por profundas modificações na organização da produção e do trabalho, com fortes
repercussões sobre a dinâmica espacial da Zona da Mata do Estado da Paraíba. De um lado, elas
representaram um progresso técnico para o setor açucareiro, permitindo mudanças qualitativas no
produto final com a transformação do açúcar mascavo em açúcar centrifugado. De outro,
contribuíram para a intensificação da concentração da propriedade da terra, da produção e da renda
do setor agrícola. Ao se reportar ao problema da concentração fundiária em Pernambuco,
ANDRADE (1994, p. 60) lembrou que em meados do século XIX existiam cerca de 2.500 engenhos
produtores de açúcar mascavo, rapadura e aguardente, restando na última década do século XX
apenas 35 usinas e destilarias.
151
A partir desses acontecimentos, novas relações sociais, culturais, políticas e econômicas
passaram a ser desenvolvidas no meio rural em questão, como por exemplo:
A substituição gradual das antigas relações de trabalho, já referidas anteriormente, pelo trabalho
assalariado temporário (proletarização da massa camponesa);
O aumento do desemprego devido aos progressos técnicos observados no sistema usina (uso de
maquinário moderno, irrigação, fertilizantes e defensivos químicos, transporte eficiente, etc.);
A expansão da área cultivada com a cana-de-açúcar e o aumento da produtividade média por
hectare;
O fenômeno da alienação dos senhores de engenho diante do processo de fabricação do açúcar,
uma vez que agora estavam limitados apenas ao fornecimento da cana para as usinas;
O fim dos traços da velha sociedade patriarcal (assistencialismo, paternalismo e subordinação
direta) e o nascimento do empresariado capitalista no campo, tendo a figura do usineiro papel
central.
Com o propósito de compreender melhor essas últimas características, selecionamos no
quadro abaixo trechos que mostram o ponto de vista do geógrafo Mário Lacerda de Melo sobre as
transformações desencadeadas nos sistemas de organização agrária do Nordeste canavieiro.
QUADRO 12 – AS TRANSFORMAÇÕES NOS SISTEMAS DE ORGANIZAÇÃO AGRÁRIA DO
NORDESTE CANAVIEIRO NA VISÃO DE MÁRIO LACERDA DE MELO
A Figura do Senhor de Engenho
O
desaparecimento
dessas
áreas
de
aproximação marca o fim da sociedade
patriarcal, dona de muitos defeitos e também
de muitos valores. Entre estes o da proteção
senhorial e o do assistencialismo exercido pelo
senhor de engenho sobre a comunidade a ele
subordinada. Não mais existindo os contatos e
relações entre classes propiciados pelo
compadrio, pela confraternização entre
meninos de raças e origens diferentes e pelo
catolicismo patriarcal, cresceram as distâncias
e a estratificação social tornou-se mais rígida e
opressiva. Hoje em dia as relações entre os
produtores e os seus subordinados são apenas
relações
entre
capital
e
trabalho.
Desumanizaram-se.
A Figura do Usineiro
O absentismo dos donos dos fatores da produção, traço
dos mais marcantes do novo quadro, constitui fenômeno
generalizado que contribui para retirar, nas relações das
empresas com as comunidades a elas subordinadas,
aqueles ingredientes paternalistas tão peculiares ao
senhorialismo dos engenhos: um senhorialismo integrado
e responsável. O usineiro realmente vive nas capitais dos
Estados produtores. Nas usinas, são quase sempre
representados por prepostos, ou seus gerentes (...). No
caso em foco, a falta ou a diminuição da permanência do
produtor nos seus domínios agrícolas, extinguindo ou
diminuindo o convívio e o contacto, seu e dos seus
familiares, com a comunidade a ele subordinada e por ele
tutelada constitui um dos principais fatores de explicação
das mudanças pelas quais tem passado a sociedade rural
canavieira.
Fonte: Elaborado com base em:
MELO, Mário Lacerda de. O Açúcar e o Homem: problemas sociais e econômicos do Nordeste canavieiro.
Recife: Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1975, p. 48 seq.
Na verdade, o enfraquecimento da figura do senhor de engenho e, consequentemente, o fim
da proteção oferecida pelo mesmo, gerou repercussões importantes na vida dos antigos moradores
que viviam sob seu domínio, sob sua tutela. A expansão das usinas, por exemplo, provocou a
expropriação dessas famílias, sem que as mesmas tivessem acesso a nenhuma forma de
indenização por parte dos novos donos das terras. Em inúmeros casos, a expulsão deu-se através da
152
violência e do confronto armado, provocando a morte de camponeses que resistiam em permanecer
na terra.
Enfrentando péssimas condições de vida no campo, os trabalhadores começaram também a
se organizar para lutar pelos seus direitos mais elementares: terra, trabalho, comida, escola,
hospitais, aposentadoria. Reapareceram, assim, as Ligas Camponesas, movimento que teve início
em meados da década de 1950 nas terras do engenho Galiléia, no município pernambucano de
Vitória de Santo Antão. Sob a liderança do advogado trabalhista Francisco Julião, o movimento
camponês se expandiu para outras áreas do Brasil e da própria região Nordeste, atingindo com
mais intensidade o Estado da Paraíba.
A Liga Camponesa de Sapé tornou-se a mais importante organização trabalhista daquela
época, aglutinando milhares de trabalhadores17 e despertando a atenção e a preocupação de
governos locais, chefes de Estado, parlamentares, membros da igreja católica e representantes das
tradicionais oligarquias da região canavieira. De Sapé, conforme destacou MELLO (1995, p. 214),
as Ligas expandiram-se para outras áreas do Litoral, atingindo os municípios de Mari, Itapororoca,
Mamanguape, Rio Tinto, Pedras de Fogo, Santa Rita, Cruz do Espírito Santo, a periferia de João
Pessoa, até a fronteira com Pernambuco. Em Pilar, Caldas Brandão, Itabaiana, Guarabira,
Mulungu, Araçagi e Alagoa Grande, as associações camponesas também brotaram, o mesmo
acontecendo na região do Brejo, em Areia, Remígio, Arara, Solânea e Bananeiras.
As Ligas Camponesas tinham como bandeira de luta o fim do cambão e de outras formas
de exploração da força de trabalho camponesa, bem como a defesa dos sítios para que todas as
famílias pudessem morar e cultivar seus roçados de subsistência. Em outras palavras, a terra
deveria pertencer de fato aos que nela trabalham. Preocupados com o crescimento do movimento
popular, os latifundiários passaram a organizar milícias particulares a fim de proteger seus
domínios. Milhares de camponeses foram perseguidos, outros foram torturados e mortos, a
exemplo de João Pedro Teixeira, João Alfredo Dias (Nego Fubá) e Pedro Inácio de Araújo (Pedro
Fazendeiro), todos integrantes da Liga Camponesa de Sapé.
A deflagração do golpe militar de abril de 1964 acabou frustrando as intenções de
realização de uma ampla política de reforma agrária, tão sonhada pelos trabalhadores e pelos
partidos de esquerda. Estes partidos, juntamente com as Ligas Operárias e Camponesas, acabaram
caindo na clandestinidade e tiveram suas atuações limitadas diante da situação de opressão e
violência desencadeadas pelo Estado autoritário. No entanto, continuaram disseminando o sonho, a
esperança e a importância da conscientização das massas populares, seja no campo ou na cidade.
Continuaram, assim, fazendo história.
17
Segundo MORAIS (2002, p. 55), as mais poderosas Ligas Camponesas encontravam-se no Estado da Paraíba: a
Liga Camponesa de Sapé possuía 12 mil associados e a Liga Camponesa de Mamanguape contava com 10 mil
integrantes.
153
3.3 O ADVENTO DO PROÁLCOOL E A EXPANSÃO RECENTE DA CULTURA DA
CANA-DE-AÇÚCAR (PÓS-1975)
Conforme foi visto anteriormente, a cultura da cana-de-açúcar sempre fez parte do cenário
regional em tela, tendo sido introduzida no baixo vale do Mamanguape ainda nos primórdios da
colonização lusitana. Além disso, ficou evidente que durante um longo período de tempo a cultura
ainda dividiu espaço com outras atividades econômicas, no caso a pecuária extensiva e a
cotonicultura, tornando-se dominante apenas no final do século XIX, quando se verificou o
aparecimento dos primeiros engenhos movidos a vapor.
Também ficou claro que a expansão do sistema usina sobre o sistema engenho aconteceu
gradativamente ao longo da primeira metade do século XX, deixando marcas importantes no meio
rural. Entretanto, foi só a partir do último quartel do século XX que as ações humanas tornaram-se
mais rápidas e perceptíveis, provocando impactos muitas vezes irreversíveis nas estruturas naturais
das paisagens (cobertura vegetal, fauna, solos, recursos hídricos, etc.), bem como nas próprias
relações sociais de produção.
Vale ressaltar que o processo de modernização da agricultura brasileira teve início ainda na
década de 1950 e foi motivado pela criação dos Complexos Agroindustriais (CAI’s), pela expansão
do sistema de crédito rural e pela produção de bens industriais voltados para as atividades
primárias (máquinas, ferramentas e implementos; fertilizantes, herbicidas, pesticidas, entre outros).
Segundo o economista Ricardo ABRAMOVAY (1991, p. 80), esse processo aconteceu na esteira da
chamada Revolução Verde, política agrícola idealizada pelos Estados Unidos visando à exportação
de um pacote tecnológico para as nações do mundo subdesenvolvido. Esse pacote tinha como
objetivo “acabar” com as crises de fome através do aumento da produtividade do setor
(investimentos em capitais, pesquisas e tecnologias), no entanto, as suas metas eram outras:
aumentar a dependência dessas nações, subordinando produtores e produção ao mercado mundial
de alimentos, cujo grande líder é o próprio Estados Unidos; garantir mercado consumidor para os
produtos industrializados norte-americanos e, por último, consolidar a sua hegemonia política e
econômica sobre um crescente número de países.
No caso do espaço brasileiro, pode-se afirmar que a modernização da agricultura foi
bastante seletiva, atingindo de forma desigual algumas regiões, alguns produtos e alguns atores
sociais. Com efeito, podem-se observar três aspectos fundamentais nesse processo: primeiro,
enquanto uma ampla área do Centro-Sul do país encontra-se dotada de equipamentos e serviços
modernos, exibindo níveis elevadíssimos de produção e produtividade no campo, grandes áreas
periféricas, sobretudo no Norte e no Nordeste, continuam convivendo com estruturas produtivas
arcaicas e obsoletas que remontam ao período da colonização; segundo, houve um maior incentivo
às chamadas culturas industriais de exportação (cana-de-açúcar, algodão, milho, soja, café, fumo,
154
frutas tropicais, etc.) em detrimento da pequena lavoura comercial (mandioca, feijão, inhame,
batata, etc.), tão imprescindível à alimentação da maior parte da classe trabalhadora; por fim, esse
processo beneficiou apenas os atores sociais detentores de grande poder político e econômico
(latifundiários), jogando para a marginalidade milhares de famílias camponesas.
Ao estudar a organização do espaço na região canavieira da Paraíba, é possível perceber
que essas transformações aconteceram com mais intensidade a partir do surgimento do Programa
Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em meados da década de 1970.
Criado pelo Decreto nº 76.593, de 14 de novembro de 1975, o Programa ganhou impulso a
partir de julho de 1979. Na prática, ele constituiu-se em um esquema alternativo proposto pelo
governo militar do então Presidente Ernesto Geisel, para conseguir enfrentar a dependência
energética imposta pela crise decorrente da elevação dos preços do barril do petróleo no mercado
mundial. Esta crise foi agravada, sobretudo, pelas guerras envolvendo os maiores países produtores
do Oriente Médio, no início daquele decênio, e pela ameaça da escassez do produto a nível
mundial (esgotamento das reservas). A meta do governo era, portanto, substituir os tradicionais
derivados do petróleo, principalmente a gasolina automotiva, pelo uso da biomassa produzida a
partir da cana-de-açúcar (álcool carburante anidro e hidratado produzido para motores de
combustão interna). O Programa pretendia ainda estimular a indústria automobilística que se
encontrava ameaçada com a redução da demanda e com a queda de lucratividade; recuperar o
arcaico setor açucareiro brasileiro atingido em cheio pelas crises cíclicas, o que culminou com a
instabilidade dos preços do açúcar a nível internacional, bem como aumentar a oferta interna de
energia primária visando beneficiar as indústrias que utilizam o álcool como matéria-prima para a
obtenção de compostos químicos (Indústria Álcoolquímica) (MOREIRA e TARGINO, 1997, p.
105).
Com o PROÁLCOOL estava previsto o aumento da superfície cultivada e da quantidade
produzida pela cana-de-açúcar, através de fortes incentivos fiscais e de linhas de crédito
subsidiados, destinados tanto à produção industrial (financiamento para implantação dos
Complexos Agroindustriais – CAI’s, encargos financeiros com taxas de juros reduzidos, etc.)
quanto à produção agrícola em si (financiamentos para criação ou ampliação das áreas cultivadas
com o produto, correção e preparo dos solos, produção de mudas selecionadas, acompanhamento
técnico específico, uso de irrigação, entre outros).
Segundo EGLER (1984, p. 15), foi através desses estímulos governamentais transmitidos
via preços do álcool e crédito extremamente barato para a implantação de destilarias e constituição
de canaviais energéticos, que o PROÁLCOOL possibilitou a expansão da cultura açucareira nos
tabuleiros do Litoral paraibano. Os investimentos necessários para vencer as limitações edáficas
dos baixos planaltos costeiros e propiciar a mecanização dos topos planos foram conseguidos
graças a linhas especiais de crédito com longo período de carência.
155
Tais subsídios oferecidos pelo governo federal aos grandes produtores de cana-de-açúcar
ocasionaram mudanças profundas no uso do solo, na produção, nas relações sociais e de trabalho e
em toda a paisagem do Litoral. Em outras palavras, a cana-de-açúcar começou a superar os velhos
limites naturais e se expandiu de forma rápida e predatória em direção às áreas que, até então, eram
destinadas à lavoura de subsistência e ao coco-da-baía, impondo um padrão monocultor e
industrial de paisagem.
O Mapa 22 retrata as mudanças verificadas na Zona da Mata paraibana a partir do avanço
da cana-de-açúcar. Observe que os municípios de Mamanguape, Itapororoca, Sapé, Cruz do
Espírito Santo, Santa Rita, Juripiranga e Pedras de Fogo formavam, em 1970, as tradicionais
regiões produtoras. Já os municípios de Jacaraú, Mataraca, Baía da Traição, Rio Tinto, Lucena,
Mari, João Pessoa, Conde, Alhandra, Caaporã, Pitimbu, São Miguel de Taipú e Pilar constituíam
as zonas de expansão recente da cana-de-açúcar (situação entre 1975/1986), ou seja, onze anos
após a criação do PROÁLCOOL. Por fim, os municípios de Bayeux e Cabedelo não estavam
incluídos em nenhum desses grupos.
MAPA 22 – ZONA DA MATA PARAIBANA: ÁREA DE DOMÍNIO DO SISTEMA CANAVIEIRO
(1970-1986)
Área tradicional produtora de cana-de-açúcar
(situação em 1970)
Área de expansão da cana a partir da criação
do PROÁLCOOL (situação entre 1975/1986)
Fonte: Adaptado de:
MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Atlas de Geografia Agrária da Paraíba. João Pessoa: Universitária/UFPB,
1997-a, p. 24.
156
Como o objetivo desta pesquisa é realizar uma análise da dinâmica da organização do
espaço na região do baixo curso do rio Mamanguape, formada pelos municípios de Mamanguape,
Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação, torna-se oportuno esclarecer que foram levantadas
algumas informações censitárias junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
referentes ao período 1960-2007. Essas informações foram agrupadas da seguinte maneira:
Censos Agropecuários da Paraíba: Comportamento da produção agrícola regional no período
de 1970 a 2006 (principais culturas, quantidade produzida e área plantada); estrutura fundiária
dos municípios que faziam parte do Baixo Mamanguape no período de 1970 a 1985 (classes de
área, número de estabelecimentos, área total e grau de concentração da terra – Índice de Gini);
Censos Demográficos da Paraíba e Contagem da População da Paraíba: Estudo da dinâmica
demográfica dos municípios que compõem o Baixo Mamanguape: população total, urbana e
rural no período 1970 a 2007.
A interpretação desses indicadores sócio-econômicos, associada às análises das
informações
contidas
nas
Cartas
Topográficas
produzidas
pela
Superintendência
do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) no início da década de 1970, bem como aos
depoimentos colhidos nos trabalhos de campo, permitiram compreender as transformações que se
processaram ao longo de várias décadas, fruto das ações combinadas do homem no espaço. Essas
ações foram responsáveis pelo desencadeamento de grandes impactos ecológicos e sociais.
A seguir, serão discutidos os principais impactos sociais observados durante a pesquisa.
Convém salientar, ainda, que os impactos ecológicos serão analisados no último capítulo deste
trabalho, momento em que será apresentado um panorama das áreas de proteção ambiental criadas
na região do Baixo Mamanguape.
a) O Avanço da Monocultura da Cana-de-Açúcar e a Retração da Produção de Alimentos
Até meados da década de 1970 a cana-de-açúcar era cultivada, sobretudo, ao longo das
várzeas dos principais rios e riachos que drenam as terras do Litoral paraibano. A
institucionalização do PROÁLCOOL representou uma grande conquista em termos tecnológicos,
contribuindo para que a cultura se expandisse pela superfície dos tabuleiros costeiros,
homogeneizando completamente a paisagem (Fotos 13 e 14).
Os dados estatísticos do IBGE não deixam nenhuma dúvida neste sentido. Através dos
gráficos expostos logo a seguir é possível visualizar a progressão dos canaviais na região objeto
dessa pesquisa, tanto em relação à quantidade produzida como em relação à área plantada18. No
município de Mamanguape, o mais tradicional do Litoral Norte da Paraíba, a quantidade produzida
de cana-de-açúcar experimentou um crescimento de 41,61%, saltando de 315.328 toneladas, em
1970, para 446.528 toneladas, em 2006 (um acréscimo de 131.200 toneladas). Nos quatro períodos
18
Algumas tabelas sobre a produção dos principais gêneros agrícolas cultivados na região do Baixo Mamanguape
encontram-se no Anexo 1.
157
pesquisados verificou-se a retração da quantidade produzida apenas no ano de 1996, em plena crise
do setor sucro-alcooleiro, crise que teve início em meados dos anos 80 e se estendeu por toda a
década de 1990, tendo sido estimulada pela significativa redução da participação do Estado em
termos de investimentos públicos e concessão de crédito subsidiado aos donos de usinas e
destilarias19. Por outro lado, no período 1996-2006 houve uma incorporação de 174.744 toneladas,
o que representou 64,29% de aumento. Esse aumento ocorreu em função da recuperação do setor
automobilístico nacional (surgimento dos modelos bi-combustível) e da demanda por fontes
energéticas limpas e renováveis, no caso, o etanol. Por fim, a superfície plantada com cana-deaçúcar apresentou crescimento constante nos quatro períodos, saltando de 4.602 hectares, em 1970,
para 11.920 hectares, em 2006, um acréscimo de 7.318 hectares (159,02%) (Gráfico 1).
Já no município de Rio Tinto, por exemplo, a cultura da cana-de-açúcar registrou um
crescimento vertiginoso, ou seja, entre os anos de 1970 e 2006 a quantidade produzida aumentou
de 4.151 para 333.052 toneladas, um incremento de mais de 8.000%. Enquanto isso, a área plantada
passou de 87 para 7.821 hectares, um incremento de cerca de 9.000% em pouco menos de quatro
décadas (Gráfico 2).
Ao percorrer a zona rural do município em questão, é possível constatar o processo de
substituição de amplas áreas que no passado foram cobertas pelas florestas ombrófilas, por áreas
atualmente dominadas pela monocultura da cana-de-açúcar. Segundo Ezequiel, vereador do
município, a mata do riacho Cravaçu, afluente da margem direita do rio Mamanguape, encontra-se
quase que totalmente destruída em função das atividades predatórias praticadas ao longo do século
XX (extração de madeira para abastecimento da antiga Companhia de Tecidos Rio Tinto e devido
ao avanço da cultura da cana).
O município de Baía da Traição também registrou um crescimento expressivo. No decênio
1996-2006 a quantidade produzida com cana-de-açúcar saltou de 1.576 para 18.944 toneladas, um
aumento de 17.368 toneladas (1.202%). A área plantada saltou de 34 para 350 hectares no mesmo
período, um acréscimo de 316 hectares (1.029%). Vale ressaltar que a cana-de-açúcar não foi
cultivada nos anos de 1970 e 1980, época da realização dos Censos Agropecuários, e que este
município, juntamente com Rio Tinto, constitui área de expansão recente da monocultura da cana
(a partir da criação do PROÁLCOOL) (Mapa 22).
Com efeito, a propagação dos canaviais pela superfície dos tabuleiros costeiros contribuiu
para reduzir de maneira drástica os espaços que antes eram destinados à pequena produção de
alimentos, atividade praticada pelos antigos sitiantes (posseiros, foreiros, moradores de condição,
etc.). Observe os números:
19
De acordo com SOUTO et al. (2007, p. 188), na safra 1989/1990 existiam na Paraíba 16 unidades industriais (7
usinas e 9 destilarias) que empregavam 62.611 trabalhadores. Na safra 1995/1996, esse número caiu para 10 unidades
industrias (3 usinas e 7 destilarias) que passaram a empregar 42.330 trabalhadores.
158
A Mandioca: Esse produto experimentou uma queda expressiva em toda a região estudada.
Entre 1970 e 2006, por exemplo, a quantidade produzida sofreu uma retração de 89,32% em
Mamanguape (passando de 11.402 para 1.218 toneladas); 57,45% em Rio tinto (declínio de 9.487
para 4.037 toneladas) e 57,24% em Baía da Traição (queda de 2.355 para 1.007 toneladas). Já a área
plantada recuou 86,64% em Mamanguape (passando de 1.841 para 246 hectares) e 44,71% em Rio
Tinto (passando de 1.284 para 710 hectares). Na Baía da Traição verificou-se um aumento pouco
expressivo, apenas 1,58% (passando de 252 para 256 hectares) (Gráficos 3 e 4).
Ao analisar O Abandono da Mandioca, tema de um capítulo do seu livro publicado no
início da década de 1980, o professor Ricardo Bueno estabeleceu críticas incisivas ao modelo
adotado pelos tecnocratas do governo responsáveis pela criação do PROÁLCOOL. Segundo ele:
“(...) Os objetivos sociais do Pró-álcool foram abandonados. Para provar
isso não e preciso ir muito longe. Basta dizer o seguinte: o programa vem
sendo feito em cima de grandes destilarias implantadas por grupos empresarias
que já atuavam na produção da cana-de-açúcar. (...) Ora, se o objetivo de
redistribuição da renda fosse prioritário no programa, as destilarias que
utilizassem mandioca como matéria-prima deveriam ter grande destaque.
Por quê? Bem, a mandioca a ser fornecida para essas usinas seria produzida
por centenas de milhares e até milhões de pequenos produtores de mandioca,
que assim contariam com um mercado fabuloso para ampliar sua produção e
elevar sua renda. A renda estaria sendo distribuída, o homem do campo
melhoraria seu padrão de vida e isso funcionaria como um importante fator de
fixação de mão-de-obra no campo e de redução das migrações para os centros
urbanos, que vêm inchando desordenadamente.” (BUENO, 1981, p. 21-22).
Na verdade, o avanço da cana a partir do PROÁLCOOL contribuiu para recrudescer ainda
mais os problemas agrários relacionados à concentração da renda e da terra, bem como àqueles
relacionados à dinâmica demográfica. Esses problemas serão discutidos logo a seguir.
O Feijão: Nos municípios de Mamanguape e Rio Tinto a cultura do feijão também conheceu
uma forte retração. Em Mamanguape a quantidade produzida sofreu uma queda de 90,04%,
passando de 512 toneladas, em 1970, para 51 toneladas, em 2006. Em Rio Tinto verificou-se uma
situação semelhante, de modo que a produção caiu 92,71%, passando de 137 para 10 toneladas
entre 1970-2006. Por outro lado, nesse mesmo período a superfície cultivada recuou 96,44% em
Mamanguape, passando de 1.519 para 54 hectares, e 97,76% em Rio Tinto, passando de 445 para
10 hectares (Gráficos 5 e 6).
O Arroz: Até a década de 1980 a cultura do arroz fez parte, ainda que de modo incipiente, da
composição agrícola regional. No entanto, a partir da década de 1990 nenhum município do Baixo
Mamanguape passou a cultivar esse produto. Em Baía da Traição, por exemplo, a quantidade
produzida de arroz caiu de 20 para 4 toneladas no período 1970-1980 (um déficit de 80%). Já em
Rio Tinto a queda foi um pouco menor (67,65%), passando de 68 para 22 toneladas no mesmo
159
período. Enquanto isso, a área plantada recuou 69,24% em Baía da Traição, passando de 13 para 4
hectares, e 53,71% em Rio Tinto, passando de 54 para 25 hectares (Gráficos 7 e 8).
Foto 13 – Várzea do rio Mamanguape ocupada pela monocultura da cana-de-açúcar. Ao
fundo, observam-se as instalações da usina Monte Alegre.
Município de Mamanguape, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Foto 14 – A presença de uma topografia plana facilitou a propagação da cana-de-açúcar
sobre os tabuleiros costeiros. Antes do PROÁLCOOL essas áreas eram ocupadas pelas
florestas ombrófilas, pelos cerrados e pela pequena produção de alimentos.
Zona rural do município de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
1980
c
vc
8.288
350.310
2006
11.920
1980
37.685
919
Quantidade Produzida (ton.)
1970
4.151 87
2006
Área Plantada (ha.)
1996
5.899
195.156
7.821
1980
1.087
8.262
Quantidade Produzida (ton.)
1970
1.841
11.402
2006
1.218
246
Área Plantada (ha.)
1996
608
3.303
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
1980
832
6.056
Quantidade Produzida (ton.)
1970
1.284
9.487
Fonte: Elaborados com base em: IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
0
2.000
4.000
6.000
8.000
10.000
12.000
2006
Área Plantada (ha.)
1996
1.376
278
710
4.037
(1970, 1980, 1996 e 2006)
0
50.000
100.000
150.000
200.000
250.000
300.000
GRÁFICO 4 – MUNICÍPIO DE RIO TINTO: CULTURA DA MANDIOCA
Área Plantada (ha.)
1996
10.223
271.784
333.052
(1970, 1980, 1996 e 2006)
Quantidade Produzida (ton.)
1970
4.602
315.328
350.000
GRÁFICO 2 – MUNICÍPIO DE RIO TINTO: CULTURA DA CANA-DEAÇÚCAR (1970, 1980, 1996 e 2006)
GRÁFICO 3 – MUNICÍPIO DE MAMANGUAPE: CULTURA DA MANDIOCA
0
100.000
50.000
200.000
150.000
300.000
250.000
350.000
450.000
400.000
446.528
GRÁFICO 1 – MUNICÍPIO DE MAMANGUAPE: CULTURA DA CANA-DEAÇÚCAR (1970, 1980, 1996 e 2006)
160
1980
174
130
2006
51
0
100
1980
Quantidade Produzida (ton.)
1970
26
130
39
2006
10 10
Área Plantada (ha.)
1996
16
Quantidade Produzida (ton.)
1970
13
4
Área Plantada (ha.)
1980
4
0
10
20
30
40
50
60
70
54
Quantidade Produzida (ton.)
1970
68
Fonte: Elaborados com base em: IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
0
5
10
15
20
20
25
Área Plantada (ha.)
1980
22
(1970 e 1980)
54
137
GRÁFICO 8 – MUNICÍPIO DE RIO TINTO: CULTURA DO ARROZ
Área Plantada (ha.)
1996
48
200
300
400
455
(1970 e 1980)
Quantidade Produzida (ton.)
1970
512
763
500
GRÁFICO 7 – MUNICÍPIO DE BAÍA DA TRAIÇÃO: CULTURA DO ARROZ
0
200
400
600
800
1.000
1.200
1.400
1.600
(1970, 1980, 1996 e 2006)
(1970, 1980, 1996 e 2006)
1.519
GRÁFICO 6 – MUNICÍPIO DE RIO TINTO: CULTURA DO FEIJÃO
GRÁFICO 5 – MUNICÍPIO DE MAMANGUAPE: CULTURA DO FEIJÃO
161
162
Conforme foi visto anteriormente, a ampliação dos partidos de cana-de-açúcar ocorreu a
partir da incorporação de grandes extensões de terras, antes ocupadas pelos pequenos lavradores
que se dedicavam à produção de gêneros alimentares de primeira necessidade. Não obstante, a
menor oferta desses produtos no mercado interno (local e regional) contribui indubitavelmente
para a elevação do preço da cesta básica, cujas repercussões afetam diretamente as populações de
baixa renda que se vêem impedidas de suprir de maneira adequada as suas necessidades
alimentares.
Segundo o depoimento do Sr. Antônio Amaro de Lima, 53 anos, no passado muitos sítios
em Mamanguape forneciam produtos de boa qualidade – mandioca, inhame, batata, arroz, feijão,
frutas, etc., que podiam ser adquiridos a preços irrisórios na feira da cidade. Naquela época era
possível alimentar com certa facilidade uma família numerosa e ainda sobrava algum dinheiro para
outras necessidades. Atualmente o salário do pequeno trabalhador quase não dá para ele comprar o
feijão e o arroz.
Sr. Manoel Alves, 68 anos, recorda que na década de 1950 existiam muitos sítios
espalhados pela zona rural de Rio Tinto. Existiam também muitas matas e as pessoas caçavam
bastante. Os rios também eram limpos e tinham muitos peixes. Com o passar dos tempos os
canaviais das usinas destruíram tudo isso e hoje quase não se vê mais nada, nem roçado, nem
trabalhadores, nem casa de moradores.
De fato, uma das conseqüências diretas observadas na área dessa pesquisa, bem como em
toda a Zona da Mata paraibana, foi o desaparecimentos dos sítios e dos pequenos agricultores,
agora convertidos em trabalhadores assalariados temporários que se dedicam ao corte da cana
apenas na época da safra, normalmente durante três ou quatro meses do ano. Além de receberem
uma péssima remuneração e de enfrentarem jornadas de trabalho longas e exaustivas, muitos ainda
continuam desamparados pela legislação trabalhista e previdenciária, como é o caso dos
trabalhadores que preferiram não revelar as suas identidades a fim de não comprometerem os seus
empregos:
“Nóis tamo trabaiano desde cedo da madrugada e ainda não almoçamos.
Temo que dá conta de toda essa área até o final da tarde, senão podemo até
perder o trabaio. O patrão explora muito nóis, mas nóis não temo outra
ocupação para viver. Temo mulher e filhos para dar de cumê, temo que pagar
alugué. Por isso, temo que aceitar calado e não podemo reclamar do salário que
ele paga.”
Após longa conversa, esses homens revelaram que trabalhavam para os fornecedores de
cana-de-açúcar para as usinas e destilarias da região e por isso viviam se deslocando de um
município para outro. A grande maioria não possuía carteira assinada e recebia entre R$ 350,00 e
R$ 450,00, de acordo com a execução das tarefas. Eles disseram ainda que, após o final do período
163
da colheita, ficam desempregados e precisam se deslocar para outras regiões na intenção de
conseguir nova ocupação.
b) O Processo de Concentração da Terra e o Agravamento da Violência no Campo
Desde o período da colonização até os nossos dias, a Zona da Mata nordestina guarda uma
importante característica na paisagem: a presença do latifúndio canavieiro. Além disso, essa subregião exibe ainda uma grande quantidade de habitantes vivendo em condições deploráveis nas
periferias das cidades, sejam elas pequenas, médias ou grandes. A modernização das atividades
rurais, associada ao aumento da concentração da terra e da renda, contribuiu decisivamente para
agravar o processo de exclusão social.
Conforme foi visto anteriormente, a implantação do PROÁLCOOL em meados da década
de 1970 revigorou o setor sucro-alcooleiro e deu um grande impulso à cultura da cana-de-açúcar,
modificando de maneira expressiva o comportamento da produção agrícola regional. Por outro
lado, ao analisar a dinâmica da estrutura fundiária dos municípios escolhidos para
desenvolvimento dessa pesquisa (período 1970-1985), percebe-se claramente que a expansão da
monocultura da cana recrudesceu ainda mais a concentração da propriedade rural.
De acordo com os dados da Tabela 4, no decênio 1970-1980 houve um aumento do grau de
concentração da terra em dois municípios que compõem a região do Baixo Mamanguape. No
município de Baía da Traição, por exemplo, o Índice de Gini20 aumentou de 0,558, em 1970, para
0,844, em 1980; no município de Rio Tinto o índice aumentou de 0,876, em 1970, para 0,957, em
1980. Nesse mesmo período verificou-se uma ligeira queda do índice no município de
Mamanguape (0,848 para 0,842). Observe ainda que no período em evidência todos os municípios,
à exceção de Baía da Traição, em 1970, registraram um índice superior ao do Estado da Paraíba.
Por fim, em 1985, ano que vai marcar o início da crise do PROÁLCOOL, constata-se uma
diminuição do Índice de Gini em todos os municípios da região, com destaque para o município de
Baía da Traição que registrou apenas 0,121. Convém lembrar que os municípios de Mamanguape e
Rio Tinto, apesar da pequena queda verificada no índice, mantêm até hoje uma estrutura fundiária
fortemente concentrada.
As Tabelas 5, 6 e 7 apontam outros dados importantes acerca desse fenômeno espacial.
Baía da Traição: De todos os municípios, este foi o que apresentou o menor grau de
concentração da terra. Nos três períodos pesquisados, por exemplo, não foi constatado nenhum
estabelecimento com área superior a 500 hectares. No entanto, em 1970 existia apenas 1
estabelecimento (0,21% do total) que somava quase a metade da área disponível, ou seja, 400
hectares (48,78%). Por outro lado, existiam 484 estabelecimentos com área inferior a 10 hectares
20
O Índice de Gini é uma medida estatística comumente aplicada ao estudo da concentração da renda, da propriedade
fundiária ou de qualquer outro tipo de variável. Com efeito, quanto mais próximo de 1 (um) maior é o grau de
concentração e quanto mais próximo de 0 (zero), menor é esse nível de concentração.
164
(99,38% do total) que somavam 359 hectares (43,78% da área total). Em 1980 essa situação
reverteu-se completamente, de modo que os pequenos estabelecimentos, embora representando a
grande maioria (91,07%), passaram a dominar apenas 8,69% da área total, enquanto 19
estabelecimentos com área entre 100 e 500 hectares (4,84% do total) passaram a ocupar 2.925
hectares (cerca de 70% das terras). O reflexo dessa transformação pode ser constatado no próprio
Índice de Gini, que em 1980 atingiu a maior marca (0,844). Cinco anos depois, verifica-se uma
nova transformação na estrutura fundiária do município. Através dos dados do Censo
Agropecuário de 1985, é possível perceber o domínio dos estabelecimentos com área inferior a 10
hectares, que representavam 98,58% do total e possuíam 86,50% da área disponível (Tabelas 4 e 5).
Mamanguape: Considerado o mais tradicional município canavieiro do Litoral Norte da
Paraíba, Mamanguape exibe uma estrutura fundiária bastante concentrada. Observe os números:
enquanto em 1970 existiam 1.597 pequenos estabelecimentos (81,52% do total) que dominavam
4.567 hectares (apenas 9,92% da área total), 4 grandes estabelecimentos (0,20% do total) ocupavam
uma área de 19.380 hectares (42,03% da área disponível). No período seguinte essa situação
permanece pouco alterada e em 1985 verifica-se uma ligeira diminuição do grau de concentração
da terra. Na ocasião, existiam 2.675 estabelecimentos com menos de 10 hectares (81,38% do total)
que somavam 5.927 hectares (12,02% da área total). Na outra ponta da tabela constata-se a
existência de 4 grandes estabelecimentos (0,12% do total) que somavam 15.500 hectares (31,43%
das terras) (Tabelas 4 e 6).
Rio Tinto: Dentre os municípios do Baixo Mamanguape, este foi o que apresentou o maior grau
de concentração da terra em todos os períodos pesquisados. Foi também o município onde ocorreu
com maior intensidade a expansão da monocultura da cana-de-açúcar, a partir da criação do
PROÁLCOOL. Em 1970, por exemplo, existiam 1.893 pequenos estabelecimentos rurais (96,78%
do total) que ocupavam 2.125 hectares (11,28% da área disponível). Enquanto isso, apenas 3
grandes estabelecimentos (0,15% do total) eram detentores de 8.901 hectares (47,27% da superfície
total). Em 1980 a concentração foi ainda maior, pois 1.529 estabelecimentos (93,30% do total)
possuíam uma área de 2.094 hectares (apenas 3,42% da área total), ao passo que 12
estabelecimentos (0,73% do total) dominavam uma área equivalente a 53.710 hectares (nada menos
que 87,85% das terras). Neste mesmo ano o Índice de Gini atingiu a impressionante marca de
0,957. Por fim, em 1985 esse panorama praticamente manteve-se inalterado (Tabelas 4 e 7).
Vale salientar também que a análise desses indicadores estatísticos serve de subsídio para a
compreensão dos inúmeros problemas que estão relacionados à luta pela posse da terra. Com
efeito, dezenas de conflitos fundiários eclodiram em toda a Zona da Mata da Paraíba, fruto do
avanço do latifúndio canavieiro sobre as áreas ocupadas pelos pequenos trabalhadores rurais e
pelos povos indígenas. O resumo dos principais conflitos observados na região do Baixo
Mamanguape durante a década de 1980, encontra-se no Quadro 13.
1970
0,823
0,558
0,848
0,876
1980
0,829
0,844
0,842
0,957
1985
0,814
0,121
0,803
0,919
N.º Estab.
484
2
--1
------487
1970
%
Área (ha)
99,38
359
0,41
61
----0,21
400
------------100,0
820
%
43,78
7,44
--48,78
------100,0
Fonte: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980 e 1985.
Classes de Área
Menos de 10 Hectares
10 a Menos de 50 Hectares
50 a Menos de 100 Hectares
100 a Menos de 500 Hectares
500 a Menos de 1.000 Hectares
1.000 a Menos de 5.000 Hectares
5.000 e Mais Hectares
TOTAL
N.º Estab.
357
7
9
19
------392
1980
%
Área (ha)
91,07
365
1,79
211
2,30
697
4,84
2.925
------------100,0
4.198
%
8,69
5,03
16,60
69,68
------100,0
N.º Estab.
557
8
----------565
TABELA 5 – MUNICÍPIO DE BAÍA DA TRAIÇÃO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA (1970, 1980 e 1985)
Fonte: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980 e 1985.
Estado/Municípios
Paraíba
Baía da Traição
Mamanguape
Rio Tinto
TABELA 4 – ESTADO DA PARAÍBA E REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE: ÍNDICE DE GINI (1970, 1980 e 1985)
1985
%
Área (ha)
98,58
775
1,42
121
--------------------100,0
896
%
86,50
13,50
----------100,0
165
N.º Estab.
1.597
274
28
44
12
3
1
1.959
1970
%
Área (ha)
81,52
4.567
13,99
4.523
1,43
1.920
2,25
8.582
0,61
7.133
0,15
7.100
0,05
12.280
100,0
46.105
%
9,92
9,81
4,16
18,61
15,47
15,40
26,63
100,0
N.º Estab.
1.893
32
8
15
5
3
--1.956
1970
%
Área (ha)
96,78
2.125
1,64
740
0,40
476
0,77
3.186
0,26
3.403
0,15
8.901
----100,0
18.831
%
11,28
3,93
2,53
16,92
18,07
47,27
--100,0
Fonte: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980 e 1985.
Classes de Área
Menos de 10 Hectares
10 a Menos de 50 Hectares
50 a Menos de 100 Hectares
100 a Menos de 500 Hectares
500 a Menos de 1.000 Hectares
1.000 a Menos de 5.000 Hectares
5.000 e Mais Hectares
TOTAL
N.º Estab.
1.721
382
24
41
7
5
2
2.182
1980
%
Área (ha)
78,87
4.551
17,51
7.884
1,10
1.604
1,88
9.279
0,32
4.612
0,23
8.715
0,09
12.866
100,0
49.511
%
9,19
15,92
3,24
18,74
9,32
17,60
25,99
100,0
N.º Estab.
2.675
520
36
45
7
3
1
3.287
N.º Estab.
1.529
73
12
11
2
10
2
1.639
1980
%
Área (ha)
93,30
2.094
4,45
1.612
0,73
822
0,67
1.800
0,12
1.105
0,61
19.967
0,12
33.743
100,0
61.143
%
3,42
2,64
1,34
2,97
1,81
32,66
55,19
100,0
N.º Estab.
1.597
78
10
16
2
8
1
1.712
TABELA 7 – MUNICÍPIO DE RIO TINTO: ESTRUTURA FUNDIÁRIA (1970, 1980 e 1985)
Fonte: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980 e 1985.
Classes de Área
Menos de 10 Hectares
10 a Menos de 50 Hectares
50 a Menos de 100 Hectares
100 a Menos de 500 Hectares
500 a Menos de 1.000 Hectares
1.000 a Menos de 5.000 Hectares
5.000 e Mais Hectares
TOTAL
TABELA 6 – MUNICÍPIO DE MAMANGUAPE: ESTRUTURA FUNDIÁRIA (1970, 1980 e 1985)
1985
%
Área (ha)
93,28
2.172
4,56
1.510
0,58
589
0,93
2.793
0,12
1.220
0,47
13.693
0,06
10.715
100,0
32.692
1985
%
Área (ha)
81,38
5.927
15,82
10.792
1,10
2.503
1,37
9.434
0,21
5.156
0,09
4.200
0,03
11.300
100,0
49.312
%
6,64
4,63
1,80
8,54
3,73
41,88
32,78
100,0
%
12,02
21,88
5,08
19,13
10,46
8,52
22,91
100,0
166
167
QUADRO 13 – REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE: PRINCIPAIS CONFLITOS FUNDIÁRIOS
Locais dos Conflitos
Ano de Início
Nº de Famílias Categorias de
Envolvidas Trabalhadores
Causas
Aldeia Jacaré de São
Domingos
(Município de Baía da
Traição)
1982
60
Índios
Grilagem de terras
indígenas por destilarias,
visando a ampliação da
área de cultivo da canade-açúcar.
Fazenda Pindoba
(Município de
Mamanguape)
1982
74
Posseiros
Grilagem de terras de
posseiros.
Sítio Catolé e Fazenda
Santa Rita
(Município de
Mamanguape)
1986
26
Fazenda Tatupeba
(Município de Rio Tinto)
1983
98
Fazenda Pacaré
(Município de Rio Tinto)
Fazenda Rio Vermelho
(Município de Rio Tinto)
Fazenda Tavares
(Município de Rio Tinto)
Sem
informação
Sem
informação
Sem
informação
Sem
informação
Sem
informação
Sem
informação
Fazenda Jaraguá
(Município de Rio Tinto)
1982
Sem
informação
Moradores de
condição e
arrendatários
Posseiros
Venda do imóvel, com
partilha de parte das terras
entre os trabalhadores
sem a participação destes
no processo de escolha
(os trabalhadores
acabaram ficando com as
piores terras).
Com a venda da
propriedade, o novo dono
tenta expulsar posseiros
para expandir a área
cultivada com cana-deaçúcar.
Sem informação
Sem informação
Sem informação
Sem informação
Sem informação
Sem informação
Moradores de
condição
Ameaça de expulsão dos
moradores pela empresa
Agropastoril Rio
Vermelho para utilizar as
terras com pecuária,
plantio de coco-da-baía e
extração de madeira.
Fonte: Elaborado com base em:
MOREIRA, Emília de Rodat Fernandes. Por um Pedaço de Chão. João Pessoa: Universitária/UFPB, Volume 1,
1997-b, passim.
A luta desses trabalhadores e índios para continuarem em seus próprios territórios foi
bastante árdua e demorada, uma vez que tiveram que enfrentar os integrantes dos Aparelhos
Repressivos do Estado (policiais, juízes, promotores), quase sempre aliados aos detentores de
poder político e econômico. Todavia, ela contou com o apoio e a solidariedade dos sindicatos
rurais e da própria Central Única dos Trabalhadores (CUT); dos membros da igreja católica
progressista, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Conselho Indigenista Missionário
(CIMI); dos partidos políticos de esquerda (PT e PCdoB) e dos intelectuais engajados com essa
problemática (advogados, jornalistas, antropólogos, historiadores, geógrafos, ambientalistas), etc.
De acordo com MOREIRA (1997-b, passim), o resultado desse embate foi positivo, pois as
terras indígenas da aldeia Jacaré de São Domingos foram finalmente homologadas e demarcadas
no ano de 1993. Já a fazenda Pindoba foi desapropriada em 1996 e deu origem ao Projeto de
168
Assentamento Paulo Gomes do Nascimento (nome dado em homenagem ao posseiro assassinado
pelo funcionário da fazenda). Ainda segundo a autora, entre 1986 e 2000 foram assentadas através
do INCRA 9.604 famílias na Paraíba, das quais 4.580 na Zona da Mata. Das 877 famílias
assentadas pelo INTERPA, no mesmo período, 98 estabeleceram-se em assentamentos situados
nessa mesorregião (MOREIRA et al., 2003, p. 6-7).
As Microrregiões de Sapé e do Litoral Sul foram as que receberam o maior número de
Projetos de Assentamento. A Microrregião do Litoral Norte foi contemplada com 6 projetos, sendo
3 no município de Jacaraú, 2 no município de Mamanguape e apenas 1 no município de Rio Tinto.
Essas transformações observadas nas formas de ocupação e uso do solo, apesar de modestas,
realçam a importância da viabilização de uma política de reforma agrária que atenda de fato os
interesses das classes menos favorecidas. Entretanto, além da distribuição de parcelas de terra,
esses pequenos produtores necessitam de assistência técnica adequada, crédito compatível com a
sua realidade, garantia de preço para os seus produtos e melhoria das condições de infra-estrutura
(estradas, irrigação, depósitos para armazenagem, água tratada e esgotamento sanitário,
eletrificação, telefonia, escolas, postos de saúde, etc.).
Ao estabelecer essas melhorias, o Estado passa a cumprir o verdadeiro papel de promotor
do desenvolvimento social e econômico, garantindo vida digna para todos os cidadãos, sejam eles
brancos, pretos, pardos, amarelos ou índios, sejam eles habitantes do campo ou da cidade.
c) A Mudança no Comportamento Demográfico
De uma maneira geral, é possível perceber uma grande mudança no perfil da população
residente em toda a Zona da Mata paraibana, como decorrência das transformações desencadeadas
a partir do PROÁLCOOL. Consoante MOREIRA et al. (2003, p. 10), entre 1970 e 1980 verificou-se
uma significativa redução da população rural nas principais microrregiões canavieiras, registrandose taxas negativas no Litoral Norte (-0,51%), no Litoral Sul (-0,40%) e em Sapé (-1,93%).
Nos municípios que integram a região do Baixo Mamanguape, o comportamento
demográfico apresentou algumas particularidades interessantes (Tabela 8).
Baía da Traição: O fato de abrigar dentro do seu território dezenas de aldeias indígenas
Potiguaras contribui até hoje para que o número de habitantes da zona rural seja maior do que os
da zona urbana. De acordo com os Censos Demográficos pesquisados, apenas em 1980 a
população urbana superou a população rural (51,87% contra 48,13%). Em todos os demais períodos
a população rural sempre foi maior do que a população urbana, embora ostentando ligeira
diferença. No que se refere a população total, houve um crescimento de 127,62% no período de
1970 a 2007, passando de 3.352 para 7.630 habitantes, respectivamente.
Marcação: Criado em 1994 a partir do desmembramento de parte do território do município de
Rio Tinto, este município também abriga várias aldeias indígenas. Em 2000 foram contabilizados
3.293 habitantes na zona rural (52,80%) e 2.944 na zona urbana (47,20%).
34.485
1.461
13.778
15.696
98.093
3.352
37.086
26.228
Total
10.532
24.637
63.608 102.371
1.891
4.299
23.308 40.807
Rural
15.195
41.913
2.230
18.157
Urbana
1980
9.442
60.458
2.069
22.650
Rural
Fontes: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Demográficos da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1991 e 2000.
IBGE. Contagem da População da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 2007.
* Município criado em 1994
Urbana
1970
Total
Convenções: X – Dado não disponível na série
Litoral Norte/Região do
Baixo Mamanguape
Litoral Norte
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação*
Rio Tinto
27.127
119.141
5.358
49.887
Total
15.956
64.259
2.646
29.897
Urbana
1991
Total
54.882 128.359
2.712
6.365
19.990 38.680
6.237
11.171 22.607
Rural
77.164
2.865
30.734
2.944
13.790
Urbana
2000
Total
51.195 137.650
3.500
7.630
7.946 40.283
3.293
7.287
8.817 23.023
Rural
X
X
X
X
X
Urbana
2007
TABELA 8 – MICRORREGIÃO DO LITORAL NORTE E REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE: POPULAÇÃO TOTAL, URBANA E RURAL
(1970, 1980, 1991, 2000 e 2007)
X
X
X
X
X
Rural
169
170
Mamanguape: Este é o único município que apresentou as características observadas em toda a
Zona da Mata, no que se refere ao crescimento acelerado da população urbana e ao processo de
esvaziamento do campo. Observe que em 1970 a população rural era de 23.308 habitantes (62,85%)
e a urbana de apenas 13.778 habitantes (37,15%). Em 1980 essa diferença diminuiu
significativamente, de modo que a população rural registrou 22.650 habitantes (55,51%) e a urbana
18.157 (44,49%). A partir da década de 1990 a população urbana superou definitivamente a
população rural, acompanhando a tendência verificada para a microrregião. No ano de 2000, data
do último Censo Demográfico, a população urbana atingiu a marca de 30.734 habitantes (79,46%),
contra apenas 7.946 moradores da zona rural (20,54%), a maior marca registrada em 30 anos.
Ao estabelecer uma comparação entre os anos de 1970 e 2000, percebe-se uma expressiva
redução da população rural da ordem de 65,91% (15.362 habitantes). Em contrapartida, a
população urbana sofreu um incremento de 122,06% (16.956 habitantes).
Mais uma vez, vale a pena ressaltar que a expansão da lavoura da cana-de-açúcar e o
aumento da concentração fundiária foram responsáveis pela expropriação dos pequenos
agricultores e pela intensificação da migração campo-cidade. A introdução de novas tecnologias no
processo produtivo, tais como uso de máquinas (tratores, colheitadeiras, caminhões para o
transporte), equipamentos de irrigação, produtos químicos (fertilizantes, adubos, pesticidas,
herbicidas), sementes especiais produzidas em laboratório, etc., contribuiu para aumentar a
produtividade média por hectare, bem como para reduzir o número de trabalhadores engajados
nessa atividade.
Desempregados e com pouco ou nenhum recurso econômico, milhares de camponeses
migram em direção à cidade e passam a ocupar as áreas desvalorizadas pelo capital imobiliário
(margens de rios e córregos, encostas de morros, terrenos na periferia). Como, em geral, são áreas
que apresentam sérias deficiências no que se referem aos equipamentos básicos de infra-estrutura
(água e esgoto, coleta regular de lixo, pavimentação de ruas, postos de saúde, etc.), essas pessoas
acabam tendo que conviver diariamente com uma série de problemas. O depoimento do Sr. João
Batista da Silva, 40 anos, morador de um pequeno aglomerado localizado na periferia de
Mamanguape, retrata bem essa situação. Segundo ele, os habitantes daquela localidade sofrem
bastante com a falta de água, com a lama que corre pelas ruas sem pavimentação e com o acúmulo
de lixo nos terrenos. Muitas crianças, inclusive, contraem doenças intestinais com certa freqüência
e precisam de atendimento médico.
Na verdade, a grande incidência dessas patologias denuncia a falta de tratamento da água e
a ausência de condições mínimas de higiene e limpeza. Regra geral, as habitações são muito
pequenas, sujas, apresentam pouca ventilação e abrigam muitas pessoas.
Ao conversar com o secretário de políticas habitacionais do município de Mamanguape, Sr.
Flávio Maximino, ele nos contou que um dos problemas mais sérios enfrentados pela
171
administração municipal é mesmo a questão da habitação popular, uma vez que todos os dias
novas famílias chegam à cidade em busca de oportunidades de emprego. Essas pessoas deixam a
zona rural do próprio município ou até mesmo de outros municípios menores da região, a exemplo
de Jacaraú e Mataraca, expulsas pela cana-de-açúcar, e acabam se aglomerando nesses locais onde
constroem habitações muito precárias, quase sempre em terrenos particulares. Em várias ocasiões,
inclusive, os proprietários entram com mandado de segurança e a justiça determina a reintegração
de posse.
Para minimizar uma parte desses problemas, a prefeitura municipal adquiriu através da
compra, vários terrenos onde estão sendo construídos conjuntos habitacionais para abrigar as
populações de baixa renda. Ao final da execução do projeto, que tem como parceiro principal o
governo federal, esses locais contarão com uma infra-estrutura básica (água, esgoto, pavimentação,
iluminação, áreas de lazer, etc.).
Para finalizar a discussão sobre as tendências demográficas, observou-se que no período
1970-2007 o crescimento da população total alcançou um índice bastante modesto, apenas 8,62%,
passando de 37.086 para 40.283 habitantes nesse período. Embora Mamanguape tenha perdido os
distritos de Capim, Cuité de Mamanguape e Curral de Cima, elevados à categoria de município em
meados da década de 1990, a principal causa responsável pelo fraco incremento demográfico
verificado ao longo dessas décadas foi mesmo o processo de estagnação econômica e política
vivenciado pelas duas maiores cidades do baixo vale – Mamanguape e Rio Tinto, processo esse
que teve início na década de 1960 e se refletiu nas taxas de crescimento populacional da região
como um todo. De acordo com os dados do IBGE, 1980, apud ANDRADE (1988-b, p. 117), o
município apresentou uma taxa anual de crescimento populacional de 5,07% no decênio 19501960, decaindo para 1,49% no decênio 1960-1970 e para apenas 1,04% no decênio 1970-1980.
Rio Tinto: Ao contrário do que foi observado nos demais municípios que compõem o baixo
Mamanguape, Rio Tinto sempre exibiu maior número de pessoas na zona urbana, fato explicado
pela presença das instalações industriais têxteis que foram responsáveis durante muitos anos pela
absorção de grande parte da População Economicamente Ativa (PEA). Uma análise pormenorizada
desse quadro será apresentada no capítulo seguinte, dedicado exclusivamente ao estudo da
experiência industrial na cidade em questão.
CAPÍTULO 4
A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO
173
CAPÍTULO 4
A EXPERIÊNCIA TÊXTIL NA CIDADE DE RIO TINTO
“Do ponto de vista da história do urbanismo, as vilas operárias e núcleos
fabris podem ser considerados um momento inicial de construção de um
‘hábitat proletário moderno’: um local de vida familiar e de repouso, do
qual são afastadas atividades produtivas e limitado o acesso de estranhos.
(...) Elementos desse novo hábitat, para o pobre, revelaram-se na Europa do
século XIX em cidades mineiras, em moradias construídas por filantropos,
por empresas de construção e por industriais. No Brasil, os primeiros
núcleos fabris tenderam a expressar um momento de transição do hábitat
camponês ao ‘hábitat proletário moderno’.”
CORREIA, Telma de Barros. A Indústria e o Hábitat Operário no Brasil.
4.1 A IMPORTÂNCIA DA COTONICULTURA NO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO
NORDESTE BRASILEIRO
Antes de tecer algumas considerações sobre o tema em destaque, torna-se oportuno
ressaltar que desde o período da colonização até as primeiras décadas do século XX, o Brasil não
apresentava uma integração entre as vastas porções do seu território. Com efeito, cada região havia
se especializado no fornecimento de determinados produtos primários, quase sempre destinados ao
abastecimento do mercado internacional. Foi assim na região Amazônica, com a borracha e com
outros produtos do extrativismo vegetal; na região Sudeste, com os recursos minerais e com o
café21; e na região Nordeste, com o cacau, o algodão e o açúcar.
Não obstante, essas duas últimas matérias-primas vão constituir a base do processo de
industrialização que teve início na região Nordeste a partir da segunda metade do século XIX.
Entretanto, antes desse período verifica-se a presença de uma atividade industrial pouco
expressiva, representada pelas pequenas e médias unidades que beneficiavam a carne seca (porção
semi-árida)22; fabricavam o açúcar mascavo, o mel de furo, a rapadura e a aguardente (zona da
mata úmida); e produziam tecidos rudimentares, normalmente utilizados na confecção de sacos
para enfardar o açúcar e outros produtos agrícolas, bem como para a fabricação de peças de
vestuário destinadas às classes inferiores da sociedade (escravos, pequenos trabalhadores livres,
etc.).
Conforme foi visto no capítulo anterior, a substituição dos bangüês pelos engenhos
movidos a vapor e destes últimos pelas modernas usinas de açúcar, aconteceu gradativamente a
21
As regiões Sul e Centro-Oeste, por sua vez, especializaram-se na produção de gêneros alimentícios destinados ao
crescente mercado consumidor da região Sudeste.
22
José Veríssimo da Costa Pereira recorda que nesses estabelecimentos, denominados charqueadas, o gado era abatido
para o fabrico da carne seca salgada, mais conhecida na Amazônia por “jabá”; no Nordeste por “carne-do-sertão”ou
“carne-de-sol”; no Centro do país por “carne-seca” e no Sul pela denominação “charque”, palavra de origem incerta,
mas que parece provir para muitos, da língua árabe, na qual cherca equivale a carne salgada e charraca tem o
significado de “secar ao sol carne salgada” (PEREIRA, 1949, p. 227).
174
partir do último quartel do século XIX e durante as primeiras décadas do século seguinte. Na
oportunidade, outros estabelecimentos também surgiram nessa mesma época, a exemplo das usinas
de descaroçamento de algodão, das fábricas de fiação e tecelagem e das pequenas metalurgias que
passaram a dar suporte ao crescente número de unidades industriais. ANDRADE (1988-a, p. 22)
lembra ainda que no início do século XX foram implantadas na região Nordeste várias fábricas de
extração do óleo de sementes de algodão, de mamona e de oiticica. As fábricas têxteis também
foram aperfeiçoadas e passaram a beneficiar fibras de outros vegetais como a agave, o caroá e a
juta.
Impossibilitados de competir em condições vantajosas no mercado mundial, devido à
concorrência de um algodão de menor preço e melhor qualidade produzido nos Estados Unidos e
em outros países da África, Europa e Ásia (Egito, Sudão, Grécia, Turquia, Índia, Rússia, China,
Paquistão, etc.), muitos comerciantes e empresários nordestinos passaram a direcionar a produção
de algodão e de tecidos para abastecer o mercado regional e nacional, haja vista o aumento do
nível de consumo em função da substituição do trabalho escravo por outras formas de relações de
trabalho, dentre elas o trabalho assalariado. Além disso, segundo destacou SILVA (1980, p. 36), as
freqüentes inovações técnicas introduzidas no processo de produção têxtil inglês resultaram em um
rápido processo de obsolescência das máquinas e ferramentas, de modo que a indústria têxtil
nordestina desenvolveu-se com a importação desses equipamentos (houve casos em que foram
importadas fábricas completas, inclusive engenheiros e técnicos). Exemplo disso foi o
aparecimento de várias fábricas, em diversos Estados do Nordeste, durante a segunda metade do
século XIX e início do XX, muitas das quais, ainda hoje, se acham em funcionamento.
Tanto as usinas de açúcar, já referidas anteriormente, quanto as fábricas de fiação e
tecelagem organizadas em bases empresariais, foram responsáveis pelo dinamismo econômico
observado em inúmeras cidades localizadas no Litoral, no Agreste e no Sertão nordestinos (Mapa
23). Esse fato contribuiu para a ampliação e/ou melhoria da infra-estrutura urbana já existente –
portos, ferrovias, oficinas mecânicas, armazéns, casas comerciais e bancárias, rede de distribuição
de energia elétrica, abastecimento de água, etc., bem como promoveu um expressivo crescimento
da população em função do forte movimento migratório em direção a essas áreas. Convém
salientar ainda que em alguns casos a atividade industrial foi responsável pelo surgimento do
próprio aglomerado urbano, a exemplo da cidade de Rio Tinto, objeto de análise desse capítulo.
O Quadro 14, exposto logo a seguir, apresenta as principais fábricas têxteis instaladas na
região em tela. Observe que a primeira delas surgiu na cidade baiana de Valença no ano de 1822,
momento em que foi instaurado o período Monárquico no Brasil. Dentre os Estados exibidos,
Pernambuco aparece com o maior número de fábricas de fiação e tecelagem, totalizando 6
estabelecimentos industriais, sendo 5 localizados na área conhecida hoje como região
metropolitana do Recife (Grande Recife). Na Paraíba, as primeiras indústrias têxteis surgiram
175
apenas na segunda década do século XX, com destaque para a Companhia de Tecidos Rio Tinto e
para o Cotonifício Campinense.
QUADRO 14 – PRINCIPAIS FÁBRICAS TÊXTEIS INSTALADAS NA REGIÃO NORDESTE
ENTRE OS SÉCULOS XIX E XX
Anos
1822
Cidades/Estados
Valença/Bahia
1826
Recife/Pernambuco
1870
1875
1887
1888
1889
Recife/Pernambuco
Recife/Pernambuco
São Cristóvão/Sergipe
Rio Largo/Alagoas
Caxias/Maranhão
1891
Paulista/Pernambuco
1891
São Lourenço da
Mata/Pernambuco
1894
Goiana/Pernambuco
1914
1918
1919
1946
Pedra/Alagoas
Mamanguape/Paraíba
Campina Grande/Paraíba
Areia/Paraíba
Nomes dos Estabelecimentos Industriais/Localização
Companhia Valença Industrial/Área de influência de Salvador.
Fábrica de Fiação e Tecelagem de Algodão/Bairro da Boa
Vista.
Fábrica de Tecidos de Algodão/Bairro da Madalena.
Cotonifício da Torre/Bairro da Torre.
Fábrica Sergipe Industrial/Região da Zona da Mata.
Companhia de Fiação e Tecidos.
Fábrica de Tecidos Caxias.
Companhia de Tecidos Paulista/Proximidades da cidade de
Recife.
Companhia Industrial Pernambucana/Proximidades da cidade
de Recife.
Companhia de Fiação de Tecidos de Goiana/Região da Zona da
Mata.
Companhia Agro-Fabril/Região do Sertão.
Companhia de Tecidos Rio Tinto/Região da Zona da Mata.
Cotonifício Campinense/Região do Agreste.
Fiação e Tecelagem Arenópolis/Região do Agreste.
Fonte: Elaborado com base em:
SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma atividade econômica regional. Natal:
Universitária/UFRN, 1980, p. 40 seq.
No que concerne ao processo de industrialização têxtil, o Estado da Paraíba apresentou um
atraso de quase um século em relação aos Estados da Bahia e de Pernambuco. Além disso, o
surgimento das primeiras fábricas desse ramo foi motivado por três acontecimentos desencadeados
no plano internacional, tais como a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a grande recessão
econômica iniciada no ano de 1929 com a queda da bolsa de valores de Nova Iorque, e a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). De uma maneira geral, os episódios supracitados contribuíram em
um primeiro momento para reduzir o volume de exportações dos produtos primários brasileiros
(açúcar, cacau, algodão, café, fumo, madeira, minerais, etc.), em função da retração da procura
desses produtos por parte dos países industrializados do hemisfério norte, ora atingidos pela forte
crise econômica, ora envolvidos diretamente com os conflitos bélicos. Por outro lado, o país
deixou de contar com as importações de produtos manufaturados e por isso teve que suprir as suas
necessidades a partir da produção interna de mercadorias. Nesse sentido, pode-se dizer que o
processo de industrialização brasileira consubstanciou-se através do modelo de substituição de
importações.
Vale ressaltar que a concretização desse modelo contou com a participação efetiva do
Estado nacional, tendo a figura de Getúlio Vargas o papel principal. Na verdade, o Estado foi o
responsável pela implementação de grandes obras de infra-estrutura: ampliação da malha de
transporte ferroviário e rodoviário, visando promover a integração das vastas áreas do território
176
nacional; criação da primeira grande indústria de bens de produção em 1941 (Companhia
Siderúrgica Nacional – CSN) e da primeira empresa mineradora em 1942 (Companhia Vale do Rio
Doce – CVRD); inauguração de um amplo programa de geração de energia a partir da construção
da usina hidrelétrica de Paulo Afonso, em 1951, e da Petrobrás, em 1953.
Ao se reportar ao modelo em destaque, SILVA (1980, p. 49-50) observou o seguinte:
“O processo de substituição de importações é apontado como o que maior
contribuição deu à industrialização brasileira, particularmente à indústria têxtil.
Embora o esforço deliberado e consciente do governo, em incentivar o
mecanismo de substituição de importações, somente tenha início na década de
trinta, o fenômeno da substituição de importações por produção nacional, já
havia se manifestado, com indiscutíveis vantagens para a economia brasileira;
tanto durante a Primeira Guerra, como na Crise de 1929.”
No que se refere à indústria têxtil, ele acrescentou ainda:
“(...) o têxtil foi o setor industrial que mais rapidamente respondeu aos
objetivos do processo substitutivo de importações, uma vez que a substituição
iniciou-se pela via mais fácil da produção de bens de consumo final, não só em
virtude da existência de um razoável parque industrial, como pela matériaprima e devido à tecnologia nela empregada ser menos complexa e de menor
intensidade de capital, se comparada com outros ramos.” (SILVA, 1980, p. 50).
De fato, enquanto as indústrias de bens de produção exigiam vultosos investimentos para
instalação e operacionalização, muitos dos quais provenientes dos países ricos – como foi o caso
do financiamento oferecido pelo governo norte-americano para a construção da Companhia
Siderúrgica Nacional, em troca da utilização do Litoral do Rio Grande do Norte como base militar
durante a Segunda Guerra – as indústrias de bens de consumo, sobretudo as de produtos nãoduráveis (tecidos, roupas, calçados, alimentos, cigarros, bebidas e remédios), podiam ser
construídas e/ou ampliadas através de recursos obtidos nas demais atividades produtivas
(agricultura, comércio, setor bancário, etc.).
No caso da indústria têxtil, SILVA (1980, p. 50-51) recorda que até as primeiras décadas do
século XX a região Nordeste apresentou um desenvolvimento semelhante ao observado no CentroSul do país, graças à existência de uma atividade agrícola tradicional voltada para o cultivo do
algodão e à disponibilidade de grande reserva de mão-de-obra. Contudo, alguns fatores ligados à
conjuntura econômica contribuíram para uma mudança nessa situação. Um deles foi que, a partir
de 1918, motivada por uma grande geada que prejudicou seus cafezais, a região Sul passou a
diversificar a sua agenda agrícola, lançando-se também na produção do algodão. Outro fator
originou-se com a própria crise de 1929, forçando uma transferência de capital intra-setorial, do
café para o algodão, fato que beneficiou um número considerável de indústrias têxteis que já
existiam nas regiões Sul e Leste do Brasil.
23
19
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10
3
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4
2
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8
21
7
16
14
15
6
1 – Ceará-Mirim: USI
2 – Natal: COM – EXP – TEX – IND
3 – Parnamirim: IND
4 – Rio Tinto: TEX
5 – Guarabira: COM
6 – Cabedelo: EXP
7 – João Pessoa: COM – TEX – IND
8 – Santa Rita: TEX – USI
9 – Campina Grande: PRO – COM – IND
10 – Itabaiana: COM
11 – Goiana: TEX – USI
12 – Limoeiro: PRO – COM
13 – Carpina: USI
14 – Paulista: TEX – IND
15 – Olinda: IND
16 – Recife: COM – EXP – IND – TEX
17 – Jaboatão: IND
18 – Vitória de Santo Antão: USI
19 – Gravatá: PRO – COM
20 – Caruaru: PRO – COM – IND
21 – Cabo: IND
22 – Escada: USI
23 – Palmares: USI
24 – Garanhuns: PRO – COM
Principais Cidades:
PRO – Bacia produtora de algodão
COM – Cidade de comércio algodoeiro
EXP – Porto de exportação de algodão e manufaturados
TEX – Grande unidade ou setor industrial têxtil
USI – Usina de açúcar e/ou álcool
IND – Outras áreas/setores industriais
Convenções:
Fonte: Adaptado de:
SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma atividade econômica regional. Natal: Universitária/UFRN, 1980, p 157.
24
20
9
5
1
MAPA 23 – A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO NA ZONA DA MATA E AGRESTE POTIGUAR, PARAIBANO E PERNAMBUCANO
177
178
Não se pode deixar de mencionar, no entanto, que a economia cafeeira havia preparado o
terreno para a industrialização do Centro-Sul, uma vez que proporcionou a acumulação de capitais
a partir da produção e da comercialização daquele que se tornaria o maior produto de exportação
do país durante muitos anos. O café também deixara de herança uma classe trabalhadora livre e
assalariada, formada em grande parte por imigrantes de origem européia e asiática (italianos,
espanhóis e japoneses); um mercado consumidor francamente consolidado e uma infra-estrutura
moderna para os padrões daquela época, com grande destaque para as ferrovias que atravessavam
as fronteiras do Estado de São Paulo e atingiam pontos distantes do Rio de Janeiro, Espírito Santo,
sul de Minas Gerais, norte do Paraná e parte meridional do Mato Grosso.
Além do café, outras matérias-primas abasteciam as unidades fabris que surgiam em
número cada vez mais crescente na região, incentivadas pela política industrialista adotada pelo
governo de Getúlio Vargas. O dinamismo do espaço agrário no Centro-Sul desencadeou sérios
problemas para a região Nordeste, que viu sua produção declinar em função da diminuição da
procura por parte dos empresários instalados naquela região. De acordo com Amélia COHN (1976,
p. 26), até o final da década de 1920 a região Nordeste abastecia aproximadamente metade do
mercado nacional do algodão, constituindo a principal fornecedora para as indústrias têxteis
instaladas no Centro-Sul. Entretanto, vinte anos mais tarde São Paulo superou com larga vantagem
a produção dos três principais Estados cotonicultores do Nordeste – Rio Grande do Norte, Paraíba
e Pernambuco.
Essa situação tornou-se ainda mais crítica quando o governo federal iniciou o processo de
integração inter-regional, ampliando a rede de transporte ferroviário e rodoviário e pondo fim às
barreiras protecionistas que resguardavam as economias locais e regionais. Em seus longos anos de
mandato, Getúlio Vargas alicerçou as bases para a transformação do Brasil em uma economia
industrial de larga escala, com fortes repercussões nos mercados interno e externo. Ademais, ele
fortaleceu a centralização do poder em detrimento das oligarquias regionais que comandaram a
vida política e a economia durante a maior parte da história do país (período Colonial, Monárquico
e primeira fase da República, também conhecida como República Velha ou República dos
Coronéis).
Rapidamente os produtos manufaturados do Centro-Sul, que contavam com tecnologia
mais avançada, invadiram as cidades nordestinas e provocaram a falência de inúmeras unidades
fabris. Em outros casos, eles contribuíram para a reorientação produtiva de várias empresas
instaladas na região, que passaram a produzir para abastecer o mercado regional, conforme
destacou SILVA (1980, p. 53-54): os fatores descritos anteriormente “concorreram para a existência
de um processo gradativo de decadência da indústria têxtil nordestina. Apesar disso, não
desapareceram por completo os vínculos que mantinham essa atividade identificada com a
economia regional.”
179
A fragilidade da conjuntura econômica nordestina em face da competitividade externa era
indiscutível naquela ocasião. Em primeiro lugar, a lavoura do algodão enfrentava a concorrência
de poderosos fazendeiros da região Centro-Sul do país, bem como estava submetida às regras
impostas pelo mercado internacional do produto, controlado pelos trustes SANBRA, ANDERSON
CLEYTON e MACHINE COTTON. Em segundo lugar, a indústria de transformação do algodão
também se encontrava em desvantagem diante dos concorrentes nacionais e estrangeiros, uma vez
que exibia níveis modestos de produtividade em face da profunda dependência tecnológica.
A tabela exposta a seguir, baseada em fontes estatísticas do IBGE, atesta a crise enfrentada
pelo setor têxtil nordestino ao longo de vários períodos.
TABELA 9 – INDÚSTRIA TÊXTIL DO NORDESTE EM RELAÇÃO A DO BRASIL
(EM PERCENTAGEM)
Discriminação
Pessoal Ocupado
Salários Pagos
Valor da Produção
1939
26,6
16,4
17,4
1949
23,9
14,9
17,2
1960
17,9
11,2
16,3
1965
15,8
9,9
14,7
1970
11,2
7,3
9,1
1973
13,5
9,1
13,8
Fonte: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Econômicos e Produção Industrial (1966), Anuário Estatístico (1960, 1965 e 1970) e
Pesquisa Industrial (1973) apud SILVA, Alcir Veras da. Algodão e Indústria Têxtil no Nordeste: uma
atividade econômica regional. Natal: Universitária/UFRN, 1980, p. 234.
Através dos dados é possível observar que no período imediatamente posterior ao final da
Segunda Guerra Mundial, a indústria têxtil nordestina apresentou um pequeno decréscimo em
relação à indústria têxtil nacional, segundo os indicadores observados – pessoal empregado na
atividade, níveis salariais e valor da produção. No período 1949-1960, verificou-se uma diminuição
mais acentuada no que se refere ao número de pessoas empregadas (queda de 6,0 pontos
percentuais) e aos salários pagos (queda de 3,7 pontos percentuais). Nesse mesmo intervalo de
tempo, apenas o valor da produção obteve uma diminuição modesta. Por outro lado, ao analisar o
período 1939-1970 verificou-se uma diminuição bastante expressiva dos três indicadores: o pessoal
ocupado caiu de 26,6 para 11,2%, os salários pagos caíram de 16,4 para 7,3% e o valor da produção
de 17,4 para 9,1%.
Vale ressaltar que a diminuição do número de pessoas ocupadas na atividade têxtil não se
deu em função do desemprego estrutural. Pelo contrário, a ausência de modernização do processo
produtivo contribuiu para o fechamento de inúmeras fábricas de fiação e tecelagem que se
encontravam operando em condições desvantajosas em relação às concorrentes instaladas na
região Centro-Sul do Brasil. A falta de competitividade da indústria têxtil regional foi vital
também para a diminuição dos salários pagos e para a queda do valor da produção.
SILVA (1980, p. 61-63), lembra que a partir da década de 1960 a Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) instituiu uma ampla política de revitalização da
tradicional indústria têxtil nordestina, pautada na adoção de incentivos fiscais, creditícios e no
180
fornecimento de assistência técnica. O estudo que serviu de base para essa política, elaborado pelo
órgão supracitado, detectou a seguinte situação do parque têxtil.
As indústrias não satisfaziam as necessidades de consumo de têxteis da região, uma vez que a
rigidez da oferta estava, em grande parte, em função do obsoletismo dos equipamentos. A
produção estava voltada para tecidos grossos e médios, chegando a representar mais de 75% de
toda a produção. Por outro lado, 45% da produção era exportada para outras regiões, enquanto
que eram importados cerca de 100 milhões de metros anuais de tecidos finos do Centro-Sul;
Com relação aos equipamentos, 54% dos fusos e 81% dos teares tinham mais de trinta anos de
operação;
A mão-de-obra apresentava-se da seguinte maneira: excesso de empregados e baixos salários,
se comparados com o padrão da indústria do Centro-Sul;
Eram os seguintes os aspectos que resultaram na baixa produtividade: falta de controle sobre o
uso da matéria-prima, resultando na elevação dos custos de produção; falta de seletividade
quanto aos artigos a serem produzidos, tanto em relação à dimensão da fábrica, como à
absorção do mercado; utilização excessiva de mão-de-obra;
Os primeiros sinais de ineficiência dos equipamentos têxteis levaram os empresários a
desviarem recursos para aplicações em muitas outras atividades, resultando na escassez de
capital de giro.
O processo de modernização desenvolvido através da canalização de recursos públicos da
SUDENE não atingiu de maneira homogênea todos os estabelecimentos. Por isso ele não foi
suficiente para que a indústria têxtil nordestina recuperasse plenamente a sua capacidade
produtiva, diante da realidade observada em outras regiões do Brasil e do mundo. Por outro lado,
as fábricas que foram reaparelhadas experimentaram aumento expressivo da produção de fios e
derivados, provocando a dispensa de grande contingente de trabalhadores que passaram a migrar
para outras regiões do país em busca de nova colocação no mercado de trabalho.
Convém salientar ainda que da mesma forma que a indústria de transformação conheceu
mudanças significativas, a atividade agrícola regional também sofreu os impactos desse processo,
haja vista a substituição das tradicionais fibras vegetais (algodão, agave e caroá) pelo uso intensivo
de fibras sintéticas produzidas a partir de experiências em laboratórios (o poliéster e a poliamida
são as mais conhecidas). Com efeito, isso permitiu uma maior autonomia da indústria diante da
utilização de novas fontes de matérias-primas, barateando os custos de produção e se libertando,
por exemplo, da dependência imposta pelo mercado do algodão, controlado não apenas por fatores
naturais, mas, sobretudo, por conjunturas econômicas e políticas. Além disso, esse fato agravou
ainda mais a situação da fraca agricultura regional, contribuindo para que as culturas do algodão e
da agave fossem progressivamente retiradas da paisagem de inúmeros municípios do interior.
181
Antes de analisar o processo que deu origem ao aglomerado urbano de Rio Tinto, torna-se
oportuno compreender a dinâmica da organização espacial na Zona da Mata e no Agreste dos
Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Para tanto, recorreremos ao Mapa 23,
elaborado no final da década de 1970 pelo professor Alcir Veras da Silva, no momento em que
escreveu Dissertação de Mestrado no Curso de Engenharia de Produção da Universidade Federal
da Paraíba (UFPB).
Observe que todas as cidades identificadas no mapa estavam articuladas por uma extensa
rede de transporte (rodoviário e ferroviário), que facilitava as trocas de mercadorias e matériasprimas produzidas no Litoral e no interior da região. Natal, João Pessoa e, sobretudo, Recife
apareciam como cidades que comandavam uma vasta hinterlândia, destacando-se como
importantes centros de produção industrial, bem como na comercialização e na exportação do
algodão e de outros produtos manufaturados. Das três cidades, apenas João Pessoa não possuía
terminal portuário, cuja função cabia a cidade de Cabedelo, localizada na região metropolitana23.
Ainda de acordo com o mapa, o Sertão e o Agreste dos Estados supracitados eram
responsáveis pela grande produção algodoeira. Sendo assim, enquanto a primeira área se
especializara no cultivo do algodão arbóreo, de fibra mais longa, a segunda destinava-se a produzir
o algodão herbáceo. No Rio Grande do Norte, as regiões de Apodi, Angicos, Mossoró, Açu e
Seridó se sobressaiam como grandes produtoras. Na Paraíba, destacavam-se as regiões dos Cariris
Velhos, Seridó, Piranhas, Piancó e Curimataú e, em Pernambuco, as regiões do Pajeú, Moxotó,
Salgueiro, Araripina, Petrolina e Ipojuca.
Ainda na Paraíba, três cidades agrestinas funcionavam como pontos de conexão com outros
Estados: Campina Grande (destaque para a bacia produtora e para o entreposto comercial do
algodão, além da presença de grandes unidades industriais), Itabaiana e Guarabira (consideradas
como importantes centros do comércio algodoeiro). No Litoral, a cidade de Rio Tinto abrigava as
unidades têxteis pertencentes ao grupo Lundgren, enquanto a cidade de Santa Rita possuía fábricas
têxteis, usinas de açúcar e destilarias de álcool.
Em Pernambuco, as cidades de Carpina, Escada, Vitória de Santo Antão, Palmares e
Goiana especializaram-se na produção e na industrialização da cana-de-açúcar. Goiana abrigava
ainda uma tradicional indústria de fiação e tecidos. Já as cidades de Limoeiro, Gravatá, Garanhuns
e Caruaru destacavam-se como bacias produtoras e como entrepostos comerciais do algodão.
Caruaru exibia também importantes segmentos industriais. Por fim, várias cidades localizadas na
região metropolitana do Recife, a exemplo de Paulista, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Cabo,
apresentavam diversificado parque industrial.
23
Segundo SILVA (1980, p. 142), a presença do poder público na economia algodoeira do Nordeste deu-se desde o
passado, com a construção de infra-estrutura (açudes, ferrovias, estradas, portos, armazéns, eletrificação rural), através
do DNOCS, RFFSA, DNER, CHESF, de modo a ligar as áreas produtoras aos centros de transformação industrial e
aos portos de exportação.
182
4.2 A EXPERIÊNCIA INDUSTRIAL NA CIDADE DE RIO TINTO E O PAPEL DA FAMÍLIA
LUNDGREN
4.2.1 ALGUNS ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A origem do aglomerado urbano de Rio Tinto, no final da década de 1920, está
intimamente associada à história do distrito de Paulista, naquela época pertencente ao município de
Olinda, localizado nas cercanias da cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco. Na
verdade, essas duas povoações serviram de palco para a experiência empreendedora de Herman
Theodor Lundgren, um jovem sueco que em meados do século XIX havia escolhido o Brasil para
dar início a um vasto projeto econômico que envolveria a combinação de atividades agrícolas,
comerciais e industriais.
Após rápida passagem pelo Rio de Janeiro, Herman Lundgren instala-se no Recife onde
funda, em 1861, uma fábrica de pólvora na aldeia “Pontezinha”, Pernambuco Powder Factory, a
primeira empresa do ramo construída, organizada e mantida por iniciativa particular no país
(GOÉS, 1963, apud BARROS, 2002, p. 25). Além da pólvora, ele também comercializou mais tarde
cera de carnaúba, couro, sal proveniente de Macau e Areia Branca, no Rio Grande do Norte;
industrializou açúcar, com a compra da usina Central de Timbó e iniciou-se na produção têxtil com
a aquisição da antiga fábrica de tecidos de Paulista, no ano de 1904 (BARROS, 2002, p. 25). A
Companhia de Tecidos Paulista (CTP), como ficou conhecida, tornou-se o principal
empreendimento do grupo.
Apesar dos progressos observados, Lundgren queria sempre mais e por isso empenhava-se
para adquirir grandes possessões de terras com a intenção de ampliar seus negócios. Após a sua
morte em 1907, todo o patrimônio erguido ao longo de quase meio século passou para as mãos dos
principais herdeiros, ficando, desta forma, o controle acionário e administrativo nas mãos dos
filhos Artur, Frederico e Alberto. Estes trataram de levar adiante os planos do velho Lundgren, de
modo que modernizaram a Companhia de Tecidos e criaram uma notável rede de comércio
varejista sediada na cidade de Paulista e com ramificações em várias partes do Nordeste e do Sul
do país (Lojas Paulista e, mais tarde, Casas Pernambucanas).
Por volta da quarta década do século vinte, Paulista era uma cidade que apresentava uma
economia bastante vigorosa, fato que atraía a atenção de moradores de várias localidades do
interior de Pernambuco e até dos Estados vizinhos, interessados na possibilidade de adquirir uma
melhor condição de vida e trabalho. Nesses tempos áureos, a Companhia de Tecidos chegou a
possuir cerca de 6.000 casas, empregando mais de 20.000 trabalhadores em diversas atividades,
desde as atividades industriais propriamente ditas (fiação, tecelagem, estamparia e costura), até as
atividades complementares como cultivo de roçados, criação de animais, extração de madeira e de
183
alguns tipos de minerais, construção de casas, galpões, armazéns, escolas, hospitais, postos de
saúde, delegacias, clubes sociais, cemitérios, etc.
A Companhia dispunha ainda de vários aliciadores, indivíduos que recrutavam famílias
numerosas que pudessem se inserir nas atividades supracitadas. Regra geral, esses aliciadores
preferiam as famílias camponesas empobrecidas que viviam sob a tutela de poderosos donos de
terras, em uma condição de grande exploração da força de trabalho. Como atrativos, eles ofereciam
empregos para boa parte dos membros do grupo, além de casa para morar e opções de lazer
durante as folgas do trabalho.
Sobre esses aspectos, Rosilene ALVIM (1997, p. 13) escreveu o seguinte:
“A construção de uma família operária que então se consolida em Paulista
em função do modelo do aliciamento familiar, se caracteriza pela imobilização
da força de trabalho através do monopólio da moradia pela indústria.
Controlando não só o acesso ao trabalho mas também à casa, a fábrica controla
também o uso do espaço social de seus trabalhadores, territorializado em
domínios de sua propriedade. Esta fábrica com vila operária, ao deter o
controle não só das condições de trabalho de seus operários como também o
controle direto de suas condições de reprodução, procura inculcar em seus
trabalhadores uma ideologia do trabalho, uma moral do trabalho como um
modo de vida que é reforçado e legitimado através da família.”
Apesar do delineamento de uma nova configuração sócio-espacial, representada agora pela
vida na cidade (em vilas ou em bairros operários) e pelos costumes e valores daí resultantes, esses
indivíduos perceberam que pouca coisa mudou em relação às formas de vida e trabalho do
passado, uma vez que continuavam sendo submetidos ao controle social e político dos seus
patrões, bem como as mesmas formas de exploração da mão-de-obra, através da elevada jornada
de trabalho, dos baixos salários recebidos e do emprego de mulheres, crianças e jovens na
execução das tarefas.
Através dessas relações estabelecidas no cotidiano (relações de subordinação e relações de
compadrio, por exemplo), a Companhia controlava com bastante eficácia e sutileza a vida de todo
o grupo, disciplinando os indivíduos para a prática do trabalho e para uma vida regrada pelos
princípios familiares, religiosos e morais24. Tal situação, como recorda o historiador britânico Eric
HOBSBAWM (1986, p. 78), assemelha-se ao discurso disseminado pelas elites urbanas da época da
Revolução Industrial para subjugar as massas operárias que viviam em condições deploráveis.
Sendo assim, elas pregavam uma ética tradicional – protestante ou não – em que os indivíduos
24
As relações pessoais, ou mesmo, os laços pessoais, representavam uma forte característica dos tempos dos coronéis.
Por isso, os funcionários da Companhia referiam-se ao Coronel Lundgren como um homem austero, respeitado e
bondoso (ALVIM, op. Cit., p. 18). Convém salientar ainda que essas relações, presentes também no cotidiano rural do
Nordeste e personificada na figura do senhor de engenho (coronel do eito), foram interpretadas e analisadas por alguns
estudiosos como Gilberto FREYRE (1998, passim), Manuel DIÉGUES JÚNIOR (1954, p. 50 seq.), Mário Lacerda de
MELO (1975, p. 48 seq.) e José Lins do REGO (2003, passim).
184
deveriam basear-se na parcimônia, no trabalho duro e no puritanismo moral a fim de alcançarem
melhorias para si e para os demais membros da família.
ALVIM (op. Cit., p. 16-17), lembra ainda que a preferência por uma força de trabalho
organizada pela família constitui uma característica das fábricas têxteis em determinados períodos
do desenvolvimento industrial, quer no Brasil, na Europa ou nos Estados Unidos. A existência de
vilas operárias com casas construídas para abrigarem famílias faz parte deste modelo de
industrialização que, ao se responsabilizar pela moradia de seus trabalhadores, desenvolve uma
política de subordinação em que a família operária torna-se um importante referencial para
disciplinar uma mão-de-obra formada e apta culturalmente para o trabalho industrial.
Vale ressaltar que nessa época os municípios de Olinda e Recife já possuíam uma
importante População Economicamente Ativa, ou seja, um expressivo exército industrial de
reserva. No entanto, os administradores da Companhia preferiam contratar famílias oriundas das
áreas rurais distantes, por acharem que as mesmas eram mais “ingênuas” e menos susceptíveis às
influências geradas pelos embates travados entre empresários capitalistas e proletários, sendo estes
últimos representados pelos sindicatos. Daí reside a importância dada pelos administradores ao
processo de seletividade da mão-de-obra.
Relatos daquela época dão conta que atitudes subversivas eram punidas com muito rigor
pelos proprietários, inclusive com surras e espancamentos. Além do monopólio exercido sobre a
moradia e sobre a produção agrícola e industrial, estes tinham também o poder de moldar a vida
dos cidadãos dentro e fora do ambiente de trabalho, possuindo para tanto um grande número de
supervisores, vigias e capatazes. O controle de um vasto território e dos recursos naturais e
humanos nele existentes fazia parte da estratégia política e econômica da família Lundgren, fato
observado também em outra localidade do Litoral Norte da Paraíba, conforme será discutido a
seguir.
4.2.2 A COMPANHIA DE TECIDOS E O NASCIMENTO DO AGLOMERADO URBANO DE RIO
TINTO
Na intenção de ampliar os empreendimentos econômicos da família, o Coronel Frederico
João Lundgren resolveu investir parte dos lucros da Companhia de Tecidos Paulista na aquisição
de terras no Litoral Norte da Paraíba, com o propósito de edificar uma nova “cidade-fábrica”.
Assim, no ano de 1917 ele enviou Artur Barbosa de Góes ao interior do município de
Mamanguape para pesquisar e, em seguida, comprar as terras de alguns engenhos, conforme
relatou o próprio emissário no livro Um Sueco Emigra para o Nordeste:
“Volte a Mamanguape. Você vai morar lá, vai ser comerciante e vai
comprar a Preguiça.
185
Artur de Góes deu conta do recado. Estabeleceu-se no Salema – o antigo e
abandonado pôrto fluvial da cidade – montando sortida mercearia.
Familiarizou-se com a gente do lugar e adquiriu Preguiça, sem pestanejar, para
espanto de toda aquela gente.
– Só pode estar doido. Aquilo é o fim do mundo...
E passou a comprar mais terras adjacentes a Preguiça. A sua mercearia era
um chamariz, não de interessados na compra de seus artigos: bacalhau, farinha,
charque, manteiga, banha, mas na venda de terrenos e de sítios limítrofes do
velho Engenho. E Artur Barbosa de Góes ia comprando, de acordo com as
sucessivas e esclarecedoras instruções vindas de Paulista.” (GOÉS, 1963, apud
RODRIGUES, 2008, p. 95-96).
A admiração e o espanto dos habitantes de Mamanguape eram facilmente justificáveis, uma
vez que o município enfrentava uma forte crise desde o último quartel do século XIX, quando foi
inaugurada a estrada de ferro ligando a capital ao interior da Província. Na ocasião, o porto de
Salema caiu no esquecimento, a economia de Mamanguape sofreu um duro golpe e o baixo vale
deixou de ser uma região atraente para qualquer tipo de investimento. Por outro lado, as terras do
engenho Preguiça eram consideradas apropriadas para a instalação de uma planta industrial, uma
vez que eram drenadas por vários afluentes da margem esquerda do rio Mamanguape, a exemplo
dos rios Tinto e Gelo e dos riachos Catolé e Bica.
Convém salientar que o fator locacional sempre foi muito importante para determinar a
instalação de um parque fabril. Sobre esse aspecto, SPÓSITO (op. Cit., p. 51-52) recorda que
durante a Primeira Revolução Industrial as fábricas procuravam se localizar fora das cidades,
próximas às fontes de energia (na época, principalmente, o carvão25), matérias-primas e em locais
que facilitassem o escoamento da produção (margens de rios, baías e, depois, estradas de ferro). A
disponibilidade de reserva de mão-de-obra também era um fator a ser considerado.
O Mapa 24, exposto a seguir, foi adaptado de uma carta topográfica produzida pela
SUDENE em 1974. Na parte inferior destaca-se o sítio original da cidade de Rio Tinto, onde é
possível perceber as instalações da Companhia de Tecidos (pavilhões da fábrica, barracão,
hospital, olaria), a praça principal, as ruas e as avenidas. É possível identificar ainda trechos
cobertos por manguezais e áreas sujeitas à inundação (calhas dos rios Tinto e Gelo). Observe que o
centro desse primeiro núcleo é cortado pela isolinha de 10 metros de altitude, decrescendo para a
cota de 5 metros na parte leste (planície do rio do Gelo).
Em direção ao norte, numa posição intermediária, destacam-se a vila Santa Elizabete,
cortada por estrada asfaltada, e a vila Regina, esta última habitada ainda hoje pelas famílias menos
25
A ocorrência desse recurso energético determinava a localização dos parques fabris junto às bacias carboníferas. Foi
assim na Inglaterra, na bacia do Ruhr (Alemanha), do Donetz (Rússia) e na Silésia (Polônia) (SPÓSITO, op. Cit., p.
52). Ao se reportar à indústria inglesa, Pierre GEORGE (2005, p. 18) acrescenta que a mesma nasceu do
desenvolvimento da extração de carvão e da atividade do comércio marítimo, que assegurava ao mesmo tempo o
reabastecimento em matérias-primas e o escoamento dos produtos fabricados. Por conseguinte, parece razoável
procurar as grandes regiões industriais inglesas na zona das minas de carvão e ao redor dos grandes portos.
186
abastadas. Por fim, na porção superior do mapa observam-se as edificações da vila de Monte Mor,
área incorporada ao patrimônio dos Lundgren por meio da compra das terras que outrora
pertenceram aos índios Potiguaras. Em todos os planos urbanísticos descritos é possível notar a
simetria dos arranjos espaciais, dominados por quarteirões de pequenas casas construídas para
abrigar as famílias operárias.
MAPA 24 – ASPECTOS DA TOPOGRAFIA DO SÍTIO ORIGINAL DA CIDADE DE RIO TINTO
Hospital Geral
Porto fluvial de
Jaraguá
Áreas sujeitas à
inundação
Pavilhões da
fábrica
Manguezais
Rio Tinto Tênis
Clube
Olaria
0
1 Km
Fonte: Adaptado de:
BRASIL. Ministério do Interior. Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Carta Topográfica: Rio Tinto. Recife:
SUDENE, Escala 1:25.000, 1ª edição, 1974 (Índice de Nomenclatura: Folha SB.25-Y-A-V-4-NE).
De acordo com o atual Diretor de Patrimônio, Sr. Walter Schumacher, assim que adquiriu o
engenho Preguiça a Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) teve que desmatar parte do mangue,
187
aterrar uma grande extensão dos referidos rios e drenar as águas que ainda permaneciam
represadas (para acelerar a secagem do terreno semeou grandes plantações de eucalipto). Após a
realização dessas obras, deu-se início no ano de 1918 à construção dos primeiros pavilhões da
fábrica e das primeiras casas dos funcionários. Apenas em dezembro de 1924 foi que a mesma
começou a operar definitivamente.
Outros fatores também foram decisivos na escolha dessa área para o nascimento da cidadefábrica: a presença de grandes trechos cobertos por florestas, cerrados e manguezais, cuja
exploração garantiria o suprimento de lenha para as fornalhas da fábrica e de madeiras usadas na
construção civil; a existência de inúmeros rios e riachos, imprescindíveis para o transporte das
mercadorias produzidas, bem como para o abastecimento das residências e das atividades
produtivas (indústria, agricultura e criação); o total isolamento dessa região agradava também os
proprietários e administradores, pois assim teriam menos trabalho para subjugar os futuros
operários, uma vez que a distância dos grandes centros urbanos dificultava a ação do movimento
sindical.
À frente da Companhia de Tecidos, o prestigiado Coronel Frederico João Lundgren, logo
recebeu o apoio da prefeitura municipal de Mamanguape e do governador da Província da Paraíba,
Sr. Camilo de Holanda, que concedeu 25 anos de isenção fiscal em troca de algumas melhorias que
deveriam ser realizadas pela Companhia no aglomerado urbano de Rio Tinto (construção de casas,
escolas, hospital, posto de saúde, delegacia, praças públicas, cemitério, etc.). Entretanto, nenhum
Banco oficial e/ou particular daquela época acreditou na proposta inovadora do Coronel Lundgren
e por isso ele teve que buscar financiamento na Europa, onde contou com a ajuda de recursos
financeiros de origem inglesa e alemã. Segundo BARROS (2002, p. 28), esta aproximação com os
países europeus possibilitou uma série de trocas e parcerias, principalmente com a vinda de
funcionários especializados para a fábrica (engenheiros, técnicos e outros mestres de ofício),
contribuindo para a difusão de alguns costumes até hoje encontrados, principalmente na arquitetura
da cidade, onde em alguns exemplares observa-se a influência européia e a utilização de elementos
estéticos do Art Déco26 (Fotos 15 e 16).
O pequeno aglomerado urbano nascia com aspectos de cidade importante, pois além da
fábrica com suas distintas unidades de produção, foram edificadas também pela família Lundgren
mais de 4.000 casas para os operários, além da igreja católica, do cine-teatro, do hospital geral, do
grupo escolar, da escola técnica (responsável pela formação da mão-de-obra a ser utilizada nas
atividades fabris) e de vários clubes recreativos sociais, a exemplo do Rio Tinto Tênis Clube, local
freqüentado pelas pessoas de maior poder aquisitivo (proprietários e administradores da
26
Segundo o lexicógrafo Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA (1999), o Art Déco representa um movimento nas
artes decorativas que surgiu na década de 1920 e dominou toda a década seguinte. Inspirado basicamente no cubismo e
nos preceitos da nova arquitetura, buscava o equilíbrio dos volumes, certa singeleza linear e uma fácil adaptação à
produção industrial.
188
Companhia, empresários, políticos e autoridades da região) que buscavam ostentação, requinte e
diversão através das festas e dos esportes de lazer, dentre eles, o tênis e o boliche.
A Companhia construiu ainda posto de saúde, barracão para a venda de alimentos aos
operários, usina de energia, redes de abastecimento de água, oficina metalúrgica, serraria, olaria,
caieira27, campo de aviação, porto e uma pequena ferrovia com aproximadamente 25 quilômetros
de extensão, utilizada para facilitar o transporte de matérias-primas e/ou mercadorias que saiam ou
chegavam até o aglomerado urbano (essa estrada de ferro desembocava no porto de Jaraguá).
A maior parte das máquinas que integravam o parque fabril também veio da Europa. Ao
chegar à capital da Província em porões de grandes navios, esses equipamentos eram remanejados
para embarcações de menor calado, uma vez que os rios e riachos que formam o baixo vale do rio
Mamanguape não permitem a circulação de navios de maior porte. Os segmentos de fiação e
tecelagem, por exemplo, receberam equipamentos oriundos de Manchester e Liverpool, cidades
inglesas consideradas pioneiras na indústria têxtil. Já os setores de transporte, geração de energia e
metalurgia contaram com maquinário proveniente de algumas cidades alemãs como Essen, Berlim
e Stuttgart (Fotos 17 a 22).
Foto 15 – Igreja de Santa Rita de Cássia, construída no ano de
1942 em substituição à antiga igreja edificada no início dos
anos 20 (destaque para o estilo Art Déco).
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
Foto 16 – A construção de áreas de lazer fazia parte da
política utilizada pela Companhia para controlar de maneira
sutil a vida dos operários e moradores de Rio Tinto.
Aspecto do Cine-Teatro Orion, construído em 1944 no
centro da cidade.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
Para conseguir a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento das atividades econômicas,
os administradores da Companhia usaram a mesma estratégia que foi empregada no então distrito
de Paulista, ou seja, enviavam aliciadores para recrutar famílias camponesas que viviam em
condições precárias no interior dos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. De
27
Para a construção da fábrica e demais edifícios eles usavam a cal como substituto do cimento. As pedras calcárias
cruas eram transportadas de Martinica, localidade próxima de Tatu-Peba, pelas locomotivas da Companhia até
Jaraguá, onde eram queimadas no forno da cal (caieira). Este processo dava origem a um pó que, depois de misturado
com a areia branca do rio Vermelho, transformava-se em uma resistente argamassa (RODRIGUES, 2008, p. 101).
189
acordo com BARROS (2002, p. 28), esses agentes ganhavam por “cabeça” e quanto mais grupos de
vários membros trouxessem, mais recebiam em troca. Daí as promessas e fantasias contadas até
hoje com certa ironia pelos antigos operários: “Rio Tinto era um local em que os chafarizes
jorravam leite e havia montanhas de cuscuz.” De fato existiam chafarizes nas ruas, porém, estes
serviam para o abastecimento de água dos moradores que, sendo operários menos qualificados, não
tinham em suas casas água encanada. Além dessas fontes, foram construídas caixas d’água
elevadas em diversos setores, que recebiam água dos rios e riachos através de um complexo
sistema de propulsão.
Vale ressaltar que as condições de vida eram precárias naquela época, pois de início várias
famílias que chegavam ao aglomerado urbano eram agrupadas em uma mesma casa, sem conforto,
higiene e privacidade. Se levarmos em conta o fato de que as famílias eram numerosas, as casas da
vila operária chegaram a abrigar cerca de 25 pessoas, cada uma, conforme pode ser constatado nas
informações colhidas por EGLER, 1986, apud BARROS (2002, p. 29) com base na fala de antigos
moradores .
“Em 1930, bateu logo uma fome aí, muito grande, desceu gente aí em
comboio. Esse povo ficava todo aqui, tinha casa de ficar 4 famílias, casa de 4
quartos era 4 famílias, de 3 quartos era 3 famílias, aí, depois que foi fazendo
casa, foi separando o pessoal. Mas era tudo assim, no começo, eu mesmo morei
numa casa com 4 famílias. Aí não era cidade era apenas uma vila, somente
trabalhador, os operários.” (Mulher de operário).
“Já tinha casa pra botar aquele povo, quando não tinha casa colocava nos
galpão, depois ia dando as casas ao povo.” (Ex-tecelã).
“A casa não tinha luz, não tinha água... não tinha conforto nenhum, apenas
tinha a casinha, não tinha nem banheiro, nada. A primeira casa que a gente
morou era de 3 quartos, a outra foi de 2 quartos, só tinha sanitário, banheiro
nem se fala, torneira era na rua.” (Ex-tecelã).
Através dos depoimentos expostos anteriormente é possível perceber as reais condições em
que foram submetidos esses trabalhadores, juntamente com suas famílias. Com efeito, o sonho de
alcançar uma vida mais digna transformou-se em ilusão para milhares deles, pois além de
habitarem lugares insalubres, também enfrentavam longas jornadas de trabalho e recebiam salários
que não permitiam galgar uma ascensão social.
Durante as pesquisas de campo encontramos famílias inteiras de antigos operários
residindo nos mesmos locais há várias décadas, muitas das quais sobrevivendo com auxílio de
algum tipo de benefício social (aposentadoria, pensão, concessão de bolsa do governo federal,
etc.). Dona Alice Clemente, hoje com 82 anos de idade, aposentou-se pela Companhia de Tecidos
Rio Tinto após trabalhar por mais de 30 anos no setor de tecelagem. Ela contou ainda que chegou
na pequena casa da vila operária, situada na rua Paulista, no dia 6 de janeiro de 1940 e que quase
todos os membros da sua família trabalharam em algum setor da fábrica.
Fotos 19 e 20 – Máquina utilizada para prensar chapas de
ferro e aço.
Origem do equipamento: Stuttgart – Alemanha.
Oficina mecânica da Companhia, município de Rio Tinto,
Paraíba.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fotos 17 e 18 – Antiga locomotiva da Companhia de Tecidos
Rio Tinto usada para transportar matérias-primas e mercadorias
para abastecer o parque fabril e as demais atividades.
Origem do equipamento: Berlim – Alemanha.
Pátio da Companhia, município de Rio Tinto, Paraíba.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fotos 21 e 22 – Máquina utilizada para produzir energia
termelétrica.
Origem do equipamento: Breslau/Berlim – Alemanha.
Pátio da Companhia, município de Rio Tinto, Paraíba.
190
191
Como se sabe, em qualquer espaço produzido pelo sistema capitalista as marcas da divisão
de classes permanecem muito nítidas na paisagem, podendo ser observadas nas formas e nos níveis
de consumo da população, bem como nas características estéticas do ambiente (padrão
arquitetônico, processo de ocupação e uso do solo, disposição dos assentamentos humanos, etc.).
Em geral, as famílias de maior poder aquisitivo acabam se apropriando dos melhores terrenos da
cidade, onde edificam casas luxuosas, espaçosas, limpas e arborizadas. Por outro lado, as famílias
mais pobres ficam segregadas nas áreas rejeitadas pelos agentes imobiliários (margens de rios e
córregos, encostas de morros, etc.) devido à falta de recursos financeiros que possibilitem
melhores condições de habitação.
Ao analisar o crescimento das cidades inglesas após a Revolução Industrial, Friedrich
ENGELS (1980, p. 125) deparou-se com as péssimas condições de vida das famílias operárias,
conforme pode ser constatado em sua fala:
“(...) os bairros miseráveis são organizados da mesma forma em quase toda
a Inglaterra e constituídos pelas piores casas, nas zonas piores da cidade. As
mais das vezes são edifícios de dois andares, ou mesmo térreos, em tijolo,
alinhados em longas filas e quase sempre irregularmente construídos. Estas
pequenas casas de três ou quatro compartimentos e uma cozinha constituem
vulgarmente em toda a Inglaterra, exceto em alguns bairros de Londres, o tipo
de habitação da classe operária (Figura 7). As próprias ruas, habitualmente,
não são nem planas, nem pavimentadas; são geralmente sujas, cheias de
detritos vegetais e animais, sem esgotos e cobertas de poças de água estagnada
e fétida. A ventilação é dificultada pela construção deficiente e confusa de todo
o bairro, e como muitos indivíduos ali vivem num reduzido espaço, é fácil
imaginar o ar que se respira nesses bairros operários.”
Ao descrever um bairro operário da cidade de Manchester, ele destacou ainda:
“Numa depressão bastante profunda, circundada por altas fábricas, por
altas margens cobertas de construções e aterros, se juntam em dois grupos
cerca de 200 casas em sua maioria com a parede posterior comum duas a duas,
onde moram, no total, cerca de 4000 pessoas, quase todas irlandesas (...).”
(ENGELS, 1980, p. 134).
A Revolução Industrial foi responsável pelo rápido crescimento da população urbana na
Europa, crescimento que gerou profundos impactos sociais e ambientais. Não obstante, a falta de
planejamento por parte do poder público contribuiu para agravar os problemas do desemprego, da
fome, da segurança, da habitação, do saneamento básico (deficiência do sistema de coleta de lixo,
distribuição de água tratada e captação de esgoto), da proliferação de doenças (a peste bubônica e o
cólera fizeram milhares de vítimas fatais), etc. Essa situação só começou a mudar a partir da
segunda metade do século XIX, quando o Estado voltou a assumir o papel de gestor e executor das
192
obras de infra-estrutura. As transformações aconteceram primeiramente na França, na Inglaterra e
na Alemanha, estendendo-se posteriormente para outros países do velho continente.
FIGURA 7 – PLANTA BAIXA DE UMA CASA OPERÁRIA
INGLESA NO INÍCIO DO SÉCULO XIX
Fonte: Adaptada de:
BENEVOLO, Leonardo. História da Cidade. São Paulo: Perspectiva, 4ª
edição, 2005, p. 563.
Respeitadas as devidas proporções dos fatos mencionados anteriormente, foi possível
identificar algumas características das principais cidades européias durante essa fase do
desenvolvimento capitalista e relacioná-las com a realidade observada no aglomerado urbano de
Rio Tinto no início da sua formação.
Em primeiro lugar, as famílias camponesas eram compostas por um grande número de
indivíduos que, vivendo em condições precárias no campo, acabaram visualizando na cidade
uma possibilidade de melhorar de situação (fenômeno da sedução urbana). Outros, ao
contrário, foram vitimados pelo processo de expropriação devido ao avanço das relações
capitalistas no campo;
Já na cidade, esses indivíduos que antes se dedicavam às atividades primárias (agricultura,
criação e extração) passaram a integrar a classe operária urbana, formada por trabalhadores da
indústria, da construção civil e das atividades terciárias em geral;
As condições de trabalho no interior das fábricas eram extenuantes e o emprego de mulheres e
crianças era muito freqüente. Em geral, esses trabalhadores enfrentavam longas jornadas de
trabalho e recebiam salários aviltados;
As casas construídas para abrigar toda essa população apresentavam aspectos particulares, de
acordo com a hierarquia ocupada pelo trabalhador no interior da fábrica. Vejamos como isso se
configurava na prática.
193
As Tipologias expostas a seguir foram elaboradas pela arquiteta Amélia de Farias Panet
Barros, coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário de João
Pessoa (UNIPÊ). Através da pesquisa a autora subdividiu a cidade de Rio Tinto em três setores,
nos quais foram identificados e catalogados 8 tipos de habitações, além das residências construídas
para abrigar os membros da poderosa família Lundgren. Como a intenção desse capítulo não é
realizar uma descrição pormenorizada dos tipos de habitação, serão apresentadas apenas algumas
Tipologias para facilitar a compreensão do processo de ocupação e uso do solo urbano.
Os luxuosos chalés construídos na parte central da cidade de Rio Tinto, ao redor da praça
João Pessoa e nas ruas adjacentes, eram habitados pelos funcionários que recebiam salários mais
altos em função dos cargos que ocupavam (gerentes, engenheiros, supervisores, mestres de ofício,
etc.) (Foto 23). Os membros da família Lundgren residiam nas diversas mansões espalhadas pelo
núcleo urbano. Ainda hoje é possível identificar três grandes residências construídas com tijolos
aparentes de cor avermelhada, marca característica das edificações de alto luxo, sendo que duas
localizam-se na parte central e uma na vila Regina (conhecida como Palacete dos Lundgren). Vale
ressaltar que todas essas edificações eram decoradas com artigos importados da Europa (móveis,
quadros, tapetes, lustres, louças e azulejos). Além disso, possuíam grandes jardins (inclusive com
orquidários), pomares e eram servidas com água encanada e energia elétrica. Atualmente todas elas
se encontram em estágio de abandono, conforme denuncia a Foto 24.
Foto 23 – Os chalés localizados na praça João Pessoa
destinavam-se aos funcionários mais especializados da
Companhia.
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto 24 – Mansão da família Lundgren encontrada em
estado de abandono.
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
A maior parte das habitações construídas pela Companhia para abrigar seus trabalhadores é
formada por casas conjugadas, medindo aproximadamente 60 m² (Tipologia 1). Elas são estreitas,
compridas e apresentam pequenos compartimentos (sala, quartos, cozinha e corredor) com
iluminação e ventilação insuficientes (Figuras 8 e 9). No passado, não contavam com água
194
encanada, energia elétrica e nem possuíam banheiro. Eram também ocupadas por famílias
numerosas, fato que contribuía para diminuir o conforto e a privacidade das pessoas (torna-se
oportuno comparar esses tipos de residências com as casas operárias inglesas da época da
Revolução Industrial, conforme Figura 7).
Exemplares dessa Tipologia podem ser encontrados em vários pontos da cidade, sobretudo
na área central (na praça João Pessoa e nas ruas Mangueira, Barão do Triunfo, Aurora, Santa Rita).
Atualmente é possível perceber algumas mudanças nas fachadas dessas casas, principalmente com
a abertura de pequenos terraços e implantação de revestimentos cerâmicos (Foto 25).
Figura 8 (acima) – Croqui das
casas enquadradas na Tipologia 1.
Figura 9 (ao lado) – Planta baixa
de uma casa enquadrada na
Tipologia 1.
Foto 25 – Casas da vila operária localizada na lateral da praça
João Pessoa (Tipologia 1).
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fonte: Adaptadas de:
BARROS (2002, p. 47).
As casas enquadradas nas Tipologias 2, 3 e 6 possuem basicamente as mesmas
características apontadas anteriormente. No entanto, apresentam espaço lateral entre duas casas
geminadas (Tipologia 2 e 6) e estreito terraço comunitário que serve de circulação entre as mesmas
(Tipologia 3 e 6) (BARROS, 2002, p. 48 seq.). Através da Foto 26 e das Figuras 10 e 11 é possível
visualizar as casas operárias da Tipologia 6 (note que alguns terraços já sofreram modificações,
impossibilitando a passagem entre elas).
Já as residências incluídas na Tipologia 4 são mais espaçosas, confortáveis e apresentam
uma distribuição dos cômodos que difere das demais (Foto 27). Medindo pouco mais de 100 m²,
essas residências possuem pequeno terraço, quartos, sala, copa e cozinha, além de espaço em uma
das laterais (Figuras 12 e 13). Elas foram construídas para abrigar famílias de funcionários que
recebiam rendimento salarial um pouco maior.
Por fim, as minúsculas casas encontradas na vila Regina (Tipologia 5) foram construídas
para acolher as prostitutas que prestavam serviços aos trabalhadores da Companhia e aos
transeuntes que desembarcavam no porto de Jaraguá. Até hoje esse bairro da periferia de Rio Tinto
é constituído por famílias muito pobres (Foto 28; Figuras 14 e 15).
195
Figura 10 (acima) – Croqui das
casas enquadradas na Tipologia 6.
Figura 11 (ao lado) – Planta
baixa de uma casa enquadrada na
Tipologia 6.
Foto 26 – Casas da vila operária localizada na vila de Monte
Mor (Tipologia 6).
Periferia da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fonte: Adaptadas de:
BARROS (2002, p. 52).
Figura 12 (acima) – Croqui
das casas enquadradas na
Tipologia 4.
Foto 27 – Fachada de uma casa localizada na rua Formosa
(Tipologia 4).
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Figura 13 (ao lado) –
Planta baixa de uma casa
enquadrada na Tipologia 4.
Fonte: Adaptadas de:
BARROS (2002, p.
50).
Figura 14 (acima) – Croqui das
casas enquadradas na Tipologia 5.
Figura 15 (ao lado) – Planta
baixa de uma casa enquadrada na
Tipologia 5.
Foto 28 – Conjunto formado por pequenas casas localizadas na
vila Regina (Tipologia 5).
Periferia da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fonte: Adaptadas de:
BARROS (2002, p. 51).
196
Com base nas descrições apresentadas anteriormente, pôde-se perceber uma nítida
separação entre os funcionários que recebiam melhores rendimentos e aqueles que ocupavam os
cargos menos valorizados (estes últimos constituíam a maior parte da força de trabalho). Essa
diferenciação materializava-se no interior do tecido urbano através dos inúmeros equipamentos de
uso coletivo construídos pela Companhia de Tecidos Rio Tinto – habitações e clubes de lazer;
barracão, pavilhões e escritórios da fábrica, entre outros.
Sobre esse aspecto, BARROS (2002, p. 60) acrescenta que as instalações fabris, as
edificações de uso institucional, de serviço e as mansões da família Lundgren foram construídas
em tijolos vermelhos para se diferenciarem das moradias dos operários. Neste caso, pela sua
localização, o tijolo era usado como material nobre, capaz de distinguir e acentuar o grau de
importância da edificação. Mais uma forma de imposição da hierarquia, onde a presença do tijolo
vermelho sugeria ao operário um comportamento de reverência e humildade diante da obra e do
espaço a ela destinado, uma reação de “discreto louvor”.
Todos os moradores do aglomerado urbano denotavam grande respeito e admiração ao
Coronel Frederico Lundgren e aos membros de sua família. Além de proprietário e administrador
da Companhia de Tecidos, ele personificava ainda a figura de chefe político local, juiz de direito,
promotor de justiça, delegado e até líder sindical, conforme relatou Rogé Maciel PINHEIRO, 1988,
apud MELLO (2002, p. 74) ao se reportar ao diálogo do Coronel Lundgren com um operário recémchegado à vila, em 1931, para fundar o sindicato:
“Senhor Sales, eu sou o sindicato! Eu sou o timoneiro dos meus operários!
Eu sei das necessidades dos meus operários! Eu criei isso aqui, senhor Sales!
(...) Senhor Schultz: mande fazer a ‘liquidação’ do senhor Sales, nosso exempregado, pague-lhe o que lhe devemos pelos seus serviços e dê-lhe ainda a
quantia de dois contos de réis, como despesas de viagens! (...) Um favor ainda,
senhor Sales: enquanto Frederico João Lundgren tiver qualquer interesse em
Rio Tinto, faça-me o especial obséquio de nunca mais passar em nenhuma
fronteira riotintense!”
Na verdade, a Companhia sempre exerceu um rígido controle sobre todas as pessoas que
moravam e/ou trabalhavam em Rio Tinto. Durante várias décadas os trabalhadores não puderam
sequer fundar associações ou ligas trabalhistas, sob pena de sofrerem algum tipo de retaliação
(demissões, transferências de setores, rebaixamento salarial, perseguições e até espancamento). A
ação do movimento sindical só teve grandes repercussões no final da década de 1950 e início da
década seguinte, quando novamente foi sufocada pela situação política instaurada com o golpe
militar de 1964. Sem contar com a força de uma entidade que lutasse pelos seus direitos, os
operários apenas seguiam as determinações impostas pelos administradores do cotonifício e por
isso acabavam se contentando com os salários pagos e com as jornadas de trabalho estipuladas.
197
Segundo depoimento de um antigo operário do setor de tecelagem que preferiu não se
identificar, o ritmo de trabalho era muito intenso e a jornada diária se estendia por até 12 horas.
Além disso, não era permitido ao trabalhador conversar no interior da fábrica e nem parar de
executar as tarefas programadas pelo chefe do setor antes de ouvir o som do apito ou da sirene.
Caso isso acontecesse, o mesmo poderia ser advertido, suspenso das funções ou até demitido por
justa causa.
Sr. José da Silva Martiniano, 78 anos, natural da cidade de Bananeiras, Agreste Paraibano,
trabalhou durante muitos anos no pavilhão da antiga fábrica localizada na parte alta da cidade (vila
de Monte Mor). Ele relatou que a Companhia contratava vários trabalhadores de uma mesma
família, inclusive crianças e jovens, pagando salários irrisórios. Como as crianças apresentavam
baixa estatura, precisavam subir em bancos de madeira para conseguir operar as máquinas. Para
escapar de possíveis fiscalizações, as famílias omitiam a idade certa dos menores no momento do
registro civil em cartório. Essa prática pôde ser constatada na fala de vários moradores da cidade.
A presença de um significativo estoque de mão-de-obra contribuía para o rebaixamento dos
níveis salariais e, consequentemente, para a ampliação da mais-valia absoluta. Sendo assim, para
conseguir sobreviver o chefe da família precisava lançar mão de toda a força de trabalho
disponível no grupo. De acordo com ALVIM (op. Cit., p. 29), a ligação entre trabalho e casa, como
parte de uma mesma relação, aliada às diversas situações de dependência daí decorrentes,
estimulava as próprias famílias no sentido do aproveitamento máximo da força de trabalho dos
seus componentes. A fábrica, ao utilizar a estratégia da vinda de famílias numerosas, disseminava
uma percepção que levava os trabalhadores a relativizar os baixos salários, porque a soma dos
rendimentos de todos permitiria a sobrevivência do grupo, ainda que de maneira precária.
Como forma de atenuar essa exploração, a Companhia fornecia aos trabalhadores lenha
para cozinhar, querosene para a iluminação das casas28 e alimentos a baixo custo (carne, arroz,
feijão, milho, batata, inhame, mandioca, frutas) que eram adquiridos por eles no barracão instalado
entre as ruas Travessa da Mangueira 1 e Travessa da Mangueira 2. A maior parte desses alimentos
era produzida nas terras pertencentes ao grupo Lundgren, por trabalhadores contratados para tal
finalidade. Toda a produção era orientada pelo próprio Coronel Frederico Lundgren, de modo que
só podia ser comercializada no interior do barracão, evitando com isso a autonomia dos pequenos
produtores e a subida generalizada dos preços.
Além do monopólio exercido sobre a produção e a comercialização, a Companhia também
se responsabilizava pelas atividades educacionais e de saúde. Para tanto, mantinha por conta
própria escolas, posto de saúde e um grande hospital instalado na rua Aurora para atender as
28
No início, a Companhia produzia energia termelétrica através de grandes máquinas movidas a óleo diesel (Fotos 21
e 22). Apenas as instalações fabris, as residências da família Lundgren e as casas dos funcionários mais qualificados
contavam com esse serviço. No final da década de 1950 todo o aglomerado urbano passou a receber energia oriunda
de Paulo Afonso, através de um convênio estabelecido com a CHESF.
198
famílias dos operários (Fotos 29 e 30). As atividades recreativas e de lazer também faziam parte da
estratégia política utilizada pelos seus dirigentes para manter os trabalhadores e suas famílias sob
controle. Nesse sentido, eles promoviam exibições no Cine-Teatro Orion, campeonatos de futebol,
excursões à Baía da Traição para banhos de mar e algumas festas cívicas e populares (Carnaval,
São João, 7 de Setembro e dia do Trabalho).
Ao longo de quase quatro décadas a Companhia de Tecidos Rio Tinto constituiu o maior
empreendimento industrial da Paraíba, fato que ajudou a revigorar a economia da região do Baixo
Mamanguape. Com efeito, a influência e o poder da família Lundgren foram decisivos no processo
de emancipação política do distrito de Rio Tinto, elevado à categoria de município pela Lei nº
1.622, de 06 de novembro de 1956. Esse acontecimento representou uma grande perda para as
finanças do município de Mamanguape, devido à queda da arrecadação tributária.
Na década de 1960, a Companhia foi beneficiada com incentivos da SUDENE através do
programa de reequipamento do setor têxtil nordestino, programa já discutido no início do capítulo.
Na opinião de BARROS (2002, p. 37-38), a modernização de alguns setores da fábrica acabou
provocando grandes transformações na cidade de Rio Tinto, pois com a
“(...) compra de novos equipamento e reformas nos galpões, como a
colocação de forros naqueles que possuíam cobertura de zinco, a fábrica passou
a produzir tecidos de melhor qualidade. Mais uma vez, a Cia. necessitou
dispensar operários, fazendo-o em um total de 1.236 pessoas. Entre os anos de
1963 e 1964, mais 2.000 pessoas foram demitidas, com a desativação de uma
tecelagem localizada no alto da Vila Regina.
(...) Em Rio Tinto, alguns operários dispensados com mais de 10 anos de
serviço receberam como indenização por tempo de trabalho a casa onde
moravam. A casa, antes instrumento de controle e imobilização da mão-deobra, passa, com a decadência deste tipo de industrialização, para as mãos dos
operários, agora como instrumento de liberação das responsabilidades, um
acerto de contas, forma de ‘se livrar do operário’, sem grandes prejuízos para a
Cia.”
Por outro lado, a introdução de recursos públicos federais não foi suficiente para retirar a
Companhia de Tecidos Rio Tinto da situação de decadência, pois os mesmos não atingiram de
maneira uniforme todas as etapas da produção. Além disso, a presença de equipamentos obsoletos,
a falta de planejamento estratégico de mercado, o emprego de grande quantidade de mão-de-obra e
a concorrência cada vez mais acirrada dos produtos manufaturados em outras regiões do país,
contribuíram para acentuar a crise que culminou com o encerramento das atividades do cotonifício
no final da década de 1980.
Por volta dessa época, toda a Zona da Mata Nordestina já havia experimentado o avanço da
cultura da cana-de-açúcar sobre os tabuleiros costeiros, graças aos incentivos governamentais
transmitidos aos usineiros e donos de destilarias através do Programa Nacional do Álcool
199
(PROÁLCOOL). Como forma de sanar as dívidas, os herdeiros da Companhia de Tecidos passaram
a vender grandes parcelas de terras aos grupos empresariais que comandavam a produção de
açúcar e álcool em diversos Estados da região Nordeste. Observe o Quadro 15.
QUADRO 15 – RELAÇÃO DAS EMPRESAS COMPRADORAS DAS TERRAS
PERTENCENTES À COMPANHIA DE TECIDOS RIO TINTO
Anos
1981
1982
1982
1982
1983
1983
1984
1985
TOTAL
Área (hectares)
7.652
2.247
622
1.219
2.482
8.492
79
7.291
30.084
Nomes das Empresas Compradoras
Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil.
Netumar Agrícola S.A.
Conepar Cia. Nordeste de Participações.
Destilaria Miriri S.A.
Japungú Agroindustrial.
Destilaria Miriri S.A.
Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil.
Rio Vermelho Agro-Pastoril Mercantil.
Fonte: Elaborado com base em:
EGLER, 1986, apud BARROS, Amélia de Farias Panet. Rio Tinto – História,
Arquitetura e Configuração Espacial. In: _______ (et al.). Rio Tinto: estrutura urbana,
trabalho e cotidiano. João Pessoa: Universitária/UNIPÊ, 2002, p. 39.
Fotos 29 e 30 – Instalações do antigo hospital da
Companhia de Tecidos, prédio hoje pertencente ao INSS.
Rua da Aurora, Rio Tinto, Paraíba.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010).
Fotos 31 e 32 – Antigo barracão para venda de alimentos aos
operários da Companhia de Tecidos, hoje transformado em
garagem da Empresa Viação Rio Tinto.
Travessa da Mangueira 1, centro da cidade.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009).
200
A falência da Companhia de Tecidos representou o fim de uma era. O fim de um tempo
mitológico marcado pelo poder e pelo paternalismo dos coronéis; pela opulência de suas
edificações e de seus estilos de vida; pela grandeza do capital industrial e pela absorção de grande
contingente de trabalhadores – humildes trabalhadores que continuam de certa forma presos ao
passado, muito embora com os pés enraizados no presente.
Caminhar pelas alamedas, ruas e praças de Rio Tinto causa-nos certa nostalgia. Esse
sentimento parece não querer deixar a memória de seus habitantes mais antigos. Apesar de velhos,
cansados e doentes, muitos ainda lembram dos “bons” tempos em que não faltava emprego,
alimentos, segurança e diversão para todos.
“No passado tudo era muito melhor. Nois saiamo do pavilhão da fábrica e
ia assistir filme no cinema. Os filmes era muito divertido, o cinema era
pertinho lá de casa e a entrada era muito barata.” (Dona Josina Pereira, 62 anos,
ex-operária).
“Na época que eu trabaiava na Companhia, podia compra a feira no
barracão lá do centro da cidade. Lá tinha de tudo (arroz, carne, farinha, feijão) e
tudo custava quase nada. Ainda dava pra sobrá dinheiro.” (Sr. Pedro dos Anjos,
59 anos, ex-operário).
“As festas era muito boas. A cidade ficava muito animada com os desfile
de Carnaval. Nois sentava na porta de casa para ver os bloco cantando as
marchinhas.” (Dona Luzia dos Santos, 68 anos, mulher de ex-operário).
“Todo mundo lá de casa trabaiava na fábrica. Só não arranjava trabaio
quem não queria mermo. Era só chegar na direção e falar com o Coroné
Frederico. O resto ele arrumava mermo.” (Sr. João Alves Gabriel, 71 anos, exoperário).
Os episódios descritos anteriormente tiveram repercussões importantes na dinâmica
demográfica de toda a região do baixo vale do rio Mamanguape, conforme evidencia os dados da
Tabela 8, exposta no final do capítulo anterior.
Torna-se oportuno salientar que, ao contrário dos demais municípios da região em foco,
Rio Tinto sempre apresentou uma população urbana superior à rural, fato explicado pela presença
das instalações da Companhia de Tecidos, responsáveis pela absorção da maior parte da População
Economicamente Ativa (observe que o percentual da população urbana sempre foi superior a
58%).
Por outro lado, a crise vivida pela empresa desde a década de 1970 contribuiu para que Rio
Tinto tivesse o pior desempenho da região em termos de crescimento populacional. Segundo os
dados do IBGE, 1980, apud ANDRADE (1988-b, p. 117), a sua taxa anual de crescimento
populacional foi de apenas 0,12% no período 1950-1960, decaindo para -0,33% no período 19601970 e para -0,64% no período 1970-1980.
201
Ao comparar as duas pontas da tabela, percebe-se que a população total passou de 26.228
para 23.023 habitantes, ou seja, um decréscimo da ordem de 12,22% no período 1970-2007.
Atualmente Rio Tinto é uma cidade sem brilho, sem dinamismo econômico e com poucas
perspectivas para os seus habitantes. Essa situação provocou a saída de milhares de jovens e
adultos, que passaram a migrar sistematicamente para as grandes cidades da região Sudeste em
busca de novas oportunidades de emprego. Ao visitar o antigo barracão da Companhia,
transformado em garagem da Empresa Viação Rio Tinto, deparamos-nos com uma placa da
Empresa Itapemirim anunciando a venda de passagens (Fotos 31 e 32), notadamente para as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (esse fluxo migratório, no entanto, foi mais intenso no
período 1970-1990).
Através dos relatos de sua mãe, Janusa Félix da Silva, 30 anos, contou que 11 pessoas da
família (tios, primos e avós) migraram para a cidade do Rio de Janeiro quando a Companhia de
Tecidos começou a enfrentar as primeiras crises financeiras, no final dos anos 70. Segundo ela, seu
avô era vaqueiro da Companhia e seus tios trabalhavam em vários setores da fábrica. Essas pessoas
se estabeleceram por lá e nunca mais voltaram à cidade de origem.
Dona Alice Clemente, 82 anos, também viveu experiência semelhante. Seus dois filhos
partiram de Rio Tinto no momento em que a Companhia encerrou as atividades. Luis Clemente, o
mais velho, ainda hoje mora e trabalha na cidade de São Paulo, onde casou e constituiu nova
família. Tarcisio Clemente, o mais novo dos homens, após passar quase uma década trabalhando
em Guarulhos, na Grande São Paulo, resolveu voltar e hoje vive sem uma ocupação definitiva,
tendo que fazer pequenos serviços para garantir a subsistência.
Ao percorrer as ruas de um bairro operário encontramos uma situação muito comum em
toda a cidade: a presença de muitos idosos sentados debaixo das árvores e nas calçadas das casas
para conversar, jogar dama e carteado, ou até mesmo se refugiar do intenso calor (Fotos 33 e 35).
Muitos desses cidadãos vivem unicamente com o auxílio da aposentadoria ou de qualquer outra
forma de benefício social. De acordo com a Sra. Klênia, diretora do INSS, por intermédio do
programa de aposentadoria o órgão chega a injetar na economia do município um valor superior ao
repassado pelo próprio governo federal através do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Ela não revelou o montante desse dinheiro, mas levando em consideração que o município recebeu
em 2009 o equivalente a R$ 7.053.955,05 do FPM29, o valor total dos benefícios do INSS deve ter
superado a marca dos 10 milhões de reais.
Ela afirmou ainda que a Companhia de Tecidos continua respondendo muitas ações na
Justiça do Trabalho, pelo fato de não ter indenizado milhares de operários após as demissões. O
29
Em 2009, a Prefeitura Municipal de Rio Tinto arrecadou R$ 13.040.178,01, dinheiro proveniente do FPM, ITR,
CIDE, FUNDEB, entre outros (BRASIL, 2010-a).
202
próprio prédio onde hoje se situa o INSS, na rua da Aurora, foi negociado com o governo federal
como parte da dívida trabalhista da empresa (Fotos 29 e 30).
A instalação do Campus IV da Universidade Federal da Paraíba em um pedaço do terreno
da Companhia, talvez tenha seguido a mesma lógica. Na verdade, a chegada da Universidade
trouxe novas esperanças para a cidade, uma vez que o setor comercial e de serviços aos poucos
tem dado pequenos sinais de reaquecimento (bancos, pequenas lojas de varejo, lan houses,
restaurantes, lanchonetes, bares, hotéis, etc.). Por outro lado, muitos moradores e comerciantes
reclamam da falta de segurança no local, pois vários estabelecimentos já foram vítimas de assaltos.
Eles pediram, inclusive, providências ao Ministério Público Estadual no sentido de buscar soluções
para o problema, conforme relatou o Promotor de Justiça José Raldeck em entrevista ao jornal
Correio da Paraíba do dia 07 de julho de 2008 (consultar Anexo 2).
Inúmeros prédios da Companhia de Tecidos encontram-se em total estado de abandono
(Fotos 36, 37 e 38). No entanto, a mesma vive atualmente da arrecadação dos aluguéis dos imóveis.
Parte de alguns galpões da antiga fábrica localizada no centro foi alugada para uma empresa de
beneficiamento de algodão e para a instalação de uma clínica médica. Milhares de antigos
operários ainda precisam pagar aluguéis pelo uso das residências, como é o caso da Sra. Maria das
Dores, ex-tecelã que mora na rua da Mangueira, no centro da cidade.
Por fim, cumpre salientar ainda que o fenômeno espacial estudado não representa apenas
um fato isolado – um acontecimento observado exclusivamente na cidade de Rio Tinto. Exemplos
análogos podem ser vistos em outras partes do Brasil e do mundo, fruto do processo de
desenvolvimento das relações capitalistas. Entender a complexa engrenagem social, política e
econômica responsável pelo apogeu e crise desse tipo de sistema industrial faz parte do trabalho de
inúmeros cientistas sociais, dentre eles os próprios geógrafos, conforme destacou BARROS (1988,
p. 10):
“As paisagens industriais foram se tornando mais e mais restritas ou em
muitos casos foram removidas como um entulho herdado da modernidade
eletro-mecânica. As demolições das velhas fábricas têm um elevado
significado simbólico a ser entendido por aqueles preocupados com o
entendimento das formas e dinâmicas das paisagens geográficas. As estruturas
industriais se miniaturizam e suas edificações deixam de simbolizar o futuro.”
[grifo nosso].
Ao estudar a Geografia do município de Rio Tinto deparamos-nos com um importante
legado da história da indústria no Brasil, uma história marcada pela riqueza de poucos e pela
miséria de milhares de operários-camponeses. Uma história que precisa ser contada e revivida.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009)
Foto 37 – Antigos pavilhões da Companhia localizados
na parte norte da cidade (vila de Monte Mor).
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (novembro/2009)
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
Foto 36 – Instalações abandonadas do setor de carpintaria.
Companhia de Tecidos Rio Tinto, centro da cidade.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
Foto 38 – Pavilhões abandonados da Companhia de Tecidos.
Centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
Foto 35 – Ex-operários da Companhia de Tecidos em uma
rodada de bate-papo.
Rua Catolé, vila de Monte Mor, Rio Tinto, Paraíba.
Foto 34 – Sr. José da Silva Martiniano, ex-operário da
Companhia (ao lado, observa-se um galpão abandonado
da antiga tecelagem localizada na vila de Monte Mor).
Foto 33 – Duas gerações de ex-operários da Companhia de
Tecidos.
Rua da Mangueira, centro da cidade de Rio Tinto, Paraíba.
203
CAPÍTULO 5
AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE
205
CAPÍTULO 5
AS ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE
“A conservação da natureza inclui, igualmente, a proteção das paisagens,
tendo como objetivo conservar um cenário harmonioso para a vida e as
atividades do homem. Desfiguramos, demasiadas vezes, regiões inteiras
com implantações industriais mal concebidas, ou com culturas que não
foram escolhidas em harmonia com a paisagem local. O homem precisa
de equilíbrio e de beleza, e aqueles que mais se consideram insensíveis à
estética, procuram-na mais avidamente do que imaginam.”
DORST, Jean. Antes Que a Natureza Morra: por uma ecologia política.
5.1 USO DO SOLO, IMPACTOS AMBIENTAIS E POLÍTICAS DE PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Antes de estabelecer uma discussão sobre as áreas de preservação ambiental na região do
Baixo Mamanguape, torna-se oportuno analisar as mudanças ocasionadas nas formas de utilização
dos recursos naturais (utilização do solo ou uso do solo) pelos agrupamentos humanos, uma vez
que elas são responsáveis pela ocorrência de impactos sociais e ambientais de intensidades
variadas.
Com efeito, as formas de utilização do solo variam de acordo com as necessidades sociais,
políticas e econômicas vigentes em uma determinada fração do espaço e em certo intervalo de
tempo. Na verdade, pode-se dizer que elas são frutos de momentos históricos particulares onde a
relação homem-natureza (homem-meio) aparece revestida com características próprias, inerentes
ao desenvolvimento técnico alcançado por uma dada sociedade.
De uma maneira bastante simplificada, a utilização do solo se faz em qualquer atividade
realizada pelo trabalho do homem capaz de gerar bens e serviços. No início da sua existência na
superfície da Terra, dizia respeito à coleta de frutos, à caça, à pesca, à produção de rudimentares
instrumentos de trabalho, ao fogo, ao pastoreio, ao cultivo de alimentos; depois: às habitações, às
escolas; aos hospitais; aos parques industriais; às estradas; aos modernos meios de comunicação,
enfim. O homem de posse de seus instrumentos de trabalho e diante da abundância de recursos
oferecidos pelo meio natural criou as condições ideais, indispensáveis a sua reprodução enquanto
espécie e enquanto ser histórico.
Segundo CARLOS (1994, p. 85), o uso do solo está associado a todos os momentos do
processo de produção humana na superfície do planeta, pois para poder sobreviver todo indivíduo,
além de ocupar uma parcela qualquer do espaço, necessita gerar frutos dele, ou seja, produzi-lo e
consumi-lo.
A produção do solo deve ser entendida, então, como uma complexa evolução do homem e
um constante aprimoramento das técnicas empregadas nesse processo, como veremos a seguir em
206
três momentos distintos e significativos da história da humanidade: o comunismo primitivo, a
revolução agrícola e a revolução industrial.
Durante milhares de anos, os homens que habitavam a Terra eram nômades e viviam sob
um sistema de economia de subsistência. Enquanto a porção de terra escolhida para morar e
explorar oferecia ao grupo o suficiente para o sustento de todos – caça, pesca, coleta de frutos e de
outros fragmentos de vegetais (ervas, cascas, raízes, etc.), os mesmos não sentiam a necessidade de
migrar. Por outro lado, à medida que tais recursos iam ficando cada vez mais escassos esses
indivíduos eram obrigados a procurar outro local que garantisse a sobrevivência (tal prática é ainda
muito comum na vida de alguns animais silvestres e de alguns povos das savanas e das florestas
tropicais). Ainda assim, por não dominarem técnicas arrojadas, estes nômades contribuíam de
forma muito incipiente para a alteração das paisagens encontradas em seus trajetos, salvo algumas
derrubadas de árvores para alimentar o fogo e/ou para a abertura de clareiras onde montavam novo
acampamento.
Tempos mais tarde, a revolução agrícola, iniciada há 6.500 ou 7.000 antes da era cristã, foi
a responsável pela sedentarização dos povos e pelo primeiro grande surto de crescimento
populacional da história do homem. Com o gradativo aprimoramento das técnicas, notadamente os
campos de cultivos, a irrigação e a domesticação de algumas espécies de animais, o mundo foi
experimentando cada vez mais os efeitos da ação antrópica, a ponto de provocar algumas rupturas
no equilíbrio natural das regiões contempladas com essas atividades ligadas ao uso do solo para
fins agro-pastoris (desmatamento de amplas áreas de florestas, degradação e empobrecimento dos
solos, etc.). Até antes deste momento, portanto, não se tinha ainda notícia de grandes intervenções
humanas sobre os biomas da Terra em virtude de suas próprias limitações técnicas (o meio natural
determinava o desenvolvimento das populações sobre a superfície do globo).
Estabelecendo mais um corte temporal, chega-se a época da chamada “Primeira Revolução
Industrial”, ocorrida no último quartel do século XVIII na Inglaterra, e se propagando para outros
países. Sem sombra de dúvida, uma das mais notáveis, em termos de grandiosidade e projeção,
conquistas empreendidas pelo homem desde o seu aparecimento no início do Quaternário.
O advento da fábrica trouxe consigo uma nova etapa na vida da humanidade e,
conseqüentemente, nas formas de ocupação e uso do solo: concentração de modernos parques
industriais em determinadas áreas, especialmente em locais de recursos naturais abundantes e
diversificados; o surgimento da máquina a vapor e a produção em grande escala, necessária para
atender um mercado consumidor crescente; uma exploração desmedida dos recursos naturais; o
fenômeno da ocupação de espaços destinados a construção de residências (urbanização); a
ampliação dos meios de comunicação e transporte; a valorização desigual dos espaços (solos) para
fins variados; a intensificação das atividades agro-pastoris, causada pela melhoria e surgimento de
insumos destinados a estas atividades, dentre outros efeitos, podem ser evidenciados.
207
Na visão de muitos autores, o homem moderno – aquele inserido na chamada era industrial
e pós-industrial – é apontado como o grande responsável pelas mais distintas catástrofes que
assolam o mundo atual. Sobre esse fato, destacamos no Quadro 16 a posição de quatro pensadores
reconhecidos internacionalmente pela projeção das suas idéias acerca da ECOLOGIA, da
FILOSOFIA, da RELIGIÃO e da EDUCAÇÃO.
QUADRO 16 – A AÇÃO DO HOMEM NA SUPERFÍCIE DA TERRA E A RUPTURA DO
EQUILÍBRIO NATURAL
1. No decurso do século XIX, época do grande desenvolvimento industrial, o homem literalmente se
lançou ao assalto do mundo, movido pela necessidade de matérias-primas de toda a espécie. Nunca se
condenará demasiado o erro nefasto dos homens das gerações que nos precederam; na ganância de
lucros imediatos, privaram o mundo das suas maiores riquezas (DORST, 1973, p. 89).
2. Durante mais de 99% da história da humanidade, vigorou a concepção de que o mundo era
encantado e o homem se sentia como parte integrante dele. Nos últimos quatro séculos, a total
reversão dessa concepção destruiu, no plano psíquico e físico, o sentimento de integração do homem
em relação ao cosmo. Isso foi responsável pela quase-destruição ecológica do Planeta. A única
esperança, parece-me, está no re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro.
É nisto que reside a questão central do dilema moderno. Não podemos voltar à alquimia ou ao
animismo - pelo menos isso não parece provável. Por outro lado, não podemos permanecer com este
mundo triste, de frieza científica, controlado por computadores, ameaçado por reatores nucleares. É
preciso desenvolver algum tipo de consciência holística ou participante – e uma formação sóciopolítica correspondente – se desejarmos sobreviver enquanto espécie genuinamente humana
(BERMAN, 1989, apud CONTRIM, 1991, p. 73).
3. A Terra também grita. A lógica que explora as classes e submete os povos aos interesses de uns
poucos países ricos e poderosos é a mesma que depreda a Terra e espolia suas riquezas, sem
solidariedade para com o restante da humanidade e para com as gerações futuras.
Essa lógica está quebrando o frágil equilíbrio do universo, construído com grande sabedoria ao longo
de 15 bilhões de anos de trabalho da natureza. Rompeu com a aliança de fraternidade e de sororidade
do ser humano para com a Terra e destruiu seu sentido de re-ligação com todas as coisas. O ser
humano dos últimos quatro séculos sente-se só, num universo considerado inimigo a ser submetido e
domesticado (BOFF, 2004, p. 11).
4. A Terra é um superorganismo vivo e em evolução. Nosso destino, como seres humanos, está ligado
ao destino desse ser chamado Terra. Educar para outros mundos possíveis é educar para ter uma
relação sustentável com todos os seres da Terra, sejam eles humanos ou não. É educar para viver no
cosmos – educação planetária e cosmológica –, a fim de ampliar nossa compreensão da Terra e do
universo. É educar para ter uma perspectiva cósmica. (...)
Os paradigmas clássicos, maneiras de pensar arrogantemente antropocêntricas e industrialistas, não
têm suficiente abrangência para explicar essa realidade cósmica. Por não terem essa visão holística,
não conseguiram dar nenhuma resposta para tirar o planeta da rota do extermínio e do rumo da cruel
diferença entre ricos e pobres. Os paradigmas clássicos estão levando o planeta ao esgotamento de
seus recursos naturais. A crise atual é uma crise de paradigmas civilizatórios.
Por isso, minha proposta para um desenvolvimento socioambiental justo e sustentável é começar por
educar para uma cultura da sustentabilidade a partir de um novo paradigma: um paradigma holístico
(GADOTTI, 2007, s.p.).
Fonte: Elaborado com base em:
DORST, Jean. Antes que a Natureza Morra: por uma ecologia política. Rio de Janeiro: Edgard Blücher, 1973.
BERMAN, 1989, apud CONTRIM, Gilberto. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 6ª edição, 1991.
BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
GADOTTI, Moacir. Educar para uma Cultura de Sustentabilidade. In: INSTITUTO ECOFUTURO. A Vida
Que a Gente Quer Depende do Que a Gente Faz. São Paulo: Ecofuturo, 2007.
Em sua clássica obra Antes Que a Natureza Morra, Jean Dorst, renomado professor e
pesquisador do Museu Nacional de História Natural de Paris e membro da União Internacional
para a Conservação da Natureza, avalia de maneira rigorosa a trajetória do homem sobre a
superfície do globo e aponta os perigos advindos da exploração desmedida e ambiciosa dos
208
recursos naturais bióticos e abióticos. Para ele, o homem antigo não dispunha de uma quantidade
de energia mecânica suficientemente grande para que o seu impacto sobre a natureza pudesse
ultrapassar certos limites estreitamente circunscritos (nessa época, o mesmo podia ainda ser
considerado como um elemento natural, da mesma forma que qualquer outra espécie animal)
(DORST, 1973, p. 19). Em compensação, a partir da era moderna esse panorama começou a ganhar
novos contornos com o surgimento da maquinofatura e com a ampliação dos mercados. Na
oportunidade, as nações européias lançaram-se sobre os territórios coloniais da África, Ásia e
América em busca de fontes de matérias-primas para abastecer as insaciáveis indústrias do velho
continente.
Através dos discursos proferidos pelo filósofo Morris Berman, pelo teólogo Leonardo Boff
e pelo educador Moacir Gadotti, é possível também perceber a ruptura de um modelo de
sociedade, ou como preferem alguns, de um estilo de vida em que a harmonia, a solidariedade e o
respeito mútuo faziam parte do ideário dos homens e mulheres no convívio com a natureza. Este
ambiente idílico praticamente já não existe mais, ou se existe, encontra-se limitado a algumas áreas
da superfície do planeta. Na visão desses autores, os seres humanos hodiernos encontram-se
imersos na ambição, na ganância, na competitividade, na sede de lucros a todo custo, no
individualismo e no racionalismo. Por isso eles vêem a natureza não como uma aliada, mas como
um obstáculo que precisa ser destruído, transposto, transformado em nome do progresso material.
Essas atitudes têm contribuído para recrudescer ainda mais os desníveis sociais, políticos e
econômicos entre as várias nações, da mesma forma que têm produzido inúmeros impactos
ambientais. Em relação aos primeiros problemas, pode-se destacar a eclosão de guerras
envolvendo a disputa por parcelas importantes dos territórios neo-coloniais; as crescentes
epidemias de fome provocadas pela exploração das populações dos países pobres; as migrações
forçadas através das fronteiras de continentes e países; o extremismo religioso, o racismo e a
xenofobia; a exploração da força de trabalho pelas grandes corporações capitalistas; o desemprego
estrutural, etc. Já em relação aos problemas ambientais, torna-se oportuno lembrar o fenômeno da
desertificação que atinge vastas regiões do mundo; a destruição das florestas, das savanas e dos
campos para diversos fins; a extinção de espécies animais e vegetais; a poluição dos recursos
hídricos por meio do lançamento de resíduos de toda natureza; a contaminação e a erosão
acelerada dos solos; as mudanças climáticas locais, regionais e globais, entre outros fatores.
Para tentar reverter e/ou atenuar esse quadro sombrio e assustador, os autores em destaque
propõem uma mudança no comportamento humano calcada uma filosofia integracionista, capaz de
indicar caminhos alternativos para o convívio com todos os seres vivos e não-vivos da Terra: daí a
utilização de expressões como re-encantamento do mundo como meio de nosso re-encontro; religação com todas as coisas e criaturas do planeta; consciência ecológica; educação planetária e
cosmológica; cultura de sustentabilidade a partir de um paradigma holístico, entre outras.
209
Ao analisar a crise ecológica atual (crise do paradigma civilizacional), Leonardo Boff
denuncia a postura arrogante e irresponsável dos seres humanos diante de um planeta exaurido
pela exploração predatória e destaca a importância da adoção de um novo paradigma – um novo
modelo de sociedade em que o respeito pela natureza deve ser o fator preponderante. Na verdade,
essa relação só pode ser construída de maneira eficaz quando todos compreenderem que a vida que
existe na Terra depende de uma complexa trama que se processa dentro e fora do planeta, no
chamado universo infinito (hipótese Gaia). Segundo ele, essa hipótese é vista atualmente com
grande aceitação nos meios acadêmico (científico), cultural e até religioso, pois
“(...) confere plasticidade a uma das mais fascinantes descobertas do século
XX, a profunda unidade e harmonia do universo. A física quântica fala de um
campo unificado onde interagem as quatro forças primordiais (a gravitacional,
a nuclear forte e fraca e a eletromagnética). E a biologia se refere ao campo
filogenético unificado, já que o código genético é comum a todos os viventes.
Ela traduz numa esplêndida metáfora uma visão filosófico-religiosa que subjaz
ao discurso ecológico. Esta visão sustenta que o universo é constituído por uma
imensa teia de relações de tal forma que cada um vive pelo outro, para o outro
e com o outro [grifo nosso]; que o ser humano é um nó de relações voltadas
para todas as direções; e que a própria Divindade se revela como uma
Realidade panrelacional. Se tudo é relação e nada existe fora da relação, então
a lei mais universal é a sinergia, a sintropia, o inter-retro-relacionamento, a
colaboração, a solidariedade cósmica e a comunhão e fraternidade/sororidade
universais.” [grifo nosso] (BOFF, 2004, p. 38).
Vale ressaltar que as comunidades tradicionais representadas por índios, seringueiros,
castanheiros, ervateiros, pescadores, etc., todas com estilos próprios de vida, sempre deram
grandes lições de como lidar com a natureza e seus recursos. Entretanto, com o avanço das
relações capitalistas sobre o espaço brasileiro, principalmente a partir da década de 1960, elas
passaram a ser progressivamente ameaçadas e suas atividades substituídas por outras formas
exploratórias de uso do solo.
Na Amazônia brasileira, por exemplo, o processo de abertura das fronteiras econômicas
mostrou-se bastante ineficaz, de modo que três décadas após o seu início um rastro de destruição
pôde ser observado facilmente na paisagem regional, momento em que se verificou a transição de
uma paisagem agroextrativista baseada no pequeno roçado, na extração do látex, da castanha do
Brasil e de outros produtos florestais, à uma paisagem de uso do solo para fins de exploração
mineral, madeireira, agrícola e pecuária. Na verdade, os efeitos negativos desse processo
resultaram de um modelo de ocupação que desconsiderou as peculiaridades naturais e sociais e que
foi profundamente subordinado pela necessidade de acumulação de capitais no interior da grande
fronteira por empresas nacionais e estrangeiras, quase sempre favorecidas por instituições públicas
como a própria SUDAM (COSTA, 2006, p. 7; COSTA e FERREIRA, 2000, p. 42).
210
As mudanças nessas formas de uso fizeram com que os seringueiros e demais habitantes
das florestas se organizassem em associações para lutar contra a devastação. Após quase duas
décadas de intensos confrontos, Chico Mendes, o principal líder dos seringueiros, foi brutalmente
assassinado por defender a manutenção das florestas e do sistema extrativista na região. Ele sabia
mais do que ninguém que elas constituíam o principal meio de subsistência de inúmeras famílias
que habitavam a zona rural da Amazônia e que, portanto, sendo destruídas provocariam
sintomaticamente o deslocamento de grandes levas de pessoas para as periferias das cidades,
contribuindo para recrudescer a concentração da terra e da renda, bem como para aumentar o
exército de desempregados e miseráveis.
O depoimento apresentado a seguir, escrito pelo próprio Chico Mendes, teve grande
ressonância na comunidade internacional a partir das denúncias feitas por ele em prol da
Amazônia. O mesmo encontra-se exposto em um quadro na Fundação Cultural do Acre (Memorial
Casa do Seringueiro).
“Em 1970, começa uma nova fase para a vida dos habitantes da Floresta da
Amazônia com a chegada dos grandes grupos de fazendeiros que de uma forma
desumana, dão início a uma nova e triste realidade que é o desmatamento, é a
política de substituição do homem pelo boi, da floresta pelo capim. De 1970 a
1976, só no meu município, Xapuri (uma área de aproximadamente 8.400
Km²), em seis anos os fazendeiros destruíram, pelo fogo e pelas motosserras,
180 mil árvores de seringueiras (vocês não têm idéia de quantas famílias eram
beneficiadas) e juntamente com elas foram destruídas 80 mil árvores de
castanheiras, que são árvores gigantescas e de grande importância para nossa
região e para a economia também do país.
Foram destruídas junto com essas seringueiras e castanheiras, mais de um
milhão e duzentos mil madeiras de lei de outras espécies. Isso causou um
impacto muito grande e foi a partir daí que nós começamos a nos organizar,
porque percebemos que naquele momento estávamos encurralados e que, ou
nos organizávamos para defender aquela natureza, aquela floresta, e estaríamos
defendendo assim o nosso futuro, ou então, estávamos fadados ou sentenciados
ao genocídio. Foi então, em 1976, que se iniciam os primeiros movimentos de
resistência dos seringueiros para impedir os desmatamentos criminosos que
começaram a ocorrer naquela região... Em mutirões, homens, mulheres e
crianças foram envolvidos nessa luta.” (ACRE, 1998).
A devastação progressiva da floresta Amazônica tem chamado a atenção de inúmeros
especialistas, preocupados com os impactos ambientais decorrentes das formas predatórias de uso
dos recursos. Nesse sentido, Dora HEES (1990, p. 88) alerta que o modelo de ocupação territorial
da Amazônia, apresentado como ‘moderno’ pelo regime militar na década de 1960, tem se
mostrando ineficaz e inadequado às características sociais e ambientais da região, enquanto as
formas de ocupação tradicionais, vistas como atrasadas, vêm demonstrando a sua viabilidade no
211
momento em que cresce o desafio da humanidade em compatibilizar exploração econômica com
preservação ambiental.
Na Zona da Mata do Nordeste, verificou-se também um fenômeno semelhante, pois a partir
da introdução do Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL), em 1975, grandes alterações
foram verificadas na paisagem regional: substituição das áreas de florestas e cerrados por grandes
plantações de cana-de-açúcar; processo de erosão acelerada dos solos; assoreamento dos leitos dos
rios e riachos que drenam a área; contaminação dos solos e das águas pelo uso intensivo de
defensivos químicos utilizados na lavoura (agrotóxicos); redução das espécies animais, etc. Essas
modificações também repercutiram decisivamente nas formas de vida das comunidades
tradicionais (pequenos agricultores, pescadores e caçadores, etc.), cuja sobrevivência encontra-se
hoje ameaçada pela destruição dos recursos naturais.
Na próxima seção serão apresentadas duas experiências de proteção ambiental na região
objeto desta pesquisa – a criação das reservas indígenas Potiguaras e da Área de Proteção
Ambiental do Rio Mamanguape (APA do Rio Mamanguape). No entanto, antes de realizar tal
procedimento torna-se conveniente destacar, ainda que de maneira sucinta, alguns marcos
históricos acerca das políticas de proteção do meio ambiente.
As primeiras manifestações em defesa da natureza foram realizadas em meados do século
XIX e contaram com a participação de alguns segmentos da sociedade civil, preocupados com as
ações predatórias do homem sobre o espaço. Na ocasião, foram discutidas estratégias para conter a
destruição dos hábitats naturais em diversas partes do mundo, através da promulgação de leis
específicas e da institucionalização de reservas ambientais, conforme aponta DORST (op. Cit., p.
92):
“A primeira reserva natural parece ter sido estabelecida durante o Segundo
Império, na França, na floresta de Fontainebleau. Já em 1853, um grupo de
pintores pertencentes à famosa ‘escola de Barbizon’ estabeleceu uma reserva
com uma superfície de 624 ha; o decreto de 13 de agosto de 1861 sancionou
essa medida.
Na realidade, a idéia de reservas com vastas superfícies nasceu nos Estados
Unidos (...). No século passado, as devastações catastróficas que ocorreram
nesse país não podiam deixar de desencadear reações salutares. Por outro lado,
os espaços livres eram ainda suficientemente vastos para permitir que fossem
criadas reservas em grande escala. Já em 1864, por iniciativa de John Muir, que
muitos consideram o pai do conservacionismo na América, o Congresso
americano cedeu o vale de Yosemite e o Mariposa Grove ao Estado da
Califórnia para aí se estabelecer uma reserva natural, proteger as Sequóias e
manter esses distritos em seu estado original, para benefício público. A idéia de
um ‘parque nacional’ nasceu também no espírito de alguns particulares que,
em 1870, passaram seis semanas explorando a região de Yellowstone.
Maravilhados com a grandiosidade do espetáculo oferecido por essa parte das
Montanhas Rochosas, iniciaram uma campanha que conduziu à promulgação
212
da lei de 1º de março de 1872, criando o primeiro parque nacional dos Estados
Unidos (...).”
As experiências apontadas anteriormente despertaram a preocupação de outros países na
busca pela proteção de áreas de grande interesse ecológico, sobretudo no que se refere à
manutenção da fauna, da flora e dos recursos hídricos, já bastante descaracterizados em função das
ações predatórias do homem. Com efeito, ambientalistas e amadores uniram forças para pressionar
os governos quanto à importância da promulgação de leis que disciplinassem a caça, a pesca, a
extração de madeiras, o avanço do pastoreio e dos campos cultivados, a propagação das atividades
industriais, etc.
Ao longo do século XX inúmeras conferências foram promovidas e vários organismos
criados para debater o assunto: em 1913 a Suíça promoveu uma Conferência Internacional para a
Proteção da Natureza que contou com a participação de 17 países. Em 1922 foi criado na
Inglaterra o Comitê Internacional para a Preservação das Aves e, em 1928, o Escritório
Internacional para a Proteção da Natureza, cujo objetivo era difundir as idéias de proteção e
servir de centro de documentação (sediado na Bélgica e na Holanda, esse escritório subsistiu até a
Segunda Guerra Mundial). Em 1933 a Inglaterra organizou uma Conferência Internacional para
discutir o problema ambiental na África. Desse encontro nasceu um convênio que teve como
objetivo suscitar a criação de reservas e parques nacionais em vastas áreas do continente. Os
esforços de cooperação interafricana prosseguiram e conduziram à assinatura de uma Carta
Africana para a Proteção e a Conservação da Natureza, em fevereiro de 1963 (DORST, op. Cit., p.
107-108).
A questão ambiental consubstanciou-se em meio a um cenário sombrio, pois o século
passado foi marcado por duas guerras de proporções avassaladoras (1914-1918 e 1939-1945), além
de inúmeros outros conflitos bélicos. Soma-se a isso a explosão demográfica e as recorrentes
epidemias de fome que assolaram inúmeros países subdesenvolvidos, o avanço tecnológico e a
explosão do consumismo nas nações ricas, a produção incomensurável de lixo, a destruição dos
recursos naturais do planeta em ritmo cada vez mais acelerado, entre outros aspectos.
Entretanto, cumpre salientar que o movimento ecológico começou a ganhar maior
notoriedade a partir da década de 1950. Em alguns países da Europa e, sobretudo, nos Estados
Unidos começam a surgir por volta dessa época vários movimentos sociais em defesa da natureza,
da liberdade, da paz, da fraternidade e da igualdade entre os povos. Destaque para a rebeldia do
rock-and-roll, para as lutas em prol dos direitos dos negros e das mulheres, para o estilo de vida
dos hippies e para as manifestações de repúdio à guerra do Vietnã.
Os hippies, por exemplo, eram radicalmente contrários ao estilo de vida urbano-industrial e
por isso buscavam no campo, através do contato com a natureza, o refúgio necessário para uma
213
vida simples, pacata e harmoniosa. Tanto eles como os jovens roqueiros denunciavam abertamente
as barbaridades cometidas pelos países imperialistas através das guerras. Denunciavam ainda a
fome, a exclusão e o preconceito social, a destruição do planeta.
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1945, também pode ser
considerada como um marco na luta pela defesa da natureza. Além de congregar países para
promover a paz e a segurança no mundo, essa instituição desenvolve programas voltados para a
melhoria da educação e saúde de crianças e jovens, através da Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF); para erradicar as formas de exploração do trabalho, através da Organização
Internacional do Trabalho (OIT); para combater as epidemias que assolam várias populações,
através da Organização Mundial de Saúde (OMS); para a distribuição igualitária de alimentos,
através da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO); para
promover o desenvolvimento das áreas economicamente dependentes, através do Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); para a conservação dos recursos naturais, através
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), entre outros. Vale ressaltar que
todos esses programas apresentam preocupações em relação ao ambiente humano e suas formas de
degradação.
A Primeira Conferência sobre Meio Ambiente Humano organizada pela ONU só aconteceu
no ano de 1972, na cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Segundo MARIANO NETO (2001, p.
74), nela foram perpassados os primeiros acordes sobre as preocupações com o desenvolvimento
sustentável, com um forte apelo aos direitos fundamentais do homem – vida, liberdade e igualdade
de condições em um ambiente racionalmente protegido, no qual o desenvolvimento deveria ser
planejado pelo Estado no sentido de melhorar o ambiente em benefício das populações. A
Conferência de Estocolmo marcou a visão ecológica global, tendo sido, de fato, uma conferência
de caráter planetário.
Além da poluição atmosférica, foram debatidas nesta conferência a poluição da água e a do
solo decorrentes da industrialização que avançava em várias partes do mundo. Outros temas
abordados pelos participantes foram a pressão que o crescimento demográfico exercia sobre os
recursos naturais da Terra, o fim das reservas de petróleo, o controle que deveria ser feito sobre o
aumento populacional e sobre o crescimento econômico dos países periféricos, etc. (RIBEIRO,
2008, p. 74-75).
O crescimento populacional verificado a partir da queda da mortalidade constituía de fato
um problema sobre os recursos naturais do planeta. E esse panorama fazia parte do cotidiano das
nações pobres, pois os países ricos já haviam atingido a fase da transição demográfica há décadas.
Entretanto, ao colocar a culpa da destruição ambiental apenas sobre as nações periféricas, os
maiores responsáveis pela destruição do planeta (os países ricos) ficavam ilesos a qualquer forma
214
de questionamento por parte da opinião pública mundial30. Tal estratégia fazia parte do discurso
dos chamados ecomalthusianos, partidários das velhas teorias de Malthus envolvidos agora com as
questões ambientais.
Apesar da abrangência desse evento e das ações deliberativas, dentre elas a promulgação da
Declaração do Meio Ambiente, a Conferência de Estocolmo não conseguiu produzir os efeitos
esperados, pois muitas ações não conseguiram sequer sair do papel para serem executadas. Nas
décadas seguintes a problemática ambiental agravou-se a tal ponto que muitos países resolveram
convocar reuniões científicas para tratar de questões de interesse comum, conforme podem ser
observadas no quadro abaixo.
QUADRO 17 – PRINCIPAIS EVENTOS INTERNACIONAIS SOBRE QUESTÕES AMBIENTAIS
REALIZADOS APÓS A CONFERÊNCIA DE ESTOCOLMO
Anos
1973
Eventos/Países
Convenção sobre Comércio
Internacional de Espécies de Flora e
Fauna Selvagens em Perigo de
Extinção/Estados Unidos
1979
Convenção sobre Poluição
Transfronteiriça de Longo
Alcance/Suíça
1982
Conferência de Nairobi/Quênia
1985
Convenção de Viena para a Proteção
da Camada de Ozônio/Áustria
1987
1989
Protocolo de Montreal sobre
Substâncias que Destroem a Camada
de Ozônio/Canadá
Convenção de Basiléia sobre o
Controle de Movimentos
Transfronteiriços de Resíduos
Perigosos e seu Depósito/Suíça
Objetivos Principais
Preservar as espécies ameaçadas de extinção para que
as mesmas possam servir de banco genético para
pesquisas científicas.
Essa Convenção só passou a vigorar em 1975.
Estabelecer metas de redução da poluição do ar,
levando os participantes a criar programas que
permitissem alcançá-las.
Essa Convenção só passou a vigorar em 1983.
Realizar novo diagnóstico sobre a situação ambiental
mundial e avaliar a atuação do PNUMA.
Criar uma cooperação entre os países, através do
intercâmbio científico e tecnológico, a fim de avançar
na indicação de parâmetros para o controle da
devastação da camada de ozônio.
Tomar medidas para conter a propagação de
substâncias que destroem a camada de ozônio.
Criar normas para regulamentar o transporte de
resíduos perigosos, a fim de evitar a contaminação dos
países que os recebem e daqueles pelos quais passam
ao serem transportados.
Fonte: Elaborado com base em:
RIBEIRO, Wagner Costa. A Ordem Ambiental Internacional. São Paulo: Contexto, 2ª edição, 2008, p. 84 seq.
Não obstante os esforços e a boa vontade de um pequeno grupo de pessoas que
demonstravam sérias preocupações com o futuro do planeta, pouca coisa também pôde ser
colocada em prática a partir das deliberações desses encontros. Muitos países ricos, a exemplo dos
Estados Unidos, Inglaterra, Canadá e Alemanha, ainda hoje financiam de maneira clandestina a
captura de espécies animais e vegetais encontradas nas florestas tropicais do hemisfério Sul, com o
30
Convém lembrar que 20% da população mundial, que habita principalmente os países do hemisfério Norte, consome
80% dos recursos naturais e energia do planeta e produz mais de 80% da poluição e da degradação dos ecossistemas.
Enquanto isso, 80% da população mundial, que habita principalmente os países pobres do hemisfério Sul, fica com
apenas 20% dos recursos naturais. Para reduzir essas disparidades sociais e permitir que os habitantes dos países do
Sul atinjam o mesmo padrão de consumo material médio de um habitante do Norte, seriam necessários, pelo menos,
mais dois planetas Terra (BRASIL, 2005, p. 15).
215
propósito de estimular a produção de medicamentos e outros derivados através das pesquisas
genéticas e da biotecnologia. Com esse comércio ilícito, também chamado de biopirataria, as
nações pobres não recebem nenhuma quantia sobre a matéria-prima explorada e ainda acabam
transferindo o domínio genético para os grandes laboratórios farmacológicos instalados nos países
supracitados.
No que se refere à diminuição da poluição atmosférica, países como Estados Unidos,
Inglaterra, Japão e China fizeram grandes objeções aos tratados assinados, pois segundo eles a
adoção de medidas dessa natureza comprometeria o desenvolvimento de suas indústrias e,
consequentemente, o crescimento econômico, com fortes repercussões sobre o nível de consumo
da população e sobre o desemprego. Nota-se, com isso, que os interesses particulares estão acima
de qualquer iniciativa no plano internacional.
Por outro lado, diversas organizações não-governamentais (ONGs) passaram a pressionar
os representantes dos parlamentos para que fossem criadas leis mais rígidas em relação aos
problemas ambientais. Diante desses fatos, inúmeras indústrias poluidoras e consumidoras de
grande quantidade de energia (chamadas de eletrointensivas) começaram a transferir as suas
instalações para a periferia do sistema capitalista, demonstrando mais uma vez que os problemas
com o ambiente alheio não fazem parte de suas preocupações.
Duas décadas após o encontro de Estocolmo, a Organização das Nações Unidas propôs a
realização da segunda grande conferência sobre os problemas ambientais. A Conferência das
Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD) foi realizada no ano de
1992 na cidade do Rio de Janeiro. Dentre as razões que determinaram a escolha do Brasil estão a
devastação da Amazônia e o assassinato do líder sindical Chico Mendes, em 1988. Com efeito,
vários acordos foram criados, tais como a Convenção Sobre a Diversidade Biológica, a
Declaração de Florestas, a Convenção Sobre Mudanças Climáticas Globais, o Fórum
Internacional das ONGs, a Agenda 21, etc. (RIBEIRO, op. Cit., p. 107 seq.).
A Rio-92, como também ficou conhecida essa conferência, deu maior abertura à sociedade
civil e às organizações não-governamentais no que se refere às discussões propostas. Entretanto, da
mesma forma como aconteceu em outros encontros internacionais, os interesses dos países centrais
estiveram acima de qualquer preocupação ambiental global, o que demonstra, na realidade, uma
grande incoerência em relação ao que estava preconizado no próprio texto da Agenda 21, em seu
Capítulo 4: enquanto a pobreza tem como resultado determinados tipos de pressão ambiental, as
principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões
insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados. Motivo de séria
preocupação, tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos
desequilíbrios (BRASIL, 2005, p, 16).
216
5.2 A ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE
A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) define o conceito de área
protegida como sendo uma área de terra e/ou mar especialmente dedicada à proteção e manutenção
da diversidade biológica, e de recursos naturais ou culturais associados, manejada através de meios
legais ou outros meio eficazes (VIDAL, 2000, p. 28).
No Brasil, o debate em torno da criação de áreas protegidas não é recente. No entanto, só a
partir do início da década de 1970 foi que as discussões tomaram maior amplitude, favorecidas
pelas pressões desencadeadas após a Conferência do Meio Ambiente realizada na cidade de
Estocolmo, capital da Suécia. Aliás, as décadas de 1970 e 1980 foram marcadas pela realização de
uma série de encontros internacionais sobre a temática ambiental, conforme pôde se observado na
seção anterior.
A promulgação da Constituição Federal de 1988, a primeira após os longos anos de
ditadura militar, também foi muito importante para a institucionalização das áreas de proteção
ambiental no Brasil (criação de Unidades de Conservação). Segundo o Artigo 225, “todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Para assegurar a efetividade desse direito, incube
ao Poder Público: preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas, bem como definir, em todas as unidades da Federação,
espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos [grifo nosso], sendo a
alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção (BRASIL, 1997, p. 109).
Com efeito, a existência de várias leis no país que versavam sobre essa questão motivou o
debate em torno de um Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), no
qual foi instituído apenas no ano de 2000 através da Lei Federal n° 9.985, de 18 de julho. Tal
sistema é administrado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA) e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA), tendo como objetivos principais:
Contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos no território
nacional e nas águas jurisdicionais;
Promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de
desenvolvimento;
Preservar paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
Proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica,
arqueológica, paleontológica e cultural;
217
Recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
Proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e
monitoramento ambiental;
Favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato
com a natureza e o turismo ecológico;
Proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando
e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente, entre
outros (BRASIL, 2000, p. 3).
Entende-se por Unidade de Conservação o espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído
pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de
administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, p. 1). A Figura
16 diferencia as duas categorias de Unidades de Conservação encontradas no Brasil, segundo o
SNUC.
FIGURA 16 – DIVISÃO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO SEGUNDO O SNUC
SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO DA NATUREZA (SNUC)
A) Unidades de Proteção Integral
B) Unidades de Uso Sustentável
Estação Ecológica
Área de Proteção Ambiental
Reserva Biológica
Área de Relevante Interesse Ecológico
Parques Nacionais
Floresta Nacional
Monumento Natural
Reserva Extrativista
Refúgio de Vida Silvestre
Reserva de Fauna
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
Res. Particular do Patrimônio Ambiental
Fonte: Elaborada com base em:
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC): Lei
Federal nº 9.985/2000. Brasília, 2000, p. 4 seq.
Como o próprio nome denuncia, as Unidades de Proteção Integral foram criadas para
PRESERVAR os recursos naturais encontrados em determinados ambientes, sendo permitido
apenas o uso indireto dos mesmos. Nas Estações Ecológicas e nas Reservas Biológicas, por
218
exemplo, o acesso de pessoas estranhas é proibido, exceto nos casos em que sejam comprovadas
finalidades culturais e educacionais. Nas demais unidades, a visitação pode acontecer desde que
sejam obedecidos alguns requisitos constantes no Plano de Manejo. Até mesmo o trabalho de
pesquisadores está condicionado às diretrizes do plano em questão.
Por outro lado, as Unidades de Uso Sustentável foram criadas para garantir a
CONSERVAÇÃO de um dado ecossistema através do uso racional dos recursos naturais bióticos e
abióticos31. Nas Florestas Nacionais, nas Reservas de Desenvolvimento Sustentável e nas Reservas
Extrativistas, todas de domínio público, a exploração deve ser feita pelas populações tradicionais,
sendo proibidas a caça e a pesca predatórias, bem como a extração madeireira em larga escala.
Tanto a visitação quanto o trabalho de pesquisa científica são permitidos em todas as Unidades de
Conservação de Uso Sustentável, desde que sejam consideradas algumas restrições impostas pelo
Plano de Manejo e/ou pelo proprietário da unidade (caso das Reservas Particulares do Patrimônio
Ambiental).
Convém salientar que o estabelecimento de Unidades de Conservação em nosso país não é
uma tarefa simples, uma vez que todo o processo de constituição e manejo apresenta uma série de
dificuldades: a falta de recursos públicos para realizar a desapropriação de grandes extensões de
terras (no caso da maior parte das Unidades de Proteção Integral e das Unidades de Uso
Sustentável); as pressões geradas pelos latifundiários que contestam o desperdício de áreas que
poderiam ser utilizadas para diversas atividades econômicas (agricultura, criação de animais,
exploração madeireira e mineral); a burocracia dos órgãos governamentais em todas as instâncias
(federal, estadual e municipal); o reduzido número de funcionários para fiscalizar as atividades
e/ou atuar na orientação técnica; o abrandamento das penas previstas para os crimes ambientais; o
sucateamento das instalações e a falta de equipamentos dos órgãos oficiais de gestão e controle dos
recursos naturais, etc.
A Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape enquadra-se na segunda
categoria das Unidades de Conservação (Unidades de Uso Sustentável) e foi institucionalizada a
partir da assinatura do Decreto Federal nº 924, de 10 de setembro de 1993, perfazendo uma
superfície total de mais de 14 mil hectares que se estende por quatro municípios do Litoral Norte
do Estado da Paraíba – Lucena, Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição. Destes, Rio Tinto é o que
possui a maior porção de terras no interior da APA, ao passo que Baía da Traição e Lucena exibem
apenas uma pequena parte dos seus respectivos territórios no interior dessa Unidade de
Conservação (Mapa 25).
31
O termo conservação da natureza diz respeito à utilização racional dos recursos naturais renováveis (ar, água, solo,
flora e fauna) e obtenção de rendimento máximo dos não renováveis (jazidas minerais), de modo a produzir o maior
benefício sustentado para as gerações atuais, mantendo suas potencialidades para satisfazer as necessidades das
gerações futuras. Não é sinônimo de preservação porque está voltada para o uso humano da natureza, em bases
sustentáveis, enquanto a preservação visa à proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas [grifo nosso]
(IBGE, 2004, p. 84).
219
MAPA 25 – DELIMITAÇÃO ESPACIAL DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE
BAÍA DA TRAIÇÃO
Camurupim
MARCAÇÃO
Barra de Mamanguape
APA da Barra do
do Rio Mamanguape
RIO TINTO
Salema
MAMANGUAPE
LUCENA
Fonte: Adaptado de:
NEVES, Mary Carla Marcon. Gestão da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape (PB) – Unidade de Conservação Federal de Uso Sustentável. In:
IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio
Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 180.
O Mapa 26 destaca as principais comunidades inseridas no interior dessa Unidade de
Conservação e nas áreas adjacentes. São 21 comunidades que podem ser classificadas como sedes
municipais (Rio Tinto e Marcação), distritos, aglomerados rurais e aldeias, totalizando 16.381
pessoas e 4.535 famílias (dados de 2004). Das 23 aldeias Potiguaras administradas pela FUNAI
naquele ano, apenas 4 estavam localizadas no interior da APA (Caieira, com 365 índios;
Camurupim, com 823 índios; Tramataia, com 1.009 índios e Jaraguá, com 904 índios) e 2 nas áreas
contíguas (Akajutibiró, com 246 índios, e Brejinho, com 287 índios), totalizando 3.634 habitantes
(RODRIGUES et al., 2005, p. 63).
Toda essa região se notabiliza pela presença de uma grande variedade de paisagens
naturais: as belas praias, os campos de dunas, as falésias e as formações recifais; o maior e mais
preservado ecossistema de manguezal do Litoral do Estado, local de abrigo do Trichechus manatus
(peixe-boi marinho) e de outras espécies animais; a ocorrência de grandes trechos cobertos pela
vegetação de cerrado; os remanescentes das florestas ombrófilas e das florestas estacionais dos
tabuleiros costeiros, entre outros aspectos. Do ponto de vista das paisagens humanas, destacam-se
a cidade-fábrica de Rio Tinto, as aldeias dos índios Potiguaras, as comunidades de agricultores e
pescadores tradicionais e a presença de grandes plantações de cana-de-açúcar, atividade
responsável pelas maiores transformações observadas na região nas quatro últimas décadas.
220
MAPA 26 – PRINCIPAIS COMUNIDADES LOCALIZADAS NA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL
DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE E ENTORNO
1
Convenções:
APA da Barra do Rio
Mamanguape
2
Cursos d’água
3
5
Comunidades:
4
MARCAÇÃO
14
6
RIO TINTO
15
12
7
16
11
13
8
9
10
17
18
1 – Aldeia Akajutibiró
2 – Aldeia Caieira
3 – Aldeia Camurupim
4 – Aldeia Tramataia
5 – Aldeia Brejinho
6 – Aldeia Jaraguá
7 – Vila Veloso
8 – Curral de Fora
9 – Taberaba
10 – Cravaçú
11 – Aritinguí
12 – Tavares
13 – Tanques
14 – Barra de Mamanguape
15 – Lagoa da Praia
16 – Praia de Campina
17 – Tatupeba
18 – Pacaré
Fonte: Adaptado de:
RODRIGUES, Izilda A. (et al.). Perfis Social, Econômico e Ecológico da Área de Influência da APA da Barra do Rio
Mamanguape (PB). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da APA da Barra do Rio
Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 62.
A fim de resguardar as paisagens citadas anteriormente, o Decreto Federal nº 924/1993
estabelece em seu Artigo 1 os seguintes objetivos, conforme salientou VIDAL (op. Cit., p. 47):
Garantir a conservação do habitat do peixe-boi marinho (Trichechus manatus);
Garantir a conservação de expressivos remanescentes de manguezal, mata atlântica e dos
recursos hídricos ali existentes;
Proteger o peixe-boi marinho (Trichechus Manatus) e outras espécies ameaçadas de extinção no
âmbito regional;
Melhorar a qualidade de vida das populações residentes, mediante orientação e disciplina das
atividades econômicas locais;
Fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental.
221
A autora reafirma também que para assegurar o alcance dessas metas, o Artigo 8 preconiza
ainda:
Na APA da Barra do Rio Mamanguape ficam proibidos:
A implantação de atividades industriais poluidoras capazes de afetar o meio ambiente;
O exercício de atividades capazes de provocar erosão ou assoreamento das coleções hídricas;
O despejo nos cursos d’água de qualquer efluentes, resíduos ou detritos, em desacordo com as
normas técnicas oficiais;
O exercício de atividades que ameacem as espécies da biota, as manchas de vegetação
primitiva, as nascentes e os cursos d’água existentes na região;
O uso de biocidas e fertilizantes, quando em desacordo com as normas ou recomendações
técnicas oficiais (VIDAL, op. Cit., p. 47).
Como se pôde constatar ao longo dessa seção, é inegável a contribuição oferecida pela
legislação brasileira em termos de abrangência e complexidade no tratamento das questões
ambientais. Entretanto, o que se observa ainda é uma grande separação, uma grande dicotomia
entre o que está regulamentado através das Leis, Decretos, Medidas Provisórias, Normas Técnicas,
etc., e o que tem sido feito em termos efetivamente práticos para garantir a proteção, a fiscalização,
o uso correto dos recursos e o bem-estar das populações.
Nesse sentido, vários impactos sociais e ambientais foram detectados através das pesquisas
de campo realizadas na APA da Barra do Rio Mamanguape, a saber:
a) A Destruição da Cobertura Vegetal Original (Cerrados, Florestas e Manguezais)
Na verdade, o processo de destruição da cobertura vegetal intensificou-se com as atividades
industriais têxteis na primeira metade do século XX e durante a implantação do Programa Nacional
do Álcool (PROÁLCOOL), a partir de 1975. Conforme foi visto no Capítulo 3 (A Experiência
Canavieira na Região do Baixo Mamanguape), os municípios de Baía da Traição e Rio Tinto
tiveram um aumento expressivo em relação à quantidade produzida e à superfície ocupada pela
cana-de-açúcar.
Os avanços tecnológicos garantidos através de fortes subsídios estatais propiciaram o uso
intensivo de defensivos e fertilizantes sintéticos, sementes melhoradas em laboratório, irrigação,
máquinas e implementos agrícolas, contribuindo para aumentar a produtividade da lavoura
canavieira que logo se expandiu pelas áreas de florestas e cerrados, imprimindo um padrão
monocultor à paisagem.
Já na planície costeira foi possível identificar com facilidade as alterações promovidas pela
carcinicultura nas áreas ocupadas pelos manguezais. Essa atividade foi introduzida na APA da
Barra do Rio Mamanguape por volta de 1995 e atualmente conta com mais de uma centena de
viveiros instalados, quase todos operando de forma irregular em função da ausência de licença
ambiental expedida pelo órgão responsável pela gestão da Unidade de Conservação (IBAMA).
222
Uma parte desses viveiros pertence aos próprios índios Potiguaras, que começaram a se
dedicar ao cultivo do camarão com a intenção de obter maior renda. Todavia, como muitos não
conseguiram o alvará de licença, ficaram impossibilitados de contrair financiamento bancário para
ser utilizado na modernização do empreendimento. A baixa produtividade e a concorrência com as
empresas privadas instaladas no local contribuíram para desestimular várias famílias indígenas,
que foram aos poucos abandonando a atividade.
A outra parte dos viveiros instalados no interior da APA pertence a duas grandes empresas
privadas: a Aqüicultura Fernando Ltda. (AQUAFER) e a Destilaria Jacuípe S.A. Ambas
introduziram a criação comercial do camarão exótico Litopenaeus vannamei, destinado ao
abastecimento do mercado internacional (Estados Unidos, Europa e Japão). Enquanto a AQUAFER
possui 7 tanques instalados na fazenda Barra de Mamanguape, perfazendo uma área total de 31,93
hectares, a Destilaria Jacuípe conta com 16 viveiros construídos na fazenda Santa Emília I, no
interior de um manguezal, ocupando uma área de 76,29 hectares. Todas elas já foram autuadas
duas vezes pelo IBAMA pelo fato de fazer funcionar estabelecimento potencialmente poluidor em
uma Área de Proteção Ambiental, sem o devido licenciamento ambiental (PAZ e NASCIMENTO,
2008, p. 185-186).
Vale ressaltar que a disseminação dessa atividade econômica sem um estudo prévio traz
inúmeras conseqüências para a área em apreço, dentre elas podem-se destacar: a devastação dos
manguezais e das demais formações litorâneas (restingas, campos de dunas) para a implantação
dos viveiros; o comprometimento da fauna em função das alterações dos habitats originais; a
poluição das águas dos rios e riachos pelo lançamento de nutrientes nocivos à saúde animal e
humana; a salinização das reservas de água subterrânea (aqüíferos); o desvio e o assoreamento dos
canais de maré e das gamboas, etc. (Fotos 39 a 42).
A presença da carcinicultura no interior da APA tem gerado conflitos entre os próprios
índios, pois muitos temem pela segurança do manguezal. De acordo com o índio Josias dos Santos,
53 anos, morador da aldeia Tramataia, município de Marcação, as grandes empresas que se
instalaram no local para desenvolver a carcinicultura não apresentam preocupações com os
impactos causados pela atividade. Além disso, elas estão usando um território que é nosso e de
mais ninguém, explica ele com certa indignação.
De fato, todas as atividades presentes no interior de uma Área de Proteção Ambiental
devem ser conduzidas pelas populações tradicionais segundo critérios sustentáveis, conforme
determina um dos objetivos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC). Por outro lado, a maneira como a carcinicultura está sendo desenvolvida pelas empresas e
pelos índios contradiz o que está previsto no Artigo 8 da Lei Federal nº 924/1993, já discutida
anteriormente.
223
A construção de casas de veraneio (residências secundárias) ao longo da planície litorânea
também é motivo de preocupações, uma vez que elas estão sendo edificadas em uma área de
grande sensibilidade ecológica. A ausência de fiscalização e a falta de um planejamento por parte
do poder público têm contribuído para a alteração dessas paisagens: destruição das plantações de
coco-da-baia, da vegetação de restinga e das formações pantropicais das praias, dunas e cordões
litorâneos, vegetações estas que desempenhavam papel significativo no tocante à proteção dos
solos, principalmente contra a ação constante dos ventos marítimos (erosão eólica) e das intensas
chuvas de outono-inverno.
Foto 39 (superior) – Viveiro de “propriedade particular” construído no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape
para criação de camarão.
Foto 40 (lado esquerdo) – Equipamento usado para retirar água do manguezal para abastecer os viveiros.
Foto 41 (lado direito) – Canal construído para abastecer os viveiros com água transportada do próprio manguezal (esse
processo acaba contaminando os rios e riachos pelo vazamento de efluentes).
Foto 42 (inferior) – Placa instalada pela FUNAI para delimitar o território indígena Potiguara.
Litoral do município de Marcação, Paraíba.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
224
b) A Poluição dos Recursos Hídricos em Função do Lançamento de Resíduos
Na área em questão foi possível detectar três fontes de poluição dos recursos hídricos – a
criação de camarão em cativeiro, a atividade canavieira e o lançamento de esgotos domésticos.
A atividade de criação de camarão tem sido responsável pela ocorrência de alguns danos
aos recursos hídricos, fato este comprovado através de vários estudos científicos. De acordo com
QUEIROZ e FRIGHETTO (2005, p. 79), substâncias químicas (ou probióticos) em adição aos
fertilizantes são aplicadas aos viveiros de produção como tratamento para manter a qualidade da
água e prevenir doenças que normalmente afetam os organismos cultivados. Dentre elas, incluemse materiais para calagem, cloro, sulfato de cobre, permanganato de potássio, peróxidos, bactérias
formuladas, compostos enzimáticos, etc. PAZ e NASCIMENTO (op. Cit., p. 170) lembram que
devido à falta de bacias de sedimentação (equipamentos usados para tratamento da água antes de
sua liberação nos rios e riachos) na maior parte dos empreendimentos, essas substâncias
potencialmente danosos são lançadas diretamente nos sistemas estuarinos, fluviais e lacustres,
contaminando os recursos hídricos e prejudicando os organismos presentes nesses ambientes.
Outro aspecto apontado pelos autores diz respeito ao processo de salinização das reservas
subterrâneas por extensas áreas de viveiros de camarão instalados sobre áreas de recarga dos
aqüíferos, com conseqüente comprometimento de poços e cacimbas utilizados pelas comunidades
litorâneas (PAZ e NASCIMENTO, op. Cit., p. 170). As características dos solos encontrados nas
planícies costeira e aluvial (bastante arenosos, argilosos e excessivamente drenados) contribuem
para agravar ainda mais essa situação.
O avanço da monocultura da cana-de-açúcar também gerou profundos impactos sobre as
coleções hídricas. A utilização em larga escala de produtos químicos nas plantações (pesticidas,
fungicidas, herbicidas, adubos e fertilizantes sintéticos, etc.) com o propósito de dizimar as pragas
que atacam os canaviais, corrigir as limitações edáficas dos tabuleiros e aumentar a produtividade
média por hectare, acaba intensificando a concentração no solo de uma grande quantidade de
material altamente tóxico. Através da irrigação esse material alcança as reservas de água
subterrânea (por meio da infiltração), bem como os rios e riachos que drenam a área (por meio do
escoamento superficial). Vale ressaltar que durante os meses mais chuvosos do ano (abril a julho),
esse fenômeno tem um poder ainda maior de propagação.
Estudo realizado pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas de Recursos do Mar (NEPREMAR) e
pelo Laboratório de Hidrobiologia do Departamento de Sistemática e Ecologia da UFPB, detectou
a presença de elevados teores de nitrato nas nascentes do rio Açu, tributário do rio Mamanguape e
nos reservatórios de água dos rios Gramame e Mamuaba, o que constitui, segundo os
pesquisadores responsáveis pelas análises, uma evidência indireta da contaminação desses
mananciais por fertilizantes químicos usados nas plantações de cana-de-açúcar que circundam
essas áreas (TARGINO et al., 1994, p. 15-16).
225
Além de afetarem as condições ambientais, esses produtos interferem ainda na morbidade
da população. Os trabalhadores rurais que manipulam constantemente essas substâncias químicas
apresentam sintomas que variam da simples cefaléia, irritação na pele, tontura, convulsão, diarréia,
até a ocorrência de doenças respiratórias, teratogênese, câncer e óbito. Os herbicidas Paraquat e
Paraquat+Diuron são citados como altamente tóxicos, de modo que a ingestão de algumas gotas
pode ser letal ao homem (MOREIRA et al., 2006, p. 141).
Já o processo de industrialização do açúcar e do álcool é responsável pelo lançamento de
vários tipos de resíduos na natureza. O vinhoto, por exemplo, constitui-se num grave problema
ecológico, pois para cada litro de álcool fabricado nas destilarias são produzidos 13 litros dessa
substância. Como, em geral, os donos dos estabelecimentos industriais nunca apresentaram
preocupações com o meio ambiente, a solução encontrada para o destino do vinhoto foi o
lançamento nos mananciais que atravessam as suas propriedades, provocando a mortandade da
flora e da fauna aquáticas e comprometendo o trabalho das populações pobres que encontram na
captura de peixes, caranguejos e mariscos sua principal fonte de sobrevivência (Fotos 43 e 44).
Ao entrevistar as mulheres marisqueiras da aldeia Tramataia e os catadores de caranguejo
da aldeia Camurupim, constamos que a quantidade de pescado capturado em um dia de trabalho
tem diminuído significativamente ao longo dos anos. Segundo eles, o desmatamento do manguezal
e a poluição dos rios são os principais responsáveis por essa redução32: “Antigamente nois tinha
muita fartura nesses rios (caranguejo, camarão, ostra, marisco, agulhinha, sardinha, sururu, unha de
veio). Nois tirava tudo do mangue e repartia na comunidade e o que sobrava nois vendia na feira
da Baía. Hoje a situação ta piorano, com certeza.” (Depoimento do índio Francisco Firmino, 42
anos, morador da aldeia Camurupim).
Por fim, os esgotos de origem doméstica também são responsáveis pelas alterações da
qualidade da água, uma vez que todas as cidades localizadas na região do Baixo Mamanguape
(Baía da Traição, Mamanguape, Marcação e Rio Tinto) apresentam sérias deficiências no que se
refere à coleta e ao tratamento das águas residuárias. Além disso, a disseminação do uso de fossas
comuns corrobora para piorar ainda mais a poluição dos aqüíferos, cuja conseqüência mais
imediata é a proliferação de doenças entre a população (hepatite, esquistosomose, infecções
variadas, etc.).
c) A Erosão Acelerada dos Solos
O solo é a parte exterior da crosta terrestre em contato direto e indireto com os demais
componentes do meio ecológico. É ele o resultado da ação conjunta de inúmeros agentes
dinâmicos que agem sobre as rochas, ocasionando a sua decomposição. Esses agentes dinâmicos
são agrupados em três categorias principais: os agentes físicos (calor, frio, umidade, pressão, etc);
32
Para saber mais informações sobre a situação dos manguezais da bacia do rio Mamanguape e de outras áreas do
Estado, torna-se oportuno consultar os artigos do Jornal Correio da Paraíba do dia 14 de setembro de 2008 (Anexo 2).
226
os agentes químicos (ação das águas sobre os minerais que integram as rochas); e os agentes
biológicos (ação dos seres vivos, processo de decomposição de animais e vegetais, etc). Alguns
autores denominam o processo de formação dos solos de “intemperismo”, outros preferem usar o
termo “meteorização”.
Foto 43 – Aspecto da aldeia Potiguara Tramataia, localizada na margem esquerda do
estuário do rio Mamanguape.
Município de Marcação, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (abril/2006).
Foto 44 – Pequenas embarcações utilizadas para a pescaria no manguezal (a pesca artesanal
constitui a principal atividade econômica dos índios que vivem no estuário).
Aldeia Potiguara Tramataia, município de Marcação, Paraíba.
Foto e arquivo: Fábio Dantas da Costa (abril/2006).
227
O solo é considerado também um dos mais importantes elementos do meio natural, pois
parte expressiva dos seres vivos que habitam o planeta depende dele para sobreviver. O próprio
homem, por exemplo, retira do solo boa parte das substâncias de que necessita, bem como uma
incontável quantidade de matérias-primas indispensáveis para a produção dos seus objetos de uso
(móveis, casas, roupas, medicamentos, alimentos, eletrodomésticos, etc). Assim sendo, da mesma
forma como ele é considerado o maior usuário do solo, é também, de longe, o ser vivo que mais
contribui para o seu empobrecimento e para a sua destruição.
O avanço da lavoura canavieira sobre as áreas de mata e cerrado, por inúmeras vezes
mencionado nos capítulos desta tese, contribuiu para acentuar o processo de degradação dos solos.
A retirada de uma vegetação densa e perene, como é o caso das florestas ombrófilas, aliada às
fortes precipitações que incidem sobre o Litoral, acaba expondo os solos aos processos de erosão
acelerada (formação de sulcos, ravinas e voçorocas) e lixiviação (transporte dos nutrientes
encontrados nas camadas superficiais), cujos reflexos negativos vão ter repercussões em todas as
atividades produtivas.
A ação do escoamento superficial pode ser facilmente identificada nos locais em que a
vegetação foi destruída, ou mesmo naqueles em que ela apresenta-se em manchas descontínuas e
com forte estágio de degradação (as chamadas capoeiras ralas). Nas áreas de encostas e nas
vertentes com forte declividade os processos erosivos são ainda mais acentuados em virtude das
transformações realizadas pelas atividades humanas.
Nesta perspectiva, ao tentar mostrar a importância que a cobertura vegetal exerce no
trabalho de conservação dos solos, COELHO NETTO (1995, p. 105) afirmou o seguinte:
“A cobertura vegetal tem como uma de suas múltiplas funções o papel de
interceptar parte da precipitação (P) pelo armazenamento de água nas copas
arbóreas e/ou arbustivas (Ac), de onde é perdida para a atmosfera por
evapotranspiração (Et) durante e após as chuvas. Quando a chuva excede a
demanda da vegetação, a água atinge o solo por meio das copas
(atravessamento, At), e do escoamento pelos troncos (fluxo no tronco, Ft). Uma
outra parte da chuva e armazenada na porção extrema superior do solo que
comporta os detritos orgânicos que caem da vegetação (folhas, galhos, semente
e flores) e é denominada serrapilheira (As).” (Figura 17)
Além da erosão acelerada, outros problemas também evidenciam-se ao longo da área
escolhida para o desenvolvimento dessa pesquisa, a saber:
O desgaste prematuro dos solos em função da intensificação dos cultivos sem a devida
preocupação com o descanso necessário à recomposição das perdas provocadas pela própria
dinâmica agrícola (a rotação de culturas, por exemplo, já não é praticada há várias décadas);
O uso abusivo de produtos químicos nas lavouras contribui para alterar a composição original
dos solos, com graves conseqüências para a saúde dos organismos;
228
As queimadas realizadas no momento anterior ao corte da cana-de-açúcar, visando facilitar a
ação dos trabalhadores, também apresentam sérios riscos à esterilização dos solos. Com a ação
do fogo estes vão ficando mais secos, mais rígidos, mais pobres em nutrientes de origem
orgânica e com menor capacidade de armazenar água;
O processo de assoreamento dos cursos d’água devido ao transporte de sedimentos realizado
pelo vento e pela ação das águas durante os eventos chuvosos, etc.
FIGURA 17 – A INTERCEPTAÇÃO DAS CHUVAS PELA
VEGETAÇÃO
Precipitação (P)
Et
Ac
At
Ft
Ft
Serrapilheira (As)
Cursos d’água
Fonte: Adaptada de:
COELHO NETTO, Ana Luiza. Hidrologia de Encosta na Interface com a
Geomorfologia. In: TEIXEIRA GUERRA, Antonio José e CUNHA,
Sandra Baptista da (Organizadores). Geomorfologia: uma atualização de
bases e conceitos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2ª edição, 1995, p. 106.
Destarte, o processo de empobrecimento e destruição dos solos tem o poder de repercutir
na qualidade de vida das populações, haja vista a sua importância. Hoje, graças aos movimentos
em defesa do meio ambiente, o homem tem se perguntado até que ponto ele pode manipular os
solos, seja para o desenvolvimento de atividades agropastoris, industriais, comerciais ou
residenciais. Ele sabe, mais do que nunca, que os investimentos visando a sua conservação são
relativamente baratos e que os custos necessários à recuperação de áreas com solos degradados são
extremamente elevados e, em alguns casos, inviáveis devido ao estado de destruição que os
mesmos se encontram.
229
5.3 AS TERRAS INDÍGENAS POTIGUARAS E O PAPEL DA FUNAI
Em março de 2006, as terras destinadas à população indígena do Brasil representavam
pouco mais de 12% do total das terras existentes no país. Ou seja, das 607 terras indígenas
relacionadas naquele ano, 396 estavam regularizadas (65,24%), 123 encontravam-se em estudo
(20,26%), 32 haviam sido declaradas (5,27%), 31 estavam delimitadas (5,11%) e apenas 25 haviam
sido demarcadas/homologadas (4,12%) (BRASIL, 2006-b).
Através desses e de outros indicadores sociais é possível perceber o descaso do governo
federal no que se refere ao problema fundiário no país: expropriação de índios, posseiros e
pequenos trabalhadores; elevado grau de concentração da terra, sendo esta utilizada em muitos
casos como reserva de valor (terra para especulação); aumento do número de conflitos entre
trabalhadores e proprietários; intensificação das migrações de pessoas rumo às cidades, etc.
O Estado da Paraíba apresenta apenas 3 terras indígenas, todas localizadas na microrregião
do Litoral Norte. Dentre elas, 2 estão regularizadas, ou seja, com registro no Cartório de Registro
de Imóveis e na Secretaria de Patrimônio da União (Terra Indígena Potiguara e Terra Indígena
Jacaré de São Domingos) e 1 encontra-se delimitada, ou seja, com os limites aprovados pela
Fundação Nacional do Índio (Terra Indígena Potiguara de Monte Mor).
Essas terras estendem-se pelos municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto,
totalizando pouco mais de 21 mil hectares e abrigando 12.082 índios espalhados por 30 aldeias. A
Terra Indígena Potiguara é a maior de todas, com 24 aldeias e 7.835 índios, seguida pela Terra
Indígena Potiguara de Monte Mor, com 5 aldeias e 3.804 índios e pela Terra Indígena Jacaré de
São Domingos, com apenas 1 aldeia e 443 habitantes (Quadro 18).
Detentores de uma cultura milenar, hoje bastante descaracterizada, o povo Potiguara vem
sofrendo ao longo dos tempos com a invasão dos seus territórios pelas mais variadas atividades
econômicas: exploração de madeira, avanço dos campos de criação de gado, desenvolvimento da
monocultura da cana-de-açúcar, criação de camarão, expansão urbana, etc. Esses fenômenos sócioespaciais foram e/ou são responsáveis por uma série de problemas e conflitos, a saber:
a) O Processo de Expropriação da Terra
A partir da segunda década do século XX, após a instalação da Companhia de Tecidos Rio
Tinto (CTRT), muitos índios da Terra Indígena de Monte Mor tiveram que deixar as suas aldeias
em função do avanço dos empreendimentos do poderoso Coronel Frederico João Lundgren. Na
ocasião, o imenso território Potiguara passou a ser ocupado com plantações de eucalipto que
tinham como destino o abastecimento do complexo industrial.
Ao analisar as contradições existentes nesse período, MARQUES (2009, p. 116) destacou
que:
230
“Durante anos os indígenas da aldeia Monte-Mór pagavam aluguéis a
CTRT. No início do processo de retomada dos territórios tradicionais do grupo,
todos os sábados o grupo dançava o toré como forma de afirmar e reivindicar
seu direito a terra. Após algumas reivindicações e pressões na sede da FUNAI,
o grupo fez com que a mesma deixasse de pagar os aluguéis a companhia. Na
verdade, a FUNAI pagava aluguéis para que os indígenas morassem e
utilizassem um território tradicionalmente ocupado por eles.”
O fechamento da Companhia de Tecidos Rio Tinto, no final da década de 1980, não
representou grande conquista para os índios Potiguaras, uma vez que as suas terras novamente
foram ocupadas por outros grupos econômicos que tinham interesse em expandir a cultura da canade-açúcar na região, a exemplo da Destilaria Miriri e da Japungu Agroindustrial. Com efeito, a
partir do PROÁLCOOL uma nova fase de violência verificou-se em todo o Litoral da Paraíba,
momento em que os pequenos produtores, posseiros e índios começaram a se organizar para lutar
contra a invasão dos seus territórios.
Um episódio histórico relevante aconteceu no ano de 2008, após vários anos de luta do
povo Potiguara contra as invasões das suas terras pelos canaviais das usinas. A retomada do
território da aldeia Três Rios, localizada no interior da Terra Indígena de Monte Mor, município de
Marcação, representou a força, a união e a esperança desse grupo étnico, conforme relatou a
geógrafa Amanda Christinne MARQUES (op. Cit., p. 187-188) em sua pesquisa de Mestrado:
A marcha “de 18 de janeiro de 2008, por se tratar de um momento muito
especial para o grupo, sintetizou toda uma trajetória de luta, pois foi uma
comemoração do reconhecimento do território indígena de Monte-Mór, que
durante anos se tornou um campo de forças entre indígenas e usineiros. (...)
Durante o percurso, observamos o verde da cana-de-açúcar nas duas
extremidades da rodovia, cultura que, segundo uma liderança Potiguara, “para
uns significa vida, e para outros, sangue”. A cana como vida é anunciada pelos
usineiros que detêm por arrendamento ou saque, grande parte das terras dos
Potiguara. Os índios Potiguara da aldeia Três Rios veem a cana como sangue,
pois dizem que foi por causa da expansão dessa monocultura em seus
territórios que seu povo foi expropriado, morto e intimidado a não se
reconhecer como grupo social etnicamente diferenciado. Segundo uma
liderança Potiguara, durante muitos anos seu pai e seus familiares trabalharam
no corte da cana por não terem alternativa de sobrevivência.”
Vale ressaltar que a luta dos índios em defesa dos seus direitos e, sobretudo, pela
demarcação das suas terras começou a ganhar visibilidade no início da década de 1970, quando foi
sancionada a Lei Federal n° 6.001, de 19 de dezembro de 1973 (Estatuto do Índio). Em seu Artigo
2, afirma que compete à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das
respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, zelar pela proteção das
comunidades indígenas e pela preservação dos seus direitos. Para tanto, é preciso:
231
Assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência;
Garantir aos índios a permanência voluntária no seu habitat, proporcionando-lhes ali recursos
para seu desenvolvimento e progresso;
Respeitar, no processo de integração do índio à comunhão nacional, a coesão das comunidades
indígenas, os seus valores culturais, tradições, usos e costumes;
Garantir aos índios e comunidades indígenas, nos termos da Constituição, a posse permanente
das terras que habitam, reconhecendo-lhes o direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais
e de todas as utilidades naquelas terras existentes (BRASIL, 2010-b, p. 1).
Atualmente ainda podem ser observadas grandes plantações de cana-de-açúcar no interior
das Terras Indígenas Potiguaras, fato que contradiz a legislação supracitada em vários aspectos.
Esse fato contribui para a degradação do meio ambiente, com fortes repercussões sobre o modo de
vida dessa população.
QUADRO 18 – CARACTERÍSTICAS DAS TERRAS INDÍGENAS POTIGUARAS
(MUNICÍPIOS ABRANGIDOS, TOTAL DE ALDEIAS E POPULAÇÃO RECENSEADA)
Terras Indígenas
Potiguara
Jacaré de São Domingos
Potiguara de Monte Mor
Total
Municípios
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Baía da Traição
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Rio Tinto
Rio Tinto
Marcação
Marcação
Marcação
Marcação
Rio Tinto
Rio Tinto
3
Aldeias
População*
504
Forte
606
Galego
913
São Francisco
290
Cumarú
61
Lagoa do Mato
161
Tracoeira
209
Santa Rita
205
Laranjeira
910
São Miguel
323
Akajutibiró
45
Bento
207
Silva
294
Brejinho
341
Caieira
519
Camurupim
113
Carneira
366
Estiva Velha
216
Jacaré de César
432
Tramataia
387
Vau
263
Grupiuna
50
Grupiuna de Cima
367
Silva do Belém
53
Boréu
443
Jacaré de São Domingos
442
Lagoa Grande
858
Três Rios
112
Ybykuara
1.320
Monte Mor
1.072
Jaraguá
30
12.082
* Os dados populacionais são de 2009.
Fonte: Elaborado a partir das pesquisas de gabinete:
Consulta aos Arquivos da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2009) e da Fundação
Nacional do Índio (FUNAI, 2005).
232
b) As Condições de Vida no Interior das Aldeias
De uma maneira geral, as condições de vida no interior das aldeias são bastante precárias,
fato comprovado através de alguns indicadores sociais, bem como através das pesquisas em
campo.
Inúmeros índios ainda tentam preservar as suas tradições e por isso sobrevivem da caça, da
criação de pequenos animais (galinhas e porcos) e do cultivo de roçados, onde são produzidos
milho, feijão, batata, frutas e, sobretudo, mandioca. Essas atividades destinam-se quase que
exclusivamente ao auto-consumo em função da ausência de excedentes.
Segundo depoimento da índia Maria da Silva, 68 anos, moradora da aldeia Galego,
município de Baía da Traição, o roçado faz parte da vida dos Potiguaras, pois é através da terra que
eles conseguem garantir parte do sustento das famílias (Fotos 45 e 46). Entretanto, a baixa
produtividade da lavoura contribui para agravar o estado nutricional dessas pessoas, sobretudo dos
idosos e das crianças33.
Além das atividades já referidas, os Potiguaras praticam também a pesca artesanal nos rios
e riachos que cortam as suas terras, bem como nas águas do mar. Vale ressaltar que a pesca
realizada no mar e no estuário do rio Mamanguape apresenta uma produtividade mais elevada
devido à ocorrência de grande número de espécies, dentre as quais se destacam: camarão, cioba,
serra, bagre, tainha, garajuba, atum, camurupim, sardinha, lagosta, caranguejo e ostra (Foto 47).
Uma parte dessa produção é utilizada para complementar a alimentação das famílias,
enquanto a outra destina-se ao mercado consumidor local (feiras-livres dos municípios de Baía da
Traição, Rio Tinto e Mamanguape) e regional (caso de algumas espécies que são exportadas para
outros Estados).
Conforme já foi discutido na seção anterior, a quantidade de pescado vem demonstrando
sinais de queda nos últimos anos, motivada pela degradação dos recursos naturais existentes nessa
região. Estudo realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBIO), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 12 municípios do Litoral
da Paraíba mostrou que a quantidade de pescado caiu em pelo menos metade deles. A Tabela 10,
exposta a seguir, destaca os três municípios do Baixo Mamanguape onde a produção pesqueira
sempre foi considerada uma atividade econômica importante. Com efeito, entre os anos de 1999 e
2005 o município de Rio Tinto registrou uma queda de 49,71%, passando de 50,7 para 25,5
toneladas. No município de Baía da Traição a redução foi da ordem de 44,81%, passando de 161,6
para 89,2 toneladas; e, em Marcação, de 24,70%, passando de 113,4 para 85,4 toneladas.
33
De acordo com o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional Indígena Potiguara, a prevalência de desnutrição
em crianças menores de 1 ano foi de 9,06% (baixa), e em crianças de 1 a 5 anos foi de 24,1% (alta), segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS). Implantado no ano de 2004 em três pólos-base – Baía da Traição, Marcação e
Rio Tinto, esse sistema acompanha crianças menores de 5 anos, gestantes, hipertensos e diabéticos através de
avaliações antropométricas, consultas, visitas e distribuição de cestas básicas e do leite não-humano (MONTEIRO et
al., 2006).
233
TABELA 10 – PRODUÇÃO PESQUEIRA NA REGIÃO DO BAIXO
MAMANGUAPE (EM TONELADAS)
Municípios
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação
Rio Tinto
1999
161,6
--113,4
50,7
2005
89,2
--85,4
25,5
Fonte: Elaborada com base em:
ICMBIO. Boletim da Estatística da Pesca Marítima e Estuarina do
Nordeste do Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 1999 e 2005.
No que se refere ao aspecto educacional, um levantamento feito pela FUNAI e FUNASA no
ano de 2009 apontou 685 alunos matriculados na Educação Infantil, 2.875 no Ensino Fundamental,
180 no Ensino Médio e apenas 48 no Ensino Superior (dados obtidos a partir da pesquisa de
gabinete realizada nos órgãos supracitados). A grande redução do número de alunos matriculados
no Ensino Médio denuncia o elevado índice de evasão escolar.
Ainda de acordo com esse levantamento, foram identificadas 31 escolas, sendo 7 estaduais
e 24 municipais, totalizando 272 professores, a grande maioria formada por membros da própria
comunidade (217 professores indígenas). Algumas dessas escolas apresentam boas instalações
físicas, a exemplo da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e Médio Akajutibiró,
localizada na aldeia de mesmo nome, e da Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental e
Médio Pedro Poti, localizada na aldeia São Francisco. Outras funcionam de maneira precária,
como é o caso da Escola Municipal Indígena de Ensino Fundamental Deputado Eduardo Ferreira,
localizada na Aldeia Caieira (Foto 48).
A baixa escolaridade verificada entre essa população repercute diretamente nas condições
de trabalho, uma vez que muito índios acabam se inserindo em atividades temporárias, mal
remuneradas e muitas vezes exaustivas, como é o caso dos cortadores de cana-de-açúcar. Além do
trabalho nos canaviais, foi possível constatar a presença de índios trabalhando em restaurantes,
pousadas, pequenas lojas comerciais e casas de veranistas (zeladores e vigias). Outros tentam
ganhar a vida fazendo pequenos serviços (mototaxistas, pintores, encanadores, pedreiros,
eletricistas, etc.).
Todas as 30 aldeias administradas pela FUNAI possuem postos ou centros de saúde para
atendimento de pequenas ocorrências. Sendo assim, nos casos mais complexos os pacientes são
removidos para Rio Tinto, Mamanguape ou até mesmo para João Pessoa, uma vez que os
municípios de Baía da Traição e Marcação não dispõem de nenhum leito hospitalar. Segundo a
Sra. Maria Zélia, Coordenadora Técnica do Setor de Saúde Indígena da FUNASA, vários hospitais
de João Pessoa firmaram parceria com o órgão a fim de assegurar aos índios o acesso a serviços
médicos mais sofisticados (realização de exames, internações para tratamento de doenças crônicas,
cirurgias em geral, etc.).
234
As péssimas condições de habitação e higiene são bastante visíveis em quase todas as
aldeias, fato agravado em função do empobrecimento dessa população. Normalmente os índios
constroem suas humildes casas com paredes revestidas de taipa (mistura de barro com pequenas
lascas de madeira) e tetos cobertos com telhas de cerâmica e/ou palhas de coqueiro, planta
abundante na região (Foto 49). Apesar de contarem com serviço de abastecimento de água tratada
da rede de distribuição (cerca de 71%), poucas são as casas que possuem esgoto ligado à rede
geral.
Os dados estatísticos apresentados na Tabela 11 demonstram que apesar dos progressos
observados nos últimos 20 anos, os municípios que compõem a região objeto dessa pesquisa ainda
exibem graves problemas sociais (torna-se oportuno salientar que a maior parte dos habitantes dos
municípios de Baía da Traição e Marcação é formada por índios Potiguaras).
TABELA 11 – REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE: ALGUNS INDICADORES SOCIAIS (2000)
Municípios/Estado
Alguns Indicadores Sociais Baía da Traição Mamanguape
Marcação
Esperança de Vida ao Nascer
61,4
58,3
57,8
(anos)
55,7
69,0
71,2
Mortalidade Infantil (‰)
72,5
99,3
52,7
Renda Per Capita Média (R$)
71,6
65,2
79,9
Proporção de Pobres (%)*
Índice de Desenvolvimento
0,594
0,581
0,526
Humano
Rio Tinto
Paraíba
58,3
63,2
69,0
97,3
60,3
51,5
150,2
55,3
0,603
0,661
* Proporção de pessoas com renda per capita inferior a R$ 75,50, equivalente a metade do salário mínimo vigente em agosto de 2000.
Fonte: Adaptada de:
PNUD, 2003, apud RODRIGUES, Izilda A. (et al.). Perfis Social, Econômico e Ecológico da Área de Influência da
APA da Barra do Rio Mamanguape (PB). In: IBAMA/EMBRAPA. Avaliação de Impactos Ambientais para Gestão da
APA da Barra do Rio Mamanguape/PB. João Pessoa, 2005, p. 52.
Em relação ao item esperança de vida ao nascer (expectativa de vida medida em anos), os
4 municípios da região apresentaram uma média inferior ao verificado para o Estado da Paraíba,
que foi de 63,2 anos (dados de 2000). Enquanto Baía da Traição exibiu a melhor média da região
(61,4 anos), Marcação obteve o pior resultado (57,8 anos).
Quando foi analisado o item mortalidade infantil, percebeu-se novamente que apenas o
município de Baía da Traição aproximou-se da média do Estado, que foi de 51,5 crianças mortas
para cada grupo de 1000 nascidas vivas. Nos demais municípios a taxa de mortalidade foi bastante
elevada (superior a 68‰).
No que se refere ao indicador renda per capita média, todos os municípios demonstraram
valores bem abaixo do salário mínimo vigente no país naquela ocasião (R$ 151,00). Novamente
Marcação destacou-se como o município que apresentou a pior renda (apenas R$ 52,7) e a maior
proporção de pobres entre a população (cerca de 80%). Com efeito, os municípios que obtiveram a
melhor renda per capita (Mamanguape e Rio Tinto) registraram a menor proporção de pobres da
região em destaque. No entanto, quando se estabelece uma comparação entre a Zona da Mata
235
Paraibana com outras mesorregiões do Estado (Agreste e Sertão, por exemplo), percebe-se
claramente que a proporção de pobres na população destas últimas é bem inferior ao observado na
primeira. Em outras palavras, a Zona da Mata é de longe a mais populosa, a que concentra a maior
riqueza e a que abriga a maior pobreza.
Por fim, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado a partir da combinação de
três indicadores – renda, longevidade e educação, revelou uma grande discrepância em relação ao
valor obtido pelo Estado (0,661). Dos quatro municípios em questão, apenas Rio Tinto ultrapassou
a marca de 0,600, ficando Marcação em último lugar com 0,526.
Foto 45 (centro) – Dona Maria da Silva, índia de 68 anos que reside em uma humilde casa na aldeia Galego (Baía da Traição).
Foto 46 (canto superior esquerdo) – Aspecto de um pequeno roçado para cultivo da mandioca.
Interior da Terra Indígena Potiguara, município de Baía da Traição.
Foto 47 (canto superior direito) – A pesca é considerada uma importante fonte de sobrevivência para os índios Potiguaras.
Ponto de venda localizado na sede municipal de Baía da Traição.
Foto 48 (canto inferior esquerdo) – Pequena escola municipal localizada na aldeia Caieira, município de Marcação.
Foto 49 (canto inferior direito) – Aspecto de uma pequena casa de pau-a-pique (taipa) com cobertura de telha de cerâmica.
Aldeia Potiguara Caieira, município de Marcação.
Fotos e arquivo: Fábio Dantas da Costa (março/2010)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo da organização espacial da região do baixo curso do rio Mamanguape representou
um grande desafio para a pesquisa em questão, uma vez que se trata de uma área que apresenta
diversas particularidades naturais (clima, solos, cobertura vegetal, recursos hídricos, geologia,
compartimentos geomorfológicos) e sociais (multiplicidade de atividades econômicas de uso da
terra). Neste último caso, pode-se afirmar ainda que a coexistência de grandes propriedades
monocultoras, de terras indígenas, de áreas de proteção ambiental e de um aglomerado urbano
onde se desenvolveu uma importante atividade industrial, faz com que esse vale se diferencie de
outros vales úmidos do Litoral Oriental do Nordeste, a exemplo dos rios Potengi e Ceará-Mirim
(Rio Grande do Norte), Camaratuba, Miriri e Paraíba do Norte (Paraíba), Goiana, Capibaribe, Una
e Ipojuca (Pernambuco), Mundaú, Coruripe, Paraíba do Meio e Jiquiá (Alagoas), entre outros.
O presente trabalho de tese se propôs a construir uma TIPOLOGIA DE FASES DA
DINÂMICA REGIONAL NO BAIXO MAMANGUAPE, como indicado nos objetivos. Para isto,
portanto, foi preciso ao longo da pesquisa responder a algumas questões, como as seguintes:
Qual o papel que a região do Baixo Mamanguape desempenhou no passado, em termos de
poder político e econômico?
Quais as atividades econômicas que foram responsáveis pela organização do espaço ao longo
dos séculos?
Quais os fatores endógenos e exógenos responsáveis pela estagnação econômica da região em
tela, e quais as conseqüências sociais, políticas e demográficas resultantes desse processo?
Quais os principais impactos ambientais decorrentes das formas de ocupação e uso do solo?
Qual a importância dos agentes públicos no trabalho de reordenamento espacial, ou seja, na
criação de áreas institucionalizadas (reservas do patrimônio ambiental e terras indígenas)?
Quais as relações estabelecidas entre essa região e as demais áreas do Estado da Paraíba, da
região Nordeste e do Brasil como um todo?
É possível falar de uma “velha região”, quando nos referimos ao Baixo Mamanguape? Ou será
que esse fenômeno geográfico é apenas algo aparente?
Baseado na literatura e na iconografia existentes; nos dados estatísticos fornecidos pelo
IBGE (Censos Demográficos e Econômicos), FUNAI e FUNASA; nas informações obtidas a partir
do levantamento cartográfico e também nos depoimentos colhidos nos trabalhos de campo,
pretendeu-se construir uma tipologia capaz de explicar a dinâmica da região em foco. Não
obstante, o entendimento dessa dinâmica passa, inevitavelmente, pela compreensão dos fenômenos
espaciais responsáveis pela ligação dessa área com os mercados externos (articulação entre o local
e o global).
237
De acordo com CASTELLS (2009, p. 35), para ler e interpretar esta história, para descobrir
suas leis de estruturação e de transformação, é necessário decompor, pela análise teórica, o que é
dado numa síntese prática. Contudo, é importante fixar os contornos históricos desses fenômenos,
antes mesmo de efetuar sua investigação.
Partindo dessas considerações, levantamos a seguinte hipótese:
A história das chamadas relações entre sociedade e natureza é, em quase todos os lugares
habitados, a da substituição de um meio natural, dado a uma determinada sociedade, por um meio
cada vez mais artificializado, isto é, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade
(SANTOS, 1997, p. 186). Especificamente falando, na região do Baixo Mamanguape foi possível
construir uma tipologia baseada em 6 (seis) fases. São elas:
Fase 1: O Litoral era habitado por grupos indígenas tradicionais (Tabajaras e Potiguaras)
Antes da chegada dos colonizadores nas terras paraibanas, dezenas de grupos nativos seminômades viviam espalhados pelo Litoral, onde praticavam o extrativismo (caça, pesca, coleta) e a
agricultura de subsistência (roçado). Por não apresentarem recursos técnicos sofisticados suas
ações eram bastante limitadas, de modo que pouco contribuíam para a transformação do espaço
circundante. Além disso, havia entre eles uma relação de profunda reverência diante da natureza,
conforme aponta SANTOS (1997, p. 188): a harmonia socioespacial estabelecida era, desse modo,
respeitosa da natureza herdada, no processo de criação de uma nova natureza. Produzindo-a, a
sociedade criava também uma série de comportamentos e regras, cuja razão maior era a
preservação e a continuidade do meio de vida. Ainda sobre esse aspecto, TUAN (1980, p. 72-73)
acrescenta que os povos nativos desenvolviam atitudes complexas derivadas da imersão que
faziam na totalidade de seu ambiente. Essas atitudes podiam ser expressas através do
comportamento, da tradição local, do conhecimento e do mito, e eram responsáveis pela
sacralização do espaço (natureza como dádiva). Toda essa reciprocidade, no entanto, passou a ser
rompida com a chegada dos povos alóctones.
Fase 2: O Litoral passou a ser visto como importante reserva de matérias-primas
No final do século XVI o baixo vale do rio Mamanguape despertou a cobiça dos franceses,
interessados na coleta do pau-brasil (Caesalpinia echinata). Essa exploração, no dizer de
ANDRADE (1957-b, p. 25-26), teve como ponto de partida a praia de Baía da Traição, situada entre as
desembocaduras dos rios Mamanguape (ao sul) e Camaratuba (ao norte). Além disso, ela foi realizada
desenfreadamente, com caráter de verdadeira devastação, provocando o esgotamento da madeira
nas poucas matas litorâneas que circunscreviam os vales dos rios. Em virtude dessas características
não houve por parte dos franceses e, logo depois, dos portugueses a ocupação do solo, mas apenas
a sua exploração de modo itinerante. Nesse momento é possível perceber que a região não existia
238
enquanto fração do espaço organizado, uma vez que o colonizador não havia instalado o seu
“aparelho de exploração” (ANDRADE, 1979, p. 12).
Fase 3: A Região do Baixo Mamanguape foi forjada com base nas atividades econômicas
introduzidas pelos colonizadores (a cana-de-açúcar e a pecuária extensiva)
O Baixo Mamanguape como forma regional geográfica (região de especulação, no dizer
Bernardo Kayser) resultou, a princípio, da montagem de uma estrutura espacial produtiva no
contexto colonial exportador do açúcar. A gravitação da cana-de-açúcar em torno dos solos de
aluvião dos vales e a concentração produtiva e demográfica resultante produziram uma
denominação regional com base no próprio curso d’água, o rio. Este exerceu importante papel no
transporte da produção (cabotagem), de sorte que se pôde verificar uma estreita vinculação entre os
assentamentos humanos (cluster econômico e demográfico) e a rede de drenagem, à época.
Vale lembrar que durante essa fase a cana-de-açúcar não constituía a atividade econômica
dominante no baixo vale, uma vez que dividia espaço com outras culturas agrícolas (notadamente
o algodão e a mandioca) e com a pecuária bovina, atividades que ocupavam as superfícies arenosas
dos tabuleiros costeiros e eram responsáveis pelo fornecimento de animais de tiro (animais de
tração) para as atividades rurais e de alimentos para os habitantes dos engenhos e das cidades
litorâneas que não paravam de crescer.
Fase 4: A crise política e econômica, o progresso técnico e a nova dinâmica regional
A inauguração da estrada de ferro ligando a capital ao interior da Província da Paraíba no
ano de 1883, concorreu para a progressiva desarticulação do porto de Salema, localizado na cidade
de Mamanguape. Esse fato teve repercussões negativas sobre toda a região do baixo vale,
provocando a estagnação política e econômica da cidade supracitada uma vez que toda a produção
dos municípios localizados no Agreste setentrional era escoada por via fluvial.
Por outro lado, o final do século XIX e início do XX vão marcar a fase do desenvolvimento
industrial, fato que contribuiu para que a região do Baixo Mamanguape recuperasse um pouco do
prestígio que manteve durante vários séculos. Em primeiro lugar, a cana-de-açúcar tornou-se a
principal atividade econômica do médio e do baixo vale, inaugurando a substituição dos bangüês
pelos engenhos movidos a vapor. Com efeito, mesmo contando com grandes progressos técnicos o
rio ainda determinava a localização dessas unidades produtivas, conforme destacou Mário Lacerda
de MELO (1958, p. 98):
“A rêde hidrográfica, além da função de criadora das várzeas e
mantenedora de sua fertilidade, criaria os sítios mais apropriados para a
localização das inúmeras unidades industriais rurais que a agricultura
canavieira necessàriamente acarreta. A vegetação de mata, além de sua
contribuição para a formação dos solos, iria suprir de combustível essa
239
indústria e de madeira o conjunto inteiro das instalações humanas criadas em
função da cana e do açúcar.”
Em segundo lugar, verificou-se o advento do ciclo têxtil, representado pela inauguração da
Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) no ano de 1924, empresa pertencente à poderosa família
Lundgren. Esse ciclo, na verdade, reforçou o cluster econômico e demográfico que atravessou as
décadas até a crise agrária e regional dos decênios 1950/1960, ocasião em que a região se
transformou novamente em uma zona de emigração, em uma região deprimida no dizer de
JOHNSTON et al. (1987, p. 357), motivada também pelo processo de urbanização/industrialização
que acabara de se consolidar no Brasil Meridional.
Fase 5: A expansão recente da cultura da cana-de-açúcar e os seus impactos sobre a região
A partir de meados da década de 1970, o Programa Nacional do Álcool (PROÁLCOOL)
iniciou a valorização econômica dos tabuleiros costeiros e subcosteiros graças aos aprimoramentos
das tecnologias de produção, cujos efeitos vão ser percebidos na paisagem natural (degradação da
cobertura vegetal original, extinção das espécies animais, poluição dos recursos hídricos,
contaminação e erosão acelerada dos solos, etc.) e nas relações sociais (expropriação dos pequenos
produtores, índios e posseiros, concentração da terra e da renda, aumento do número de conflitos,
crescimento das periferias das cidades devido ao movimento migratório, etc.). Vale salientar que
nesse mesmo período o ciclo têxtil começou a mostrar sinais de esgotamento, até que culminou
com o seu fechamento no final da década de 1980. Entretanto, o assentamento permaneceu por
inércia, como zona de emigração, e as cidades do baixo vale transformam-se lentamente em locais
de fraca disseminação das atividades terciárias – pequeno comércio varejista e serviços em geral
(pequenos hotéis e pousadas, restaurantes, bancos, escolas, universidades, hospitais, postos de
saúde, etc.).
Fase 6: A institucionalização de áreas de proteção ambiental
O início da década de 1970 foi marcado também pela criação, por parte dos agentes
públicos, de áreas de proteção permanente (Terras Indígenas Potiguara). Mais tarde, nos
primórdios da década de 1990, foi criada também a Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape, Unidade de Conservação da Natureza classificada na categoria Uso Sustentável dos
Recursos. Esses fatos, na verdade, tiveram como pano de fundo as deliberações tomadas a partir
dos fóruns mundiais em defesa do patrimônio natural e cultural. A Primeira Conferência sobre
Meio Ambiente Humano, realizada na cidade de Estocolmo no ano de 1972, pode ser considerada
um marco histórico nesse processo de mudança de postura diante das questões ambientais.
A análise dessas fases permite-nos um melhor entendimento sobre a dinâmica da
organização espacial na região em apreço. Por isso que elas não devem ser vistas de maneira
240
estática, nem muito menos dissociadas da totalidade que as envolve e as condiciona, conforme
preceitua os fundamentos do método ESTRUTURALISTA. Com base nessa compreensão, talvez
tenhamos condições de responder a um questionamento feito no início do texto, qual seja: é
possível falar de uma “velha região”, quando nos referimos ao Baixo Mamanguape? Ou será que
esse fenômeno geográfico é apenas algo aparente?
Em certa medida, o Baixo Mamanguape representa uma velha região decadente em que a
oligarquia agrária, comercial e industrial já não desfruta do mesmo poder político e econômico de
outrora. Esse fato pode ser constatado quando percorremos as ruas históricas das cidades de
Mamanguape e Rio Tinto, cujos casarões e outras edificações (barracões, instalações fabris,
espaços de lazer, etc.) que ainda restam na paisagem servem apenas de testemunho daquele
passado de esplendor e riqueza. Os elevados índices de desemprego, a presença de uma população
envelhecida nas portas das pequenas residências e a baixa taxa de crescimento demográfico
também denunciam essa situação.
Por outro lado, os acontecimentos ligados aos períodos de expansão da cultura da cana-deaçúcar, à institucionalização de áreas protegidas, à disseminação das práticas de turismo de
veraneio (residências secundárias) e à criação de unidades de ensino da Universidade Federal da
Paraíba (Campus do Litoral Norte) evidenciam as fases mais recentes da dinâmica regional,
oportunidade em que novos agentes sociais, novos conflitos e novos interesses passaram a fazer
parte da realidade desse conjunto territorial denominado Baixo Mamanguape.
Com efeito, a experiência adquirida ao longo dessa pesquisa de tese permitiu que
fizéssemos algumas propostas para amenizar os problemas sociais e ambientais da região. São
elas:
Ampliar a política de reforma agrária com o propósito de diminuir a concentração da renda e da
terra, a pobreza que impera sobre parcela significativa da população e atenuar os efeitos
decorrentes do elevado saldo migratório e da baixa taxa de crescimento demográfico verificado
nas três últimas décadas. Vale ressaltar ainda que o incentivo dado à agricultura familiar
contribui para aumentar a oferta de alimentos destinada à população de baixa renda,
minimizando os efeitos da subnutrição que atinge, sobretudo, as crianças;
Promover melhorias no interior das aldeias em relação à habitação, ao saneamento básico, à
saúde, à educação e à geração de renda. Recuperar as áreas degradadas a partir da retirada das
grandes plantações de cana-de-açúcar e dos viveiros de criação de camarão, ao mesmo tempo
em que estimular as atividades econômicas tradicionais (lavoura de subsistência, criação de
pequenos animais, pesca artesanal, etc.);
Revitalizar a atividade industrial têxtil com base em pequenas e médias unidades de produção,
capazes de absorver expressivo contingente de trabalhadores. Torna-se oportuno destacar que a
241
cidade de Rio Tinto foi originada a partir do desenvolvimento desse segmento industrial, fato
este que reforça a sua vocação no cenário regional;
Incentivar as práticas do turismo sustentável, aproveitando as imensas potencialidades que a
região oferece aos visitantes (patrimônio cultural, arquitetônico e natural) e integrando as
populações tradicionais nesses programas – índios, agricultores, pescadores, antigos moradores
e operários da fábrica de tecidos. Apesar de constituir uma atividade econômica sazonal, o
turismo poderá gerar importante receita para os municípios envolvidos;
Favorecer o desenvolvimento racional da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape, de modo que as populações possam usufruir das riquezas naturais existentes
nesse vasto ecossistema costeiro;
O desenvolvimento dessas propostas deve contar com a participação de vários segmentos:
sociedade civil, organizações não-governamentais, associações de classe, igrejas, partidos
políticos e, sobretudo, dos agentes públicos em suas três instâncias – federal, estadual e
municipal. Esses agentes, por sua vez, devem incentivar a ampliação de linhas de crédito
compatíveis com a realidade local (fomento às atividades produtivas); a criação de
cooperativas de trabalhadores na cidade e no campo; o fornecimento de assistência técnica e de
cursos de formação e qualificação da mão-de-obra; a implantação de projetos de educação e
conscientização ambiental, etc.;
Por fim, torna-se premente a compreensão dos problemas oriundos da superposição de
territórios, uma vez que existem vários recortes espaciais que se interpenetram – as malhas
territoriais municipais (divisões administrativas), as malhas territoriais urbanas (perímetros
urbanos), o imenso território indígena Potiguara e a área de proteção ambiental (APA da Barra
do Rio Mamanguape), dificultando a ação dos respectivos agentes na condução de estratégias
de desenvolvimento sócio-ambiental. No interior dessa Unidade de Conservação, por exemplo,
é possível visualizar a falta de entendimento entre os dois órgãos federais que atuam na região:
o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e a
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Destarte, gostaríamos de finalizar este trabalho de tese citando as sábias palavras de Jean
Dorst, grande naturalista francês e um dos maiores defensores da natureza.
“Poder-se-ia quase dizer, de um modo paradoxal, que o mais urgente
problema colocado hoje em dia pela conservação da natureza é a proteção da
nossa espécie contra ela mesma: o Homo sapiens precisa ser protegido contra o
Homo faber. (...) A luta pela natureza deve realizar-se atualmente em todas as
frentes, mas esta não deve ser preservada contra o homem; no mundo
moderno, deve ser preservada para ele e com ele. A verdadeira solução desse
problema reside num aproveitamento racional, numa utilização sem abusos.”
(DORST, op. Cit., p. 114).
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SOUZA, Celso Gutemberg. Solos – potencialidade agrícola. In: IBGE. Recursos Naturais e Meio Ambiente:
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SOUZA, Danúsia Dias de (et al.). O Nordeste e a Sudene. In: LIMA, Marcos Costa e DAVID, Maurício
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SPÓSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e Urbanização. São Paulo: Contexto, 2001 (Coleção
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TARGINO, Ivan (et al.). Migrações Sazonais e Saúde do Trabalhador. In: Revista do Migrante (Travessia).
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Janeiro: IBGE, Volume 17, nº 1, janeiro a março de 1955.
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VIDAL, Wyviane Carlos Lima. Identificação e Caracterização das Interferências Humanas na Área de
Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, Litoral Norte do Estado da Paraíba, Brasil. João Pessoa,
2000, 132 p. (Dissertação do Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente
– PRODEMA. Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba).
ANEXOS
Anexo 1 – Séries Estatísticas
Região do Baixo Mamanguape
Principais Produtos Agrícolas (Cana-de-açúcar, Mandioca, Feijão e Arroz)
87
4.151
37.685
--350.310
--- Gênero agrícola não cultivado no período
--4.602
--315.328
1996
34
10.223
--5.899
2006
1970
1980
1996
350
11.920
1.216
7.821
6.056
--- Gênero agrícola não cultivado no período
1.284
9.487
4.404
8.262
661
3.303
--1.376
* Município criado em 1994
832
354
1.087
Fontes: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
Convenções: ton. – Toneladas
252
1.841
2.355
11.402
--278
157
608
1.007
1.218
1.425
4.037
256
246
168
710
Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
2006
18.944
446.528
57.777
333.052
A CULTURA DA MANDIOCA NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE (1970, 1980, 1996 e 2006)
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação*
Rio Tinto
Municípios
1.576
271.784
--195.156
* Município criado em 1994
919
--8.288
Fontes: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
Convenções: ton. – Toneladas
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação*
Rio Tinto
Municípios
1980
Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
1970
A CULTURA DA CANA-DE-AÇÚCAR NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE (1970, 1980, 1996 e 2006)
254
455
137
26
41
174
--- Gênero agrícola não cultivado no período
60
1.519
14
512
1996
16
26
48
--39
40
130
---
2006
1980
1996
2006
10
13
51
---
10
31
54
54
68
22
4
82
--------* Município criado em 1994
25
4
95
Fontes: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
--- Gênero agrícola não cultivado no período
13
134
20
81
---------
---------
---------
Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
1970
A CULTURA DO ARROZ NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE (1970, 1980, 1996 e 2006)
Convenções: ton. – Toneladas
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação*
Rio Tinto
Municípios
--* Município criado em 1994
130
132
763
Fontes: Elaborada com base em:
IBGE. Censos Agropecuários da Paraíba. Rio de Janeiro: IBGE, 1970, 1980, 1996 e 2006.
Convenções: ton. – Toneladas
Baía da Traição
Mamanguape
Marcação*
Rio Tinto
Municípios
1980
Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada Quantidade Área Plantada
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
Produz. (ton.)
(hectares)
1970
A CULTURA DO FEIJÃO NA REGIÃO DO BAIXO MAMANGUAPE (1970, 1980, 1996 e 2006)
255
256
Anexo 2 – Artigos de Jornais
Artigo: MP vai investigar aliciamento de índios para crimes (cresce número de assaltos e saques no
vale do Mamanguape).
Jornal Correio da Paraíba, segunda-feira, 07 de julho de 2008 (Caderno Cidades – B1).
Artigo: Poluição reduz caranguejo na PB (só este ano, mais de 3 mil unidades da espécie uçá foram
apreendidas em feiras livres no período de defeso).
Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A13).
Artigo: Pescadores temem pela própria segurança (embarcações sucateadas aumentam os riscos de
acidentes e trabalhadores pensam em abandonar atividade).
Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A14).
Artigo: Projeto será implantado em Mamanguape (Governo Federal investirá US$ 340 mil em recursos
para proteção e recuperação da área de manguezal).
Jornal Correio da Paraíba, domingo, 14 de setembro de 2008 (Caderno Planeta – A15).
257
CORREIO DA PARAÍBA
Planeta
Paraíba ■ Domingo, 14 de setembro de 2008 │A13
258
259
260
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