Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 A PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ESPACIAL NA ABORDAGEM DE MARCELO LOPES DE SOUZA BARRETO, Adriano Albuquerque1 BARROS, Solange de Moraes2 OLIVEIRA JUNIOR, Constantino Ribeiro de3 Introdução O desafio das cidades, antes de qualquer coisa, perpassa pelo problema de compreender as cidades nas suas particularidades e pensar o que se quer delas como projeto urbano-social. Entre essas duas realidades nos últimos dias temos escutado muitas vezes conceitos como desenvolvimento sustentável das cidades, planejamento e gestão urbana, além de acirradas discussões a respeito dos instrumentos do direito urbano nos meios acadêmicos e nas prefeituras. Como referência hoje temos o Estatuto da Cidade e os Planos Diretores que procuram garantir que a apropriação do espaço urbano seja equitativa, ou pelo menos que restrinja indevidas estratégias inviáveis ao bem comum. Mas até que ponto podemos considerar os avanços democráticos em relação às decisões frente ao planejamento e a gestão urbana? Quais são as estratégias de desenvolvimento em pauta nas conferências das cidades? O presente trabalho tem por objetivo avaliar em que medida a perspectiva de desenvolvimento implica em ações positivas ou negativas no que se refere à democratização das cidades. A partir da leitura de desenvolvimento sócio-espacial elaborada por Marcelo Lopes de Souza pretendemos apontar alguns conceitos fundamentais no que se refere a abordagem e a gestão das cidades. Objetivos Explorar aspectos fundamentais da perspectiva sócio-espacial elaborada por Marcelo Lopes de Souza. Avaliar em que medida é possível aplicar a perspectiva sócio-espacial às estratégias democráticas de gestão urbana. Metodologia Este é um trabalho eminentemente teórico onde procuramos pensar a categoria de desenvolvimento sócio-espacial (SOUZA, 2002; SOUZA, 2003) e sua aplicabilidade na gestão das cidades. Resultados e Discussão Marcelo Lopes de Souza alerta que a conceituação do termo “desenvolvimento” contém sérios equívocos enraizados através de discursos ideológicos/políticos (SOUZA, 2002). O desenvolvimento das cidades, para ele, pode ser associado, a primeira vista, ao crescimento horizontal ou vertical das cidades, a modernização urbana, ao embelezamento ou remodelação 1 Mestre em Ciências Sociais Aplicadas UEPG, Licenciado em Geografia UEPG e Acadêmico do Curso de Serviço Social UEPG. 2 Prof. Dra. do Curso de Serviço Social e docente do Programa de Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas a UEPG. Coordenadora do NEPIA (Núcleo de estudos, pesquisas, assessoria e extensão e na área da infância e adolescência). 3 Prof. Dr. do Curso de Educação Física e docente do programa de mestrado em Ciências Sociais Aplicadas UEPG. Faz parte do Grupo de Estudos: Esporte, lazer e sociedade. 78 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 urbana e a diversidade de equipamentos urbanos bem organizados. Pode-se ainda, além disso, ser percebido do ponto de vista econômico, na atração das indústrias e empresas para cidade e o consequente aumento do PIB local (SOUZA, 2003). Mesmo com este olhar, Souza afirma que as aparentes conquistas da cidade não expressam as demais dificuldades geradas por elas, seja em relação aos problemas ambientais, ou mesmo, os problemas sociais urbanos de violência e segregação espacial. Souza a partir deste antagônico processo de uma cidade supostamente desenvolvida questiona: Pode-se chamar “desenvolvimento” uma mudança em que se desconsideram os “efeitos colaterais” em termos sociais e ambientais (SOUZA, 2002)? Sabemos que a resposta é não. Os custos sociais e ambientais de tal “desenvolvimentismo” são desastrosos. Para Souza o termo “desenvolvimento” tem sido usualmente encarado como “desenvolvimento econômico” pouco importando outros problemas sociais e ambientais dada a natureza capitalista do espaço urbano (SOUZA, 2002). Entretanto Souza nos chama à superação desta concepção de “desenvolvimento” como “desenvolvimento econômico” para um desenvolvimento que considera as diferentes dimensões do problema sócio-urbano. Entre elas o sistema político, de valores, os padrões culturais e a organização espacial (SOUZA, 2003). A definição de “desenvolvimento social” parece razoável, pondera Souza. O desenvolvimento social explicita as esferas econômicas, políticas e culturais, mas se mostra insuficiente, segundo ele, por não contemplar a “dimensão espacial da sociedade”, e mesmo quando lembrada torna-se mera “projeção abstrata da dimensão econômica no espaço” (SOUZA, 2003, p. 98,99). Desta forma, a maneira que o espaço urbano é ainda interpretado só poderá gerar mais dissiparidades, pois seu fim último ainda é o lucro através do dito “desenvolvimento urbano”. Para Souza a “organização espacial e as formas espaciais refletem o tipo de sociedade que as produziu, uma vez produzidas, influenciam os processos sociais subsequentes” (SOUZA, 2003, p.99). Quando se trata a questão urbana, sem se pensar o sentido que as projeções materiais podem gerar nas relações sociais, a gestão ou o planejamento urbano só podem ser ineficazes ou ineficientes. Sendo assim, o que deveria se propor para Souza é uma reflexão partir do espaço social e das relações projetadas no espaço para que se possa visualizar as dimensões espaciais qualificando-as e mesmo redimensionando-as para transformá-las, ou seja, não apenas visando transformar o espaço social, “mas a transformação das relações sociais e do espaço social, simultaneamente” (SOUZA, 2003, p. 100). É fundado nesses aspectos que Souza dá um tratamento específico ao desenvolvimento e defende sua concepção de “desenvolvimento sócio-espacial” (SOUZA, 2003, p. 101; SOUZA, 2002, p. 62). Este conceito encerra duas variáveis importantes que, para Souza, podem nortear uma “mudança social positiva” no cotidiano das cidades. A justiça social e a qualidade de vida seriam aspectos fundamentais para qualificar a vida urbana. A qualidade de vida corresponderia “à crescente satisfação das necessidades – tanto básicas quanto não básicas, tanto materiais quanto imateriais – de uma parcela cada vez maior da população”. A justiça social evidenciaria a nossa capacidade de “conciliar poderosamente o respeito à alteridade com a exigência de igualdade” (SOUZA, 2002, p. 64). Isto só é possível, segundo Souza, se repensarmos a concepção de autonomia individual e a concepção autonomia coletiva. Sendo que cada uma destas concepções teria um papel importante a cumprir numa sociedade que visa a democracia como sistema político não apenas formal. A autonomia individual só é possível se o indivíduo for capaz de estabelecer metas para si próprio de forma lúcida e na medida em que for capaz de refletir criticamente sobre informações de que dispõe em fontes confiáveis e a autonomia coletiva “depreende não só de instituições sociais capazes de garantir justiça, liberdade e possibilidade de pensamento crítico [...], mas também a constante formação de indivíduos lúcidos e críticos, dispostos a encarnar e a defender essas instituições (SOUZA, 2002, p. 64,65). Na realidade a qualidade de vida e a justiça social são vistas por Souza como subordinadas a autonomia individual e a autonomia coletiva, ou seja, mesmo que se possa ter ganhos em qualidade de vida e justiça social se esses ganhos não forem fruto de decisões democráticas não se pode falar em sociedade autônoma. Isso não quer dizer, como bem 79 Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2012. ISSN 2317-9759 justifica Souza, que a justiça social e a qualidade de vida sejam submissas as autonomias individuais e coletivas. A relação entre a justiça social a autonomia pode ser vista com mais facilidade, mas entre a qualidade de vida e a autonomia não se garante que as decisões políticas serão acertadas. Até porque, diz Souza, “na presença de uma heteronomia significativa no plano coletivo, será frequente a manipulação imbecilizante dos sentimentos de satisfação individual, como ocorre nas sociedades de consumo contemporâneas” (SOUZA, 2002, p. 66). Por fim ainda é necessário sintetizar como Souza percebe o processo de gestão e o olhar objetivo das categorias expostas acima. Se bem entendido o desenvolvimento sócio-espacial é necessário frisar que os ganhos em níveis de justiça social e qualidade de vida, além de percorrerem um processo democrático de decisões em uma sociedade autônoma, colocam-nos agora a necessidade de planejar. Planejar não só possíveis propostas de interventivas, intuindo resolver as demandas urbanas, mas através do planejamento e da gestão urbana construir e reconstruir nossos aportes teóricos considerando os atores sociais como sujeitos capazes de participar das decisões políticas públicas. Para que isso se torne realidade Souza entende que nossos parâmetros de autonomia individual e coletiva devem ser complementados por parâmetros subordinados particulares, visto que a justiça social e a qualidade de vida não passam de conceitos abstratos se não contextualizados. Souza qualifica estes parâmetros subordinados particulares com exemplos específicos a cada parâmetro subordinado geral. A justiça social pode ser associada níveis de segregação espacial, condições sócio-econômicas e níveis de participação da população em geral. A qualidade de vida, por sua vez, pode ser associada a satisfação individual em torno de serviços de saúde, educação e aqueles relativos à moradia (SOUZA, 2002, p.67). Para atingir as especificidades dos parâmetros subordinados particulares Souza propõe adaptações singularizantes que darão conta de compreender no espaço e no tempo a situação concreta. É aí que a atuação profissional tem o dever de contribuir para gestão democrática em um desenvolvimento sócio-espacial. Cabe “aos próprios indivíduos/cidadãos envolvidos no planejamento ou na gestão em um determinado espaço e tempo” controlar o processo de construção e reconstrução dos desafios sócio-espaciais (SOUZA, 2002, p.68). Aos profissionais envolvidos, apreender o universo de expectativas, quanto as demandas é um exercício cotidiano. Para isso são importantes as pesquisas de campo, os indicadores sociais e demais instrumentos empíricos construídos com o objetivo de captar “a intersubjetividade dos atores sociais” (SOUZA, 2002, p.60). Referências: SOUZA, Marcelo Lopes de. ABC do desenvolvimento urbano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 80