HISTÓRIAS DE UM LEQUE MÁGICO Rosário Alçada Araújo Ilustrações de Carla Nazareth I Trouxe-lhe o pai de uma longa viagem ao Oriente. Antes de partir, sentara a Marta nos joelhos para conversar. – E onde fica o Oriente? – Fica do outro lado do mundo. Nessa noite, quando entrou no quarto, a Marta espreitou o céu e o que podia ver do Universo, tentando imaginar como era viajar até à terra que ia ter a sorte de receber o seu pai. «Deve ser assim...», magicava ela, «... quando eu digo “do outro lado da rua”, estou a pensar na rua que existe depois de atravessar a estrada; se vou ao encontro das minhas amigas “do outro lado do pátio”, corro pelo pátio...» E a Marta ficava a pensar se o avião que levava o pai até ao outro lado do mundo furava as nuvens sem sequer pedir licença.«Só espero que não magoe as estrelas», dizia para si mesma, com as mãos e o queixo apoiados no parapeito da janela. E terá sido essa noite e todas as que se seguiram até o pai regressar – em que a Marta se punha à janela a pensar em lugares distantes, com pessoas de outras raças, com roupas diferentes das suas e modos de falar que desconhecia – que tornaram aquele presente ainda mais misterioso: no dia em que chegou do Oriente, juntamente com um abraço tão grande como as saudades que a Marta sentia, o pai ofereceu-lhe um leque. A Marta sabia o que era um leque. Costumava ver a avó com leques na mão, a abanar-se nas tardes de verão, enquanto tomava chá com as outras senhoras. Só que nunca tinha visto um leque daquele tamanho. Fechado, era tão comprido como dois lápis de carvão – daqueles que usava na escola. Aberto, mostrava um mocho entre flores, e conseguia tapar a cara e o corpo da Marta até à cintura, quase não deixando adivinhar quem é que se punha por trás dele. – Escolhi este leque para ti – explicou o pai. – Comprei-o no mercado, a um contador de histórias que me disse tratar-se de um leque mágico. Quando eu me ri, ele fez cara séria e insistiu que o leque tinha mesmo poderes mágicos. Disse-me que era único no mundo, mas que mo vendia, pois acreditava que iria parar às mãos certas – acrescentou, com ar de quem tivesse achado graça, embora sem dar muita importância ao contador de histórias. Contudo, assim que ouviu o pai falar, a Marta confiou na mensagem daquele senhor que ela nunca vira. Primeiro, porque ele era contador de histórias e, embora os contadores brinquem com a imaginação, ela sabia que há sempre muitas verdades nas histórias, mesmo nas de fantasia. Depois, a Marta pensou que, se tinha ido à janela todas as noites tentar espreitar o outro lado do mundo e imaginar como era viver em terras tão distantes, talvez algures no Oriente alguém se tivesse lembrado dela... – Obrigada, pai! – disse, encantada, pensando que aquela era a última coisa que esperava receber do outro lado do mundo.