Suplemento 1=Çç=Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – åKN=Ó=ã~áçL~ÖçK=OMMPK em foco Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n. 1 – maio/ago. 2003. 06 de novembro de 2003. A (LONGA) INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP Diretor Prof. Dr. Paulo Eduardo de Andrade Baltar FUGA PARA A FRENTE Antonio Carlos Macedo e Silva [email protected] Diretor Associado Prof. Dr. Marcio Percival Alves Pinto Diretor Executivo do CECON Prof. Dr. Ricardo de Medeiros Carneiro ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO Política Econômica Prof. Dr. Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo Prof. Dr. Ricardo de Medeiros Carneiro Economia Internacional Prof. Dr. Antonio Carlos Macedo e Silva Balanço de Pagamentos Profa. Dra. Daniela Magalhães Prates Moeda e Finanças Privadas Profa. Dra. Maryse Farhi Finanças Públicas Prof. Dr. Geraldo Biasoto Junior Produção, Emprego e Renda Prof. Dr. Edgard Pereira Adriana Nunes Ferreira (Doutoranda do IE) Métodos Quantitativos Profa. Dra. Rosangela Ballini Gerência de Informações Eliana Ribeiro da Silva Estagiários Augusta Rodrigues de Oliveira Caio Vinícius de Araújo Seconelo Camila Cristina Belotti Diego Martinez Fábio Salim Gutemberg Claver de Lira Fragoso Lucas Ferraz Vasconcelos Rafael Fagundes Cagnin Raphaela Sayuri Yamamoto Renato Alves Oshiro Secretaria do CECON Mário Aparecido de Gobbi Projeto visual/Normalização/ Editoração eletrônica Célia Maria Passarelli Na quinta-feira passada, dia 30 de outubro, o BEA (Bureau of Economic Analysis) divulgou suas primeiras estimativas do comportamento do PIB norte-americano no terceiro trimestre. Os números, como se sabe, superaram as expectativas mais otimistas. Os analistas esperavam um crescimento (ajustado sazonalmente e anualizado) da ordem de 6%, em relação ao trimestre anterior. Foram contemplados com taxa bem mais alta, de 7,2%. Trata-se, aliás, de uma taxa anormalmente alta. Não é sempre que uma economia, especialmente do porte da norte-americana, expande-se a essa velocidade; especificamente, isso não ocorria nos Estados Unidos desde o primeiro trimestre de 1984. O impacto desse resultado – que, de resto, será ainda revisado duas vezes nos próximos meses – não cancela, porém, o fato de que a recuperação norte-americana vem se processando, desde a recessão de 2001, de forma anormalmente morosa. A questão não consiste em saber se essa taxa de crescimento, de 7,2%, é sustentável. Ela não é sustentável. Tanto é assim que já se esperam, do último trimestre do ano, números bem mais modestos. A questão relevante consiste em saber se o crescimento dos dois últimos trimestres prenuncia um retorno à normalidade, no que concerne à trajetória de um conjunto de variáveis econômicas de grande importância, entre as quais o emprego; e, mais do que isso, se os riscos de reversão abrupta do cenário, decorrentes dos desequilíbrios estruturais acumulados no longo boom dos anos 90, serão ou não progressivamente amortecidos, o que parece requerer um padrão de crescimento em alguma medida diferente do anterior. Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003. Em artigo recente, Stephen Roach, o economista-chefe do Morgan Stanley, descreve com propriedade “o mais duro desafio enfrentado pelos praticantes da macroeconomia”, que vem a ser o dilema entre considerações de ordem cíclica e de ordem estrutural. Comecemos pelas primeiras. dados conduz a uma primeira constatação: o crescimento no terceiro trimestre beneficiou-se de um comportamento favorável de todos os grandes itens de demanda. O Gráfico 1 permite visualizar tal resultado. Mesmo as importações, que tendem a acompanhar o produto agregado, limitaram-se a uma variação desprezível, de apenas 0,1% (possivelmente associada ao investimento negativo em estoques nos últimos dois trimestres). O comportamento dos gastos do governo federal foi igualmente discreto (aumento de 1,3%), após a expansão furiosa do trimestre anterior (quando haviam crescido 25,5%, com isso garantindo parte substancial da expansão do PIB). O boletim do BEA descreve o comportamento do PIB do ponto de vista da demanda final. Os dados relativos a investimento, consumo, governo, exportações e importações são por sua vez desagregados em um pequeno número de sub-componentes. A análise desses Gráfico 1 Gráfico 1 Estados Unidos: variação do PIB real (trimestre contra trimestre imediatamente anterior, variação dessazonalizada e anualizada), itens selecionados 35,0 30,0 25,0 20,0 15,0 10,0 5,0 0,0 -5,0 -10,0 -15,0 -20,0 2001:Q2 2001:Q3 2001:Q4 2002:Q1 2002:Q2 2002:Q3 2002:Q4 2003:Q1 2003:Q2 2003:Q3 PIB Consumo (duráveis) Consumo (não-duráveis) Investimento (capital fixo não-residencial) Investimento residencial Exportações Importações Governo de automóveis, assim como de móveis e utensílios domésticos. (Mas, atenção: o Gráfico 1 mostra que, nos últimos anos, o consumo de duráveis tem sofrido oscilações consideráveis.) De outro, ressalta a forte expansão do consumo de nãoduráveis, que passou de 1,4% a 7,9% no mesmo período; o dispêndio em alimentos, vestuário e calçados respondeu por boa parte desse crescimento. A maior parte da ação transcorreu no plano da demanda final privada, envolvendo consumo, investimento e exportações. O crescimento do consumo privado passou de 3,8% a 6,6%. O resultado reflete, de um lado, a sustentação do ritmo frenético de expansão do consumo de duráveis: 24,3% e 26,9%, respectivamente, no segundo e terceiro trimestres; dados mais desagregados mostram a aceleração nas aquisições -2- Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003. Há bons motivos, como veremos abaixo, para duvidar da manutenção dessas taxas de crescimento do consumo. Talvez por isso a atenção de muitos analistas tenha recaído sobre os dados relativos ao investimento, em princípio mais auspiciosos. No segundo trimestre, o investimento privado em capital fixo crescera 7,1%, após uma contração de -0,1% nos três primeiros meses do ano. No terceiro, o crescimento foi de 14,0%. É essencial, porém, analisar com um pouco mais de detalhe a composição desse crescimento. O investimento em capital fixo é desagregado em três grandes grupos: investimento em estruturas, em equipamento e software e, finalmente, em imóveis residenciais. O primeiro grupo registrou queda de -2,4% no terceiro trimestre. Já o segundo grupo acelerou-se, saltando de uma taxa de 8,3% no segundo trimestre para 15,4% no terceiro. Mas o investimento em equipamentos e software também pode ser desagregado em sub-componentes. E aqui se constata que um deles, o investimento em equipamento industrial, aumentou menos de 1%, e após uma queda significativa no primeiro semestre. Crescimento substancial (18,3%) ocorreu apenas no investimento em equipamento de processamento de informação e software; o item respondeu por mais de um terço do aumento do investimento privado em capital fixo no período. O resto desse aumento é praticamente todo ele explicado pela persistência da bolha imobiliária. Neste último trimestre, o investimento residencial foi às nuvens, alcançando uma variação de 20,4% (a mais alta desde o segundo trimestre de 1996), explicando mais de 40% da expansão total do investimento privado em capital fixo. um crescimento global de 4,9% neste terceiro trimestre (variação real sobre o trimestre anterior, sazonalmente ajustado e anualizado), contra 3,5% e 2,2% nos dois trimestres anteriores. Os países desenvolvidos cresceriam 4,1% (1,5% na zona euro e 2,0% no Japão) e os países em desenvolvimento 8,4%. Este último número é alavancado pelo crescimento esperado da Ásia (Japão exclusive), da ordem de 12,2%, com destaque para Taiwan (20,0%), China (17,6%), Índia (7,5%) e Filipinas (6,5%). O crescimento da América Latina seria de 5,0%. Mas voltemos aos Estados Unidos. O Gráfico 2, onde se mostra a contribuição dos mesmos itens de demanda agregada para a variação trimestre do PIB, sugere que é de bom alvitre deixar a euforia para depois. Fica claro que o crescimento depende, substancialmente, do dispêndio em consumo e em residências. Daí provém parte da ansiedade com que são esperados os resultados relativos ao comportamento do emprego (resultados que são essenciais, por outro lado, do ponto de vista do jogo político entre republicanos e democratas às vésperas de um ano eleitoral). Os últimos dados, relativos ao mês de setembro, mostraram o primeiro aumento em oito meses do emprego não-agrícola. Ocorre que os 57.000 postos criados estão muito aquém dos 125.000 (segundo o Economist) ou 170.000 (segundo Jared Berstein, do Economic Policy Institute) necessários apenas para absorver o aumento dos postulantes, e evitar com isso o aumento da taxa de desemprego. Juros baixos e ganhos de capital (decorrentes da valorização dos imóveis e das ações) têm mais do que compensado as ansiedades decorrentes da situação vigente no mercado de trabalho. Os dados do último Flow of funds, divulgado em setembro pelo FED, mostram ainda que, no segundo trimestre, o endividamento das famílias continuou a crescer, especialmente na forma de crédito hipotecário, mas também na de crédito ao consumidor (os dados para o terceiro trimestre só estarão disponíveis em janeiro de 2004). No terceiro trimestre, a renda disponível das famílias foi inflada pelos cortes de impostos programados no início do ano, e cujo efeito concentrou-se nos meses de julho e agosto. Já em setembro, com a redução dos cortes de impostos, a renda disponível e o consumo real recuaram. As exportações, finalmente, reverteram o processo de queda que vinham registrando há três trimestres, para expandir-se a 9,3%. Esta foi talvez a maior surpresa contida nos dados. Explicações mais confiáveis dependem da divulgação de dados relativos à composição por produto e por destino das exportações. A desvalorização efetiva do dólar, em processo desde o ano passado, está certamente entre os fatores de relevo. Além disso, é necessário considerar os indícios de uma aceleração no crescimento em outras regiões. O JPMorgan, por exemplo, estima -3- Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003. Gráfico 2 Gráfico 2 Estados Unidos: contribuições à variação percentual (taxa anualizada, com ajuste sazonal) do PIB real, itens selecionados 8,0 7,0 6,0 5,0 4,0 3,0 2,0 1,0 0,0 -1,0 -2,0 -3,0 2001:Q2 2001:Q3 2001:Q4 2002:Q1 2002:Q2 2002:Q3 2002:Q4 2003:Q1 2003:Q2 2003:Q3 PIB Consumo (duráveis) Consumo (não-duráveis) Investimento (capital fixo não-residencial) Investimento residencial Exportações Importações Governo períodos posteriores a recessões mostra que a Parte importante dos analistas acredita que consumo, recuperação atual só não deixa a desejar do ponto endividamento e valorização dos imóveis – e que de vista do crescimento da produtividade (o qual, foi habilmente manejado pelo FED, de forma a por sua vez, pelo menos em parte reflete a queda substituir a bolha acionária – conforma uma do emprego...). O Gráfico 3, composto a partir dos bolha de consumo que, por definição, não pode dados do NBER (National Bureau of Economic ser muito duradoura. O risco é que o processo Research), evidencia o comportamento pouco perca momento antes que o investimento tenha dinâmico de emprego, produção industrial e podido reassumir a liderança do crescimento. A renda pessoal durante a recuperação (cujo início é recuperação do investimento nos últimos dois assinalado pela linha vertical). o círculo virtuoso que associa trimestres, se não exclui essa possibilidade, tampouco constitui um indício seguro. Os dados de utilização da capacidade produtiva para o mês de setembro mostram níveis em geral semelhantes aos vigentes no último trimestre do ano passado, e ainda muito inferiores aos registrados no pico, para o total da indústria, de 1994-95. Convém não esquecer que a comportamento de comparação vários entre indicadores o em -4- Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003. Gráfico 3 Estados Unidos: indicadores do NBER Gráfico 3 1,08 1,06 1,04 1,02 1 0,98 0,96 0,94 Vendas Produção industrial Emprego Renda pessoal (excl. transferências) 03-09 03-07 03-05 03-03 03-01 02-11 02-09 02-07 02-05 02-03 02-01 01-11 01-09 01-07 01-05 01-03 01-01 00-11 00-09 00-07 00-05 0,92 PIB mensal A recuperação da economia norteamericana atesta, enfim, a eficiência das políticas econômicas de corte keynesiano. Juros baixos (e negativos, no caso das transações de curto prazo) e política fiscal expansionista, funcionam, sim, no sentido de sustentar a demanda agregada, ganhando tempo e criando condições para a retomada do investimento privado. (É pena que nem os Estados Unidos nem o FMI se mostrem dispostos a promover as condições que tornariam viável, para os países em desenvolvimento, a adoção das mesmas políticas.) Resta saber se o tempo ganho e o saneamento dos portfólios das empresas privadas, ainda em curso, são condições suficientes para superar os problemas acumulados no decorrer do longo boom – entre os quais o das contas externas norte-americanas, deixadas de lado neste texto – e em geral agravados após a recessão de 2001. Há também um delicado problema de timing. Os mercados financeiros ainda sofrem de “fobia inflacionária”, na expressão de Stephen Roach. Indícios de recuperação têm sido saudados com expectativas de retomada da inflação que, por sua vez, expressam-se na elevação das taxas de juros de longo prazo. Um crescimento mais acentuado dos preços poderia suscitar um overshooting dos juros, com repercussões desastrosas sobre os balanços das famílias altamente endividadas. No que tange aos países em desenvolvimento, o crescimento dos juros longos foi até aqui mais do que compensado pelo aumento do apetite pelo risco, que promoveu uma redução do spread entre os Treasuries e os juros que remuneram high-yield bonds e títulos dos emergentes. Dificilmente, porém, uma puxada mais prolongada nos juros longos deixaria de encarecer os recursos (e afetar o volume de recursos) destinados a países como Brasil e Argentina. -5-