Crescimento Sustentado ou Vôo da Galinha?

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Suplemento 1=Çç=Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – åKN=Ó=ã~áçL~ÖçK=OMMPK
em foco
Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n. 1 – maio/ago. 2003.
06 de novembro de 2003.
A (LONGA)
INSTITUTO DE ECONOMIA DA UNICAMP
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Projeto visual/Normalização/
Editoração eletrônica
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Na quinta-feira passada, dia 30 de outubro, o BEA (Bureau of
Economic Analysis) divulgou suas primeiras estimativas do comportamento
do PIB norte-americano no terceiro trimestre. Os números, como se sabe,
superaram as expectativas mais otimistas. Os analistas esperavam um
crescimento (ajustado sazonalmente e anualizado) da ordem de 6%, em
relação ao trimestre anterior. Foram contemplados com taxa bem mais alta,
de 7,2%.
Trata-se, aliás, de uma taxa anormalmente alta. Não é sempre que
uma economia, especialmente do porte da norte-americana, expande-se a
essa velocidade; especificamente, isso não ocorria nos Estados Unidos
desde o primeiro trimestre de 1984. O impacto desse resultado – que, de
resto, será ainda revisado duas vezes nos próximos meses – não cancela,
porém, o fato de que a recuperação norte-americana vem se processando,
desde a recessão de 2001, de forma anormalmente morosa.
A questão não consiste em saber se essa taxa de crescimento, de 7,2%,
é sustentável. Ela não é sustentável. Tanto é assim que já se esperam, do
último trimestre do ano, números bem mais modestos. A questão relevante
consiste em saber se o crescimento dos dois últimos trimestres prenuncia
um retorno à normalidade, no que concerne à trajetória de um conjunto de
variáveis econômicas de grande importância, entre as quais o emprego; e,
mais do que isso, se os riscos de reversão abrupta do cenário, decorrentes
dos desequilíbrios estruturais acumulados no longo boom dos anos 90, serão
ou não progressivamente amortecidos, o que parece requerer um padrão de
crescimento em alguma medida diferente do anterior.
Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003.
Em artigo recente, Stephen Roach, o
economista-chefe do Morgan Stanley, descreve
com propriedade “o mais duro desafio enfrentado
pelos praticantes da macroeconomia”, que vem a
ser o dilema entre considerações de ordem cíclica
e de ordem estrutural. Comecemos pelas
primeiras.
dados conduz a uma primeira constatação: o
crescimento no terceiro trimestre beneficiou-se de
um comportamento favorável de todos os grandes
itens de demanda. O Gráfico 1 permite visualizar
tal resultado. Mesmo as importações, que tendem
a acompanhar o produto agregado, limitaram-se a
uma variação desprezível, de apenas 0,1%
(possivelmente associada ao investimento negativo em estoques nos últimos dois trimestres). O
comportamento dos gastos do governo federal foi
igualmente discreto (aumento de 1,3%), após a
expansão furiosa do trimestre anterior (quando
haviam crescido 25,5%, com isso garantindo parte
substancial da expansão do PIB).
O
boletim
do
BEA
descreve
o
comportamento do PIB do ponto de vista da
demanda final. Os dados relativos a investimento,
consumo, governo, exportações e importações são
por sua vez desagregados em um pequeno
número de sub-componentes. A análise desses
Gráfico 1 Gráfico 1
Estados Unidos: variação do PIB real
(trimestre contra trimestre imediatamente anterior, variação dessazonalizada e anualizada), itens selecionados
35,0
30,0
25,0
20,0
15,0
10,0
5,0
0,0
-5,0
-10,0
-15,0
-20,0
2001:Q2
2001:Q3
2001:Q4
2002:Q1
2002:Q2
2002:Q3
2002:Q4
2003:Q1
2003:Q2
2003:Q3
PIB
Consumo (duráveis)
Consumo (não-duráveis)
Investimento (capital fixo não-residencial)
Investimento residencial
Exportações
Importações
Governo
de automóveis, assim como de móveis e utensílios
domésticos. (Mas, atenção: o Gráfico 1 mostra que,
nos últimos anos, o consumo de duráveis tem
sofrido oscilações consideráveis.) De outro,
ressalta a forte expansão do consumo de nãoduráveis, que passou de 1,4% a 7,9% no mesmo
período; o dispêndio em alimentos, vestuário e
calçados respondeu por boa parte desse
crescimento.
A maior parte da ação transcorreu no plano
da demanda final privada, envolvendo consumo,
investimento e exportações. O crescimento do
consumo privado passou de 3,8% a 6,6%. O
resultado reflete, de um lado, a sustentação do
ritmo frenético de expansão do consumo de
duráveis: 24,3% e 26,9%, respectivamente, no
segundo e terceiro trimestres; dados mais
desagregados mostram a aceleração nas aquisições
-2-
Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003.
Há bons motivos, como veremos abaixo,
para duvidar da manutenção dessas taxas de
crescimento do consumo. Talvez por isso a
atenção de muitos analistas tenha recaído sobre os
dados relativos ao investimento, em princípio
mais auspiciosos. No segundo trimestre, o
investimento privado em capital fixo crescera
7,1%, após uma contração de -0,1% nos três
primeiros meses do ano. No terceiro, o
crescimento foi de 14,0%. É essencial, porém,
analisar com um pouco mais de detalhe a
composição desse crescimento. O investimento em
capital fixo é desagregado em três grandes
grupos: investimento em estruturas, em
equipamento e software e, finalmente, em imóveis
residenciais. O primeiro grupo registrou queda de
-2,4% no terceiro trimestre. Já o segundo grupo
acelerou-se, saltando de uma taxa de 8,3% no
segundo trimestre para 15,4% no terceiro. Mas o
investimento em equipamentos e software também
pode ser desagregado em sub-componentes. E
aqui se constata que um deles, o investimento em
equipamento industrial, aumentou menos de 1%,
e após uma queda significativa no primeiro
semestre. Crescimento substancial (18,3%) ocorreu
apenas no investimento em equipamento de
processamento de informação e software; o item
respondeu por mais de um terço do aumento do
investimento privado em capital fixo no período.
O resto desse aumento é praticamente todo ele
explicado pela persistência da bolha imobiliária.
Neste último trimestre, o investimento residencial
foi às nuvens, alcançando uma variação de 20,4%
(a mais alta desde o segundo trimestre de 1996),
explicando mais de 40% da expansão total do
investimento privado em capital fixo.
um crescimento global de 4,9% neste terceiro
trimestre (variação real sobre o trimestre anterior,
sazonalmente ajustado e anualizado), contra 3,5%
e 2,2% nos dois trimestres anteriores. Os países
desenvolvidos cresceriam 4,1% (1,5% na zona euro
e 2,0% no Japão) e os países em desenvolvimento
8,4%. Este último número é alavancado pelo
crescimento esperado da Ásia (Japão exclusive),
da ordem de 12,2%, com destaque para Taiwan
(20,0%), China (17,6%), Índia (7,5%) e Filipinas
(6,5%). O crescimento da América Latina seria de
5,0%.
Mas voltemos aos Estados Unidos. O
Gráfico 2, onde se mostra a contribuição dos
mesmos itens de demanda agregada para a
variação trimestre do PIB, sugere que é de bom
alvitre deixar a euforia para depois. Fica claro que
o crescimento depende, substancialmente, do
dispêndio em consumo e em residências. Daí
provém parte da ansiedade com que são
esperados os resultados relativos ao comportamento do emprego (resultados que são essenciais,
por outro lado, do ponto de vista do jogo político
entre republicanos e democratas às vésperas de
um ano eleitoral). Os últimos dados, relativos ao
mês de setembro, mostraram o primeiro aumento
em oito meses do emprego não-agrícola. Ocorre
que os 57.000 postos criados estão muito aquém
dos 125.000 (segundo o Economist) ou 170.000
(segundo Jared Berstein, do Economic Policy
Institute) necessários apenas para absorver o
aumento dos postulantes, e evitar com isso o
aumento da taxa de desemprego. Juros baixos e
ganhos de capital (decorrentes da valorização dos
imóveis e das ações) têm mais do que compensado
as ansiedades decorrentes da situação vigente no
mercado de trabalho. Os dados do último Flow of
funds, divulgado em setembro pelo FED, mostram
ainda que, no segundo trimestre, o endividamento
das famílias continuou a crescer, especialmente na
forma de crédito hipotecário, mas também na de
crédito ao consumidor (os dados para o terceiro
trimestre só estarão disponíveis em janeiro de
2004). No terceiro trimestre, a renda disponível
das famílias foi inflada pelos cortes de impostos
programados no início do ano, e cujo efeito
concentrou-se nos meses de julho e agosto. Já em
setembro, com a redução dos cortes de impostos, a
renda disponível e o consumo real recuaram.
As exportações, finalmente, reverteram o
processo de queda que vinham registrando há três
trimestres, para expandir-se a 9,3%. Esta foi talvez
a maior surpresa contida nos dados. Explicações
mais confiáveis dependem da divulgação de
dados relativos à composição por produto e por
destino das exportações. A desvalorização efetiva
do dólar, em processo desde o ano passado, está
certamente entre os fatores de relevo.
Além disso, é necessário considerar os
indícios de uma aceleração no crescimento em
outras regiões. O JPMorgan, por exemplo, estima
-3-
Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003.
Gráfico 2
Gráfico 2
Estados Unidos: contribuições à variação percentual
(taxa anualizada, com ajuste sazonal) do PIB real, itens selecionados
8,0
7,0
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
-1,0
-2,0
-3,0
2001:Q2
2001:Q3
2001:Q4
2002:Q1
2002:Q2
2002:Q3
2002:Q4
2003:Q1
2003:Q2
2003:Q3
PIB
Consumo (duráveis)
Consumo (não-duráveis)
Investimento (capital fixo não-residencial)
Investimento residencial
Exportações
Importações
Governo
períodos posteriores a recessões mostra que a
Parte importante dos analistas acredita que
consumo,
recuperação atual só não deixa a desejar do ponto
endividamento e valorização dos imóveis – e que
de vista do crescimento da produtividade (o qual,
foi habilmente manejado pelo FED, de forma a
por sua vez, pelo menos em parte reflete a queda
substituir a bolha acionária –
conforma uma
do emprego...). O Gráfico 3, composto a partir dos
bolha de consumo que, por definição, não pode
dados do NBER (National Bureau of Economic
ser muito duradoura. O risco é que o processo
Research), evidencia o comportamento pouco
perca momento antes que o investimento tenha
dinâmico de emprego, produção industrial e
podido reassumir a liderança do crescimento. A
renda pessoal durante a recuperação (cujo início é
recuperação do investimento nos últimos dois
assinalado pela linha vertical).
o
círculo
virtuoso
que
associa
trimestres, se não exclui essa possibilidade,
tampouco constitui um indício seguro. Os dados
de utilização da capacidade produtiva para o mês
de setembro mostram níveis em geral semelhantes
aos vigentes no último trimestre do ano passado, e
ainda muito inferiores aos registrados no pico,
para o total da indústria, de 1994-95. Convém não
esquecer
que
a
comportamento
de
comparação
vários
entre
indicadores
o
em
-4-
Suplemento 6 do Boletim quadrimestral do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – n.1 – maio/ago. 2003.
Gráfico 3
Estados Unidos: indicadores
do NBER
Gráfico
3
1,08
1,06
1,04
1,02
1
0,98
0,96
0,94
Vendas
Produção industrial
Emprego
Renda pessoal (excl. transferências)
03-09
03-07
03-05
03-03
03-01
02-11
02-09
02-07
02-05
02-03
02-01
01-11
01-09
01-07
01-05
01-03
01-01
00-11
00-09
00-07
00-05
0,92
PIB mensal
A recuperação da economia norteamericana atesta, enfim, a eficiência das políticas
econômicas de corte keynesiano. Juros baixos (e
negativos, no caso das transações de curto prazo)
e política fiscal expansionista, funcionam, sim, no
sentido de sustentar a demanda agregada,
ganhando tempo e criando condições para a
retomada do investimento privado. (É pena que
nem os Estados Unidos nem o FMI se mostrem
dispostos a promover as condições que tornariam
viável, para os países em desenvolvimento, a
adoção das mesmas políticas.) Resta saber se o
tempo ganho e o saneamento dos portfólios das
empresas privadas, ainda em curso, são condições
suficientes para superar os problemas acumulados
no decorrer do longo boom – entre os quais o das
contas externas norte-americanas, deixadas de
lado neste texto – e em geral agravados após a
recessão de 2001.
Há também um delicado problema de
timing. Os mercados financeiros ainda sofrem de
“fobia inflacionária”, na expressão de Stephen
Roach. Indícios de recuperação têm sido saudados
com expectativas de retomada da inflação que,
por sua vez, expressam-se na elevação das taxas
de juros de longo prazo. Um crescimento mais
acentuado dos preços poderia suscitar um
overshooting dos juros, com repercussões
desastrosas sobre os balanços das famílias
altamente endividadas. No que tange aos países
em desenvolvimento, o crescimento dos juros
longos foi até aqui mais do que compensado pelo
aumento do apetite pelo risco, que promoveu uma
redução do spread entre os Treasuries e os juros que
remuneram high-yield bonds e títulos dos
emergentes. Dificilmente, porém, uma puxada
mais prolongada nos juros longos deixaria de
encarecer os recursos (e afetar o volume de
recursos) destinados a países como Brasil e
Argentina.
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