ELIZABETH NASCIMENTO RODRIGUES O CUIDAR DO PACIENTE COM QUEIMADURAS: VIVÊNCIA DO AUXILIAR DE ENFERMAGEM Dissertação apresentada à Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth M. das Graças Belo Horizonte Escola de Enfermagem da UFMG 2000 Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais Diretora: Roseni Rosangela de Sena Vice Diretora: Marisa Antonini Ribeiro Bastos Colegiado de Pós-Graduação Coordenadora: Marília Alves Revisão: Daise Lúcia Mendes Formatação: Jailton Roberto Guimarães R696c Rodrigues, Elizabeth Nascimento O cuidar do paciente com queimaduras: vivência do auxiliar de enfermagem/Elizabeth Nascimento Rodrigues. Belo Horizonte, 2000. 155p. Dissertação.(Mestrado). Enfermagem. Escola de Enfermagem da UFMG. 1. Cuidados de enfermagem 2. Percepção 3. Auxiliares de Enfermagem. 4. Unidades de pacientes com queimaduras I. Título NLM: WY 193 CDU: 616-083 ELIZABETH NASCIMENTO RODRIGUES O CUIDAR DO PACIENTE COM QUEIMADURAS: VIVÊNCIA DO AUXILIAR DE ENFERMAGEM Dissertação defendida e aprovada, em 28 de abril de 2000, pela banca examinadora constituída pelos professores: __________________________________ Profª Drª Elizabeth Mendes das Graças __________________________________ Profª Drª Matilde Meire Miranda Cadete __________________________________ Profª Drª Vitória Helena Cunha Espósito Dedicatória A Mauro, pelo incentivo a que chegasse até aqui, pelo amor e carinho nesta caminhada e a certeza de que estará sempre comigo. A Matilde que, mesmo à distância, fez-se presente, fazendo-me crer que é possível superar minhas limitações. A minha mãe e a meus filhos pela compreensão, paciência e preces. A todos os auxiliares que, com muita vontade de colaborar, participaram na construção deste estudo. O cuidado... o cuidado de enfermagem... afinal o que sou? “Venho de um tempo sem memória, sem atos nem dados registrados pela história. Caminho com o surgimento dos primeiros sres da criação e ainda vagueio além dos limites da imagina;áo. Apareço em cada part, em cada ato em que um ser se desvela por outro ser. Permeio o cotidiano de cada profissão, mas é na enfermagem que ganho dimensão. Lá sou presente, metaformoseado em diversos atos. No toque suave do aconchego, eu sou carinho. Na injeção que penetra e rompe os músculos e vasos levando o medicamento para o corpo, transformo-me em auxílio para a cura. No banho que purifica a pele, sou o ato que higieniza e auxilia a reação do organismo, levando-lhe a benfazeja sensação de limpeza. Estou presente em cada ato prarticado por profissionais que levam consigo o objetivo de ver restabelecidas as forças e as energias dos doentes. Gravito por todas as acões e estou presente nas mínimas intenções dispersadas no firmamento pelo cuidador. Sou ato e resultado. Imperceptível, às vezes insensível. Chamo-me cuidar/cuidado e permeio a enfermagem em cada fato, em cada ato. (...) É difícil ver-me só ciência, sentir-me apenas arte. Sou ambas numa só parte. Meus vértices gravitam entre a habilidade do ser humano cuidar de outro ser humano e o conhecimento compilado e organizado dos que imaginam fugir desse contato. Neste ato sou plena. Estou repleta de símbolos. Represento fatos.” (Ana Izabel Jatobá de Souza) Agradecimentos A Deus. A todas as pessoas que colaboraram direta ou indiretamente com este trabalho, principalmente aquelas que estiveram presentes nos momentos de dificuldades. A Nina por dar suporte às minhas ausências. A Profª. Drª. Elizabeth Mendes pelo zelo na orientação e conhecimento que adquiri durante o desenvolvimento deste trabalho. RESUMO Esta pesquisa, apoiada na proposta metodológica da fenomenologia, segundo a modalidade do fenômeno situado, revela a percepção do auxiliar de enfermagem como sujeito cuidador de pessoas com queimaduras internadas na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Pronto Socorro João XXIII. As entrevistas foram norteadas pela questão: O que é para você cuidar do paciente queimado? A partir da análise ideográfica e nomotética de nove relatos, foram obtidas quatro categorias, quais sejam: “O Cuidar e as dificuldades do cotidiano”, “Cuidar é gostar do que se faz”, “Cuidar é agir orientado pelo saber” e “O Cuidar e o trabalho em equipe”. Revelam que o cuidar do paciente queimado é uma atividade difícil que requer preparo emocional e capacidade de re-significação das situações cotidianas geradoras de tensão e dor. Sobretudo, é necessário ter motivação, força interior e sentimento de amor pelo que se faz. Além disso, é preciso estar fundamentado num saber técnico-científico e, juntamente com outros profissionais, direcionar a prática do cuidar para o atendimento das necessidades da pessoa com queimaduras em sua totalidade. A reflexão das categorias aponta para as situações vivenciadas cotidianamente pelos auxiliares de enfermagem, que devem ser repensadas, visando à melhoria do cuidado oferecido aos pacientes e ao próprio mundo-vida desses profissionais no trabalho. ABSTRACT This research, based on the methodological proposal of Phenomenology, according to the situated phenomenon mode, shows the perception of the nurses’ aides as subject caring for people in the Burns Treatment Unit of the João XXIII Emergencies Hospital in Belo Horizonte – Minas Gerais. Interviews were guided by the question: “What does it mean to you to care for a patient with burns?” With the ideografic and nomothetic analysis of nine statements, four categories were obtained, i.e.: “Caring and daily difficulties”, “Caring is enjoying what you do”, “Caring is being guided by Knowledge” and “Caring and Team Work”. They revealed that caring for the patient with burns is a difficult activity, demanding emotional training and a capacity for re-signifying daily routine sitations generating tension and pain. Above all,it is necessary to have motivation, inner strength and enjoying what you do. You must also be well founded in technical and scientific knowledge and, together with other professionals, guide the care of people whith burns in a holistic way. Reflecting on the categories suggests that the situations lived daily by nurses’ aides must be rethought, so as to provide improved care to the patients and to improve the very life/world of these professionals in their work. SUMÁRIO I. INTRODUÇÃO ............................................................................... 9 II. SITUANDO O TEMA ....................................................................... 14 III. O CAMINHAR METODOLÓGICO ................................................ 21 3.1. Por que Fenomenologia? ........................................................... 21 3.2. A Opção pela Análise do Fenômeno Situado ........................ 23 3.3. Coleta e Análise dos Depoimentos ............................................ 27 V. DISCURSOS E ANÁLISES IDEOGRÁFICAS .......................... 30 V. MATRIZ NOMOTÉTICA ................................................................. 106 VI – REFLEXÃO DOS RESULTADOS ............................................... 108 6.1. O Cuidar e as Dificuldades do Cotidiano ................................ 108 6.2. Cuidar é Gostar do que se Faz .................................................. 115 6.3. Cuidar é Agir Orientado pelo Saber ........................................ 123 6.4. O Cuidar e o Trabalho em Equipe ......................................... 135 VII. CONSIDERAÇÕES DE UM CAMINHAR .................................. 140 VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................... 147 IX. ANEXO ............................................................................................ 151 9 I. INTRODUÇÃO O interesse em desenvolver um trabalho com o tema aqui proposto surgiu ao longo da minha trajetória de vida. Minha família morava em Rio Verde, uma pequena cidade do interior de Goiás, onde minha mãe trabalhou como atendente de enfermagem. Uma tia foi estudar em São Paulo e se formou como “Enfermeira Padrão”. Suas visitas à casa de meu avô eram sempre uma festa. Quando chegava, sempre trazia novidades em relação à grande cidade e ao seu trabalho. Além desse vínculo familiar com a enfermagem, convivi também com “enfermeiras parteiras”, que entravam em nossa casa sempre que havia um bebê para nascer. Nos batizados e aniversários desses bebês, elas estavam presentes. Por meio delas recebi as primeiras orientações de educação para a saúde, pois constantemente estavam preocupadas em nos ensinar desde como tomar banho até como cuidar de um machucado. As enfermeiras de minha infância passaram para mim uma visão de altivez, respeito, autoridade. E eu as admirava. Certamente, esse foi um dos motivos que me fizeram escolher a enfermagem como profissão. Durante o curso, descobri que exercer a enfermagem, muito mais do que simplesmente realizar um desejo, era minha verdadeira vocação. Após a graduação, diante de algumas ofertas de trabalho, sentime apreensiva devido à falta de experiência, mas, ao mesmo tempo, empolgada por ver aberto, diante de mim, um mundo de possibilidades e desafios. Iniciei minhas atividades profissionais como enfermeira supervisora da Unidade de Tratamento de Queimados - (UTQ), 8º e 9º 9 10 andares do Hospital de Pronto Socorro João XXIII, em Belo Horizonte. Concomitantemente, assumi o cargo de Professora Substituta da disciplina Enfermagem Médico Cirúrgica na Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, (EEUFMG) onde, além de aulas teóricas, acompanhava alunos da disciplina em campos de ensino clínico. No ambulatório geral, eram atendidos, anualmente, em torno de 1600 pacientes vítimas de queimaduras. A capacidade de internação do serviço era de 40 leitos e atendiam-se pessoas com queimaduras oriundas da capital, de municípios vizinhos e até de outros estados. O tempo de permanência hospitalar era longo e o tratamento, além de muito doloroso, nem sempre obtinha êxito. O óbito das pessoas com queimaduras extensas era um evento relativamente freqüente. Para mim, o paciente queimado não foi uma surpresa, pois já havia convivido com uma pessoa vítima de grande queimadura na família. Entretanto, sabia que, para cuidar desse tipo de paciente, era necessário haver não só preparo e treinamento específicos, mas, sobretudo, uma certa estabilidade emocional. Era comum encontrarmos profissionais da saúde que não suportavam trabalhar ou mesmo entrar na unidade de pacientes queimados. Onde trabalhava, a maioria dos auxiliares de enfermagem lotados no setor prestava serviços ali havia mais ou menos 10 anos, o que lhes garantia um respeitável domínio técnico. Isto, porém, parecia não ser suficiente para que todos os pacientes sentissem estar recebendo uma assistência de qualidade. Como uma das supervisoras da unidade, recebia queixas de internos e de seus acompanhantes quanto aos cuidados prestados por alguns auxiliares de enfermagem. Normalmente, as queixas envolviam a dimensão relacional do cuidar e traduziam falta de sensibilidade e 10 11 compreensão do auxiliar ao assistir, em especial, os pacientes que passavam por crises de tristeza ou depressão. Por outro lado, também eram freqüentes reclamações dos membros da equipe de enfermagem em relação a certos pacientes ou acompanhantes. Como recém-formada, sentia dificuldade em lidar com essa situação, que parecia fugir da minha capacidade de resolução. O sistema de rodízio na escala de plantões era a norma adotada na Unidade de Tratamento de Queimados, ou seja, um auxiliar de enfermagem ficava responsável, a cada dia, pelos pacientes de uma determinada enfermaria. Quando surgia algum conflito entre funcionário e paciente, uma forma de intervenção que nós, as supervisoras, adotávamos era mudar a dinâmica do rodízio, até que os ânimos se acalmassem. Mas essa não parecia ser a melhor solução, pois, em certas situações, os conflitos persistiam. Ao olhar atentamente nas entrelinhas dos acontecimentos, pude observar que tanto as queixas dos pacientes quanto as dos auxiliares iam além do que era dito. Na relação com os pacientes, começava a perceber que tinham como expectativa não somente os cuidados técnicos que lhes eram prestados, mas, sobretudo, uma equipe de enfermagem que pudesse compreendê-los e ajudá-los naquele momento de dor que passavam com o comprometimento físico sofrido e com a hospitalização. Quanto precisavam falar e aos membros da equipe de enfermagem, sentia que ser ouvidos como participantes do processo de trabalho que vivenciavam e como pessoas que experienciavam, de maneira angustiada, os conflitos que surgiam. À procura de soluções, nós, as supervisoras, decidimos propor reuniões nas quais as experiências cotidianas daqueles que ali trabalhavam 11 12 seriam compartilhadas. Acreditávamos que essa poderia ser a oportunidade de, juntos, encontrarmos meios para resolver os nossos problemas. Nessas reuniões, enfermeiros, auxiliares, psicólogos e fisioterapeutas da equipe discutiam as questões emergidas das situações vivenciadas pelo grupo na co-existência com o paciente e entre nós, membros da equipe de saúde da unidade. Buscávamos, com os encontros, melhorar nossa relação e nossa atuação profissional. Observava, porém, que, apesar da mudança significativa na organização do trabalho e do relacionamento entre as equipes que atuavam na Unidade de Tratamento de Queimados, ainda pairava resistência dos auxiliares de enfermagem para com as uma certa propostas de mudanças na maneira de assistir o paciente, discutidas e decididas nas reuniões. Se, por um lado, tentava compreender a relação entre os auxiliares e os pacientes, na situação de cuidar e ser cuidado, e até aquele momento não encontrava respostas, por outro lado, já tinha certeza, pela experiência com as reuniões, de que o diálogo, o estar atenta e aberta para ouvir ambas as partes era o caminho para chegar ao esclarecimento. Nesse momento, já me sentia comprometida a buscar compreender essa realidade que vivenciava no meu cotidiano. Decidida a fazer o Curso de Mestrado da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, pensei que talvez esta fosse a oportunidade de poder desenvolver um trabalho de pesquisa que respondesse àquilo que procurava. Percebi que o estudo da interação entre o auxiliar de enfermagem e o paciente poderia ser a minha proposta de investigação a ser desenvolvida. 12 13 Logo no início do curso, tomei conhecimento do estudo realizado por GRAÇAS (1996) a respeito da percepção do paciente sobre a hospitalização. Reconheci nos discursos apresentados a unidade onde trabalhava. No decorrer da leitura, algumas questões sobre as quais tinha dúvidas foram clareando. Já era capaz de compreender o que o paciente sentia em relação à equipe de enfermagem, o tipo de cuidado que gostaria de ter, como percebia o setor e a hospitalização de uma maneira geral. Refletindo sobre a situação, percebi que, agora, restava ouvir o sujeito que cuida, para desvelar, sob a sua ótica, a interação de quem cuida com aquele que é cuidado. Para aí chegar, achei que seria necessário ouvir o auxiliar de enfermagem, de uma maneira mais ampla, sobre o significado da sua prática, buscando assim, no seu mundo-vida, na sua experiência, a compreensão do fenômeno "cuidar do paciente queimado". Com vista à realidade exposta, optei por este estudo, com o qual pretendo apreender perspectivas, ainda não relevadas, da vivência do auxiliar de enfermagem ao cuidar do paciente queimado. Ao dirigir o meu olhar para o mundo múltiplo do ser cuidador, espero poder compreender a experiência do cuidar por meio do seu próprio discurso, levando em consideração o significado vivenciado por ele. Partindo, então, do meu incômodo e de dúvidas advindas da minha prática profissional como enfermeira na unidade destinada ao tratamento de pacientes queimados, decidi interrogar os auxilares de enfermagem com a seguinte questão orientadora: O que é para você cuidar do paciente queimado? 13 14 II. SITUANDO O TEMA Em se tratando do paciente queimado, pode-se dizer que, geralmente, há uma estigmatização da sociedade com relação ao seu atendimento, tratamento e à sua própria convivência social. Em muitos lugares, essas pessoas ainda recebem o pior atendimento entre os doentes traumatizados. É comum a condução inadequada do tratamento dos pacientes com queimaduras, quase sempre realizado em hospitais gerais por profissionais não especializados e sem a dimensão multiprofissional necessária. (SILVA,1995). O primeiro serviço destinado exclusivamente ao tratamento de queimadura, no Brasil, foi oficializado em 16 de janeiro de 1948, no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Até o ano de 1958, este ainda era o único serviço na especialidade. (MARIANI, 1995). Após uma experiência dolorosa ocorrida na cidade de Niterói, provocada por um incêndio criminoso no Gran Circo Norte-Americano, em 17 de dezembro de 1961, em que 2500 pessoas ficaram aprisionadas sob uma cobertura de plástico em chamas e 400 delas morreram, houve um olhar mais atento e profissional em relação à complexidade da assistência às vítimas de queimaduras. (SILVA, 1995). Outras tragédias, como o incêndio no Edifício Andraus, em 1972, e no Edifício Joelma, em 1974, na cidade de São Paulo, vieram corroborar a seriedade e o profissionalismo de alguns pioneiros da área. Mesmo assim, até 1988, apenas 7 dos 572 municípios de São Paulo possuíam unidades estruturadas para atender os pacientes com queimaduras. (MARIANI, 1995). 14 15 Em Belo Horizonte, o Hospital de Pronto Socorro JOÃO XXIII é referência para assistência às vítimas de queimaduras. Além do ambulatório para atendimento de urgência, ele é o único a possuir uma unidade especializada no tratamento de pessoas com queimaduras agudas e crônicas. No caso de um grande queimado, o primeiro debridamento é realizado no bloco cirúrgico do ambulatório, pela equipe de cirurgiões plásticos. Depois, o paciente é transferido para o 8° andar, para onde são encaminhados aqueles avaliados com menor risco de vida, ou para o 9°andar, destinado aos que necessitam de cuidados mais intensivos. Em levantamento realizado no período de janeiro de 1987 a dezembro de 1990, no ambulatório do referido hospital, foram atendidos 471 726 pacientes com diferentes diagnósticos clínico-cirúrgicos. Desses, cerca de 6 315, 1,3% dos atendidos, foram vítimas de queimaduras. Em torno de 5 747 das pessoas com queimaduras, ou seja, 91%, receberam tratamento ambulatorial e 568, 9% do total, foram internadas na unidade especializada para este tipo de paciente. (COSTA, 1995). Os dados apresentados no referido trabalho demonstram que a queimadura deve ser enfocada como uma ocorrência importante, não apenas nos níveis secundário e terciário, mas, sobretudo, no nível primário de atenção à saúde da população, o que já vem sendo feito em diversas cidades com o apoio da mídia em geral. Palestras em escolas, realizadas por profissionais da área, mensagens na televisão e outras matérias jornalísticas têm abordado enfaticamente a prevenção nos últimos anos. As queimaduras, segundo RUSSO (1998), são lesões nos tecidos orgânicos decorrentes de traumas de origem térmica. Quando a pele e seus anexos são destruídos parcial ou totalmente, há um aumento nos riscos de comprometimento das estruturas mais profundas, como músculos, tendões, órgãos e ossos. 15 16 Dependendo da intensidade, do agente gerador de calor e do tempo de exposição, a queimadura pode se tornar mais ou menos grave. O levantamento do ocorrido com a vítima, a avaliação da extensão e o grau da lesão, a investigação de alergias, além de patologias agudas ou crônicas que o paciente possa ter, constituem dados de extrema importância para a assistência imediata. O encaminhamento do paciente vítima de queimadura para uma unidade especializada ocorre quando áreas nobres como face, mãos e pés, região perineal ou genitália forem comprometidas, nas situações em que existir lesão circunferencial com risco de constrição circulatória ou nos casos em que for atingida uma área superior a 20% da superfície corporal. As grandes queimaduras provocam alterações sistêmicas muito graves. Na fase aguda, as que mais preocupam são as hemodinâmicas, pois podem ocasionar desidratação, distúrbios eletrolíticos e ácido-base, choque hipovolêmico, edema localizado ou sistêmico, insuficiência renal aguda, íleo paralítico e insuficiência cardíaca congestiva. Todos esses eventos, isolados ou combinados, devem ter prioridade de atendimento a fim de se evitarem danos maiores ou mesmo a morte do paciente. Busca-se a estabilização do estado fisiológico atentando-se para as condições das vias aéreas, para a reposição volêmica, débito urinário, alívio da dor e proteção da área afetada. Além do desequilíbrio fisiológico de extrema gravidade provocado pelas alterações grandes lesões físicas, psicológicas, apresentando-se o paciente queimado fragilizado e sofre regredido emocionalmente. (LUCENA , 1981). A pele, além de ser uma barreira física que promove o equilíbrio fisiológico do corpo, liga-se às estruturas neuro-psíquicas originando um eu-pele, um eu-vivo, que caracteriza a pele psicológica. No momento em 16 17 que ocorre a queimadura em um indivíduo, há como que uma implosão dessa estrutura psicológica, devido ao rompimento violento e extremamente dolorido do limite interno da pessoa e o mundo exterior. A dor da queimadura é uma dor aguda e pungente que se constitui grande tormento para o paciente. É sentida mais intensamente durante o banho e o curativo. Daí a importância, desde o primeiro momento, de uma avaliação multiprofissional e interativa do paciente queimado, a fim de que haja uma visão integral do seu estado, do seu tratamento e recuperação. (FIRMINO, 1995). A transcrição de trechos selecionados de alguns discursos de pacientes, mencionados por GRAÇAS (1996), podem nos dar uma idéia do que a queimadura representa para a vítima, bem como a sua percepção quanto aos cuidados técnicos e relacionais recebidos da equipe de enfermagem. Os pacientes comentam: “Aí quando eu vi que meu corpo tava queimado, eu comecei a chorá. (...) No início não doía tanto, mas depois que passou a melhorá eu gritava tanto no banho.(...) Nó, mas aquilo doía tanto! Eu gritava... (...)Quando eu vi, no primeiro dia que eu fui tomá banho, quando vi meu braço, ele tava com umas pele preta, ah... eu achei ruim demais. Tinha tirado pele da minha perna, aí, o enfermeiro rancou assim, mas sangrou demais. A partir daí pra cá eu fiquei com medo de tomá banho, quando eles ia dá banho em mim eu fingia que tava dormindo só pra não tomá banho. (...) Há! É um tratamento duro. Tem enfermeira que eu morro de medo. (...) porque elas dão banho com muita força, esfrega com muita força... (...) A X (cita uma auxiliar de enfermagem) deste plantão, ela é muito boazinha comigo, tudo que eu peço ela faz pra mim.” (discurso XII) 17 18 “No começo, o banho é sofrido porque tem que esfregá bastante o local da queimadura. Tem o tal de sabão preto que eles passam, às vezes até acham que a enfermeira é ruim, que não presta, igualzinho muita gente não gosta de tal enfermeira, igualzinho eu também não gostava. Agora eu vi que era pro meu bem, né? (...) Mas no começo... falá... uma barra, viu? Difícil demais. (...) Resumindo tudo, o essencial é o carinho da enfermagem, que precisa tê. O carinho, o elogio, eu pelo menos gosto de um elogio.”(discurso XIII). “(...) Dói muito, a queimadura, ela arde, ela coça, ela pinica... (...) ... eu nunca recebi tanto carinho igual eu recebo aqui...” (discurso XV). “... eu sinto muito triste por causa da minha pele, né? Meu cabelo era muito lindo. (...) Então a minha pele ficou toda feia. (...) ... eu nunca vou ser aquela pessoa que eu era. (...) Na hora do banho eu desespero, eu fico nervosa na hora que eu olho pro meu corpo. (...)... eu pedia pra Deus pra me matá que eu não agüentava mais o sofrimento. (...) ) Aí eu sofria né? Quando jogava a água, eu não suportava a dor e desmaiava.” (discurso XVI). Ao analisar os relatos, a autora salienta, principalmente, o sofrimento causado pelas condutas terapêuticas invasivas e a dificuldade dos pacientes de reconciliarem-se com a nova imagem corporal. Quanto à assistência de enfermagem, mostra as restrições dos pacientes ao se referirem ao relacionamento e atenção a eles dispensados. Alguns chegam a reconhecer o esforço de certos funcionários, mesmo que sem êxito, em ajudá-los nos momentos mais difíceis, já outros queixam-se da impaciência, do não-envolvimento e da ausência de diálogo com a equipe. 18 19 Acreditam estarem, os cuidadores, preocupados apenas com as “tarefas” a serem feitas. Os pacientes demonstram uma profunda insatisfação quanto aos aspectos afetivos durante o atendimento e quanto à comunicação com a enfermagem. Deixam evidente que procuram na equipe de cuidadores alguém com disposição para ouvi-los, participar de suas vivências e ajudar em suas dúvidas e angústias. O discurso do paciente queimado mostra a sua experiência com relação à queimadura e a expectativa quanto aos cuidados recebidos, mas, na tentativa de situar a temática, nenhuma referência que discorresse sobre a vivência da equipe de enfermagem, ao prestar esses cuidados, foi encontrada, especialmente no que diz respeito aos auxiliares. Sabe-se que o cuidado faz parte do processo de viver. Cuidamos uns dos outros, cotidianamente. Mas existem momentos em que necessitamos de cuidados especializados. A enfermagem, regida em sua essência pelo ato de cuidar-assistir em todos os momentos da vida humana, imbuída na sua origem por um princípio de religiosidade, é enriquecida na modernidade por um saber técnico. Exercer a enfermagem é mediar o processo de transformação das necessidades do ser humano de viver saudavelmente no nascer, no ser e no morrer dignamente com ou sem auxílio de outros profissionais. É exercer o cuidado caracterizado pela dimensão integral da vida nas diversas situações de saúde-doença. (PATRÍCIO, 1996). Compreendendo-se o cuidado como um termo que implica a idéia de ação, a definição de cuidar abrangeria preocupar-se com, atentar para, ter responsabilidade por, observar com afeto, simpatia ou amor, independentemente da cultura na qual se está inserido. Os atributos essenciais desse processo fazem parte das preocupações da enfermagem, principalmente com relação a sua definição e exploração teórica. Nunca se 19 20 desenvolveu tanto conhecimento na área da enfermagem, ainda assim é necessário que se estude “o significado do cuidado tomando em consideração o seu contexto cultural” (WALDOW, 1992). O termo “cuidar/cuidado” faz parte do cotidiano da equipe de enfermagem, sendo compreendido como as ações que esses profissionais exercem junto ao paciente. Diferente do “curar”, o cuidado, foco da prática e teoria da enfermagem, não se restringe somente à mecânica do fazer. Pretende-se, cuidando, que seja alcançada a compreensão do homem, numa interação que não somente colabore com a cura, mas que também promova a saúde e o desenvolvimento do ser. Sendo assim, seria possível conviver com a doença, mas impossível “viver sem o cuidado”. (BOEHS, 1990). Ao encerrar essa síntese teórica, emergiram para mim várias questões resultantes da ausência de estudos sobre a experiência do cuidar de pacientes queimados pelos auxiliares de enfermagem. Tal constatação me fez sentir que a minha proposta de pesquisa virá preencher, certamente, parte da lacuna existente em relação ao tema. Procurar adentrar e tentar compreender a experiência do auxiliar de enfermagem como cuidador de pessoas com queimaduras acredito ser uma oportunidade para incorporar novos conhecimentos a esta temática. 20 21 III. O CAMINHAR METODOLÓGICO 3.1. Por que Fenomenologia? Ao propor investigar os auxiliares de enfermagem sobre o cuidar do paciente queimado, tenho como expectativa ir ao encontro do significado dessa situação, através do “estar-sendo” daquele que experiencia o cuidar, e, para tal, a fenomenologia é que se apresenta, sendo uma trajetória metodológica, como o meio adequado para apreender o que almejo. A atitude fenomenológica, como afirma CAPALBO, (s.d.: 34 e 35), proporciona às coisas aparecerem com “as características que se dão”, isto é, deixando que “as essências se manifestem na transparência dos fenômenos.” Com essa proposição, pretendo direcionar o meu estudo para mostrar a experiência do auxiliar de enfermagem no seu mundo-vida profissional, cuidando do paciente queimado. A escolha pela fenomenologia se deu, portanto, porque esta se preocupa com a descrição dos fenômenos em situação de experiência existencial. Vem, pois, de encontro a minha intenção de chegar ao sujeito que cuida do paciente queimado, partindo de sua vivência, sentida e exposta por ele próprio. A fenomenologia, considerando o seu significado etmológico, é o estudo dos fenômenos, mas o termo ganha nova significação no movimento liderado por Husserl, ao rejeitar o naturalismo predominante no início deste século. Ao trilhar um novo caminho metodológico que 21 22 visava a um retorno “às coisas mesmas”, ao “puro reino das essências”, o filósofo re-significa essa terminologia. (DARTIGUES, 1973 : Prefácio). Assim, ao propor “ir à coisa mesma”, ele apresenta a principal finalidade da fenomenologia, que é a volta ao mundo da vida, isto é, “ ao mundo no qual nós já vivemos sempre e que constitui o solo de toda operação de conhecimento e de toda determinação científica.” É o retorno ao mundo irrefletido sobre o qual a ciência dever ser construída. (RICOUER, 1984:60). A fenomenologia, pode-se dizer então, é “uma filosofia que repõe as essências na existência” (...), que coloca as coisas em suspensão para “compreendê-las às afirmações da atitude natural”, sem atribuir-lhes fatores de causalidade. (MERLEAU-PONTY, 1994). Na realidade vivida, na experiência, busca-se a própria coisa, aquilo que se mostra por si só. Nos dados imediatos da consciência , está o ponto de partida, sendo que ela, “em suma, nada é, se não for em relação com o mundo.” (LYOTARD, 1967 :10-11). A concepção husserliana da consciência se traduz como “intencionalidade, como direção àquilo que não é a própria consciência”. (LUIJPEN, 1973 : 31 ). Trata-se, desta forma, de reconhecer a consciência como “projeto do mundo, destinada a um mundo que ela não abarca e nem possui, mas em direção à qual ela não cessa de se dirigir.” (MERLEAUPONTY, 1994: 15). Em relação a qualquer fenômeno a ser investigado, o tornar transparente, “à coisa no mundo”, é preciso, então, que haja uma “consciência intencionada”, voltada para ele, tendo como preocupação o esclarecimento, a compreensão daquilo que se mostra por si mesmo. 22 23 3.2. A Opção pela Análise do Fenômeno Situado Quando o fenômeno queimado?” começou a me “o que é isto cuidar do paciente inquietar, percebi que a minha preocupação era compreendê-lo como um todo, desejava conhecê-lo sem fragmentá-lo. E, ao lhe dirigir intencionalmente o meu olhar, tentando apreendê-lo no seu sentido total, vi que estava diante de uma situação passível de ser investigada pela fenomenologia. Certa da trajetória metodológica, optei, entre as modalidades de pesquisas fenomenológicas existentes, por trabalhar pela análise do fenômeno situado, descrita por MARTINS & BICUDO (1989). Segundo os autores, para investigar o fenômeno, é preciso situálo. Situar exige ir de encontro aos sujeitos que o vivenciam na coexistência com os outros e com o mundo circundante. Neste contexto está a “região de inquérito”, na qual será possível a aproximação com o fenômeno. Direcionados pela “intencionalidade” de nossa consciência, pela disponibilidade de olhar profundamente para o fenômeno que nos incomoda, surge a interrogação que será dirigida àqueles sujeitos. A pesquisa fenomenológica parte, então, não de um problema, mas de uma pergunta: “O que é isto que estão vivendo?” O relato da pessoa vivenciadora à qual dirigimos a nossa questão, ou seja, a descrição da sua experiência numa determinada situação é que tomamos como ponto de referência para construir nossa trajetória metodológica e mostrar o fenômeno questionado. A descrição fenomenológica, a redução e a compreensão são três momentos fundamentais no caminhar fenomenológico. É importante salientar que os mesmos não ocorrem seqüencialmente, mas durante todo o 23 24 percurso de elaboração da pesquisa, superpondo-se em uma combinação indispensável para o desenvolvimento da análise. Para compreender o fenômeno que nos inquieta, necessário será captar a sua essência nas descrições das experiências dos sujeitos que o vivenciam. Quando nos dirigimos ao “mundo-vida” do sujeito, no qual o fenômeno interrogado está sendo por ele vivenciado, estamos indo de encontro aos significados contidos no seu relato, “à coisa mesma.” É na subjetividade do depoente, na sua fala ingênua que emerge o seu mundo, a sua história, a sua intenção. Deste modo, procuram-se nos discursos novos significados de um momento existencial, no qual transcorre a vivência do fenômeno pelo sujeito. Cabe, no entanto, ao pesquisador que escuta o discurso criar para o leitor uma reprodução clara da experiência relatada, e essa função será bem sucedida se o outro reconhecer no que foi descrito o objeto que se pesquisa. A redução, na fenomenologia, tem como objetivo encontrar nos relatos do sujeito o desvelamento e surgimento do mundo no seu real significado. Visa mostrar o mundo “tal como ele é, antes de qualquer retorno sobre nós mesmos”. Procura resgatar a sua concepção original, deixando em suspensão todo o acervo de conhecimentos até então adquiridos, pois “o mundo está ali antes de qualquer análise que eu possa fazer dele”. (MERLEAU-PONTY, 1994: prefácio). Assim, ao direcionarmos o olhar para um fenômeno, devemos estar livres de qualquer classificação ou sistematização a priori. A fenomenologia propõe uma abertura para o fenômeno que seja a mais despojada de preconceitos, a mais ingênua possível. A consciência deve, a partir da redução, atentar para o conteúdo essencial do fenômeno e apreender o seu significado mais puro. (HUSSERL, 1929:16 e 17). 24 25 Na redução, Husserl nos convida a entrar no mundo imbuídos de uma “atitude natural” para perceber suas nuances. É com essa atitude que podemos descobrir a realidade e acolher o mundo tal como o vivemos antes da reflexão. (MERLEAU-PONTY, 1973:22). Essa atitude consiste em abarcar o fenômeno sem considerar preconceitos, crenças, hipóteses e nem se valer de explicações causais. Deve-se colocá-lo em evidência, eliminando todo e qualquer referencial teórico paradigmático. Não que se tenha de desconsiderar toda uma postura prévia, pois o fenômeno já estava aí antes que nos déssemos conta dele e permanecerá depois de nós. Trata-se, sim, de precisar os significados atribuídos pelo sujeito vivenciador de uma experiência na multiplicidade de sua aparência. (MACHADO, 1994:38). A demonstração da consciência intencionada foi a grande realização do pensamento de Husserl e é por meio dessa intencionalidade que ocorre a diferenciação da “compreensão” fenomenológica da “intelecção” clássica. Compreender fenomenologicamente é “reapoderarse da intenção total”, reencontrar “sob todos os aspectos a mesma estrutura do ser.”( MERLEAU-PONTY, 1994: Prefácio). A compreensão, na qual permeia a interpretação, é, portanto, o des-velamento da experiência vivenciada pelo sujeito tal como ela se apresenta na nossa própria experiência ao lidar com aquilo que nos é relatado. Esse momento é percorrido, pelo pesquisador, num encontro de intersubjetividades, num envolvimento existencial, em que o discurso relatado do sujeito é analisado. É um processo contínuo de interseção de mundos e também de afastamento reflexivo, num envolvimento existencial em que o pesquisador busca e doa significado no esforço de compreender o discurso e chegar a estrutura do fenômeno. (GRAÇAS, 1996). 25 26 Para tal, toma-se como ponto de partida a variação imaginativa, ou seja, utilizando a reflexão como recurso metodológico, o investigador atenta para a percepção do depoente sobre a vivência relatada e procura situar-se nela, imaginando a presença ou ausência de momentos significativos da experiência. A partir daí procede-se à comparação com a eliminação das partes inexpressivas do discurso e à seleção daquelas essenciais para a elucidação do fenômeno. (MARTINS, 1992:59-60). A compreensão, então, torna-se possível quando o resultado da redução fenomenológica pode ser reconhecido asserções significativas como um conjunto de que apontam para a experiência do sujeito pesquisado. Na modalidade de pesquisa qualitativa fenomenológica proposta para este estudo, a partir da organização das asserções significativas, o pesquisador, pelo exercício da reflexão, transforma a descrição ingênua do sujeito sobre o fenômeno em um discurso psicológico ou social, o qual se denomina análise ideográfica. Após a análise da ideologia de cada relato, o pesquisador pode optar pela análise nomotética em que se busca a apreensão global do que se mostra nos casos individuais, realizando a passagem de uma estrutura psicológica individual para uma estrutura psicológica geral. Percorrendo o caminho metodológico sugerido pela fenomenologia, o pesquisador pode compreender a essência e o contexto existencial do fenômeno que ele próprio situou e indagou, e, assim, vislumbrar algumas possibilidades de vir a ser, com relação ao mesmo. 26 27 3.3. Coleta e Análise dos Depoimentos Este trabalho teve como região de inquérito o mundo vivido do auxiliar de enfermagem na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Pronto Socorro João XXIII de Belo Horizonte em Minas Gerais. Nele, busquei a compreensão existencial do “ser-aí”, cuidando do paciente queimado. Para que essa compreensão se efetivasse, era necessário que o auxiliar desse o seu depoimento e, através da linguagem expressa, compartilhasse comigo a sua experiência. Tornava-se imprescindível, portanto, que me falasse do significado que o cuidar de um paciente queimado tem para ele, com suas próprias palavras, traduzindo, desta forma, a percepção de sua vivência como “ser-cuidador”. Para coletar os depoimentos, inicialmente, encaminhei o projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa - (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais, e, de posse da autorização, solicitei à Coordenadoria de Pesquisa da Fundação Hospitalar de Minas Gerais permissão para desenvolver o estudo na unidade da instituição escolhida. Todos os auxiliares de enfermagem dos plantões diurnos foram contatados e informados sobre a importância do estudo, a maneira como seriam coletados os dados, o compromisso do pesquisador de manter o anonimato das pessoas pesquisadas e a segurança que teriam para dizer tudo que considerassem importante sobre o assunto. Desta forma, pretendi deixá-los informados sobre o estudo e à vontade para que pudessem fazer a opção de participarem ou não do mesmo. A abordagem dos auxiliares deu-se em horários previamente combinados com as chefias das unidades, de modo que não interviram na organização das atividades do setor. 27 28 O plantão noturno foi excluído por sugestão da própria coordenação geral de enfermagem, que considerou impróprio o desenvolvimento da investigação em horário no qual não estivesse presente. A coleta dos depoimentos teve início imediatamente após o aceite de cada auxiliar e foi realizada na própria instituição, em um lugar tranqüilo, onde não houve interferências externas durante os relatos. Estes só terminavam quando os participantes deixavam claro que não tinham mais nada a dizer sobre a pergunta norteadora. Os discursos foram gravados e posteriormente transcritos. Em todo o processo de transcrição, mantive-os na íntegra, conservando a linguagem tal como foi expressa, sem mudanças ou perda de conteúdo. Nessa modalidade de pesquisa, o número de participantes é condicionado à compreensão do fenômeno que se interroga; assim sendo, quando os relatos começaram a se repetir, não trazendo mais conteúdos significativos para o desvelamento do fenômeno, considerei finalizada a coleta das descrições. Foram ouvidos, então, 09 depoimentos de auxiliares de enfermagem, todas trabalhavam de 2 a 20 anos cuidando de pacientes queimados na unidade. Após a realização das transcrições, cada relato foi lido sucessivamente na busca da compreensão do fenômeno em seu sentido global. Selecionei e enumerei seqüencialmente, destacando em negrito, no próprio discurso, partes em que acreditei estarem as revelações significativas referentes à experiência do sujeito, as “unidades de significado”, as quais foram alistadas e transcritas numa linguagem mais clara, embora conservando, o mais fielmente possível, as falas do sujeito. 28 29 Em cada discurso, agrupei e denominei as unidades conforme as convergências temáticas e, então, busquei interpretá-las e sintetizá-las, tendo sempre como referência a idéia original do relato. Estes dois momentos foram apresentados em colunas denominadas “Grupos Temáticos” e “Asserções Significativas Interpretadas”. Na redação final, formalizei a “análise ideográfica”, na qual está contida uma síntese das proposições significativas, que revela o pensar de cada auxiliar de enfermagem sobre o tema pesquisado. Em seguida, elaborei a análise nomotética, procurando passar de uma reflexão psicológica individual percepção do fenômeno. Para tal, para uma reflexão geral da agrupei as convergências e as divergências temáticas de todos os discursos, considerando igualmente as idiossincrasias, ou seja, asserções com abordagens singulares, mas que, a meu ver, eram relevantes para o esclarecimento do fenômeno. Os grupos temáticos foram, então, reagrupados em quatro categorias: “O Cuidar e as Dificuldades do Cotidiano”, “Cuidar é Gostar do que se Faz”, “Cuidar é Agir Orientado pelo Saber” e “O cuidar e o Trabalho em Equipe”. Construí, então, a matriz nomotética, apresentando as categorias e os grupos de temas que compõem cada uma, citando os números dos discursos e as letras das asserções significativas interpretadas em que podem ser encontrados os trechos dos relatos que as retratam. Os grupos temáticos encontrados indicam as categorias refletidas na construção final dos resultados. Foi dessa maneira que pretendi apropriar-me do fenômeno “cuidar do paciente queimado”, em sua intenção total. 29 30 V. DISCURSOS E ANÁLISES IDEOGRÁFICAS DISCURSO 01 Pesquisador: O que é para você cuidar do paciente queimado? Cuidar do paciente queimado é muito difícil.1 Cuidar do paciente queimado significa que eu... Que uma pessoa tem que trabalhar com muita dedicação, muito amor e tem que ter muita força senão não agüenta.2 Porque ele é um paciente grave, né, e que requer um cuidado intensivo, uma atenção especial... A todo momento o quadro dele muda... Pra cada tipo de queimadura você tem que saber a evolução deste paciente... Pra cada tipo de queimadura... Se a queimadura é leve, se é elétrica, você tem que saber onde ele deu entrada, onde deu saída, você vai observar se é queimado num ambiente fechado, é diferente ...3 Agora, o nosso papel de auxiliar de enfermagem é dedicação, acima de tudo gostar do paciente queimado, gostar dele, investir nele até as últimas consequências.4 É assim que eu vejo, é assim que eu faço. E gosto de trabalhar com queimado, trabalho há 14 anos somente no 9° andar, desde que inaugurou isso aqui. Começou no 6º andar, na época era banho de banheira, de imersão. Era uma coisa muito nojenta, sabe? Depois eles foram vendo que precisava mudar, era curativo com Furacim ainda, depois foi constatado que o Furacim é meio de cultura, depois Colagenase, né, e mudava de acordo com a fase. Agora é com PVPI tópico e Clororex no banho, Dermacerium nos sete primeiros dias de queimado e depois entra com a Sulfadiazina de Prata. Nas orelhas, Marcodine, esta é a rotina, e Óleo Mineral, né, quando já está todo cicatrizado, o médico manda aplicar, né, na medida que o paciente vai tendo condições, você 30 31 vai liberando menos gaze, né? No princípio você verifica os edemas, tem que olhar tudo, tudo, tudo. 5 Pesq._ Tem que olhar tudo. _ É tem que olhar o aspecto psicológico, a parte psicológica do paciente, porque a maioria das pessoas aqui parece que... A gente acha que o paciente quando queima não deixa de ser afetado psicologicamente, você olha tudo.6 A sua avaliação para o paciente, quando você recebe o paciente, psicológico, né, a natureza da queimadura, as condições que ele foi queimado, a história pregressa, o que ele já tinha quando ele queimou, se fazia uso de algum medicamento, estas coisas assim, né. A gente faz na evolução. 7 O cuidar é isso que você tá vendo lá na oito, é investir doze horas de cuidado intensivo, olhar a parte renal... É isso que é cuidar 8. E eu me sinto bem, apesar de você sofrer junto com ele, porque a gente sofre muito com este tipo de paciente, mas eu gosto de cuidar do paciente queimado, já acostumei, 9 tenho aquela satisfação de levantar o paciente no quarto, igual quando ele evolui bem, né. Você acompanha tudo, os debridamentos, as granulações, as enxertias. 10 Até o paciente descer, coitado! A gente nunca vê uma alta, né, a gente fica no 9° andar, então nunca vê uma alta, só vê transferência. É muito raro. Então os pacientes tudo têm medo da gente porque fica tudo traumatizado. Os pacientes chegam a agredir a gente, às vezes de bater mesmo... Então a gente conversa com o médico, chama o psiquiatra e aí passa um calmante pra ele. 11 (Pausa) Pesq._ Para você cuidar do paciente queimado é isso que você disse? _ Tem que falar mais alguma coisa? Pesq._ Você disse tudo o que é para você cuidar do paciente queimado? _ É eu acho que disse. 31 32 Pesq._ Gostaria de dizer mais alguma coisa? _ Não. Pesq._ Bom, então, muito obrigada pela sua colaboração. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. Cuidar do paciente queimado é muito difícil. Cuidar do paciente queimado é difícil. 2. Cuidar do paciente queimado significa que eu... Que uma pessoa tem que trabalhar com muita dedicação, muito amor e tem que ter muita força senão não agüenta. Para cuidar do paciente, tem de ter muita dedicação, muito amor e muita força ou a pessoa não agüenta. 3. (...) ele requer um cuidado intensivo, uma atenção especial... A todo momento o quadro dele muda... Pra cada tipo de queimadura você tem que saber a evolução deste paciente... Se a queimadura é leve, se é elétrica, você tem que saber onde ele deu entrada, onde deu saída, você vai observar se é queimado num ambiente fechado, é diferente ... Cuidar do paciente queimado requer cuidados intensivos e atenção especial devido à instabilidade do seu quadro. É necessário ter conhecimento das condições em que se deu a queimadura e características da lesão, pois os cuidados vão ser diferentes para cada situação. 4. (...) o nosso papel de auxiliar de enfermagem é dedicação, acima de tudo gostar do paciente queimado, gostar dele, investir nele até as últimas consequências 32 33 O papel do auxiliar de enfermagem é ser dedicado e, acima de tudo, gostar do paciente queimado, investindo nele até as últimas conseqüências. 5. Agora é com PVPI tópico e Clororrex no banho, Dermacerium nos sete primeiros dias de queimado e depois entra com a Sulfadiazina de Prata. Nas orelhas, Marcodine, esta é a rotina, e óleo mineral, né, quando já está todo cicatrizado, o médico manda aplicar, né, na medida que o paciente vai tendo condições, você vai liberando menos gaze, né? No princípio você verifica os edemas, tem que olhar tudo, tudo, tudo. Deve seguir a rotina, mas estar atenta para a avaliação geral do paciente. 6. (...) tem que olhar o aspecto psicológico, a parte psicológica do paciente, porque a maioria das pessoas aqui parece que... A gente acha que o paciente quando queima não deixa de ser afetado psicologicamente, você olha tudo. O paciente, quando sofre uma queimadura, é afetado psicologicamente; por isto, ao cuidar, deve-se levar em consideração também o aspecto psicológico. 7. (...) quando você recebe o paciente, psicológico, né, a natureza da queimadura, as condições que ele foi queimado, a história pregressa, o que ele já tinha quando ele queimou, se fazia uso de algum medicamento, estas coisas assim, né. A gente faz na evolução. Ao admitir o paciente na unidade, tem-se de considerar a história pregressa e as condições em que se deu a queimadura. 33 34 8. O cuidar é (...) investir doze horas de cuidado intensivo, olhar a parte renal... É isso que é cuidar. Cuidar é observar o paciente e investir todo o tempo em cuidados intensivos. 9. E eu me sinto bem, apesar de você sofrer junto com ele, porque a gente sofre muito com este tipo de paciente, mas eu gosto de cuidar do paciente queimado(...) Gosta de cuidar do paciente queimado, apesar de “sofrer muito”, de “sofrer junto com ele”. 10. (...) tenho aquela satisfação de levantar o paciente no quarto, igual quando ele evolui bem, né. Você acompanha tudo, os debridamentos, as granulações, as enxertias. Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução do paciente e ver a sua melhora. 11. (...) os paciente tudo tem medo da gente porque fica tudo traumatizado. Os pacientes chegam a agredir a gente, às vezes de bater mesmo... Então a gente conversa com o médico, chama o psiquiatra e aí passa um calmante pra ele. Às vezes, ao prestarem os cuidados, chegam a ser agredidos fisicamente pelo paciente, numa reação causada pelo sofrimento que este sente durante a execução de alguns procedimentos 34 35 Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 1- Cuidar do paciente queimado é difícil.11- Às Afirma que cuidar do paciente queimado é difícil. Ás vezes, ao prestarem os cuidados, chegam a ser vezes, ao prestarem os cuidados, chegam a agredidos fisicamente pelo paciente, numa reação agredidos fisicamente por ele, numa reação causada causada pelo sofrimento que este sente durante a pelo sofrimento que este sente durante a execução de execução de alguns procedimentos. alguns procedimentos. (U.S. 1 e 11) b) Cuidar é gostar do que se faz b) Cuidar é gostar do que se faz 4- O papel do auxiliar de enfermagem é ser Acha que o papel do auxiliar de enfermagem é ser dedicado e, acima de tudo, gostar do paciente dedicado e, acima de tudo, gostar do paciente queimado, as queimado, as investindo nele até últimas investindo nele até ser últimas conseqüências. conseqüências. (U.S. 4) c) Cuidar é se dedicar c) Cuidar é se dedicar 2- Para cuidar do paciente, tem de ter muita Para cuidar do paciente tem de ter muita dedicação, dedicação, muito amor e muita força ou a pessoa muito amor e muita força ou a pessoa não agüenta. não agüenta. (U.S. 2 ) d) Cuidar é tratar do ser doente 3- Cuidar do paciente queimado requer cuidados d) Cuidar é tratar do ser doente intensivos e atenção especial devido à instabilidade Cuidar do seu quadro. É necessário ter conhecimento das intensivos e atenção especial devido à instabilidade do condições em que se deu a queimadura e seu estado de saúde. É necessário ter conhecimento das características da lesão, pois os cuidados vão ser condições individuais, diferentes para cada situação. 6- O paciente, diferentes para cada situação. O paciente, quando sofre quando afetado uma queimadura, é afetado psicologicamente; por isto, psicologicamente; por isto, ao cuidar, deve-se levar ao cuidar, deve-se levar em consideração também o em consideração também o aspecto psicológico. aspecto psicológico. (U.S. 3 e 6) sofre uma queimadura, é e) Cuidar é estar atento do paciente queimado requer cuidados pois os cuidados vão ser e) Cuidar é estar atento 5- Deve seguir a rotina, mas estar atenta para a Sabe que deve seguir a rotina, mas precisa estar atenta avaliação geral do paciente. 7- Ao admitir o para a avaliação geral do paciente. Ao admiti-lo na paciente na unidade, tem-se de considerar a unidade, tem-se de considerar a sua história pregressa e história pregressa e as condições em que se deu a as condições em que se deu a queimadura. Acredita queimadura. 8- Cuidar é observar o paciente e que cuidar é observar e investir todo o tempo em 35 36 investir todo o tempo em cuidados intensivos. 10- cuidados intensivos. Sente-se satisfeita em acompanhar Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução do a evolução e constatar a melhora do paciente. (U.S. 5, paciente e ver a sua melhora. 7, 8 e 10) f) Cuidar compreendendo a dor f) Cuidar compreendendo a dor 9 - Gosta de cuidar do paciente queimado, apesar Gosta de cuidar do paciente queimado, apesar de “sofrer muito”, de “sofrer junto com ele”. “sofrer muito”, de “sofrer junto com ele”. (U.S. 9) Análise Ideográfica Nesse relato, o auxiliar afirma que cuidar do paciente queimado é difícil, pois o sofrimento que este sente durante a execução de alguns procedimentos é tão intenso que, às vezes, reage, agredindo o cuidador. Diz que é preciso ter muita força, mas, acima de tudo, gostar do que se faz para ser capaz de se dedicar ao máximo à pessoa queimada. É necessário ter conhecimento da história pregressa e das condições de cada um, já que os cuidados serão diferenciados, dependendo de cada situação. Assim sendo, apesar das rotinas determinados somente preconizadas no setor, esses cuidados são após uma avaliação geral do paciente, o que, geralmente, é freqüente, por causa da instabilidade do seu estado de saúde. Salienta que deve ser levada em conta a pessoa e não somente a queimadura. Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução do paciente e constatar a sua melhora. Gosta do que faz, apesar de sofrer com a dor dessas pessoas. 36 de 37 DISCURSO 02 Pesq.: O que é para você cuidar do paciente queimado? _ Cuidar? Pra mim é dedicar totalmente ao paciente1 , né, geralmente, um paciente carente, que necessita de cuidados médicos. A maioria deles são pacientes que têm problemas psicológicos, auto-extermínio aqui tem muito. Então a gente tem sempre que dar uma atenção, sempre que eles ... Te procuram, né, querendo falar , resolver qualquer problema, mesmo que você não consegue resolver, mas com a ajuda de outro aqui, outro lá, você consegue pelo menos ajudar,né. Tem problema que passa pra gente mas você não pode resolver, mas tem que ir com todo jeitinho, né. Assim, tem que dedicar ao máximo pra atender tudo aquilo que ele quer e que ele precisa2. Agora, se você quer saber sobre o plano de cuidados da enfermagem, tem todos os medicamentos pra prevenção da infecção que tem que fazer, né. Mas tem o banho que é a hora crucial, né, que o paciente mais sofre, tem que ter muita paciência, tem que ter muita calma, tem que saber levar o paciente. Porque tem paciente que, principalmente criança, né, que à noite eles já ficam pensando, né, no outro dia, sofrendo por causa do banho, vai clareando, e eles sofrendo. Então eu acho que tem que saber ter mais tática com o paciente queimado3. Pra gente também, né, porque a gente sofre junto com ele, eu acho, mas a gente sofre... Muita dor né, com o paciente junto. É muito sofrimento... 4 Mas o banho é muito importante, não tem jeito, não tem como.Até que melhorou pra gente, agora que passa o PVPI tópico só depois que esfregou a gasinha, não é como antes que tinha que esfregar com o PVPI, nessa hora aí o pessoal discute muito né, diz que tem que jogar, deixar três minutos pra agir e aí o paciente não agüenta, ele não consegue, é impossível, paciente grita, é como se 37 38 tivesse queimando ele novamente, né. Eles falam que tá botando fogo neles de novo. Tópico, né, é violento, isso aí tem que ser discutido. Uns falam que não faz o efeito desejado e sacrifica os pacientes demais. Totalmente fora, isso aí não dá pra entender. Eu acho que não está tendo a resposta adequada e só faz o paciente sofrer mais. 5 Pesq._ Sofrer mais. _ É, o paciente sofre, mas no geral dá pra levar. Um faz de um jeito, outro faz de outro, mas isso aí fica mais é a cargo da chefia pra colocar de um jeito que todos fizessem. Porque se um faz de um jeito que eu não acho certo, eu não posso entrar nesse mérito, né. Então cabe mais à chefia olhar isso. 6 Pesq._ Cuidar do paciente queimado, então é isso. _ É isso. Pesq._ Obrigada. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. Cuidar? Pra mim é dedicar totalmente ao paciente. Cuidar é dedicar-se totalmente ao paciente. 2. (...) tem sempre que dar uma atenção, sempre que eles ... Te procuram, né, querendo falar , resolver qualquer problema, mesmo que você não consegue resolver, mas com a ajuda de outro aqui, outro lá, você consegue pelo menos ajudar,né. Tem problema que passa pra gente mas você não pode resolver, mas tem que ir com todo jeitinho, né. Assim, tem que dedicar ao máximo pra atender todo aquilo que ele quer e que ele precisa. 38 39 Tem sempre que dar atenção ao paciente. Mesmo sentindo dificuldades em ajudá-lo nas questões emocionais, procura dedicar-se ao máximo para atender suas necessidades. 3. (...) tem o banho que é a hora crucial, né, que o paciente mais sofre, tem que ter muita paciência, tem que ter muita calma, tem que saber levar o paciente. Porque tem paciente que, principalmente criança, né, que à noite eles já ficam pensando, né, no outro dia, sofrendo por causa do banho, vai clareando, e eles sofrendo. Então eu acho que tem que saber ter mais tática com o paciente queimado. 3 Durante o banho é quando o paciente mais sofre. Nesse momento, é necessário ter muita calma, paciência, e é preciso saber levá-lo, já que ele começa a sofrer desde a noite anterior, principalmente se é criança. 4. (...) a gente sofre junto com ele, eu acho, mas a gente sofre... Muita dor né, com o paciente junto. É muito sofrimento (...) 4 Sofre-se juntamente com o paciente, pois a sua dor é muito grande. 5. (...) o pessoal discute muito né, diz que tem que jogar, deixar três minutos pra agir e aí o paciente não agüenta, ele não consegue, é impossível, paciente grita, é como se tivesse queimando ele novamente, né. Eles falam que tá botando fogo neles de novo. Tópico, né, é violento, isso aí tem que ser discutido. Uns falam que não faz o efeito desejado e sacrifica os pacientes demais. Totalmente fora, isso aí não dá pra entender. Eu acho que não está tendo a resposta adequada e só faz o paciente sofrer mais. 39 40 Pensa que deve ser discutido o uso do PVPI na limpeza das lesões, porque acha que ele não traz a resposta esperada e faz o paciente sofrer ainda mais. 6. Um faz de um jeito, outro faz de outro, mas isso aí fica mais é a cargo da chefia pra colocar de um jeito que todos fizessem. Porque se um faz de um jeito que eu não acho certo, eu não posso entrar nesse mérito, né. Então cabe mais à chefia olhar isso. Como auxiliar, pensa que não pode interferir na organização do serviço, mas considera que, se cada funcionário executa o cuidado de um jeito e se, às vezes, o realiza de forma errada, cabe à chefia estar atenta para isso. Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é se dedicar a) Cuidar é se dedicar 1- Cuidar é dedicar-se totalmente ao paciente. Cuidar é dar atenção 2- Tem sempre que dar atenção ao paciente. Mesmo paciente. Mesmo sentindo dificuldades em ajudá-lo sentindo dificuldades em ajudá-lo nas nas emocionais, procura questões dedicar-se ao máximo para e dedicar-se totalmente ao questões emocionais, procura atender, ao máximo, suas necessidades. (U.S. 1 e 2 ) atender suas necessidades. b) Cuidar é agir orientado pelo saber b) Cuidar é agir orientado pelo saber 3- Durante o banho é quando o paciente mais Durante o banho é quando o paciente mais sofre. Nesse momento, é necessário ter muita sofre. Nesse momento, é necessário ter muita calma, paciência, e é preciso saber “levá-lo”, calma, paciência, e é preciso saber “levá-lo”, já já que que ele começa a sofrer desde a noite anterior, ele começa a sofrer desde a noite anterior, principalmente se é criança. principalmente se é criança. (U.S. 3) c) Cuidar compreendendo a dor c) Cuidar compreendendo a dor 4- Sofre-se juntamente com o paciente, pois a sua dor Sofre-se juntamente com o paciente, pois a sua dor é é muito grande. muito grande. (U.S. 4) 40 41 d) Cuidar é repensar as ações d) Cuidar é repensar as ações 5- Pensa que deve ser discutido o uso do PVPI na Como auxiliar, acha que não pode interferir na limpeza das lesões, porque acha que ele não traz a resposta esperada e faz o paciente sofrer ainda mais. 6- Como auxiliar, pensa que não pode interferir na organização do serviço, mas considera que, se cada funcionário executa o cuidado de um jeito e se, às vezes, o realiza de forma errada, cabe à chefia estar organização do serviço, mas considera que caberia a chefia estar atenta para garantir a homogeneização e execução correta dos cuidados. Pensa que deve ser discutido o uso do PVPI na limpeza das lesões, porque acha que ele não traz a resposta esperada e faz o paciente sofrer ainda mais. (U.S. 5 e 6 ) atenta para isso. Análise Ideográfica Considera que cuidar é dar atenção e dedicar-se totalmente ao paciente. É esforçar-se, ao máximo, para atender suas necessidades, mesmo quando se tem dificuldades em ajudá-lo, como no caso dos problemas emocionais. Segundo sua percepção, o momento em que o paciente queimado mais sofre é durante o banho. O sofrimento começa desde a noite anterior, principalmente quando se trata de criança. Por isso, ao executar esse procedimento, é preciso ter muita paciência. Afirma que sofre quando está cuidando, uma vez que a dor das pessoas com queimaduras é intensa. Apesar de não ter autonomia para interferir na organização do setor, pensa que determinados produtos utilizados no tratamento de queimaduras necessitam ser reavaliados, uma vez que não surtem o efeito esperado e aumentam o sofrimento do paciente. Acha, também, que caberia à chefia padronizar a maneira de executar os cuidados para garantir a realização correta dos mesmos. 41 42 DISCURSO 3 Pesq.: O que é para você cuidar do paciente queimado? _ Pra mim é... Cuidar de paciente queimado é difícil, é muito difícil. Porque a situação que a pessoa tem... A pessoa tava com saúde, né. E de repente foi acometida disso, não é, por exemplo uma doença que foi acontecendo aos poucos, não. Então, eu acho assim,você tem que tá lá, gostar do que faz, principalmente, sabe? Porque cuidar de queimado é difícil, se você não tiver um amor por aquele paciente ali, você não vai tratá-lo bem.1 Como a gente vê que tem muita gente que não trata bem. Porque é doloroso, é muito doloroso. Eu me imagino, coloco no lugar do queimado. Porque é uma coisa... Gente... A dor é profunda, sabe? Então você tem que cuidar mesmo. Com carinho, com paciência, com calma. Porque é difícil.2 Então quando eu entrei pra cá era muito desorganizado. Agora tá melhorando. Não é que tá cem por cento, não. Eu acho que a chefia tinha que aprofundar mais, sabe? Aprofundar mais, estudar cada funcionário que tem, entendeu? Acho que está faltando mais isso da supervisão. Observar cada funcionário. Não precisa falar nada não, entendeu? Não precisa falar nada, só observar. Que aí ela vai tirar as conclusão, quem que é, quem que tá cuidando bem de um queimado. Com o queimado tem que ter muita atenção, sabe? Eu que morria de medo do queimado... Hoje eu trabalho com nenen, trabalho com adulto, trabalho com qualquer tipo de queimado. Então você vê como é o sofrimento dessas pessoas, das crianças, né, dos idosos.3 Igual como a pessoa tá bem aqui, andando sabe? Eu acho que tem mais apoio da enfermagem. Quando chega assim um paciente acamado, que não tem condições de levantar, que precisa mais da gente, ele não é bem olhado, 42 43 sabe? às vezes, a equipe xinga, a equipe... É difícil falar. A gente tá no meio, a gente vê tudo mas a chefia não vê.4 Hum.. coitado, nem vou falar. Eu... Tem pessoas aqui que eu conto no dedo que eu ajudo, entendeu? Porque a gente que confere o paciente. Não usa técnica pra fazer curativo, não usa técnica, não usa nada, eu não ajudo. Você sabe porque eu não ajudo? Porque o paciente tá ali, ele tá observando tudo. Ele é paciente, ele tá observando quem tá trabalhando, quem não tá. Então eu entro pra ajudar uma pessoa que não trabalha bem, eu vou tá sendo do mesmo jeito da pessoa, pro paciente, eu vou ser do mesmo nível, 5 então anda junto. Imagina! Se a pessoa sabe trabalhar, aí eu ajudo. Eu não estou falando que eu sou poderosa, que eu sei fazer tudo não, porque quando eu não sei, eu pergunto, entendeu? Eu pergunto, ou eu vou na chefia, ou eu pergunto pra uma pessoa que eu sei que é experiente, que realmente sabe. Eu fico ali de cima.6 Hoje eu cheguei e peguei uma criança lá e vi que não tava bem. E não tava mesmo. O que eu fiz? Esperei... Chegou o médico, aí eu falei: ô doutor, não tem condições não, eu não vou aceitar aquele menino daquele jeito mais não. Tô chegando todo dia e achando essa criança assim. Porque eu é que fico lá, ele passa, prescreve e vai embora, né. Eu vou deixar ele aqui com o plantão da noite, eu vou pegar ele no meu outro plantão. Então, você que fica ali, dois anos com o paciente, você sabe como é que tá sendo a evolução. 7 Se tá melhorando, se não está, entendeu? Acho que está faltando é mais carinho e mais atenção no que faz. 8 Porque é claro que eu preciso trabalhar, eu preciso de dinheiro pra sustentar minha família, preciso de dinheiro pra me manter, tá entendendo? Mas igual eu te falei, você tem que gostar, se você não gostar, você não vai fazer nunca nada perfeito. Não faz nada perfeito se não gostar. Então tem muita gente aqui que trabalha mesmo porque é do serviço, é um trabalho, é um 43 44 ganha pão. Falar que gosta daquilo que faz é difícil, muito difícil. Eu, pra mim é isso. 9 ( pausa ) Pesq._ Pra você, cuidar do paciente queimado é isso? _É, eu acho que pode melhorar muito, tem muito pra melhorar, sabe? Tem muita coisa pra melhorar, mas tem que ter a colaboração de todos. Não adianta eu, fulano e beltrano ir lá e fazer tudo certinho, bonitinho, entendeu? Eu acho que a chefia devia buzinar mais na observação do funcionário. 10 Eu sei que é puxado, é difícil, né? Mas assim, dá pra melhorar. Tem muita coisa errada por aqui. Mas não adianta você chegar lá, vamos supor, igual teve avaliação de curativo, teve avaliação, né. Tem vários tipos de avaliação. Mas não adianta a supervisora chegar lá e falar assim: ó, eu vou te avaliar hoje e tal. Mas não adianta porque eu vou me preparar, entendeu? Agora a gente que tá aqui o dia-a-dia vendo, entrando, ajudando, você vê como que é difícil, como que tem coisa errada11 , sabe? Tem gente muito desumana aqui, sabe? Muito desumana. Eu não tenho... Eu tô aqui pra tratar, entendeu? Eu tô aqui pra ajudar. 12 Agora, adianta chegar aqui onde muita gente vem, vem né, queimada. Eu posso me intrometer no que aconteceu? Não posso ir fazer uma avaliação... Até chegar, né. Vou fazer minha admissão, né. Saber? Sim, eu tenho que saber com o que que queimou. Isso eu não preciso nem perguntar a ele, eu posso ir lá na papeleta, o médico anotou tudo. Mas tem gente que critica. Ah, aconteceu isso porque tinha que acontecer! Por que você fez isso? Boa coisa você não era. Eu não tenho nada com isso, entendeu? Isso aí acho que é particular da pessoa que tá lá. Eu não tenho que intrometer nessa parte, eu tenho que fazer o meu serviço, a minha obrigação é cuidar dele. Não importa o que que aconteceu, por que queimou, sabe? Eu não gosto das críticas que muita gente faz com os pacientes 13. Pode 44 45 observar, eu parei de ajudar muita gente aqui, eu parei. Eu ajudo realmente quem merece ajuda. Quem não faz por onde, eu não ajudo não. Faz ali naquela obrigação, sabe? Vem aqui por obrigação. Hoje eu vou lá, minha obrigação é essa. E não é assim não, não é assim não.14 Tem que orientar, né? Eu no meu primeiro dia que o paciente chega aqui, eu já oriento, sabe? Eu tenho que passar tudo um pouquinho do que que ele vai passar aqui. Então, geralmente meus pacientes não me dão trabalho, não me dá. Eu não tenho trabalho com meus pacientes.15 Igual eu vejo muita gente reclamando que o fulano é assim, que não é, que não é... Por quê? Falta de orientação, falta de orientação. Porque chega o paciente, coloca ele lá e já sai. Ele não sabe, ele tá despreparado. Ele nunca se imaginou numa situação dessa, né? Então ele fica perdido. Porque você tem que orientar, passá o que ele vai passar aqui dentro. Porque é difícil, ele vai sofrer com a dor dele, ele vai sofrer com a dor do outro paciente do lado, com o sofrimento do outro paciente lá do lado. Então, tudo isso tem que ser orientado. A pessoa nunca vai saber o que ela vai passar, né? Ela vai saber como é que banha, vai preparar, porque vai doer. Mas é preciso, é preciso o tratamento, é preciso. Se ele não tiver um tratamento certo, ele não vai melhorar, né? Então você tem que explicar passo a passo, com dedicação... Tudo que vai acontecer com ele, às vezes tem que tomar o Tilex, explicar o porquê, sabe? Às vezes precisa de passar pelo bloco cirúrgico, vai explicar porque que ele vai pro bloco cirúrgico, né? A gente tem que fazer passo a passo. É orientação também, orientar mesmo o paciente. 16 Aí no mais é isso. Pesq._ Para você cuidar do paciente queimado é isso? _ É isso. Sabe, eu acho que você tem que vir pra cá como eu venho pra cá, com muito amor. 17 Venho mesmo, sabe? Eu nunca me imaginei 45 46 cuidando de queimado, nunca, nunca, nunca, nem pensar. Não me imaginava cuidando de queimado não, sabe? Eu achava que eu nunca ia conseguir, e consegui. Mas eu faço aquilo que eu gosto, sabe? Se eu não tivesse gostado eu saía, sabe? Pra mim é isso, porque com o queimado, você tem que ter muito amor por ele. E quando você tem muito amor... é terrível, sabe? Tem uma paciente internada aqui, é uma pessoa esclarecida. Porque tem muita gente que chega aqui leiga, não sabe nada, tem gente que é mais esclarecido. E a gente conversando outro dia, né. Não tô na enfermaria dela, não tô cuidando dela. A gente conversando, ela passou pra mim que ela viu a diferença... De tratamento. Tem gente que chega aqui com ignorância... Aquilo ali... A depressão veio na hora. Ah meu Deus, mas que loucura! Ela perguntou pra mim: Você está sempre rindo. Que que você tem que só fica rindo? Aí eu falei pra ela que não, que eu vinha trabalhar com vontade de trabalhar. 18 Ela falou assim: Ó eu reparei que você passa lá e brinca com a gente e tudo. Aí é que está a diferença, eles tão notando a diferença. E olha que eu sou muito franca, às vezes as pessoas me confundem com ignorante, eu não sou ignorante. É preciso sentar comigo pra conversar. Taí uma coisa que ninguém nunca vai reclamar de mim, é eu ter maltratado paciente, não maltrato mesmo, não maltrato. 19 O que é preciso é observar. A chefia dos queimados. Tem muita coisa que eu não concordo. Eu não posso chegar, sabe, e falar com meu chefe: fulano tá fazendo isso, eu não posso chegar, sabe? E nunca vou fazer isso. A função dele é observar. Chegar em cada funcionário, saber trabalhar com cada um de um jeito e orientar né, saber dá a orientação. Então eu acho que é isso, né, as chefias são todas boas, todos excelentes, né. Mas no meu entender falta isso, pra melhorar, falta isso. 20 Então é isso. Pesq._ Cuidar do paciente queimado é isso que você falou? 46 47 _ É, é isso que eu falei, pra mim é. Pesq._ Então, muito obrigada por você ter colaborado com meu estudo. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. Cuidar de paciente queimado é difícil, é muito difícil. A pessoa tava com saúde, né. E de repente foi acometida disso (...) eu acho assim,você tem que tá lá, gostar do que faz, principalmente (...) Porque cuidar de queimado é difícil, se você não tiver um amor por aquele paciente ali, você não vai tratá-lo bem. Cuidar do paciente queimado é muito difícil. Se não gostar do que faz, sentir amor pelo paciente, a pessoa não consegue tratá-lo bem.. 2. Porque é doloroso, é muito doloroso. Eu me imagino, coloco no lugar do queimado. Porque é uma coisa... Gente... A dor é profunda, sabe? Então você tem que cuidar mesmo. Com carinho, com paciência, com calma. Porque é difícil. É muito dolorosa a queimadura para o paciente. Ao imaginar-se no lugar da pessoa queimada, percebe-se o quanto é profunda a dor dela. É preciso ter calma e paciência, pois ela sofre muito. Por isto cuidar desse paciente é difícil. 3. Com o queimado tem que ter muita atenção, sabe? Eu que morria de medo do queimado... Hoje eu trabalho com nenen, trabalho com adulto, trabalho com qualquer tipo de queimado. Então você vê como é o sofrimento dessas pessoas, das crianças, né, dos idosos. Atualmente não tem dificuldades, mas, antes, sentia muito medo de cuidar da pessoa queimada. É um paciente que requer muita atenção. 47 48 4. Quando chega assim um paciente acamado, que não tem condições de levantar, que precisa mais da gente, ele não é bem olhado, sabe? As vezes, a equipe xinga, a equipe... É difícil falar. A gente tá no meio, a gente vê tudo mas a chefia não vê. Quando um paciente mais dependente chega, ele não é bem olhado e a equipe de enfermagem não o recebe bem. 5. Tem pessoas aqui que eu conto no dedo que eu ajudo, entendeu? Porque a gente que confere o paciente. Não usa técnica pra fazer curativo, não usa técnica, não usa nada, eu não ajudo. (...) o paciente tá ali, ele tá observando tudo. Ele é páciente, ele tá observando quem tá trabalhando, quem não tá; Então eu entro pra ajudar uma pessoa que não trabalha bem, eu vou tá sendo do mesmo jeito da pessoa, pro paciente, eu vou ser do mesmo nível. Não gosta de ajudar colegas que “não trabalham direito”. Acredita que, ao ajudar uma pessoa que não “trabalha direito”, será julgada pelo paciente como sendo do mesmo “nível”. 6. (...) quando eu não sei, eu pergunto, entendeu? Eu pergunto, ou eu vou na chefia, ou eu pergunto pra uma pessoa que eu sei que é experiente, que realmente sabe. Eu fico ali de cima. Sempre que tem dúvidas ao prestar os cuidados, procura esclarecê-las com alguém mais experiente. 7. Hoje eu cheguei e peguei uma criança lá e vi que não tava bem. E não tava mesmo. O que eu fiz? Esperei... Chegou o médico, aí eu falei: ô doutor, não tem condições não, eu não vou aceitar aquele menino 48 49 daquele jeito mais não. Tô chegando todo dia e achando essa criança assim. Porque eu é que fico lá, ele passa, prescreve e vai embora, né. Eu vou deixar ele aqui com o plantão da noite, eu vou pegar ele no meu outro plantão. Então, você que fica ali, dois anos com o paciente, você sabe como é que tá sendo a evolução. Considera que a enfermagem é quem acompanha realmente a evolução do paciente, pois fica junto a ele cuidando, o tempo todo, portanto é capaz de perceber melhor as condições em que ele se encontra. 8. Acho que está faltando é mais carinho e mais atenção no que faz. Está faltando” mais carinho e atenção” nas ações da equipe de uma maneira geral. 9. Mas igual eu te falei, você tem que gostar, se você não gostar, você não vai fazer nunca nada perfeito. Não faz nada perfeito se não gostar. Então tem muita gente aqui que trabalha mesmo porque é do serviço, é um trabalho, é um ganha pão. Falar que gosta daquilo que faz é difícil, muito difícil. Eu, pra mim é isso. Tem que gostar do que se faz para trabalhar com perfeição. Existem muitas pessoas trabalhando por necessidade e não porque gostam do que fazem. Acha muito difícil encontrar, entre essas pessoas, alguém que diz gostar de cuidar do paciente queimado. 10. (...) eu acho que pode melhorar muito, tem muito pra melhorar, sabe? Tem muita coisa pra melhorar, mas tem que ter a colaboração de todos. Não adianta eu, fulano e beltrano ir lá e fazer tudo certinho, bonitinho, entendeu? Eu acho que a chefia devia buzinar mais na observação do funcionário. 49 50 Tem muita coisa para melhorar no que se refere ao cuidado, mas para tal é necessário ter a colaboração de todos. Não adianta somente alguns prestarem o cuidado de forma adequada. A chefia deveria avaliar com mais freqüência os funcionários. 11. Tem vários tipos de avaliação. Mas não adianta a supervisora chegar lá e falar assim: ó, eu vou te avaliar hoje e tal. Mas não adianta porque eu vou me preparar, entendeu? Agora a gente que tá aqui o dia-a-dia vendo, entrando, ajudando, você vê como que é difícil, como que tem coisa errada. A avaliação da supervisora deveria ser de surpresa para que ela realmente pudesse detectar as coisas erradas no setor. 12. Tem gente muito desumana aqui, sabe? Muito desumana. Eu não tenho... Eu tô aqui pra tratar, entendeu? Eu tô aqui pra ajudar. A enfermagem está ao lado do paciente para ajudá-lo, para tratar dele, mas na equipe há “gente muito desumana”. 13. (...) aqui onde muita gente vem, vem né, queimada. Eu posso me intrometer no que aconteceu? Não posso ir fazer uma avaliação até chegar, né, vou fazer minha admissão, né, saber sim, eu tenho que saber com o que que queimou. Isso eu não preciso nem perguntar ele, eu posso ir lá na papeleta, o médico anotou tudo. Mas tem gente que critica. Ah, aconteceu isso porque tinha que acontecer! Por que você fez isso? Boa coisa você não era. Eu não tenho nada com isso, entendeu? Isso aí acho que é particular da pessoa que tá lá. Eu não tenho que intrometer nessa parte, eu tenho que fazer o meu serviço, a minha obrigação é cuidar dele. Não importa o que que aconteceu, por 50 51 que queimou, sabe? Eu não gosto das críticas que muita gente faz com os pacientes. A enfermagem não tem de se “intrometer” na vida particular do paciente queimado. Independentemente do motivo da queimadura, a obrigação da equipe é cuidar dele com discrição, respeito, sem criticá-lo e sem se importar com o que ocorreu, o porquê e como ele se queimou. 14. (...) eu parei de ajudar muita gente aqui, eu parei. Eu ajudo realmente quem merece ajuda. Quem não faz por onde, eu não ajudo não. Faz ali naquela obrigação, sabe? Vem aqui por obrigação. Hoje eu vou lá, minha obrigação é essa. E não é assim não, não é assim não. Só ajuda os colegas que merecem ajuda, aqueles que prestam os cuidados direito, pois não é cuidador quem trabalha por obrigação. 15. Tem que orientar, né? Eu no meu primeiro dia que o paciente chega aqui, eu já oriento, sabe? Eu tenho que passar tudo um pouquinho do que que ele vai passar aqui. Então, geralmente meus pacientes não me dão trabalho, não me dá. Eu não tenho trabalho com meus pacientes. O paciente tem de ser orientado. Se for orientado com relação a tudo que vai vivenciar, ele não dará trabalho. 16. (...) você tem que orientar, passá o que ele vai passar aqui dentro. Porque é difícil, ele vai sofrer com a dor dele, ele vai sofrer com a dor do outro paciente do lado, com o sofrimento do outro paciente lá do lado. Então, tudo isso tem que ser orientado. A pessoa nunca vai saber o que ela vai passar, né? Ela vai saber como é que banha, vai preparar, porque vai doer. Mas é preciso, é preciso o tratamento, é preciso. Se ele 51 52 não tiver um tratamento certo, ele não vai melhorar, né? Então você tem que explicar passo a passo, com dedicação... Tudo que vai acontecer com ele, às vezes tem que tomar o Tilex, explicar o porquê, sabe? Às vezes precisa de passar pelo bloco cirúrgico, vai explicar porque que ele vai pro bloco cirúrgico, né? A gente tem que fazer passo a passo. É orientação também, orientar mesmo o paciente. Deve ser explicado para o paciente, passo a passo, todo o cuidado que lhe será prestado. Ele precisa ser preparado, pois vai conviver com a sua dor e com a dor dos outros companheiros de enfermaria. Deve ser orientado sobre os banhos, o porquê de tomar os analgésicos, de ir para o bloco cirúrgico, enfim, sobre tudo o que vai acontecer com ele durante o tratamento. 17. (...) você tem que vir pra cá como eu venho pra cá, com muito amor. Para cuidar, tem que ter amor pelo que faz. 18. Eu nunca me imaginei cuidando de queimado, nunca, nunca, nunca, nem pensar. Eu achava que eu nunca ia conseguir, e consegui. Mas eu faço aquilo que eu gosto, sabe? Se eu não tivesse gostado eu saía, sabe? Pra mim é isso, porque com o queimado, você tem que ter muito amor por ele. Tem uma paciente internada aqui (...) Ela perguntou pra mim: (...) Que que você só fica rindo? Aí eu falei pra ela que não, que eu vinha trabalhar com vontade de trabalhar. Não se imaginava cuidando da pessoa queimada. Achava que nunca iria conseguir.Faz aquilo de que gosta, pois, para cuidar do queimado, tem que ter muito amor e ir “trabalhar com vontade de trabalhar”. 52 53 19. (...) eles tão notando a diferença. Os pacientes notam a diferença entre os cuidadores. 20. Taí uma coisa que ninguem nunca vai reclamar de mim, é eu ter maltratado paciente, não maltrato mesmo, não maltrato. (...) é preciso observar. A chefia dos queimados. Tem muita coisa que eu não concordo. Eu não posso chegar, sabe, e falar com meu chefe: fulano tá fazendo isso, eu não posso chegar, sabe? A função dele é observar. Chegar em cada funcionário, saber trabalhar com cada um de um jeito e orientar né, saber dá a orientação. Então eu acho que é isso, né, as chefias são todas boas, todos excelentes, né. Mas no meu entender falta isso, pra melhorar, falta isso. Não concorda com muitas coisas que vê na unidade, mas não pode chegar na chefia e falar o que sente. Considera que as chefias são boas, mas pensa que deveriam observar e orientar cada funcionário para melhorar os cuidados prestados. Grupos Temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 1- Cuidar do paciente queimado é muito difícil. Se Cuidar do paciente queimado é difícil, uma vez não gostar do que faz, sentir amor pelo paciente, a que a queimadura é dolorosa e ele sofre muito. Por pessoa não consegue tratá-lo bem. 2- É muito isso, é preciso gostar do que se faz, sentir amor dolorosa a queimadura para o paciente. Ao pela pessoa e ter paciência para tratá-la bem e imaginar-se no lugar da pessoa queimada, percebe- trabalhar com perfeição. Achava que não iria se o quanto é profunda a dor dela. É preciso ter conseguir cuidar da pessoa queimada uma vez que calma e paciência, pois ela sofre muito. Por isto tinha medo e jamais imaginou que algum dia faria cuidar desse paciente é difícil. 3- Atualmente não isto. Atualmente, não sente mais dificuldades. (U.S. tem dificuldades, mas, antes, sentia muito medo de 1, 2, 9, 11 e 18) cuidar da pessoa queimada. É um paciente que requer muita atenção. 9- Tem que gostar do que se faz para trabalhar com perfeição. Existem muitas 53 54 pessoas trabalhando por necessidade e não porque gostam do que fazem. Acha muito difícil encontrar, entre essas pessoas, alguém que diz gostar de cuidar do paciente queimado. 18 - Não se imaginava cuidando da pessoa queimada. Achava que nunca iria conseguir.Faz aquilo de que gosta, pois, para cuidar do queimado, tem que ter muito amor e ir “trabalhar com vontade de trabalhar”. b) - Cuidar é gostar do que se faz b) – Cuidar é gostar do que se faz 1- Cuidar do paciente queimado é muito difícil. Se Para cuidar do paciente queimado, é preciso gostar não gostar do que faz, sentir amor pelo paciente, a do que faz e ter muito amor pela pessoa. Tem que ir pessoa não consegue tratá-lo bem. 9- Tem que gostar “trabalhar com vontade de trabalhar”. Considera do que se faz para trabalhar com perfeição. Existem que existem muitos funcionários muitas pessoas trabalhando por necessidade e não por necessidade e não porque gostam do que fazem. Acha muito difícil fazem. É muito difícil encontrar, entre essas encontrar, entre essas pessoas, alguém que diz gostar pessoas, alguém que diz gostar, realmente, de de cuidar do paciente queimado. 14- Só ajuda os cuidar do paciente queimado. colegas que merecem ajuda, aqueles que prestam os ajudar os colegas que merecem ajuda, aqueles que cuidados direito, pois não é cuidador quem trabalha prestam os cuidados direito, pois não considera por obrigação. 17-Para cuidar, tem que ter amor cuidador quem trabalha somente pelo que faz. 18-Não se Para cuidar, tem que ter amor pelo que se faz . imaginava cuidando da pessoa queimada. Achava que nunca iria conseguir. que trabalham porque gostam do que Preocupa-se em por obrigação. (U.S. 1, 9, 14, 17 e 18) Faz aquilo de que gosta, pois, para cuidar do queimado, tem que ter muito amor e ir “trabalhar com vontade de trabalhar”. c) Cuidar é se dedicar c) Cuidar é se dedicar 4- Quando um paciente mais dependente chega, ele Acredita que a função da enfermagem é tratar bem não é bem olhado, e a equipe de enfermagem não o e ajudar o paciente, mas nem sempre isso acontece; recebe bem. 8- Está faltando “mais carinho e existe atenção” nas ações, de uma maneira geral.12- A enfermagem. Quando um paciente mais dependente enfermagem está ao lado do paciente para ajudá-lo, é admitido na unidade, ele não é recebido como se para tratar dele, mas na equipe há “gente muito deveria. Pensa que está faltando “mais carinho e desumana”. atenção” no atendimento de uma maneira geral. “gente muito desumana” na equipe de (U.S. 4, 8 e 12) 54 55 d) Cuidar é agir orientado pelo saber d) Cuidar é agir orientado pelo saber 5- Não gosta de ajudar colegas que “não trabalham Evita ajudar os colegas que “não trabalham direito”. Acredita que, ao ajudar uma pessoa que direito”. Acredita que, ao ajudá-los, será avaliada não “trabalha direito”, será julgada pelo paciente como sendo do mesmo “nível”, já que os pacientes como sendo do mesmo “nível”. 6- Sempre que tem notam a diferença entre os cuidadores. Sempre que dúvidas ao prestar os cuidados, procura esclarecê- tem dúvidas ao prestar os cuidados, procura las com alguém mais experiente. 19- Os pacientes esclarecê-las com alguém mais experiente. (U.S. 5, notam a diferença entre os cuidadores. 6 e 19) e) Cuidar é estar atento e) Cuidar é estar atento 7- Considera que a enfermagem é quem acompanha Por permanecer cuidando e acompanhar a evolução realmente a evolução do paciente, pois fica junto a a ele, cuidando o tempo todo, portanto tem condições enfermagem tem mais condições de avaliá-lo com de perceber melhor precisão.(U.S. 7) as condições em que ele se evolução do paciente o tempo todo, a encontra. f) Cuidar compreendendo a dor f) Cuidar compreendendo a dor 2- É muito dolorosa a queimadura para o paciente. Ao imaginar-se no lugar da pessoa queimada, é Ao imaginar-se no lugar da pessoa capaz de sentir queimada, é o quanto ela sofre, como é capaz de sentir o quanto é profunda a dor dela. É profunda a sua dor. Por isto, ao cuidar, é preciso preciso ter calma e paciência, pois ela sofre muito. paciência. Pensa que a enfermagem não tem de se Por isso, cuidar desse paciente “intrometer” é difícil. 13-A na vida particular do paciente enfermagem não tem de se “intrometer” na vida queimado. Independentemente do que aconteceu, particular do paciente queimado. Independentemente ela não deve criticá-lo. A obrigação da equipe é do motivo da queimadura,a obrigação da equipe é cuidar dele cuidar dele com discrição, respeito, sem criticá-lo e importar com o que ocorreu, o porquê e como ele sem se importar com o que ocorreu, o porquê e como se queimou. (U.S. 2 e 13) com discrição e respeito, sem se ele se queimou. g) O Cuidar e o trabalho em equipe g) O Cuidar e trabalho em equipe 10 - Tem muita coisa para melhorar no que se refere Afirma que tem muita coisa para melhorar no que ao cuidado, mas, para tal, é necessário ter a se refere ao cuidado, mas, para tal, é necessário ter colaboração de todos. Não adianta somente alguns a colaboração de todos. Não adianta somente prestarem o cuidado de forma adequada. A chefia alguns prestarem o cuidado de forma adequada. deveria (U.S. 10) avaliar com mais freqüência os funcionários. 55 56 h) Cuidar é orientar h) Cuidar é orientar 15- O paciente tem de ser orientado. Se for orientado O paciente tem de ser orientado com relação a tudo com relação a tudo que vai vivenciar, ele não dará que vai trabalho. 16- Deve ser explicado para o paciente, trabalho. Deve ser explicado, passo a passo, todo o passo a passo, todo o cuidado que lhe será prestado. cuidado que lhe será prestado, por exemplo, sobre Ele precisa ser preparado, pois vai conviver com a os banhos, o porquê de tomar os analgésicos, de ir sua dor e com a dor dos outros companheiros de para o bloco cirúrgico, enfim, sobre tudo o que vai enfermaria. Deve ser orientado sobre os banhos, o acontecer com ele durante o tratamento. É preciso porquê de tomar os analgésicos, de ir para o bloco prepará-lo, uma vez que irá conviver com a sua dor cirúrgico, enfim, sobre tudo o que vai acontecer com e com a dor dos outros companheiros de ele durante o tratamento. enfermaria. (U.S. 15 e 16) i) Cuidar é repensar as ações i) Cuidar é repensar as ações 10- Tem muita coisa para melhorar no que se refere Não concorda com várias coisas que observa na ao cuidado, mas, para tal, é necessário ter a unidade e acha que tem muito a melhorar no que se colaboração de todos. Não adianta somente alguns refere ao cuidado com o paciente. Embora prestarem o cuidado de forma adequada. A chefia considere as chefias competentes, a seu ver, elas deveria deveriam avaliar com mais freqüência os vivenciar, desta forma ele não dará acompanhar e avaliar mais funcionários. 11- A avaliação da supervisora deveria freqüentemente os funcionários, atentando para os ser de surpresa para que ela realmente pudesse erros quando da execução dos cuidados. Assim, detectar as coisas erradas no setor. 20- Não poderiam orientá-los para melhorar a assistência concorda com muitas coisas que vê na unidade, mas prestada. Pensa que só com a colaboração de todos, não pode chegar na chefia e falar o que sente. isto pode ser alcançado. Sente-se, entretanto, Considera que as chefias são boas, mas pensa que constrangida de falar o que pensa com as chefias. deveriam observar e orientar cada funcionário para (U.S. 10, 11 e 20) melhorar os cuidados prestados Análise Ideográfica Considera que cuidar do paciente queimado é difícil, uma vez que a queimadura é dolorosa e ele sofre muito. Ao imaginar-se no lugar dessas pessoas, é capaz de sentir o quanto é profunda a sua dor. Acha, portanto, que, para cuidar, é essencial sentir amor por elas, ter paciência, enfim, gostar do que se faz. Comenta que a função da enfermagem é tratar bem e ajudar o paciente, mas percebe que, ali onde trabalha, nem todos prestam 56 57 um cuidado humanizado. Ás vezes, ao ser admitida na unidade, a pessoa queimada não é recebida como deveria, principalmente se é mais dependente. Pensa que está faltando mais carinho e atenção no atendimento, de uma maneira geral. Acha que existem muitos funcionários que trabalham por necessidade e não porque gostam. Não é fácil encontrar, entre eles, alguém que diz gostar, realmente, de cuidar da pessoa queimada. Reforça, afirmando que é preciso trabalhar com vontade, ser discreto e ter respeito para com o paciente. Independente do que tenha acontecido, deve-se evitar criticá-lo. Em relação aos colegas, evita ajudar aqueles que não se preocupam em prestar uma assistência de enfermagem como deveriam. Acredita que, ao ajudá-los, pode ser avaliada, pelos pacientes, como sendo do mesmo nível. Discorda de algumas coisas que ali observa, mas se sente constrangida de falar o que pensa com as chefias. Acha que tem muito o que melhorar no setor, no que se refere aos cuidados. O trabalho em equipe seria uma maneira de aprimorá-los. Sugere, ainda, que as chefias observem, avaliem e orientem mais freqüentemente os funcionários, assim poderão ver as coisas erradas e melhorar os cuidados prestados no setor. Quanto ao paciente, pensa que ele tem de ser orientado com relação a tudo que vai vivenciar, desta forma “não dará trabalho”. Deve ser explicado, passo a passo, todo o cuidado que lhe será prestado, tudo o que vai acontecer com ele durante o tratamento. É preciso prepará-lo para conviver com a própria dor e com a dor dos outros companheiros de enfermaria. Entende que, por permanecer cuidando e acompanhar a evolução do paciente o tempo todo, a equipe de enfermagem tem mais condições de avaliá-lo com precisão. Achava que nunca iria conseguir cuidar da pessoa queimada, uma vez que tinha medo e jamais se imaginou fazendo isso. Atualmente, não sente mais 57 58 dificuldades em lidar com o paciente queimado, e, sempre que tem dúvidas, procura esclarecê-las com alguém mais experiente. 58 59 DISCURSO 04 Pesq.: O que é, para você, cuidar do paciente queimado? -Você quer dizer assim...cuidar... Pesq.: É, para você, o que é cuidar do paciente queimado? -Ah, eu acho que, sei lá, você tem que ter muito, muito jogo de cintura, sabe, pra poder mexer. Porque cada paciente reage de um tipo diferente. Tem uns pacientes que não agüentam, é... acho que sente mais dor do que o outro, sabe? Então, sei lá, você tem que ter um jogo de cintura pra poder trabalhar com o queimado. O queimado geralmente é, cada um né, é diferente um do outro, né? Até na hora do banho, tem um paciente que é mais, sente mais que dói o toque, né, que o outro. Então você tem que ter mais paciência, é diferente, é totalmente diferente. Não tem, sabe? Não é igual a todos, então você tem que ter, você tem que saber trabalhar, igual nós aqui. 1 Todo dia, quase todo dia nós tamo com um paciente diferente. Noutro lugar que eu trabalhava, o mês direto você fica com um tipo de paciente. E aqui não, aqui cada dia a gente tá com um tipo de paciente, tá? Hoje cê tá com um e amanhã já te mudaram. Então assim você tem que saber. Você tem que ter um jogo de cintura pra trabalhar com eles. Não é fácil. 2 Não é que eu acho muito, muito dificil não. Eu acho até bom. Porque você ficando com um paciente todos os dias, você se acostuma e o paciente se acostuma com você. Então eu acho bom você estar todo dia com um paciente diferente, novo. Sabe como é que é? Porque aí você conhece, você conhece o andar todinho. A hora que o fulano tá com problema, tá com um fulano lá na oito? Eu sei o problema da oito. Então eu sei como ajudar ela, me ajuda... eu sei ajudar ela, entendeu? 3 Assim, se um 59 60 colega falar pra mim: ô (cita o nome), o paciente da seis é difícil demais, o paciente é exigente demais, sabe? Ele é dolorido demais, você pega no braço dele, ele tá reclamando: ai, que tá machucando, que não sei o que que tem, sabe? Aí eu vou e penso assim: gente, mais... será que fulano é assim mesmo, sabe? E aí não, eu já conheço, eu sei que reclama sim, aí eu: ô fulana, o fulano é assim mesmo, sabe? O jeito dele é esse, então eu acho bom você, tá, você conhecer todos os pacientes. Que aí quando uma colega falar dele, você já fica conhecendo e aí vai falar assim quando for cuidar dele: vou entrar assim e assim, sabe? Com jeito já, como eu vou tratá-lo. 4 Eu já sei que ele é assim. Então, eu já vou saber, quando eu for trabalhar com ele, eu já sei do jeito dele. Eu acho bom... eu acho bom trabalhar assim. P- Mas pra você cuidar do paciente queimado é... A- É difícil, não é fácil. Você sente, tem hora, gente tem hora que tem criança aqui que você não agüenta, você chora, você tem que virar o rosto assim, por cima, sabe? Você tá tão assim, meu Deus... Você não agüenta, você chora junto com ele, sabe? 5 É triste demais. Você tem que ter uma força, sabe? Você tem que ter uma, sabe? Você assusta com o paciente, com a dor dele, você sente. 6 Agora, eu fiquei boba hoje, foi com o médico hoje, ele falou assim: eu tenho vinte anos que eu trabalho com queimado, ele não sente dor. E ele estava com uma crosta assim na batata da perna dele, sabe? Tava roxa. E ele falava: se você ficar vinte minutos jogando um jato d’água direto aí, essa crosta vai sair. Esse paciente não precisa ir no bloco. Água fria não dói. Aí eu não discuti. Porque se eu fosse discuti com ele, um médico, sabe? Um médico que tem várias... mais que a enfermagem. Ah, tem! Eu ia discutir com ele isso? Eu simplesmente falei: olha, eu não joguei água, mais água aí porque dói, que na hora que eu jogo água nele, ele grita, 60 61 apronta, sabe? Você vê ele levantar da cadeira e sair desesperado correndo. Como é que eu vou jogar água direto, um jato d’água fria aí? Vinte minutos jogando água fria aí? Esse remedinho que toma aí não adianta muito. Não uai, não vou fazer isso. Assim, mas o plástico tem que acompanhar esse banho, sabe? Esse plástico ficando vinte minutos aqui jogando água fria nele essa crosta sai. Aí, eu desejaria um... uma pessoa dessas queimar pelo menos um dedinho assim, sabe? Porque eu queimei esse aqui ó. Eu... Bate a mão assim ó, eu sinto, sabe? O sangue descer e doer, agora imagina a pessoa daquele tanto, queimada? Um médico, um pediatra chegar pra mim e falar assim: joga um jato d’água, vinte minutos, direto aí, que sai essa crosta. Não dói, água fria não dói? Ah, pelo amor de Deus, aquilo eu fiquei calada... não vou discutir não, eu ia brigar. Aí ele ia falar pra diretoria e a diretoria ia me mandar embora. Você tem que agüentar coisa aqui, sabe? 7 Tem vez que você vê umas coisa aqui que você tem que ficar calada, senão você discute com o médico. Porque é a gente que tá trabalhando direto com o paciente, aí que você vê como é a realidade do que tá acontecendo. E médico não. Médico vai lá, examina, olha assim e não sente, não sabe como é que é. Agora chegar pra você e falar que não dói, um jato d’água fria direto não dói? 8 Isso é as pequenas coisas. Aí tem o tal de PVPI tópico, esse PVPI é demais viu? O paciente ainda tá lá na cama e fala: ô tia, pelo amor de Deus, não joga aquele remédio vermelho em cima de mim não, não joga não. Dizem que quando a gente faz isso que queima mais do que fogo. Se queima como o fogo, dói mais que o fogo, você não tava esperando e aquele negócio vermelho já tá esperando. Mas eu acho que deveria trocar o PVPI tópico por aquele sabão, o Clororrex. 9 Sei lá viu, eu acho que pra trabalhar com o queimado tem que ter uma estrutura muito forte, porque tem dia que você sai daqui, 61 62 sabe, cansado, todo mundo sai cansado, aquele cansaço. Porque lá embaixo não, você sai e vai pra sua casa, esquece que o paciente existe, sabe, você não vai ficar direto com ele, e aqui não, você fica direto. Você se emociona junto com o paciente, sofre junto com ele na hora que o paciente não aceita a queimadura dele. Não aceita que ele está defeituoso. 10 Ele vai viver na sociedade... Uns não, uns, acontece de sair daqui e não agüentar, suicidam. Eu já ouvi falar de muita gente que saiu daqui e não agüentou. Se esconde, não sai na rua, fica trancado dentro de casa. Quando é bom da cabeça, né, agüenta, faz tratamento, né, não desespera. Mas tem gente que é fraca. A pior doença é essa, né, queimado é pior que o câncer. Você não perde uma orelha, não fica com a boca defeituosa, não fica com os braços tortos, sei lá, é muito triste. É pior que estar doente de uma doença ruim. E às vezes a gente agüenta coisa aqui, sabe, mínima. Tem gente que senta a gente ali ó, e fala bobeira. A gente já tá com a estrutura emocional da gente, né, não tá boa, e quando... por mínimos detalhes, briga com você, por causa de nada. Tem que ser forte para trabalhar aqui senão não agüenta não, não fica muito tempo. Quando você sai e procura outro setor pra trabalhar... Algumas colegas falam pra colocar uma psicóloga aqui, pra trabalhar com a gente, sabe? Porque esta estrutura, você tem que vir com ela, desde quando você nasceu na vida, você tem que vir com ela pra você agüentar trabalhar com este tipo de paciente. Acho que a psicóloga não consegue colocar isso, você tem que nascer com aquilo. 11 Tô falando muita coisa, né? Pesq._Eu te perguntei o que é para você cuidar do paciente queimado e você me respondeu algumas coisas. Você gostaria de dizer mais alguma coisa? 62 63 _Ah, sei lá. Acho que é porque esse médico fez isso comigo hoje,sabe. Falar aquilo... Ai é o fim da picada. Sei lá, cada dia que passa, a gente vai aprendendo mais, né. Vai, cada vez , cada dia descobrindo mais coisa. 12 Neste momento é isto que eu acho. a gente tem que segurar e bola pra frente. Mas no momento é isso. Pesq._ Obrigada pela colaboração. UNIDADES DE SIGNIFICADOS 1. (...) você tem que ter muito, muito jogo de cintura, sabe, pra poder mexer. Porque cada paciente reage de um tipo diferente. Tem uns pacientes que não agüentam, é... Acho que sente mais dor do que o outro, sabe? Então, sei lá, você tem que ter um jogo de cintura pra poder trabalhar com o queimado. O queimado geralmente é, cada um né, é diferente um do outro, né? Até na hora do banho, tem um paciente que é mais, sente mais que dói o toque, né, que o outro. Então você tem que ter mais paciência, é diferente, é totalmente diferente. Não tem, sabe? Não é igual a todos, então você tem que ter, você tem que saber trabalhar, igual nós aqui. Cada pessoa reage diferente à queimadura, alguns parecem sentir mais dor do que outros. Por isto é preciso ter “ muito jogo de cintura” e muita paciência para trabalhar, levando em consideração a individualidade de cada um. 2. Então assim você tem que saber. Você tem que ter um jogo de cintura pra trabalhar com eles. Não é fácil. É difícil trabalhar com o paciente queimado. É preciso ter “jogo de cintura” e saber trabalhar com as individualidades. 63 64 3. (...) eu acho bom você estar todo dia com um paciente diferente, novo. Sabe como é que é? Porque aí você conhece, você conhece o andar todinho. A hora que o fulano tá com problema, tá com um fulano lá na oito? Eu sei o problema da oito. Então eu sei como ajudar ela, me ajuda... eu sei ajudar ela, entendeu? É bom cuidar de pacientes diferentes a cada dia, assim, quando um colega está com dificuldades ao prestar algum cuidado, você pode ajudá-lo, já que tem conhecimento das necessidades de todos que ali estão internados. 4. (...) se um colega falar pra mim: ô (cita o próprio nome), o paciente da seis é difícil demais, o paciente é exigente demais, sabe? Ele é dolorido demais, você pega no braço dele, ele tá reclamando: ai, que tá machucando, que não sei o que que tem, sabe? Aí eu vou e penso assim: gente, mais... será que fulano é assim mesmo, sabe? E aí não, eu já conheço, eu sei que reclama sim, aí eu: ô fulana, o fulano é assim mesmo, sabe? O jeito dele é esse. Então eu acho bom você, tá, você conhecer todos os pacientes. Que aí quando uma colega falar dele, você já fica conhecendo e aì vai falar assim quando for cuidar dele: vou entrar assim e assim, sabê? Com jeito já, como eu vou tratá-lo. É bom conhecer todos os pacientes porque pode-se trocar informações com os colegas e, assim, preparar-se, antes de iniciar os cuidados, principalmente em relação àqueles “exigentes de mais”. 5. É difícil, não é fácil. Você sente, tem hora, gente, tem hora que tem criança aqui que você não agüenta, você chora, você tem que virar o rosto assim, por cima, sabe? Você tá tão assim, meu Deus... Você não agüenta, você chora junto com ele, sabe? 64 65 É difícil cuidar porque o sofrimento dos pacientes queimados é muito grande. No caso das crianças é ainda pior. Ao prestar-lhes os cuidados, muitas vezes chega a virar o rosto e chorar junto com elas. 6. É triste demais. Você tem que ter uma força, sabe? Você tem que ter uma, sabe? Você assusta com o paciente, com a dor dele, você sente. Às vezes se assusta com as lesões sofridas por alguns pacientes e é capaz de perceber a intensidade da dor vivenciada por eles. 7. (...) o médico hoje, ele falou assim: eu tenho vinte anos que eu trabalho com queimado, ele não sente dor. E ele estava com uma crosta assim na batata da perna dele, sabe? Tava roxa. E ele falava: se você ficar vinte minutos jogando um jato d’água direto aí, essa crosta vai sair. Esse paciente não precisa ir no bloco. Água fria não dói. Aí eu não discuti. Porque se eu fosse discutir com ele, um médico, sabe? Um médico que tem várias... Mais que a enfermagem. Ah, tem! Eu ia discutir com ele isso? Eu simplesmente falei: olha, eu não joguei água, mais água aí porque dói, que na hora que eu jogo água nele, ele grita, apronta, sabe? Você vê ele levantar da cadeira e sair desesperado correndo. Como é que eu vou jogar água direto, um jato d’água fria aí? Vinte minutos jogando água fria aí? Esse remedinho que toma aí não adianta muito. Não uai, não vou fazer isso. (...) Um médico, um pediatra chegar pra mim e falar assim: joga um jato d’água, vinte minuto, direto aí, que sai essa crosta. Não dói, água fria não dói? Ah, pelo amor de Deus, aquilo eu fiquei calada... não vou discutir não, eu ia brigar. Aí ele ia falar pra diretoria e a diretoria ia me mandar embora. Você tem que agüentar coisa aqui, sabe? 65 66 A seu ver, só quem presta os cuidados é quem sabe o que o paciente sofre. Apesar de ser ela quem cuida do paciente, sente-se submissa às ordens médicas, pois tem de cumpri-las sem discutir. Gostaria de argumentar com o médico quando discorda de alguma conduta, mas receia ser demitida e perder o emprego. No caso do curativo, às vezes, não segue algumas orientações sugeridas, pois sabe que o paciente irá sofrer muito. 8. Porque é a gente que tá trabalhando direto com o paciente, aí que você vê como é a realidade do que tá acontecendo. E médico não. Médico vai lá, examina, olha assim e não sente, não sabe como é que é. Agora chegar pra você e falar que não dói, um jato d’água fria direto não dói? Acha que a enfermagem é quem pode dizer se um cuidado é doloroso ou não, pois é ela quem fica junto ao paciente dia e noite. O médico faz a avaliação do paciente, mas não o acompanha durante todo o tempo, por isto não sabe o seu sofrimento. 9. (...) tem o tal de PVPI tópico, esse PVPI é demais viu? O paciente ainda tá lá na cama e fala: ô tia, pelo amor de Deus, não joga aquele remédio vermelho em cima de mim não, não joga não. Dizem que quando a gente faz isso que queima mais do que fogo. Se queima como o fogo, dói mais que o fogo, você não tava esperando e aquele negócio vermelho já tá esperando. (...) acho que deveria trocar o PVPI tópico por aquele sabão, o Clororrex. Sente-se incomodada com o uso de certos antissépticos, uma vez que eles provocam muito sofrimento no paciente. Pensa que esses produtos deveriam ser substituídos. 66 67 10. (...) trabalhar com o queimado tem que ter uma estrutura muito forte, porque tem dia que você sai daqui, sabe, cansado, todo mundo sai cansado, aquele cansaço. Porque lá embaixo não, você sai e vai pra sua casa, esquece que o paciente existe, sabe, você não vai ficar direto com ele, e aqui não, você fica direto. Você se emociona junto com o paciente, sofre junto com ele na hora que o paciente não aceita a queimadura dele. Não aceita que ele está defeituoso. O cuidado intensivo exigido pelo paciente queimado e o envolvimento emocional do cuidador ao lidar com as dores dessas pessoas torna cansativo o trabalho da equipe de enfermagem. Acha que, para cuidar do queimado, é necessário ter uma “estrutura muito forte”. 11. Tem que ser forte para trabalhar aqui senão não agüenta não, não fica muito tempo. (...) Algumas colegas falam pra colocar uma psicóloga aqui, pra trabalhar com a gente, sabe? Porque esta estrutura, você tem que vir com ela, desde quando você nasceu na vida, você tem que vir com ela pra você agüentar trabalhar com este tipo de paciente. Acho que a psicóloga não consegue colocar isso, você tem que nascer com aquilo. Tem-se que ser forte para cuidar do paciente queimado. É necessário ter uma força que não é adquirida, mas inata. Se não possuir essa força, a pessoa não agüenta ficar muito tempo cuidando de pessoas queimadas. 12. (...) cada dia que passa, a gente vai aprendendo mais, né. Vai, cada vez , cada dia descobrindo mais coisa. A cada dia considera que aprende e descobre mais coisas ao cuidar do paciente queimado. 67 68 Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 2-É difícil trabalhar com o paciente queimado. É Acha difícil cuidar dos pacientes queimados porque é preciso ter “jogo de cintura” e saber trabalhar muito grande o seu sofrimento. com as individualidades. 5-É difícil cuidar porque crianças, é ainda pior. Ao prestar-lhes os cuidados, o sofrimento dos pacientes queimados é muito muitas vezes chega a virar o rosto e chorar junto grande. No caso das crianças é ainda pior. Ao com elas. Em certas situações, prestar-lhes os cuidados, muitas vezes chega a lesões sofridas por alguns pacientes e é capaz de virar o rosto e chorar junto com elas. 6 - Às vezes, perceber a intensidade da dor vivenciada por eles. É assusta-se com as lesões sofridas por alguns necessário ter uma força que não é adquirida, mas pacientes e é capaz de perceber a intensidade da inata. Se não possuir essa força, a pessoa não aguenta dor vivenciada por eles. 11-Tem-se que ser forte ficar muito tempo cuidando de pessoas queimadas. É para cuidar do paciente queimado. É necessário preciso também estar preparado para trabalhar com as ter uma força que não é adquirida, mas inata. Se individualidades. (U.S. 2, 5, 6, 10 e 11) No caso das assusta-se com as não possuir essa força, a pessoa não agüenta ficar muito tempo cuidando de pessoas queimadas. b) Cuidar é estar atento b) Cuidar é estar atento 8-Acha que a enfermagem é quem pode dizer se um Pensa que a enfermagem é quem pode dizer se um cuidado é doloroso ou não, pois é ela quem fica cuidado é doloroso ou não, pois é ela quem fica junto junto ao paciente dia e noite. O médico faz a à pessoa queimada dia e noite. O médico não tem avaliação do paciente, mas não o acompanha dimensão do sofrimento do paciente, uma vez que o durante todo o tempo, por isto não sabe o seu avalia, mas não o acompanha durante todo o tempo. sofrimento. (U.S. 8) c) Cuidar compreendendo a dor c) Cuidar compreendendo a dor 1-Cada pessoa Considera que cada pessoa reage diferente à queimadura, reage diferente à alguns parecem sentir mais dor do que outros. Por queimadura, alguns parecem sentir mais dor do que isto é preciso ter “ muito jogo de cintura” e muita outros. Por isto é necessário ter “muito jogo de paciência para trabalhar, levando em consideração cintura” e a individualidade de cada um. 6 - Às vezes, paciente. Deve-se levar em conta a individualidade de assusta-se com as lesões sofridas por alguns cada um. Às vezes, assusta-se com as lesões sofridas pacientes e é capaz de perceber a intensidade da por alguns e é capaz de perceber a intensidade da dor dor vivenciada por eles. 10-O cuidado intensivo vivenciada por eles. O cuidado intensivo exigido pelo exigido pelo paciente queimado e o envolvimento paciente queimado e o envolvimento emocional do emocional do cuidador ao lidar com as dores cuidador ao lidar com suas dores tornam cansativo o dessas pessoas tornam cansativo o trabalho da trabalho da equipe de enfermagem. Acha que, para muita paciência para trabalhar com o 68 69 equipe de enfermagem. Por isto acha que, para cuidar do queimado, é necessário ter uma “estrutura cuidar do queimado, é necessário muito forte”. (U.S. 1, 6 e 10) ter uma “estrutura muito forte”. d) O Cuidar e o trabalho em equipe d) O Cuidar e o trabalho em equipe 3-É bom cuidar de pacientes diferentes a cada dia. É bom cuidar de pacientes Assim, quando um colega está com dificuldades ao Assim, quando um colega está com dificuldades ao prestar algum cuidado, você pode ajudá-lo, já que prestar algum cuidado, pode-se ajudá-lo, já que tem tem conhecimento das necessidades de todos que conhecimento das necessidades de todos que ali estão ali estão internados. internados. (U.S. 3). e) Cuidar é preparar-se para o paciente e) Cuidar é preparar-se para o paciente 4-É bom conhecer todos os pacientes porque pode- É bom conhecer todos os pacientes porque pode-se se trocar informações com os colegas e, assim, trocar informações com os colegas e, assim, preparar-se, preparar-se antes de iniciar os principalmente em relação àqueles cuidados, “exigentes antes principalmente de em diferentes a cada dia. iniciar relação os cuidados, àqueles “exigentes demais”. demais”. (U.S. 4) – f) Cuidar é aprender a cada dia f) Cuidar é aprender a cada dia 12-A cada dia considera que aprende e descobre A cada dia considera que aprende e descobre mais mais coisas ao cuidar do paciente queimado. coisas ao cuidar do paciente queimado. (U.S. 12) g) Cuidar é repensar as ações g) Cuidar é repensar as ações 7-A seu ver, só quem presta os cuidados é quem A seu ver, só quem realiza os cuidados pode saber o sabe o que o paciente sofre. Apesar de ser ela quem que o paciente sofre. cuida do paciente, sente-se submissa às ordens argumentar com o médico quando discorda de alguma médicas, pois tem de cumpri-las sem discutir. conduta, mas se sente submissa às suas ordens e Gostaria de argumentar com o médico quando receia ser demitida, caso expresse a sua opinião. No discorda de alguma conduta, mas receia ser caso do curativo, não segue algumas orientações demitida e perder o emprego. No caso do curativo, sugeridas, pois sabe que o paciente irá sofrer muito. às vezes, não segue algumas orientações sugeridas, Sente-se pois sabe que o paciente irá sofrer muito. 9-Sente- antissépticos, pensa que deveriam ser substituídos, se incomodada com o uso de certos antissépticos, uma vez que eles provocam muito sofrimento no uma vez que eles provocam muito sofrimento no paciente. (U.S. 7 e 9) incomodada Muitas vezes, gostaria de com o uso de certos paciente. Pensa que esses produtos deveriam ser substituídos. 69 70 h) Cuidar é tratar do ser doente 1-Cada pessoa reage diferente à queimadura, h) Cuidar é tratar do ser doente Considera que cada pessoa reage diferente à alguns parecem sentir mais dor do que outros. Por queimadura, alguns parecem sentir mais dor do que isto é preciso ter “ muito jogo de cintura” e muita outros. Por isto é necessário ter “muito jogo de paciência para trabalhar, levando em consideração cintura” e a individualidade de paciente queimado. Deve-se levar em consideração as cada um. 2- É difícil trabalhar com o paciente queimado. É preciso ter muita paciência para trabalhar com o individualidades. (U.S. 1 e 2) “jogo de cintura” e saber trabalhar com as individualidades. Análise Ideográfica Acha difícil cuidar do paciente com queimaduras, principalmente se este for uma criança, porque o seu sofrimento é intenso. Nesses casos, muitas vezes, chega a virar o rosto e chorar junto com ela, ao prestar-lhe os cuidados. Ainda hoje se assusta ao ver certas lesões sofridas por algumas pessoas, uma vez que é capaz de imaginar a intensidade da dor que vivenciam. As reações dos pacientes são diferentes, uns parecem sofrer mais do que outros, por isto, além da paciência, é preciso saber como lidar com eles. Ao cuidar, deve-se levar em conta a individualidade de cada pessoa. Considera que o cuidado intensivo exigido por esses pacientes e o desgaste emocional sofrido pela convivência constante com a dor tornam cansativo o trabalho da enfermagem no setor. Acredita, portanto, que, para cuidar das pessoas com queimaduras, é necessário possuir uma “força” que não é adquirida, mas inata. Se não for assim, não se consegue trabalhar ali por muito tempo. Gosta de cuidar, a cada dia, de pacientes diferentes, isso facilita a troca de informações sobre eles, entre os funcionários. Desta forma, o cuidador pode preparar-se antes de iniciar os cuidados, em se tratando, em especial, dos mais exigentes. Sente-se submissa às ordens médicas, mas acha que 70 71 tem de cumpri-las sem discutir. Em relação ao curativo, às vezes, não segue algumas orientações, pois sabe que elas irão aumentar a dor do paciente. A seu ver, por ficar todo o tempo junto a pessoas queimadas, quem tem mais condições de avaliar o seu sofrimento é a equipe de enfermagem. Afirma que gostaria de argumentar quando discorda de algumas condutas, mas receia ser demitida. Pensa que, diariamente, descobre e aprende coisas novas ao cuidar do paciente queimado. 71 72 DISCURSO 05 Pesq.: O que é para você cuidar do paciente queimado? _O pior é que, quanto mais velho a gente é, menos a gente sabe. Porque a gente vai seguindo aquela rotina de todo dia, né. Se bem que a (cita o nome) tem dado umas coisas novas pra gente aí, né. Mas cuidar do paciente queimado, a gente tem que gostar, primeiro né 1. Ter amor e a cada dia a gente vê a evolução do paciente e a gente sente satisfeito, sente feliz com isso, pela melhora dele2. Paciente, numa fase assim, de até, numa porcentagem de 60 até 80% de queimado, a gente cuida, assim com muita vontade de ver a melhora dele e aí vêm as fases dele, porque a gente muda muito de paciente. A cada dois dias a gente muda, então cada dia a gente vê alguma coisa diferente do queimado. A gente aprende também alguma coisa nele mesmo.3 E dar um banho num paciente queimado, dar um banho bem dado, a gente fica feliz com aquilo, porque a gente tá vendo que o paciente tá sentindo uma melhora através do banho, né, e do curativo4 . Então eu acho que de rotina é isso aí, dá uma alimentação boa, uma hidratação boa... Que a gente vai fazer, isso aí é os cuidados da gente. As medicações, né, dentro do horário certinho. observar tudo nele também é cuidado, principalmente, observar cianose, pupila, tudo isso é importante a gente fazer. Tudo engloba com o cuidado.5 O que eu sei á mais ou menos isso. Pesq._Então, para você, cuidar do paciente queimado é isso que você falou? _É, mas primeiro tem que gostar, trabalhar com amor também, não é só pensar no dinheiro não6 . Porque quando a gente gosta de uma profissão a 72 73 gente não pensa só no dinheiro não, tem que gostar da profissão também. Se não gostar, não consegue levar em frente não. Eu trabalho aqui, porque eu gosto de trabalhar com o queimado7 . E não gosto de paciente muito estável também não, eu gosto de ter alguma coisa pra fazer com o paciente, porque tem paciente que não tem nada pra fazer nele, só dá o banho e pronto, uma hidrataçãozinha e pronto. Eu me sinto muito feliz. No final da tarde eu sei que já fiz alguma coisa naquele paciente. Vou embora muito tranqüila. Tem paciente que não reconhece o que a gente faz por ele mas tem paciente que agradece. 8 Quando eu comecei a trabalhar com queimado, isso era no interior, né, e lá era diferente, não era isolado. Aí eu cheguei aqui e levei o maior susto, porque os queimados que a gente via no interior era queimadinho, era uma lesão pequena, pra depois chegar aqui e achar esses queimadão, eu levei um choque. Agora, hoje não, eu não tenho dificuldade mais, tem assim, dói, mas como eu gosto, eu sou obrigada a cuidar deles que precisa, né, e tem que cuidar do jeito que tem que ser. Se eu tenho que lavar, secar, passar pomada, fazer o curativo, então eu tenho que fazer é desse jeito. 9 Agora a primeira coisa que a gente faz quando entra na enfermaria é observar, observar ele primeiro, cumprimentar e levar para o banho com apoio psicológico. Isso é o que a gente faz. Porque, quando a gente entra na enfermaria, quem assusta não é a gente, quem assusta é o paciente. Ele leva um choque com a gente, porque ele tem medo do banho. Então a gente tem que fazer o preparo dele. 10 Pesq._ Você disse tudo que gostaria de dizer? _ Tudo do queimado... eu acho que não. Mas eu gosto do trabalho, de trabalhar aqui, já estou pensando no dia que eu vou sair daqui. Mas, tudo? Não, acho que sempre fica faltando alguma coisa. Mas eu vou ficando por aqui, porque tá faltando palavra. 73 74 Pesq._ Então, obrigada pela sua colaboração. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. (...) cuidar do paciente queimado, a gente tem que gostar, primeiro né. Para cuidar da pessoa queimada, primeiro tem que gostar do que se faz. 2. Ter amor e a cada dia a gente vê a evolução do paciente e a gente sente satisfeito, sente feliz com isso, pela melhora dele. É preciso ter amor pelo que se faz. A cada dia acompanha a evolução do paciente, sente-se feliz e satisfeita com a melhora dele. 3. (...) a gente cuida, assim com muita vontade de ver a melhora dele e aí vêm as fases dele (...) então cada dia a gente vê alguma coisa diferente do queimado. A gente aprende também alguma coisa nele mesmo. A cada dia cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua melhora. Acompanha a evolução do paciente e está sempre aprendendo com esse processo. 4. (...) dar um banho num paciente queimado, dar um banho bem dado, a gente fica feliz com aquilo, porque a gente tá vendo que o paciente tá sentindo uma melhora através do banho, né, e do curativo. Percebe que o banho bem dado e o curativo ajudam na melhora do paciente, isto faz com que, como funcionária que realiza um bom trabalho, se sinta feliz. 74 75 5. (...) acho que de rotina é isso aí, dá uma alimentação boa, uma hidratação boa (...) As medicações, né, dentro do horário certinho. Observar tudo nele também é cuidado, principalmente, observar cianose, pupila, tudo isso é importante a gente fazer. Tudo engloba com o cuidado. Tudo envolve o cuidado: uma boa alimentação, uma hidratação adequada, administrar as medicações nos horários prescritos e estar atenta aos sinais de alterações fisiológicas. 6. (...) tem que gostar, trabalhar com amor também, não é só pensar no dinheiro não. É necessário gostar e trabalhar com amor, não é só pensar em dinheiro. 7. Se não gostar, não consegue levar em frente não. Eu trabalho aqui, porque eu gosto de trabalhar com o queimado. Gosta de trabalhar com o paciente queimado. Não há como trabalhar muito tempo ali se não gostar. 8. (...) gosto de ter alguma coisa pra fazer com o paciente, porque tem paciente que não tem nada pra fazer nele, só dá o banho e pronto, uma hidrataçãozinha e pronto. Eu me sinto muito feliz. No final da tarde eu sei que já fiz alguma coisa naquele paciente. Vou embora muito tranqüila. Tem paciente que não reconhece o que a gente faz por ele mas tem paciente que agradece. Gosta de prestar cuidados mais complexos.. Sente-se muito feliz e tranqüila quando, ao final do plantão, percebe que fez algo para ajudar o paciente. Alguns não reconhecem o trabalho da enfermagem mas outros agradecem. 75 76 9. (...) eu cheguei aqui e levei o maior susto, porque os queimados que a gente via no interior era queimadinho, era uma lesão pequena, pra depois chegar aqui e achar esses queimadão, eu levei um choque. (...) hoje não, eu não tenho dificuldade mais, tem assim, dói, mas como eu gosto, eu sou obrigada a cuidar deles que precisa, né, e tem que cuidar do jeito que tem que ser. (...) Se eu tenho que lavar, secar, passar pomada, fazer o curativo, então eu tenho que fazer é desse jeito. Quando começou a trabalhar na unidade de queimados, porque não estava acostumada a ver assustou-se, pessoas com queimaduras tão extensas e graves. Atualmente não tem dificuldades de cuidar do paciente queimado. Procura fazer os cuidados da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns procedimentos. 10. Agora a primeira coisa que a gente faz quando entra na enfermaria é observar, observar ele primeiro, cumprimentar e levar para o banho com apoio psicológico. Isso é o que a gente faz. Porque, quando a gente entra na enfermaria, quem assusta não é a gente, quem assusta é o paciente. Ele leva um choque com a gente, porque ele tem medo do banho. Então a gente tem que fazer o preparo dele. Ao entrar na enfermaria para dar o banho no paciente, primeiro observa as suas condições e lhe dá “apoio psicológico”, pois percebe que ele tem muito medo desse procedimento. Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 9-Quando começou a trabalhar na unidade de Assim que começou a trabalhar na unidade de queimados, queimados assustou-se, assustou-se, porque não estava porque não estava 76 77 acostumada a ver pessoas com queimaduras tão acostumada a ver pessoas com queimaduras tão extensas e graves. Atualmente não tem dificuldades extensas e graves. Atualmente não sente dificuldades de cuidar do paciente queimado. Procura fazer os de cuidar do paciente queimado. Procura fazer os cuidados cuidados da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns alguns procedimentos. procedimentos. (U.S. 9) b) Cuidar é gostar do que se faz b) Cuidar é gostar do que se faz 1-Para cuidar da pessoa queimada, primeiro tem Para cuidar da pessoa queimada, primeiro tem que que gostar do que se faz. 2-É preciso ter amor pelo gostar, ter amor pelo que se faz, não é só pensar em que se faz. A cada dia acompanha a evolução do dinheiro. Não há como trabalhar muito tempo ali se paciente, sente-se feliz e satisfeita com a melhora não for assim. Fica feliz e satisfeita com a melhora dele. 6-É necessário gostar e trabalhar com amor, do paciente e sente-se tranqüila quando, ao final do não é só pensar em dinheiro. 7-Gosta de trabalhar plantão, percebe que fez algo para ajudá-lo. Procura com o paciente queimado. Não há como trabalhar cuidar das pessoas da melhor forma possível. Gosta muito tempo ali se não gostar. 8-Gosta de prestar do trabalho, embora cuidados mais complexos. Sente-se muito feliz e alguns deles. (U.S. 1, 2, 6, 7, 8 e 9) ainda sinta dó ao executar tranqüila quando, ao final do plantão, percebe que fez algo para ajudar o paciente. Alguns não reconhecem o trabalho da enfermagem mas outros agradecem. 9-Quando começou a trabalhar na unidade de queimados, assustou-se, estava acostumada a queimaduras tão ver porque não pessoas com extensas e graves. Atualmente não tem dificuldades de cuidar do paciente queimado. Procura fazer os cuidados da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns procedimentos. c) Cuidar é se dedicar c) Cuidar é se dedicar 2-É preciso ter amor pelo que se faz. A cada dia Cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua acompanha a evolução do paciente, sente-se feliz melhora. A cada dia acompanha a sua evolução e fica e satisfeita com a melhora dele. 3-A cada dia feliz e satisfeita com a melhora do paciente. Sente-se cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a tranqüila quando, ao final do plantão, vê que fez algo sua melhora. Acompanha a evolução do paciente e para ajudá-lo. Percebe que alguns não reconhecem o está sempre aprendendo com esse processo. 8- trabalho da enfermagem, mas outros agradecem pela Gosta de prestar cuidados mais complexos.. Sente- dedicação. (U.S. 2, 3 e 8). se muito feliz e tranqüila quando, ao final do 77 78 plantão, percebe que fez algo para ajudar o paciente. Alguns não reconhecem o trabalho da enfermagem mas outros agradecem. d) Cuidar é agir orientado pelo saber d) Cuidar é agir orientado pelo saber 4-Percebe que o banho bem dado e o curativo Considera que um banho e um curativo quando ajudam na melhora do paciente, isto faz com que, executados de maneira correta, ajudam na melhora do como funcionária que realiza um bom trabalho, paciente. Sente-se feliz por ser uma funcionária que se sinta feliz. realiza um bom trabalho. (U.S. 4) e) Cuidar é estar atento e) Cuidar é estar atento 5-Tudo envolve o cuidado: uma boa alimentação, Acha que tudo envolve o cuidado, ou seja, uma boa uma alimentação, hidratação adequada, administrar as uma hidratação adequada, a medicações nos horários prescritos e estar atenta administração das medicações nos horários prescritos aos sinais de alterações fisiológicas. 10-Ao entrar e estar atenta aos sinais de alterações fisiológicas. Ao na enfermaria para dar o banho no paciente, entrar na enfermaria para dar o banho no paciente, primeiro observa as suas condições e lhe dá “apoio primeiro observa as condições em que ele se encontra psicológico”, pois percebe que ele tem muito medo e lhe dá “apoio psicológico”, pois sabe que ele tem desse procedimento. muito medo desse procedimento. (U.S. 5 e 10) f) Cuidar é aprender a cada dia f) Cuidar é aprender a cada dia 3-A cada dia, cuida da pessoa queimada com o A cada dia, cuida da pessoa queimada com o intuito intuito de ver a sua melhora. Acompanha a de ver a sua melhora. Acompanha a evolução do evolução do paciente e está sempre aprendendo paciente e está sempre aprendendo com esse com esse processo. processo. (U.S. 3) Análise Ideográfica Quando começou a trabalhar na unidade destinada aos pacientes com queimaduras, sentia-se assustada com o estado das pessoas ali internadas. Atualmente, não tem mais dificuldades, gosta do que faz, procura prestar os cuidados da melhor forma possível, embora ainda sinta dó ao executar certos procedimentos. Pensa que, para cuidar desses pacientes, a pessoa 78 79 deve ter amor pelo que faz, caso contrário, não consegue trabalhar muito tempo no setor. Acredita que uma boa alimentação, uma hidratação adequada, a administração das medicações nos horários prescritos, o banho e o curativo executados de maneira correta, tudo isso, aliado à atenção constante às alterações fisiológicas, são cuidados necessários à recuperação dos pacientes. Ressalta que o apoio psicológico também é importante, devido ao medo que estes têm do banho. Ao acompanhar a evolução do paciente, fica feliz e satisfeita com a melhora dele. Sente-se tranqüila quando, ao final do plantão, percebe que fez algo para ajudá-lo. Considera-se uma boa profissional, apesar de o trabalho da enfermagem nem sempre ser reconhecido. Como cuidador, acha que está constantemente aprendendo no processo de cuidar. 79 80 DISCURSO 06 Pesq.: O que é para você cuidar do paciente queimado? _Cuidar do paciente queimado... parece que é uma missão pra gente. Porque a gente tá aqui não é à toa,1 porque eu acho que não é qualquer um que agüenta o que a gente faz não, porque passa as pessoas aqui e fala que é muito traumatizante, muito dolorido2. Cuidar do queimado, a gente tem que ter uma certa... super paciência com eles. É porque na hora do banho a gente tem que fazer o serviço, passar a gazinha, limpar bem limpinho, pra não dar infecção. A gente tem que saber a importância desse nosso trabalho porque, se a gente deixar o paciente mesmo limpar, ele não vai limpar direito. Então, a gente, ciente disso, pra melhora dele mais rápido, a gente tem que fazer um bom serviço. 3 A gente vê que é dolorido, mas a gente tá aqui... Deus coloca ... Que ilumina a gente pra gente estar com eles. Porque não é a toa que a gente tá aqui não. Porque cada área, eu acho, tem as pessoas determinadas para cuidar daqueles pacientes. Acho que aqui, né, não é qualquer um que agüenta cuidar desses pacientes não. Porque... Na hora do banho é muito dolorido... A gente pega, limpa aquelas secreções, a dor que ele está sentindo... Porque a carne está viva, a lesão está, praticamente, coitado, toda aberta. .4 A gente tem que ter o máximo de paciência e fazer um bom serviço. Sabendo que é pra melhora do paciente. Tem que ter amor também, porque sem amor não se faz um bom serviço. Se dá um pouquinho de si pra eles.5 Igual aquele paciente, o (cita o nome), ele precisa totalmente da gente. Pra passar, igual, precisa de ajuda pra passar ele da maca. Tem pessoas que não conseguem o curativo dele sozinha não. Precisa de ajuda porque ele tá, praticamente, sem movimento nenhum, né. 80 81 E a gente, tem mais, é... Que conciliar pra ajudar. Mas as outras enfermarias, às vezes, não tá dando pra ajudar. Aí a gente tem que, como se diz, fazer por onde seu serviço sair bem feito e o paciente ficar satisfeito com seu serviço.6 Mas, Graças a Deus, agora ele tem consciência e ele mesmo tá se ajudando, porque com a ajuda dele mesmo tá melhor e ele tá querendo ver o filho dele, né. Ele vai melhorar, né. Pesq._ Sobre a pergunta que eu te fiz, o que é cuidar do paciente queimado, pra você é isso que você falou? _ Eu acho que sim, pois o que eu tenho que fazer é dar um bom banho, né. Ter muita paciência, muito carinho também.7 É uma rotina, mas você tem que dar um pouco de si também, porque o paciente tá alí, tá sofrendo. Queimado não é coisa à toa não. Eles ficam muito tempo no hospital, então tem que ter uma super paciência com eles, porque é, quanto tempo que eles ficam aqui, né, coitados, a gente vê, a gente que tá lá fora, a gente vê como é que é difícil , e eles ficar aqui dentro esse tempo todo, 8 esperar enxertia, esperar ir embora pra saber da família lá fora. Isso é muito difícil pra eles, né. É isso aí que eu falei. Pesq._ Então, muito obrigada. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. Cuidar do paciente queimado... parece que é uma missão pra gente. Porque a gente tá aqui não é à toa. Cuidar da pessoa queimada parece ser uma missão. Acredita estar ali para isto. 2. (...) eu acho que não é qualquer um que agüenta o que a gente faz não, porque passa as pessoas aqui e fala que é muito traumatizante, muito dolorido. 81 82 Acha que não é qualquer pessoa que suporta trabalhar no setor de queimados, pois “é muito traumatizante e dolorido” cuidar dos pacientes ali internados. 3. Cuidar do queimado, a gente tem que ter uma certa... super paciência com eles. É porque na hora do banho a gente tem que fazer o serviço, passar a gazinha, limpar bem limpinho, pra não dar infecção. A gente tem que saber a importância desse nosso trabalho porque, se a gente deixar o paciente mesmo limpar, ele não vai limpar direito. Então, a gente, ciente disso, pra melhora dele mais rápido, a gente tem que fazer um bom serviço. É preciso ter muita paciência com o paciente queimado, principalmente durante o banho. Nessa hora é necessário limpar bem as lesões para evitar infecção. O profissional deve ter consciência da importância desse trabalho e empenhar-se para desenvolver bem os cuidados, contribuindo, dessa forma, para a melhora do paciente. 4. (...) não é à toa que a gente tá aqui não. Porque cada área, eu acho, tem as pessoas determinadas para cuidar daqueles pacientes. Acho que aqui, né, não é qualquer um que agüenta cuidar desses pacientes não. Porque... Na hora do banho é muito dolorido... A gente pega, limpa aquelas secreções, a dor que ele está sentindo... Porque a carne está viva, a lesão está, praticamente, coitado, toda aberta. Não é qualquer pessoa que agüenta cuidar do paciente queimado. Considera que não é por acaso que ela e os outros funcionários estão trabalhando ali, tem de haver alguma razão. É difícil cuidar porque o paciente sente muita dor, principalmente durante o banho, quando tem de limpar as lesões que estão em “carne viva”. 82 83 5. (...) tem que ter o máximo de paciência e fazer um bom serviço. (...) Tem que ter amor também, porque sem amor não se faz um bom serviço. Se dá um pouquinho de si pra eles. Para cuidar, tem de ter muita paciência e amor. Não se faz um bom trabalho sem amor, sem dar um pouco de si para o paciente. 6. (...) tem mais, é... Que conciliar pra ajudar. Mas as outras enfermarias, as vezes, não tá dando pra ajudar. Aí a gente tem que, como se diz, fazer por onde seu serviço sair bem feito e o paciente ficar satisfeito com seu serviço. A colaboração entre os membros da equipe durante o cuidar é necessária, mas nem sempre é possível. O importante é o serviço sair bem feito e satisfazer o paciente. 7. (...) o que eu tenho que fazer é dar um bom banho, né. Ter muita paciência, muito carinho também. Além da preocupação com o banho, é preciso ter, também, muita paciência e carinho para com o paciente. 8. É uma rotina, mas você tem que dar um pouco de si também, porque o paciente tá ali, tá sofrendo. Queimado não é coisa à toa não. Eles ficam muito tempo no hospital, então tem que ter uma super paciência com eles (...) é difícil , e eles ficá aqui dentro esse tempo todo. Mais do que as atividades de rotina do setor, para cuidar, é preciso dar um pouco de si e ter muita paciência com o paciente, porque ele sofre muito. 83 84 Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 2-Acha que não é qualquer pessoa que suporta Acha que não é qualquer um que suporta trabalhar no trabalhar no setor de queimados, pois “é muito setor para pacientes queimados, pois traumatizante e dolorido” cuidar dos pacientes ali traumatizante”. É difícil cuidar dessas pessoas porque internados. 4-Não é qualquer pessoa que agüenta elas sentem muita dor, principalmente durante o cuidar do paciente queimado. Considera que não é banho, quando é preciso lmpar as lesões que estão por acaso que ela e os outros funcionários estão em “carne viva”. trabalhando ali, tem de haver alguma razão. É Considera que não é por acaso que ela e os outros difícil cuidar porque o paciente sente muita dor, funcionários estão trabalhando principalmente durante o banho, quando tem de alguma razão. (U.S. 2 e 4) “é muito ali, tem de haver limpar as lesões que estão em “carne viva”. b) Cuidar é se dedicar b) Cuidar é se dedicar 5-Para cuidar, tem de ter muita paciência e amor. Não se faz um bom trabalho sem dar um pouco de si Não se faz um bom trabalho sem amor, sem dar um para o paciente. Mais do que as atividades de rotina pouco de si para o paciente. 8-Mais do que as do setor, para cuidar, tem de ter muita paciência e atividades de rotina do setor, para cuidar, amor, pois ele sofre muito. (U.S. 5 e 8) é preciso dar um pouco de si e ter muita paciência com o paciente, porque ele sofre muito. c) Cuidar é agir orientado pelo saber c) Cuidar é agir orientado pelo saber 3-É preciso ter muita paciência com o paciente É preciso ter muita paciência e carinho para com o queimado, principalmente durante o banho. Nessa paciente queimado, principalmente durante o banho. hora é necessário limpar bem as lesões para Nessa hora, é necessário limpar bem as lesões para evitar infecção. O profissional deve ter consciência evitar infecção. O profissional deve ter consciência da importância desse trabalho e empenhar-se para da importância desse trabalho e empenhar-se para desenvolver bem os cuidados, contribuindo, dessa desenvolver bem os cuidados, contribuindo, dessa forma, para a melhora do paciente. 7-Além da forma, para a melhora do paciente. (U.S. 3 e 7) preocupação com o banho, é preciso ter, também, muita paciência e carinho para com o paciente. d) O Cuidar e o trabalho em equipe d) O Cuidar e o trabalho em equipe 6-A colaboração entre os membros da equipe A colaboração entre os membros da equipe durante o durante o cuidar é necessária, mas nem sempre é cuidar é necessária, mas nem sempre é possível. O possível. O importante é o serviço sair bem feito e importante é o serviço sair bem feito e satisfazer o satisfazer o paciente. paciente. (U.S. 6) 84 85 e) Cuidar é uma missão e) Cuidar é uma missão 1-Cuidar da pessoa queimada parece ser uma Cuidar da pessoa queimada parece ser uma missão. missão. Acredita estar ali para isto. Acredita estar ali para isto. (U.S. 1) Análise Ideográfica Mais do que executar as atividades rotineiras do setor, a auxiliar de enfermagem afirma que, para cuidar do paciente queimado, é necessário ter muito amor, carinho e paciência, porque ele sente muita dor, principalmente durante o banho. É o momento em que se deve limpar as lesões provocadas pela queimadura, o que causa grande sofrimento ao paciente. Acha que a enfermagem deve ter consciência da importância de seu trabalho e empenhar-se para desenvolver bem os cuidados, pois, assim, estará contribuindo para a melhora dessas pessoas. Para ela, o trabalho em equipe também é muito importante, mas nem sempre é possível. Considera que é difícil cuidar do paciente queimado e não é qualquer pessoa que consegue lidar com tanta dor. Pensa que cuidar desses pacientes deve ser uma missão e ninguém está ali cuidando por acaso. 85 86 DISCURSO 07 Pesq.: O que é para você cuidar do paciente queimado? _ Bom, pra início de conversa, eu acho, assim, que é um trabalho difícil, muito difícil, e, deixa eu pensar aqui... Ele é muito assim... Porque o queimado, ele é uma pessoa que ele... Você tem que cuidar da ferida, entendeu? Da ferida, da cabeça, porque, você vê bem, a pessoa não estava predisposta a nenhuma patologia, então ela queima em questão de minutos. Um minuto atrás ele era normal, um minuto depois ele era queimado, todo mundo no nosso caso aqui, totalmente dependente. Então você tem que cuidar... Por isso que eu falo que é um trabalho difícil, porque você tem que cuidar da ferida, da cabeça desse queimado e da sua também1. Aí, o que acontece? O queimado chega, você começa a cuidar, ele traz tudo, todo aquele processo de frustração, de... tudo na vida. O processo de vida dele, ele traz junto com a queimadura e aí você fica meio perdida. Primeiramente, eu pelo menos sou assim, antes que eu conheça o paciente, a pessoa paciente, pra mim é difícil 2 . Porque eu não tô ali só pra dá banho, enfaixar e pronto. Então eu tenho essa dificuldade. Porque primeiro, você tem que ver como que foi que o paciente... Às vezes, é o tal negócio, às vezes você vira pra ele e fala assim: como é que você queimou? Aí o paciente, pô, é curiosidade! E não é! É porque ali você vai começar a conhecer o processo dele pra você saber até como você chega, como você trata, como é que você vai agir com esta pessoa.3 Cada paciente você cuida de um jeito. Então é difícil você falar: com queimado você faz isso, isso, isso e isso. Não tem essa, essa... A ser um... Eu estou falando do curativo, mas eu digo assim no geral, não tem aquele padrão que ele vai de acordo com cada pessoa. 86 87 Você tem, primeiro, que ver como que essa pessoa vai aceitar esse tratamento. Uns já vão te facilitar, outros não vão facilitar, 4 né? Então, acho que eu não respondi a sua... Fica difícil falar assim ao certo. Cuidar de queimado é assim, assim e assim. Pesq.: Cuidar do paciente queimado pra você é... _ É. Falar com você, cuidar do queimado... Porque a rotina existe, mas ela ... Eu não sei, eu acho que o queimado não é um paciente padronizado. Não é a mesma coisa que você cuidar de um paciente, por exemplo, vamos dar um exemplo aí de uma paciente já com uma patologia. Por exemplo, igual todo mundo fala que não gosta de cuidar de CA. Não é a mesma coisa, porque esse paciente já vem com aquela patologia, já traz ela no sangue, já tem uma história com aquela doença. E o queimado não tem, ele passa a ser queimado depois,né5 . Então eu acho que, não sei se todo mundo já te mostrou isso, sei lá, mas eu acho que cuidar do queimado é difícil, é ver, é conhecer o paciente, é ver a história dele. Porque a queimadura não é só uma ferida. A ferida é o que a gente tá vendo, mas o queimado, ele se queima todo, queima a alma, o pensamento, se queima todo.6 Pesq.: Você gostaria de dizer mais alguma coisa? _ Não, nesse sentido não, porque é meio complexo este negócio. Você me pegou meio desprevenida e é meio complicado. Pesq.: Então muito obrigada. _ De nada. 87 88 UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. (...) é um trabalho difícil, muito difícil (...) tem que cuidar da ferida (...) da cabeça, porque, você vê bem, a pessoa não estava predisposta a nenhuma patologia, então ela queima em questão de minutos. Um minuto atrás ele era normal, um minuto depois ele era queimado (...) totalmente dependente. (...) Por isso que eu falo que é um trabalho difícil, porque você tem que cuidar da ferida, da cabeça desse queimado e da sua também. É um trabalho muito difícil porque é necessário cuidar da lesão da pele e da parte psicológica do paciente, já que ele foi acometido pela queimadura de uma forma muito repentina. Em questão de minutos, a pessoa torna-se totalmente dependente. É difícil porque você tem de “cuidar da cabeça do paciente queimado e da sua também”. 2. O queimado chega, você começa a cuidar, ele traz tudo, todo aquele processo de frustração, de... tudo na vida. O processo de vida dele, ele traz junto com a queimadura e aí você fica meia perdida. Primeiramente, eu pelo menos sou assim, antes que eu conheça o paciente, a pessoa paciente, pra mim é difícil. O paciente queimado chega trazendo consigo toda uma história de vida além da lesão. Por isto, primeiramente, você tem de conhecer a “pessoa paciente”, para não se sentir “perdida” no processo de cuidar. 3. (...) eu não tô ali só pra dá banho, enfaixar e pronto (...) primeiro, você tem que ver como que foi que o paciente... Às vezes, é o tal negócio, às vezes você vira pra ele e fala assim: como é que você queimou? Aí o paciente, pô, é curiosidade! E não é! É porque ali você 88 89 vai começar a conhecer o processo dele pra você saber até como você chega, como você trata, como é que você vai agir com esta pessoa. É necessário ter conhecimento de como o paciente se queimou para saber como tratá-lo, embora se corra o risco de ele achar que a busca do motivo é apenas curiosidade. 4. Cada paciente você cuida de um jeito. Então é difícil você falar: com queimado você faz isso, isso, isso e isso. Não tem essa (...) aquele padrão que ele vai de acordo com cada pessoa. Você tem, primeiro, que ver como que essa pessoa vai aceitar esse tratamento. Uns já vão te facilitar, outros não vão facilitar. Acha que não existe um padrão para cuidar do paciente queimado, pois cada pessoa exige um cuidar diferenciado. Um facilita o cuidar, outro já o torna mais difícil. 5. (...) a rotina existe, mas ela ... Eu não sei, eu acho que o queimado não é um paciente padronizado. Não é a mesma coisa que você cuidar de um paciente, por exemplo, vamos dar um exemplo aí de uma paciente já com uma patologia. Por exemplo, igual todo mundo fala que não gosta de cuidar de CA. Não é a mesma coisa, porque esse paciente já vem com aquela patologia, já traz ela no sangue, já tem uma história com aquela doença. E o queimado não tem, ele passa a ser queimado depois, né. A pessoa queimada é diferente de outros pacientes, pois ele não era queimado, ele “passa a ser queimado” de repente. Apesar da existência de rotinas no setor, acha que não deve haver cuidados padronizados para o paciente queimado. 89 90 6. (...) cuidar do queimado é difícil, é ver, é conhecer o paciente, é ver a história dele. Porque a queimadura não é só uma ferida. A ferida é o que a gente tá vendo, mas o queimado, ele se queima todo, queima a alma, o pensamento, se queima todo. É necessário conhecer a história do paciente, pois ele não traz consigo somente a queimadura física. A pessoa “se queima toda”, inclusive a alma e o pensamento. Por isso, cuidar do paciente queimado é difícil. Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 1-É um trabalho muito difícil porque é necessário É um trabalho muito difícil porque é necessário cuidar da lesão da pele e da parte psicológica do cuidar da lesão da pele e da parte psicológica do paciente, já que ele foi acometido pela queimadura paciente, já que ele foi acometido pela queimadura de de uma forma muito repentina. Em questão de uma forma muito repentina. Em questão de minutos, minutos, a pessoa torna-se totalmente dependente. a pessoa torna-se totalmente dependente. É difícil É difícil porque você tem de “cuidar da cabeça do porque é necessário “cuidar da cabeça do paciente paciente queimado e da sua também”. 6-É queimado e da sua também”. Ele se “queima todo”, necessário conhecer a história do paciente, pois ele inclusive a alma, por isto, tem-se que conhecer a não traz consigo somente a queimadura física. A pessoa e não apenas a queimadura física. (U.S. 1 e 6) pessoa “se queima toda”, inclusive a alma e o pensamento. Por isso, cuidar do paciente queimado é difícil. b) Cuidar é estar atento b) Cuidar é estar atento 2-O paciente queimado chega trazendo consigo O paciente queimado chega trazendo consigo toda toda uma história de vida além da lesão. Por isto, uma história de vida além da lesão. Ele se “queima primeiramente, você tem de conhecer a “pessoa todo”, inclusive a alma, por isto, tem-se que conhecer paciente”, para não se sentir “perdida” no a pessoa e não apenas a queimadura física. É preciso processo de cuidar. 6-É necessário conhecer a conhecê-la para não se sentir “perdida” no processo história do paciente, pois ele não traz consigo de cuidar. (U.S. 2 e 6). somente a queimadura física. A pessoa “se queima toda”, inclusive a alma e o pensamento. Por isso, cuidar do paciente queimado é difícil. 90 91 c) Cuidar é agir orientado pelo saber c) Cuidar é agir orientado pelo saber 3-É necessário ter conhecimento de como o É necessário ter conhecimento de como o paciente se paciente se queimou para saber como tratá-lo, queimou para saber como tratá-lo, embora se corra o embora se corra o risco de ele achar que a busca risco de ele achar que a busca do motivo é apenas do motivo é apenas curiosidade. curiosidade. (U.S. 3) d) Cuidar é tratar do ser doente d) Cuidar é tratar do ser doente 4-Acha que não existe um padrão para cuidar do Apesar da existência de rotinas no setor, acha que paciente queimado, pois cada pessoa exige um não deve haver cuidados padronizados para o cuidar diferenciado. Um facilita o cuidar, outro já paciente queimado; cada pessoa exige um cuidar o torna mais difícil. 5-A pessoa queimada é diferenciado. Um facilita, outro já torna esse diferente de outros pacientes, pois ele não era processo mais difícil. A pessoa queimada não é igual queimado, ele “passa a ser queimado” de repente. aos outros pacientes, pois, devido ao acidente, Apesar da existência de rotinas no setor, acha que “passa a ser queimado” e tem que se internar de não deve haver cuidados padronizados para o uma hora para outra. (U.S. 4 e 5) paciente queimado. Análise Ideográfica Acha muito difícil cuidar do paciente queimado, pois, além de tratar das lesões físicas, tem de ajudá-lo emocionalmente. A queimadura afeta o seu estado psicológico e o deixa dependente de uma hora para outra. Por isto, é necessário conhecer e cuidar da pessoa e não apenas da queimadura. Ela traz consigo toda uma história de vida que é importante considerar no processo de cuidar. Mesmo correndo o risco de ser interpretado como curiosidade, é preciso verificar como ocorreu a queimadura, para saber como tratá-la. Apesar da existência de rotinas no setor onde trabalha, pensa que não deve haver cuidados padronizados para os pacientes queimados; cada pessoa tem necessidades diferenciadas. Acrescenta ainda que as dificuldades enfrentadas pelos cuidadores exigem que eles não descuidem da sua própria saúde mental. 91 92 DISCURSO 08 Pesq.: O que é pra você cuidar do paciente queimado? _ Pra mim, cuidar do paciente queimado é complicado porque a gente tem que ver em que estado se encontra o paciente. O estado psicológico, né. O estado dele com a família dele, os acontecimentos, o que houve. Pra depois você saber chegar no paciente e dar início. 1 Dar início como? No tratamento dele, né. É, terapêutico dele, né. E formular uma equipe, né, que tenha, né, a capacidade a nível da queimadura do paciente, né. Vamos supor que seja um paciente com queimadura de gás, ou queimadura de álcool, vamos supor, um ou outro, né. E que nós possamos ver, né, o grau de queimadura e que nós possamos realmente fazer a equipe intervir com ele. 2 Intervir como? É, se é um paciente homem, né, e se foi uma tentativa de homicídio e não quer falar, nós não vamos ignorá-lo, nós vamos tentar uma maneira de, não importa como ele seja, né, e, que o paciente, que a gente possa ver o bem-estar do paciente da melhor maneira possível. 3 Vamos fazer uma equipe, uma equipe composta de médico, psicólogo, vai precisar de fisioterapeuta. E enfermagem, né, e tentar levar o melhor, né. Pra esse doente que realmente ele precisa. Ele precisa e nós estamos preparando cada dia mais, melhorando cada dia mais em todos os aspectos, né. 4 De organização... Organização do setor, né? Aqui que é onde a gente realmente chega e dá capacidade pra gente poder trabalhar. Porque realmente tem, eu acho que deveria ser um pouquinho melhor, né. Mas infelizmente nós damos o máximo que o hospital nos oferece. E eu acho que com o paciente queimado é bom de trabalhar, principalmente aqui que dá... É...Basicamente quase tudo 92 93 que a gente precisa, normalmente tem. 5 Eu já fiz pesquisas em outros hospitais e tudo, e realmente quando o paciente chega: Ah, eu não vou ficar aqui, e pan, pan, pan, e coisa e tal. Eu falo: é melhor você ficar aqui do que ir pra outro hospital particular. Você pode ter qualquer tipo de convênio, aqui, realmente, é o melhor hospital que tem para queimadura. A gente divulgou isso em televisão, em rádio, né? Os profissionais são de excelente qualidade. Não é todo mundo que consegue ver o queimado, não é todo mundo que está em outro setor que tem essa capacidade não.. 6 Eu já estou aqui há mais ou menos cinco anos, né. Cinco anos!... Então o que eu sei de queimado eu aprendi realmente aqui e nunca vi em outro hospital nenhum essa grandeza que tem aqui, realmente igual nessa unidade de queimado. Então eu acho que aqui o paciente está no lugar certo. No lugar onde ele pode se curar, né. A cura devidamente, da expansão da queimadura, da área queimada. Então o que eu posso falar pra você é isso. Que somos uma equipe muito boa, muito boa. Agora, se puder melhorar mais, melhor ainda, melhor para nós, né. Porque aí nos vamos ser vistos, até mesmo mundialmente, né. E realmente, é um dos 9 melhores hospitais da América Latina, uma dos melhores. Eu me sinto assim, honrado de poder ser lembrado, né, na América Latina como um bom profissional, né. 7 Só de chegar num lugar e ouvir assim: ô você trabalha no queimados, cuidou de fulano? Em todo lugar tem isso. Já internou paciente aqui do meu bairro, conhecido meu. Então, pra mim é uma grandeza enorme poder contribuir, né. 8 Com esse, esse memorial do João XXIII, né. Que foi crescendo, crescendo e crescendo e taí muito grande, rumo a expandir principalmente e em particular no queimados, tá bom? Pesq.: Pra você cuidar do paciente queimado é isso que você falou? 93 94 _ É isso que eu te falei. Eu acho que tem que ter realmente uma equipe, começando do... É, tipo uma escada e degrau, começando do primeiro até o décimo, senão não funciona. Não funciona por quê? Porque vai faltar a metade, vai faltar uma outra, vai faltar complementar pra chegar nos outros degraus. Então, eu acho que tem que ser dessa forma, tem que ser muito bem organizado e muito bem preparado, eu acho. Cuidar é isso. 9 Aqui já melhorou muito nestes quatro meses, melhorou bastante. Você vê, a organização tá melhor, nós estamos trabalhando com mais material hoje em dia. Mesmo com esta história de governo aí, Graças a Deus não está faltando matéria-prima pra gente. Então a gente tem que estar satisfeito, né. Tem muito lugar que não te dá condições de trabalhar. Falta material, não, a gente tá tendo em abundância. Não adianta a pessoa chegar: Ah, no lugar lá tá faltando isso, tá faltando aquilo, mentira, mentira. Não falta. Pode faltar por duas horas, uma hora e pouco, por um tempo, né. Mas geralmente, aqui, a gente tem o material pra trabalhar, né,10então cuidar é isso. Pesq.:_ Está bem, obrigada pela colaboração. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. (...) cuidar do paciente queimado é complicado porque a gente tem que ver em que estado se encontra o paciente. O estado psicológico, né. O estado dele com a família dele, os acontecimentos, o que houve. Pra depois você saber chegar no paciente e dar início. Cuidar do paciente queimado é complicado porque é preciso considerar o seu estado geral, o estado psicológico, o relacionamento dele com a família e a história do acidente, só depois é que se devem iniciar os cuidados. 94 95 2. Dar início como? No tratamento dele, né. É, terapêutico dele, né. E formular uma equipe, né, que tenha, né, a capacidade a nível da queimadura do paciente. (...) nós possamos realmente fazer a equipe intervir com ele. Para dar início ao tratamento da pessoa queimado, antes de mais nada, a equipe precisa ser capacitada e ter conhecimento sobre queimaduras. Ela deve envolver o paciente de modo que ele participe do processo terapêutico. 3. (...) se foi uma tentativa de homicídio e não quer falar, nós não vamos ignorá-lo, nós vamos tentar uma maneira de, não importa como ele seja, né, e, que o paciente, que a gente possa ver o bem-estar do paciente da melhor maneira possível. Independente das circunstâncias em que ocorreu o acidente, a equipe deve sempre visar ao bem-estar do paciente e atendê-lo da melhor maneira possível. 4. Vamos fazer uma equipe, uma equipe composta de médico, psicólogo, vai precisar de fisioterapeuta. E enfermagem, né, e tentar levar o melhor, né. Pra esse doente que realmente ele precisa. Ele precisa e nós estamos preparando cada dia mais, melhorando cada dia mais em todos os aspectos, né. Para cuidar do paciente queimado, é realmente necessário que a equipe seja multiprofissional, cada um desempenhando cada vez melhor a sua função visando à necessidade do paciente. 95 96 5. De organização... Organização do setor, né? Aqui que é onde a gente realmente chega e dá capacidade pra gente poder trabalhar. Porque realmente tem, eu acho que deveria ser um pouquinho melhor, né. (...) com o paciente queimado é bom de trabalhar, principalmente aqui que dá... É...Basicamente quase tudo que a gente precisa, normalmente tem. Trabalhar com o paciente queimado é bom porque, na unidade, tem-se quase tudo o que é necessário. O setor é organizado e oferece boas condições de trabalho, embora haja sempre alguma coisa para melhorar. 6. Não é todo mundo que consegue ver o queimado, não é todo mundo que está em outro setor que tem essa capacidade não. Nem todas as pessoas que trabalham no hospital conseguem “ver” o queimado. 7. Eu me sinto assim, honrado de poder ser lembrado, né, na América Latina como um bom profissional, né. Sente-se honrado por ser “lembrado” como um bom profissional. 8. Só de chegar num lugar e ouvir assim: ô você trabalha no queimados, cuidou de fulano? Em todo lugar tem isso. Já internou paciente aqui do meu bairro, conhecido meu. Então, pra mim é uma grandeza enorme poder contribuir, né. É uma “grandeza” poder ajudar o outro a se curar. . 9. (...) tem que ter realmente uma equipe, começando do... É, tipo uma escada e degrau, começando do primeiro até o décimo, senão não funciona. Não funciona por quê? Porque vai faltar a metade, vai faltar 96 97 uma outra, vai faltar complementar pra chegar nos outros degraus. Então, eu acho que tem que ser dessa forma, tem que ser muito bem organizado e muito bem preparado, eu acho. Cuidar é isso. Para cuidar, a equipe deve ser preparada e organizada, com cada um dos componentes complementando o outro. Se não for assim, “não funciona”, porque vai estar sempre faltando alguma coisa. É como subir os degraus de uma escada, um vai ajudando o outro até chegar ao topo. 10. Aqui já melhorou muito (...) a organização tá melhor, nós estamos trabalhando com mais material hoje em dia. (...) Tem muito lugar que não te dá condições de trabalhar. Mas geralmente, aqui, a gente tem o material pra trabalhar, né, (...) A organização do setor está muito melhor e há mais material para se trabalhar. Grupos temáticos Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil a) Cuidar é difícil 6. Nem todas as pessoas que trabalham no hospital Nem todos aqueles que trabalham no hospital cuidando conseguem “ver” o queimado. de pacientes conseguem se aproximar e olhar a pessoa queimada. (U.S. 6) b) Cuidar é gostar do que se faz b) Cuidar é gostar do que se faz 7-Sente-se honrado por ser “lembrado” como um bom É uma “grandeza” poder ajudar o outro a se curar. Sente- profissional. 8 - É uma “grandeza” poder ajudar o se honrado por ser “lembrado” como um bom outro a se curar. profissional. (U.S. 7 e 8) c) Cuidar é agir orientado pelo saber c) Cuidar é agir orientado pelo saber 5- Trabalhar com o paciente queimado é bom porque, O setor é organizado, atualmente tem mais material e na unidade, tem-se quase tudo o que é necessário. O oferece boas condições de trabalho, embora haja sempre setor é organizado e oferece boas condições de alguma coisa para melhorar. Trabalhar com o paciente trabalho, embora haja sempre alguma coisa para queimado é bom porque na unidade tem-se quase tudo o melhorar. 10-A que é necessário. (U.S. 5 e 10) organização do setor está muito 97 98 melhor e há mais material para se trabalhar. d) Cuidar é tratar do ser doente d) Cuidar é tratar do ser doente 1-Cuidar do paciente queimado é complicado porque é Cuidar do paciente queimado é complicado porque é preciso considerar o seu estado geral, o preciso considerar estado o seu estado geral, o estado psicológico, o relacionamento dele com a família e a psicológico, o relacionamento dele com a família e a história do acidente, só depois é que se devem iniciar história do acidente, só depois é que se devem iniciar os os cuidados. cuidados. (U.S. 1) e) Cuidar compreendendo a dor e) Cuidar compreendendo a dor 3-Independente das circunstâncias em que ocorreu o Independente das circunstâncias em que ocorreu o acidente, a equipe deve sempre visar ao bem-estar do acidente, a equipe deve sempre visar ao bem-estar do paciente e atendê-lo da melhor maneira possível. paciente e atendê-lo da melhor maneira possível. (U.S. 3) f) O Cuidar e o trabalho em equipe f) O Cuidar e o trabalho em equipe 2-Para dar início ao tratamento da pessoa queimada, Para cuidar do paciente queimado, é preciso ter uma antes de mais nada, a equipe precisa ser capacitada e equipe multiprofissional organizada e capacitada. Ela ter queimaduras. Ela deve deve fazer com que o paciente também participe de todo envolver o paciente de modo que ele participe do o processo terapêutico. Se não for assim, “não funciona”, processo terapêutico. 4- Para cuidar do paciente porque vai estar sempre faltando alguma coisa. É como queimado, é realmente necessário que a equipe seja subir os “degraus de uma escada”, um vai ajudando o multiprofissional, cada um desempenhando cada vez outro até chegar no topo. (U.S. 2, 4 e 9) conhecimento sobre melhor a sua função visando à necessidade do paciente. 9-Para cuidar, a equipe deve ser preparada e organizada com cada um dos componentes complementando o outro. Se não for assim, “não funciona”, porque vai estar sempre faltando alguma coisa. É como subir os degraus de uma escada, um vai ajudando o outro até chegar ao topo. Análise Ideográfica Considera que cuidar do paciente queimado é bom porque a unidade é organizada e oferece, atualmente, quase todos os recursos materiais necessários. Por outro lado, é complexo, pois é necessário considerar o 98 99 estado geral e psicológico do doente, além do seu relacionamento com a família. É preciso também ter uma equipe multiprofissional capacitada que tenha como meta o bem-estar do paciente, num processo terapêutico que conte com o seu envolvimento e participação nas decisões. Acredita que ele só será efetivo se for desta forma. É como subir os “degraus de uma escada”, cada profissional vai ajudando e complementando o trabalho do outro até que o objetivo seja alcançado. No seu relato, o auxiliar de enfermagem acrescenta ainda que nem todos aqueles que cuidam de pacientes no hospital conseguem se aproximar e olhar a pessoa com queimaduras. Quanto a ele, sente orgulho e satisfação em poder ajudar esse paciente a se curar e gosta de ser reconhecido como um bom profissional. 99 100 DISCURSO 09 Pesq. _O que é para você cuidar do paciente queimado? _ Olha, cuidar do paciente queimado é dar a ele toda assistência de cuidados necessários. Lavando as feridas, fazendo os curativos, né. E atender em todas as solicitações, e naquilo que a gente vê necessário 1 , sabe? Porque tem muita coisa que, tem muita pessoa que vê assim: Não, ele não falou nada. Mas a gente tem que ter uma boa capacidade de observação. Observar também as anormalidades. Tem uns sintomas aparentes e tem uns sintomas inaparentes2 . Por exemplo: o paciente tá amarelo, com os olhos amarelos, tá apresentando o quê? Pode ser o quê? Um “treco-treco”. Aí dá pra ver, né, se ele tá com uma febre, você tem que colocar um termômetro pra ver, porque pode tá com febre e você não tá observando, nem sabendo, e ele não vai falar que tá com febre, a gente é que tem que tá sempre observando nesse sentido. E a dor, a dor é queixa, né. Pode tá com pseudomonas, por exemplo. A gente é que vê, ele não vê não, né? Tá apresentando infecção. A gente cheira, vê a secreção, a gente é que vê. Olha se ele tá alimentando, se ele tá com boa aceitação das dietas... Tem que observar se ele apresenta... se ele queixa que tá com náusea, se apresenta vômito. Ele é um paciente que depende muito de cuidado e observação. 3 Por exemplo, chegaram dois aqui no fim de dezembro, e todos dois morreram... Tava faltando material no hospital, como roupa de vestir, roupa, é... Pra forrar os leitos. Não tinha pomada. Eu tive que fazer curativo confuso. Os que vieram do bloco, eu não pude consertar os curativos, porque não tinha pomada bastante pra passar, passou foi só óleo mineral e com gasinha, porque nem gase aberta tinha. Teve uma semana aí que não teve atadura, e eles 100 101 ficaram aqui, devido à falta de vaga no nono andar e os dois morreu. Eles eram uns paciente queimado que necessitava de cuidados lá do nono, cuidados intensivos. Morreram, faltou material, faltou pomada, paciente que tá muito queimado tem que ser bem, mas bem cuidado. Tem que ter pomada mesmo pra passar e eles queimou todo. Tem que ter roupa, roupa de cama, roupa pra dormir, né, e mais pomada, mais atadura e gase aberta que não pode faltar. Porque você já teve aqui, você viu o... Não sei se você chegou a ver, que você ficava era à tarde, mas deve ter visto sim. São queimaduras grande, né? Braço, aquelas pernas comprida, né. Gasta, gasta muito. Remédio pra dor, nesses dias mesmo não tá tendo. Não tá tendo remédio pra dor não, tá tendo Nubaim. Usou Tilatil uns tempos, usou Inflaren uns tempos e ultimamente estava usando é o Nubaim. E nesses dias não tem. E eu tenho dado só o Dipirona e o Tramal... É trinta minutos antes do banho. _Cuidar do paciente queimado pra você é isso que você está me falando? _É, mas não tem sabão. No plantão passado eu não usei sabão porque não tinha. Usei um pouquinho de degermente. Lavando queimado só com água... Não tem álcool. Precisa de álcool pra fazer desinfecção dos leitos, pra dar injeção, pra passar nas mãos, né. Pra fazer desinfecção depois que dá o banho, nas mãos, nas botas. 4 Hoje tem muita atadura. Esses dias tá tendo, mas teve uns dias aí que ... Meus pacientes morreram e eu senti muito, eu fiquei sentindo isso. Porque eu recebi os dois, e todos dois morreram 5 e tá tendo muito óbito, mais do que tinha, eu acho. Só que eu sei, aqueles que a gente sabe, e aqueles que a gente não sabe? Veio paciente aqui, o (cita o nome), chegou aqui com o corpo coberto de gasinha e óleo mineral, eu fui consertar e não tinha como consertar porque não tinha atadura, porque não tinha gaze aberta pra pôr nele. Sabe? Um senhor já idoso... E não dá, as vagas lá do nono tá pouca. É sim, aqui tem 101 102 dois paciente, tem... tem uma. Aquela paciente do cinco três, aquela paciente á paciente do nono, tá muito queimada. Eu tô falando porque eu tava ajudando, eu terminei o meu trabalho e fui pra lá ajudar a moça. Você não viu, mas aquela hora que você conversou comigo você viu mais ou menos o estado deles. Tá vendo a luta do pessoal pra conseguir vaga lá em cima. É isso aí. Tem tempo que tá bom, tem tempo que não tá. Antes dessa campanha política tava bom, antes da eleição. Depois, eu acho que a verba deve ter entrado. Porque o que muita gente supõe, deve ter entrado, deve ter diminuído a verba da campanha e foi diminuindo e tudo. Tá ruim mesmo, nesse sentido o paciente precisa ser bem cuidado. Tá igual nos anos setenta, tinha muita admissão, pouca alta e muito óbito, eu já trabalhava com queimado nessa época. Pesq._ Você gostaria de dizer mais alguma coisa? _ Não. Mas você sabe que o bom é paciente ser bem cuidado, não é? Você sabe que é. Pesq._ É sim. Então, muito obrigada pela sua colaboração. UNIDADES DE SIGNIFICADO 1. (...) cuidar do paciente queimado é dá a ele toda assistência de cuidados necessários. Lavando as feridas, fazendo os curativos, né. E atender em todas as solicitações, e naquilo que a gente vê necessário (...). Cuidar do paciente queimado é lavar as feridas, fazer os curativos, enfim, é prestar-lhe todos os cuidados necessários. 102 103 2. (...) tem que ter uma boa capacidade de observação. Observar também as anormalidades. Tem uns sintomas aparentes e tem uns sintomas inaparentes. É preciso ter uma boa capacidade de observação para perceber as anormalidades, pois alguns sintomas são aparentes, mas outros não. 3. (...) ver, né, se ele tá com uma febre, você tem que colocar um termômetro pra ver, porque pode tá com febre e você não tá observando, nem sabendo, e ele não vai falar que tá com febre, a gente é que tem que tá sempre observando nesse sentido. E a dor, a dor é queixa, né. Pode tá com pseudomonas, por exemplo. A gente é que vê, ele não vê não, né? Tá apresentando infecção. A gente cheira, vê a secreção, a gente é que vê. Olha se ele tá alimentando, se ele tá com boa aceitação das dietas... Tem que observar se ele apresenta... se ele queixa que tá com náusea, se apresenta vômito. Ele é um paciente que depende muito de cuidado e observação. O paciente queimado é muito dependente de cuidados e de observação dos diversos sinais e sintomas que podem apresentar, tais como febre, dor, inapetência, náuseas, vômitos e secreções. 4. Tava faltando material no hospital, como roupa de vestir, roupa, é... Pra forrar os leitos. Não tinha pomada. Eu tive que fazer curativo confuso. Os que vieram do bloco, eu não pude consertar os curativos, porque não tinha pomada bastante pra passar, passou foi só óleo mineral e com gasinha, porque nem gase aberta tinha. (...) paciente que tá muito queimado tem que ser bem, mas bem cuidado. Tem que ter pomada mesmo pra passar (...) Tem que ter roupa, roupa de cama, roupa pra dormir, né, e mais pomada, mais atadura e gaze aberta que 103 104 não pode faltar. (...) São queimaduras grandes, né? Braço, aquelas pernas compridas, né. Gasta, gasta muito. Remédio pra dor... (...) No plantão passado eu não usei sabão porque não tinha. Usei um pouquinho de degermente. Lavando queimado só com água... Não tem álcool. Precisa de álcool pra fazer desinfecção dos leitos, pra dar injeção, pra passar nas mãos, né. Pra fazer desinfecção depois que dá o banho, nas mãos, nas botas. O paciente queimado tem de ser bem cuidado. Materiais como pomada, roupa de vestir, de cama, ataduras e gaze aberta não podem faltar. As queimaduras são extensas e, então, o consumo de material médicohospitalar é grande. Se não há material necessário à mão, fica difícil cuidar. 5. Meus pacientes morreram e eu senti muito, eu fiquei sentindo isso. Porque eu recebi os dois, e todos dois morreram (...). Sentiu muito a morte de dois pacientes que foram admitidos no setor. Grupos temáticos a) Cuidar é difícil Asserções Significativas Interpretadas a) Cuidar é difícil 5-Sentiu muito a morte de dois pacientes que foram Sentiu muito as mortes de dois pacientes internados no admitidos no setor. setor. (U.S. 5) b) Cuidar é se dedicar b) Cuidar é se dedicar 1- Cuidar do paciente queimado é lavar as feridas, Cuidar do paciente queimado é lavar as feridas, fazer os fazer os curativos, enfim, é prestar-lhe todos os curativos, enfim, é prestar-lhe todos os cuidados cuidados necessários. c) Cuidar é agir orientado pelo saber 4-O paciente queimado tem de ser bem cuidado. necessários. (U.S. 1) c) Cuidar é agir orientado pelo saber O paciente queimado tem de ser bem cuidado. Se não há 104 105 Materiais como pomada, roupa de vestir, de cama, material necessário à mão, fica difícil cuidar. ataduras e gaze aberta não podem faltar. As (U.S. 4) queimaduras são extensas e, então, o consumo de material médico-hospitalar e remédios para dor é grande. Se não há material necessário à mão, fica difícil cuidar. d) Cuidar é estar atento d) Cuidar é estar atento 2-É preciso ter uma boa capacidade de observação O paciente queimado exige bastante observação e é muito para perceber as anormalidades, pois alguns sintomas dependente de cuidados. A pessoa que cuida deve ser são aparentes, mas capaz de perceber as anormalidades que ele pode outros não. 3-O paciente queimado é muito dependente de cuidados e de apresentar, pois algumas são aparentes, mas outras não. observação dos diversos sinais e sintomas que podem (U.S. 2 e 3). apresentar, tais como febre, dor, inapetência, náuseas, vômitos e secreções. Análise Ideográfica Afirma que a pessoa queimada exige bastante observação e é muito dependente de cuidados. O cuidador precisa ser capaz de perceber as anormalidades, pois algumas são aparentes, mas outras não. Cuidar do paciente queimado, também, é lavar as feridas, fazer os curativos, enfim, prestar-lhe todos os cuidados necessários. Salienta, entretanto, que, se não há material necessário à mão, fica difícil cuidar. Em relação à interação com os pacientes, relata que sente muito quando algum deles morre. 105 106 V. MATRIZ NOMOTÉTICA CATEGORIAS E GRUPOS TEMÁTICOS DISCURSOS E ASSERÇÕES SIGNIFICATIVAS INTERPRETADAS 1. O GOSTAR DE CUIDAR E AS DIFICULDADES DO COTIDIANO 1.1 - Cuidar é difícil DISC. 1 - A S I a DISC. 3 - A.S.I. a DISC. 4 - A.S.I. a DISC. 5 - A.S.I. a DISC. 6 - A.S.I. a DISC. 7 - A.S.I. a DISC. 8 - A.S.I. a DISC. 9 - A.S.I. a 1.2 - Cuidar é uma missão DISC. 6 - A.S.I. e 2. CUIDAR É GOSTAR DO QUE SE FAZ 2.1 – Cuidar é gostar do que se faz DISC. 1 - A.S.I. b DISC. 3 - A.S.I. b DISC. 5 - A.S.I. b DISC. 8 - A.S.I. b 2.2 – Cuidar é tratar do ser doente DISC. 1 - A.S.I. d DISC. 4 - A.S.I. h DISC. 7 - A.S.I. d DISC. 8 - A.S.I. d 2.3 – Cuidar é se dedicar DISC. 1 - A.S.I. c DISC. 2 - A.S.I. a DISC. 3 - A.S.I. c DISC. 5 - A.S.I. c DISC. 6 - A.S.I. b 2.4 - Cuidar compreendendo a dor DISC. 1 - A.S.I. g DISC. 2 - A.S.I. c DISC. 3 - A.S.I. f DISC. 4 - A.S.I. c 106 107 CATEGORIAS E GRUPOS TEMÁTICOS DISCURSOS E ASSERÇÕES SIGNIFICATIVAS INTERPRETADAS 3. CUIDAR É AGIR ORIENTADO PELO SABER 3.1 - Cuidar é agir orientado pelo saber DISC. 2 DISC. 3 DISC. 5 DISC. 6 DISC. 7 DISC. 8 DISC. 9 - A.S.I. b - A.S.I. d - A.S.I. d - A.S.I. c - A.S.I. c - A.S.I. c - A.S.I. c 3.2 - Cuidar é estar atento DISC. 1 - A.S.I. e DISC. 3 - A.S.I. e DISC. 4 - A.S.I. b DISC. 5 - A.S.I. e DISC. 7 - A.S.I. b DISC. 9 - A.S.I. d 3.3 - Cuidar é orientar DISC. 3 - A.S.I. h 3.4 - Cuidar é repensar as ações DISC. 2 - A.S.I. d DISC. 3 - A.S.I. j DISC. 4 - A.S.I. g 3.5 - Cuidar é aprender a cada dia DISC. 4 - A.S.I. f DISC. 5 - A.S.I. f 4. O CUIDAR E O TRABALHO EM EQUIPE 4.1 - O cuidar e o trabalho em equipe DISC. 3 DISC. 4 DISC. 6 DISC. 8 - A.S.I. g - A.S.I. d - A.S.I. d - A.S.I. f 4.2 - Cuidar é preparar-se para o paciente DISC . 4 - A.S.I. e 107 108 VI – REFLEXÃO DOS RESULTADOS As análises ideográficas e nomotética permitiram-me adentrar no mundo-vida do auxiliar de enfermagem que trabalha na unidade de queimados do Hospital de Pronto Socorro João XXIII e encontrar quatro categorias que, pelo exercício da reflexão, possibilitaram-me vislumbrar o fenômeno “cuidar do paciente com queimaduras”, o qual busquei com a minha interrogação norteadora. O resultado encontrado nesta pesquisa reflete o meu olhar e não tem a pretensão de esgotar as várias perspectivas possíveis do fenômeno estudado, mesmo porque todas as verdades são relativas e dependem da temporalidade e de quem as analisa. A seguir, passarei para a construção dos resultados, referendando-me às categorias abaixo relacionadas: 1 – O Cuidar e as Dificuldades do Cotidiano 2 – Cuidar é Gostar do que se Faz 3 – Cuidar é Agir Orientado pelo Saber 4 – O Cuidar e o Trabalho em Equipe 6.1. O Cuidar e as Dificuldades do Cotidiano Cuidar de um paciente queimado, numa unidade especializada, para os auxiliares de enfermagem constitui-se uma vivência difícil de ser experienciada devido ao grande sofrimento das pessoas que ali se internam. A admissão das dificuldades é comum nos discursos e pode ser exemplificada nas falas: 108 109 Cuidar do paciente queimado é difícil uma vez que a queimadura é dolorosa e ele sofre muito. (Disc.3 A.S.I. a) Acha difícil cuidar dos pacientes queimados porque é muito grande o seu sofrimento. (Disc.4 A.S.I a) É difícil porque é necessário “cuidar da cabeça do paciente queimado e da sua também”. (Disc.7 A.S.I a) Quando o outro é uma criança, o exercício profissional do cuidar torna-se ainda mais difícil. No caso das crianças, é ainda pior. Ao prestar-lhes os cuidados, muitas vezes chega a virar o rosto e chorar junto com elas. (Disc.4 A.S.I a) A criança no seu mundo, cheio de significados e fantasias, transforma a agressão representada pela queimadura em um fato ainda mais sinistro para si e para aqueles que a assistem. Com seu enfoque peculiar, sua subjetividade infantil, ela sofre com a dor das lesões e a invasão de seu corpo. Diante de um acontecimento tão traumático, como é a queimadura, a criança tenta atrair para si a atenção de todos que a rodeiam. A raiva, o grito, o choro e a rebeldia são reações freqüentes que, em geral, vêm intercalados de momentos de silêncio e apatia assustadores, num aparente conflito interno, e só a proximidade da mãe ou de alguém que lhe transmita ternura e segurança pode ajudá-la a suplantar o sofrimento. 109 110 A particularidade como a criança vivencia o sofrimento ou doença, traduzida da minha experiência como mãe e enfermeira, talvez torne compreensível a maior sensibilidade e dificuldade dos auxiliares ao assisti-la. Em muitas situações, o cuidador se entrega, vira o rosto e chora junto, divide os sentimentos, coloca para fora a emoção, extravasa, como anuncia o discurso 4, anteriormente citado. Exposta à facticidade pessoa com queimaduras existencial, ansiosa e desesperada, experiencia uma dor profunda, a quase insuportável, que se apodera da totalidade do seu ser. Transtornada pelo sofrimento causado por alguns procedimentos terapêuticos, mostra-se hostil e agressiva, dificultando a prática do cuidar, conforme transcrito abaixo: (...) chegam a ser agredidos fisicamente por ele, (refere-se ao paciente), numa reação causada pelo sofrimento que este sente durante a execução de alguns procedimentos. (Disc.1 A.S.I. a) Cuidar de um corpo destroçado, de um ser atormentado, chocado com a brutalidade da queimadura, tudo isso impõe ao cuidador um fluxo contínuo de atividades que são dolorosas, mas necessárias como ações terapêuticas para esses pacientes. É difícil cuidar destas pessoas porque elas sentem muita dor, principalmente durante o banho, quando é preciso limpar as lesões que estão em “carne viva”. (Disc.6 A.S.I. a ) (...) é necessário cuidar da lesão da pele e da parte psicológica do paciente... (Disc.7 A.S.I. a) 110 111 Mesmo já familiarizado com os desafios da profissão, o auxiliar continua a se assustar com as lesões sofridas pelos pacientes, ao imaginar a intensidade da dor vivenciada por eles. Alguns depoentes demonstram o quanto se sentem afetados ao executar procedimentos que se convertem em torturas e como é difícil e desgastante viver cotidianamente lidando com os limites humanos. Em certas situações, assusta-se com as lesões sofridas por alguns pacientes e é capaz de perceber a intensidade da dor vivenciada por eles.(Disc.4 A.S.I. a) Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns procedimentos. (Disc.5 A.S.I. a) Nesse compartilhamento de experiências, é exigido do auxiliar, que nem sempre está preparado, uma atitude interacionista e de compreensão da dor do outro, um cuidar que leve em consideração não o corpo físico, mas o corpo existencial. Em questão de minutos, a pessoa torna-se totalmente dependente. (...) Ele se “queima todo”, inclusive a alma, por isso, tem-se que conhecer a pessoa e não apenas a queimadura física. (Disc.7 A.S.I. a) Por isso, é necessário estar preparado emocionalmente para cuidar desses pacientes, o que, às vezes, não acontece com aqueles que começam a trabalhar no setor. O impacto de estar diante de pessoas com queimaduras tão extensas e ter de executar atividades normalmente 111 112 dolorosas e repulsivas, no início, assusta e parece ser uma barreira intransponível. Alguns, entretanto, depois de familiarizarem-se com o paciente, com a gravidade de suas lesões, conseguem re-significar as situações cotidianas naquele espaço vivencial, o que facilita o ato de cuidar. Achava que não iria conseguir cuidar da pessoa queimada, uma vez que tinha medo e jamais imaginou que algum dia faria isto. Atualmente, não sente mais dificuldades. (Disc.3 A.S.I. a) Assim que começou a trabalhar na unidade de queimados, assustou-se, porque não estava acostumada a ver pessoas com queimaduras tão extensas e graves. Atualmente não sente dificuldades de cuidar do paciente queimado. (Disc.5 A.S.I. a) Ao tratar do sofrimento na prática da enfermagem, LIMA (1997:52) comenta que as características do trabalho realizado por esses profissionais, ao lidar com o sofrimento humano, com problemas que não sabem explicar, por si só, podem vir a ser uma significativa fonte de estresse emocional. Durante o tempo em que atuei na unidade de tratamento de queimados, pude perceber o quanto essa afirmação, além de verdadeira, é mais intensa naquele setor. As descrições dos auxiliares apontam também que, para ser cuidador do paciente com queimaduras, além do preparo técnico e psicológico, é necessário muita determinação, porque o sofrimento é extremamente visível. Conviver diariamente com corpos desfeitos, em “carne viva”, na presença contínua da dor objetiva e existencial, é tarefa 112 113 por demais árdua. Nem todos os cuidadores da saúde, por mais preparados que estejam, são capazes de trabalhar em unidades destinadas a esses pacientes. A gravidade das lesões é chocante e assustadora. Nem todos aqueles que trabalham no hospital cuidando de pacientes conseguem se aproximar e olhar a pessoa queimada. (Disc.8 A.S.I. a) Em relação ao preparo emocional, um dos auxiliares reforça dizendo que, para cuidar de pacientes com queimaduras, convivendo dia a dia com a dor, é preciso “ter uma estrutura muito forte”, ter uma força especial, inata, que protege o cuidador e o inspira a seguir adiante. É necessário ter uma força que não é adquirida mas inata. Se não possuir essa força, a pessoa não agüenta ficar muito tempo cuidando de pessoas queimadas. (Disc.4 A.S.I a) Outro auxiliar encontra sentido para sua permanência na unidade destinada a esses pacientes, acreditando estar ali para fazer exatamente o que faz. Considera que não é por acaso que ela e os outros funcionários estão trabalhando ali, tem que haver alguma razão. (Disc.6 A.S.I. a) Para ele, é como se estivesse cumprindo uma missão pessoal, uma proposta de existência outorgada por um ser divino, para assistir e ajudar o outro. A sua fala traduz tranqüilidade, conformismo e 113 114 solidariedade. Aceita o trabalho com o sentimento de estar cumprindo um dever, seguindo as tarefas prescritas por um destino intransferível. Percebese também, no depoimento, a herança religiosa que persiste, influenciando a formação e a prática profissional. O cuidar, essência da profissão, é tido como um trabalho a serviço de Deus. Cuidar da pessoa queimada parece ser uma missão. Acredita estar ali para isto. (Disc.6 A.S.I. e) Compreender a própria existência, cuidando de pessoas queimadas como uma missão, acredito, é sublimar a perplexidade, a angústia e o medo diante de um fato tão violento e carregado de sofrimento que deixará marcas profundas por toda a existência em quem teve o corpo agredido pela queimadura e em quem dele cuidou. Penso, porém, que sem algum tipo de sublimação não há como trabalhar muito tempo numa unidade especializada no tratamento de pessoas com queimaduras. Ali, é preciso exercer a arte de aceitar. 114 115 6.2. Cuidar é Gostar do que se Faz Com todas as dificuldades experienciadas, o auxiliar de enfermagem, cuidador de pessoas com queimaduras, mostra em seu discurso que, para cuidar, é preciso gostar do que se faz. Para cuidar do paciente queimado é preciso gostar do que se faz ( ...). Tem que ir “trabalhar com vontade”(...). Para cuidar, tem que ter amor pelo que se faz. (Disc.3 A.S.I. b) Para cuidar da pessoa queimada, primeiro tem que gostar, ter amor pelo que se faz, não é só pensar em dinheiro. Não há como trabalhar muito tempo ali se não for assim. (Disc.5 A.S.I. b) Parece certo, pela leitura dos depoimentos, que o ato de cuidar dessas pessoas carrega um sentido particular. Além do saber técnicocientífico, exige de quem cuida motivação, “força” interior e o gosto pelo que faz, predicados e anseios íntimos que devem fundamentar a escolha da profissão. É preciso estar vocacionado para o exercício do cuidar. A esse respeito, reportando-se ao significado original da expressão vocação, ALVES (1995:33) comenta: Saber que a gente gosta disso e gosta daquilo é fácil. O difícil é saber qual, dentre todas, é aquela que gente gosta supremamente. Pois, por causa dela, todas as outras terão de ser abandonadas . A isso se dá o nome de “vocação”; que vem do latim, vocare, que quer dizer “chamar”. É um chamado que vem de dentro da gente, o sentimento de que existe alguma coisa bela, 115 116 bonita e verdadeira à qual a gente deseja entregar a vida. Na fala de alguns auxiliares, a vocação parece sustentar o sentimento de satisfação e tranqüilidade pelo ato de doar algo de si em favor do outro. Ter a possibilidade de ajudar um outro ser humano traz felicidade, engrandece e realiza aquele que divide a responsabilidade do “curar”. Fica feliz e satisfeita com a melhora do paciente e sente-se tranqüila quando, ao final do plantão, percebe que fez algo para ajudá-lo. (Disc.5 A.S.I. b) É uma “grandeza” poder ajudar o outro a se curar. Sente-se honrado por ser “lembrado” como um bom profissional. (Disc.8 A.S.I. b) Realizar uma ação com tanto gosto revela a disponibilidade dos depoentes de compreender a vivência dolorosa do outro e, portanto, ser capaz de minimizar o sofrimento provocado pelos efeitos devastadores da queimadura. Revela, porém, que o envolvimento emocional, o encontro com o sofrimento do outro, a que está exposto o cuidador, é que torna mais cansativo e desgastante o processo de cuidar. O cuidado intensivo exigido pelo paciente queimado e o envolvimento emocional do cuidador ao lidar com suas dores tornam cansativo o trabalho da equipe de enfermagem. ”. (Disc.4 A.S.I. c) 116 117 Cuidar de pacientes com queimaduras, sem ter vocação para esse fim, impossibilita o trabalho ali, na unidade, por muito tempo. Quanto a isso, diz o auxiliar: Para cuidar do paciente, tem de ter muita dedicação, muito amor e muita força ou não agüenta.. (Disc.1 A.S.I. c) Nesse sentido, entendo que o cuidar com amor, com vontade, gostando do que faz, estimularia o envolvimento do cuidador com o ser que é cuidado, numa demonstração de desvelo para com o outro. Corroborando, GOLEMAN (1995) comenta que o amor, tido como uma manifestação emocional do ser vivente, promove sentimentos afetuosos, geradores de calma e satisfação, que ajudariam nas relações, a meu ver, tão necessárias tanto para quem cuida como para quem busca a recuperação. Cuidar gostando do que se faz, com amor, é, então, interagir, envolver-se e tentar compreender o outro. É assumir uma forma de relacionar-se, que revela consideração, respeito e paciência para com o outro. Acha que o papel do auxiliar de enfermagem é ser dedicado e, acima de tudo, gostar do paciente queimado (...). (Disc.1 A.S.I. b) Cuidar é dar atenção e dedicar-se totalmente ao paciente. Mesmo sentindo dificuldades em ajudá-lo nas questões emocionais, procura atender, ao máximo, suas necessidades. ( Disc.2 A.S.I. a) 117 118 (...) ao cuidar, é preciso paciência. (...) A obrigação da equipe é cuidar dele com discrição e respeito, sem se importar com o que ocorreu, o porquê e como ele se queimou. (Disc.3 A.S.I. f ) Ao dedicar-se ao outro, atentando e atendendo as suas necessidades com uma atitude humanizada, o auxiliar cuidador da pessoa com queimaduras revela o modo de cuidar autêntico, que, guiado pela compreensão, busca contemplar o homem na sua totalidade, e não vê-lo apenas como corpo biológico. O cuidar deve abranger as pequenas atitudes, como o acolhimento com o olhar, os gestos e as palavras. Assim, pode-se minimizar o sofrimento intenso do paciente com queimaduras. Importar-se com ele, entendo que poderia ser traduzido na fala de um dos auxiliares, ao afirmar que é preciso (...) ter “muito jogo de cintura” e muita paciência para trabalhar com o paciente(...). (Disc.4 A.S.I. c) Outro depoente, porém, denuncia um envolvimento diferenciado daquele anteriormente descrito: o cuidado não-humanizado. Considera que existem muitos funcionários que trabalham por necessidade e não porque gostam do que fazem. É muito difícil encontrar, entre essas pessoas, alguém que diz gostar, realmente, de cuidar do paciente queimado. (...) existe “gente muito desumana” na equipe de enfermagem. Quando um paciente mais dependente é admitido na unidade, ele não é 118 119 recebido como se deveria. Pensa que está faltando “mais carinho e atenção” no atendimento de uma maneira geral. (Disc.3 A.S.I. b e c) Nessa perspectiva, o ser cuidador passa pelo outro sem se importar com ele, não exerce o modo autêntico do cuidar. Ele se limita a cumprir tarefas sem se comprometer com os sentimentos de angústia, solidão, medo e dor, que fazem parte do cotidiano das pessoas internadas com queimaduras. O amor, o carinho e a atenção estão ausentes dessa relação. Alguns “cuidadores” refletem as falas, restringem-se à execução das atividades obrigatórias objetivando apenas a recompensa econômica, deixando de lado, portanto, as inúmeras possibilidades e finalidades do verdadeiro cuidar. Para SPANOUDIS (1981:19-20), O relacionar-se com alguém, com o outro numa maneira envolvente e significante, é o que Heidegger chama de “solicitude”, que imbrica as características básicas do ter consideração para com o outro e de ter paciência com o outro. Ter consideração e paciência com os outros não são princípios morais, mas encarnam a maneira como se vive com os outros, através das experiências e expectativas. (...) Há duas maneiras extremas de solicitude ou de cuidar do outro, onde existem, obviamente, também inúmeras variações. (...) Todas as maneiras de indiferença, apatia, falta, competição (...) são maneiras deficientes da primordial característica fundamental – solicitude. Com base nos depoimentos até aqui tratados, cabe bem dizer que, ao ser proposta a compreensão das ações do cuidador, deve-se considerar o aspecto técnico-científico e jamais ignorar o enfoque afetivo 119 120 das relações com o paciente. Exercer o cuidado desprovido de sentimentos como desvelo, empatia e amor é prender-se num modo inautêntico de cuidar. Determinados a cuidar diariamente dos pacientes na unidade de tratamento de queimados, os auxiliares se veêm envoltos numa relação intensa de proximidade com aquele que é cuidado, valorizando a dimensão de sua existência, tentando compreender a dor que este vivencia, como salientam os relatos: Gosta de cuidar do paciente queimado, apesar de “sofrer muito”, de “sofrer junto com ele”. (Disc.1 A.S.I. f ) “Sofre-se juntamente com o paciente...” (Disc.2 A.S.I. c) Ao imaginar-se no lugar da pessoa queimada, é capaz de sentir o quanto ela sofre, como é profunda a sua dor. ( Disc.3 A.S.I. f ) Às vezes, assusta-se com as lesões sofridas por alguns e é capaz de perceber a intensidade da dor vivenciada por eles. (Disc.4 A.S.I. c) O cuidador parece experienciar um envolvimento profundo com a dor do paciente, ela é visivelmente perturbadora, como deixam transparecer as falas. Cada pessoa precisa ser percebida em sua individualidade, ser cuidada de acordo com suas necessidades. O cuidar deve ser dirigido, 120 121 então, para a pessoa na sua totalidade e não somente para suas lesões corporais. Considera que cada pessoa reage diferente à queimadura (...). Deve-se levar em conta a individualidade de cada um... (Disc.4 A.S.I. c) Apesar da existência de rotinas no setor, acha que não deve haver cuidados padronizados para o paciente queimado; cada pessoa exige um cuidar diferenciado. (Disc.7 A.S.I. d) Embora a existência de rotinas facilite e direcione o trabalho profissional, elas não devem padronizar os cuidados. O direcionamento que estes têm de seguir é o caminho do ser, da sua unicidade e diversidade. Para tal, é indispensável um espaço de comunhão, possa acolher o ser e nele centrar o seu cuidar. para que o cuidador Um espaço que é criado pelo envolvimento, compromisso e gosto pelo que se faz. O vivenciar desses auxiliares junto ao paciente queimado, demanda “cuidados intensivos” e uma “atenção especial”, que exige o conhecimento das condições e da historicidade de cada ser de que se cuida. O cuidar precisa ser sistematizado no esforço de atender não o “corpo humano”, mas o corpo situado, aquele que anuncia uma história pessoal. Os trechos transcritos enfatizam isso: Cuidar do paciente queimado requer cuidados intensivos e atenção especial devido à instabilidade do seu estado de saúde. É necessário ter conhecimento das condições individuais, pois os cuidados vão ser diferentes para cada situação. (...) por isto, 121 122 ao cuidar, deve-se levar em consideração também o aspecto psicológico. (Disc.1 A.S.I. d) Cuidar do paciente queimado é complicado porque é preciso considerar o seu estado geral, o estado psicológico, o relacionamento dele com a família e a história do acidente, só depois é que se devem iniciar os cuidados. (Disc.8 A.S.I. d) A historicidade pertence ao mundo que é habitado e preenchido pelo homem; só assim ele se faz presente como afirma HEIDEGGER, (1987: 683) Fazer-se presente, no sentido de viver autenticamente a sua situação, é sempre retroceder para si, o que faz do presente, um misto de retomada do passado e de antecipação do futuro. A situação existencial é, portanto, inseparável da temporalidade. Segundo os relatos, os pacientes com queimaduras devem ser vistos de maneira holística, principalmente aqueles internados na unidade pesquisada, pois, além da gravidade e instabilidade do seu estado clínico, muitas vezes, eles têm de passar por um processo difícil de re-significação da existência, devido às transformações que virão. a sofrer. Para alguns depoentes, a pessoa que se dispõe a trabalhar numa unidade especializada no tratamento de queimaduras necessita estar preparada para cuidar da lesão e do homem em toda a sua dimensão; para tanto, precisa gostar do que faz e inspirar-se profundamente nos princípios da solicitude autêntica. 122 123 6.3. Cuidar é Agir Orientado pelo Saber Os auxiliares apontam para a importância de conhecer e perceber o outro como alguém que requer cuidados especializados, tanto por causa das características fisiopatológicas de suas lesões como pelo estado emocional em que se encontra a pessoa com queimaduras. Mas, para tanto, é necessário que o cuidador esteja preparado tecnicamente, além de disposto a se inteirar do mundo-vida daquele de quem cuida. Ao admiti-lo na unidade, tem-se que considerar a sua história pregressa e as condições em que se deu a queimadura. (Disc.1 A.S.I. e) O paciente queimado chega trazendo consigo toda uma história de vida além da lesão. Ele se “queima todo”, inclusive a alma, por isso, você tem que conhecer a pessoa e não apenas a queimadura física. É preciso conhecê-la para não se sentir “perdida” no processo de cuidar. (Disc.7 A.S.I. b). É necessário ter conhecimento de como o paciente se queimou para saber como tratá-lo (...). (Disc.7 A.S.I. c) Em se tratando da revelação do ser humano no espaço temporal vivido, SEVERINO (1983:59) afirma que “a história da pessoa é um elemento inseparável da sua compreensão”, pois o homem é um ser histórico. Esse modo de pensar pode ser identificado nas falas, já que, para os auxiliares, a história do paciente fundamenta o cuidar. Para cuidar, é 123 124 preciso buscar a experiência humana em sua amplitude; buscar o que ela tem de concreto e objetivo, da mesma forma, os valores, as contradições e os limites que a envolvem. Para eles, é preciso compreender o paciente no seu fluxo da vida, antes de iniciar o cuidar. É nesse encontro com a experiência situalizada do outro, exercendo suas ações a partir das possibilidades das quais acredita ter domínio, que o auxiliar tenta colaborar na elaboração de um projeto comum, com alguém que quer compreender para poder cuidar. Percebo na fala desses depoentes o rompimento da postura sedimentada pelo paradigma dominante na modernidade, que restringe o corpo à visão mecanicista, simplesmente biológico. Pode-se dizer que há uma percepção diferenciada do corpo, quando tentam compreendê-lo na sua experiência existencial. No esforço de orientar-se pela história do paciente, o auxiliar dá significação ao corpo a ser cuidado e o humaniza. Visualiza o homem como, segundo SEVERINO (1983) citando Renouvier1, “um corpo, da mesma forma que é espírito, inteiramente corpo, inteiramente espírito”. Como se viu, para tal postura, é necessário encontrar o outro pela interação. Nossas ações no mundo-vida do trabalho da enfermagem são eminentemente sociais; relacionamo-nos uns com os outros, mas é fundamental a relação face a face. É aí que podemos perceber o outro em sua unidade e totalidade. Munidos de uma bagagem de conhecimentos adquiridos, promovemos nossa ação em direção a alguém, imbuídos de um conjunto de motivos em vista dos quais agimos. (CAPALBO, 1979.) 11 Renouvier, Ch, Le personnlisne, Alan, Paris, 1903. 124 125 Como em qualquer outra situação, também na enfermagem, as relações pessoais são permeadas de encontros e desencontros, que se concretizam em momentos de satisfação ou de conflitos. No caso da abordagem terapêutica do paciente queimado, o banho e o curativo são cuidados que exigem perícia técnica e sensibilidade, pois são momentos, normalmente, marcados por conflitos no diálogo interpessoal. São ações altamente desgastantes, do ponto de vista “físico e psíquico”, tanto para o paciente quanto para o profissional da equipe de enfermagem; são de grande importância, porém, geradoras de tensão e dor. Às vezes, ao prestarem os cuidados, chegam a ser agredidos fisicamente por ele, (refere-se ao paciente) numa reação causada pelo sofrimento que este sente durante a execução de alguns procedimentos. (Disc.1 A.S.I. a) Lidar com esse sofrimento é difícil e estressante. Requer grande habilidade do cuidador, que, juntamente com a pessoa queimada, interagindo num contínuo convívio, encontram-se estreitamente susceptíveis às implicações e agressões do tratamento. (NASCIMENTO, 1986). É preciso gostar do que se faz e saber com faze-lo. Assim, podese ver no outro a totalidade do ser que sofre uma dor profunda, ter muita paciência e executar corretamente os cuidados. 125 126 Considera que um banho e um curativo, quando executados de maneira correta, ajudam na melhora do paciente. Sente-se feliz por ser uma funcionária que realiza um bom trabalho. (Disc.5 A.S.I. d ) É preciso ter muita paciência e carinho para com o paciente queimado, principalmente durante o banho. Nessa hora, é necessário limpar bem as lesões para evitar infecção. (Disc.6 A.S.I. c) Fundamentada na concepção de Heidegger, a paciência seria, aqui, um requisito exigido do cuidador frente ao porvir difícil, um saber comportar-se quando o cuidar se transverte em uma terapêutica, fonte de agressão e dor. Durante o banho é quando o paciente mais sofre. Nesse momento, é necessário ter muita calma, paciência, e é preciso saber “levá-lo”, já que ele começa a sofrer desde a noite anterior, principalmente se é criança. (Disc.2 A.S.I. b) Ao entrar na enfermaria para dar o banho no paciente, primeiro observa as condições em que ele se encontra e lhe dá “apoio psicológico”, pois sabe que ele tem muito medo desse procedimento. (Disc.5 A.S.I. e) Momento crítico, durante o qual o paciente queimado sofre muito, o banho exige do cuidador uma postura planejada, preparada, na qual ele ultrapassa o conhecimento meramente técnico, perpassando o vivido e o sentido pelo paciente. 126 127 Na minha experiência vivenciada na unidade de tratamento de queimados, várias vezes, senti me fragilizada e incapaz de executar ou assistir ao banho desses pacientes. Presenciei situações onde em que auxiliares, mesmo experientes, afetados pela brutalidade do procedimento, interrompiam-no, pois necessitavam de um tempo para se recomporem emocionalmente. Em um setor de trabalho onde o “ideal” terapêutico requer tanto preparo, o embasamento técnico-científico, reforçam os depoentes, é de grande importância para o exercício observação, avaliação e dos cuidados de enfermagem. A evolução do paciente são recursos imprescindíveis no ato de saber cuidar. O auxiliar os considera instrumentos do seu trabalho, mesmo que, na prática, o enfoque dado aos termos não coincida com aqueles conceituados como passos científicos do cuidar sistematizado. Isto, tendo em vista que na unidade destinada ao paciente com queimaduras, como nas demais unidades da instituição, não se utiliza uma metodologia planejada para a assistência de enfermagem. Acreditam ainda que a orientação, associada a esse conjunto de habilidades, deve fazer parte das ações da enfermagem, em se considerando que o paciente, como ser pensante e ativo, precisa conhecer o processo de cuidar e dele participar. Sabe que deve seguir a rotina, mas precisa estar atenta para a avaliação geral do paciente. (...) Acredita que cuidar é observar e investir todo o tempo em cuidados intensivos. Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução e constatar a melhora do paciente. (Disc.1 A.S.I. e) 127 128 Por permanecer cuidando e acompanhar a evolução do paciente o tempo todo, a enfermagem tem mais condições de avaliá-lo com precisão. (Disc.3 A.S.I. e) Deve ser explicado, passo a passo, todo o cuidado que lhe será prestado, por exemplo, sobre os banhos, o porquê de tomar os analgésicos, de ir para o bloco cirúrgico, enfim, sobre tudo o que vai acontecer com ele durante o tratamento. É preciso preparálo (...). (Disc.3 A.S.I. h) Acha que tudo envolve o cuidado, ou seja, uma boa alimentação, uma hidratação adequada, a administração das medicações nos horários prescritos e estar atenta aos sinais de alterações fisiológicas. (Disc.5 A.S.I. e) O paciente queimado exige bastante observação (...) . A pessoa que cuida deve ser capaz de perceber as anormalidades que ele pode apresentar, pois algumas são aparentes, mas outras não. (Disc.9 A.S.I. d) O trecho do discurso 1, transcrito acima, evidencia o valor da avaliação do paciente e deixa implícito que, por mais que se tente tecnificar e criar rotinas para o cuidado, este será exercido por um ser para outro ser, assim, estará sempre sujeito a modificações, conforme a necessidade daquele que é cuidado, num processo de constante intervenção. É uma atividade que não existe por si só, ela existe em relação e em função dos seres, por isto, a avaliação vai ajudar na identificação das sucessivas 128 129 mudanças que ocorrem com o ser-paciente e exercer um controle da qualidade do seu atendimento. Ainda em relação ao cuidado, OLIVIERI (1985) comenta que cuidar de pessoas doentes exige um saber técnico específico para cada situação. Mas nenhuma terapêutica se restringe a esse aspecto. É preciso também compreender o ser na sua facticidade de estar doente, o seu sentir e o seu viver, esperando ações profissionais que devem abranger orientações gerais e cuidados especiais. Já no dizer de alguns auxiliares, a prática desse saber na vivência cotidiana é recoberta por um grande conflito: a submissão. Como auxiliar, acha que não pode interferir na organização do serviço, mas considera que caberia à chefia estar atenta para garantir a homogeneização e execução correta dos cuidados. (Disc.2 A.S.I. d ) Não concorda com várias coisas que observa na unidade e acha que tem muito a melhorar no que se refere ao cuidado com o paciente. (...). Sente-se, entretanto, constrangida de falar o que pensa com as chefias. (Disc.3 A.S.I. i) A seu ver, só quem realiza os cuidados pode saber o que o paciente sofre. Muitas vezes, gostaria de argumentar com o médico quando discorda de alguma conduta, mas se sente submissa às suas ordens e receia ser demitida, caso expresse a sua opinião. (Disc.4 A.S.I. g) 129 130 O poder da enfermagem, segundo LOJKINE (1990), “é um poder enquadrado, delimitado e subordinado”, mesmo assim, é um poder que lhe permite alguma liberdade de decisão e intervenção. É certo, no entanto, em se tratando do auxiliar de enfermagem, que essa liberdade de ação é ainda muito menor. Fica claro nas falas que consideram dominar um saber, refletem sobre a sua experiência e formulam opiniões, mas se sentem aprisionados nos limites impostos pela divisão social e técnica do trabalho no espaço hospitalar. Guardam para si o próprio pensar, respeitando a relação de poder definida na instituição. Pensa que deve ser discutido o uso do PVPI na limpeza das lesões, porque acha que ele não traz a resposta esperada e faz o paciente sofrer ainda mais. (Disc.2 A.S.I. d ) No caso do curativo, não segue algumas orientações sugeridas, pois sabe que o paciente irá sofrer muito. Sente-se incomodada com o uso de certos antissépticos, pensa que deveriam ser substituídos, uma vez que eles provocam muito sofrimento no paciente. (Disc.4 A.S.I. g) Embora considere as chefias competentes, a seu ver, elas deveriam acompanhar e avaliar mais freqüentemente os funcionários, atentando para os erros quando da execução dos cuidados. Assim, poderiam orientá-los para melhorar a assistência prestada. Pensa que só com a colaboração de todos, isto pode ser alcançado. (Disc.3 A.S.I. i) 130 131 Essa submissão limita o projeto de ser cuidador em plenitude. Penso que os depoimentos refletem o sentimento de alguém existindo no mundo-vida do trabalho de uma maneira imprópria. Limitados pela falta de autonomia imposta pela organização hospitalar, os auxiliares se perdem no “todos”, entendido aqui como o “a gente” hideggeriano, que, no final das contas, não é ninguém. Um modo cotidiano de ser com os outros em que o poder de tornar-si-mesmo fica sacrificado. Pode-se dizer que a inautenticidade coletiva comanda a consciência individual, levando o homem a agir de acordo com o que dizem ser certo ou errado, obedecendo às ordens e proibições sem indagar suas origens ou motivações. Nesse sentido, LEFEBVRE (1991:199), discorrendo sobre o cotidiano, entende que A prática cotidiana se deixa desviar, enquanto experiência, e valorizar, enquanto prática limitada, a prática de uma vida individual que cedo ou tarde acaba encalhando na resignação. E o oponente? Lá está ele isolado, absorto, reduzido ao silêncio ou recuperado. Para uns ele não tem experiência, para outros, não tem bom senso. O opositor fica sendo o não-dito. Persistindo esse modo inautêntico de ser, que parece envolver os auxiliares de enfermagem em sua prática, entendo que, certamente, fica comprometida a interação nas relações de trabalho entre os membros da equipe multiprofissional. É possível perceber nos depoimentos que acreditam saber delimitar a sua capacidade de cuidar tanto no aspecto técnico, como na ajuda envolvente e humanizada. 131 132 Por permanecer cuidando e acompanhar a evolução do paciente o tempo todo, a enfermagem tem mais condições de avaliá-lo com precisão. (Disc.3 A.S.I. e) Pensa que a enfermagem é quem pode dizer se um cuidado é doloroso ou não, pois é ela quem fica junto à pessoa queimada dia e noite. O médico não tem dimensão do sofrimento do paciente, uma vez que o avalia mas não o acompanha durante todo o tempo. (Disc.4 A.S.I. b) Observo nas falas que há sempre um repensar no processo de cuidar. Ao se auto-avaliar, o auxiliar reflete sobre o seu próprio ser como sujeito no mundo-vida do trabalho e se percebe alterando o seu caminhar e ampliando o seu saber. A cada dia considera que aprende e descobre mais coisas ao cuidar do paciente queimado. (Disc.4 A.S.I. f) A cada dia cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua melhora. Acompanha a evolução do paciente e está sempre aprendendo com esse processo. (Disc.5 A.S.I. f) Mostra-se consciente de seus limites, e ao deparar-se com eles, tenta ultrapassá-los, buscando esclarecimento. Sempre que tem dúvidas ao prestar os cuidados, procura esclarecê-las com alguém mais experiente. (Disc.3 A.S.I. d) 132 133 Procura no outro, mais experiente, alguém que possa ajudá-lo. O saber é compartilhado entre aqueles que estão responsáveis pelo cuidar. Aliados à qualificação profissional, a organização do serviço e a disponibilidade de recursos materiais são pontos fundamentais para o exercício do cuidar do paciente com queimaduras, segundo a percepção de alguns auxiliares. O setor é organizado, atualmente tem mais material e oferece boas condições de trabalho, embora haja sempre alguma coisa para melhorar. Trabalhar com o paciente queimado é bom porque na unidade tem-se quase tudo o que é necessário. (Disc.8 A.S.I. c) O paciente queimado tem que ser bem cuidado. Se não há material necessário à mão, fica difícil cuidar. (Disc.9 A.S.I. c) Com uma infra-estrutura adequada, o cuidador encontra os instrumentos indispensáveis para exercer a sua atividade de maneira correta e com mais facilidade, e aquele que é cuidado pode receber a atenção de que necessita. Não adianta só o saber profissional, é preciso ter condições para assistir com qualidade. Mesmo não estando claramente exposto, parece subjacente nas falas o desejo que têm de serem reconhecidos e valorizados pelo seu trabalho. Todo o “saber” exigido, esforço e “investimento”, às vezes, é recompensado com a constatação da recuperação do paciente. Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução e constatar a melhora do paciente. (Disc.1 A.S.I. e) 133 134 Cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua melhora. A cada dia acompanha a sua evolução e fica feliz e satisfeita com a melhora do paciente. Sente-se tranqüila quando, ao final do plantão, vê que fez algo para ajudá-lo. Percebe que alguns não reconhecem o trabalho da enfermagem, mas outros agradecem pela dedicação. (Disc.5 A.S.I. c) Viu-se, por tudo que os depoimentos refletiram, que, além de gostar do que se faz, ter domínio sobre o modo de fazer, saber interagir com o paciente, contar com recursos materiais e com um serviço organizado, é preciso ainda, para bem cuidar, o trabalho coordenado e especializado de uma equipe multiprofissional. 134 135 6.4. O Cuidar e o Trabalho em Equipe A maior parte das ações, na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Pronto Socorro João XXIII, é, em princípio, coletiva e envolve seres que cuidam e outros que requerem cuidados. A complexidade e a especificidade da terapêutica destinadas às pessoas com queimaduras demanda o conhecimento de uma equipe multiprofissional especializada para exercer os cuidados técnicos e relacionais necessários para atendê-las. A divisão do trabalho e a especialização surgem como alternativa diante da impossibilidade de um só indivíduo dominar a totalidade e a diversidade das ações e dos conhecimentos exigidos para a recuperação desses pacientes. Na análise das falas apresentadas, percebo imbricada no discurso dos auxiliares a certeza de que a interação dos profissionais de uma equipe capacitada e organizada é fundamental para a prática de cuidar do paciente com queimaduras. (...) tem muita coisa para melhorar no que se refere ao cuidado, mas, para tal, é necessário ter a colaboração de todos. Não adianta somente alguns prestarem o cuidado de forma adequada. (Disc.3 A.S.I. g) A colaboração entre os membros da equipe durante o cuidar é necessária(...). (Disc.6 A.S.I. d) Para cuidar do paciente queimado, é preciso ter uma equipe multiprofissional organizada e capacitada. (...) Se não for assim, “não funciona”, porque vai estar sempre faltando alguma coisa. 135 136 É como subir os “degraus de uma escada”, um vai ajudando o outro até chegar no topo. (Disc.8 A.S.I. f) A comunhão dos homens em prol de um projeto comum no trabalho pode possibilitar a abertura de espaços, onde o compartilhamento de conhecimento vem ampliar a efetividade de suas ações. Avançando na análise da necessidade de uma equipe multiprofissional, as falas dos auxiliares apresentadas nos trechos anteriormente selecionados, remete-me à reflexão de LUIPJEN (1973:265): Fazerem-me os outros ser, de modo que eu seja um ser-por-outros, eis o sentido próprio da tese de que existir é coexistir. A coexistência, em se tratando do mundo-vida do trabalho, pode-se dizer que é o encontro de seres, revelando-se uns aos outros numa diversidade de formas de mútuo-fazer-ser na profissão. No espaço hospitalar, essa diversidade de conhecimento, de encarar o problema do ser humano e até de dar sentido à vida pode reverter-se numa ação efetiva, multifacetada, que vem transformar algumas das limitações do ser- paciente em possibilidades. Reforçando os comentários, utilizo-me novamente da fala de Luipjen, quando se refere às várias formas do “sernós” e afirma que (...) o “nós” vivido numa enfermaria não é o mesmo de um acampamento de jovens, de um jóquei-clube, de uma sala de aulas ou de um cinema. (...) Este é um sistema extraordinariamente complexo de significados próximos e longínquos , correspondendo a minhas atuais ou inatuais atitudes. ( LUIPJEN, 1973:281) 136 137 Respondendo às questões do outro, assim como ele responde às nossas, acrescentamos conhecimentos e transpomos os próprios limites. É no compartilhar de conhecimento e na observação do agir de cada componente da equipe de trabalho que se consegue, ultrapassar esses limites e crescer como profissional. Estar junto de pessoas que estão sofrendo, por si, só é uma experiência desgastante para qualquer ser. Cuidar de pacientes com queimaduras exige muito do ser cuidador, no que diz respeito ao “estar preparado”. Segundo os discursos, mesmo gostando do que se faz, é imprescindível o conhecimento especializado e o preparo emocional. É esperado daquele que cuida a capacidade de compreender e aliviar a dor “física e existencial”. Diante de tamanha exigência, os auxiliares tentam solidariamente amenizar as dificuldades cotidianas, compartilhando entre si conhecimentos, dificuldades e ansiedades próprias do seu fazer. É bom cuidar de pacientes diferentes a cada dia. Assim, quando um colega está com dificuldades ao prestar algum cuidado, pode-se ajudá-lo (..). É bom conhecer todos os pacientes porque pode-se trocar informações com os colegas e, assim, prepararse antes de iniciar os cuidados, principalmente em relação àqueles “exigentes demais”.(Disc.4 A.S.I. d-e) Nesse depoimento, o auxiliar aponta para cobranças do paciente, as quais nem sempre tem condições de atender. Numa tentativa de amenizar a situação, recorre aos companheiros de equipe, buscando informações sobre aquele de quem vai cuidar, tentando, a meu ver, eliminar enfrentamentos ou decisões conflitivas. No tempo em que atuei no 137 138 setor, presenciei, muitas vezes, colegas de trabalho orientando outros sobre como agir diante do choro, da depressão, da irritabilidade ou assédio de alguns pacientes. O confronto diário com situações difíceis e até imprevisíveis, ao cuidar do ser humano, vai ajudando essas pessoas a encontrar formas alternativas de se relacionar, que acreditam facilitar suas atividades profissionais. A propósito, PITTA (1990:66) comenta: Nada como antecipar escutas e respostas para não ter, a cada momento, de dedicar-se de corpo e alma às demandas brutas, não estabelecidas em quaisquer sistemas de classificação e respostas. O ritual conhecido cumpre uma função de reduzir ansiedades e minimizar o discernimento individualizado de cada profissional em planejar o seu trabalho. Apesar de não estar delimitado por nenhuma contingência, é possível se valer de condutas rotineiras, já conhecidas por uns e outros, para enfrentar as situações cotidianas. Sabe-se, no entanto, que o trabalho em equipe é complexo e que inúmeros motivos o impedem de ser concretizado tal como é idealizado. Entre eles, a quebra do pacto exigido para homogenia das ações e relações mais formais, fato que pode ser evidenciado no comentário de um dos depoentes: Evita ajudar os colegas que “não trabalham direito”. Acredita que, ao ajudá-los, será avaliada como sendo do mesmo “nível”, já que os pacientes notam a diferença entre os cuidadores. (Disc.3 A.S.I. d) 138 139 Nesse caso, o auxiliar se distancia do colega por considerá-lo desleal no modo de agir reconhecido por todos para a prática do verdadeiro cuidar. No exercício do assistir o ser-paciente, em equipe, há um corpo de conhecimentos, técnicas e princípios científicos que regem o curso das ações e das relações para aquilo que se acredita ser a terapêutica mais correta. Em relação à equipe de enfermagem, esse código de conduta é assim referenciado por LEOPARDI (1994: 34) O estereótipo de correção técnica e de doação humanitária mantido, quer por conveniência, quer por contingência, determina o que seja cuidar, e determina ainda qual é o lugar que este ocupa como representação social e também como deve ser concebido pelos profissionais da enfermagem. Pressupondo a coexistência em equipe e os comportamentos que sinalizam as ações humanas no mundo-vida do trabalho, não considerá-los é expor-se ao julgamento de outros, e que pode levar a constrangimentos, como é possível verificar no comentário citado do discurso 3. Obviamente, como seres que cuidam de outros seres, esse caminhar deve ser flexível e repensado a cada dificuldade, pois sempre urge a necessidade de se desenvolverem novas técnicas e formas de relações. Nesse caso, a postura profissional é re-significada em favor da qualidade do cuidar. 139 140 VII. CONSIDERAÇÕES DE UM CAMINHAR Chego ao final desse caminhar, em que busquei compreender o “Cuidar do paciente queimado na Unidade de Tratamento de Queimados do Hospital de Pronto Socorro João XXIII”, sob a ótica do auxiliar de enfermagem, com algumas certezas, mas, ainda, com outras indagações. Tenho claro para mim, desde o início do trabalho, que as possibilidades de compreensão desse fenômeno não seriam esgotadas aqui, uma vez que reflexões ele é perspectival, e também porque sobre as discussões e o cuidar são uma preocupação no cotidiano da enfermagem, que vem estimulando, a cada dia, mais inquietações e, conseqüentemente, novas incursões em pesquisas. Portanto, transparece nesse estudo a singularidade do meu olhar, muitas vezes angustiado pelas limitações diante de uma busca cercada de tamanha complexidade. Cada depoente, situado no tempo e espaço de sua existência, revelou o sentido do mundo-vida no trabalho da enfermagem cuidando de pessoas com queimaduras, permitindo-me, assim, a aproximação compreensiva de suas práticas diárias ao cuidar. Para os auxiliares, este exercício, antes de mais nada, é uma vivência muito difícil de ser experienciada. As dificuldades iniciam-se logo após a admissão no setor e estão, quase sempre, relacionadas com o despreparo para lidar com o sofrimento intenso dos pacientes durante a execução de procedimentos agressivos e com a aparência chocante das lesões provocadas pelas queimaduras. A sensibilidade diante do 140 141 sofrimento, do convívio com a dor alheia torna-se mais intensa quando o paciente é uma criança. O choque do contato inicial com as pessoas internadas na unidade parece inevitável. À medida que o tempo passa, pode ocorrer a “familiaridade” com a dor e com as deformidades corporais, amenizando os transtornos do cuidar. Nem todos, porém, mostram-se capazes de superar essa sensibilidade e passam “a tolerar” o que não têm como mudar. Nesses casos, o ato de assistir, em algumas ocasiões, chega a ser, até mesmo, uma violência à própria existência do ser-cuidador. Percebo, então, nas falas dos auxiliares, que cuidar do paciente com queimaduras é desgastante, sobretudo pelo confronto com os limites humanos. Na facticidade do outro, presenciam o “ainda-não” das possibilidades da realidade do ser; deparam com as dificuldades que o homem tem, em certas situações, de libertar-se e projetar-se no “poder-ser”, no mundo desejado. Sabe-se que os auxiliares de enfermagem, pelo menos na unidade de queimados, são os profissionais que passam mais tempo junto ao paciente, cuidando e partilhando momentos de intenso sofrimento. Tentam, cotidianamente, elaborar emoções exacerbadas e reações, às vezes, até agressivas de determinados pacientes a quem prestam cuidados. Parece lógico que estejam mais expostos a possíveis conflitos pessoais e a relações, que, se persistentes, podem potencializar o estresse, normalmente, existente pelo grande desgaste ao longo da jornada de trabalho. Entendo que intervenções visando solucionar ou amenizar essa situação vivida pelos auxiliares precisam ser repensadas. Dentre as possibilidades, devem ser estimuladas ações humanizadoras do trabalho, que despertem o interesse dos profissionais da saúde para cuidarem de si, 141 142 além da responsabilidade de cuidarem do outro. Ao adotarem esse propósito, muitas reações adversas, devido ao sofrimento no trabalho, ao estresse contínuo tão freqüente em nosso meio, talvez poderiam ser evitadas. Práticas que busquem incentivar a troca de sentimentos, orientadas pela escuta e afetividade, é provável que venham contribuir para a melhoria do mundo-vida-no-trabalho desses cuidadores e dos cuidados oferecidos por eles, pois parece verdadeira a afirmação de que cuida melhor quem sabe cuidar de si. Gostar do que se faz, afirmam os auxiliares, é uma premissa para conseguir trabalhar cuidando dessas pessoas. Portanto, o cuidar não significa somente algo difícil de ser praticado, um encargo ou tarefa, é, também, uma atividade compensadora onde a vocação se realiza e permite ser um profissional competente e “cumpridor dos seus deveres”. O cuidar, então, no sentido aqui revelado, é uma ação doadora de realização pessoal. O ser-cuidador na prática da enfermagem, acrescentam, precisa revestir-se do reconhecimento da dimensão humana e da historicidade daquele que vai receber o cuidado. A execução dos procedimentos técnicos tem de ser guiada pela disposição de compreender, de ser-com-ooutro, de dedicar-se e mostrar-se paciente, transcendendo a postura e o aparato técnico-mecanicista. É fundamental a competência técnica, o saber o que se faz para promover a saúde na sua dimensão física, mas ater-se apenas a esse aspecto seria reduzir o cuidado à simples resolução de tarefas. Perderse-ia de vista a proposta de ajudar ouvindo o ser e sendo-com, abafando a individualidade, a criatividade, a ética, enfim, destituindo da ação de cuidar a sua verdadeira intencionalidade. Pude apreender que existe entre os auxiliares de enfermagem a consciência de que cuidar da pessoa com queimaduras exige, sim, um 142 143 domínio técnico, no entanto, objetivo contemple este deve ser parte de uma prática cujo a compreensão do ser na sua existência, para poder ajudá-lo a encontrar possibilidades que facilitem a sua recuperação. Alguns reconhecem, porém, que nem todos os cuidadores levam em consideração o cuidar com zelo, humanizado, centrado no ser. Ao referirem-se à organização do trabalho, à disponibilidade de recursos materiais e humanos, os auxiliares julgam, serem estes imprescindíveis para a qualidade do cuidado. Pode-se dizer que a falta de organização e de material constituem grandes empecilhos para o desempenho das ações em qualquer unidade de internação hospitalar. Nós, profissionais da saúde, sabemos o quanto são geradoras de estresse e conflito situações que envolvem problemas dessa natureza. Em se tratando de recursos humanos, há entrevistados que reportam para a importância de uma equipe multiprofissional treinada, organizada, apta a prestar uma assistência que atenda às reais necessidades das pessoas com queimaduras. Tradicionalmente, na equipe de saúde, são destinadas ao auxiliar de enfermagem as ações mais repetitivas2, o que não o impede de em suas experiências como cuidador, adquirir ou aprimorar conhecimentos. Mas esse saber adquirido no dia-a-dia, cuidando da pessoa com queimaduras, chama atenção alguns depoentes, nem sempre é considerado, pois, com exceção de pequenas concessões, estão ali apenas para cumprir as tarefas que lhes são prescritas. Torna-se evidente nas falas o sentimento de submissão ao ter de preservar a disciplina imposta pela equipe de saúde, sem poder opinar sobre o processo de cuidar. 2 Lei 7 498/86 – Lei do exercício profissional 143 144 Já entre a equipe de enfermagem, os auxiliares tentam buscar uma relação de harmonia e cooperação durante a experiência conjunta do cuidar. Esse propósito parece ficar comprometido quando alguém diverge na maneira de atuar, não compartilhando aquilo que o grupo julga ser necessário para a eficácia das ações. Embora não esteja explícito nos depoimentos, percebi que a participação do enfermeiro no planejamento, execução e, principalmente, avaliação dos cuidados, aí sim claramente dito em certos relatos, vem sendo entendida como indispensável para melhorar o atendimento prestado aos pacientes com queimaduras. Para esses auxiliares, ele deve ser uma referência, um profissional que tem de estar sempre por perto, acompanhando e orientando os membros da equipe de enfermagem. A educação continuada é ressaltada como algo prioritário para manter a qualidade do cuidado e o enfermeiro, reforçam, precisa atentar para esta necessidade. Essa postura, se assumida, sem dúvida, viria atenuar as divergências citadas quanto às formas de cuidar. Em se tratando ainda da equipe multiprofissional, penso que ela precisa estar voltada para o incentivo à participação e aproveitamento de todos que a integram. Quando se tem como meta o cuidar, o que deve prevalecer entre os integrantes do grupo é a reciprocidade das relações, considerando as diversificações e o compartilhamento de saberes, numa maneira democrática de atuar e interagir. Assim, o trabalho em equipe passa a ser uma experiência de compreensão, um encontro de conhecimentos, atos e sentimentos, em que o profissional doa e recebe a todo momento, numa troca que permite o aperfeiçoamento do caminhar. A experiência da intersubjetividade de ser e estar no mundo-vida profissional, quando bem conduzida, traz benefícios para o paciente e para o cuidador. Creio que a verdadeira interação 144 145 profissional, tal como se espera que seja, divide as responsabilidades da terapêutica e dilui fatores deprimentes e angustiantes, amenizando o sofrimento daquele que cuida. Tudo isso aliado a uma estrutura física que tende a se aproximar da preconizada para proporcionar paciente conforto, tanto ao cuidador quanto ao vitimado pela queimadura, deve ser, a meu ver, um compromisso e uma reivindicação contínua dos trabalhadores que atuam no setor. No decorrer dessa pesquisa, durante a procura de referencial bibliográfico, pude constatar inúmeros estudos nas várias perspectivas metodológicas, envolvendo a assistência ao paciente, suas experiências e a de seus familiares ou acompanhantes, mas, em relação à vivência dos cuidadores, muito pouco foi encontrado. Especificamente quanto ao auxiliar de enfermagem, cuidador de pacientes com queimaduras, nada encontrei. Acredito, portanto, na contribuição desse trabalho para a assistência, o ensino e a pesquisa, pois as declarações das pessoas investigadas vêm mostrar as primeiras nuanças para a compreensão fenômeno do “cuidar do paciente com queimaduras” como um momento existencial por elas experienciado. Espero também que as perspectivas aqui desveladas, todas igualmente importantes, sirvam para ampliar a compreensão do cuidar na prática da enfermagem em geral. Finalizo esse estudo, em que tentei interpretar, de forma peculiar e restrita, os discursos dos cuidadores, certa de que a busca do significado dessas experiências, numa atitude adogmática, constituiu-se uma tarefa gratificante para mim, cujos resultados enriqueceram muito o meu mundo. 145 146 O meu olhar para o fenômeno estudado, a partir de então, está subjacente à vivência desses cuidadores. Deixo aqui documentada a voz dos profissionais cuidadores que compartilharam comigo generosamente o seu pensar, interpretado nas categorias contidas nesse estudo. 146 147 VIII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, R. Histórias de quem gosta de ensinar: o fim dos vestibulares. São Paulo:Ars Poetica, 1995. 160p. BOEHS, A.E. Prática do cuidado ao recém-nascido e sua família baseado na teoria transcultural de Leininger e na teoria de desenvolvimento familiar. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 1990.190 p. (Dissertação, Mestrado em Enfermagem) CAPALBO, C. Fenomenologia e ciências humanas. Rio de Janeiro: Z. Ozon Editor, [ s.d.]. 113 p. ________. Metodologia das Ciências Sociais: a fenomenologia de Alfred Schutz. Rio de Janeiro: Antares Universitária, 1979. 102 p. COSTA, D.M. Estudo clínico e observações epidemiológicas das queimaduras na infância e adolescência. Belo Horizonte: Faculdade de Medicina da UFMG, 1995. 86p. (Dissertação, Mestrado em Pediatria) DARTIGUES, A. 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Achava que não iria conseguir cuidar da pessoa queimada, uma vez que tinha medo e jamais imaginou que algum dia faria isto. Atualmente, não sente mais dificuldades. (U.S. 1, 2, 9, 11 e 18) DISC. 4 - A.S.I. a Acha difícil cuidar dos pacientes queimados porque é muito grande o seu sofrimento. No caso das crianças, é ainda pior. Ao prestar-lhes os cuidados, muitas vezes chega a virar o rosto e chorar junto com elas. Em certas situações, assusta-se com as lesões sofridas por alguns pacientes e é capaz de perceber a intensidade da dor vivenciada por eles. É necessário ter uma força que não é adquirida, mas inata. Se não possuir essa força, a pessoa não agüenta ficar muito tempo cuidando de pessoas queimadas. É preciso também estar preparado para trabalhar com as individualidades. (U.S. 2, 5, 6, 10 e 11) DISC. 5 - A.S.I. a Assim que começou a trabalhar na unidade de queimados, assustou-se, porque não estava acostumada a ver pessoas com queimaduras tão extensas e graves. Atualmente não sente dificuldades de cuidar do paciente queimado. Procura fazer os cuidados da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns procedimentos. (U.S. 9) DISC. 6 - A.S.I. a Acha que não é qualquer um que suporta trabalhar no setor para pacientes queimados, pois “é muito traumatizante”. É difícil cuidar dessas pessoas porque elas sentem muita dor, principalmente durante o banho, quando é preciso limpar as lesões que estão em “carne viva”. Considera que não é por acaso que ela e os outros funcionários estão trabalhando ali, tem de haver alguma razão. (U.S. 2 e 4) 151 152 DISC. 7 - A.S.I. a É um trabalho muito difícil porque é necessário cuidar da lesão da pele e da parte psicológica do paciente, já que ele foi acometido pela queimadura de uma forma muito repentina. Em questão de minutos, a pessoa torna-se totalmente dependente. É difícil porque é necessário “cuidar da cabeça do paciente queimado e da sua também”. Ele se “queima todo”, inclusive a alma, por isto, tem-se de conhecer a pessoa e não apenas a queimadura física. (U.S. 1 e 6) DISC. 8 - A.S.I. a Nem todos aqueles que trabalham no hospital cuidando de pacientes conseguem se aproximar e olhar a pessoa queimada. (U.S. 6) DISC. 9 - A.S.I. a Sentiu muito as mortes de dois pacientes internados no setor. (U.S. 5) b) Cuidar é uma missão DISC. 6 - A.S.I. e Cuidar da pessoa queimada parece ser uma missão. Acredita estar ali para isto. (U.S. 1) 2ª CATEGORIA - CUIDAR É GOSTAR DO QUE SE FAZ a) Cuidar é gostar do que se faz DISC. 1 - A.S.I. b Acha que o papel do auxiliar de enfermagem é ser dedicado e, acima de tudo, gostar do paciente queimado, investindo nele até as últimas conseqüências. (U.S. 4) DISC. 3 - A.S.I. b Para cuidar do paciente queimado, é preciso gostar do se faz e ter muito amor pela pessoa. Tem de ir “trabalhar com vontade de trabalhar”. Considera que existem muitos funcionários que trabalham por necessidade e não porque gostam do que fazem. É muito difícil encontrar, entre essas pessoas, alguém que diz gostar, realmente, de cuidar do paciente queimado. Preocupa-se em ajudar os colegas que merecem ajuda, aqueles que prestam os cuidados direito, pois não considera cuidador quem trabalha somente por obrigação. Para cuidar, tem de ter amor pelo que se faz. (U.S. 1, 9, 14, 17 e 18) DISC. 5 - A.S.I. b Para cuidar da pessoa queimada, primeiro tem de gostar, ter amor pelo que se faz, não é só pensar em dinheiro. Não há como trabalhar muito tempo ali se não for assim. Fica feliz e satisfeita com a melhora do paciente e sente-se tranqüila quando, ao final do plantão, percebe que fez algo para ajudá-lo. Procura cuidar das pessoas da melhor forma possível. Gosta do trabalho, embora ainda sinta dó ao executar alguns deles. (U.S. 1, 2, 6, 7, 8 e 9) DISC. 8 - A.S.I. b É uma “grandeza” poder ajudar o outro a se curar. Sente-se honrado por ser “lembrado” como um bom profissional. (U.S. 7 e 8) 152 153 b) Cuidar é tratar do ser doente DISC. 1 - A.S.I. d Cuidar do paciente queimado requer cuidados intensivos e atenção especial devido à instabilidade do seu estado de saúde. É necessário ter conhecimento das condições individuais, pois os cuidados vão ser diferentes para cada situação. O paciente, quando sofre uma queimadura, é afetado psicologicamente; por isto, ao cuidar, deve-se levar em consideração também o aspecto psicológico. (U.S. 3 e 6) DISC. 4 - A.S.I. h Considera que cada pessoa reage diferente à queimadura, alguns parecem sentir mais dor do que outros. Por isto é necessário ter “muito jogo de cintura” e muita paciência para trabalhar com o paciente queimado. Devese levar em consideração as individualidades. (U.S. 1 e 2) DISC. 7 – A.S.I. d Apesar da existência de rotinas no setor, acha que não deve haver cuidados padronizados para o paciente queimado; cada pessoa exige um cuidar diferenciado. Um facilita, outro já torna esse processo mais difícil. A pessoa queimada não é igual aos outros pacientes, pois, devido ao acidente, “passa a ser queimado” e tem de se internar de uma hora para outra. (U.S. 4 e 5) DISC. 8 - A.S.I. d Cuidar do paciente queimado é complicado porque é preciso considerar o seu estado geral, o estado psicológico, o relacionamento dele com a família e a história do acidente, só depois é que se devem iniciar os cuidados. (U.S. 1) c) Cuidar é se dedicar DISC. 1 - A.S.I. c Para cuidar do paciente, tem de ter muita dedicação, muito amor e muita força ou a pessoa não agüenta. (U.S. 2) DISC. 2 - A.S.I. a Cuidar é dar atenção e dedicar-se totalmente ao paciente. Mesmo sentindo dificuldades em ajudá-lo nas questões emocionais, procura atender, ao máximo, suas necessidades. (U.S. 1 e 2 ) DISC. 3 - A.S.I. c Acredita que a função da enfermagem é tratar bem e ajudar o paciente, mas nem sempre isso acontece; existe “gente muito desumana” na equipe de enfermagem. Quando um paciente mais dependente é admitido na unidade, ele não é recebido como se deveria. Pensa que está faltando “mais carinho e atenção” no atendimento de uma maneira geral. (U.S. 4, 8 e 12) DISC. 5 - A.S.I. c Cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua melhora. A cada dia acompanha a sua evolução e fica feliz e satisfeita com a melhora do paciente. Sente-se tranqüila quando, ao final do plantão, vê que fez algo para ajudá-lo. Percebe que alguns não reconhecem o trabalho da enfermagem, mas outros agradecem pela dedicação. (U.S. 2, 3 e 8). 153 154 DISC. 6 - A.S.I. b Não se faz um bom trabalho sem dar um pouco de si para o paciente. Mais do que as atividades de rotina do setor, para cuidar, tem de ter muita paciência e amor, pois ele sofre muito. (U.S. 5 e 8) d) Cuidar compreendendo a dor DISC. 1 - A.S.I. f Gosta de cuidar do paciente queimado, apesar de “sofrer muito”, de “sofrer junto com ele”. (U.S. 9) DISC. 2 - A.S.I. c Sofre-se juntamente com o paciente, pois a sua dor é muito grande. (U.S. 4) DISC. 3 - A.S.I. f Ao imaginar-se no lugar da pessoa queimada, é capaz de sentir o quanto ela sofre, como é profunda a sua dor. Por isto, ao cuidar, é preciso paciência. Pensa que a enfermagem não tem de se “intrometer” na vida particular do paciente queimado. Independentemente do que aconteceu, ela não deve criticá-lo. A obrigação da equipe é cuidar dele com discrição e respeito, sem se importar com o que ocorreu, o porquê e como ele se queimou. (U.S. 2 e 13) DISC. 4 - A.S.I. c Considera que cada pessoa reage diferente à queimadura, alguns parecem sentir mais dor do que outros. Por isto é necessário ter “muito jogo de cintura” e muita paciência para trabalhar com o paciente. Deve-se levar em conta a individualidade de cada um. Às vezes, assusta-se com as lesões sofridas por alguns e é capaz de perceber a intensidade da dor vivenciada por eles. O cuidado intensivo exigido pelo paciente queimado e o envolvimento emocional do cuidador ao lidar com suas dores tornam cansativo o trabalho da equipe de enfermagem. Acha que, para cuidar do queimado, é necessário ter uma “estrutura muito forte”. (U.S. 1, 6 e 10) 3ª CATEGORIA - CUIDAR É AGIR ORIENTADO PELO SABER a) Cuidar é agir orientado pelo saber DISC. 2 - A.S.I. b Durante o banho é quando o paciente mais sofre. Nesse momento, é necessário ter muita calma, paciência, e é preciso saber “levá-lo”, já que ele começa a sofrer desde a noite anterior, principalmente se é criança. (U.S. 3) DISC. 3 - A.S.I. d Evita ajudar os colegas que “não trabalham direito”. Acredita que, ao ajudá-los, será avaliada como sendo do mesmo “nível”, já que os pacientes notam a diferença entre os cuidadores. Sempre que tem dúvidas ao prestar os cuidados, procura esclarecê-las com alguém mais experiente. (U.S. 5, 6 e 19) DISC. 5 - A.S.I. d Considera que um banho e um curativo, quando executados de maneira correta, ajudam na melhora do paciente. Sente-se feliz por ser uma funcionária que realiza um bom trabalho. (U.S. 4) 154 155 DISC. 6 - A.S.I. c É preciso ter muita paciência e carinho para com o paciente queimado, principalmente durante o banho. Nessa hora, é necessário limpar bem as lesões para evitar infecção. O profissional deve ter consciência da importância desse trabalho e empenhar-se para desenvolver bem os cuidados, contribuindo, dessa forma, para a melhora do paciente. (U.S. 3 e 7) DISC. 7 - A.S.I. c É necessário ter conhecimento de como o paciente se queimou para saber como tratá-lo, embora se corra o risco de ele achar que a busca do motivo é apenas curiosidade. (U.S. 3) DISC. 8 - A.S.I. c O setor é organizado, atualmente tem mais material e oferece boas condições de trabalho, embora haja sempre alguma coisa para melhorar. Trabalhar com o paciente queimado é bom porque na unidade tem-se quase tudo o que é necessário. (U.S. 5 e 10) DISC. 9 - A.S.I. c O paciente queimado tem de ser bem cuidado. Se não há material necessário à mão, fica difícil cuidar. (U.S. 4) b) Cuidar é estar atento DISC. 1 - A.S.I. e Sabe que deve seguir a rotina, mas precisa estar atenta para a avaliação geral do paciente. Ao admiti-lo na unidade, tem-se de considerar a sua história pregressa e as condições em que se deu a queimadura. Acredita que cuidar é observar e investir todo o tempo em cuidados intensivos. Sente-se satisfeita em acompanhar a evolução e constatar a melhora do paciente. (U.S. 5, 7, 8 e 10) DISC. 3 - A.S.I. e Por permanecer cuidando e acompanhar a evolução do paciente o tempo todo, a enfermagem tem mais condições de avaliá-lo com precisão. (U.S. 7) DISC. 4 - A.S.I. b Pensa que a enfermagem é quem pode dizer se um cuidado é doloroso ou não, pois é ela quem fica junto à pessoa queimada dia e noite. O médico não tem dimensão do sofrimento do paciente, uma vez que o avalia, mas não o acompanha durante todo o tempo. (U.S. 8) DISC. 5 - A.S.I. e Acha que tudo envolve o cuidado, ou seja, uma boa alimentação, uma hidratação adequada, a administração das medicações nos horários prescritos e estar atenta aos sinais de alterações fisiológicas. Ao entrar na enfermaria para dar o banho no paciente, primeiro observa as condições em que ele se encontra e lhe dá “apoio psicológico”, pois sabe que ele tem muito medo desse procedimento. (U.S. 5 e 10) DISC. 7 - A.S.I. b O paciente queimado chega trazendo consigo toda uma história de vida além da lesão. Ele se “queima todo”, inclusive a alma, por isto, você tem de conhecer a pessoa e não apenas a queimadura física. É preciso conhecê-la para não se sentir “perdida” no processo de cuidar. (U.S. 2 e 6). DISC. 9 - A.S.I. d O paciente queimado exige bastante observação e é muito dependente de cuidados. A pessoa que cuida deve ser capaz de perceber as anormalidades que ele pode apresentar, pois algumas são aparentes, mas outras não. (U.S. 2 e 3). 155 156 c) Cuidar é orientar DISC. 3 - A.S.I. h O paciente tem de ser orientado com relação a tudo que vai vivenciar, desta forma ele não dará trabalho. Deve ser explicado, passo a passo, todo o cuidado que lhe será prestado, por exemplo, sobre os banhos, o porquê de tomar os analgésicos, de ir para o bloco cirúrgico, enfim, sobre tudo o que vai acontecer com ele durante o tratamento. É preciso prepará-lo, uma vez que irá conviver com a sua dor e com a dor dos outros companheiros de enfermaria. (U.S. 15 e 16) d) Cuidar é repensar as ações DISC. 2 - A.S.I. d Como auxiliar, acha que não pode interferir na organização do serviço, mas considera que caberia à chefia estar atenta para garantir a homogeneização e execução correta dos cuidados. Pensa que deve ser discutido o uso do PVPI na limpeza das lesões, porque acha que ele não traz a resposta esperada e faz o paciente sofrer ainda mais. (U.S. 5 e 6 ) DISC. 3 - A.S.I. i Não concorda com várias coisas que observa na unidade e acha que tem muito a melhorar no que se refere ao cuidado com o paciente. Embora considere as chefias competentes, a seu ver, elas deveriam acompanhar e avaliar mais freqüentemente os funcionários, atentando para os erros quando da execução dos cuidados. Assim, poderiam orientá-los para melhorar a assistência prestada. Pensa que só com a colaboração de todos, isto pode ser alcançado. Sente-se, entretanto, constrangida de falar o que pensa com as chefias. (U.S. 10, 11 e 20) DISC. 4 - A.S.I. g A seu ver, só quem realiza os cuidados pode saber o que o paciente sofre. Muitas vezes, gostaria de argumentar com o médico quando discorda de alguma conduta, mas se sente submissa às suas ordens e receia ser demitida, caso expresse a sua opinião. No caso do curativo, não segue algumas orientações sugeridas, pois sabe que o paciente irá sofrer muito. Sente-se incomodada com o uso de certos antissépticos, pensa que deveriam ser substituídos, uma vez que eles provocam muito sofrimento no paciente. (U.S. 7 e 9) e) Cuidar é aprender a cada dia DISC. 4 - A.S.I. f A cada dia considera que aprende e descobre mais coisas ao cuidar do paciente queimado. (U.S. 12) DISC. 5 - A.S.I. f A cada dia, cuida da pessoa queimada com o intuito de ver a sua melhora. Acompanha a evolução do paciente e está sempre aprendendo com esse processo. (U.S. 3) 156 157 4ª CATEGORIA - O CUIDAR E O TRABALHO EM EQUIPE a) O Cuidar e o trabalho em equipe DISC. 3 - A.S.I. g Afirma que tem muita coisa para melhorar no que se refere ao cuidado, mas, para tal, é necessário ter a colaboração de todos. Não adianta somente alguns prestarem o cuidado de forma adequada. (U.S. 10) DISC. 4 - A.S.I. d É bom cuidar de pacientes diferentes a cada dia. Assim, quando um colega está com dificuldades ao prestar algum cuidado, pode-se ajudá-lo, já que tem conhecimento das necessidades de todos que ali estão internados. (U.S. 3). DISC. 6 - A.S.I. d A colaboração entre os membros da equipe durante o cuidar é necessária, mas nem sempre é possível. O importante é o serviço sair bem feito e satisfazer o paciente. (U.S. 6) DISC. 8 - A.S.I. f Para cuidar do paciente queimado, é preciso ter uma equipe multiprofissional organizada e capacitada. Ela deve fazer com que o paciente também participe de todo o processo terapêutico. Se não for assim, “não funciona”, porque vai estar sempre faltando alguma coisa. É como subir os “degraus de uma escada”, um vai ajudando o outro até chegar ao topo. (U.S. 2, 4 e 9) b) Cuidar é preparar-se para o paciente DISC. 4 - A.S.I. e É bom conhecer todos os pacientes porque pode-se trocar informações com os colegas e, assim, preparar-se antes de iniciar os cuidados, principalmente em relação àqueles “exigentes demais”. (U.S. 4) - 157 158 158 159 159