Unidade 1 - Instituto de Física / UFRJ

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UMA BREVE HISTÓRIA DO MUNDO DOS QUANTA
Érica Polycarpo & Marta F. Barroso
UNIDADE 1
Introdução: partícula ou onda?
Objetivos:
a revisão: no mundo clássico, macroscópico, os fenômenos
físicos são tratados ora com um modelo corpuscular (sistemas
como partículas) ora com um modelo ondulatório (sistemas
como ondas).
a novidade: no mundo quântico, microscópico, esta divisão
não é assim
Sumário
• Apresentação
• Mecânica Quântica: qual o seu significado?
• O que é um comportamento quântico?
• Um experimento com partículas
• Um experimento com ondas
• Referências
Apresentação
Cursos de física devem sempre evidenciar a natureza experimental
da física. A maior parte das pessoas tem a visão de que a física é algo
feito por grandes teóricos, que criam teorias lindas e incompreensíveis.
Uma boa parte do trabalho realizado pela comunidade de físicos
consiste realmente da construção de belas teorias, que algumas vezes
tornam-se de difícil compreensão para a sociedade leiga devido à sua
falta de familiaridade com a linguagem matemática avançada usada
por esses cientistas. É importante, porém, ressaltar que tais teorias são
construídas para explicar fenômenos observados na natureza. A Física é
uma ciência essencialmente experimental, seja a partir da observação de
fenômenos naturais ou da produção de experimentos artificiais. Estes
experimentos são projetados para que certos fenômenos sejam
observados sob condições controladas, de forma que seja possível, por
exemplo, fazer testes de previsões teóricas.
Com experimentos desse tipo, aspectos que não são muito
evidentes em um processo natural podem ser evidenciados e estudados
com melhor precisão. Para isso, muitas vezes, é preciso desenvolver
técnicas que ampliem a capacidade de observação do cientista,
estendendo os seus sentidos, ou mesmo que automatizem o controle do
experimento ou a aquisição de dados, permitindo a sua análise posterior.
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UNIDADE 1
Em geral, a transferência desse tipo de técnicas para o setor produtivo é a
contribuição mais direta e mais rápida da ciência para a sociedade.
A teoria quântica foi sendo construída ao longo do século passado,
a partir de uma série de experimentos conhecidos como “Experimentos de
Física Moderna”. Para sermos mais claros, porém, começaremos esse
curso por construir claramente o conceito de comportamento quântico,
discutindo dois tipos de experimentos imaginários: com partículas e com
ondas. Pretendemos assim criar um panorama para a física quântica para
depois retomar um caminho que segue a cronologia histórica: quais foram
os primeiros experimentos que evidenciaram a natureza quântica da
matéria, qual foi a descrição teórica dada a esses experimentos.
Vamos apresentar também alguns aplicativos de simulação em
computador, chamados applets. Com eles, os experimentos são simulados
por meio de programação, muitos de forma interativa, permitindo ao
usuário alterar seus parâmetros, por exemplo. Na rede internacional de
computadores, a Internet, há inúmeras páginas criadas por físicos de
várias universidades do mundo, com programas desse tipo, que são
bastante úteis para ilustrar os conceitos apresentados. Ao final, vamos
apresentar exemplos e atividades para fixação dos conceitos discutidos.
Einstein foi o fundador da Teoria da Relatividade e
deu contribuições fundamentais para a Física Quântica, embora não
concordasse com sua interpretação probabilística, a mais aceita até
hoje. Uma frase sua sobre esta interpretação tornou-se famosa:
“Deus não joga dados”
Em 2005, está sendo comemorado o Ano Mundial da Física, em
reconhecimento à publicação de 5 artigos de sua autoria que formam
a base para a visão atual dos físicos sobre a natureza.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 2
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Mecânica Quântica: qual o seu significado?
Considera-se a física moderna como tendo duas vertentes. A
primeira delas é a teoria da relatividade: nela são estudados os
fenômenos observados por objetos com velocidades muito grandes,
próximas à velocidade da luz. E a segunda é a física quântica: a
descrição do mundo das coisas muitos pequenas.
A velocidade da luz é a mesma para todos os observadores inerciais
e vale ~3x108 m/s: trezentos milhões de metros por segundo
São dois regimes diferentes: a relatividade para estudar velocidades
muito altas, e a mecânica quântica para estudar dimensões muito
pequenas.
O significado de quântico pode ser procurado em dicionários. No
Dicionário Aurélio, encontramos que quântico vem de quantificação:
Novo Aurélio:
quantificação. [De quantificar + -ção.] S. f. 1. Ato ou efeito de quantificar (1). 2. Fís. A passagem da
descrição clássica e contínua de um sistema para a descrição quântica, em que alguns observáveis
só podem assumir os valores de um conjunto discreto; quantização.
O termo observável aqui presente já é um termo da física quântica:
uma grandeza que se mede. No dicionário Priberam (de Portugal),
encontra-se:
Priberam:
quântico. [do Lat. quantum] adj., relativo aos quanta ou que assenta na teoria quântica.
teoria quântica: teoria apresentada pela primeira vez pelo físico alemão Max Planck (1858-1947),
que postula que algumas grandezas físicas não variam de forma contínua, mas em múltiplos de
quantidades elementares (indivisíveis), designados por quanta; assim, a energia pode ser ganha ou
perdida por um sistema somente em quantidades definidas (discretas); essas quantidades (os
referidos quanta) podem existir apenas em números inteiros; mecânica quântica: moderna teoria
físico-matemática da radiação eletromagnética e da interação entre a matéria e a radiação, que
generaliza e ultrapassa a Física clássica, sobretudo no domínio do comportamento da matéria e da
luz a escalas atômicas.
As duas definições estão certas, mas não são completas. A palavra
quântica surge historicamente da descoberta de uma natureza discreta
em fenômenos que se acreditava com comportamento ondulatório.
A forma mais geral de definir física quântica seria como “a parte da
física que descreve o comportamento da natureza em escalas
microscópicas, muito pequenas”. E por descrever a natureza em escalas
muito pequenas, escalas a que não estamos acostumados, fica muito
difícil usar a intuição para tentar compreendê-la.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 3
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Mas, ainda assim, para tentar entender o que significa um
comportamento quântico, vamos comparar o comportamento em
escalas microscópicas com comportamentos conhecidos, duas visões dos
fenômenos da natureza reconhecidos na física clássica: o
comportamento ondulatório (de ondas) e o comportamento corpuscular
(de partícula). Na escala de nosso cotidiano, balas de revólver (entre
outros objetos) apresentam comportamento de partícula, e a luz, as ondas
na água, as ondas de som, apresentam comportamento ondulatório.
Vamos imaginar experimentos que evidenciem o comportamento desses
dois tipos de fenômeno para poder entender o comportamento em
escalas microscópicas. É importante ressaltar que a teoria quântica
descreve o comportamento não só da matéria, mas também da radiação
e da interação entre elas.
Um experimento com partículas
Analisemos uma experiência imaginária: temos um revólver que
dispara balas, e uma parede na qual existem dois pequenos buracos,
duas fendas. Após a parede, um anteparo. O esquema descrito está
indicado na Figura 1. Nesse anteparo, coloca-se um detector: por
exemplo, uma caixa de areia. Cada vez que uma bala atinge um ponto,
marca-se e conta-se. Pode-se variar a posição do detector, fazendo com
que ele se desloque sobre o anteparo, ou utilizar um número grande de
detectores para cobrir toda a região do anteparo. Podemos fazer uma
medida do número de balas de revólver que atinge, em um determinado
intervalo de tempo, cada um dos pontos do anteparo.
.
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Figura 1: Diagrama de um experimento de fenda dupla com partículas.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 4
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Qual é o resultado que se espera obter? Para responder essa
pergunta, temos que fazer algumas hipóteses: o revólver dispara somente
uma bala de cada vez, e as balas não se fragmentam. Quando uma bala
é disparada, há três possibilidades: ou a bala bate na parede e é
refletida, ou a bala passa pela primeira fenda, ou a bala passa pela
segunda fenda. Sabendo o número de balas em cada ponto, em um
determinado intervalo de tempo, podemos calcular a probabilidade de
uma bala disparada pelo revólver atingir um determinado ponto da
parede, dividindo o número de balas naquele ponto pelo número total de
balas disparadas. Essa probabilidade vai ter a forma mostrada na Figura 2:
na região central, entre as fendas, ela é maior, nas extremidades é menor.
Figura 2: Probabilidade de uma partícula atingir um ponto do anteparo
em um longo intervalo de tempo.
Se fecharmos uma das fendas, e repetirmos a experiência, a
distribuição de probabilidades será alterada: o máximo fica agora no
centro da fenda, como na Figura 3.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 5
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Figura 3: Probabilidade de uma partícula atingir um ponto do anteparo
em um longo intervalo de tempo, quando apenas uma das fendas está
aberta (fenda 1, neste caso).
Observando o comportamento das probabilidades, constata-se que
a probabilidade de passar por uma das duas fendas é igual à soma das
probabilidades de passar por cada uma das fendas separadamente,
como mostra a Figura 4.
Figura 4: Diagrama de um experimento com partículas, mostrando as
probabilidades de uma partícula atingir um ponto do anteparo em um
longo intervalo de tempo, quando apenas uma das fendas está aberta
(P1 e P2), e quando ambas estão abertas (P).
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 6
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Um experimento com ondas
Se agora a experiência é realizada com ondas –a experiência de
Young, que demonstrou a natureza ondulatória da luz– o seu resultado é
completamente diferente. Imaginemos a situação da Figura 5: em vez de
um revólver disparando balas, colocamos uma fonte puntiforme (muito
pequena) de luz que atinge o anteparo sobre o qual há duas fendas
pequenas. O princípio de Huygens diz que cada uma das fendas vai se
comportar como uma nova fonte puntiforme. Essas duas fontes,
correspondentes a cada uma das fendas, vão dar origem a duas ondas
em fase. Isso é normalmente mostrado por meio de cubas de ondas.
Figura 5: Diagrama de um experimento de fenda dupla com ondas
(experimento de Young).
Com um detector na frente do anteparo - esse é um outro tipo de
detector - que mede a intensidade da luz que atinge cada ponto do
anteparo, encontra-se uma figura bem diferente da anterior, quando são
emitidas partículas. Essa nova figura –veja a Figura 6- possui máximos e
mínimos – regiões iluminadas e regiões não iluminadas. E esses máximos e
mínimos, correspondendo a intensidades maiores ou menores de luz, são
explicados pela diferença de caminho que a luz, que a onda luminosa,
percorre até chegar a esse ponto.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 7
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UNIDADE 1
Figura 6: Diagrama de um experimento com ondas, mostrando o
padrão de intensidade registrado no anteparo.
Na posição de um máximo, como o central, a diferença de
caminho percorrida pelas ondas originadas por cada uma das duas
fendas é um múltiplo inteiro de comprimentos de onda. E na posição de
um mínimo, onde há anulação da intensidade luminosa, a diferença dos
caminhos é um múltiplo mais um meio do comprimento de onda.
Ou seja, os dois comportamentos, de partícula e de onda, revelam
resultados completamente diferentes quando fazemos a experiência de
dupla fenda: um feixe de partículas fornece uma probabilidade de
encontrar a partícula no detector igual à soma das probabilidades
encontradas com apenas cada uma das fendas abertas:
P = P1 + P2
mas com um “feixe de luz”, uma onda luminosa, as intensidades no
detector não são somadas, há efeitos de interferência:
I ≠ I1 + I 2
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 8
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Um experimento com elétrons
Se repetirmos essa experiência com elétrons (o detector é outro,
agora!) e garantirmos que:
• o detector só registra números inteiros de elétrons
• a fonte de elétrons emite elétrons um a um
observamos que:
• a probabilidade de elétrons chegarem em um ponto do anteparo
tem o mesmo comportamento da intensidade no experimento com
ondas (P ≠ P1 + P2)!
e concluímos que
• elétrons às vezes se comportam como onda, às vezes como
partícula!
Mas, e se “olhamos” qual o caminho que os elétrons percorrem, o
que acontece?
O padrão de interferência desaparece !
O processo de medida interfere no resultado: para “olhar” o
caminho do elétron, precisamos usar algo que interaja com ele: luz
(fótons). Quando tenta-se “ver” por qual das fendas o elétron passa, gerase uma interação: a luz interage com o elétron, e é o re-sultado dessa
interação (ou não) que permite ter a informação sobre se ele passou por
ali (ou não). Nesse processo, sua trajetória é perturbada, pois há interação
com o sistema. E isso é uma propriedade implícita da mecânica quântica,
que não tinha sido vista ainda na física clássica. O resultado do
experimento depende da forma como ele é analisado, e depende da
forma porque ao se realizar o experimento interage-se com o sistema.
Conclusão
Como conclusão, pode-se dizer que no mundo microscópico a
natureza se comporta de forma bem diferente da observada no dia a dia,
no mundo macroscópico. E esse comportamento muito diferente às vezes
se parece com o comportamento de partículas, às vezes se parece com o
de ondas. É o que chamamos de dualidade onda-partícula. E o processo
de medida implica em interação com o sistema, e pode, portanto,
interferir no resultado da medida.
Quando um evento pode ocorrer de diferentes formas, se não se
determina de que forma ele ocorre, observa-se um padrão de
interferência. Porém se consegue-se determinar qual é o caminho feito
até o sistema atingir o ponto imaginado, então o padrão de interferência
é eliminado. E nesse caso a probabilidade do evento ocorrer é
simplesmente a soma das probabilidades do evento ocorrer por cada
uma das possibilidades.
É importante ressaltar que, também de forma muito diferente da
física clássica, na física quântica não se pode fazer previsões
determinísticas. Na física clássica, se um carro está com uma velocidade
inicial de alguns quilômetros por hora, com uma direção fixa, sob dadas
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 9
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condições, sabe-se que depois de um tempo determinado ele vai estar
com uma direção, em um ponto, a uma distância conhecida, com uma
velocidade conhecida. Mais que isso: pode-se determinar cada ponto da
sua trajetória. Na física quântica, isso não é possível. Se conhecemos as
condições iniciais do sistema, e qual o tipo de interação que ele pode
sofrer, podemos apenas fazer previsões probabilísticas sobre o estado do
sistema em um tempo posterior. Apenas podemos dizer: este sistema tem
uma probabilidade Px(t1) de estar no estado x , no instante t1.
Referências
FEYNMAN, LEIGHTON AND SANDS, The Feynman Lectures on Physics, Vol III.
Editora Addison Wesley, 1965.
NUSSENZVEIG, Moysés, Curso de Física Vol. 4. Editora Edgard Blücher, 1998.
Erica Polycarpo e Marta F. Barroso – pág. 10
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Atividades de avaliação
1. O que os livros do ensino médio que você conhece falam sobre física
quântica?
2. Por que não observamos efeitos de interferência com partículas
macroscópicas (como balas de revólver)?
3. Escolha a opção correta:
( ) A física quântica estuda fenômenos facilmente observados no nosso
dia-a-dia.
( ) A física quântica estuda fenômenos que ocorrem em escalas
macroscópicas.
( ) A física quântica estuda fenômenos que ocorrem em escalas
microscópicas.
( ) A física quântica estuda fenômenos que ocorrem a velocidades muito
altas.
4.Escolha a opção incorreta:
( ) Partículas e ondas apresentam comportamento clássico.
( ) O comportamento quântico às vezes se parece com o
comportamento corpuscular, ou de partícula, às vezes com o
comportamento ondulatório.
( ) A física quântica é determinística.
( ) A interferência aparece em processos ondulatórios.
5. Escolha a opção incorreta – para responder, você tem que pesquisar:
( ) A experiência de fenda dupla com luz foi realizada por Young, por
volta de 1801.
( ) Experiências com elétrons que revelam um comportamento
ondulatório foram realizadas pela primeira vez por Davisson, Germer and
George P. Thomson, no final da década de 1920.
( ) As experiências de Davisson, Germer e Thomson consistiram da
observação de difração de feixes de elétrons por cristais.
( ) O primeiro experimento de fenda dupla com elétrons foi realizado por
Claus Jönsson em 1961.
( ) A dificuldade técnica de realização de experimentos com fenda
dupla é a mesma para a luz e para elétrons.
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