experiência e o morar na composição do espaço vivido dos

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Anais Semana de Geografia. Volume 1, Número 1. Ponta Grossa: UEPG, 2015. ISSN 2317-9759
EXPERIÊNCIA E O MORAR NA COMPOSIÇÃO DO ESPAÇO VIVIDO
DOS MORADORES DO RESIDENCIAL LONDRES EM PONTA
GROSSA-PR
CRIST, Pedro
NABOZNY, Almir
INTRODUÇÃO
O interesse em desenvolver esta pesquisa como trabalho de conclusão de curso
emergiu durante observações empíricas do cenário urbano da cidade de Ponta Grossa-PR, em
que notou-se um intenso processo de construção de moradias populares. Dentre os estudos
concernentes a produção social do espaço urbano, surgiu a curiosidade investigativa de
compreender como as pessoas pensam a sua participação na construção do urbano por meio
da experiência do habitar.
Das anotações preliminares de campo formulou-se a seguinte pergunta de partida: de
que modo as experiências do habitar precedente compõem o espaço vivido dos moradores do
conjunto Residencial Londres em Ponta Grossa-PR? Teve-se como fio condutor entender
como que as experiências do habitar precedente configuram o espaço vivido atual dos
moradores do Residencial Londres, isto é, como a experiência do “morar” funda as relações
de sociabilidade no conjunto habitacional (novo) e ao mesmo tempo as leituras da cidade.
Este trabalho visa ainda identificar de que modo o acesso à moradia mediado por políticas
públicas se articula e promove a produção do espaço urbano, bem como, compreender de que
forma o acesso à moradia regular se enlaça com o direito a cidade.
Teve-se como recorte espacial das pesquisas de campo o Conjunto Residencial
Londres situado no bairro de Uvaranas em Ponta Grossa-PR. O referido residencial é
composto por 500 casas e localiza-se em um aglutinado onde estão também o Residencial
Panamá e o Costa Rica I, II, e III.
Construído o cenário que fundamentou a problemática de nosso inquérito científico,
especificamos os objetivos do trabalho:
Geral:

Compreender as experiências do habitar na composição da vivência espacial atual,
enquanto moradores do conjunto Residencial Londres;
Específicos:



Entender se as relações antecedentes influenciam na composição de um espaço vivido
(atual);
Delinear as percepções dos moradores do conjunto Residencial Londres em relação a
sua inserção na produção do espaço urbano.
Verificar como o acesso a moradia mediada por políticas públicas se articulam com a
produção do espaço urbano.
METODOLOGIA
O trabalho teve embasamento na metodologia de pesquisa qualitativa, sobretudo por
que a ênfase das discussões dos dados produzidos é a análise de discursos (falas). O intento
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em se realizar tal pesquisa por meio da análise de discurso decorreu de uma tentativa de
chegar a uma maior inteligibilidade do fenômeno/ objeto de estudo, deste modo alçamos mão
da compreensão da metodologia de pesquisa qualitativa contida em Pesquisa Qualitativa com
Texto, Imagem e Som (BAUER e GASKELL, 2002).
A análise de discurso realizada por meio de transcrições de entrevistas é de
fundamental importância quando a pesquisa tem como objetivo compreender o ponto de vista
do outro, ou como que o outro entende determinado fenômeno. Isso ocorre pelo fato da
exacerbada variedade de elementos expostos na fala do entrevistado. As metodologias de
procedimentos consistiram na realização de entrevistas com 10 moradores, entrevistas com o
responsável pelo departamento de patrimônio da prefeitura municipal de Ponta Grossa, órgão
responsável por parte das ocupações das casas do supracitado residencial e entrevistas com
assistentes sociais da Companhia de Habitação de Ponta Grossa- PROLAR. A construção do
corpus da pesquisa (moradores) ocorreu por meio do procedimento de saturação, isto é,
quando as falas começaram a serem repetitivas e não estavam agregando mais informações a
pesquisa optou-se em não realizar mais entrevistas.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Inicialmente a ideia de desenvolver um trabalho sobre o Residencial Londres se dava a
partir de uma leitura estrutural, enfocando, sobretudo uma possível falta de equipamentos
urbanos nas proximidades e no próprio Residencial, envolvendo questões de infraestrutura,
etc. Entretanto, através da realização de revisões bibliográficas para o desenvolvimento da
pesquisa, se evidenciou uma frequência menor de trabalhos versando sobre a temática do
habitar numa perspectiva qualitativa, principalmente enfocando o próprio morador, as suas
visões e percepções ancoradas na vivência do habitar. Embora as questões estruturais
(especialmente renda, relações com o Estado, entre outros) não sejam ignoradas, o foco
principal é a compreensão de como ocorre a composição do espaço vivido dos moradores, e
neste sentido torna-se impossível não levar em consideração o espaço habitado antecedente,
bem como as relações antigas na composição de um novo espaço de convívio, sobretudo
pensando o espaço urbano enquanto espaço socialmente construído e, constituído por meio de
inter-relações entre grupos sociais (MASSEY, 2008).
Nesse ínterim, configurou-se dois horizontes temporais de investigações: em um
primeiro plano a questão do espaço vivido dos moradores, no sentido de entender como que
as relações tecidas pelos moradores em seus lugares de morar antecedente irão, ou não
compor o espaço vivido dos mesmos na espacialidade em que se habita atualmente. Desta
forma, buscou-se compreender como ocorriam as relações tecidas pelos moradores antes de
residirem no Residencial Londres, e se tais relações implicavam na composição espacial em
que vivem hodiernamente ou interferem nas novas relações a serem desenvolvidas nesta nova
espacialidade.
A veemência em saber se as relações tecidas anteriormente interferem ou não nas
atuais relações (em constituição/recentes) parte do princípio que quando alguém “fixa”
moradia, cria propensões para relações de pertencimento a espacialidade de vivência, em que
o sujeito pode se ver como parte daquele espaço, em geral há uma construção de identidade,
tanto por questões que envolvem o apego com a própria base física de determinado espaço,
como as relações sociais tecidas. Desta forma ainda partindo de princípios empíricos, as
relações tecidas com a vizinhança parecem constituir exacerbado peso na construção de
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identidade de uma pessoa com determinada espacialidade, a relação com o outro talvez seja
uma condição intrínseca do ser humano, enquanto ser social.
Outra questão consistiu em tentar entender como os moradores do Residencial
Londres pensavam a produção do espaço urbano, se eles se enxergavam enquanto produtores
deste espaço, suas funções e quem são seus principais agentes produtores. O espaço urbano é
repleto de complexidades, desta forma se fazem necessários estudos que discutam sobre a
temática. Quando analisados bancos de teses e dissertações da CAPES, e demais bibliotecas
digitais, nota-se a inexistência de trabalhos que não enfoquem somente no que concerne a
estrutura urbana. Em especial na região sul do Brasil, onde quase não se trabalha, por
exemplo, em relação ao espaço intra-urbano, ou então estudos que abordem questões não
estruturais (formas) do espaço urbano. É perceptível também o reduzido número de pesquisas
desenvolvidas a luz de abordagens qualitativas. Esta especulação precedente é sustentada nas
análises das publicações do Núcleo de Espaço e Representações (NEER).
Antes da realização das entrevistas se pensava que as grandes alterações no espaço
vivido atual dos moradores se referiam as relações que possuíam com a antiga vizinhança,
pois as atividades que possivelmente desenvolviam em conjunto poderiam criar laços
afetivos, que de certo modo se enlaçavam com o espaço em que viviam, deste modo, haveria a
construção de identidade com relação ao local de habitação e por consequência, isso se
constituiria em resistências para as pessoas deixarem as antigas moradias e mudarem-se para
outra localidade.
Não obstante, com o desenrolar das entrevistas tornou-se perceptível que a relação
com os vizinhos anteriores embora fosse considerada como excelente para a maioria dos
moradores não fora um fator que atribuísse resistência em ir morar em outra espacialidade.
Outro ponto de interesse antes da realização da pesquisa, consistia na identificação da relação
entre os vizinhos atuais, ou seja, se os moradores estão contentes com as pessoas que moram
no seu entorno, e se não possuem desavenças ou problemas de qualquer natureza. Por meio
das entrevistas, constatou-se que os moradores não possuem quaisquer queixa em relação à
vizinhança, muito pelo contrário, os vizinhos servem inclusive com ponto de apoio quando
alguém se encontra em momentos de dificuldades, sobretudo financeiras. Além disso, relatam
ajudar um ao outro quando necessário, em especial para realizar pequenos serviços na
residência.
Os aspectos que inferiram maior resistência para os moradores deixarem seu lugar de
habitação anterior e mudar-se para o Residencial Londres, consistiram nos aspectos
concernentes a estrutura (equipamentos urbanos, mercados, escolas, hospitais...) e, sobretudo
pela sua distância em relação ao centro da cidade. Os moradores frisaram os gigantescos
deslocamentos que precisam fazer para chegar ao centro da cidade e as dificuldades
enfrentadas para ter acesso a equipamentos urbanos como escolas, hospitais e supermercado.
Para os entrevistados, seria imprescindível a contemplação de toda estrutura necessária no
projeto de construção do residencial, assim, as pessoas ao mudarem-se, já teriam acesso
garantido a esses equipamentos. Salientaram ainda que a construção de escolas no “bairro” é
de suma importância, pois é onde as crianças se socializam. Nas palavras dos moradores se
houver escola as crianças possivelmente irão desenvolver sentimento de pertencimento com o
bairro e consequentemente irão gostar do lugar em que residem.
Muito embora o foco desta pesquisa tenha sido o espaço vivido dos Moradores do
Residencial Londres, torna-se imprescindível a discussão acerca do espaço urbano, como é
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produzido, quem são os principais agentes produtores e de que modo sua organização
influencia a organização da sociedade. Deste modo, nesta monografia, se fez inicialmente
uma reflexão teórica sobre a compreensão do espaço urbano e posteriormente se buscou
evidenciar de que modo ocorre sua produção a partir da perspectiva do próprio morador, para
o qual o espaço urbano/ a cidade é construída pelo governo. A ideia de governo permeia todo
o discurso dos moradores ao passarem pelo Programa Minha Casa Minha Vida do governo
federal. Para os moradores, é o governo por meio dos políticos que decidem como a cidade
tem que ser construída e o que pode ou não ser feito. A compreensão do espaço urbano se faz
necessário neste trabalho, sobretudo por que é lócus de vivência dos moradores.
No que se refere a estrutura das casas os moradores, ( pelo menos nos seus discursos)
parecem estar satisfeitos. Alguns dos entrevistados comentaram sobre eventuais problemas
que ocorrem na estrutura da casa, principalmente relacionados ao telhado, entretanto
salientaram que são problemas que podem ser facilmente resolvidos, o telhado, por exemplo,
na medida em que vão conseguindo alteram por telhas de melhor qualidade. Um ponto
destacado pelos moradores é que a casa apesar de pequena possui terreno grande o que
possibilita ampliações.
No transcorrer das entrevistas foram inevitáveis as comparações entre as moradias
anteriores e as atuais, constantemente não apenas comparações com a moradia mas também
com o bairro e elementos considerados enquanto negativos no habitar antecedente como
problemas com saneamento, lixo, inundações dentre outros. Como aponta o morador 01. “A
casa em que eu morava dava pra enxergar pelo assoalho lá em baixo, um esgoto no fundo”.
“sei que graças a Deus eu fui abençoado de receber essa casa.”
A segurança de morar no que é seu por direito foi também muito debatido pelos
moradores, uma vez que a casa em que residiam anteriormente geralmente era cedida ou
alugada, deste modo poderiam ser despejados a qualquer momento, o que lhes causava
constante insegurança, agora não. Possuem casa própria, moram no que é seu. O morar na
casa própria pode culminar no sentimento de pertencimento, apreendendo o espaço não
apenas nos seus aspectos materiais, mas também os aspectos intangíveis, como abstrações,
simbolismos, afetividade, elementos que configuram o conceito de lugar (TUAN, 1983).
No tocante, a construção do espaço urbano foi surpreendente. Os moradores
pareceram politizados, compreendendo o espaço urbano enquanto resultado de diferentes
intencionalidades e fruto de uma trama de relações e inter-relações na cidade capitalista.
Embora que conceitualmente cidade e espaço urbano possam ser diferentes, em alguns casos
neste trabalho os termos foram usados enquanto sinônimos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Findada a pesquisa, conclui-se que em linhas gerais os moradores do Residencial
Londres veem seu espaço vivido atual enquanto positivo. Ressaltaram que as relações que
possuem com a vizinhança no ‘novo’ espaço vivido são as melhores possíveis, sendo que as
mesmas colaboram na criação de sentimento de pertencimento com o local em que moram.
Comparando o habitar antecedente com o atual, os moradores relataram estar plenamente
satisfeitos com a nova moradia, pois, segundo eles, do ponto de vista estrutural o bairro conta
com uma série de elementos em que no bairro que moravam antes não existia, como por
exemplo, linha de ônibus, ruas asfaltadas e saneamento básico.
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Para a casa, todos teceram elogios, frisaram que é de fato pequena, mas que devido ao
tamanho do lote de acordo com as suas necessidades e possibilidades poderão promover
ampliações na residência. O que mais surpreendeu na análise das entrevistas foi o
conhecimento demonstrado pelos moradores a respeito da construção da cidade, pois
demonstraram entender que a cidade é fruto de uma conjuntura de fatores e não mero
resultado do acaso.
Quando falaram em política, bem como sobre os principais agentes produtores do
espaço urbano, os moradores naturalmente mencionaram estratificações sociais, dividindo a
sociedade em ricos e pobres, entendendo que os políticos fazem parte dos grupos de alta
renda. Na organização espacial da cidade suas compreensões foram ao encontro das palavras
de Haesbaert (2004) que os ricos tem a possibilidade de muti-territorializar-se, ou seja, os
mais abastados economicamente ocupam os melhores locais da cidade. No que tange aos
aspectos negativos do Residencial, os moradores lamentam a distância em relação ao centro
da cidade, o que muitas vezes limita seu acesso e a falta de alguns equipamentos urbanos
como escolas, hospitais, creches, mercados entre outros.
REFERÊNCIAS
BAUER, M. W; GASKELL, G. (Orgs). Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som:
Um manual prático. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2002.
HAESBAERT, R. O mito da Desterritorialização: Do “fim dos territórios” à
Multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
MASSEY, D. Pelo Espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2008.
NEER. Núcleo de Estudos em Espaço e Representações. Disponível em www.neer.com.br .
Acessado em 15 ago. de 2014.
TUAN,Y.F. Espaço e Lugar: a perspectiva da experiência. São Paulo: DIFEL, 1983.
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