O não-debate sobre a PEC 241 Ontem (10/10/16) foi aprovada na

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O não-debate sobre a PEC 241
Ontem (10/10/16) foi aprovada na câmara dos deputados a Proposta de Emenda Constitucional 241,
que instaura o Novo Regime Fiscal. Seu objetivo é claro, impor um teto ao avanço dos gastos públicos
primários. Logo irá ao senado para votação. Sobre a proposta, aqueles favoráveis colocam sua
aprovação como uma medida urgente e necessária para restaurar a confiança na economia, sinalizando
dessa forma uma nova orientação do Estado em relação a responsabilidade de seus gastos. Os
contrários acenam aos riscos reais de achatamento dos gastos sociais: saúde, educação e redução real
do salário mínimo. A proposta é vista por estes como um ataque a todo um projeto de civilização e de
sociabilidade.
A forma como se põe o debate também se divide em sua apresentação. Com urgente interesse de
aprovar a proposta, os favoráveis à medida tornam nebulosa a discussão. Inserem distintas
tecnicalidades e detalhes na explicação que dificulta sua compreensão. Tenta-se dar ares de
credibilidade ao seu argumento, destacando como central e necessário aprovar tal medida como a única
forma de sair da crise – sem explicar exatamente como fazê-lo.
Por outro lado, os contrários a medida tentam simplificar sua apresentação de uma forma
frequentemente simplista. Coloca-se o tema como uma aula primária, ensinam-se seus efeitos de forma
pueril, o que enfraquece o argumento. Trata o interlocutor como alguém inábil à compreensão de um
tema tão importante, abordagem comum e infelizmente insuperável em parte da esquerda (e que deve
ser repensada).
Antes de entrar no mérito da proposta, o que sim tem impressionado é a clara falta de diálogo com a
sociedade sobre tema tão central. A legitimação social de um tema que altera uma pedra básica da
constituição deve ser antes de tudo uma condição necessária. Refazer medidas constitucionais por meio
de emendas é uma prática comum e sadia que atualiza o sistema legal para os desafios de novos
tempos. No entanto, esse tipo de discussão demanda ampla discussão e adesão popular. Atropelar, por
mais que regimentalmente aceitável, um debate dessa espécie insere características autoritárias que
subvertem completamente a questão democrática.
A constituição de 1988 tinha em seu espírito o ambicioso projeto de construção de um estado de bemestar, baseado em nobres princípios social-democratas. Almejava-se instaurar critérios de justiça social
após anos de achatamento salarial e elevação da desigualdade durante os governos militares. Com tal
intuito, instauraram-se elementos de busca por melhoras na educação, na saúde e elevação de salário
mínimo. Vinculou-se os gastos nessas áreas à receita e arrecadação do governo.
O Novo Regime Fiscal tem como objetivo revogar tal vinculação. Busca-se diminuir a margem para
gastos estatais não vinculados, como investimentos públicos. Aprová-lo é optar por um outro padrão de
civilização, uma mudança brusca nos rumos da sociedade brasileira, que retira do estado funções e
revoga alguns princípios da constituição de 1988. É uma inserção que joga ao indivíduo algumas
responsabilidades sobre suas necessidades mais básicas. Isso no contexto de uma sociedades como a
brasileira, cujos níveis de desigualdade encontram-se próximo aos observados nos mais pobres países
da África.
Por fim, ver aprovado um tema que altera padrões básicos do pacto social em meio a nebulosidade
política e em caráter de urgência expõe uma profunda falha na democracia com graves precedentes
para nosso futuro republicano – justo após um impeachment presidencial. No entanto, não há espaço
para ingenuidade. Pela forma como o processo vem avançando, desenha-se na ansiedade da aprovação
a existência de um projeto bem estruturado e previamente orquestrado. Utiliza-se de um governo que
ascendeu da forma que o fez, e em meio a uma grave crise econômica, para instaurar uma pauta
sustentada por alguns fortes interesses a margem da discussão pública, com leniência de setores da
grande imprensa.
E pelo observado, a PEC 241 é apenas começo de um caminho triste que virá.
Danilo Sartorello Spinola
[email protected]
Doutorando em Economia no Maastricht Economic and Social Research Institute on Innovation and
Technology (UNU-MERIT) e pesquisador colaborador no Núcleo de Economia Industrial e da Tecnologia
(NEIT) da Unicamp. Economista e sociólogo pela Unicamp, mestre em economia pela Unicamp, foi
consultor na CEPAL-UN.
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