REGO, F. Cleiton V.S. O Ser Macho em Testosterona - cchla

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O “SER MACHO” EM TESTOSTERONA.BLOG.BR*
Francisco Cleiton Vieira Silva do Rego
Pesquisador-Bolsista do Programa de Educação Tutorial em Ciências Sociais;
Graduando em Bacharelado em Ciências Sociais pela DCSP/UERN.
"Para se criar um grupo de homens, mate a mulher que está neles".
“Filosofia” dos Marines Americanos.
RESUMO: O sexo e o gênero foram percebidos e construídos de forma diferente em cada cultura e em
cada época. Sendo assim, as diferenças de gênero, entre macho e fêmea, não são naturais aos seus corpos
(sexuados), mas correspondem a características sociais, cultural e historicamente construídas. Os papéis
de gênero não simbolizam apenas o que concerne à vida sexual, mas extrapolam para todas as áreas de
convívio social. Assim, não somente a mulher aprende a ser feminina e submissa, como os homens
aprendem a ser masculinos, e são vigiados na manutenção da sua masculinidade. Nesse sentido, sendo a
cibercultura uma das participantes dos processos de socialização, este trabalho buscou fazer uma análise
da constituição da masculinidade, e de sua vivência na cultura brasileira, através do que é “ser macho” no
blog Testosterona (<testosterona.blog.br>), por meio da análise de discurso. Neste blog, o papel do
macho dominador, provedor, e que deve ser sexualmente satisfeito por mulheres é fortemente
representado. Nesse ínterim, há limites do que é ser homem, e é nesse limite que a vigilância social
controla o homem para que não se fuja do que é ser macho. E, o que extrapola esse limite não é próprio
do homem, mas do feminino.
Palavras-chave: gênero, masculinidade, cibercultura, socialização de gênero.
Introdução
Para a biologia, gênero é uma categoria taxonômica compreendida entre a
família e a espécie. Por outro lado, “os estudos da linguagem entendem o gênero como
uma categoria gramatical que dispõe os nomes de uma língua em classes (como
feminino, masculino, neutro, animado, inanimado), de acordo com: a referência
pronominal (...), a concordância com os modificadores (...) e a presença de
determinados afixos”1. Indo além nessas conceituações, o gênero se constitui, ou pelo
menos é considerado pelos estudos feministas, como uma categoria política de análise
histórica e social ligada aos estudos sobre a mulher. Esses estudos se recusaram a usar
palavras que pudessem trazer qualquer conotação de determinismo biológico e se
empenharam por enfatizar o caráter social das definições de homem-mulher, masculinofeminino. Desconstruíram ainda a forma naturalizada de se lidar com a sexualidade das
*
Trabalho realizado sob a orientação da Profª. Drª. Maria Cristina Rocha Barreto e apresentado no GT
Comunicação, Mídia Digital e Tecnologias Convergentes, na XIX Semana de Humanidades da UFRN,
realizada no período de 6 a 9 de junho de 2011, em Natal/RN.
1
Cf. dicionário eletrônico Aurélio, 2004.
pessoas, diferenciando os conceitos de sexo e gênero, afirmando o primeiro como
natural, e o segundo como sociocultural.
Desse modo, entendemos que os papéis de gênero são construídos socialmente,
e como tais, têm a construção social iniciada na infância, sendo reorientados durante os
diversos processos de socialização em que os indivíduos vão se situando ao longo da
vida.
É com o intuito de compreender as diversas formas de representar e de se
desempenhar os papéis de gênero que este trabalho busca analisar o Blog
“Testosterona: o blog do macho moderno” <http://www.testosterona.blog.br>,
entendendo a construção da masculinidade através dos posts deste blog, assim como se
dá a socialização de gênero, e especificamente a socialização por meio da cibercultura,
ocorrida neste espaço virtual. Este trabalho se divide, então, em três partes. Na primeira,
discutiremos a socialização de gênero ocorrida ainda na infância, na segunda, a
socialização que ocorre no ciberespaço e por último, iremos analisar posts específicos
do blog para fazermos o quadro da masculinidade no Blog, e da imagem feminina nele
presente.
A “filosofia” dos Marines Americanos2: “para se criar um grupo de homens,
mate a mulher que está neles", é suficientemente clara em relação a demarcação da
masculinidade, do que é ser homem. Assim, esse limite em si é um elemento
constitutivo da masculinidade. Ele se instaura tanto na construção quanto na
manutenção social do masculino enquanto gênero.
O Blog Testosterona, fundado em junho de 2008,se encontra atualmente no
portal da MTV, e é descrito pelo administrador como “um blog de caráter humorístico.
(...) uma criação da mente perturbada de Eduardo Mendes. Cínico, sarcástico,
manipulador e mentiroso. Um rapaz que acredita que toda mulher é uma rainha e a
cozinha o seu castelo.” Além de seu caráter humorístico e satírico, o blog transmite
significados e construções sociais relacionados às relações de gênero presentes na vida
cotidiana, e proporciona uma socialização através da manutenção/formação da
masculinidade. Esse blog se divide em postagens temáticas (Mundo Macho; Listas;
Mulheres; Vídeos; Tirinhas; Sexta das Gostosas; Leitoras e Acid Girl), todas acerca da
vida sexual do homem heterossexual.
Para se entender o Blog Testosterona é preciso tomá-lo como uma comunidade
virtual, porque mesmo sendo um blog, os posts são altamente discutidos entre os
visitantes. Ou seja, são duas esferas desse ciberespaço, o de transmissão das
informações, e o de interação social a partir dos posts. O Testosterona tem mais de
100.000 acessos por dia, entre os visitantes que geralmente comentam as postagens.
Além das postagens de tipo jornalísticas (que envolvem sexualidade), a maioria são as
relacionadas à vida cotidiana e sexual do homem, e da mulher quando relacionada com
o mundo masculino. Quando o post é sobre alguma situação em que o homem esteja em
vantagem em relação à mulher (sexual ou socialmente), os visitantes homens se
identificam com as postagens, relatando que gostaria de vivenciar tais situações ou que
já as vivenciaram. Quando as mulheres expressam suas opiniões no Blog, estão
geralmente concordando com os homens, se veem como sendo para a satisfação sexual
do homem (algumas veem isso como também uma satisfação da mulher). Mesmo
havendo comentários contra as postagens, o administrador do blog os vê como um
elogio, uma reafirmação da masculinidade do blog e das informações veiculadas nele.
2
Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos que agem não somente em táticas marítimas, mas também como
força militar individualizada, com diversos objetivos.
No entanto, a significação no mundo virtual acompanha a construção social
havida no espaço real. E, este simbolismo acerca do macho e da fêmea iniciado na
infância se engendra por toda a vida através da socialização.
1. Socialização de gênero e Cibercultura
As diferenças vividas pelo homem e pela mulher, no tocante àquilo que pertence
à natureza de um e de outro, são histórica e culturalmente construídas. Mesmo havendo
diferenças biológicas, de sexo, a categoria de gênero é permeada por uma profunda
adequação social do sujeito a um papel que lhe é determinado culturalmente (HOLMES,
2009).
Pauta recorrente no debate sobre sexualidade e gênero é a questão de quais
comportamentos seriam eminentemente sociais ou biológicos. Para as ciências naturais,
os hormônios e algumas características físicas teriam designado o que foi proposto
culturalmente como pertencente a um ou ao outro sexo. Entretanto, percebe-se que essas
diferenças de comportamentos entre homens e mulheres advêm de disposições sociais,
culturais e psicológicas formadoras do que é considerado certo e errado para cada sexo.
Vários estudos comprovam tal assertiva, entre eles, podemos destacar os estudos de
Margaret Mead, entre outros, Sexo e Temperamento em três sociedades primitivas
(1935), uma pesquisa etnográfica sobre três sociedades melanésias da Nova Guiné –
estudo pioneiro no sentido de provar empiricamente que as diferenças entre os sexos são
sociais e não biológicas, ao demonstrar as diferentes ordens de gênero presentes nessas
sociedades.
Segundo Torrão Filho (2005: 136), o gênero se centra em uma consolidação de
um discurso onde se constrói uma identidade do masculino e do feminino, demarcando
limites entre homens e mulheres. Dessa forma, as distinções entre estes dois, baseadas
no sexo, na verdade, são construções sociais que incrementam no discurso o sexo como
elemento diferenciador.
Isso pode ser visto de forma bastante clara no Blog Testosterona
(http://www.testosterona.blog.br), aqui analisado; nesse ciberespaço o homem é levado
a sua mais extrema face masculina ocidental. Podemos perceber certos estereótipos, que
são confirmados tanto pelo administrador do blog, quanto, principalmente, pelos
visitantes que comentam os posts e se posicionam sobre as temáticas apresentadas.
Nesse sentido, (no Blog) a conceituação de „homem‟ e „mulher‟ não se
concentra somente em uma característica específica do que é ser um dos dois, mas numa
rede de significados complexa (SCOTT apud TORRÃO FILHO, 2005) e profunda, que
permeia não somente o jeito de andar, mas de falar, de sentir, e de viver a realidade.
Nessa linha, Joan Scott (apud TORRÃO FILHO, 2005) percebe gênero também como uma
relação entre os sexos que dá significado às diferenças biológicas, que transforma
machos e fêmeas em homens e mulheres como seres sociais. Ou seja, há uma ordem de
classificação que designa o masculino e o feminino, extrapolando a área sexual e
permeando toda ordem simbólica em que os indivíduos estão submersos, essa ordem
seria o gênero. Já o sexo, é percebido como a parte essencialmente biológica, as
diferenças anatômicas e hormonais entre o macho e a fêmea. Isto é, gênero é a forma
cultural que as distinções de sexo tomam em cada sociedade3.
3
Cf. dicionário eletrônico de Linga Portuguesa Aurélio, 2004.
Na transmissão do que se considera certo e errado para cada sexo, as sociedades
agem também por meio de fatos sociais que agem tanto de forma coercitiva quanto de
forma simbólica. Ou seja, através de sanções positivas e negativas (BARRETO, 2011).
Essas sanções ajudam o indivíduo, quando da infância, a aprender papéis sociais que
são esperados socialmente. Tanto com a representação disso através da mídia, quanto da
escola e da esfera familiar.
Assim, é apresentado ao indivíduo o que é ser homem e o que é ser mulher,
sendo socializado dentro de um padrão, de acordo com a sua anatomia sexual. Nisso, há
uma socialização de gênero, onde o sujeito aprende (e é disposto a viver) o papel que
lhe cabe. Contudo, devemos considerar que a socialização não ocorre estritamente de
maneira imposta pela sociedade. Mas que em uma relação recíproca, o sujeito recebe da
sociedade as suas probabilidades de escolha, e este por sua vez constrói simbolicamente
(GRIGOROWITSCHS, 2008; VELHO, 1999) a si mesmo como indivíduo e como parte da
coletividade.
Aliado ao que é apresentado socialmente, há uma construção simbólica de cada
indivíduo na formação do gênero,
os „organismos de socialização‟ não podem produzir efeitos
mecânicos numa pessoa em crescimento. O que se faz é convidar a
criança a participar de práticas sociais dentro de certos termos. O
convite (…) geralmente é coercitivo – acompanhado de forte pressão
para sua aceitação e sem mencionar outra alternativa (…) No entanto,
a criança não aceita ou, mais precisamente, começa a fazer suas
próprias mudanças no campo do gênero. Podem muito bem recusar a
heterossexualidade (...) podem começar a mesclar elementos
masculinos e femininos, p. ex., meninas que insistem em participar de
esportes competitivos na escola. Podem dar início a uma ruptura em
suas vidas, p. ex., meninos que se vestem de mulher quando sozinhos.
Podem construir uma vida de fantasia em conflito com sua prática
real, o que talvez seja a atitude mais comum de todas (CONNELL apud
GIDDENS, 2005).
Mesmo sendo a socialização ocorrida na infância bastante decisiva na formação
cultural e social do indivíduo, ela nunca cessa, a não ser quando o indivíduo morre. Na
realidade, a socialização apenas começa na infância. Dessa forma, podemos nos referir à
socialização como Simmel a define, como processos de socialização, haja visto que a
sociedade apresenta aos atores sociais formas de viver a realidade de forma diferenciada
a cada fase da vida, de forma dinâmica e móvel. Essas delimitações de espaços etários
de significação e de vivências diferentes a cada idade são socialmente construídas
(GRIGOROWITSCHS, 2005), como por exemplo, as categorias infância, velhice e fase
adulta.
A socialização, portanto, não pode ser entendida apenas como uma iniciação ao
mundo social, ou como reforço do já aprendido e renovado dessas mesmas condições.
Para Simmel (apud Grigorowitschs, 2005: 36),
qualquer forma de interação entre seres humanos deve ser considerada
uma forma de socialização. Nesse sentido, em Simmel, o ser humano
como um todo é visto como um complexo de conteúdos, forças e
possibilidades sem forma; com base nas suas motivações e interações
do seu „estar-no-mundo mutante‟, modela a si mesmo como uma
forma diferenciada e com fronteiras definidas (Simmel, 1917, p. 55) e,
ao mesmo tempo, socializa-se.
Nessa direção, a socialização ocorre em todos os contatos sociais (Simmel,
Parsons). Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, as interações face a face
são acompanhadas ou muitas vezes substituídas por interações mediadas, em que os
indivíduos em interação não estão necessariamente no mesmo espaço, ou no mesmo
tempo (THOMPSON, 1998). Atualmente, as diversas redes sociais na internet, e outras
comunidades virtuais ocupam cada vez mais espaço na vida cotidiana, se tornando,
inclusive, espaços de interação virtuais. Isto é, essa interação virtual concebeu uma
cultura virtual, uma cibercultura, que atualmente também está integrada aos processos
de socialização dos indivíduos.
Segundo Forero (2007: 75), se considerava que a Internet possibilitava a
destruição de categorias sociais criadas no espaço real, no entanto, as construções de
gênero, raça, idioma etc. se manifestam por meio dos padrões de comportamento que os
indivíduos exercem no espaço virtual, e utilizam a interação pela Internet para
representar a si mesmo a partir da identidade adquirida no espaço real. Assim, portanto,
a socialização continua e é reforçada nos diversos gêneros do espaço virtual, onde as
pessoas podem muitas vezes se mostrar anonimamente, usando inclusive fotos de
famosos no próprio avatar.
No ciberespaço, os Blogs (ou Web Logs) têm ocupado um espaço cada vez
maior, por isso é um espaço privilegiado para o debate e a apresentação de temáticas
para a discussão (MONTARDO & PASSARINO, 2007), de interação. Sendo uma ferramenta
bastante interativa e fácil de administrar, o Blog facilita a transmissão de informações e
de subjetivações. Com isso, segundo Shittine (apud MONTARDO & PASSARINO, 2007),
“essa ferramenta, inspirada nos diários tradicionais e nos registros de campo dos
pesquisadores etnográficos tornaram-se importantes no processo de construção da
subjetividade do „outro‟ virtual.” Dentro do cenário da cibercultura, os blogs participam
da significação do que acontece no espaço real, além da construção de simbolismos no
espaço virtual.
Assim, para Pierre Lévy (1999), o virtual é comumente referido como algo que
não existe, a irrealidade, no entanto, “é virtual toda entidade „desterritorializada‟, capaz
de gerar manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem,
contudo, estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular”. O autor pensa,
então, a esfera virtual semelhantemente ao conceito filosófico de „virtual‟ aliado a
técnica informática. Dessa forma, o virtual seria aquilo que existe em potencial na
esfera técnica, informática. Isto é, é uma esfera de simbolização da realidade, e de
transmissão do espaço real, onde os indivíduos interagem formando um todo social que
se concretiza no espaço real e no virtual. Nessa perspectiva, a digitalização da
informação que culmina no ciberespaço, reinforma as redes de significados no espaço
real. Seria assim, de acordo com Forero, nas comunidades virtuais há uma relação entre
o espaço on line (virtual) e espaço off line (real) de significação. Tomando os blogs, e
mais especificamente o Blog Testosterona como comunidade virtual, as barreiras de
gênero são extremamente claras, onde ocorre interação social, e portanto, formação de
si mesmo enquanto parte individual e enquanto parte social.
2. O Ser Macho no Blog Testosterona
Figura 1
No post publicado (10/03/2010), podemos perceber partes constitutivas da
masculinidade concebida no Blog. Em que o homem é satisfeito sexualmente por
mulheres, e deve ver todas elas como potenciais sexuais. Esta concepção de liberdade
sexual masculina permeia nossa sociedade ocidental, onde o homem é percebido como
tendo necessidades sexuais que não podem ser freadas e que por isso é visto com bons
olhos quando o homem tem várias parceiras sexuais.
Esta visão não pertence a todas as sociedades nem a todas as épocas. Na Grécia
antiga, o homem grego quando jovem é iniciado na vida política da polis através de uma
relação de homofilia – relação “intelectual-sexual” entre homens, onde o adulto era o
ativo e o jovem, o passivo. Ao chegar à idade da puberdade, esse jovem era tido como
adulto e saía dessa relação “intelectual-sexual” com o homem mais velho, tendo
posteriormente que formar sua família com uma mulher – no espaço doméstico – e, ter
uma relação “intelectual-sexual” com outro homem jovem – no espaço público
(CATONNÉ, 2001). Isto é, havia uma preparação do homem para a vivência no espaço
público, onde o sexo e o conhecimento eram elementos de uma mesma relação
pedagógica. Já na Roma Antiga, a bissexualidade é mais nutrida, enquanto que o
homem romano constrói a ideia de masculinidade aliado a virilidade, e ao ódio a
passividade; a relação homossexual é sempre entre um escravo e um senhor, o senhor
sendo o ativo e o escravo, o passivo (CATONNÉ, 2001). Quer dizer, é um campo moral
em que liga a liberdade com a atividade.
Essas relações sexuais da Grécia e da Roma Antiga são exemplos para mostrar
como a sociedade e a cultura dão interpretações específicas às distinções do sexo, entre
homem e mulher. Geralmente, liga-se ao homem a noção de atividade, de virilidade, de
força física, coragem e de dominação. Segundo Ceccarelli (1998), foi somente em um
momento histórico de difícil precisão, que os atributos tidos como masculinos, como
coragem, virilidade etc. foram sendo sexualizados; não sendo, portanto, naturais aos
homens, mas construídos de acordo com a interpretação cultural que cada sociedade
formou da sua realidade.
Nos comentários do post acima citado a ideia do Blog é discutida, onde se
percebe uma interação entre os que concordam e os que discordam.
Flavinha disse: “Discordo apenas do 8º mandamento. Existem mulheres que, assim como eu,
entendem e amam o futebol!! Assisto a TODOS os jogos do meu Mengão e adoro a UEFA
CHAMPIONS LEAGUE(torço feito louca para o Manchester United)!!” (sic.)
Williams Jr. disse: “eu diria que num mundo perfeito, todo dia teria sol, tdo mar teria onda, tda
fumaça faria a kbça e tda mulher seria vendida no açougue, muda, a kilo, com prazo de validade
e direito a devolução…” (sic.)
Matheus Andre disse:
Hahahaha, eu dou muita risada com os comentários, mulheres que não conseguem escrever
direito, muito menos entender sarcasmo, exigindo respeito. Senso de humor surpreendente.
Esses três comentários são exemplos de como há uma forte discussão em torno
dos posts, muitos internautas declaram que concordam totalmente com a masculinidade
representada no Blog, já algumas mulheres são contra e saem com xingamentos como
outros homens. A partir do blog Testosterona podemos ver a diferenciação dada pela
cultura às distinções entre os sexos, há uma caracterização do que forma a identidade do
masculino e do feminino.
Para se ter uma ideia geral das postagens do Blog, podemos ver a lista com os
posts mais comentados e mais visualizados da semana:
“Dar ou não dar no primeiro encontro?; Formas de
terminar com a namorada; Os 5 estágios da TPM;
Mandamentos do Macho Moderno; Leis sobre
relacionamentos; 8 estágios da bebedeira; Formulário
de aspirante a namorada; O Significado de Eu te amo;
25 coisas que um homem jamais diria; Se as mulheres
dominassem o mundo”. (Blog Testosterona).
Em todos esses posts, o homem é um ser sexual por excelência, sua necessidade
de sexo é imediata e deve ser satisfeita pelas mulheres, e ter várias parceiras é um sinal
de masculinidade. Dessa forma, não somente a mulher aprende a ser feminina e
submissa, como os homens “são vigiados na manutenção de sua masculinidade”
(TORRÃO FILHO, 2005), e, são ambos controlados por isso. Em um se sobrepôs o papel
dominador e provedor, e no outro gênero, o papel de quem precisa ser protegida e
dominada. Há limites do que é ser homem e é nesse limite que a vigilância social
controla o homem para que não se fuja do que é ser macho. Sendo assim, o que
extrapola esse limite não é próprio do homem, mas feminino. E, é nisso que se centra o
mundo macho presente no blog com a “sexualização” do comportamento.
As características do que é ser homem são tão demarcadas que ao se referir ao
lado afetivo, o homem o associa ao que seria um lado feminino seu. Da mesma forma às
mulheres (TORRÃO FILHO, 2005). A sociedade, sexualiza comportamentos construídos,
daí há uma correlação cultural entre a anatomia sexual e o comportamento do indivíduo.
Então, contudo, partindo da ótica de Torrão Filho, pode-se perceber uma leve mudança
no comportamento do homem, atualmente lhe é permitido ter alguns traços
feminilizados, mas desde que o reconheçam dessa forma. Ou seja, ao homem é
permitido que limpe a casa, mas se reconhece antes que esse atributo não lhe é por
natureza. Tais atributos como, o afeto, a paternidade responsável, os cuidados de casa e
com a beleza, entre outros, seguem a mesma lógica. Entretanto, o homem representado
no blog “testosterona” não deixa espaço para o “lado feminino”. Entretanto, essa visão
crescente no ocidente moderno não é compartilhada no Blog aqui estudada, o
Testosterona demonstra a máxima do homem machista em que a bebida, o sexo e a
dominação o caracteriza, tendo constantemente ficar atento para não sair do mundo
macho e adentrar no campo pertencente a mulher, ao feminino.
Dessa forma, mesmo havendo uma emancipação de alguns padrões no geral, se
estabelece que o homem possa cuidar da beleza, mas sem perder a sua masculinidade. E
nisso, há um risco de extrapolar um limite do permitido e sair da heterossexualidade,
adentrando numa condição primeva da mulher, a relação de passividade, por isso
podemos perceber que no Testosterona nenhuma brecha entre os sexos é permitida,
falando do ponto de vista dos posts. Assim, segundo Torrão Filho, haveria um medo de
adentrar no campo feminino, e perder a heterossexualidade por isso. Mesmo havendo
uma liberdade maior de ação para os homens, essa liberdade está restrita a rígidos
campos de atuação, socialmente concebidos. Dessa maneira, quando se adentra na
homossexualidade, se parte da concepção de que a condição ativa do homem se perde,
estando assim numa condição inferior ao homem heterossexual. Nesse sentido, mesmo
numa relação entre homens homossexuais, as características masculinas são valorizadas
em detrimento das femininas (TORRÃO FILHO, 2005). Sendo assim, a construção da
masculinidade não acaba na socialização infantil, mas é fortalecida e reproduzida
durante toda a vida social e tem atualmente um expoente significativo, o mundo virtual.
No Blog Testosterona, o homem é heterossexual, não podendo ter nenhum lado
feminino, é dominador e provedor atuante do espaço público, a bebedeira faz parte do
universo masculino, sendo o estado de bêbado normal em alguns momentos de farra. E,
principalmente, tanto o homem quanto a mulher são tidos como seres sexuados.
No Blog Testosterona, a vivência da realidade cotidiana ou interação social se dá
por meio de uma produção de sentido em torno de “ser macho” e “ser fêmea”, do
masculino e do feminino. A mulher é representada seguindo os padrões da sociedade
ocidental moderna, no entanto, ela não está ativa na relação com o homem. Nesse
ciberespaço, a mulher é tida sexualmente, como meio de satisfação do homem. Além de
ser veiculadas mulheres em diversas poses sensuais, em “Sexta das Gostosas”, há
espaços no blog para a apresentação de mulheres que acessam o blog, em fotos sensuais,
como “Delícias”.
As mulheres, ao longo da história e em diversas culturas foram tidas como
atuantes no espaço privado, enquanto que o homem se caracteriza também pela sua
atuação pública, longe do espaço doméstico. No caso de uma relação pederasta lésbica,
ela só existiu de forma livre na Grécia Antiga antes da formação da polis (Catonné,
2001), o que denota uma formação política da cidade que empurra a mulher para o
cenário passivo e doméstico da vida social. Desde a infância, a criança é apresentada a
padrões de feminilidade e masculinidade. Além da família, que direciona a socialização
da criança tendo como base última a sua anatomia sexual, a escola, bem como a mídia, é
substancial no processo de aprendizagem do gênero e da sexualidade.
Esta imagem produzida pelo Blog denota bastante o que vemos defendendo:
Imagem 2
O gênero sendo o que dá significado as diferenças entre os sexos, as distinções
biológicas não determinam as relações de poder, e de hierarquia presente na sociedade.
O gênero é uma interpretação dada à anatomia sexual. Nesse sentido, as mulheres não
são, segundo Joan Scott (apud TORRÃO FILHO, 2005), naturalmente obedientes, castas,
perfumosas e delicadas, adquirem esses adjetivos etc. na mais forte disciplina, de tal
forma que a masculinidade do homem é posta em jogo quando ele não consegue mantêla em controle. Sendo, portanto, considerado uma aversão social a mulher/esposa se
sobrepor ao homem/marido no espaço privado e público, dominando-o.
No espaço de interação entre o administrador do Blog (através dos posts) e os
visitantes (por meio dos comentários), as mulheres concordam (geralmente) com o dito
no blog, sobre a mulher ser ativa para satisfazer seu “macho” e atuante dentro do espaço
doméstico, numa relação de proteção e dominação em relação ao homem, onde o
“macho” domina e é satisfeito. No entanto, é perceptível que as mulheres ao declararem
que concordam com os homens ou que convivem com aspectos do cenário masculino
(gostam de futebol, de muito sexo, não têm muitas atitudes que os homens não gostam),
se sentem satisfeitas e veem nessas atitudes (que agradam os homens) como “boas”
também pra sim mesmas, pois segundo elas, “ambos aproveitariam os momentos, e os
dois sairiam ganhando”. Mesmo as internautas estando num cenário cibernético, onde
uma gama de simbolismos são representados e criados, elas demonstram que têm uma
vida ativa no cenário real. Entretanto, o dever de satisfação para o homem ainda é
presente.
Conclusão
Portanto, no Testosterona, há uma nomeação do sexo, em que ele é tido como
natural e biologicamente proposto. No entanto, segundo Arán & Peixoto Junior (2007:
134), a nomeação do sexo é um ato interpretativo de coerção e de dominação, que
constrói uma realidade social através de uma construção de uma percepção da
corporeidade característica. Isto é, Judith Butler (apud ARÁN & PEIXOTO JUNIOR, 2007)
concebe que o gênero é uma identidade sutilmente construída tanto histórica quanto
socialmente, por meio da incorporação de gestos, movimentos e estilos. Para esta
autora, a relação de gênero perpassaria por toda construção simbólica, desde a política, e
nisso caracterizando o poder, até as ações mais simples do cotidiano.
Dessa forma, há uma naturalização das diferenças sociais de gênero, e uma
“sexualização” do comportamento. Isto é, ao macho, o agir como “macho” demonstraria
que seria heterossexual, quer dizer, esse comportamento seria uma expressão individual
de sua própria sexualidade. No Testosterona, a “sexualização” do comportamento é
perceptível através do conteúdo de suas postagens, que encontram reforço nos
comentários obtidos. Na maioria dos posts o assunto é o sexo, como se fazer sexo, quais
tipos de mulheres preferidas, além de alguns posts sobre conselhos sexuais para
mulheres poderem satisfazer os homens.
Sendo o corpo percebido de forma sexuada. Isso nos lança mão para pensarmos
num ponto importante da compreensão do estudo de gênero; o corpo como integrante
dessa relação simbólica entre os gêneros. De acordo com Mary Holmes (2009),
“(...) agora se entende muito claramente que a distinção entre sexo,
como biológico, e gênero, como social, tem algumas limitações, e que
os corpos precisam ser parte da análise de gênero. A maneira como
nós entendemos e organizamos a vida cotidiana em torno de
diferenças entre mulheres e homens, está de acordo com um
entendimento particular sobre (macho e fêmea) corpos sexuados e
produção de gênero (masculino e feminino) a partir do corpo.”
(tradução minha).
Nesse sentido, a vivência da realidade cotidiana ou interação social se dá por
meio de uma produção de sentido em torno de “ser macho” e “ser fêmea”, do masculino
e do feminino. Dessa forma, não se pode entender o masculino sem levar em
consideração o gênero feminino. Não que um seja o que o outro não é, ou que a relação
de gênero seja necessariamente um relação entre contrários, mas que, o que a mulher é
simbolicamente para o homem (e vice-versa) representa o que o próprio homem/mulher
é simbolicamente, para si mesmo e para a coletividade.
O homem em Testosterona, é fanático por futebol, é heterossexual, não tem
problemas com a bebida, ela na verdade, faz parte de seu mundo masculino. Ser macho,
nesse ciberespaço, está intrinsicamente ligado com a relação com a mulher (entre corpos
sexuados) e a vivência do espaço público, e o espaço off line (espaço real). Ao
comportamento do macho como dominador, o qual que deve ser sexualmente satisfeito
por mulheres. Nisso, a bebida alcoólica faz parte do comportamento que integra os
vários homens. O próprio nome do blog já denota o corpo sexuado do homem,
Testosterona, um hormônio sobremaneira masculino.
Por exemplo, no post Os 8 estágios que os homens passam depois que bebem, de
2 de setembro de 2010, que está entre os 10 mais comentados do blog (até 4/06/11), é
mostrado o que os homens fazem depois que ficam bêbados, chamados de estágios,
essas atitudes não são tidas no blog (tanto no post quanto nos comentários) como
depreciativas ou desvalorizadas, mas sim como corriqueiras e que fazem parte do
mundo masculino. Nos mais de 100 comentários deste post, os internautas (os homens)
se identificam com o conteúdo do post, acham as situações engraçadas. E, as visitantes
mulheres do blog comentam que já presenciaram essas situações de bebedeira sendo
vividas por homens, e não por elas. Havendo, portanto, socialização no espaço
cibercultural do Blog Testosterona.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARÁN, Márcia; PEIXOTO JUNIOR, Carlos A. Subversões do desejo: sobre gênero e
subjetividade em Judith Butler. Cad. Pagu (28), jan./jun. 2007, pp. 129-147.
BARRETO, Maria Cristina R. Gênero e Sexualidade. Notas de aulas proferidas na
UERN (40 horas), 2011.1.
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos contos de Fadas. 21. Ed. São Paulo: Paz e
Terra, 2007.
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