A minha versão sobre a quarta tela

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Internacional Julius Wiedemann
A minha versão sobre a quarta tela
Já que todo mundo escreveu sobre o iPad, e fui
obrigado a dar a minha opinião tantas vezes, eu queria
colocar meu ponto de vista por escrito de maneira
bastante abrangente. Ainda mais agora que o produto
está sendo comercializado. Mais do que isso, gostaria
de colocar alguns dados que não foram sequer
lembrados pela mídia em geral, que tiveram algumas
falhas em analisar o novo lançamento da Apple.
Muitos meios pareceram demasiadamente
tendenciosos, porque serão os diretamente afetados
pelo aparelho. A maioria dos artigos ficou entre o
pessimismo, a proteção do “coitadinho” do Kindle e
um otimismo controlado para não dar muito na cara.
Para início de conversa, declaro-me usuário convicto
- e de certa forma apaixonado - da Apple, para que
essa pergunta não se faça necessária, mas preciso
salientar também que não foi sempre assim. Comecei
minha profissão usando Windows e o fiz até um
momento bem avançado da carreira.
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Quando entrei na Taschen, em 2001, todos
os editores usavam Windows e isso só
veio a mudar porque como me foi encomendado um Mac (eu então editava os
livros e também cuidava de grande parte
do processo de design), meu chefe se
deu conta de que todos também podiam
usar um Mac. Hoje, menos da metade da
empresa usa PCs.
O flerte entre a Apple e os palm tops (ou
hand pads) é antigo. Tem mais de 20 anos.
O Newton, que era um excelente device,
foi desenvolvido pela Apple entre 89 e 98
e teve seu sistema operacional utilizado
ainda em outros aparelhos. Mas alguém se
lembra dele? Bom, os jornalistas não lembraram muito. A Apple, na ocasião, estava
20 anos a frente do mercado e isso foi um
grande problema. Apesar de um avanço,
o aparelho não deu certo. Sua tecnologia
de reconhecimento de escrita era fora de
série. Produzido pela Sharp, no Japão, o
Newton acabou sendo um aparelho de
nicho, mesmo dentro dos usuários de Mac.
No entanto, a visão da empresa, ou
melhor, de Steve Jobs, já era incrível. Esse
espaço no mercado me parece que sempre
existiu. Porém, quando se adquire algo
assim, o cálculo de custo/benefício é o
mais importante para o usuário. E, dentro
dessa lógica, algumas perguntas surgem
imediatamente: quantas tarefas podem
ser executadas? Quanto custa? Quanto de
overlapping existe entre outros aparelhos
que eu já possuo? Quão sincronizadas
Li comentários de que a
Apple agora controla o
futuro. Isso é uma asneira.
Mais do que nunca, quem
manda no futuro são os
consumidores
estarão as informações com meus outros
aparelhos? Foi só agora que a Apple conseguiu responder a essas e outras questões
de maneira tão contundente.
A CRÍTICA QUE MAIS OUVI SOBRE O IPAD
é de que ele é “apenas” um iPod Touch
grande! Apenas? Por que então ninguém
fez nada tão bom antes? Toda a discussão
sobre o futuro de uma leitura e mídia
móvel já acontece há anos. Admira-me,
então, que empresas como Sony, HP,
Toshiba, Panasonic, LG e muitas outras não
terem feito nada que chegasse aos pés do
iPad em todos esses anos.
Agora, já é - mais uma vez - tarde para
eles. E, nesse caso, temos que bater palmas
para Amazon, que lançou, em novembro
de 2007, o primeiro Kindle. Eles tiveram,
pelo menos, a coragem de colocar no mercado algo viável, que fosse integrado com a
sua estratégia de vendas on-line.
O aparelho, porém, não desenvolveu
rápido o suficiente e se posiciona cada vez
mais como tendo apenas uma função (ou
duas, se contarmos o jornal on-line). Sua
tela melhorou de tamanho com o último
lançamento, mas a inexistência de cor
(que se especula, pode mudar com uma
versão que ainda está sendo desenvolvida) diminui ainda mais as aplicações.
Não que o aparelho vá morrer, mas a sua
utilidade ficou agora reduzidíssima. Se
ele, de repente, passar a custar 50 dólares,
ainda pode ser um grande sucesso, a meu
ver. A Amazon, no entanto, certamente
continuará a vender os livros on-line e terá
o suporte de seu App na loja iTunes. Quem
está em risco é o Kindle, não a Amazon.
A outra dúvida que se coloca sobre o
iPad é se ele vai atrair usuários que não
tenham Mac. Nesse quesito, a resposta é
mais o iTunes do que o iPad (ou mesmo
o iPhone e o iPod) que ditou o sucesso da
empresa com os produtos. Convergência
versus conveniência. Eu defino assim a
necessidade (ou, para os menos radicais,
a possibilidade) de existência de um leitor
intermediário como o iPad.
O futuro da quarta tela agora depende
de uma combinação entre a disponibilidade de conteúdo, a capacidade dos
aparelhos que estão surgindo (que são
vários, é só procurar em sites de gadgets), a
integração desses aparelhos com os dados
que temos armazenados e, finalmente, de
um preço adequado que nos deixe encorajados para comprá-los. Daqui para frente,
a leitura de uma coluna como essa pode
mudar drasticamente... E para melhor.
O APARELHO SE COLOCA no que está sendo
chamado de a “quarta tela”, numa alusão às
outras três telas que usamos diariamente:
a TV, o computador e o celular. O formato
escolhido também foi apropriado para
popularizar o aparelho o mais rápido possível. O uso do ePub pode acelerar a adoção
porque já existem muitas lojas vendendo
nesse formato e isso permitiria que muitos
títulos já comprados fossem imediatamente usados no novo aparelho.
Li comentários de que a Apple agora
controla o futuro. Isso é uma asneira. Mais
do que nunca, quem manda no futuro são
os consumidores. Nós queremos soluções,
e quando são entregues, claro que as
utilizamos. A velocidade de mudança hoje
é enorme e ser líder de mercado agora não
garante a ninguém uma liderança daqui a
dez ou 20 anos.
Julius Wiedemann
Nasceu e cresceu no Brasil, onde estudou Design e Marketing (sem terminar) até que teve
a oportunidade de ir para o Japão. Trabalhou
como designer de revistas e jornais até se
tornar editor de arte (e posteriormente editor)
de uma editora japonesa. Em 2001, a editora
alemã TASCHEN (www.taschen.com) o contratou para ser o editor responsável pelas áreas
de design e pop culture. Por lá, desenvolve o
programa de títulos nas áreas de propaganda,
graphic design, web, animação etc.
[email protected]
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