UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA - UDESC CENTRO DE CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS – CCT DEPARTAMENTO DE QUÍMICA – DQMC Profa. Márcia Margarete Meier Alunas: Ângela G. L. L. Andrade, Dirlaine Kosenhoski Colóides A ciência dos colóides apresenta-se como um sistema nos quais um ou mais dos componentes apresentam pelo menos uma das dimensões dentro do intervalo de 1 nm e 1 µm, ou seja, sistemas contendo moléculas grandes ou pequenas partículas. As leis naturais da física e da química que descrevem o comportamento da matéria, podem ser igualmente aplicadas ao estado coloidal. Já os fatores que mais contribuem para a natureza de um sistema coloidal são as dimensões das partículas, forma e flexibilidade das partículas, propriedades superficiais, interações partículapartícula e partícula-solvente (Shaw, 1975). Os colóides podem ser agrupados em 3 classificações gerais: 1. Dispersões coloidais – termodinamicamente instáveis, pela sua elevada energia livre de superfície, e constituem sistemas irreversíveis, que não podem ser reconstituídos facilmente após a separação de fases; 2. Soluções verdadeiras de substâncias macromoleculares – termodinamicamente estáveis, e também reversíveis, pois podem ser reconstituídas facilmente depois de separar o soluto do solvente; 3. Colóides de associação – termodinamicamente estáveis. O nome dado a um colóide depende das duas fases presentes. Um sol é uma dispersão de um sólido num líquido (exemplo, aglomerados de ouro em água) ou um sólido num sólido (exemplo, o vidro rubi, que é um sol de ouro no vidro, e cuja a cor é fruto do espalhamento da luz). Aerossol é uma dispersão de um líquido num gás (sprays, por exemplo) ou de um sólido num gás (fumaça, por exemplo). Os princípios relacionados com os diferentes sistemas coloidais da Tabela 1 baseiam-se em propriedades comuns a todos os colóides: tamanho e elevada relação área/volume de partículas. As partículas dispersas podem ter tamanhos diferentes e por isso o sistema coloidal é denominado polidisperso. Os sistemas com partículas de um mesmo tamanho são monodispersos. As macromoléculas de proteínas sintetizadas biologicamente têm todas um mesmo tamanho e massa molecular, por isso dão origem a colóides monodispersos (Levine, 2014). Tabela 1.Tipos de colóides Fase do Substância dispersante Substância dispersa colóide (semelhante a solvente) (semelhante a soluto) Gás Gás Gás Tipo de colóide Exemplo - Nenhum (todos são soluções) Gás Gás Líquido Aerossol Nevoeiro Gás Gás Sólido Aerossol Fumaça Líquido Líquido Gás Espuma Chantili Líquido Líquido Líquido Emulsão Leite Líquido Líquido Sólido Sol Tinta Sólido Sólido Gás Espuma sólida Marshmallow Sólido Sólido Líquido Emulsão sólida Manteiga ou líquida Sólido Sólido Sólido Sol sólido Vidro vemelho Fonte: Brown et al. (2012) p. 471 As diferentes interações entre as fases dispersa (partículas) e a de dispersão (contínua) constituem um dos pontos críticos do comportamento e da estabilidade dos colóides. As propriedades físicas e químicas de ambas as fases controlam essas interações. Tais interações da superfície incluem as coulombianas de repulsão eletrostática, as de atração de van der Waals, as de repulsão estérica e as de solvatação. Forças hidrodinâmicas (difusão) também atuam no sistema de multipartículas dispersas simultaneamente às interações de superfície. Portanto, esses sistemas de partículas coloidais precisam de um modelo sistematizado para explicar a influência das interações na estabilidade cinética e termodinâmica do colóide. Por exemplo, a produção de pó cerâmico ou de látex de polímero com partículas uniformes de igual tamanho requer o conhecimento idealizado para prever a reprodução das propriedades dos respectivos sistemas coloidais (Junior Miguel, 1999). Os termos liófilo (atração por líquidos) e liófobo (aversão a líquidos), indicam a tendência de uma superfície ou de um grupo funcional de se umedecer ou solvatar. Quando o AgCl sólido é colocado em contato com a água, ele não se dispersa espontaneamente formando um sistema coloidal. Os sois que não conseguem ser formados por dispersão espontânea são chamados liofóbicos (‘que tem aversão a solvente’). Os sois liofóbicos são termodinamicamente instáveis em relação à separação em duas fases macroscópicas não misturadas, mas a velocidade de separação pode ser extremamente pequena (Junior Miguel, 1999). Características dos Colóides Uma das características dos colóides é a movimentação rápida, aleatória, desordenada e caótica das partículas da fase dispersa. Este fenômeno denomina-se movimento browniano. A superfície das partículas coloidais geralmente possui uma carga elétrica por causa da adsorção de íons ou da ionização dos grupos na partícula, tais como os grupos carboxila e amino das proteínas. Desta forma, as partículas se repelem ganhado estabilidade, as partículas coloidais podem ter tanto carga positiva como negativa e a neutralização da carga elétrica torna um colóide instável e insolúvel (Atkins, 2008). Como consequência do movimento browniano, umas das propriedades mais importantes das dispersões coloidais é a tendência de agregação de partículas. Os frequentes choques entre as partículas dispersas num meio líquido, serão determinantes para a estabilidade de dispersão, sendo determinada pela interação entre as partículas durante estes choques (Atkins, 2008). As forças de atração de van der Waals que se manifestam entre as partículas são a principal causa da agregação de partículas, a estabilidade da dispersão que se opõe à agregação, é uma consequência da interação repulsiva entre as duas camadas de cargas iguais, e da afinidade partícula-solvente. Esta afinidade partícula-solvente provoca estabilização sobretudo por processos mecânicos, que podem ser considerados em termos de uma variação positiva de energia de solvatação que acompanha a agregação das partículas. A adsorção de materiais poliméricos sobre a superfície das partículas favorece usualmente um aumento de estabilidade de dispersão, por causa de um aumento de afinidade partícula-solvente e por causa de um mecanismo de natureza entrópica, essa adsorção pode contudo induzir uma agregação de partículas, por favorecer uma interligação das mesmas por pontes (Shaw, 1975). Uma fase coloidal é termodinamicamente instável em relação à fase contínua. Esta instabilidade pode ser expressa termodinamicamente observando-se que a variação da energia de Gibbs, dG, quando há alteração da área superficial de uma amostra de dσ, a uma temperatura e pressão constantes, é dG = γdσ, γ é a tensão interfacial. Desta forma, dG<0 quando dσ<0. A existência dos colóides se deve então à cinética da diminuição da área superficial. Os colóides são termodinamicamente instáveis, mas cineticamente não (Atkins, 2008). Dupla camada elétrica A carga elétrica na superfície das partículas é a fonte mais importante da estabilidade. Devido a está carga, os íons com cargas de sinais opostos tendem a se agrupar em torno delas e forma-se uma atmosfera iônica, de maneira semelhante ao que acontece com os íons. Existem duas regiões nessa esfera que devem ser distinguidas. A primeira é uma camada de íons, quase imóvel, que adere firmemente à partícula coloidal e que pode incluir moléculas de água (em meios aquosos). O raio da esfera que captura essa camada rígida é chamado de raio de cisalhamento e é o fator principal na determinação da mobilidade das partículas. Na região do raio de cisalhamento o potencial elétrico, é chamado de potencial zeta, ζ, ou potencial eletrocinético. A segunda região é uma atmosfera de íons móveis, atraídos pela unidade carregada e com sinal da carga oposto ao da partícula. A camada interna de carga e a atmosfera iônica externa constituem a dupla camada elétrica representada na Figura 1 (Shaw, 1975). Figura 1. Esquema da dupla camada em um superfície de carga positiva. Camada fixa de íons de carga contrária à da superfície da partícula (camada de Stern) e de uma camada móvel de íons (camada difusa). Fonte: Shaw (1975). B. Derjaguin e L. Landau e, independentemente, E. Verwey e J.T.G. Overbeek desenvolveram a teoria da estabilidade das dispersões liofóbicas (conhecida como teoria DLVO). O modelo teórico admite que existe um equilíbrio entre a interação repulsiva das cargas das duplas camadas elétricas sobre as partículas vizinhas e a interação das forças de van der Waals entre as moléculas nas partículas (Figura 2). A energia potencial da repulsão das duplas camadas sobre as partículas de raio a tem a forma Vrepulsão = + 𝜁 2 𝐴𝑎 2 𝑅 −𝑠 𝑒 𝑟𝐷 onde A é uma constante, ζ é o potencial zeta, R é a separação entre os centros, s é a separação entre as superfícies das duas partículas (s = R – 2a, no caso de partículas esféricas de raio a) e rD a espessura da dupla camada. Esta expressão é válida para partículas pequenas com dupla camada espessa (a<<rD). Quando a camada dupla for 1 −𝑠 delgada (a>>rD) a expressão será Vrepulsão=2 𝜁 2 𝐴𝑎 ln(1 + 𝑒 𝑟𝐷 ). Em cada caso, a espessura da camada dupla pode ser estimada por uma expressão semelhante à da espessura da atmosfera iônica 𝜀𝑅𝑇 )1/2 2𝐹 2 𝜌𝐼𝑏ө na teoria de Debye-Hückel, sendo rD = ( onde I é a força iônica da solução, ρ a sua densidade, e bө = 1mol kg-1. A energia potencial proveniente da interação atrativa é Vatração = B é constante (Atkins, 2008). 𝐵 𝑠 onde Figura 2. Energia potencial de interação entre duas partículas (repulsão eletrostática). Fonte: Shaw (1975). Quando a força iônica é elevada, a atmosfera iônica é densa e o potencial exibe um mínimo secundário em separações grandes. A agregação das partículas provocada pelo efeito estabilizador deste mínimo secundário é chamada de floculação. A floculação e coagulação são processos químicos e físicos em que partículas muito pequenas são agregadas, formando flóculos, para que possam decantar-se. Essa é uma das primeiras etapas do tratamento de água. A força iônica aumenta pela adição de íons ao sistema, em especial de íons com carga elevada. A regra de Schulze-Hardy que refere-se a estes íons que atuam como agentes floculantes, afirma que colóides hidrofóbicos são floculados com maior eficiência por íons de carga oposta e com número de carga elevado (Shaw, 1975). Desta forma, a dupla camada elétrica confere às partículas estabilidade cinética. A colisão das partículas coloidais só rompe a dupla camada e provoca a coalescência entre elas se tiver energia suficiente para destruir as camadas de íons e das moléculas de solvatação, ou se a agitação térmica perturbar a acumulação de cargas na superfície. Em temperaturas elevadas está destruição pode ocorrer, sendo esta a explicação da precipitação dos sóis pelo aquecimento (Shaw, 1975). Como as partículas de uma dispersão apresentam geralmente uma densidade um pouco diferente da do meio de dispersão, elas tendem a se acumular, sob o efeito da gravidade, no fundo da superfície do recipiente. Uma velocidade de sedimentação de até cerca de 10-8 ms-1 é geralmente contrabalançada pela difusão e convecção, que tendem a manter a mistura dispersa. Desta forma, a agregação das partículas favorece a sedimentação (Atkins, 2008). Referências Bibliográficas ATKINS, Peter; PAULA, Julio de. Físico-Química. 8. ed. Rio de Janeiro: Ltc, 2008. BROWN, Theodore L. et al. Química: a ciência central. 9. ed. São Paulo: Pearson, 2012. SHAW, Duncan J.. Introdução a Química dos Colóides e de Superfícies. São Paulo: Edgard Blücher, 1975. JUNIOR MIGUEL, J.; VARANDA, L. C. O mundo dos colóides. Química Nova na Escola, n. 9, maio 1999. LICÍNIO, P. e DELAYE, M. Da catarata aos colóides, Ciência Hoje, v. 6, n. 33, jul/1987, p. 13. LEVINE, Ira N. Físico-Química. 6. ed. Rio de Janeiro: Ltc, 2014.